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INTRODUÇÃO À

GEOTECNIA

Amabelli Nunes dos Santos


Velocidade de descarga
e fluxo de percolação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever os fatores que influenciam na permeabilidade.


 Reconhecer o fluxo de percolação em solos anisotrópicos e
estratificados.
 Calcular a velocidade de descarga e a velocidade real de percolação
em solos.

Introdução
Nos solos, a migração dos fluidos pelos vazios gera pressões sobre seu
esqueleto sólido, composto pelas partículas minerais. Essas pressões afetam
o estado de tensões do maciço e se alteram de acordo com variações no
regime de fluxo. Assim, verifica-se que os solos são permeáveis devido à
existência de interconexão entre os poros, permitindo o fluxo de água
de pontos de maior energia (ou carga hidráulica) para pontos de menor
energia, sendo que a água é transmitida através dos poros (espaços vazios).
Neste capítulo, você vai entender como o estudo da percolação nos
solos é importante para a resolução e compreensão de diversos problemas
que envolvem fluxos de água nos solos. Além disso, aprenderá quais são os
fatores que influenciam a permeabilidade e como determinar o coeficiente
de permeabilidade tanto na direção vertical quanto na horizontal.

1 Fatores que influenciam na permeabilidade


A permeabilidade é uma das grandezas dos solos que apresentam maior va-
riabilidade, por depender de diversos fatores. Essa variável representa uma
grandeza tensorial (vulgarmente designada de vetorial) que define determinado
padrão de fluxo ( flow pattern).
2 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

O parâmetro de permeabilidade permite caracterizar a capacidade dos solos de


transportar água e tem relação direta com importantes implicações práticas, como
(CAPUTO, H.; CAPUTO, A., 2015; PINTO, 2006):
 o cálculo das vazões, a estimativa da quantidade de água que se infiltra numa
escavação ou a perda de água do reservatório de uma barragem;
 a análise de recalques, que estão frequentemente relacionados com uma diminuição
do índice de vazios, que ocorre pela expulsão de água;
 estudos de estabilidade geral da massa de solo, pois a tensão efetiva (que comanda
a resistência do solo) depende da pressão neutra, que, por sua vez, depende das
tensões provocadas pela percolação da água;
 possibilidades da água de infiltração produzir erosão e, consequentemente, o
arraste de material sólido no interior do maciço (piping).

Dessa forma, o mesmo tipo de solo pode apresentar diferentes coeficientes de


permeabilidade. A Figura 1 ilustra como o coeficiente de permeabilidade apresenta
diferentes valores para diferentes tipos de solo. Dentre os diversos fatores que
influenciam na permeabilidade de um solo, podemos destacar índice de vazios,
temperatura, estrutura do solo, grau de saturação e estratificação do terreno.

Figura 1. Variação de valores do coeficiente de permeabilidade em diferentes tipos de solo.


Fonte: Adaptada de Mello e Teixeira (1967).

Índice de vazios
A permeabilidade dos solos se relacionada com o índice de vazios e, por
consequência, com sua respectiva porosidade. Em geral, quanto mais poroso
for um solo, maior serão seu índice de vazios e sua permeabilidade. A equação
de Taylor estabelece uma relação entre a permeabilidade e o índice de vazios
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 3

de um solo. Dessa forma, conhecendo-se o coeficiente de permeabilidade (k)


de determinado solo com certo índice de vazios (e,) pode-se calcular o k de
outro solo para outro e pela proporcionalidade:

No entanto, não basta conhecermos o índice de vazios dos solos para


caracterizar de maneira confiável sua maior ou menor permeabilidade, uma
vez que amostras de um mesmo solo, todas com o mesmo índice de vazios,
podem apresentar permeabilidades diferentes em função da estrutura. Ou
seja, a disposição relativa dos grãos influencia diretamente o parâmetro de
permeabilidade de determinado solo.

A equação de proporcionalidade de Taylor precisa ser adequada a solos argilosos, para


garantir a obtenção de valores mais próximos da realidade. Nesse caso, uma melhor
correlação pode ser obtida entre o índice de vazios e o logaritmo do coeficiente de
permeabilidade.

Estrutura dos solos


A estrutura dos solos diz respeito ao modo como as partículas sólidas estão
organizadas dentro da massa. Nos solos argilosos, existem estruturas em que
atuam forças de natureza capilar e molecular, as quais dependem da forma
das partículas. Já nos solos arenosos, o arranjo estrutural é mais simplificado,
constituindo-se por canalículos, interconectados por onde a água flui.
De uma forma geral, conforme Pinto (2006), amostras que estão no es-
tado disperso apresentam menor permeabilidade que amostras de estrutura
floculada. Isso ocorre devido à orientação paralela das partículas em estado
disperso, quando apresentam vazios menores, de forma contrária ao que ocorre
quando as partículas apresentam-se de maneira aleatória, floculada, quando
4 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

os vazios são maiores. Isso se verifica em solos que, quando compactados


no ramo seco, apresentam as partículas dispostas de forma floculada, permi-
tindo maior passagem de água do que quando compactados no ramo úmido,
em que a estrutura se apresenta dispersa, ainda que com o mesmo índice de
vazios. O Quadro 1 exemplifica a variação do coeficiente de permeabilidade
em função da umidade de compactação para um solo cujo índice de vazios
se mantém inalterado.

Quadro 1. Variação do coeficiente de permeabilidade dos solos

Umidade de Coeficiente de
compactação Índice de vazios (e) permeabilidade (k)

17% 0,71 2 × 10 -8 m/s

19% 0,71 9 × 10 -9 m/s

21% 0,71 5 × 10 -9 m/s

Fonte: Adaptado de Pinto (2006).

Temperatura, grau de saturação e estratificação


A permeabilidade também sofre influência do peso específico do solo
e da viscosidade do fluido que o percola. Segundo Pinto (2006), essas
duas propriedades variam com a temperatura. Embora a variação do peso
específico seja pouco significativa, a viscosidade apresenta variação
significativa com relação à temperatura. Conforme a temperatura da
água se eleva, sua viscosidade diminui. Por sua vez, quanto menor a
viscosidade da água, maior será sua permeabilidade Isso significa que a
água mais facilmente escoará pelos poros do solo. Em outras palavras,
o coeficiente de permeabilidade (k) é inversamente proporcional à vis-
cosidade. Em geral, os valores de k são referidos para uma temperatura
de 20°C, seguindo a formulação:
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 5

onde:

k20 é o coeficiente de permeabilidade à temperatura de 20°C;

kt é o coeficiente de permeabilidade à temperatura T;

η20: é a viscosidade da água à temperatura de 20°C;

ηt é a viscosidade da água à temperatura de T;

Cv é a relação entre viscosidade e temperatura, disponível em ábacos.


Já quando se trata do grau de saturação em que determinado solo se en-
contra, constata-se que, quanto maior o grau de saturação de um solo, maior
será sua permeabilidade, pois a presença de ar nos vazios do solo constitui
um obstáculo ao fluxo de água.
A estratificação do solo também caracteriza um importante fator que
define a permeabilidade, uma vez que estruturas estratificadas geralmente
apresentam diferenças entre os valores de permeabilidade, fazendo com que
a água percole de diferentes formas tanto na direção horizontal quanto na
vertical de uma mesma amostra.
Muitos são os fatores capazes de influenciar a permeabilidade de um solo.
Esses fatores estão correlacionados com a própria estrutura do maciço ou com
agentes externos que modificam o arranjo das partículas do solo, alterando
suas características de permeabilidade, deformabilidade e resistência

2 Fluxo de percolação em solos anisotrópicos


e estratificados
Os perfis de solos em seus estados naturais podem ser constituídos por camadas
que apresentam diferentes características de resistência, permeabilidade e
deformabilidade. Nesse contexto, a permeabilidade média do maciço dependerá
da direção do fluxo em relação à orientação das camadas. De forma geral,
considera-se o fluxo na direção paralela à estratificação e o fluxo perpendicular
à estratificação (CAPUTO, H.; CAPUTO, A., 2015).
A percolação corresponde ao movimento da água dentro dos interstícios
do solo (Figura 2). A capacidade que o solo tem de permitir esse movimento
é caracterizada pela permeabilidade, expressa numericamente pelo coefi-
ciente de permeabilidade (k). Esse coeficiente é determinado baseando-se
6 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

nos princípios da lei de Darcy, que estabelece que a velocidade de percolação


(V) é diretamente proporcional ao gradiente hidráulico e que varia segundo
a direção estudada, vertical e horizontal.

Figura 2. Simulação da percolação do solo.


Fonte: Adaptada de Western University (2020).

Fluxo paralelo aos planos das camadas de solo


Na direção horizontal, as diferentes camadas estão sujeitas ao mesmo gradiente
hidráulico (i), mas apresentam coeficientes de permeabilidade horizontal (kh)
distintos. Assim, a velocidade de fluxo (V) será diferente para cada camada,
uma vez que V = ki.
A partir da lei de Darcy, em que a vazão (Q) é equivalente ao produto entre
o coeficiente de permeabilidade (k) pelo gradiente hidráulico (i) pela área (A):

temos que:
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 7

Como: i1 = i2 = ...in

Assumindo kh como a permeabilidade média do solo paralela à estratificação


e assumindo que a área de cada seção é a produto da altura da camada por sua
largura e que todas as camadas apresentam a mesma largura, a permeabilidade
do maciço pode ser determinada a partir da formulação:

A Figura 3 ilustra o fluxo paralelo aos planos das camadas de solo, consi-
derando um comprimento unitário na direção perpendicular ao plano. A área
de fluxo de cada camada será h para todas as camadas.

Figura 3. Fluxo paralelo.


8 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

Fluxo perpendicular aos planos das camadas de solo


Na direção vertical, as diferentes camadas apresentam a mesma velocidade
de fluxo (V) para um escoamento contínuo. Nesse caso, a perda de carga (Δh)
é diferente em cada camada do estrato.
Portanto:

Daí obtém-se sucessivamente:

Ao considerar h1, h2... hn como a espessura de cada camada de solo e k1,


k2... kn como os coeficientes de permeabilidade de cada camada, a equação da
permeabilidade média na direção vertical (kv) pode ser descrita como:
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 9

A Figura 4 apresenta o esquema de fluxo perpendicular aos planos das


camadas de solo.

Figura 4. Fluxo perpendicular.

Fluxo paralelo versus fluxo perpendicular


Grande parte dos solos apresenta anisotropia de permeabilidade, com
coeficientes de permeabilidade segundo a horizontal, k h, muito superiores
aos mesmos coeficientes segundo a vertical, kv. Essa anisotropia em rela-
ção à permeabilidade pode ser condicionada por diversos fatores, como
textura, estrutura, arranjo e presença de feições geológicas nas camadas.
Além disso, a presença de estratificações, e consequente alinhamento de
partículas do solo, na direção horizontal durante o processo de formação
ou de compactação do material também é um fator condicionante para a
existência da anisotropia.
10 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

Como exemplo, imaginemos um terreno isotrópico esquematizado segundo


a ilustração da Figura 5.

Figura 5. Exemplo de esquema de um solo isotrópico.

Agora vamos supor que queremos determinar os coeficientes de perme-


abilidade na direção horizontal e vertical. Para encontrarmos a solução do
coeficiente de permeabilidade horizontal, aplicamos a seguinte fórmula:

Já para encontrarmos o coeficiente de permeabilidade vertical, aplicamos


a fórmula equivalente:
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 11

Dessa forma, verificamos que, para solos isotrópicos estratificados, o


coeficiente de permeabilidade vertical é muito menor que o horizontal. Isso
significa que a água percola mais facilmente na direção horizontal do solo.
Reconhecer o fluxo de percolação em solos estratificados e anisotrópicos
é fundamental para entender o comportamento da permeabilidade na prática
da engenharia. A espessura das camadas de solo pode variar dependendo das
condições de formação. Dessa forma, as camadas podem apresentar espes-
suras de pequena extensão (na ordem de centímetros) até grandes extensões
(na ordem de metros). Quanto mais estratificado é o solo, mais diferenças ele
apresentará com relação aos valores de permeabilidade nas direções vertical
e horizontal, principalmente no contato entre as camadas.
Em se tratando da anisotropia dos solos, é importante ressaltar que uma
mesma camada pode apresentar anisotropia dos parâmetros. Dependendo das
condições de formação de cada solo, e também de como as partículas minerais
se agrupam no interior da sua massa, entre outros fatores, essa anisotropia
pode ser mais pronunciada em uma única camada ao longo da profundidade.

3 Velocidade de descarga e velocidade real


de percolação em solos
Sabe-se que a água escoa pelo solo através dos seus vazios. Tomando como
base a lei de Darcy, a velocidade é a razão entre a vazão e a área total. Na
prática, segundo Caputo, H. e Caputo, A. (2015), é mais conveniente utilizar
nos cálculos a área total da seção transversal da amostra de solo do que a
área média de seus vazios. Sendo assim, o coeficiente de permeabilidade (k)
é definido pela velocidade média aparente de escoamento da água (V) através
da área total do solo (sólidos + vazios) sob um gradiente hidráulico (i). A essa
velocidade dá-se o nome de velocidade de descarga (ou de aproximação).
12 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

No entanto, é sabido que a água flui pelo solo através dos seus vazios,
definindo assim a velocidade real de percolação nos solos como a relação entre
a velocidade de descarga e a porosidade (η), admitindo-se proporcionalidade
entre as áreas e volumes. A velocidade real (Vf ) é encontrada a partir da equação:

Na Figura 6, observa-se a velocidade real (Vf ) dos solos como a distância


entre os pontos R e S dividida pelo tempo que uma partícula de água leva
para percorrer toda a amostra de solo. Conclui-se que a velocidade com
que a água percola pelos vazios do solo não é a mesma velocidade dada
pela lei de Darcy. A área que a água atravessa não é a total, mas sim a
seção transversal de vazios. Nessa imagem, ainda é possível observar que,
com base nos princípios da lei de Darcy, a velocidade real de escoamento
é maior que a velocidade de descarga, pois a área de vazios (Af ) é menor
que a área total da amostra (A).

Figura 6. Esquema de velocidades de percolação e de fluxo.


Fonte: Adaptada de Pinto (2006).
Velocidade de descarga e fluxo de percolação 13

Vejamos um exemplo prático dessas relações. Imaginemos que os resulta-


dos de um ensaio de permeabilidade de carga constante para uma amostra de
areia fina com diâmetro de 20 cm e comprimento de 40 cm apresentou uma
condutividade hidráulica (k) de 0,0034 cm/s. Como poderíamos determinar a
velocidade de fluxo real para esse solo.
Dados adicionais:

Diferença de cota da carga constante (Δh) = 50 cm


Índice de vazios (e) da areia = 0,61

Solução:

onde

Sabendo que o gradiente hidráulico (i) é dado por:

Assim:
14 Velocidade de descarga e fluxo de percolação

A partir desses dados, define-se a velocidade real da amostra:

Dessa maneira, fica evidenciado que a velocidade real do fluxo é maior


que a velocidade de descarga do solo.

CAPUTO, H. P.; CAPUTO, A. N. Mecânica dos solos e suas aplicações: fundamentos. 7. ed.
Rio de Janeiro: LTC, 2015. v. 1.
MELLO, V. F. B.; TEIXEIRA, A. H. Mecânica de solos. São Carlos: EESC/USP, 1967.
PINTO, C. de S. Curso básico de mecânica dos solos. 3. ed. São Paulo: Oficina de Textos,
2006.
WESTERN UNIVERSITY. London: Western, 2020. Disponível em: https://www.uwo.ca/
research/. Acesso em: 13 set. 2020.

Leitura recomendada
KNAPPETT, J. A.; CRAIG, R. F. Mecânica dos solos. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2014.

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