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GEOTECNIA

APLICADA

Ronei Tiago Stein


Barragens de terra:
fluxo de água em meio
não confinado

Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Sintetizar os conceitos básicos sobre fluxo de água em solos.


 Descrever redes de fluxo em meio não confinado.
 Avaliar a ocorrência de instabilidades hidráulicas.

Introdução
As barragens de terra são estruturas muito comuns no Brasil e utilizadas
para diferentes fins, principalmente para armazenamento de água ou
rejeitos (comum em áreas de mineração). Porém, nesse tipo de estrutura,
é essencial tomar cuidados com a percolação, ou seja, o movimento da
água no interior do solo. Na grande maioria dos casos, a percolação da
água no solo não é unidirecional ou uniforme ao longo de toda a área
perpendicular ao fluxo. Nesses casos, a percolação da água acaba sendo
calculada por meio de gráficos, os quais são denominados redes de fluxos.
Neste capítulo, você vai conhecer a importância do fluxo de água em
solos e os cuidados necessários nesse contexto. Além disso, vai ver o que
são as redes de fluxo em meio não confinado e quais são os riscos que
podem ocasionar em barragens de terra.

1 Fluxo de água em solos


De acordo com a NBR 6502 (ABNT, 1995), o solo é defi nido como um ma-
terial proveniente da decomposição das rochas pela ação de agentes físicos
ou químicos, podendo, ou não, ter matéria orgânica, ou, simplesmente,
2 Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado

como o produto da decomposição e da desintegração da rocha pela ação de


agentes atmosféricos. Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (2012) afi rmam que,
em geral, o solo é constituído por 50% de sólidos (cerca de 45% de origem
mineral e 5% orgânica), 25% de líquidos e 25% de gases, além de conter
organismos vivos. A Figura 1 apresenta uma representação de um solo e
seus constituintes.

Figura 1. Solo e suas partes constituintes.


Fonte: Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (2012, p. 68).

A parcela líquida do solo tem origem na água das chuvas, a qual acaba
infiltrando pelos espaços existentes entre as partículas do solo conforme sua
permeabilidade. Cabe ressaltar que, quando a permeabilidade é pequena,
há maior probabilidade da ocorrência de processos erosivos, já que, por
não se infiltrar adequadamente, a água segue para vales e rios, carregando
sedimentos.
Todos os solos possuem poros e, conforme Das (2013) e Marangon
(2018), são permeáveis devido à existência de interconexão entre esses
poros. A porosidade dos solos é um fator muito estudado na engenharia
geotécnica e de fundamental importância em relação a barragens de terra,
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 3

já que solos permeáveis permitem o fluxo da água de pontos de maior


energia (ou carga hidráulica) para pontos de menor energia, e a água é
transmitida através dos poros (espaços vazios). Logo, pode-se dizer que
a permeabilidade é o parâmetro que permite caracterizar a capacidade
do solo transportar água.
Na engenharia, é importante analisar o teor de umidade do solo. Conforme
Marangon (2018), a água, ao se mover no interior de um maciço de solo,
exerce forças que influenciam o estado de tensão do maciço. Os valores de
pressão neutra (da água) e, com isso, os valores de tensão efetiva (na estrutura
granular) em cada ponto do maciço são alterados em decorrência de alterações
de regime de fluxo.
Na engenharia geotécnica, é fundamental saber sobre as características
do fluxo de água através dos solos, pois esses interferem em questões como
estabilidade de taludes, controle de águas subterrâneas e apresentam grande
importância e relação em projetos de estruturas hidráulicas (diques, barragens,
cais, dentre outros) (DAS, 2013).
Machado e Machado (2020) complementam a importância dos estudos dos
fluxos de água nos solos, afirmando que auxiliam a:

 estimar a vazão de água (perda de água do reservatório da barragem)


através da zona de fluxo;
 instalar poços de bombeamento e rebaixamento do lençol freático;
 verificar eventuais problemas de colapso e expansão em solos não
saturados;
 dimensionar sistemas de drenagem;
 dimensionar liners em sistemas de contenção de rejeitos;
 prever recalques diferidos no tempo;
 analisar a influência do fluxo de água sobre a estabilidade geral da
massa de solo (estabilidade de taludes);
 analisar a possibilidades da água de infiltração ocasionar erosão, arraste
de material sólido no interior do maciço, dentre outras consequências.

Mas como é possível calcular a permeabilidade de água no solo? A equação


de Bernoulli (Figura 2) permite estimar a quantidade de fluxo subterrâneo
sob diversas condições hidráulicas. A carga total de um ponto na água em
movimento pode ser dada pela soma das cargas piezométricas, cinética e
altimétrica.
4 Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado

Figura 2. Equação de Bernoulli.


Fonte: Adaptada de Das (2013).

De acordo com Machado e Machado (2020), a água exerce nas partículas


sólidas do solo forças que influenciam no estado de tensões do maciço. Os
valores de pressão neutra e, com isso, os valores de tensão efetiva em cada
ponto do solo são alterados em decorrência de alterações no regime de fluxo.
Na zona não saturada, mudanças nos valores de umidade do solo alterarão de
forma significativa os seus valores de resistência ao cisalhamento.
Barnes (2016) descreve que, quando há uma diferença na carga hidráulica
em qualquer um dos lados de uma estrutura de retenção de água (como, por
exemplo, uma barragem ou um muro de estacas-pranchas), a água fluirá por
baixo e ao redor da estrutura. Em problemas de percolação, deve-se aceitar
que só é possível obter uma estimativa dos fluxos ou das pressões hidráulicas
resultantes, pois isso é o máximo permitido pelas determinações do coeficiente
de permeabilidade.

Quando a água percola através do solo, ocasiona uma força denominada força de
percolação, que atua nas partículas do solo.

A percolação da água no solo ocorre por meio de uma rede de fluxo. De


acordo com Barnes (2016), uma rede de fluxo consiste em dois conjuntos de
linhas, as de fluxo e as equipotenciais (Figura 3).
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 5

 Linhas de fluxo: são trajetos ao longo dos quais a água pode fluir
e passar por uma seção transversal. Existe um número infinito de
linhas de fluxo disponíveis, mas somente algumas (quatro ou cinco)
precisam ser selecionadas para que se obtenha uma rede de fluxo
adequada (Figura 3). O traçado de muitas linhas de fluxo pode com-
plicar o resultado.

Linha de fluxo é a linha ao longo do qual a partícula de água se desloca de montante


para jusante no solo permeável (DAS, 2013).

 Linhas equipotenciais: consistem em linhas que possuem nível de


energia igual ou carga total igual. À medida que a água passa pelos
espaços intersticiais, sua energia é dissipada por atrito e as linhas
equipotenciais agem como contornos para mostrar como a energia
se perde. Os intervalos entre equipotenciais adjacentes representam
uma diferença constante na perda de carga total, ΔH, e a carga to-
tal H perdida em torno da estrutura é dividida igualmente entre as
quedas equipotenciais.

Linha equipotencial é a linha ao longo da qual a carga potencial tem o mesmo valor
em todos os pontos. Assim, caso piezômetros forem posicionados em vários pontos
ao longo de uma linha equipotencial, o nível de água subirá até o mesmo nível de
elevação em todos os pontos (DAS, 2013).
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Figura 3. Representação de linhas de equipotenciais e linhas de fluxo.

Cabe frisar que uma barragem (seja ela de terra ou concreto) deve estar
localizada sob uma base firme e resistente, a fim de proporcionar estabilidade
para a barragem. Logo, a base de uma barragem deve ser composta de rochas
ou solo compactado abaixo da umidade ótima. Já o núcleo da barragem deve
ser constituído por solo compactado, acima da umidade ótima. Dessa forma,
a base terá maior resistência, e o núcleo da barragem terá baixa permeabilidade,
garantindo a estanqueidade da estrutura (DAS, 2013).

Umidade ótima: a partir de um certo teor de umidade no solo, a compactação já não


consegue expulsar o ar dos vazios. Em laboratório, é possível traçar uma curva de
variação dos pesos específicos em função da umidade do solo. Caso a quantidade
de água utilizada na compactação da camada de aterro seja maior ou menor que a
umidade ótima, o solo não atingirá o seu grau de compactação máxima.

Segundo Queiroz (2016), as linhas de fluxo nunca se cruzam. Nas linhas


equipotenciais, a carga total potencial da água é igual em todos os pon-
tos. As linhas equipotenciais cruzam as linhas de fluxo sempre de forma
perpendicular.
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 7

De modo geral, uma rede de fluxo normalmente é utilizada para representar


a condição de regime constante. Por exemplo, ao represar um reservatório
existente atrás de uma barragem de aterro, os vazios do solo devem, em pri-
meiro lugar, ficar saturados para que se possa desenvolver o fluxo em regime
constante que passa pela barragem (BARNES, 2016).
Para o cálculo de vazões em um meio permeável, o processo é feito pela
consideração de redes de fluxo, formadas tanto pelas linhas de fluxo, por
meio dos vazios dos solos, quanto pelas linhas equipotenciais. Ao longo de
uma linha de fluxo, a partícula da água se desloca de um ponto mais elevado
a um ponto mais baixo, sob a ação da gravidade, processo denominado fluxo
gravitacional livre ou não confinado. Sendo o escoamento no regime laminar,
as linhas de fluxo nunca se cruzam. Nas linhas equipotenciais, a carga total
potencial da água é igual em todos os pontos. As linhas equipotenciais cruzam
as linhas de fluxo sempre de forma perpendicular.
Os maciços de solo apresentam duas zonas (zona saturada e não saturada),
as quais são classificadas em relação ao grau de saturação. Na zona saturada,
os vazios do solo estão completamente preenchidos por água. Acima dessa
zona, no sentido da superfície, tem-se a zona não saturada, ou seja, existem
vazios no solo, os quais não estão preenchidos por água.
A pressão de água intersticial em solos, mesmo em materiais perfeita-
mente não coesivos (como, por exemplo, as areias finas), conferem, por meio
de pressão capilar, características de materiais coesivos. Como a coesão de
tais solos desaparece completamente após imersão, ou após secagem, ela á
chamada de coesão aparente.

A partir da coesão aparente, uma areia siltosa, fina e com uma pequena umidade pode
formar taludes verticais, estáveis, em alturas superiores a 10 metros, fato que pode ser
observável em muitas cavas de areia.

A condutividade hidráulica é mais um fator que deve ser observado em


solos. A condutividade depende de vários fatores, como a viscosidade do
fluido, a distribuição do tamanho dos poros, a distribuição granulométrica, o
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índice de vazios, a rugosidade das partículas minerais e o grau de saturação do


solo. A condutividade hidráulica varia muito entre os diferentes solos. Além
disso, a condutividade hidráulica de solos não saturados é menor e aumenta
rapidamente com o grau de saturação (DAS, 2013).

2 Redes de fluxo em meio não confinado


Existem diferentes tipos de barragens, as quais podem ser de concreto, de terra
ou uma mistura de ambas. No Brasil, as barragens de terra são muito comuns
e, de acordo com Mendonça (2012), não possuem uma estrutura rígida, o que
torna as fundações dessas barragens mais deformáveis. Existem diferentes
perfis de barragens de terra. Para facilitar o seu entendimento, a Figura 4
apresenta uma ilustração desses perfis.

Figura 4. Perfis característicos de barragens de terra.


Fonte: Queiroz (2016, p. 334).
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 9

Henrique e Santana (2018) mencionam que, para a construção de barragens


de terra, existe a necessidade de uma grande quantidade de material para a
elaboração do núcleo. Esse material é normalmente composto de solo argiloso,
espaldares, filtros e drenos. É essencial que o material utilizado nas barragens
de terra seja homogêneo, como, por exemplo, solo argiloso ou zoneadas (terra
homogênea). A Figura 5 ilustra o design de uma barragem de terra.

Figura 5. Representação da construção de uma barragem de terra.


Fonte: Adaptada de Agência Nacional de Águas (2016).

Quando falamos de barragens de terra, não podemos deixar de falar dos


filtros e do dreno de pé (Figura 6). Os filtros são responsáveis por cole-
tar a água que percola entre os poros do solo que constitui a barragem e,
consequentemente, essa água acaba sendo escoada com auxílio do túnel de
serviço. É essencial fazer uso de geomembranas na base da barragem, a qual
é denominada tapete impermeável. Esse “tapete” impede que a água oriunda
do subsolo percole pela barragem e, consequentemente, cause sua erosão.
O dreno de pé é constituído por uma camada de cascalho na base, seguida
de areia grossa e areia fina. O dimensionamento desses sistemas é único, e os
profissionais envolvidos devem analisar a topografia do local, a profundidade
da rocha sã, a quantidade de água armazenada na barragem, o tipo de solo do
local, dentre vários outros fatores.
10 Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado

Figura 6. Representação de como deve ser realizada a instalação de um filtro e do tapete


impermeável em barragens de terra.
Fonte: Adaptada de Agência Nacional de Águas (2016).

De acordo com Queiroz (2016), pelo fato de as barragens de terra serem


permeáveis, é necessário tomar cuidado no cálculo de vazões. Esse processo
é feito pela consideração de redes de fluxo, que, por sua vez, são formadas
por linhas de percurso contínuo das partículas da água através dos vazios
dos solos e pelas linhas equipotenciais. Ao longo de uma linha de fluxo,
a partícula da água se desloca de um ponto mais elevado a um ponto mais
baixo, sob a ação da gravidade, fenômeno denominado fluxo gravitacional
livre (ou não confinado).

 Fluxo confinado: tem todas as condições de contorno conhecidas para o fluxo.


Um exemplo é a percolação que ocorre em barragens de concreto.
 Fluxo não confinado: não se tem todas as condições de contorno conhecidas para
o fluxo. Um exemplo é a percolação que ocorre em barragem de terra.
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Mas como exatamente as redes de fluxo são traçadas? Quando o fluxo de


água ocorre na mesma direção, ou seja, unidimensional, que ocorre em areias
uniformes, faz-se uso da Lei de Darcy, a qual é expressa por:

Q = kiA

sendo Q = vazão volumétrica; K = coeficiente de permeabilidade ou condu-


tividade hidráulica; A = área da seção transversal; i = coeficiente hidráulico.
Porém, normalmente, o fluxo de água em barragens de terra é bidimen-
sional. Dessa forma, existem diferentes técnicas, as quais são apresentadas a
seguir, de acordo com Machado e Machado (2020).

 Analogia elétrica: permite determinar uma rede de fluxo, estabele-


cendo-se a correspondência entre voltagem e carga hidráulica, condu-
tividade elétrica e permeabilidade e corrente elétrica e vazão.
 Modelagem numérica: o comportamento do fluxo é estudado mediante
funções, envolvendo álgebra matricial, cálculo variacional, mecânica dos
sólidos e técnicas computacionais. A principal vantagem dos métodos
numéricos é permitir a simulação de casos complexos, como geometrias
mais complicadas, materiais com várias camadas e diferentes permea-
bilidades, solos não saturados e regime não estacionário.
 Modelos físicos: consiste em reproduzir a seção transversal por onde
percola a água em um tanque de vidro ou acrílico. Dessa forma, é possí-
vel traçar as linhas de fluxo fazendo uso de corante, que é colocado em
determinadas posições no paramento de montante. As linhas de fluxo
que passam pelo corante vão tingir a água, permitindo a visualização do
conjunto das linhas de percolação. As linhas equipotenciais são obtidas
a partir da instalação de piezômetros dentro do modelo.
 Construção gráfica: é realizada por tentativas, a partir da definição
de linhas limites (contornos), o método mais rápido e prático e que,
conforme Machado e Machado (2020), consiste em desenhar as famílias
de curvas equipotenciais φ (x, z) e de fluxo ψ (x, z), que se interceptam
em ângulos retos, formando, assim, a rede de fluxo. Ao desenhar as
linhas equipotenciais e linhas de fluxo (conforme Figura 7), tem-se
uma aproximação da solução única do problema, desde que o desenho
seja realizado com cautela.
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Figura 7. Rede de fluxo por representação gráfica.


Fonte: Machado e Machado (2020, p. 60).

Mas qual é a real importância do estudo das redes fluxo? Queiroz (2016)
menciona que muitos problemas práticos de percolação e drenagem podem ser
estudados construindo-se redes de fluxo para seções tendo uma permeabili-
dade única. Por exemplo, quando o núcleo de uma barragem tem coeficiente de
permeabilidade muitas vezes menor que o das outras seções, basta, em geral,
analisar as condições de percolação por meio do núcleo. Em alguns casos, torna-se
necessário o estudo do modelo de fluxo a partir de seções com solos de diferentes
permeabilidades. O estudo de seções compostas (várias permeabilidades) é uma
das mais valiosas aplicações de redes de fluxo. Para o traçado prático das redes de
fluxo, vários métodos são propostos em mecânica dos solos, como, por exemplo,
construção gráfica, analogia elétrica, modelagem numérica e modelos físicos.

3 Ocorrência de instabilidades hidráulicas


A água que percola no interior de um talude exerce, em virtude de sua visco-
sidade, uma pressão sobre as partículas de solo que é conhecida como pressão
de percolação. Essa pressão atua na direção do fluxo e sua intensidade cresce
proporcionalmente à velocidade de percolação (GUIDICINI; NIEBLE, 2013).
Zuquette (2015) descreve que a ruptura da massa dos taludes marginais
pode ocorrer por diversos mecanismos, como:

 erosão da base da margem;


 diferença de resistência mecânica entre os materiais;
 aumento da poropressão, formando assim, trincas de contração;
 presença de materiais expansivos;
 ações antropogênicas como o depósito de materiais no topo;
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 erosão em túnel (a qual é denominada de piping);


 liquefação (um material que é sólido, passa a se comportar como fluido);
 aumento do ângulo de inclinação da margem devido a escavações.

Na Figura 8, são apresentadas as diferentes formas de ruptura que podem


ocorrer em taludes e barragens de terra.

Figura 8. Esquema ilustrando duas situações de erosão marginal. Caso 1: ocorrência de mate-
riais geológicos distintos. Caso 2: ocorrência de apenas um material geológico homogêneo.
Fonte: Adaptada de Zuquette (2015).
14 Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado

Com o auxílio das redes de fluxo (ou seja, estudo da percolação da água
no solo), é possível calcular a pressão da água dos poros (pressão neutra)
e a tensão efetiva em cada ponto do maciço. É possível, também, avaliar
o risco de ocorrência de acidentes devido a liquefação (que consiste na
anulação da resistência do solo, em que o solo passa a comportar-se como
líquido denso). Dessa forma, pode-se adotar medidas de prevenção contra o
piping (erosão interna) e o “levantamento hidráulico” (MIGUEZ; VERÓL;
REZENDE, 2015).

A liquefação é apontada como uma das causas do rompimento da barragem de Mariana


(que ocorreu em 2015, matando 19 pessoas) e em Brumadinho (em 2019, deixando 150
mortos e 182 desaparecidos). Em barragens de terra, a liquefação pode ser provocada
por excesso de chuvas, excesso de carga (depositada rapidamente), abalos sísmicos
ou problemas no sistema de drenagem da barragem.

As falhas por piping são progressivas e implacáveis. De acordo com Barnes


(2016), essas falhas têm origem em:

 “borbulhas” localizadas na superfície;


 grãos de solo que se separam;
 aumento de permeabilidade;
 aumento de fluxo;
 formação de “tubos” no solo ou na estrutura de terra;
 migração de “tubos” para a superfície a montante da estrutura de terra;
 condição movediça;
 perda de resistência, solapamento;
 colapso catastrófico (em casos mais graves).

A falha por piping forma caminhos por entre a barragem de terra, podendo
causar grandes prejuízos e, em casos mais graves, o colapso da barragem. A
Figura 9 apresenta a forma como a falha por piping se desenvolve.
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 15

Figura 9. Vista geral de como a falha por piping pode se desenvolver em uma barragem
de terra.
Fonte: Parekh ([201-?], documento on-line).

Para verificar a instabilidade em barragens de terra, como liquefação e piping, essas


obras devem passar constantemente por ensaios de campo, em que são utilizados
diferentes equipamentos e técnicas. Os furos de sondagem e piezômetros são os
ensaios de campo mais comumente adotados.

As barragens de terra são utilizadas em larga escala no Brasil e, dentre


suas aplicações, Marangon (2018) menciona o aproveitamento hidrelétrico,
a regularização das vazões de curso d’água para fins de navegação, abaste-
cimento doméstico e industrial de água, controle de inundações e irrigação.
Porém, engana-se quem pensa que basta “empilhar” um monte de terra e a
barragem estará concluída.
É necessário realizar uma série de estudos e medidas para evitar o colapso/
queda da barragem de terra. Assim, em primeiro lugar, deve-se fazer uso de
materiais homogêneos, como o solo argiloso, que, devido a sua menor granu-
lometria, apresenta uma porosidade menor. No entanto, mesmo apresentando
uma granulometria menor, isso não quer dizer que a água não será infiltrada
ou percolada. Logo, é essencial, também, investir em sistemas de drenos para
escoar o excesso de água de dentro da barragem de terra.
16 Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado

ABNT. NBR 6502: rochas e solos. Rio de Janeiro: ABNT, 1995.


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ZUQUETTE, L. V. Geotecnia ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
Barragens de terra: fluxo de água em meio não confinado 17

Leituras recomendadas
CERQUEIRA, H. Critérios de projeto para instrumentação piezométrica de diversas estruturas
geotécnicas em mineração. 2017. 166 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de
Ouro Preto, Ouro Preto, 2017. Disponível em: https://www.nugeo.ufop.br/uploads/
nugeo_2014/teses/arquivos/cerqueira-2017-m-sc.pdf. Acesso em: 26 ago. 2020.
GERSCOVICH, D, M, S. Fluxo em solos saturados. Rio de Janeiro: UERJ, 2011. Disponível
em: http://www.eng.uerj.br/~denise/pdf/fluxo.pdf. Acesso em: 26 ago. 2020.

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