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MANUAL DE ÁREAS CRÍTICAS

DA ESCRITA ACADÉMICA

EM PORTUGUÊS

Joana Vieira Santos jovieira@fl.uc.pt

Ana Paula Loureiro olivelou@fl.uc.pt

Ana Teresa Peixinho Cristo ana.cristo@fl.uc.pt


2024

© Centro de Escrita Académica - Faculdade de Letras da Universidade de


Coimbra

ÍNDICE
1. O PLANO .......................................................................................................................... 1
1.1. PLANIFICAÇÃO DO TRABALHO ............................................................................. 1
1.2. PLANIFICAÇÃO DO TEXTO......................................................................................... 3
2. O PARÁGRAFO.................................................................................................................10
3. A FRASE............................................................................................................................ 17
4. A COESÃO ENTRE PARÁGRAFOS E FRASES .............................................................. 21
5. O NOME .........................................................................................................................30
5.1. O NOME, UNIDADE DE SENTIDO.............................................................................30
5.2. A EXPANSÃO DO NOME ........................................................................................... 33
5.3. O TÓPICO ...................................................................................................................36
5.4. A NOMINALIZAÇÃO ...................................................................................................40
5.5. A COESÃO REFERENCIAL .......................................................................................43
6. CONCLUSÃO ....................................................................................................................46
Anexo A – Desafios ...............................................................................................................47
Anexo B – Exercícios .............................................................................................................50
INSTRUÇÕES - Como usar este manual

Não precisa de ler tudo. Identifique primeiro os pontos importantes para si,

visualizando os seguintes tutoriais:

ACEAP_Planificacao ACEAP_Coesao_Referencial

ACEAP_Paragrafo_Frase ACEAP_Nome

ACEAP_Ligacoes_Logicas ACEAP_Nominalizacao

Resolva os desafios correspondentes no anexo A.

Leia e assimile os respetivos conteúdos deste manual.

Faça os exercícios do anexo B correspondentes aos pontos escolhidos.

Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.


1. O PLANO
Visualize o tutorial ACEAP_Planificacao

Um texto académico é um texto informativo e argumentativo, tem como

objetivo construir conhecimento e destina-se a um público-alvo especializado.

Um texto com estas características deve ser planificado previamente. A

planificação resulta da articulação e organização de diferentes partes, capítulos,

secções, subsecções, parágrafos e frases, permitindo ao leitor mapear um percurso

de sentido.

A planificação deve ser feita em dois níveis:

• Planificação do trabalho (ver 1.1.)

• Planificação do texto (ver 1.2.).

1.1. PLANIFICAÇÃO DO TRABALHO

A planificação do trabalho, que inclui pesquisa de informação, conceção do

projeto e redação do texto, é feita ao longo de um período de tempo mais ou

menos extenso:

● uma ou várias semanas, no caso de um trabalho de 1.º ciclo

● alguns anos, no caso de uma tese de doutoramento.

Em primeiro lugar, divide-se todo o trabalho em diferentes etapas, uma para

cada tarefa.

Em segundo lugar, elabora-se um cronograma. Trata-se de uma lista que

elenca todas as tarefas, o tempo necessário para cada uma e a respetiva data de

conclusão (ver figuras 1 e 2).


Figura 1 – Cronograma de execução de um trabalho de 1.º ciclo feito em programa de texto1

1
A lista deve ter a data de entrega no início. O cronograma deve ser feito retrospetivamente.

1
Data limite de submissão / entrega DD-MM-AAAA
Tarefas Tempo Datas-limite
Edição e formatação 5 m/ DD-MM-AAAA
página
Redação final 1 m/ DD-MM-AAAA
página
Elaborar a conclusão 3 dias DD-MM-AAAA
Fazer e elaborar a análise de dados 2 semanas DD-MM-AAAA
Elaborar a metodologia 1 semana DD-MM-AAAA
Pesquisar bibliografia + fazer a revisão da 4 semanas DD-MM-AAAA
literatura
Fazer um plano provisório 1 semana DD-MM-AAAA
Escolher o tema 2 semanas DD-MM-AAAA

Figura 2 – Cronograma de execução de uma tese de doutoramento feito em folha de cálculo

Anos 20__ 20__


Tarefas J F M A M J J A S O N D J F M A M J J
Concetualização e
redação do projeto
Defesa do projeto
Revisão da literatura
+ redação do cap. 1
Trabalho de campo
Tratamento de
dados
Análise de dados
Redação dos caps. 2
e3
Redação de
introdução e
conclusão + anexos
Formatação final
Entrega
Defesa

A planificação torna mais simples a execução das diferentes tarefas e o

cumprimento dos prazos, porque ajuda a libertar a mente para que se concentre

numa tarefa de cada vez.

2
1.2. PLANIFICAÇÃO DO TEXTO

A planificação do texto também deve prever diferentes etapas:


[1] PERSPETIVA è[2] PLANO GERAL è[3] PLANO DE CADA PARTE / SECÇÃO

ETAPA [1] – Escolher a PERSPETIVA

Deve ser escolhida uma perspetiva específica para abordar o tema escolhido.

Por exemplo:
(1) Tema da licenciatura em Português: A língua portuguesa na Europa e no mundo
Perspetiva: A língua portuguesa: uma pequena língua europeia / uma grande
língua mundial
(2) Tema da licenciatura em Filosofia: As origens do pensamento ocidental
Perspetiva: Platão e Aristóteles: dois monstros sagrados
(3) Tema da licenciatura em Ciência da Informação: Ciência Aberta
Perspetiva: O contributo das bibliotecas para a circulação da informação científica
em Open Access
(4) Tema da licenciatura em Geografia: As migrações
Perspetiva: Causas e consequências das migrações com destino ao continente
europeu
Como se vê pelos exemplos (1) a (4), escolhe-se uma perspetiva, ponto de

vista ou enfoque para o desenvolvimento dentro do tema geral dado pelo/a

docente. Isto é feito com a ajuda de leituras prévias, aconselhamento com

docentes, discussão com colegas e reflexão pessoal e ajuda a selecionar as fontes

de informação mais relevantes. Escolhida a perspetiva, torna-se mais fácil organizar

outras leituras e as próprias ideias.

ETAPA [2] – Fazer o PLANO GERAL

Vamos imaginar que já foi feita a pesquisa (consulta de fontes bibliográficas e

organização da informação relevante em resumos e/ou sínteses, mapas, gráficos,

tabelas, imagens ou outros suportes, coleta de dados por estudo de caso ou

3
trabalho de campo, análise dos dados, reflexão pessoal, discussão com colegas e

docentes).2

Este trabalho de pesquisa fornecerá um grande volume de informação, a

organizar no plano geral. Sugere-se fazer um plano hierarquizado das ideias

principais e secundárias através de um mapa mental, ampliado depois para um

mapa concetual. Trata-se de um diagrama ou esquema feito à mão ou em

computador, que parte de palavras ou expressões-chave correspondentes às ideias

– o mapa mental (ver figura 3) – e onde se assinalam as ligações entre elas – mapa

concetual.

Figura 3 – Exemplo de mapa mental (http://www.freepik.com, designed by Katemangostar)

Na figura 3, os 5 títulos principais representam as ideias-chave ou tópicos

principais. As è estabelecem ligações entre esses tópicos e ajudam a hierarquizar

a informação. Para transformar este mapa mental num mapa concetual, basta

2
O número de tarefas depende da disciplina e do tipo de pesquisa. Para simplificar, indicamos aqui
uma lista sumária.

4
acrescentar junto das è expressões como mas - porque - se - a fim de - antes /

depois - Por fim… (ver 4. Coesão lógica: articuladores e conectores).

De seguida, o mapa deve ser convertido num índice, eventualmente com

numeração decimal (1., 2., 3. || 1.1., 1.2., 1.3. || 2.1., 2.2., 2.3., etc.).

Para evitar a angústia da folha (ou ecrã) em branco, sugere-se analisar alguns

índices de texto na área disciplinar do trabalho e fazer uma matriz muito genérica,

que poderá ser adaptada no futuro para outros trabalhos.3

Vejamos os seguintes exemplos:

Figura 4 - Índice organizado por tópicos4

1. Introdução: a narrativa noticiosa e a construção discursiva da


imigração
2. A análise do discurso como metodologia de análise das notícias
3. A construção dos atores sociais da imigração na imprensa: uma
análise de três casos.
3.1. Vida de imigrante
3.2. Imigração e autoridade
3.3. A imigração e o olhar institucional
4. Conclusão
Referências bibliográficas5

3
Para consultar índices, basta aceder ao repositório de uma instituição de ensino superior,
descarregar e analisar algumas teses de doutoramento ou dissertações de mestrado. Para a UC,
recomenda-se o Estudo Geral, disponível em https://estudogeral.uc.pt/
4
Índice apropriado para trabalhos no formato de ensaio, frequentes em Estudos Artísticos,
Clássicos, Literários, Filosofia, História… Como se pode ver pelo exemplo, é admissível uma certa
criatividade.
5
Silveirinha, M.J., & Peixinho, A.T. (2004). A construção discursiva dos imigrantes na imprensa.
Revista Crítica de Ciências Sociais 69, 117-137. URL: http://rccs.revues.org/1343; DOI:
10.4000/rccs.1343.

5
Figura 5 - Índice organizado por I(E)MRDC6
INTRODUÇÃO

ENQUADRAMENTO TEÓRICO – Revisão da Literatura

METODOLOGIA

RESULTADOS

DISCUSSÃO

CONCLUSÃO

ETAPA [3] – Fazer o PLANO DE CADA PARTE / SECÇÃO

Seja qual for a extensão do texto ou o tipo de índice escolhido, um trabalho

académico tem sempre 3 partes canónicas: Introdução – Desenvolvimento –

Conclusão. Em cada parte, pode haver um número variável de secções, como se

mostra de seguida.

1. INTRODUÇÃO

1.1. Captação do interesse do/a leitor, com uma ideia original,

interessante, inesperada ou polémica.

1.2. Descrição / narração da pesquisa que originou o trabalho.

1.3. (eventualmente) Explicação das metodologias.

1.4. Anúncio do plano do trabalho, com uma frase-resumo dos conteúdos

de cada secção ou capítulo.

1.5. Anúncio abreviado da conclusão.7

6
Índice apropriado para trabalhos de investigação aplicada no formato de artigo científico,
frequentes em Arqueologia, Geografia, Linguística, Turismo,… Como se pode ver pelo exemplo,
não existe praticamente variação.
7
Um trabalho académico não é um romance policial. Não se guarda para o fim a revelação mais
importante. Pelo contrário, ela é indicada logo na Introdução.

6
2. DESENVOLVIMENTO8

A extensão do trabalho varia consoante a disciplina e o tipo de pesquisa.

Nesta apresentação, estão previstos 3 a 5 tópicos, o que seria adequado para um

texto de 1500 a 3000 palavras.

A organização dos tópicos nas diferentes secções deve seguir o que foi

previsto no mapa concetual (ver Figura 3) e no plano escolhido previamente

(Tópicos ou I(E)MRDC, ver figuras 4 e 5). Deve prever-se um parágrafo para cada

tópico, pelo menos (ver 2. O parágrafo, unidade de sentido).

Os diferentes tópicos e ideias são organizados em sequências de diferentes

tipos:

● Sequência NARRATIVA – adequada às partes do texto em que se conta uma


história assinalando os diferentes momentos com formas verbais do passado e
expressões de tempo, como no exemplo (5):

(5) ANTES Da II Guerra Mundial, existia uma aliança entre a Polónia, a Inglaterra e a França.
APÓS a Alemanha ter invadido a Polónia EM SETEMBRO DE 1939, os dois países aliados
viram-se obrigados a declarar a guerra.

● Sequência EXPOSITIVA (causa-efeito, origem-consequência) – adequada às partes


do texto em que se explica ou expõe o como e o porquê, como no exemplo:

(6) Antes da II Guerra Mundial, existia uma aliança entre a Polónia, a Inglaterra e a França. POR
ESSA RAZÃO, após a Alemanha ter invadido a Polónia em setembro de 1939, os dois países
aliados viram-se obrigados a declarar a guerra.

● Sequência DESCRITIVA – adequada às partes do textos em que se visualiza um


espaço, uma personagem, uma obra de arte, etc. Como se vê no exemplo (7), usam-
se adjetivos concretos e formas verbais de presente, com verbos estáticos:

8
O título desta secção deve ser mais específico, relacionando-se com o tema e a perspetiva
escolhida.

7
(7) “Não apenas pelo seu número, mas também pela sua diversidade – a nível de desenho e de
materiais construtivos – e pelas relações estabelecidas entre si, toda esta rede de sítios
fortificados, complementada com o modelo miliciano para a sua guarnição, e com as
armadas militares, constitui um sistema defensivo territorial de elevado interesse
histórico, especialmente ao nível da história da arquitetura, urbanismo e paisagem.”9.

● Sequência ARGUMENTATIVA – adequada às partes do texto em que se discute e


fundamenta uma posição crítica, uma escolha de método ou ponto de vista, uma
tese, etc., por meio de vários argumentos e contra-argumentos, como no exemplo
(8):

(8) [POSIÇÃO] Uma metodologia de investigação deve ser simultaneamente fiável e simples.
[PROPOSTA INICIAL] Em linguística, obtêm-se resultados fiáveis mediante a recolha de
produções junto de vários grupos de falantes ao longo de um período de tempo.
[ARGUMENTO CONTRA] No entanto, por razões práticas, esta metodologia não é
exequível no período de execução do projeto, que será de dois anos. [ARGUMENTO +
PROPOSTA ALTERNATIVA] Por essa razão, propomos uma metodologia simplificada, com
recolha de amostras de produções linguísticas ao longo de 6 meses junto de um grupo
heterogéneo. [ARGUMENTO FINAL + POSIÇÃO FINAL] Pensamos que esta solução de
compromisso permite conciliar a fiabilidade com a simplicidade na aplicação.

Para construir um bom texto académico, é necessário adaptar estas

sequências ao tipo de informação a transmitir e à respetiva secção do texto.

3. CONCLUSÃO

Nesta parte, não se incluem ideias novas, porque a Conclusão resume apenas

tudo o que foi feito anteriormente, destacando o que é mais importante, como os

resultados da investigação ou o ponto de chegada do raciocínio. Sugere-se que

sejam incluídas pelo menos as secções seguintes:

3.1. Lembrar o ponto de partida referido na Introdução (ver 1.).

9
Mendiratta, S. (2012) Dispositivos do sistema defensivo da província do Norte do estado da Índia,
1521 – 1739. Tese de Doutoramento em Arquitectura, Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, p. XI. Disponível em http://hdl.handle.net/10316/21363. Acesso em
16-01-2024.

8
3.2. Resumir os tópicos principais tratados ao longo do Desenvolvimento (ver 2.).

3.3. Reconhecer alguma limitação (uma ideia que não foi explorada por falta de

tempo ou de espaço, por exemplo).

3.4. Destacar o contributo da pesquisa levada a cabo para o conhecimento na área.

3.5. Sugerir pelo menos uma ideia que tenha ficado por explorar e que poderá ser

desenvolvida num outro trabalho (pode ser aproveitada a que foi referida em 3.3.).

A planificação aqui sugerida pode ser adaptada a todos os géneros de texto

académico (trabalho, tese, dissertação, relatório, artigo científico).

Referências bibliográficas
Azevedo, M. (2001). Teses, relatórios e trabalhos escolares: sugestões para estruturação da

escrita / Universidade Católica.

Clanchy, J., & Ballard, Brigitte. (2000). Como escrever ensaios: um guia para estudantes.

Temas & Debates.

Eco, U. (1976). Como se faz uma tese em Ciências Humanas. Presença.

Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.

9
2. O PARÁGRAFO

Visualize o tutorial ACEAP_Paragrafo_Frase


Leia e assimile os conteúdos.
Faça os exercícios 1, 2, 3 e 11.2 do anexo B.

A maioria dos leitores tem noção do que seja um


parágrafo e grande parte dos redatores percebe, ao
escrever um texto, o momento exato em que deve iniciar
um novo parágrafo. Mesmo assim, uma reflexão sobre a
organização do parágrafo pode ser muito útil para
melhorar a competência na escrita (Goldstein et al.,
2009, p. 31).

Um texto é uma unidade de comunicação, uma estrutura, e não um conjunto

aleatório de frases corretas. É produzido para ser compreendido por quem o lê,

pelo que deve ser claro, organizado, coeso, coerente e relevante. No caso dos

textos académicos, estas características são essenciais, pois é o texto que revela o

raciocínio e a clareza de pensamento, o domínio dos temas e a capacidade

argumentativa do autor, devendo assegurar-se a interpretação o mais exata

possível do que se escreve:

Não adianta dizer que o leitor é muito burro ou preguiçoso para


acompanhar a linha de pensamento. Se o leitor está perdido,
geralmente é porque o escritor não foi cuidadoso o suficiente
(Zinsser, 2006).

Assim, um texto é um conjunto de parágrafos, de dimensão variável,

interligados por relações de sentido, que arrumam as ideias e permitem a

evolução do raciocínio de quem escreve.

O parágrafo é, pois, uma unidade de sentido, permitindo ordenar as ideias,

dando-lhes uma sequência e tornando o texto claro para o leitor: “relativamente à

totalidade do texto, cada parágrafo funciona como um degrau, ou etapa, no

10
processo de compreensão global”, contribuindo para que “o processo de

integração das ideias e construção do sentido global seja facilitado” (Leite, 2017, p.

126).

É um conjunto de frases, com extensão variável, que desenvolve um tópico.

Assim como a uma frase corresponde uma ideia, a um parágrafo corresponde um

tópico, traduzido por uma frase nuclear. Esta frase vem geralmente no início do

parágrafo, embora esta regra não seja rígida.

Um parágrafo tem as seguintes características:

i) Unidade: um parágrafo desenvolve um tópico central para o qual convergem


todas as frases. É uma unidade de sentido.
O parágrafo é um conjunto de enunciados que devem convergir para o
mesmo sentido. A mudança de parágrafo marca o fim de uma etapa de
raciocínio e o início de outra (Lazzarin, 2016, p.19).

ii) Coerência: a frase nuclear – que traduz o tópico do parágrafo – deve ser
evidente e as outras frases do parágrafo devem reforçá-la ou desenvolvê-la; a
ligação entre as frases deve ser harmoniosa.

iii) Clareza: tal como o texto, o parágrafo deve ser claro e deve contribuir para a
evolução temática do texto.

[Se quiser testar a unidade, coerência e clareza do parágrafo, tente resumi-lo numa
frase.]

A extensão do parágrafo é variável e não há norma absoluta que dite com

precisão o número de frases que devem compô-lo. O seu tamanho depende de

múltiplos fatores: do tipo de texto, do género de discurso, da finalidade da

mensagem e da dimensão do texto, da intenção e do estilo do autor.

11
[Por exemplo, numa dissertação de Mestrado com 100 páginas, admitem-se

parágrafos mais extensos do que numa síntese, num resumo ou numa ficha de

leitura, que são textos mais curtos.]

Além de alguma sensatez, para testar a dimensão do seu parágrafo, verifique

se ele tem sentido autónomo: lembre-se de que um parágrafo é uma unidade de

sentido que, embora integrado num conjunto maior (o texto), tem autonomia

semântica. Esta autonomia semântica – ou seja, o facto de o parágrafo dever ser

uma unidade de sentido autónoma – é tão importante na escrita do texto

tradicional, quanto na escrita digital, fragmentária e em rede.

Os parágrafos devem ser identificados. “O parágrafo é um conjunto de

palavras, incluindo um ou mais períodos, no qual se desenvolve uma ideia central.

Assim, sendo unidades distintas, os parágrafos devem ficar nitidamente

separados.”10 A identificação de parágrafos pode ser feita: i) por uma indentação

(recuo junto à margem esquerda do texto); ii) ou através de uma linha em branco a

separar os parágrafos. Estas demarcações gráficas facilitam a leitura, tornando-a

mais ágil e agradável.

Vejamos alguns exemplos.

(1) Exemplo de um parágrafo bem construído:

“Para quem se escreve, na academia? A resposta a essa pergunta está condicionada à função
primária e operacional da escrita. A escrita pode ser um relato, uma comunicação, um ensaio, um
postulado, uma reflexão, uma instrução ou um debate – entre tantas outras possibilidades. Cada um
desses tipos de escrita acaba se configurando em razão de um interlocutor diferente. O “para
quem” da escrita é constituinte da própria escrita. O destinatário da escrita é, ao mesmo tempo, um
sujeito realmente existente e um sujeito possível. Realmente existente porque toda escrita dessa
natureza pressupõe um leitor, e esse leitor deve ser tomado como referência para o endereçamento

10
In: Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-
iul.pt/consultorio/perguntas/paragrafos-distincao/13953 [consultado em 25-07-2022].

12
das ideias. Suas características, repertório e posição são indicadores para a escolha de estratégias
enunciativas e para a escolha do vocabulário. Mas também é um sujeito possível no sentido de se
considerar que a escrita deve atravessar o tempo e durar. Portanto, vale investir em um sujeito que
ainda-não está lá para ler, tanto no sentido de alguém que ainda-não existe porque não nasceu
como alguém que ainda-não chegou ao campo ou não acedeu àquele lugar de interlocutor desse
texto” (Pereira, 2013, p. 214)11.

● A negrito assinala-se a frase nuclear (no caso, note que não é a primeira
frase do parágrafo, mas está no início);
● Todas as frases contribuem para a informação sobre o tópico – a importância
do leitor na escrita:
o interlocutor
o “para quem se escreve”
o destinatário
o leitor
o sujeito possível
● Pode resumir-se o parágrafo a uma frase: Como toda a escrita, a escrita
académica é determinada pelo leitor, que é, ao mesmo tempo, concreto e
possível.

(2) Exemplo de um parágrafo que pode ser melhorado:

Helen Fulton chama a atenção para a resistência de muitos jornalistas em aceitarem a matriz
narrativa das notícias, argumentando com uma visão dicotómica que opõe hard a soft news. Esta
dicotomia assenta na separação entre informação e história, entre notícias e histórias de interesse
humano (Fulton, 2005, pp. 218-244), podendo subsumir-se na aparente oposição entre reportar e
narrar. A problemática não é recente e decorre em parte da lógica binária que preside à classificação
das notícias: as hard news, por um lado, geralmente sobre assuntos de política e de economia,
veiculadas pelos grandes meios de comunicação de referência; e, por outro lado, as soft news,
dedicadas a temas mais banais do quotidiano, presentes sobretudo no jornalismo popular ou em
certos géneros ‘menores’ e olhadas com suspeição pela elite profissional e com algum desprezo
pela academia. As hard news ajustam-se ao ideal informativo da objetividade jornalística, possuem
uma superestrutura protocolar e canónica (a pirâmide invertida) e obedecem a critérios de
construção específicos, estreitamente vinculados à ética e deontologia profissional: factualidade,
objetividade, imparcialidade, fontes, equilíbrio, etc. Pelo contrário, as soft news pressupõem um ato
narrativo mais empenhado e visível, a valorização das histórias individuais, um registo mais informal.
São geralmente estas últimas a serem classificadas como narrativas porque fundadas em
procedimentos de storytelling, com vista a captar a atenção (e a emoção) das audiências através de
estratégias de proximidade, propensas a uma apreensão mais emocional, logo, menos racional e

11 PEREIRA, M. V. (2013). “A escrita académica: do excessivo ao razoável”, Revista Brasileira de Educação, Vol. 18, 52, 213-244.

13
distanciada. Dir-se-á que, embora ambas sejam construções textuais que recorrem a procedimentos
retórico-narrativos, as primeiras tendem a apagar as marcas da enunciação e da construção
narrativa, oferecendo os ‘factos’ como se não existisse mediação. Trata-se, portanto, de uma
classificação simplista – como em regra são todas as dicotomias – que opõe o universo da
racionalidade – o logos – ao das emoções – o pathos, relegando a narrativa ao modo emocional
(Martins, 2020), o que foi já objeto de crítica quer pelos trabalhos contemporâneos em Análise do
Discurso e Análise Crítica do Discurso, quer pelos Estudos Culturais: “Contemporary work in
discourse and cultural theory, however, starts from the assumption that both hard and soft news
stories are types of narrative, although they are likely to be structured in different ways” (Fulton, 2005,
p. 227)12.

Este parágrafo é demasiado extenso e deve ser subdividido em partes.


Sugere-se a sua divisão em cinco parágrafos.

1. Apresentação da ideia nuclear:


Helen Fulton chama a atenção para a resistência de muitos jornalistas em aceitarem a
matriz narrativa das notícias, argumentando com uma visão dicotómica que opõe hard
a soft news. Esta dicotomia assenta na separação entre informação e história, entre notícias
e histórias de interesse humano (Fulton, 2005, pp. 218-244), podendo subsumir-se na
aparente oposição entre reportar e narrar.

2. Explicação histórica do binómio:


A problemática não é recente e decorre em parte da lógica binária que preside à
classificação das notícias: as hard news, por um lado, geralmente sobre assuntos de política
e de economia, veiculadas pelos grandes meios de comunicação de referência; e, por outro
lado, as soft news, dedicadas a temas mais banais do quotidiano, presentes sobretudo no
jornalismo popular ou em certos géneros ‘menores’ e olhadas com suspeição pela elite
profissional e com algum desprezo pela academia.

3. Especificação de cada tipo


As hard news ajustam-se ao ideal informativo da objetividade jornalística, possuem uma
superestrutura protocolar e canónica (a pirâmide invertida) e obedecem a critérios de
construção específicos, estreitamente vinculados à ética e deontologia profissional:
factualidade, objetividade, imparcialidade, fontes, equilíbrio, etc. Pelo contrário, as soft
news pressupõem um ato narrativo mais empenhado e visível, a valorização das histórias
individuais, um registo mais informal. São geralmente estas últimas a serem classificadas
como narrativas porque fundadas em procedimentos de storytelling, com vista a captar a
atenção (e a emoção) das audiências através de estratégias de proximidade, propensas a
uma apreensão mais emocional, logo, menos racional e distanciada. Dir-se-á que, embora
ambas sejam construções textuais que recorrem a procedimentos retórico-narrativos, as

12
Peixinho, A. T. (2023). Relatório Estudos Narrativos Mediáticos. Universidade de Coimbra.

14
primeiras tendem a apagar as marcas da enunciação e da construção narrativa, oferecendo
os ‘factos’ como se não existisse mediação.

4. Comentário
Trata-se, portanto, de uma classificação simplista – como em regra são todas as dicotomias
– que opõe o universo da racionalidade – o logos – ao das emoções – o pathos, relegando a
narrativa ao modo emocional (Martins, 2020), o que foi já objeto de crítica quer pelos
trabalhos contemporâneos em Análise do Discurso e Análise Crítica do Discurso, quer pelos
Estudos Culturais: “Contemporary work in discourse and cultural theory, however, starts
from the assumption that both hard and soft news stories are types of narrative, although
they are likely to be structured in different ways” (Fulton, 2005, p. 227).

15
Referências bibliográficas

A.A. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Lisboa: ISCTE-IUL.

Goldstein, N.; Louzada, M. S., & Ivamoto, R. (2009). O texto sem mistério. Leitura e Escrita

na Universidade. Editora Ática (Cap. 3).

Lazzarin, L. F. (2016). Introdução à Escrita Académica. UAB/NTE/UFSM.

Leite, S. de A. (2017). Como Escrever Tudo em Português Correto. Manuscrito (pp. 126-

130).

Peixinho, A. T. (2014). “Redes textuais ou a nova Babel”. In Via Latina, n.º 11, Série VI, 106 –

111.

Pereira, M. V. (2013). “A escrita académica: do excessivo ao razoável”, Revista Brasileira de

Educação, Vol. 18, 52, 213-244.

Zinsser, W. (2006). On Writing Well. 30Th Anniversary Edition. The Classic Guide to writing

nonfiction. Collins.

Faça os exercícios 1, 2, 3 e 11.2 do anexo B.

Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.

16
3. A FRASE

Visualize o tutorial ACEAP_Paragrafo_Frase


Resolva o desafio 1 do anexo A.
Leia e assimile os conteúdos.
Faça o exercício 4 do anexo B.

If you want to write long sentences, be a genius. Or at


least make sure that the sentence is under control from
beginning to end, in syntax and punctuation, so that the
reader knows where he is at every step of the winding
trail. (Zinsser, On Writing Well)

Um texto académico deve ser claro, correto e rigoroso. A clareza, a correção

e o rigor dependem, em primeira instância, da escolha das palavras adequadas e

respetiva organização em frases, respeitando as regras gramaticais.

A frase, a mais pequena unidade com que construímos textos, é um conjunto

de extensão variável de palavras, organizadas lógica e gramaticalmente, dotada de

um sentido completo.

Vejamos os exemplos abaixo:

(1a) “As línguas refletem os valores sociais em determinada época.”


(2a) “As línguas enfrentam desafios, e mudam naturalmente, com as dinâmicas sociais e
políticas das sociedades.”13
Ambas as frases têm um grupo nominal (sujeito), um grupo verbal (predicado)

e complementos. Ambas seguem a organização sintática correta e estão bem

pontuadas.

(1b) As línguas, refletem os valores sociais.


(2b) As línguas enfrentam, naturalmente desafios.

13
Exemplos retirados de Almeida, P. D. (2022). “Tento na Língua”. Visão. Dossier Especial – O que é
escrever em bom português? – 4 a 10 de agosto, 31-43.

17
Nesta versão b), as frases não estão corretas, pois violam regras de pontuação:

no caso (1b), a vírgula separa o sujeito da frase do seu predicado; no caso (2b), a

vírgula separa o predicado do complemento direto.14

A frase, que pode ser simples ou complexa, precisa de respeitar as regras da

sintaxe (organização dos elementos dentro da frase) e de pontuação. Uma frase

simples tem 1 só verbo principal, enquanto uma frase complexa tem 2 ou mais

verbos principais. Como em qualquer texto, também no texto académico é

precisamente o jogo entre frases simples e frases complexas que nos permite

construir parágrafos (cf. 2. O Parágrafo, unidade de sentido). Note, contudo, que

a frase simples não é usada no raciocínio complexo, na demonstração


lógica; ou seja, tipicamente não aparece no texto de natureza técnica (que
envolve exposição de conteúdos de maior ou menor densidade
cognitiva). A frase complexa traduz todos os matizes, subtilezas e
complexidades do raciocínio; aparece tipicamente nos textos
argumentativos / científicos / técnicos /analíticos.

Vejamos os exemplos abaixo:

(1) “As línguas refletem os valores sociais em determinada época.”


Esta frase é uma frase simples porque tem apenas um núcleo verbal.

(3) “O jornalismo, tal como a história, apresenta-se como uma forma de conhecimento,
possuindo, simultaneamente, caráter narrativo.”15
Esta frase é uma frase complexa que se constrói a partir da articulação de duas
orações:
i) O jornalismo, tal como a história, apresenta-se como uma forma de
conhecimento;

14
Para esclarecer as dúvidas sobre pontuação, pode recorrer a um Prontuário. Sugere-se:
Bergstrom, M. & Reis, N. (2011). Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa. 50.ª ed. Porto:
Casa das Letras.
15
Mesquita, M. (2022). “Do prazer da boa história ao sonho do mapa-múndi”. Le Monde
Diplomatique (Edição Portuguesa), fevereiro (https://pt.mondediplo.com/2022/02/do-prazer-da-
boa-historia-ao-sonho-do-mapa-mundi.html)

18
ii) O jornalismo possui simultaneamente um caráter narrativo.

(4) “Ensaiar uma definição é sempre um risco, porque, como se aprende com a retórica, toda
a definição é um argumento.”16
Esta frase é uma frase complexa que se constrói a partir da articulação de três
orações:
i) Ensaiar uma definição é sempre um risco
ii) como se aprende com a retórica
iii) porque (...) toda a definição é um argumento

É geralmente nas frases complexas, sobretudo quando muito longas, que se

encontram mais problemas de coesão e erros. Sugere-se que o autor de um texto

académico evite:

● Usar parênteses muito frequentes e extensos;

● Redigir frases com demasiadas orações (exprimindo ideias diferentes);

● Inverter a ordem sintática direta (quando não se pretende um efeito

estilístico, esta alteração pode provocar dificuldades de leitura e põe em

risco a clareza da expressão);

● Usar adjetivos e advérbios não concretos, ou subjetivos, em excesso.

Referências bibliográficas

Almeida, P. D. (2022). “Tento na Língua”. Visão. Dossier Especial – O que é escrever em bom

português? – 4 a 10 de agosto, 31-43.

Estrela, E. et al. (2013). Saber Escrever uma Tese e Outros Textos. D. Quixote.

Leite, S. de A. (2017). Como Escrever Tudo em Português Correto. Manuscrito (pp. 126-130).

Zinsser, W. (2006). On Writing Well. 30Th Anniversary Edition. The Classic Guide to writing nonfiction.

Collins.

16
Ver nota 13.

19
Faça os exercícios 1, 2, 3 e 11.2.do anexo B.

Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.

20
4. A COESÃO ENTRE PARÁGRAFOS E FRASES

Visualize o tutorial ACEAP_Coesao_Logica


Resolva o desafio 2 do anexo A.
Leia e assimile os conteúdos.
Faça os exercícios 5 e 6 do anexo B.

Como referido, os parágrafos e as frases devem estar ligados de forma coesa

(ver 2. O Parágrafo e 3. A Frase). Tópicos e subtópicos, conforme previsto no mapa

concetual (ver 1.2. Planificação do texto), devem suceder-se de forma a que fique

claro para o leitor que lugar ocupa cada um e como se relaciona com o anterior e

o seguinte. Entre outros meios (ver 5.5. Coesão referencial), isto é conseguido

através de expressões de ligação:

● Articuladores entre parágrafos ou entre frases (Além disso – No


entanto – Por esta razão – Consequentemente – Em conclusão…)
● Conectores no interior das frases (e – mas – porque – para que –
embora – pelo que – se – quando…).

No desafio (2) do Anexo A, para sustentar a ideia central do excerto, os

espaços só permitem conectores ou articuladores que garantam o nexo lógico de

oposição:

(1) Numa síntese certeira, Raymond Garthoff escreveu que «(…) o Ocidente e, sobretudo, o
papel americano no fim da Guerra Fria foi necessário, mas não fundamental»56. Apesar
de terem participado no desfecho do conflito bipolar, tanto Reagan como Bush foram
atores secundários, o que se explica pelo facto de os próprios Estados Unidos terem tido
um papel relativamente pequeno na revolução de 1989/1991.
É certo que há várias decisões tomadas pelo governo norte-americano que contribuíram
para o colapso da URSS. Porém / Todavia / Contudo / No entanto / Não obstante /
Apesar disso, dito de forma simples, não foram os Estados Unidos que ganharam a
Guerra Fria, mas a URSS que a perdeu. E aqui Gorbachev foi o grande protagonista. Como

21
defendeu Tony Judt, (...), «não havia nenhuma autoridade compensadora, nenhum
movimento dissidente – quer na União Soviética, quer nos Estados seus clientes – que a
tivesse podido abater. Só um comunista o poderia fazer. E foi um comunista que o fez.»
Gorbachev levou a cabo a Perestroika e a Glasnost para salvar a URSS. Porém / Todavia
/ Contudo / No entanto / Não obstante / Apesar disso, ironicamente, foi essa tentativa
de reforma que a fez implodir.17

17
Sá, T.M. (2014). Os Estados Unidos e o fim da Guerra Fria. Relações Internacionais (R:I), (43), pp.
15-29.

22
Nas tabelas seguintes, encontra-se uma listagem não exaustiva de

articuladores e conectores, com indicação do uso e exemplos contextualizados.

Tabela 1.1. Articuladores e conectores de estruturação ao nível do texto


Uso Articuladores e conectores Exemplos
Estruturar Em primeiro lugar – Em “Em primeiro lugar torna-se importante
secções ou segundo lugar – Em conclusão – perceber as características da população
partes do Por fim – Finalmente – Antes de portuguesa (…). Em segundo lugar, é
texto (ver – Durante – Depois de necessário analisar o problema demográfico do
tópico 1.) Por um lado (…) / Por outro (…) envelhecimento da população. (…) Por fim,
importa ter em conta a variável da densidade
populacional (…).”18
Indicar Quanto a – No que se refere “No que toca ao problema demográfico do
uma /toca / diz respeito a – No que envelhecimento da população (…) o país
mudança concerne (…) demograficamente tem sofrido uma espécie de
de tópico efeito de tenaz. (…)
ou ideia No que se reporta ao posicionamento do
negócio, o aumento da população destas duas
últimas faixas constitui uma oportunidade (…)”19
Sumariar, Em suma – Em síntese – Em Em síntese / Em suma / Em resumo / Em
resumir, resumo – Em conclusão conclusão, os autores consultados estão de
sintetizar Resumindo - Sintetizando acordo quanto à semelhança entre os textos de
Eça de Queirós e os do escritor espanhol Clarín.

As ligações lógicas desta tabela usam-se sobretudo nas secções principais do

texto (Introdução – Desenvolvimento – Conclusão, ver 1.2. Planificação do texto).

Vejamos alguns exemplos em detalhe.

(2) Em primeiro lugar torna-se importante perceber as características da população


portuguesa (…). Em segundo lugar, é necessário analisar o problema demográfico do
envelhecimento da população. (…) Por fim, importa ter em conta a variável da densidade
populacional (…).

18
Telha, S. (2012), Estudo de um Projeto de Investimento Hoteleiro, Relatório de estágio curricular
efetuado na empresa Nextconsulting, apresentado à Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra para obtenção do grau de mestre em Gestão, p. 23, texto modificado. Disponível em
http://hdl.handle.net/10316/21381. Consulta em 24-01-2024.
19
Ver nota 16.

23
Neste excerto de um relatório académico de Gestão, os articuladores
destacados permitem ao leitor organizar o seu próprio mapa mental de conceitos,
ajudando a fixar na sua memória os critérios que norteiam o estudo:

● Em primeiro lugar (as características demográficas da população


portuguesa)
● Em segundo lugar (o problema demográfico do envelhecimento)
● Por fim (a variável da densidade populacional)

O texto faz uma enumeração, mas ela não aparece como uma listagem ao

acaso. Encontra-se organizada do geral para o particular. Por outras palavras, as

ideias ou tópicos do texto já estão estruturados. O que os articuladores fazem é

destacar essa organização, atuando como guias do raciocínio. Constituem uma

ajuda para o leitor organizar o seu pensamento e memorizar os dados.

Os articuladores e os conectores não se acrescentam no fim por meras

razões estéticas. Como são estruturantes do pensamento e da leitura, devem estar

presentes desde o início, no mapa concetual (ver 1.2. Planificação do texto).

(3) Em síntese / Em suma / Em resumo / Em conclusão, os autores consultados estão de


acordo quanto à semelhança entre os textos de Eça de Queirós e os do escritor espanhol
Clarín.

Neste texto de análise literária, os articuladores “fecham” uma secção (ou


mesmo o próprio texto), assinalando para o leitor que este é o tópico ou ideia a
reter: há semelhança entre os textos de Eça de Queirós e de Clarín.

Tabela 1.2. Articuladores e conectores de ampliação e reformulação


Uso Articuladores e conectores Exemplo
Acrescentar e/ Além disso – Com efeito – De facto – Acima Além disso, as descargas de
ou reforçar de tudo – Sublinhe-se – Ressalve-se – Vale matérias poluentes também
lembrar fizeram engrossar o caudal dos
sobretudo – em especial – especialmente cursos de água.
e (nem, na negativa) – e ainda – e, por fim –
também – bem como
Reformular Por outras palavras – Quer isto dizer que “(…) o modelo prevê a existência
texto anterior, de uma face positiva e de uma

24
introduzindo isto é – ou seja – ou melhor – i.e. – melhor face negativa que cada falante
uma dizendo – ou antes tenta preservar durante a
paráfrase, comunicação. Por outras
para melhor palavras, ao mesmo tempo que
entendimento pretende obter a aprovação do
da ideia outro (…), o falante esforça-se
por manter intacto o seu
território (i.e., salvaguardar a sua
face negativa), evitando a
intrusão alheia.”20

Especificar ou por exemplo – a saber – em concreto – Faça um comentário do texto


ilustrar especificamente – em especial – em apresentado, mencionando
particular – como se pode ver - especificamente / em concreto
nomeadamente / em particular os seguintes
pontos: (…)

As ligações lógicas desta tabela usam-se sobretudo para fazer progredir o

texto e tornar mais claro um tópico ou ideia.

Vejamos alguns exemplos mais em detalhe.


(4) O modelo prevê a existência de uma face positiva e de uma face negativa que cada falante
tenta preservar durante a comunicação. Por outras palavras, ao mesmo tempo que
pretende obter a aprovação do outro, o falante esforça-se por manter intacto o seu
território (i.e., salvaguardar a sua face negativa), evitando a intrusão alheia.

Neste texto académico de linguística, as autoras utilizam alguns termos

técnicos como “face positiva / negativa”, explicando-os logo a seguir, o que é

assinalado por Por outras palavras ou i.e. (abreviatura da expressão latina id est,

ou seja, isto é).

Quando se antecipa que o leitor poderá não entender logo a ideia, convém

dizê-la de duas formas diferentes. É importante garantir que os articuladores ou

conectores estão efetivamente a ligar duas formas diferentes da mesma ideia e não

duas ideias distintas.

20
Lopes, A.C., & Carapinha. (2019). Texto, coesão e coerência. Almedina / CELGA, p. 256.

25
(5) Faça um comentário do texto apresentado, mencionando especificamente / em
concreto / em particular os seguintes pontos: (…).

Neste enunciado, tão frequente em provas de avaliação, os conectores

assinalados indicam os pontos que devem ser mencionados na resposta, ou seja,

especificam de forma muito mais clara o que se pretende, para facilitar a

concretização do comentário.

26
Tabela 1.3. Articuladores e conectores de raciocínio lógico
Uso Articuladores e conectores Exemplo
Indicar Por essa razão – Desta forma – Deste modo –
relações de Assim – Consequentemente – Em O nível das águas subiu devido
causa e/ou de consequência – Por conseguinte – Daí que às alterações climáticas.
consequência porque – visto que – dado que – uma vez
que – já que – tendo em conta que – O nível das águas subiu, visto
considerando que – de (tal) modo que – que houve uma alteração do
devido a – por causa de clima.

Opor ou Pelo contrário – Ao invés – Contrariamente a Embora / Ainda que / Mesmo


contrastar – Porém – Todavia – Contudo – Não obstante que a saúde seja um setor sem
mas – apesar de ainda que – ainda assim – uma lógica condutora das
mesmo assim – conquanto – embora motivações de consumo, a
verdade é que a implementação
da metodologia tem sido bem
sucedida, proporcionando uma
melhoria significativa das
relações entre fornecedores e
utentes.
Indicar uma Se – Caso / No caso de - Contanto que Se ninguém cuida da floresta,
condição a não ser que – desde que haverá todos os anos incêndios
de proporções avassaladoras.

Caso não haja uma intervenção


do Estado no sentido de obrigar
os proprietários a limparem os
seus terrenos os incêndios
conservarão todo o seu
potencial devastador.
Indicar um fim para – a fim de – para que – com o objetivo “Com o objetivo de estabelecer
ou objetivo de uma relação entre os indicadores
de maturação biológica,
procurou-se encontrar
concordância entre
classificações de estatuto
maturacional em idades peri-
pubertários no sexo
masculino.” 21

21
Ribeiro, L.P. (2012). Maturação Biológica em Praticantes Desportivos nos anos peri-pubertários:
Estudo multimétodo e concorrente entre indicadores e protocolos. Excertos de Tese de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física para obtenção

27
As ligações lógicas desta tabela são provavelmente as mais conhecidas

através de contacto com a frase complexa. O seu uso é especialmente importante

na organização argumentativa (ver 1.2. Planificação do texto), visto que permitem

ao leitor acompanhar o raciocínio.

Vejamos alguns exemplos mais em detalhe:

(6) O nível das águas subiu devido às alterações climáticas.


(7) O nível das águas subiu, visto que houve uma alteração do clima.

Nestas duas frases, devido (a) e visto que estabelecem um nexo de causa /
consequência entre dois factos:
(i) O nível das águas subiu.
(ii) Houve alterações climáticas.

Tal como nos exemplos anteriores, o nexo existe desde que a informação foi

recolhida nas fontes e deve estar assinalado no mapa concetual (ver 1.2.

Planificação do texto). Por outras palavras, a ligação lógica está prevista muito antes

de se começar a escrever. Os conectores limitam-se a assinalá-la para o leitor.

Existem muitas outras expressões que podem ser usadas para garantir a

coesão lógica entre parágrafos e frases. A sua aprendizagem é feita com treino de

escrita: quanto mais se escreve, mais articuladores e conectores se usam e mais

fácil será fazê-los variar, ou mesmo lembrar-se deles quando forem precisos.

Numa fase inicial, sugere-se que organizem pequenas listas destas expressões

a partir da leitura de textos especializados do vosso curso ou das suas áreas

disciplinares. Assim, estarão a usar o que é mais habitual em Arqueologia, Ciência

da Informação, História, Estudos Artísticos, etc.

do grau de Doutor em Ciências do Desporto e Educação Física (disponível em


http://hdl.handle.net/10316/23093, acesso em 20-01-2024, texto adaptado).

28
Referências bibliográficas

Costa Val, M.G. (2004). Texto, Textualidade e Textualização. Pedagogia Cidadã – Cadernos de

Formação n. 9. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

Halliday, M.A.K., & Hasan, R. (1976). Cohesion in English. Taylor & Francis.

Lopes, A.C.M., & Carapinha. M.C. (2013). Texto, Coesão e Coerência. Livraria Almedina / CELGA.

Mendes, A. (2013). Organização textual e coesão de orações. In E.P. Raposo et alii (Org.), Gramática

do Português (1690-1712). FCG, vol. II.

Silva, P.N. (2023). Manual de Técnicas de Expressão e Comunicação. Universidade Aberta.

Faça os exercícios 5 e 6 do anexo B.

Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.

29
5. O NOME

Visualize os tutoriais ACEAP_Nome || ACEAP_Coesao_Referencial || ACEAP_


Nominalizacao
Resolva os desafios 3, 4 e 5 do anexo A.
Leia e assimile os conteúdos.
Faça os exercícios 7 a 12 do anexo B.

5.1. O NOME, UNIDADE DE SENTIDO

O nome (ou substantivo) representa aquilo de que falamos – entidades de

natureza diversa (coisas, ideias, conceitos, espaços, etc.) e que aqui vamos designar

por “objetos”.

Apesar de aparentemente ser de dimensão reduzida, o nome assume um

papel nuclear na construção do sentido global do texto.

Vejamos os seguintes exemplos:

(1) Debrucemo-nos agora sobre os funcionários de hospitais portugueses para concluirmos


quem era, efetivamente, o pessoal de enfermagem.22
(2) A casa é o refúgio por excelência. Ela garante a separação e o abrigo em relação ao
mundo exterior. Obedecendo a uma ordem que só para o(s) seu(s) habitante(s) faz
sentido, ela não apenas constitui o recetáculo dos testemunhos materiais que integram
a identidade de um ser humano, como fornece o espaço para que uma identidade
privada possa manifestar-se ou mesmo objetivar-se. Conquanto íntima, a casa

22
Lopes, M.A. (2019). A enfermagem hospitalar em Portugal entre os séculos XVI e XIX: mitos e
realidades. In Festas, C; Subtil, C.L.; Sá, L.O., & Costa, R.M.P. (Coord.). Sob o Signo da História
Comparada: a Enfermagem na Europa do Sul (pp. 8-19). Sociedade Portuguesa da História da
Enfermagem.

30
compreende, também, uma dimensão pública, contribuindo para a construção da
heteroimagem do proprietário […]23

Os nomes destes excertos são muitos e muito variados, e, por isso, também

são muitas e muito variadas as entidades a que, através deles, fazemos referência:

funcionários, hospitais, enfermagem em (1) e casa, refúgio, separação, mundo,

identidade, habitantes, proprietário, etc. em (2).

Percebemos também, percorrendo superficialmente os textos, que estes

nomes não estão sozinhos: aparecem habitualmente rodeados de outros

elementos (às vezes outros nomes) que lhes afinam o sentido. Por isso, falaremos

preferencialmente de grupos ou blocos nominais.

Vejamos novamente os exemplos, com os grupos nominais destacados, que

nos mostram a densidade de uso no texto académico:

(1) Debrucemo-nos agora sobre os funcionários de hospitais portugueses para


concluirmos quem era, efetivamente, o pessoal de enfermagem.

(2) A casa é o refúgio por excelência. Ela garante a separação e o abrigo em relação
a[o mundo exterior] . Obedecendo a uma ordem que só para [o(s) seu(s)
habitante(s) ] faz sentido] , ela não apenas constitui o recetáculo dos testemunhos
materiais que integram [a identidade de um ser humano ], como fornece o espaço
para que uma identidade privada possa manifestar-se ou mesmo objetivar-se.
Conquanto íntima, a casa compreende, também, uma dimensão pública,
contribuindo para a construção da heteroimagem do proprietário […]

Quando referimos o objeto do real que é a casa, fazemo-lo escrevendo a casa;

quando referimos os funcionários ou o refúgio, fazemo-lo escrevendo os

funcionários de hospitais portugueses ou o refúgio por excelência,

respetivamente, etc. Cada um destes grupos nominais, constituindo uma unidade

23Ribeiro, M.B., & Brites, J. (2018). A casa atelier de António Tavares Ribeiro: um microcosmos
oitocentista. Biblos n.º 4, nova série, 32-59.

31
de sentido, ocupa um determinado espaço funcional dentro da estrutura

hierárquica da frase e pode ser substituído, em bloco, por outra forma:

• na frase [A casa] é [o refúgio por excelência], os objetos designados


pelos nomes casa e refúgio encontram-se ligados pelo verbo ser (é) e
podem ser substituídos por formas mais simples, como os pronomes,
mantendo a mesma função (e relações dentro da frase): Ela é-O. (= ela
é isso tudo)
• na frase ela garante [a separação e o abrigo em relação ao mundo
exterior], o grupo nominal está ligado ao verbo (garantir) e pode ser
substituído, como um bloco, pela forma ISSO ou –O: Ela garante ISSO /
garante-O (ela garante isso tudo).

Em síntese, os grupos nominais são expressões construídas em torno de um


nome. Assim, é possível expandir o nome através de sucessivos encaixes de grupos
nominais:

• na frase ela garante a separação e o abrigo em relação ao mundo


exterior, o grupo nominal assinalado está encaixado no grupo nominal
superior a separação e o abrigo em relação ao mundo exterior.

• no excerto o recetáculo dos testemunhos materiais que integram a


identidade de um ser humano, encontramos os seguintes encaixes
sucessivos:

o recetáculo dos testemunhos materiais que integram a identidade de um ser


humano
(…) DE os testemunhos materiais que integram a identidade de um ser
humano
(…) a identidade de um ser
humano
(…) DE um ser
humano

32
A expansão do nome enquanto unidade de sentido do texto através de

encaixes sucessivos é uma estratégia central para o texto académico, porque

permite:

• acrescentar informação através de processos específicos de expansão

(ver 5.2.)

• hierarquizar informação, de acordo com o seu grau de importância,

dando a alguns grupos nominais o estatuto de tópico (ver 5.3.)

• condensar informação demasiado extensa, reduzindo frases inteiras a

grupos nominais no processo de nominalização (ver 5.4.)

• dar coesão referencial e coerência ao texto, retomando os grupos

nominais através de pronomes, repetições, sinónimos ou mesmo

ausências (ver 5.5.).

5.2. A EXPANSÃO DO NOME

Qualquer expansão do nome no interior de um grupo nominal depende

genericamente de dois fatores: a natureza do nome e a forma como se refere ao

objeto.

No que toca à natureza do nome, distinguimos nomes autónomos, como, por

exemplo, nomes concretos (filme, turismo, artefacto, biblioteconomia) e nomes

dependentes, como, por exemplo, heteroimagem, investigação, estudo). Os nomes

autónomos, dada a sua natureza, podem aparecer sozinhos (o filme). Já os nomes

dependentes precisam de complemento (ex: heteroimagem do proprietário,

investigação sobre a União Europeia, estudo de caso).

33
No que toca à forma como um nome se refere a um dado objeto (coisa, ideia,

conceito, pessoa, espaço, etc. = aquilo de que falamos), e, sobretudo, quando

estão em causa entidades concretas (como filme), a constituição do grupo nominal

depende de nos referirmos a…

• um conjunto de objetos do mesmo tipo (um conjunto de filmes)


• o conceito de “filme” (como na resposta à pergunta o que é um filme?)
• um objeto em particular (o filme Citizen Kane de Orson Welles).

Assim, distinguimos os grupos nominais que designam:


• uma entidade única– ex.: um nome próprio como “Orson Welles”
• uma entidade comum, mas apresentada genericamente – ex.: “o conceito de
filme”
• uma entidade comum, mas individualizada e específica – ex.: “o filme sobre
a figura de William Randolph Hearst”
Ainda no que toca à forma, todos os nomes podem ser expandidos, quer no

interior dos blocos nominais dos quais fazem parte, quer em blocos encaixados (ver

5.1.), através dos seguintes processos:

• N Adj (nome + Adjetivo concreto, de preferência em linguagem técnica


ou especializada);
• N QUE… (nome + oração relativa iniciada por QUE);
• N Prep N (nome + preposição + nome).

Observemos na tabela 2 a classificação de diferentes expansões dos grupos

nominais. Note-se que os tipos de expansão também podem combinar-se entre si

nos sucessivos encaixes, conforme se pode ver pelas expressões entre ( ).

Tabela 2 – Tipos de expansões do grupo nominal


Processo Exemplos
N Adj investigação histórica
instituições civis
misericórdias portuguesas

34
N + QUE os testemunhos (materiais) QUE integram a identidade (de um ser
humano)
N Prep N o conhecimento DE [a enfermagem (hospitalar) da Época
(Contemporânea)]
a investigação SOBRE [a história dos enfermeiros em Portugal ]
metodologia DE [a investigação (histórica)]
a construção DE [a heteroimagem do proprietário]
os funcionários DE [hospitais (portugueses)]

As expansões do nome podem ser usadas para definição e caracterização,

concretização ou exemplificação, reformulação ou paráfrase:

• Definir e caracterizar é essencial para que o leitor compreenda bem o


objeto de que se fala, especialmente quando estão em causa conceitos
científicos; cf.:

(1) A desconstrução é [um conceito da análise literária, hoje alargado à linguagem corrente,
que o entende como prática social e intelectual]. Desconstruir é [por em causa as ideias
instaladas e assim decidir se ainda são válidas ou se devem ser renovadas].

(2) A casa é o refúgio por excelência


ela garante a separação e o abrigo em relação ao mundo exterior
(ela) constitui o recetáculo dos testemunhos materiais
fornece o espaço para que uma identidade possa manifestar-se
a casa compreende uma dimensão pública

• Concretizar ou exemplificar serve para ajudar o leitor a visualizar o objeto.


Mesmo que uma imagem seja muito mais clara que um texto neste aspeto
(e, muitas vezes, até acompanha o texto), é necessário salientar os pontos a
que o leitor deve dar mais importância, como em (3):

(3) Em Coimbra, existe um edifício com quase três séculos. Foi concebido como biblioteca, mas
transformou-se também num lugar de atração turística, sendo visitado [por mais de 200 mil
pessoas] por ano. A grande maioria sente-se sobretudo tocada pelo aparato visual: [os
dourados que recobrem as colunas (…)]. Outros deixam-se impressionar pela [grande
concentração de madeira entalhada], ou então, elevando a vista, reparam [nas figuras
femininas e nas inscrições latinas dos tetos]. Existe também [a considerável parcela daqueles

35
que se contentam em saber dos morcegos] (…). Por fim, há ainda [visitantes que perguntam
pelos livros]: querem saber se ainda são lidos (...).24

• Parafrasear ou reformular, como vimos já na coesão lógica (ver 1.4.), serve


para apresentar um mesmo objeto de duas formas distintas, como nos pares
assinalados em (4) e em (5):

(4) Logo no século XVI houve anexação de hospitais [às misericórdias]. [Estas irmandades
portuguesas] eram instituições civis, sem qualquer dependência da Igreja e sem paralelo
noutros países.

(5) [A investigação sobre a história dos enfermeiros em Portugal em períodos históricos


recentes] tem conhecido desenvolvimentos assinaláveis. (…) Contudo, se [o conhecimento
da enfermagem hospitalar portuguesa da época Contemporânea] deu passos relevantes
(…).

5.3. O TÓPICO

Os grupos nominais, com ou sem expansões (e os objetos que representam)

não têm todos o mesmo grau de importância na construção dos sentidos. A

diferença está relacionada com a posição no texto e a frequência com que ocorrem.

A posição mais importante de um grupo nominal é a de tópico, que

corresponde à função de sujeito de uma frase.

No exemplo (1), o bloco nominal a casa é um tópico porque aparece na

posição de sujeito [SU] da primeira frase e vai ser retomado várias vezes na mesma

posição ao longo do excerto:

(1) A casa [SU] é o refúgio por excelência. Ela [SU]garante a separação e o abrigo em
relação ao mundo exterior. Obedecendo a uma ordem que só para o(s) seu(s) habitante(s)
faz sentido, ela [SU]não apenas constitui o recetáculo dos testemunhos materiais que
integram a identidade de um ser humano, como fornece o espaço para que uma

24
Bernardes, J.A.C. (2015). A Biblioteca Geral, Alegoria da Universidade. In Bernardes, J.A.C;
Miguéis, A.E., & Ferreira, C.A.S. (Coord,). A Biblioteca da Universidade. Permanência e
Metamorfoses (pp. 293-309). Disponível em https://hdl.handle.net/10316/44052, acesso em 22-02-
2024.

36
identidade privada possa manifestar-se ou mesmo objetivar-se. Conquanto íntima, a casa
[SU] compreende, também, uma dimensão pública, contribuindo para a construção da
heteroimagem do proprietário.

O grupo nominal é retomado 3 vezes como sujeito, seja por um pronome, seja
pela repetição (casa è ela / ela è a casa), tornando-se assim mais saliente em
relação aos que aparecem uma única vez, como heteroimagem ou recetáculo. Estes
outros blocos nominais não ocorrem em posição de sujeito, pelo que não são
tópicos.

Do ponto de vista da construção do texto, um grupo nominal será tanto mais

importante quanto mais destacada for a sua posição (= se for sujeito || tópico) e

quanto mais vezes for retomado ao longo do texto. Qualquer objeto de discurso

com estas propriedades torna-se no núcleo temático de partes mais ou menos

extensas do texto, como frases, parágrafos, secções, ou, até, o próprio texto.

No exemplo, o grupo nominal a casa constitui o núcleo temático do parágrafo

e contribui para a sua harmonização semântica. Além disso, a casa é o núcleo

temático do próprio texto, como se pode ver pelo título: A casa atelier de António

Tavares Ribeiro (…) e por uma das palavras-chave: (…), Casa-atelier (…).

O tópico é dinâmico. Diferentes grupos nominais podem tornar-se tópicos ou

deixar de o ser, em função da progressão textual. Há grupos nominais que ocupam

a posição de tópico logo na sua primeira ocorrência no texto, por se referirem a

objetos previamente apresentados, ou que representam entidades únicas,

conhecidas de todos e imediatamente identificáveis. Pelo contrário, há grupos

nominais que aparecem primeiro em posição de não-tópico e só depois passam

para a posição de tópico. Por fim, há grupos nominais que ocupam a posição de

tópico numa ocorrência única e breve (por exemplo, em explicações ou

comentários breves) e grupos nominais que são reiteradamente colocados nesta

posição, muitas vezes em frases consecutivas.

37
Este dinamismo do tópico exige algum cuidado na escrita do texto. Vejamos

dois exemplos no texto sobre plágio proposto no DESAFIO (ver anexo A):

(2) Os dados foram verificados a partir de textos que os docentes forneceram. Os textos
apresentam diferentes tipos de plágio, tendo em vista estabelecer critérios fiáveis para
construir um programa para detetar plágios user-friendly e de preço razoável, e para ser
usado em pequena escala no âmbito de um pequeno departamento de uma instituição.
Não há resultados globais para todas as tabelas que se apresentam nos anexos, porque
houve dificuldades em comparar tecnicamente textos que têm uma extensão muito
diferente e que tratam diferentes temas.

As frases têm vários grupos nominais em posição de tópico. As duas primeiras


têm como tópico o grupo nominal os dados (dos textos fornecidos pelos
docentes). Inicialmente, os grupos nominais ainda sustentam entre si uma relação
mais ou menos coesa (ainda que não esteja perfeita): dados verificados a partir de
textos è textos com diferentes tipos de plágio.
Contudo, a partir daqui, há um corte abrupto: o tópico muda de repente e
passa a ser “critérios fiáveis para construir um programa (…)”. Mudar de tópico a
meio de um parágrafo, ou – pior – a meio de uma frase afeta muito negativamente
a compreensão porque deixa de haver coesão no núcleo temático.
Uma solução possível seria a reformular o excerto, respeitando a retoma do
tópico inicial os dados. Isto implica retirar a outros grupos nominais o estatuto de
tópico, isto é, coloca-los em posição não destacada.

Os dados foram verificados a partir de textos que os docentes forneceram, que apresentam
diferentes tipos de plágio (ver tabelas nos anexos).

Cortando a frase aqui, podemos usar o tópico os dados como ponto de


partida para outros grupos nominais que, por sua vez, se podem tornar tópicos:

Os dados foram verificados a partir de textos que os docentes forneceram, e que apresentam
diferentes tipos de plágio (ver tabelas nos anexos). Esses dados podem ser usados
estabelecer critérios fiáveis para construir um programa para detetar plágios user-friendly e
de preço razoável, e para ser usado em pequena escala no âmbito de um pequeno
departamento de uma instituição.

No exemplo (3), encontramos novos problemas:

38
(3) Este trabalho destina-se a estudar o fenómeno do plágio na Universidade de Coimbra.
Utiliza um inquérito e o objetivo é analisar as respostas de docentes, porque o plágio é um
problema muito sério na universidade. Os resultados do inquérito que foi feito aos
docentes mostram que o plágio é um problema sério quando aparece no meio
académico.

Encontramos 4 tópicos associados a 4 grupos nominais – “o plágio”, “um


inquérito”, “as respostas de docentes” e “um problema muito sério”. Além disso, há
repetições excessivas. Isto também afeta a coesão do texto, porque o leitor se sente
perdido entre tantos objetos.
Uma solução simples seria a de cortar as repetições, fazendo depois ajustes
na estrutura das frases:

Este trabalho destina-se a estudar o plágio na Universidade de Coimbra através de um


inquérito aos docentes e o objetivo é analisar, porque o plágio é um problema muito
sério na universidade. Os resultados da análise às respostas mostram que se trata de um
problema muito sério quando aparece no meio académico.

Para evitar os problemas que acabámos de identificar neste texto, vejamos

agora alguns exemplos bem construídos:

(4) Logo no século XVI houve anexação de hospitais às misericórdias. Estas irmandades
portuguesas eram instituições civis, sem qualquer dependência da Igreja e sem paralelo
noutros países.25

(5) A falta de atenção em direção a um objeto externo não nega, necessariamente, a


presença da consciência, podendo antes indicar que a atenção está dirigida para um objeto
interno. Professores distraídos e adolescentes sonhadores manifestam frequentemente este
“sintoma”. Felizmente, o sintoma é passageiro.26

Em (4), o grupo nominal as misericórdias começa por ocupar uma posição

subordinada (na expressão “anexação de…”). Não é tópico, porque não é o sujeito

da frase. Contudo, na frase seguinte, através de um sinónimo estas irmandades, já

25 Lopes, M.A. (2019). A enfermagem hospitalar em Portugal entre os séculos XVI e XIX: mitos e
realidades. In Festas, C; Subtil, C.L.; Sá, L.O., & Costa, R.M.P. (Coord.). Sob o Signo da História
Comparada: a Enfermagem na Europa do Sul (pp. 8-19). Sociedade Portuguesa da História da
Enfermagem.
26 Damásio, M. (2013) O sentimento de si. Corpo, emoção e consciência. Temas & Debates.

39
assume a posição de sujeito, passando a constituir um novo tópico acerca do qual

dizemos alguma coisa.

Em (5), o grupo nominal a falta de atenção a um objeto externo é o sujeito

e o tópico da frase. Na frase seguinte, é retomado pelo sinónimo este sintoma,

mas deixa de ser tópico, porque também não é sujeito – ocupa uma posição menos

proeminente. Por fim, na última frase, o sinónimo este sintoma é repetido,

passando de novo a sujeito e a tópico.

A rede de grupos nominais agrupados em torno dos tópicos é o que garante

que a informação aparece organizada em diferentes níveis de importância.

5.4. A NOMINALIZAÇÃO
Depois de vermos processos para expandir o nome e ampliar a informação,

veremos agora que, no texto académico, a expansão também cumpre um

propósito essencial: resumir uma grande quantidade de informação, que servirá de

suporte para narrar, descrever, expor ou argumentar (ver 1.2. Planificação do texto).

As estratégias de expansão do nome podem transformar frases inteiras num

único nome – chamamos a isto nominalização. O exemplo seguinte inclui várias

nominalizações:

(1) A análise das traduções portuguesas dos contos de Perrault pelos Estudos Descritivos
da Tradução, que incluem os sistemas social, cultural e literário, proporciona uma
visão mais ampla e consistente da sua receção.27

O exemplo usa as três estruturas de expansão do nome que já conhecemos (ver


5.2.):

27
Bárbara, M.E. (2014). Os contos de Perrault em Portugal no Estado Novo. Tese de Doutoramento
em Tradução, apresentada à FLUC, p. 7-8, disponível em http://hdl.handle.net/10316/23758,
acesso em 15-11-2020, texto adaptado.

40
(i) N + Prep + N, como em [a análise] + [das traduções]
(ii) N + Adj, como em [traduções] + [portuguesas]
(iii) N + relativa com que, como em [Estudos Descritivos da Tradução] + [que
incluem os sistemas social, cultural e literário]

As nominalizações encontram-se encaixadas umas nas outras: o nome “análise”


é expandido pelo processo (i) – a análise das traduções. Por sua vez, este bloco
nominal é expandido pelo processo (ii) – as traduções portuguesas. Por fim, este
novo bloco nominal é novamente expandido pelo processo (i) – as traduções
portuguesas dos contos de Perrault.
O que pode não ser imediatamente percetível é que cada uma destas
expansões corresponde a uma frase completa:
- dos contos de Perrault = Perrault escreveu contos.
- das traduções dos contos de Perrault = Os contos de Perrault foram traduzidos.
- das traduções portuguesas = Essas traduções são portuguesas.
Como se pode ver, toda a nominalização construída em torno do nome
“análise” – “a análise das traduções portuguesas dos contos de Perrault” – resume
três frases distintas, ou seja, sintetiza uma grande quantidade de informação.

Podemos analisar da mesma forma o bloco nominal construído em torno do


nome “Estudos”, que é expandido pelos processos (ii) – Estudos Descritivos, pelo
processo (i) – Estudos Descritivos da Tradução e pelo processo (iii) – que incluem os
sistemas social, cultural e literário. Cada expansão também corresponde a uma frase
completa.

Apliquemos as mesmas estratégias a alguns problemas detetados no texto

sobre plágio proposto nos DESAFIOS (ver Anexo A). Veja-se o excerto seguinte:

(2) Os professores informaram que tinham identificado uma primeira fonte de material plagiado
e que essa fonte era o trabalho que os alunos tinham copiado de manuais e de teses.
Informaram também que a segunda fonte mais comum era o material que tinha sido
copiado da Internet, e que tinha sido cortado ou não, e a seguir tinha sido colado no texto
que tinha sido solicitado aos estudantes nos enunciados dos trabalhos pedidos pelos
professores. 21 professores reportaram nas respostas abertas que os estudantes tinham
copiado dos colegas sem terem referenciado que o tinham feito.

41
Todas as frases dizem respeito a uma única referência, que pode ser expressa
através de uma só nominalização: “identificação de fontes de plágio”. Como
podemos constatar pelo texto, há 3 fontes possíveis, que também podem ser
resumidas por nominalizações, em vez de constituírem frases completas:
● trabalho copiado de manuais e teses
● material copiado da Internet
● (material) copiado do trabalho de colegas

A forma mais simples de corrigir o texto será a de reconstruir a cadeia de


referências através de uma lista, cortando as repetições:

Os professores informaram que tinham identificado três fontes de material plagiado: e


que essa fonte era
- o trabalho que os alunos tinham copiado de manuais e de teses,
- o material que tinha sido copiado da Internet, e que tinha sido cortado ou não, e a seguir
tinha sido colado no texto que tinha sido solicitado aos estudantes nos enunciados dos
trabalhos pedidos pelos professores
- o material copiado do trabalho dos colegas sem terem referenciado que o tinham feito.
Os professores informaram que tinham identificado três fontes de material plagiado: o
trabalho de manuais e de teses, o material da Internet, cortado ou não, e o material do
trabalho dos colegas.

Uma revisão pode tornar o texto mais elegante, claro e ainda mais curto:

Os professores informaram que tinham identificado três fontes de texto plagiado:


manuais e teses, material da Internet e material de trabalhos de colegas.

O corte de informações não afeta o texto, uma vez que o leitor reconstrói
facilmente que manuais e teses foram copiados (o adjetivo “plagiado” na referência
inicial é suficiente para garantir a ideia). Quanto à existência de cortes, ela não é
relevante – cortado ou não, o material será sempre copiado.

A nominalização – um processo de escrita que usa, como vemos, as expansões

do nome (ver 5.2.) – é muito produtiva no discurso académico para sintetizar uma

grande quantidade de informação sem alongar o texto em demasia. Apresenta

ainda a vantagem de relegar para posições secundárias informação menos

42
importante. Como resultado, a informação mais importante fica automaticamente

em posição de destaque (ver 5.3.).

5.5. A COESÃO REFERENCIAL

Quando o objeto referenciado por meio de um grupo nominal já for

conhecido, o texto obriga a retomas variadas, não apenas para que o leitor o

identifique de forma inequívoca, mas também para que haja coesão entre objetos,

isto é, entre referências.

Assim, quando um objeto é reiteradamente referido ao longo do texto, a

forma original vai sendo ora retomada ora substituída, adotando formas mais

simples, neutras ou mesmo expressões mais informativas.

Vejamos alguns exemplos de retoma e substituição de grupos nominais por

pronomes, por paráfrases e sinónimos, sejam eles totais ou parciais, ou

simplesmente pela ausência ou omissão [Ø].

(1) Se existem temáticas constantes na obra de Manuel de Oliveira, elas situam-se


tanto no plano estético como nos temas. Entre as primeiras, conta-se a inspiração
cinematográfica, mas também outras artes. Entre as segundas, avultam as suas
paixões pelo próprio cinema e pela cidade do Porto.”28

A progressão do texto é feita retomando a informação já dada e


acrescentando informação nova, o que garante a coesão referencial. Como vemos
em (1), temos um grupo nominal expandido que é o tópico da frase [temáticas
constantes na obra de Manuel de Oliveira]. Nas frases seguintes, há uma retoma

28
Ferreira, C. (2007). Manuel de Oliveira: um amor feliz. VINTE E UM POR VINTE E UM nº 3: O
CINEMA NO PORTO. O ESTADO DA ARTE, Porto: ESAP, 2007, pp. 76-86. Disponível
em http://hdl.handle.net/10400.26/28323, p. 76.

43
por sinónimos parciais: as primeiras (que incluem a “inspiração cinematográfica”)
e as segundas (que correspondem às paixões pelo cinema e pela cidade do Porto).

(2) Tenho um amigo que, há alguns anos, apresentou uma série de seminários sobre
ética a grandes empresas. [Ø] Contou-me que perguntava muitas vezes aos
executivos se [Ø] estavam a preparar algum tipo de livro de regras éticas para os
empregados. Se [Ø] respondiam que sim, ele surpreendia-os ao pedir-lhes que[Ø]
fizessem o favor de parar.

À primeira vista, parece não haver retomas dos grupos nominais [um amigo]
e [os executivos], as duas entidades de que se fala neste excerto. Contudo, se
colocarmos o texto com uma explicitação dessas retomas – o que resulta em (5),
uma produção absurda – vemos que é a sua omissão ou ausência que está
precisamente a permitir que o leitor ligue os grupos nominais uns aos outros, isto
é, que identifique de forma inequívoca os objetos de que o texto fala:

(3) *Tenho um amigo que, há alguns anos, apresentou uma série de seminários sobre
ética a grandes empresas. O amigo/O mesmo contou-me que o amigo/ele
perguntava muitas vezes aos executivos se os executivos / os mesmos / eles estavam
a preparar algum tipo de livro de regras éticas para os empregados. Se os executivos
/ eles / os mesmos respondiam que sim, ele surpreendia-os ao pedir-lhes que os
executivos / os mesmos / eles fizessem o favor de parar.

Os processos de retoma podem ainda fazer avançar o texto de maneira a que

o leitor reconstrua uma certa coerência entre aquilo de que se fala fora do texto. É

o que acontece em (4):

(4) A paisagem é constituída por um conjunto de elementos, dos quais fazem parte os
processos naturais e a sua utilização pelos grupos humanos, apresentando determinada
organização e estrutura espacial. Qualquer componente depende do todo, resultando
sempre da sua interação no tempo e no espaço. Desta forma, é a materialização das
componentes físicas e humanas que reveste de sentido aquilo a que chamamos
paisagem e que constitui, no fundo, o território.”29

Neste outro excerto, um pouco mais complexo, o tópico é o grupo nominal a


paisagem, definida como um conjunto de elementos. De seguida, os autores

29
Castro, E.; Cunha, L.; & Santos, N.N. (2008). Análise integrada da paisagem da raia central
portuguesa. Minerva 5(2), 139-147. Disponível em http://hdl.handle.net/10316/12157, p. 140.

44
especificam esses elementos através de novos grupos nominais expandidos
(processos naturais + utilização pelos grupos humanos + organização e
estrutura espacial). Nas frases seguintes, novos grupos são associados aos
anteriores (componentes físicas + (componentes humanas + interação no
tempo e no espaço), como se pode ver no esquema seguinte:

Desta forma, partimos do grupo nominal [a paisagem] para chegar a um novo


grupo nominal [o território]. O caminho de associação entre diferentes grupos
nominais é facilmente reconstruído pelo leitor, para poder, fora do texto, associar
o objeto paisagem ao objeto território.

Em síntese, a coesão referencial é um processo essencial para que o texto

exista. Consiste na construção de uma rede de sentido a partir de grupos nominais,

que são retomados por pronomes, paráfrases e sinónimos, ou simplesmente pela

ausência ou omissão. Assim, ao mesmo tempo que retoma o que já foi dito, o texto

progride para acrescentar informação nova.

Referências bibliográficas
Halliday, M.A.K., & Hasan, R. (1976). Cohesion in English. Taylor & Francis.
Lobo, M. (2013). Dependências referenciais. In E.P. Raposo et alii (Org.), Gramática do Português
(2177-2227). Fundação Calouste Gulbenkian, vol. II.
Lopes, A.C.M., & Carapinha. M.C. (2013). Texto, Coesão e Coerência. Livraria Almedina / CELGA.

Faça os exercícios 7 a 12 do anexo B.


Aplique o que aprendeu aos seus próprios textos.

45
6. CONCLUSÃO

Desafio Final: propomos que, depois do workshop,

- redija um texto de síntese de toda a informação contida neste documento e

aplicando o que foi aprendendo nas aulas e no workshop.

- utilize o presente documento como guião para executar os trabalhos

académicos deste semestre.


BOM TRABALHO!

46
Anexo A – Desafios
Desafio para os tópicos 2. O Parágrafo e 3. A Frase.

(1) Identifique as frases nucleares nos parágrafos abaixo transcritos e resuma cada
parágrafo numa frase.

Uma “comunidade de prática”, conceito aqui entendido no sentido de Lave & Wenger
(1998), pressupõe sempre um conjunto de rituais comunicativos simbólicos. No caso das
comunidades científicas, que envolvem instituições de investigação e de ensino superior,
esses rituais, além de formas consensuais de disseminar conhecimento, constituem-se como
protocolos de acesso e de certificação de pertença. Investigações que culminam na
concessão do grau de doutoramento assumem caráter iniciático, uma vez que são exigidas
provas para sancionar de iure a entrada de um novo membro no grupo. Na aparência, a
apresentação e a defesa bem sucedida de uma tese são atividades formativas, inseridas num
processo educativo coroado por um diploma. Na prática, porém, trata-se de atividades de
postulação, que conferem aos novos membros das tribos científicas o direito a exercerem
atividades profissionais institucionalizadas, ligadas à investigação e ao ensino.
Os rituais comunicativos são apenas algumas das práticas de recrutamento, formação e
qualificação das comunidades científicas e incluem também as comunicações em encontros,
os pedidos de financiamento institucional para projetos de investigação e, sobretudo, a
publicação de artigos. São comuns a todas as unidades de investigação, às equipas que
partilham temas de trabalho, ou aos grupos que se reúnem regularmente em encontros e
congressos. Consequentemente, essas comunidades também se configuram como
«comunidades discursivas» (Swales, 1990: 23–27), isto é, grupos de pessoas não
geograficamente circunscritas, mas unidas por formas de comunicação com uma dimensão
contratual explícita ou implícita, e norteadas por objetivos específicos e comuns. Além da
prova pública de doutoramento, o ritual comunicativo mais importante partilhado pelos
membros dessas comunidades é a publicação de artigos científicos em revistas da
especialidade, de preferência indexadas com alto coeficiente em bases de dados como a
Scopus ou a Web of Science, o que pressupõe revisão cega por pares, mais conhecidos pela
designação (não sinónima) de gatekeepers.30

Desafio para o tópico 4. A Coesão entre parágrafos e frases.

30 Santos, J. V. (2022). Na senda da voz autoral: conformidade, adaptação, questionamento e


transgressão. In P. Sequeiros et al. (Orgs.). A Investigação e a Escrita. Publicar sem Perecer (pp. 357-
396). Coimbra: IUC.

47
(2) Nos espaços vazios, introduza expressões lógicas de ligação tal como no exemplo,
de acordo com o sentido global do texto [= Os EUA não desencadearam o fim da
URSS, foi Gorbachov que provocou esse fim, paradoxalmente quando queria salvá-
la].

Numa síntese certeira, Raymond Garthoff escreveu que “o Ocidente e, sobretudo, o


papel americano no fim da Guerra Fria foi necessário, __________ não fundamental”.
__________ terem participado no desfecho do conflito bipolar, tanto Reagan como Bush
foram atores secundários, o que se explica pelo facto de os próprios Estados Unidos terem
tido um papel relativamente pequeno na revolução de 1989/1991.
É certo que há várias decisões tomadas pelo governo norte-americano que contribuíram
para o colapso da URSS. __________, dito de forma simples, não foram os Estados Unidos
que ganharam a Guerra Fria __________ a URSS que a perdeu. E aqui Gorbachev foi o grande
protagonista. Como defendeu Tony Judt, (...), «não havia nenhuma autoridade
compensadora, nenhum movimento dissidente – quer na União Soviética, quer nos Estados
seus clientes – que a tivesse podido abater. Só um comunista o poderia fazer. E foi um
comunista que o fez.» Gorbachev levou a cabo a Perestroika e a Glasnost para salvar a URSS.
__________, ironicamente, foi essa tentativa de reforma que a fez implodir.31

Desafio para o tópico 5.1. O Nome, unidade do texto.

(3) Observe, nos segmentos que se seguem, os nomes/substantivos (destacados a


negrito) e as expressões que a partir deles se constroem (sublinhados):
A casa é o refúgio por excelência.
Seguindo o exemplo, transcreva as expressões construídas em torno de cada
nome/substantivo assinalado (a negrito):

(3a) A casa é o refúgio por excelência. Ela garante a separação em relação ao mundo
exterior. [...] Conquanto íntima, a casa compreende, também, uma dimensão pública,
contribuindo para a construção da heteroimagem do proprietário.32
(3b) Debrucemo-nos agora sobre os funcionários de hospitais portugueses, para
concluirmos quem era, efetivamente, o pessoal de enfermagem.33

31
Sá, T.M. (2014). Os Estados Unidos e o fim da Guerra Fria. Relações Internacionais (R:I), (43), pp.
15-29.
32
Ribeiro, M.B., & Brites, J. (2018). A casa atelier de António Tavares Ribeiro: um microcosmos
oitocentista. Biblos n.º 4, nova série, 32-59.
33 Lopes, M.A. (2019). A enfermagem hospitalar em Portugal entre os séculos XVI e XIX: mitos e

realidades. In Festas, C; Subtil, C.L.; Sá, L.O., & Costa, R.M.P. (Coord.). Sob o Signo da História

48
Desafio para o tópico 5. O Nome

(4) O texto infra tem problemas graves. Consegue identificá-los?

Este trabalho destina-se a estudar o fenómeno do plágio na Universidade de Coimbra.


Utiliza um inquérito e o objetivo é analisar as respostas de docentes, porque o plágio é um
problema muito sério na universidade. Os resultados do inquérito que foi feito aos docentes
mostram que o plágio é um problema sério quando aparece no meio académico.
Os professores informaram que tinham identificado uma primeira fonte de material
plagiado e que essa fonte era o trabalho que os alunos tinham copiado de manuais e de
teses. Informaram também que a segunda fonte mais comum era o material que tinha sido
copiado da Internet, e que tinha sido cortado ou não, e a seguir tinha sido colado no texto
que tinha sido solicitado aos estudantes nos enunciados dos trabalhos pedidos pelos
professores. 21 professores reportaram nas respostas abertas que os estudantes tinham
copiado dos colegas sem terem referenciado que o tinham feito.
Os docentes disseram também que tinham encontrado nos trabalhos indícios muito
comuns para despertar suspeitas de plágio nos mesmos. Esse indício era os alunos mudarem
o estilo com que escreviam dentro do mesmo texto e aparecerem estruturas sintáticas
diferentes, bem como usarem termos diferentes uns dos outros. Indicaram ainda que muitas
vezes encontram nos textos pedaços de frase em Português do Brasil copiados da Net e com
erros de concordância, ou expressões não habituais no nosso país. Por fim, outro indício
muito comum era alunos diferentes que apresentam trabalhos quase iguais, o que desperta
logo suspeitas de plágio.
Os dados foram verificados a partir de textos que os docentes forneceram. Os textos
apresentam diferentes tipos de plágio, tendo em vista estabelecer critérios fiáveis para
construir um programa para detetar plágios user-friendly e de preço razoável, e para ser
usado em pequena escala no âmbito de um pequeno departamento de uma instituição. Não
há resultados globais para todas as tabelas que se apresentam nos anexos, porque houve
dificuldades em comparar tecnicamente textos que têm uma extensão muito diferente e que
tratam diferentes temas.
Em conclusão, é preciso combater o plágio no meio académico. 34

Comparada: a Enfermagem na Europa do Sul (pp. 8-19). Sociedade Portuguesa da História da


Enfermagem
34 Bull, J; Collins, C; Coughlin, E., & Sharp, D. s/d. Technical Review of Plagiarism: Detection Software

Report, Computer Assisted Assessment Center, University of Lutton, p. 4 - 10, tradução modificada).

49
Anexo B – Exercícios

Exercícios para o tópico 2. O Parágrafo.

1. Leia a introdução do artigo científico abaixo transcrita e divida-a em parágrafos.

As palavras de Joe Biden que abrem este texto, proferidas em fevereiro de 2021 na
Conferência de Segurança de Munique, são ilustrativas da janela de oportunidade que a nova
Administração norte-americana representa para a parceria Estados Unidos-União Europeia
(UE). Ao longo do discurso, Biden deixou clara a vontade de reavivar as relações com a Europa
e, em particular, com a UE. Mas este “regresso” dos Estados Unidos à Europa não isenta a
parceria transatlântica de grandes desafios. O relacionamento entre os Estados Unidos e a UE
foi, ao longo dos anos, marcado por dinâmicas contraditórias de cooperação e de
competição. Se a partilha dos valores fundamentais em que assenta a ordem internacional
liberal uniu os dois atores, a rivalidade comercial, as visões diferentes sobre a necessidade do
uso da força ou desacordos em relação ao contributo dos Estados europeus para a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) constituem apenas alguns exemplos de
temáticas que colocaram, não raras vezes, os Estados Unidos e a UE (ou parte da UE) em
campos opostos. Não obstante esta alternância entre momentos de maior aproximação e
momentos de maior afastamento, o reconhecimento da importância da aliança entre os dois
atores por parte das suas lideranças manteve a parceria transatlântica como um elemento
constante das respetivas políticas externas. A título de exemplo, relembre-se que a conclusão
da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a UE e os Estados Unidos era
uma das dez prioridades da Comissão Juncker (2014-2019); também a Estratégia Global da
UE (2016) previa explicitamente o aprofundamento da cooperação com os Estados Unidos
em inúmeros domínios, que incluíam, entre outros, a relação com a NATO, o acordo
comercial, a gestão de crises, o combate ao terrorismo, a cibersegurança, a migração, a
energia e o clima. A eleição de Donald Trump em 2016 veio alterar este cenário. Durante os
quatro anos do seu mandato, Trump materializou o lema de campanha “America first” numa
política externa (neo) isolacionista que retirou os Estados Unidos do palco principal das
relações internacionais, ao reduzir drasticamente as suas responsabilidades e compromissos
como ator global, e alienou o apoio dos seus aliados tradicionais. A vitória de Biden e as suas
declarações (e ações) iniciais fizeram renascer a esperança de um regresso dos Estados
Unidos e do seu envolvimento e comprometimento com a solução dos problemas globais.
Na Europa, as reações foram de entusiasmo e de abertura à cooperação. A pergunta que se
impõe é, no entanto, que tipo de cooperação será esta? A leitura do documento estratégico
que a delineia parece permitir concluir que os sobressaltos provocados pela Administração
Trump tiveram o efeito de unir a Europa em torno de uma lição que esta tardava a aprender:
parceria não é sinónimo de dependência.35

35
Camisão, I. (2021). “Biden e o regresso da parceria transatlântica. Oportunidades e desafios”,
Relações Internacionais, n.º 69, 69-77.

50
51
2. Faça o mesmo exercício com o texto que se segue: Leia-o e divida-o em
parágrafos.

Quando se nasce pensa-se com o quê? Não há palavras ainda, não existem signos escritos ou
ouvidos cheios de significado e de potenciais interpretações, que concentram conceitos e
ideias. Existe som, que já existia antes, nos nove meses molhados que temos dentro da barriga
das mães, ainda; existem, quando se sai para o mundo e se abrem pela primeira vez os olhos,
as primeiras imagens, sem foco nem cor, são feitas de luz e de omissão de luz apenas,
portanto. O som e a luz, tal como o tato logo a seguir, serão os primeiros estímulos e,
eventualmente, a primeira base de uma linguagem silenciosa e em monólogo, que os bebés
terão nos primeiros meses e sobre a qual não sabemos quase nada. Do pensamento
individual e solitário à aprendizagem e construção de uma linguagem coletiva, e para o
coletivo, vai um longo processo. E um facto: a palavra, escrita ou falada torna-se, em quase
todas as culturas, a base da comunicação, o abecedário espantoso e multidiverso com que
tentamos apreender o mundo e comunicá-lo, comunicarmo-nos. É a ferramenta da
aproximação, com uma questão de fundo sempre a contaminá-la: se não sabemos
determinada língua as palavras podem ter significado nulo para o outro. É aqui que entram
as imagens. De novo, porque estão no princípio, e sempre, pois acompanham-nos durante a
vida, convocando mil significados, pese embora tenham tido diferentes valores e valor ao
longo da evolução da nossa espécie. É aqui que entra o design, muito especificamente o
design de símbolos, de logótipos, de ícones, de sinalética. Um designer gráfico pode criar
todo um abecedário visual desenhado para, especificamente, comunicarmos entre nós. Sem
recorrer a palavras. E sem representar letras. Só criando símbolos para conceitos, que usam
forma, cor, movimento até, nesta nossa era digital. O desafio maior seria a criação de uma
linguagem visual que fosse entendida independentemente da raiz cultural ou social de cada
um de nós e, ainda, da idade que temos, o esperanto das imagens, a mais democrática e
transversal das linguagens. Se olhar para o seu smartphone, seja de que marca for, verá esta
tentativa, todas as apps têm um ícone próprio, muitos deles sem recorrerem a nenhuma
palavra; se olhar para as ruas nas cidades, verá o mesmo, na sua sinalética uma cidade revela
o seu interesse em comunicar de forma universal, tal como uma empresa ou instituição o pode
fazer. Ao acompanhar as palestras, na semana passada, do designer americano Lance
Wyman, que passou parte importante dos seus 85 anos, começou aos 29, a desenhar ícones
para um dos maiores eventos mundiais, os Jogos Olímpicos, e nunca mais parou, não há
como não pensar neste poder enorme que o design gráfico tem e que às vezes tem sido,
mesmo assim, pouco explorado, para nos ajudar num tema central a todos. Falo da união e
comunhão entre os povos.36

36
Moura Guedes, G. (2023). “Da linguagem”. Revista E, 2 de junho de 2023, p.74.

52
3. Leia o seguinte texto e corrija-o, organizando e reestruturando os parágrafos.

Primeiramente, vale a pena explicar o contexto de cada texto em separado. O primeiro, que
fala da relação das notícias com o mundo real, reflete sobre a importância de as notícias terem
de ser o mais verdadeiras possível. Quando o leitor lê ou vê uma notícia, ou seja, tanto em
papel como em formato audiovisual, procura sempre que o conteúdo lhe seja próximo e real.
Além do conteúdo, também procura um formato que lhe seja familiar, ou seja, uma boa
construção noticiosa dentro dos parâmetros da norma jornalística. O segundo texto, por sua
vez, fala da importância da habilidade de escrever uma boa notícia. Apesar de se pedir a um
profissional jornalista que respeite a norma da língua em que escreve e os princípios da
redação jornalística, também se pede que acrescente algo que torne o seu texto único. Logo,
é nessa medida que os dois textos se unem. Quem assiste uma notícia procura sempre que a
notícia seja verdadeira, mas também interessante e cativante. Há dois bons exemplos para
ilustrar esta questão. Por exemplo, há imensas pessoas que ligam a televisão na SIC só porque
é Rodrigo Guedes a apresentar o telejornal. Ele respeita os princípios e bases jornalísticas,
mas dá uma “forma pessoal”, recorrendo à linguagem paraverbal, (a professora universitária
Joana Vieira Santos explica isto na sua obra Linguagem e Comunicação, por exemplo) à
apresentação dos noticiários. Outro exemplo é a preferência dos leitores em pagarem a
subscrição mensal do jornal Público e terem acesso a notícias de alguns jornalistas em
específico. Procuram nesses a habilidade de escrita, a forma como usam a norma da língua
portuguesa, mas sobretudo a capacidade de entre tantas notícias iguais em vários sites –
devido ao efeito do imediatismo – terem a capacidade de torná-las únicas. É isso que o leitor
procura hoje em dia: o que destaque e cative, mas seja verdadeiro.37

Exercício para o tópico 3. A Frase.

4. Nos parágrafos do texto seguinte, identifique as frases nucleares.

A relação entre personagem e pessoa é uma das questões centrais da teoria da


personagem e tem especial complexidade em narrativas factuais como as do jornalismo ou
as da Historiografia. Marc Lits fala em ‘deslizamento’ entre a pessoa e a personagem e sustenta
que a personagem jornalística, tal como sucede na narrativa realista, tem como função
primeira ancorar a narrativa no real, sendo agente da ação e a mediadora de discursos sobre
o mundo e os acontecimentos, funções que a transformam em “facilitador cognitivo” das
notícias (Lits, 2008). Mário Mesquita, por seu lado, entende que, em narrativas factuais como
as do jornalismo, se detetam investimentos ideológicos e procedimentos de construção
similares aos das narrativas ficcionais, mas ressalva que “a personagem jornalística coincide,
nos seus traços principais, com a pessoa retratada”, exigindo um labor prévio à construção
narrativa: “observação, documentação, inquérito e interpretação desenvolvidos pelo

37 Resposta a uma pergunta de um exame de Discurso e Comunicação, unidade curricular do 1.º ciclo em Jornalismo e Comunicação (texto adaptado).

53
jornalista, a fim de reunir os elementos relativos ao referente objetivo” (Mesquita, 2003, p.
132).
Destacam-se nestas observações alguns aspetos que merecem ponderação: a definição
do que se entende serem os traços principais do retratado; quem e o que os determina; em
função de que objetivos. Mário Mesquita responde parcialmente a estas perguntas,
argumentando que é a “interpretação do jornalista”. A esta interpretação acrescentam-se
ainda fatores intrínsecos ao processo de produção noticiosa e ao funcionamento do sistema
mediático: i) o valor noticioso da figura; ii) o género discursivo e o formato da narrativa; iii) o
tipo de medium; e iv) a linha editorial do meio de comunicação social.
Estes são fatores de relativização suficientemente expressivos, em número e capacidade
de impacto, que justificam uma ponderação quando se utiliza o conceito de personagem
jornalística. Embora a pessoa seja “elo fundamental” e tenha uma importante componente
indicial, há uma considerável margem de construção e de figuração (Reis, 2018 e 2021) que
traduz, se não uma distinção nítida entre pessoa e personagem, pelo menos o estatuto
dúplice da personagem jornalística. Assume-se, pois, que a personagem, tal como outras
categorias da narrativa, são sempre produto de uma mise-en-récit à qual o analista e o
investigador, mas também o jornalista, devem estar atentos.
É, portanto, essencial cruzar a dimensão narratológica – o estudo da personagem como
categoria particular da narrativa – com a dimensão deontológica – como resultado de um fazer
adstrito a procedimentos de produção e construção, regulados por normas e valores
profissionais. Acrescenta-se a estas duas dimensões uma terceira, a da ética narrativa (Ricoeur,
1983): como laboratório do agir humano, a sua mediação em três tempos, permite aceder ao
poder da narrativa na construção da realidade. Por isso, exatidão, rigor, autenticidade,
contenção devem ser deveres dos meios de comunicação social quando dão a ler os atores
sociais que protagonizam as notícias.
Considerando os procedimentos de produção noticiosa, bem como o funcionamento do
sistema mediático, uma linha de reflexão importante é a que analisa os múltiplos níveis de
construção da personagem jornalística. O regime de representação não depende
exclusivamente da capacidade seletiva e compositiva de quem produz as notícias, em função
de mecanismos e de uma práxis profissional específica. Depende também de uma relação de
forças, entre máquinas de comunicação e de imagem, cada vez mais sofisticadas, sobretudo
em alguns domínios de atuação (como a política ou o desporto), e as redações. O produto
que chega ao público é já o resultado de composições intersubjetivas, dialógicas e altamente
profissionalizadas. Daí que, de acordo com Mário Mesquita, a personagem jornalística resulta
sempre de um espaço de negociação entre promotores (máquinas de comunicação),
construtores (media) e consumidores (os públicos) (Mesquita, 2003, p. 138).
Um quarto tópico de reflexão particularmente relevante tem que ver com a medialidade
narrativa, isto é, a relação entre personagem e dispositivos de mediação, pois, em função
destes e das suas linguagens, a personagem jornalística é sujeita a procedimentos de
construção diversos com diferentes níveis de impacto nos modos de visibilidade pública. Se,
na década de 90 do século passado, Marc Lits reconhecia o impacto da ‘inflação galopante
da imagem televisiva’ na relação entre a esfera pública e privada, hoje, na era digital, pautada
pela instantaneidade, pela multimedialidade e pelo acesso aparentemente fácil a um espaço
público fragmentário, essa relação é ainda mais porosa e ambígua. Embora sem referir o

54
conceito de transmedialidade, Lits (2001 e 2009) chama a atenção para o impacto dos
dispositivos de mediação, das linguagens e das lógicas comunicacionais dos sistemas
mediáticos na configuração de personagens. Para o estudo de caso que se propõe neste
artigo, será, pois, importante ter em consideração as especificidades da linguagem televisiva,
o impacto que a televisão teve no consumo de informação no período e contexto em estudo
(pandemia de COVID-19), bem como o funcionamento em rede da informação, que
rapidamente circula, se dissemina e é apropriada e transformada pelo cidadão comum.
Recorde-se ainda que a construção do herói (conceito que se retomará adiante) – e mais
recentemente também de celebridades – sempre dependeu da imagem e das tecnologias de
mediação, uma vez que visibilidade e notoriedade estão intimamente relacionadas (Cathcart,
1994).
Em síntese, pode afirmar-se que a compreensão da personagem jornalística como uma
categoria particular e central nas narrativas jornalísticas exige a ponderação destes aspetos,
o que permitirá entendê-la como entidade que vive na encruzilhada da realidade, da
representação e do mito (Lits, 2008, p. 141).38

Exercícios para o tópico 4. A Coesão entre parágrafos e frases.

5. Estabeleça relações lógicas entre as frases por meio de articuladores e de


conectores. Quando achar necessário, corrija o texto, tornando-o mais claro. NB:
existem várias soluções possíveis.

a) Havia em Coimbra inúmeros lentes e todos decerto tinham ócios, não os empregavam a
escrever compêndios; o saber necessário para confecionar a sebenta, iam buscá-lo aos
livros franceses. (Eça de Queirós)
b) A afirmação “A língua mundial é o inglês” pode significar que uma parte significativa da
população mundial fala inglês. Não existe nenhuma prova em abono desta afirmação. A
prova mais fidedigna que existe – o número de falantes –, que reconhecidamente não pode
ser mais precisa, mostra exatamente o contrário.5.3. A informação está à nossa volta. Todas
as pessoas têm alguma informação. Como se explicará neste capítulo, nenhum objeto físico
pode em absoluto conter ou armazenar informação. A própria informação não é física. É
abstrata.
c) Na maior parte das vezes, o ser humano age racionalmente. As pessoas comentam quando
alguém se comporta de uma forma irracional.
d) Uma sociedade é culturalmente evoluída. Uma sociedade é democrática. A democracia é
indissociável da evolução da cultura.

38 Peixinho, A. T. & Santos, C. A. (2023). “Construção televisiva de um herói em tempo de COVID-19: o caso do Coordenador da Task force para a

vacinação”, Comunicação Pública, Vol. 18, N.º 35, 1-28.

55
6. Para cada alínea, redija uma frase completa. NB: existem várias soluções
possíveis.

6.1. Estabeleça nexos lógicos de oposição – fim – explicação entre as seguintes


ideias:
A mentalidade ocidental sempre considerou o Líbano a Suíça do Médio Oriente – O Líbano
sempre foi dilacerado por fraturas políticas, étnicas, religiosas – Sucessivos poderes
aproveitaram as fraturas do Líbano – OLP, Israel, Hezbollah aproveitaram as fraturas do
Líbano – OLP, Hezbollah, Israel têm os seus próprios objetivos e lutas.

6.2. Estabeleça nexos lógicos de condição – adição - consequência entre as


seguintes ideias:
Os serviços públicos são lentos / burocráticos / ineficientes – mudança da situação –
reorganização dos funcionários – despedimentos – melhor gestão de recursos humanos –
resolução dos problemas.

6.3. Estabeleça nexos lógicos de causa – adição – destaque – exemplificação


entre as seguintes ideias:
Empresas irresponsáveis – ausência de tratamento de resíduos tóxicos – legislação /
regulamentação desadequadas – coimas insuficientes – dilapidação do património
ambiental (recursos hídricos)

Exercícios para o tópico 5.2. A Expansão do Nome.

7. Analise os nomes / substantivos a negrito e indique entre [ ] o respetivo grupo


nominal. Siga o exemplo.

a) [A falta de atenção em direção a um objeto externo] não nega, necessariamente, a presença da


consciência, podendo antes indicar que a atenção está dirigida para um objeto interno. Professores
distraídos e adolescentes sonhadores manifestam frequentemente este “sintoma”. Felizmente o
sintoma é passageiro.39
Exemplo: [Núcleo = falta] Resposta: [A falta de atenção]

b) A investigação sobre a história dos enfermeiros em Portugal em períodos históricos recentes tem
conhecido desenvolvimentos assinaláveis, fruto de esforços de historiadores especialistas em

39
Damásio, M. (2013) O sentimento de si. Corpo, emoção e consciência. Temas & Debates.

56
História Social e de enfermeiros informados sobre a epistemologia historiográfica e a metodologia
da investigação histórica [...].40

8. Considere o seguinte texto:

Andreia Nogueira parte também de um contexto musicológico para questionar as


dificuldades de construção de um arquivo dedicado aos criadores nacionais. Esta questão
percorre, noutro tempo histórico, as formas da atenção e o trabalho de documentação
conduzido por José Abreu e Paulo Estudante. Esta dupla de investigadores tem vindo a
estudar e a promover a interpretação dos manuscritos que se encontram depositados nos
arquivos musicais da Biblioteca da Universidade de Coimbra. 41

8.1. Preencha a tabela infra com os grupos nominais, seguindo as classificações:


NOME+ADJETIVO || NOME + DE + NOME || NOME + QUE (…). Siga o exemplo.

“N Adj” “N de N” “N que…”.
Exemplo:
contexto musicológico

8.2. Qual a função destes elementos adicionais (Adjetivo– outro nome – (…) que (…)
no sentido do grupo nominal?

8.3. Analise os grupos nominais a negrito, tendo em conta a sua posição na frase
e relações no texto.

40
Lopes, M.A. (2019). A enfermagem hospitalar em Portugal entre os séculos XVI e XIX: mitos e
realidades. In Festas, C; Subtil, C.L.; Sá, L.O., & Costa, R.M.P. (Coord.). Sob o Signo da História
Comparada: a Enfermagem na Europa do Sul (pp. 8-19). Sociedade Portuguesa da História da
Enfermagem.
41
Práticas de Arquivo em Artes Performativas. Coimbra, Portugal: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2020. Disponível em https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/10111866/1/105-
Book%20Manuscript-430-1-10-20200807.pdf

57
Andreia Nogueira parte também de um contexto musicológico para questionar as
dificuldades de construção de um arquivo dedicado aos criadores nacionais. Esta questão
percorre, noutro tempo histórico, as formas da atenção e o trabalho de documentação
conduzido por José Abreu e Paulo Estudante. Esta dupla de investigadores tem vindo a
estudar e a promover a interpretação dos manuscritos que se encontram depositados nos
arquivos musicais da Biblioteca da Universidade de Coimbra.

Exercícios para o tópico 5.5. A Coesão referencial.

9. Nos excertos seguintes, encontre formas alternativas para retomar os grupos


nominais. Justifique.

a) Logo no século XVI houve anexação de hospitais às misericórdias. Estas irmandades


portuguesas [RETOMAR] eram instituições civis, sem qualquer dependência da Igreja e
sem paralelo noutros países.42
b) A falta de atenção em direção a um objeto externo não nega, necessariamente, a
presença da consciência, podendo antes indicar que a atenção está dirigida para um objeto
interno. Professores distraídos e adolescentes sonhadores manifestam frequentemente este
“sintoma”. Felizmente o sintoma [RETOMAR] é passageiro.43
c) A investigação sobre a história dos enfermeiros em Portugal em períodos históricos
recentes tem conhecido desenvolvimentos assinaláveis, fruto de esforços de historiadores
especialistas em História Social e de enfermeiros informados sobre a epistemologia
historiográfica e a metodologia da investigação histórica. Contudo, se o conhecimento da
enfermagem hospitalar portuguesa da Época Contemporânea [RETOMAR] deu passos
relevantes, o que se afirma sobre os séculos anteriores continua a ser, em demasiados casos,
reprodução de afirmações erróneas [...].44

11. Considere o texto seguinte:

Interessa sobretudo fazer aqui referência aos três grandes inquéritos sociológicos sobre
leitura que até hoje se realizaram em Portugal. O primeiro desses inquéritos, Hábitos de
Leitura em Portugal: Inquérito Sociológico – realizado em 1988 (Freitas e Santos, 1991, 1992a,
1992b) teve como objetivo “fornecer elementos sobre as práticas de leitura em Portugal”,
respondendo a perguntas como: “quem lê? O que lê? Com que frequência? Que livros e
quantos livros se possuem? Quem compra e quantos livros se compra? Onde se realiza o
aprovisionamento de livros? Qual o lugar da leitura entre escolhas culturais?” (Freitas e Santos,
1991, p. 67). Em 1995 foi realizado o segundo inquérito sociológico, Hábitos de Leitura: Um
Inquérito à População Portuguesa, que teve como finalidade “caracterizar e analisar os

42
Ver nota 6.
43
Ver nota 5.
44
Ver nota 6.

58
hábitos de leitura dos portugueses” (Freitas, Casanova e Alves, 1997, p. 17). O último
inquérito socioló- gico sobre leitura realizado em Portugal decorreu em 2006/2007 (Santos et
al., 2007). Algumas das questões que orientaram este estudo foram: “quem lê, o que lê, onde
lê, porque lê (ou não), qual o lugar da leitura no conjunto das práticas culturais, quais as
evoluções que se podem detetar relativamente a anteriores inquéritos à população realizados
em Portugal?”45

11.1. Identifique os blocos nominais que centralizam a progressão temática no


texto.

11.2. Discuta com o/as colegas opções possíveis na divisão em parágrafos.

12. No texto seguinte, analise os sucessivos movimentos de expansão do Nome,


partindo dos grupos nominais assinalados e tendo em conta o seu sentido e a sua
lógica no texto.

Neste estudo, essas fontes foram o Eurobarómetro e o Inquérito à Educação e Formação


de Adultos (IEFA). Relativamente ao Eurobarómetro, foram mobilizados um de 2007 e outro
de 2013. Trata-se de dois inquéritos sobre a relação dos cidadãos europeus com a cultura,
incluindo a leitura, e que por isso permitem não só uma comparação de Portugal com outros
países europeus, mas também uma análise diacrónica entre 2007 e 2013. […] A outra fonte
utilizada foi o IEFA de 2007, 2011 e 2016, que é a edição nacional do Adult Education Survey
(AES), um inquérito europeu coordenado pelo Eurostat, que em Portugal é conduzido pelo
INE. Foram analisadas as duas perguntas sobre leitura de livros presentes nas três edições:
uma delas sobre a presença, ou não, da prática de leitura de livros como atividade de
lazer no último ano […]; e, no caso de resposta afirmativa, uma outra pergunta sobre o número
de livros lidos […].
A análise foi realizada a partir dos microdados dos inquéritos. Foram mobilizados métodos
de análise de dados de âmbito descritivo e indutivo, procurando-se conhecer a evolução
recente das práticas de leitura de livros em Portugal e também as eventuais mudanças no
perfil social dos leitores.46

13. Considere o excerto seguinte:


“(…) nunca antes aconteceu que uma geração de crianças fosse menos saudável, fosse objeto
de menos cuidados e estivesse menos preparada para a vida do que os seus pais com a
mesma idade». Contudo, isto apenas acontece nas sociedades anglo-americanas, nas quais
o «espírito anti-infantil e contrário às famílias» tem dominado nos últimos quinze anos (…). Em
certa medida, este desastre é simplesmente uma consequência da queda dos salários.
Grande parte da população vê-se confrontada com a obrigatoriedade de ambos os

45
Santos et al. (2007). Análise Social, lvi (4.º), 2021 (n.º 241), pp. 642-666.
46
Ver nota 11.

59
progenitores terem de fazer horas extraordinárias, apenas para resolver as necessidades
elementares. (…) As consequências são facilmente previsíveis. O tempo de contacto entre
pais e filhos diminuiu drasticamente. Cresceu enormemente o número de pais que entregam
os filhos aos cuidados da televisão, da mesma forma que cresceu o número de crianças
fechadas em casa, o alcoolismo infantil, o consumo de drogas por menores, a criminalidade
e a violência de menores ou contra eles, entre outras consequências evidentes para a saúde,
a educação e a capacidade de participação numa sociedade democrática, para já não falar
da mera capacidade de sobrevivência.”47

Escolha uma referência a um objeto de discurso e escreva outro texto a partir daí,
dando-lhe a sua própria perspetiva e adaptando-o à sociedade que melhor
conhece (800 a 1000 palavras). Pode enviar o texto para cea@fl.uc.pt, para receber
correção e sugestões sobre a sua escrita.

BOM TRABALHO!

47
Chomsky, N. (2000). A democracia e os mercados na nova ordem mundial. Antígona, pp. 81 – 82.

60

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