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EM TEMPOS DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA

O texto a seguir integra o conjunto de três resoluções aprovadas no 5º Congresso


Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, realizado nos dias 3, 4 e 5
de maio de 2019. As duas outras resoluções tratam dos desafios do Partido dos
Trabalhadores; do balanço e tarefas da AE.

No dia 8 de setembro de 2019, o Partido dos Trabalhadores elegerá as delegadas e os


delegados que participarão de seu 7º Congresso Nacional, convocado para os dias 22,
23 e 24 de novembro de 2019.

Também no dia 8 de setembro, serão eleitos os delegados e as delegadas que


participarão dos congressos estaduais do Partido, que ocorrerão simultaneamente, nos
dias 19 e 20 de outubro de 2019.

No mesmo dia 8 de setembro, os filiados e as filiadas ao PT em todo o país vão


escolher os diretórios municipais e zonais do Partido, bem como os respectivos
presidentes e presidentas.

Poderá votar no dia 8 de setembro, todo mundo que já for filiado ao PT, ou que venha
a se filiar até o dia 8 de junho de 2019.

No momento em que esta resolução foi aprovada, ainda não havia sido divulgado, pelo
Diretório Nacional do PT, o regulamento detalhado do 7º Congresso. Mesmo assim, a
tendência petista Articulação de Esquerda aprovou esta tese referente à “situação
política e tarefas – programa, estratégia e tática”, para debate no 7º Congresso do
Partido dos Trabalhadores, que comporá, juntamente com a tese “a construção e a
disputa de rumos do PT”, o conjunto da nossa contribuição ao debate do congresso
partidário.

Evidentemente, trata-se de um texto sujeito a alterações de forma (para adequar aos


tamanhos que sejam estabelecidos no regulamento do Congresso do PT) e alterações
de conteúdo (incorporando novos temas e atualizando questões). Estas alterações serão
feitas pela direção nacional da Articulação de Esquerda.

Nossa tese chama-se EM TEMPOS DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA.

Este nome funde duas ideias, que vem sendo desenvolvidas pelas resoluções da
tendência desde 2005 (“a esperança é vermelha”) e desde 2015 (“tempos de guerra”).

Desde 2005, a Articulação de Esquerda vem defendendo que o Partido dos


Trabalhadores aprove e implemente uma nova estratégia. Esta nova estratégia deve ter
por objetivo disputar o poder, não apenas o governo. Deve basear-se na auto-
organização, mobilização e consciência da classe trabalhadora, não em alianças com

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setores da classe dominante. E deve ter como objetivo realizar reformas estruturais na
sociedade brasileira, numa direção socialista.

Desde 2015, a Articulação de Esquerda vem afirmando que a classe dominante


brasileira mudou de estratégia e não aceita mais conviver com uma esquerda que seja
alternativa de governo e que possa vir a ser alternativa de poder. Esta mudança de
estratégia, por parte da classe dominante, tornava ainda mais urgente e necessário que
o PT mudasse de estratégia.

Lamentavelmente, a maioria do Partido dos Trabalhadores – influenciada


especialmente pelo grupo que ainda hoje segue controlando o Diretório Nacional do
Partido – subestimou as ameaças e manteve, no fundamental, a mesma orientação
estratégica vigente em 2005 e em 2015. A maioria do Partido ainda não percebeu que
os sucessos parciais que a estratégia antiga nos proporcionou, só foram possíveis numa
situação que não existe mais. Uma estratégia baseada na conciliação de classe supõe
que o outro lado –a classe dominante, a classe dos capitalistas-- queira, pelo menos,
conciliar.

O resultado da manutenção da superada estratégia foi catastrófico: ganhamos a eleição


de 2014 e adotamos, logo em seguida, uma política econômica que prejudicou nossos
eleitores, sem ganhar um único apoio entre nossos opositores. Depois sofremos o
golpe do impeachment; a condenação, prisão e interdição da candidatura de Lula; e a
derrota para Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018.

Apesar disso, seguem existindo dentro do PT pessoas e grupos que agem como se as
coisas continuassem “como antes, no quartel de Abrantes”.

Parecem acreditar que vamos derrotar o governo Bolsonaro usando os mesmos


métodos que utilizamos para derrotar os governos tucanos. Não percebem que o
governo Bolsonaro tem por trás de si uma ampla coalizão de forças, que não quer
apenas nos derrotar, quer nos destruir. Não se dão conta de que só enfrentaremos e
derrotaremos esta coalizão, se conseguirmos recuperar os apoios que perdemos junto a
classe trabalhadora; e que só conseguiremos isso se mudarmos profundamente nossos
métodos de trabalho, de organização, de contato com a população.

Alguns setores do PT não percebem que vivemos “tempos de guerra”. Ou, se


percebem, não tiram as consequências práticas disto. E resistem a adotar uma nova
estratégia. Por isso também, resistiram o máximo que puderam a convocar o 7º
Congresso. E, pelo mesmo motivo, não vão se esforçar no sentido de fazer do 7º
Congresso um momento de debate realmente profundo.

Nossa atitude – não apenas da tendência petista Articulação de Esquerda, mas também
dos demais setores que lutaram pela realização do 7º Congresso – deve ser outra,
completamente diferente.

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Queremos um congresso que atualize nossa visão sobre o mundo, sobre a América
Latina e sobre o Brasil. Que faça um balanço da atuação do PT no último período. Que
aponte com qual programa e com qual estratégia vamos enfrentar a coalizão golpista.
E que detalhe as mudanças organizativas que se fazem necessárias, para que o PT
continue sendo o principal representante da classe trabalhadora brasileira.

As teses a seguir são parte de nossa contribuição neste sentido.

A SITUAÇÃO INTERNACIONAL

As resoluções do 6º Congresso do PT (2016) sobre a situação internacional continuam,


no essencial, atuais. A crise do capitalismo, que teve seu epicentro nos países
desenvolvidos em 2008, não se encerrou. Teve consequências – de desaceleração ou
de recessão econômica – sobre o conjunto dos países do mundo, com importantes
impactos negativos sobre o Brasil e a América Latina.

A crise do capitalismo é a principal variável estrutural da situação internacional. A


hegemonia sem precedentes do capitalismo no mundo faz com que sua crise repercuta
com maior profundidade do que nas crises anteriores, ocorridas no século 20. A
natureza do capitalismo contemporâneo, dominado por sua fração financeira, faz com
que a crise adquira características ainda mais grotescas e perigosas. Os Estados
Unidos, que lideraram o mundo capitalista desde 1945 e que capitanearam desde o
princípio as políticas neoliberais, continuam sendo a principal potência, mas
experimentam uma situação de declínio relativo de sua hegemonia. Os EUA não
assistem passivamente a este declínio: estão hoje envolvidos em uma guerra
ideológica, política e comercial contra as potências concorrentes (principalmente
China e Rússia), não sendo possível descartar que esta guerra converta-se num conflito
militar de grandes proporções.

O mundo hoje é multipolar, mas não é pacífico, lembrando a situação que precedeu as
duas grandes guerras mundiais. As instituições criadas depois da Segunda Guerra
(como a ONU, o FMI, o Banco Mundial), as criadas posteriormente (como a
Organização Mundial do Comércio) e muitas das criadas recentemente (como os
BRICS) não são capazes de superar a situação de desarranjo e crise por que passa o
mundo. Por todas as partes do planeta, crescem os conflitos, causados em última
instância pelos ataques dos capitalistas contra a classe trabalhadora e contra os povos
que vivem na periferia do capitalismo.

A ofensiva da direita e dos Estados Unidos contra os governos progressistas e de


esquerda da América Latina e do Caribe faz parte da batalha mundial que os EUA
estão travando, para recuperar sua hegemonia. Até o momento, a ofensiva conseguiu
derrubar os governos da Argentina, Brasil, Equador e El Salvador. Os governos da
Nicarágua, Uruguai, Venezuela, Bolívia e Cuba encontram-se sob forte ataque.

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Paradoxalmente, foi neste mesmo momento que os setores progressistas e de esquerda
conseguiram eleger o presidente do México, o que se por um lado impõe limites ao
novo governo mexicano, por outro lado demonstra as enormes potencialidades que
continuam existindo na região para as forças de esquerda.

Frente à ofensiva da direita e dos EUA, há reações diferentes nas esquerdas latino-
americanas, algumas das quais ficaram claras no debate sobre como enfrentar a
ameaça de guerra contra a Venezuela. Houve por um lado os que sugeriram uma quase
capitulação. De outro lado, estavam e seguem estando os que, como nós e a maioria do
Partido dos Trabalhadores, apoiamos a resistência contra o golpismo e o imperialismo.

O fundamental é perceber que estamos diante de uma tentativa de “recolonização” da


América Latina e do Caribe, protagonizada por governos submissos aos interesses dos
Estados Unidos. As classes dominantes da região concordam, no fundamental, com
esta “recolonização”, entre outros motivos para derrotar a fortaleza da esquerda
regional.

Sendo assim, cabe à classe trabalhadora de cada país e aos povos da região liderar a
luta pela soberania nacional e integração regional, vinculando esta luta à defesa das
liberdades democráticas e dos direitos sociais. Esta luta só terá êxito pleno se a classe
trabalhadora conseguir controlar não apenas o poder político, mas também controlar a
economia de cada país e da região. Noutras palavras, a reação das classes dominantes
e dos EUA contra os governos progressistas e de esquerda exige, como resposta, mais
radicalidade, mais antiimperialismo e mais socialismo.

Neste sentido, a política internacional do Partido dos Trabalhadores deve ter como
absoluta prioridade o Foro de São Paulo. Em segundo lugar, a relação com os partidos
e setores de esquerda nos Estados Unidos, África, Europa e Ásia. Em terceiro lugar, a
relação com setores socialdemocratas e progressistas em todo o mundo. Num mundo
em que as classes dominantes acentuam o imperialismo, destroem as liberdades
democráticas e o bem estar social, nossas relações prioritárias são e devem continuar
sendo com os setores anti-imperialistas e anticapitalistas.

Superar a dependência externa exige enfrentar o imperialismo, afirmando nossa


soberania nacional em todos os terrenos: econômico, político, militar e ideológico.
Quando conseguirmos voltar a dirigir o governo brasileiro, nossa política externa
privilegiará a integração regional latino-americana e caribenha, assim como o
aprofundamento das relações com os países do Oriente Médio, da África e da Ásia,
especialmente com a Rússia e com a China. Agregando a estas perspectivas, uma
inflexão anti-imperialista.

A SITUAÇÃO NACIONAL

O governo Bolsonaro é um show de variedades bizarras e macabras: crime organizado,


fundamentalismo, medievalismo, misoginia, racismo, lgbtfobia, intolerância,
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despreparo, entreguismo, saudosismo da ditadura militar e extremismo neoliberal.
Além disso, é um governo atravessado por disputas internas e públicas. Mas não
devemos nos iludir: por trás desta confusão, aprofundam-se os ataques do governo
Bolsonaro à soberania nacional, aos direitos sociais e às liberdades democráticas.

É preciso perceber, também, que o governo Bolsonaro não é uma completa novidade.
Suas ações e seu programa constituem uma radicalização das quatro principais
características da sociedade brasileira, ao longo dos últimos séculos:

*a dependência externa, frente aos portugueses, aos ingleses e agora aos EUA;

*a desigualdade social, com destaque para a escravização de africanos e indígenas, a


expropriação dos pequenos camponeses e a brutal exploração dos trabalhadores
assalariados;

*a democracia limitada, característica de um país que foi monarquia escravista por


quase quatro séculos, que só teve liberdades políticas mais ou menos amplas em
apenas 30 de 130 anos de República;

*o desenvolvimento conservador, em que o país cresce menos do que poderia e


deveria, devastando nossas riquezas ambientais e humanas, quase sempre conservando
em poucas mãos a riqueza e o poder.

Essas quatro características do nosso país não se impuseram espontaneamente,


naturalmente. Sempre houve resistência, sempre houve luta em favor de outros
caminhos, de outras formas de organizar nossa sociedade.

O desenvolvimentismo progressista, o nacionalismo popular, o democratismo radical e


o socialismo revolucionário são algumas das expressões ideológicas destes caminhos
alternativos, cada um deles representando os interesses de diferentes classes, frações
de classe e blocos de classe.

Mas aquelas quatro correntes ideológicas e as correspondentes forças sociais e


políticas nunca conseguiram impor uma derrota global às classes dominantes
brasileiras. Ou seja, a maioria do povo brasileiro nunca controlou o poder de Estado. O
máximo que aquelas correntes e forças conseguiram, ao longo de toda a nossa história
republicana, foi conquistar pelo voto e participar, por breve período de tempo, do
governo federal.

A presença, no governo federal, de expressivas representações de forças de caráter


popular ocorreu por três vezes: no governo Getúlio Vargas (1950-1954), no governo
João Goulart (1961-1964) e nos governos Lula e Dilma (2003-2016). Nos três casos,
foram governos marcados por contradições internas, insuficiências, concessões e
alianças de setores populares com setores das classes dominantes. Nos três casos, o
governo foi encerrado com um golpe de Estado. O que confirma ser muito pequena a

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“margem de manobra” para uma experiência reformista no Brasil. Não porque a
esquerda não queira ser reformista, mas porque a classe dominante não aceita nem
mesmo pequenas reformas.

O golpe de Estado – seja em 1954, 1964 ou 2016/2018 –, é no fundamental uma ação


do núcleo duro do aparato de Estado (constituído pelos militares e por outros setores
da burocracia permanente) contra aqueles que chegaram ao governo federal através do
voto. No golpe, o núcleo duro do Estado age em nome dos interesses da classe
dominante. O golpe demonstra aos que ocupam temporariamente o governo, quem é
que efetivamente controla o poder de Estado.

Cada golpe tem sua história. No caso do golpe mais recente, ele foi realizado em três
fases: o impeachment sem crime de responsabilidade, que afastou a presidenta Dilma
em 2016; a condenação, prisão e interdição de Lula, ocorrida ao longo de 2018; e a
eleição de Jair Bolsonaro, em outubro de 2018.

A eleição de Bolsonaro não era inevitável: contra Lula, ele perderia; contra Haddad,
ganhou apoiado por um tsunami de fake news, um crime eleitoral bancado por
empresários, em caixa eleitoral paralelo multimilionário. E, mesmo assim, porque
antes houve um derretimento das demais candidaturas conservadoras.

O golpe de 2016-2018, como os outros, foi possível graças a uma ampla frente
antidemocrática, composta pelos políticos conservadores, pelos setores médios
tradicionais, pela mídia oligopolista, pelo partido judiciário, pela cúpula militar, por
empresas disfarçadas de igrejas, pelos governos dos EUA e de Israel, pelo grande
capital. O clã familiar dos Bolsonaro foi, portanto, instrumento de uma operação mais
ampla.

A eleição de Bolsonaro e seu governo não são, portanto, um “ponto fora da curva” na
história do Brasil. Mas há pelo menos duas novidades importantes, em relação aos
golpes de 1954 e de 1964: a) pela primeira vez, assistimos a uma vitória eleitoral da
extrema-direita, em associação explícita com o “partido militar”; b) nunca antes em
nossa história o crime organizado chegou tão perto da presidência da República.

Para acomodar esse conjunto de interesses, o programa do governo Bolsonaro (e da


frente ampla golpista que o elegeu) estabelece uma aliança do ultraconservadorismo
político com o ultraliberalismo econômico, podendo ser resumido em três ideias:
aumentar a taxa de dependência externa, aumentar a taxa de exploração das classes
trabalhadoras e aumentar a taxa de opressão política.

Este programa vem sendo executado pelo governo Bolsonaro, desde o primeiro dia.
Submissão aos EUA, ao ponto de colocar o Brasil em pé de guerra contra a Venezuela.
Adoção de medidas que aumentam o desemprego, reduzem o salário direto e indireto,
destroem o sistema público de aposentadoria em benefício dos interesses do capital
financeiro. Estímulo à violência e a militarização da vida cotidiana, ataque contra as
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liberdades civis e os direitos humanos, agressão contra os sindicatos e os partidos de
esquerda, ataques contra o pensamento democrático e socialista.

O governo Bolsonaro encerra um ciclo inédito na história do Brasil Republicano. Em


130 anos de República (1889-2019), o Brasil viveu basicamente três situações: cerca
de 64 anos em que apenas os partidos da classe dominante podiam disputar e vencer
eleições; cerca de 36 anos de ditaduras assumidas, em que nem mesmo os partidos da
classe dominante podiam disputar e vencer eleições para controlar o governo federal; e
cerca de 30 anos em que partidos ligados à classe trabalhadora puderam disputar mais
ou menos livremente eleições, acumular forças, vencer e governar o país por 13 anos.

É este ciclo inédito que os golpistas encerraram, com a ruptura ocorrida entre 2016 e
2018. Daqui para frente, eles farão de tudo para que voltemos àquela situação em que
apenas os partidos da classe dominante poderão disputar e vencer eleições. E, se
necessário for, podem inclusive apelar para restrições abertamente ditatoriais.

Caso o governo Bolsonaro não seja derrotado e derrubado, haverá um aprofundamento


dos traços que caracterizam a sociedade brasileira; a dependência, a desigualdade, a
democracia restrita e o desenvolvimento conservador.

Na prática, seremos levados de volta aos anos 1920: o Brasil convertido em país
periférico, uma economia de fazenda e mineração, a questão social convertida em caso
de polícia, a política baseada na tutela militar.

Isto tudo, mais as medidas que visam impedir que a esquerda possa voltar ao governo
federal, empurram o Brasil para uma situação política de profunda instabilidade e
crise, econômica, social e política.

Em qualquer caso, desde 2005, mais notadamente depois do segundo turno de 2014 e
seguramente depois do triplo golpe ocorrido entre 2016 e 2018
(impeachment/prisão/eleição), houve uma alteração profunda nas condições
estratégicas que nos permitiram vencer quatro eleições presidenciais seguidas e
governar o país por 13 anos.

Mudou a estratégia da classe dominante, mudaram as condições da luta de classes no


Brasil. Neste ambiente, para derrotar a coalizão golpista, não basta uma tática que
aproveite bem uma conjuntura favorável; é preciso combinar ação tática na
conjuntura, com uma nova estratégia e outro nível de organização das classes
trabalhadoras, da esquerda e particularmente do PT.

Isso incluir perceber que transformar o Brasil passa pela luta da classe trabalhadora
contra a classe dos capitalistas, e nessa luta a classe trabalhadora deve usar as mais
variadas ferramentas, como os sindicatos, os movimentos sociais, as entidades
estudantis, a UNE, o MST, a CUT, a Frente Brasil Popular, com destaque para o
Partido dos Trabalhadores. As disputas eleitorais e a ação de governos só contribuirão

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para mudar o Brasil, à medida que estejam articuladas com o processo de organização,
conscientização e mobilização da classe trabalhadora.

Mudar a estratégia incluir perceber que transformar o Brasil só é possível superando a


desigualdade e isso passa por derrotar o capital financeiro, os oligopólios, as
transnacionais, o agronegócio, colocando a economia brasileira sob controle da classe
que realmente produz as riquezas, a classe trabalhadora.

Especialmente neste momento em que o capitalismo está em crise no mundo inteiro, o


PT precisa afirmar em alto e bom som que somos um partido socialista, que o
capitalismo precisa ser superado, que lutamos por uma sociedade sem exploração nem
opressão, de nenhum tipo.

Mudar a estratégia inclui reafirmar a integralidade de nossa luta pelos direitos das
mulheres, especialmente das mulheres trabalhadoras, que alias são maioria absoluta da
população brasileira; pelos direitos dos negros e das negras, especialmente daqueles e
daquelas que fazem parte da classe trabalhadora, lembrando que o Brasil é um dos
países com maior número de afrodescendentes do mundo inteiro; pelos direitos das
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, lembrando que o Brasil
é um dos países onde mais crimes são cometidos contra esses setores da população;
pelos direitos da juventude, num país em que grande parte da população tem menos de
30 anos, são filhos da classe trabalhadora, com dificuldade de estudar, trabalhar e
viver com dignidade; pela defesa das questões ambientais e dos povos originários,
num país que há séculos vem sendo saqueado em benefício dos de cima e dos de fora.
A luta da classe trabalhadora brasileira bebe da teoria e da prática de todos os que
lutaram por uma sociedade sem exploradores nem explorados, sem opressão nem
dominação de nenhum tipo.

Mudar a estratégia inclui perceber que, no Brasil, a classe dominante sempre controlou
o poder de Estado, raramente tendo perdido o controle dos governos e parlamentos.
Especialmente num país em que a classe dominante tem um DNA golpista, a classe
trabalhadora deve lutar pelo poder de Estado, não apenas pelo governo. Esta luta pelo
poder inclui várias formas de luta de massa, inclusive a eleitoral, mas só será completa
quando a maioria do povo brasileiro fizer uma grande revolução política e social,
construindo um Estado de novo tipo, incluindo aí meios de comunicação, judiciário e
forças armadas que sejam controlados pela maioria da população brasileira.

Ao lado da reorientação estratégica, é necessário precisar a tática frente aos primeiros


movimentos do governo Bolsonaro.

A TÁTICA NA CONJUNTURA ATUAL

O presidente Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente da República do Brasil no


dia 28 de outubro de 2019. Seu ministério de Jair Bolsonaro é composto por uma
coalizão de forças:
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*um setor ultraliberal, representado pelo ministro da Economia Paulo Guedes,
vinculado a especulação financeira;

*o "partido do judiciário", representado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública


Sérgio Moro, que antes de assumir o ministério foi o juiz responsável por condenar
Lula à prisão;

*o "partido evangélico", representado pela ministra da Mulher, da Família e dos


Direitos Humanos, Damares Alves;

*o partido da extrema direita ideológica, representado pelo ministro das Relações


Exteriores Ernesto Araújo e pelo ministro da Educação Abrahan Weintraub;

*o partido do agronegócio, representado pela ministra da Agricultura, Pecuária e


Abastecimento Tereza Cristina;

*o partido militar, que possui mais de 60 generais ocupando postos estratégicos de


primeiro, segundo e terceiro escalão em todo o governo.

O governo Jair Bolsonaro é apoiado pela maioria do Senado e pela maioria da Câmara
dos Deputados. Entretanto, o Partido Social Liberal (ao qual Jair Bolsonaro é filiado) é
minoritário tanto no Senado quanto na Câmara: 4 senadores em um total de 81
senadores; e 52 deputados em um total de 513 deputados.

Além do governo e do parlamento, o governo Jairo Bolsonaro foi eleito com amplo
apoio nas Forças Armadas e no sistema judiciário.

Entretanto, desde o dia da posse até o final de abril, a aparência pública é de que se
trata de um governo cheio de conflitos internos, que incluem disputas públicas entre o
presidente e o vice-presidente. Os conflitos são tamanhos, que há quem especule sobre
a possibilidade do presidente Jair Bolsonaro não chegar até o final do mandato.

Uma das fontes de conflito está na relação entre o presidente e alguns dos principais
meios de comunicação do país, como a Rede Globo e o jornal Folha de S. Paulo. Estes
meios de comunicação apoiaram o golpe contra Dilma Rousseff, a prisão de Lula e
fizeram campanha contra a candidatura do PT nas eleições presidenciais de 2018.
Entretanto, mantém uma relação tensa com Bolsonaro, por diversos motivos:

*Bolsonaro não era a candidatura de direita preferida desses meios de comunicação e


de setores da classe dominante;

*Bolsonaro mantém relações preferenciais com a mídia evangélica;

*Bolsonaro considera que a grande mídia é contra ele, aposta nas redes sociais e vem
cortando verbas publicitárias.

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Outra fonte de conflito está na relação entre o presidente e a política tradicional, mais
precisamente os parlamentares eleitos pelos partidos de centro e direita que apoiaram
Bolsonaro para derrotar o PT. Esses conflitos tem duas fontes principais:

*embora tenha sido parlamentar por 28 anos, Bolsonaro construiu para si mesmo a
imagem de um político “antissistema”, que "não compactua" com a "velha forma" de
fazer política. Mas sem os partidos tradicionais da centro-direita, Bolsonaro terá
muitas dificuldades em governar. Até o momento em que aprovamos esta resolução, o
governo ainda não conseguiu construir um modus vivendi com o parlamento;

*a visão de política defendida por Bolsonaro dispensa ou pelo menos secundariza os


partidos e as instituições liberais. Neste sentido, para além das dificuldades de
momento, há uma diferença de fundo entre Bolsonaro e a maioria de centro-direita no
Congresso.

Uma terceira fonte de conflito tem relação com as expectativas criadas e as entregas
realizadas.

A política econômica e social do governo Bolsonaro é de retirada dos direitos das


grandes maiorias do povo. Ao mesmo tempo, o governo Bolsonaro conduz a um
realinhamento da política externa do país e aposta tudo em políticas ultraliberais de
privatização (das estatais, da previdência etc.). O resultado é que a economia como um
todo está desacelerando. E por mais que se diga que isto é produto da "herança
maldita" dos governos petistas, o fato é que cresce a decepção e crescem as disputas
entre os diferentes setores do governo, que buscam garantir sua cota parte num bolo
que está diminuindo de tamanho.

Uma quarta fonte de conflito está no estilo de atuação do clã familiar do presidente.
Há provas crescentes de envolvimento de seu clã, presidente incluído, com o crime
organizado, com milícias, contrabando, crimes de todo o tipo. Embora as forças
armadas e o partido do judiciário façam de tudo para proteger o presidente, esta
proteção é dificultada pelo papel destacado que os filhos do presidente assumiram na
definição da política do governo.

Tudo isto somado produz uma crescente erosão na imagem do presidente. Vale
lembrar que cerca de 57 milhões de eleitores votaram nele, contra em torno de 78
milhões de pessoas que não votaram. Ou seja: a erosão na imagem do presidente, com
a consequente redução das pessoas que o defendem espontaneamente, mais o
descrédito dos que não votaram nele, adicionado a rejeição dos que votaram contra
ele, muito facilmente gera a impressão de que a imagem do presidente estaria
desmoronando. Mas esta impressão não deve ser, ao menos no momento, exagerada.
Há uma erosão sim, ela pode se acelerar muito, mas ainda não chegamos a um ponto
de não retorno. Inclusive porque o governo possui uma base de apoio muito forte, o
que inclui um "exoesqueleto" garantido pelos militares.

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Cabe lembrar, também, que a atitude do governo frente a erosão de sua imagem não é
de recuo. Pelo contrário, o período janeiro-abril de 2019 foi de ofensiva intensa contra
os direitos sociais, contra as liberdades democráticas e contra a soberania nacional, Ou
seja: a erosão de imagem está ligada em grande medida ao cumprimento do programa
ultraliberal, entreguista e autoritário.

Fenômeno similar ocorreu e segue ocorrendo em vários outros governos de extrema-


direita mundo afora. São governos combativos, militantes, que geram reações, que
sofrem desgastes, mas que mesmo assim seguem impondo suas decisões.

Neste sentido, é preciso ter claro que o clã Bolsonaro, por mais tosco que pareça ser,
mantém vínculos com pensadores e instituições internacionais da extrema direita. Um
dos casos mais destacados é a relação entre Steve Bannon e o deputado federal
Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente.

Por tudo isso, é preciso superar a interpretação ingênua que se faz acerca de algumas
atitudes aparentemente bizarras do presidente e de seu clã nas redes sociais. Claro que
eles cometem erros, mas grande parte de suas opções é consciente e baseada numa
estratégia que foi eficaz nas eleições presidenciais, não apenas no Brasil, mas também
em outros países do mundo.

É neste contexto que se insere a situação de Lula. O núcleo duro do governo


Bolsonaro (o clã, os militares, a extrema direita ideológica e a parte do judiciário que
implementou a chamada Operação Lava Jato) considera que Lula constitui uma das
maiores ameaças ao que eles denominam de “estabilidade” do país. Neste sentido, ao
menos no momento, consideram essencial mantê-lo preso e isolado. Já outros setores
da coalizão (os partidos tradicionais, outros setores do partido do judiciário, parte dos
meios de comunicação) apoiam a prisão de Lula, mas admitem a possibilidade de um
tratamento mais suave (redução da pena, prisão domiciliar, liberdade condicional etc.).
Os que defendem um tratamento mais suave não fazem isso por considerar que Lula
seja pouco perigoso para os interesses da classe dominante. Pelo contrário: exatamente
por considerá-lo muito perigoso, defendem um tratamento mais suave, objetivando
reduzir a radicalidade da reação de Lula e de seus defensores.

A decisão recente do TSJ deve ser vista neste contexto: por um lado, convalidou a
prisão e a condenação de Lula. Por outro lado, reduziu a pena e a multa. Mas a
redução foi cirúrgica, pois torna em tese possível que Lula saia em condicional no mês
de setembro. Sendo que em agosto, um mês antes, Lula deve ser julgado (e
provavelmente condenado) em um segundo processo. A conclusão é que Lula também
é utilizado como "moeda de troca", como "refem" nas disputas entre os diferentes
integrantes da coalizão que governa o país.

Portanto, estamos diante de um governo daninho, cheio de conflitos internos, com


perda de popularidade, mas que só cairá SE e QUANDO houver uma mudança na

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atitude da maior parte da classe trabalhadora, que está crescentemente insatisfeita, mas
que AINDA não se mobilizou com a força necessária para impor uma outra saída para
a crise nacional.

Ao longo dos primeiros meses de governo Bolsonaro, ficou claro existirem inúmeros
conflitos no interior da coalizão golpista. Ficou claro, também, que sua base social e
eleitoral pode ser abalada, tanto por estes conflitos, quando principalmente pelos
efeitos práticos da ação de governo, especialmente a crise e o desemprego. Ficou
claro, finalmente, que existe uma possibilidade real da reforma da previdência não ser
aprovada pelo Congresso Nacional. O que faria a crise política vai se agudizar ainda
mais.

No debate acerca desta situação, manifestam-se diferentes opiniões no interior da


esquerda e também no interior do Partido dos Trabalhadores. Existem aqueles que
querem fazer oposição ao conjunto do programa do governo Bolsonaro, enquanto
outros setores preferem fazer uma oposição apenas parcial. Defendemos a necessidade
de uma oposição ideológica, forte na luta institucional e principalmente na
mobilização política e social, pois não é suficiente fazer oposição apenas institucional.

Alguns setores da oposição pensam e agem como se nada de fundamental tivesse se


modificado. A aceleração da disputa política, os conflitos na coalizão golpista e o
desgaste do clã Bolsonaro, somados a mobilização popular, alimentam avaliações de
que o governo estaria desmoronando. Tais avaliações confundem o presidente com o
governo, subestimam a força da coalizão golpista, supõem que a extrema direita
poderia ser derrotada rapidamente, exclusiva ou principalmente por vias eleitorais e
institucionais.

Alguns chegam a converter os conflitos do lado de lá em argumento a favor da


constituição de uma “ampla frente” para derrotar Bolsonaro, o que na prática
implicaria em alianças com setores que apoiaram Bolsonaro (Rodrigo Maia, o PSDB
de SP etc.), inclui renovadas ilusões e até elogios aos militares (que seriam os “adultos
na sala”, os “racionais” de um governo de “malucos”), além de esperanças em que o
empresariado se oponha ao ultra neoliberalismo, sem esquecer propostas que – se
adotadas – nos fariam cerrar fileiras em defesa da “velha política”.

O otimismo analítico adotado pelos que falam em “desmoronamento” conduz,


portanto, a uma tática moderada de coalizão com setores do golpismo.

Além disso, as expectativas de reviravolta em curto prazo “justificam” a ausência de


reflexão estratégica e, principalmente, conduzem a ausência de ações práticas no
sentido de mudar o método de trabalho e atuação do movimento sindical, das
organizações populares e dos partidos de esquerda.

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A estratégia e os métodos eleitorais, governamentais, parlamentares, partidários, de
organização e mobilização que predominaram até agora, não são adequados ou
suficientes para contribuir para uma mudança na correlação de forças.

Até porque a tática adotada pelo governo Bolsonaro é ofensiva: atacar o movimento
sindical, mobilizar contra a “velha política”, emitir sinais de que pode adotar novas
medidas de exceção. Isso comprova que não estamos diante de um governo “normal”.
Um de seus objetivos declarados é destruir seus inimigos. Não apenas derrotar.

Este governo pode sofrer muitas derrotas parciais e, inclusive, Bolsonaro pode não
chegar ao final de seu mandato. Mas, repetimos, o “exoesqueleto” deste governo é
composto por mais de 60 militares ocupando postos estratégicos no governo federal,
inclusive a vice-presidência da República, que lá chegaram como parte de uma “frente
ampla antidemocrática” apoiada pelo PIG, pelo partido do judiciário, pelo grande
capital. Esta coalizão e este governo não serão derrotados do mesmo jeito que
derrotamos os governos tucanos em 2002.

Também existem na esquerda brasileira alguns setores que, analisando corretamente o


caráter liberticida deste governo, propõe derrotá-lo através da constituição de uma
“ampla frente” em defesa da democracia.

Neste caso, o “realismo analítico” pode desembocar numa política de direita.

Acontece que a única “frente democrática” capaz de derrotar este governo é aquela
que seja capaz de mobilizar o povo. E para isto não basta falar de “liberdades
democráticas”. É preciso falar da defesa da soberania nacional e, principalmente, dos
direitos sociais da imensa maioria do povo brasileiro. Motivo pelo qual não faz sentido
construir uma “frente” com os setores supostamente moderados do golpismo, mas que
compartilham do programa ultraneoliberal. Nem faz sentido defender alianças
estratégicas com setores oposicionistas, mas que defendem arrocho salarial e
capitalização da previdência.

Assim, o caminho real para constituir uma “ampla frente” passa pelo fortalecimento da
Frente Brasil Popular como instrumento de mobilização das lutas populares, em
articulação com a Frente Povo Sem Medo, com as centrais sindicais, os movimentos
populares e sociais, o mundo da arte e da cultura, as juventudes, as mulheres, os
movimentos LGBTs, os movimentos de combate ao racismo.

Portanto, construir uma "frente popular" é imperativo para conquistar o apoio das
classes trabalhadoras, seja para derrotar Bolsonaro e a coalizão que o sustenta, seja
para lutar por um projeto democrático, popular e socialista.

O caminho para derrotar este governo é, no fundamental, o mesmo que teve sucesso
contra a ditadura militar, no final dos anos 1970: a luta de massas em torno dos
objetivos populares.

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Por isso, mais do que nunca, política e organização são inseparáveis. Radicalizar a
retórica, mas manter o estilo parlamentar e institucional de funcionamento e trabalho,
não passa de bravata.

O governo Bolsonaro não cairá sozinho, nem será substituído por algo melhor, se não
houver luta, capaz de aglutinar importantes setores sociais, tais como as lutas e
mobilizações em defesa da educação, do SUS, do financiamento público à moradia e
outras. Sendo assim, nossa tarefa neste ano de 2019 é concentrar todos os esforços em:

*denunciar os ataques contra as classes trabalhadoras, que penalizam principalmente


quem está desempregado e aposentado, as mulheres, os negros e negras, os moradores
das periferias. Em particular, lutar para derrotar a reforma da Previdência. Não há
absolutamente nada a negociar: o projeto apresentado pelo governo deve ser enterrado
pela mais ampla, radical e dura mobilização social;

*defender as organizações da classe trabalhadora e lutar por Lula Livre, pois enquanto
Lula estiver sequestrado, enquanto sua pena não for anulada, é porque continuamos
num estado de exceção;

*enfrentar o “pacote de insegurança” apresentado por Sérgio Moro. Como no caso da


Previdência, não há nada a negociar: o projeto apresentado pelo juiz de exceção deve
ser derrotado. E o caminho para isto começa numa detalhada denúncia de sua
perversidade medieval;

*mobilizar em defesa da paz e em solidariedade ao governo venezuelano. Uma guerra


na América do Sul terá consequências trágicas e não apenas para as vítimas diretas da
agressão dos Estados Unidos.

A LUTA CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Caso aprovada, a PEC 006/2019 afetará os servidores públicos, federais, estaduais e


municipais; afetará os trabalhadores da iniciativa privada, tanto urbanos quanto rurais;
afetará os produtores da agricultura familiar; afetará aqueles que trabalham em
atividades insalubres; as pessoas com deficiência; os professores da educação básica;
os policiais militares e os bombeiros militares; os agentes penitenciários; as pessoas
que recebem o Benefício de Prestação Continuada; os que já são aposentados e
pensionistas; e aqueles que vão entrar no mercado de trabalho.

O único setor que a PEC 006/2019 não atinge são os militares. Estes foram objeto de
outro Projeto, que amplia as distorções na previdência entre civis e militares, além de
ampliar as distorções entre os próprios militares.

As medidas propostas pela PEC 006/2019 farão com que os brasileiros e as brasileiras
se aposentem mais tarde; contribuam por mais tempo; recolham contribuições
maiores; recebam benefícios menores; não tenham garantia de correção automática

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dos valores recebidos. As mulheres serão as maiores prejudicadas pelas mudanças
propostas.

As duas principais mudanças propostas pela PEC 006/2019, entretanto, dizem respeito
ao modelo de aposentadoria. No Brasil, a aposentadoria é tema constitucional; a PEC
propõe tirar o assunto da Constituição. Hoje, a aposentadora pública é baseada no
principal da universalidade e da solidariedade intergeracional. Todos os trabalhadores
que estão na ativa contribuem para pagar as aposentadorias dos que já deixaram o
mercado de trabalho. A proposta da PEC 006/2019 quer introduzir o modelo de
capitalização: cada trabalhador contribuirá numa conta privada, para garantir a sua
própria aposentadoria.

Caso aprovada a PEC de Bolsonaro, sai a solidariedade e entra o princípio individual,


do “cada um por si”.

Onde foi adotado, o regime de capitalização permitiu grandes negócios para o setor
financeiro; mas jogou a maioria dos aposentados numa situação de velhice miserável.

O governo Bolsonaro defende que a reforma deve ser feita, entre outros motivos
porque a população estaria envelhecendo e também porque o déficit tornaria a
previdência insustentável.

Este tipo de argumento vem sendo utilizado desde o dia seguinte à aprovação da
Constituição de 1988. Mas há inúmeros estudos demonstrando que o chamado déficit
da previdência é uma falácia contábil. Além disso, a experiência recente demonstrou o
impacto positivo, sobre o financiamento da previdência, que resulta da geração de
empregos formalizados e da cobrança das empresas criminosamente inadimplentes.

Quanto ao argumento do envelhecimento, ele desconsidera totalmente o aumento da


produtividade do trabalho. Vivemos mais do que antes, mas também somos mais
produtivos do que antes. Portanto, a discussão sobre a idade mínima para a
aposentadoria não precisa ser feita desta forma.

Tanto nas oposições, quanto na base do governo, a reforma proposta por Bolsonaro
não foi bem aceita. Claro que convicções podem mudar, especialmente se os bancos
resolverem participar ativamente do convencimento de certos parlamentares. Claro,
também, que a reforma pode parecer pior ou melhor, a depender do número de pessoas
que participe das mobilizações contra a reforma. Destaca-se, nesse sentido, a greve
geral convocada por todas as centrais sindicais, durante o 1º de Maio unificado.
Importante dizer que esta greve geral só terá êxito se ela for, não apenas um anúncio,
mas um processo a ser construído em cada ambiente de trabalho, estudo e moradia.

Paradoxalmente, a expectativa de que o governo pode ser derrotado alimenta, em


alguns setores, a ideia de que na luta contra a reforma proposta por Bolsonaro, a
melhor tática seria apresentar uma proposta alternativa.

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Os que defendem isto desconsideram ou minimizam três questões. A primeira questão:
para a reforma ser derrotada, é preciso que a maioria da população tome conhecimento
da proposta. É mais fácil fazer isso, como fizemos no caso da reforma proposta por
Temer, apresentando o conjunto da reforma como negativa. A segunda questão: a
reforma é mesmo globalmente negativa. Não há nada de aproveitável. E, diferente das
feitas anteriormente, esta introduz a desconstitucionalização e a capitalização. Terceira
questão: a tática para derrotar é uma, a tática para negociar é outra. Adotada a tática de
negociar, as bancadas de oposição teriam que defender aspectos da proposta do
governo e, além disso, teriam que abrir mão de diversos instrumentos, por exemplo a
obstrução das sessões. E o resultado mais provável, a preços de hoje, não seria o mal
menor, mas o mal maior.

Por conta disso, o PT e a maior parte da oposição adotaram a tática de derrotar


globalmente a proposta. Não há o que negociar. Claro, no mundo dos ideais abstratos,
gostaríamos não apenas de evitar o mal maior, gostaríamos inclusive de fazer uma
reforma que ampliasse direitos. Mas há momentos em que o realismo político precisa
se impor: frente a um governo de extrema-direita, diante de um Congresso como o
atual, e diante da incerteza quanto à nossa capacidade de mobilização, a pressão sobre
os parlamentares precisa ser a mais clara e direta possível: quem votar a favor da
reforma, não voltará para o Congresso.

A LUTA PELA LIBERDADE DE LULA

Lula foi preso para impedir que concorresse às eleições de 2018, para impedir que
fizesse campanha nas eleições de 2018 e, principalmente, para facilitar a operação de
cerco e aniquilamento que um setor da direita pretende executar contra a esquerda em
geral e contra o PT em particular;

Lula não foi preso porque seria culpado, Lula não foi preso porque teria cometido
crimes, Lula não foi preso por ter sido submetido a um julgamento justo. A narrativa
da direita apresenta o PT como uma quadrilha e Lula como seu chefe. Mas Lula é, na
verdade, um preso político. Os que divergem de Lula, inclusive no que diz respeito às
relações mantidas com o empresariado em geral e com empresários em particular, têm
todo o direito de fazê-lo, mas não devem confundir isto com as causas de sua prisão.

Não lutamos apenas pela liberdade de Lula. Lutamos pela anulação de sua pena. Para
a direita, condenar seguidas vezes Lula, restringir seus direitos (como dar entrevista,
votar, ir ao funeral do irmão) e mantê-lo preso “até apodrecer” é parte importante da
operação para alinhar o Brasil aos EUA, ampliar a exploração e restringir as
liberdades da classe trabalhadora. Para a esquerda, lutar por anular a pena e libertar
Lula é parte importante da luta por derrotar o governo de extrema direita e suas
políticas.

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A luta pela libertação de Lula, assim como pela anulação de sua pena, é inseparável
das demais lutas do povo brasileiro, como a defesa da previdência, das liberdades
democráticas e dos direitos sociais, da soberania nacional, da paz e da Venezuela. A
luta por Lula livre só terá êxito através da mobilização de massa, não havendo motivo
algum para acreditar em conchavos com a direita, nem tampouco em decisões judiciais
favoráveis.

A luta pela liberdade de Lula ainda não é consenso entre as forças de esquerda,
democratas e progressistas no Brasil. Mesmo dentro do PT, há setores que não sabem,
não entendem ou não querem perceber o papel central desta luta, no atual contexto
histórico. O que quer dizer que não percebem o papel central que jogou a chamada
Operação Lava Jato, tanto no golpe quanto na eleição de Bolsonaro. Há setores e
lideranças do Partido que afirmavam, ainda em 2018, que a Operação Lava Jato teria
aspectos positivos.

Também há os que acreditam que Lula teria mesmo cometido ou deixado cometer
alguns malfeitos; portanto, o problema não estaria na condenação, mas sim no caráter
seletivo da punição ou no exagero da pena. Um caso extremo desta posição é o de Ciro
Gomes, que faz coro com a direita.

O PT reafirma suas posições acerca das causas da corrupção, acerca da importância da


luta contra a corrupção no Brasil, acerca da necessidade do próprio PT ser implacável
contra filiados que tenham praticados atos de corrupção. Reafirmamos também as
críticas que fizemos, inclusive em resoluções de congressos do Partido, à farsa
político-midiática chamada “mensalão” e contra a AP 470.

A história poderia ter sido outra, se já em 2005 o PT tivesse modificado sua estratégia,
se tivesse enfrentado o monopólio da mídia, se não tivesse mantido ilusões acerca do
papel do empresariado, da mídia, do judiciário, dos partidos de centro e direita, das
forças armadas, se tivesse adotado outra tática frente ao chamado “mensalão”.

A subestimação dos problemas e do efeito corrosivo das acusações, as alianças com


inimigos, o republicanismo, a ilusão no caráter neutro do “Estado de direito” e a
prioridade para o “petismo jurídico” em detrimento da luta política contribuíram, em
alguma medida, para o sucesso do golpe de 2016, da prisão de Lula e para o resultado
da eleição de 2018.

Quem se cala, quem relativiza, quem não se mobiliza a favor da campanha Lula Livre,
contribui por ação ou omissão com os propósitos da coalizão que deu o golpe de 2016
e venceu as eleições de 2018. Não haverá liberdades democráticas, enquanto Lula não
estiver livre e suas penas anuladas.

A LUTA CONTRA O PACOTE REPRESSIVO DE MORO

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O pacote de caráter supostamente “anticrime”, proposto pelo ministro Sérgio Moro,
faz parte, ao lado da tutela militar, de um conjunto de medidas que visam instalar no
Brasil um estado de exceção.

As medidas propostas, sob o pretexto de combate a corrupção, ao crime organizado e


aos crimes violentos, na verdade têm como consequência a destruição de direitos e
garantias fundamentais, a fragilização da democracia e a institucionalização de um
aparato legal de caráter extremamente autoritário.

É preciso entender o seguinte: o estado de exceção que as medidas propostas por Moro
buscam instaurar é necessário a este governo, não apenas para impedir que a esquerda
possa derrotá-lo, mas também para lidar com algumas das consequências do programa
de Bolsonaro.

Com o estado de exceção, trata-se de legalizar que a questão social passa a ser um
caso de polícia, como nos anos 1920.

O pacote “anticrime” de Moro contém uma série de medidas que visam aumentar o
patamar da punição contra quem comete crimes de menor potencial ofensivo e com
isso inchar ainda mais o nosso já degradado sistema penitenciário. É o
aprofundamento do já existente processo de criminalização da pobreza, que atinge,
sobretudo, a população negra.

Mas o pacote “anticrime” Moro não para por aí. Medidas de criminalização dos
movimentos sociais, a legalização da prisão sem condenação definitiva, restrições de
comunicação e de acesso aos advogados e ao mundo fora das prisões para quem
cumpre pena, tudo isto está sendo apresentado no pacote. É líquido e certo que Lula é
alvo destas medidas e que o endurecimento das suas condições carcerárias é um
objetivo do atual ministério controlado pelo ex-juiz.

Não titubeamos em afirmar que o conjunto de medidas apresentadas por Moro não é
solução para o problema da segurança pública no Brasil. Já está exaustivamente
demonstrado que o aumento da repressão, do encarceramento, das penas e do caráter
autoritário da persecução criminal não resolvem problemas como a violência, o crime
organizado e a corrupção.

O PT não tem receio de apresentar ao país a nossa visão sobre o que é uma política de
segurança pública voltada para o bem-estar do povo e para o efetivo combate à
violência, numa sociedade livre, justa e menos desigual.

Já o programa ultraliberal que está sendo aplicado pelo governo Bolsonaro vai causar,
no curto e no médio prazos, um grande empobrecimento da população e por isso
precisa vir junto com medidas de endurecimento que, na prática, têm como objetivo
conter tensões sociais, criminalizando os pobres, os manifestantes, as organizações e
lideranças políticas populares.

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Trata-se de um governo que vende a falsa ideia de que vai combater a violência com
mais repressão e, ao mesmo tempo, adota medidas para possibilitar maior alcance a
armas de fogo. É fundamental que sejam desmascarados e carimbados: são anti-povo,
anti-direitos, anti-vida, pró-violência.

A execução política da vereadora Marielle Franco (RJ) e a relação deste crime com as
milícias cariocas e com um ambiente próximo do presidente da República reforçam a
gravidade da situação que estamos vivendo.

Fala-se em combater o crime organizado, mas nunca antes na história o crime


organizado esteve tão próximo da presidência. Fala-se de combater a violência, mas na
prática se concede aos agentes de segurança uma verdadeira licença para matar. Fala-
se em combater a corrupção, mas o clã familiar do presidente está imerso até o
pescoço em escândalos e nada acontece.

A luta contra o pacote repressivo de Moro deve vir acompanhada de intransigência


contra a tutela militar, seja por parte das Forças Armadas ou das políticas militares.
Militares nas escolas, universidades, nas ruas das cidades, não são solução para os
desafios que a segurança pública e a educação apresentam.

Neste sentido, o PT convoca o conjunto das forças democráticas a explicar e denunciar


o pacote, que tem características hiperrepressivas e é seletivo com seus alvos; deve
dizer explicitamente que a Operação Lava Jato e o ministro Moro são criminosos,
traidores da pátria e da Constituição.

Não nos enganamos: o alvo de Moro e do governo Bolsonaro são os pobres, negros e
negras, a esquerda em geral, o PT e Lula. Não mediremos esforços para derrotar, nas
ruas e no Congresso, o referido projeto.

A LUTA EM DEFESA DA VENEZUELA

Nicolas Maduro é legítima e democraticamente o presidente da Venezuela, enquanto


Guaidó e seus aliados são instrumentos de um golpe de Estado patrocinado pelos
Estados Unidos, que tem como objetivo central controlar uma das maiores reservas
petrolíferas do mundo.

A posição da ampla maioria do PT e das organizações democráticas, populares e de


esquerda brasileiras é apoiar o povo e o governo da República Bolivariana da
Venezuela, contra a agressão combinada do imperialismo e da oligarquia venezuelana.

Nosso apoio à Venezuela deve ser ativo: trata-se de difundir as razões da Venezuela,
desmascarar os pretextos do imperialismo e das oligarquias, organizar manifestações
em todo o Brasil e enviar delegações solidárias à Venezuela.

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Nosso apoio inclui e supõe, também, polemizar com aqueles setores que — a pretexto
de diferenças que mantém com as posições do PSUV e do chamado chavismo —
adotam posições de solidariedade “condicional” à Venezuela. Os que sinceramente
defendem mudanças na política do chavismo, precisam antes de mais nada cerrar
fileiras para defender a sobrevivência da República Bolivariana da Venezuela. Pois se
o imperialismo e a oligarquia vencerem, não haverá correção de rumo possível.

Defender a Venezuela do imperialismo é defender a soberania do Brasil e a integração


da América Latina. Defender a legitimidade do governo Nicolás Maduro contra a
oligarquia é defender as liberdades democráticas contra o golpismo.

CENÁRIOS E DESAFIOS

O governo Bolsonaro conseguirá chegar até o final? Vai conseguir implementar seu
programa? A que custo? Através de que meios?

Não há como responder, de maneira definitiva e inequívoca, a todas nem a cada uma
destas perguntas, pois o que acontecerá depende de três variáveis: 1/ a evolução da
situação internacional, 2/ a manutenção (ou não) da unidade entre as forças que deram
o golpe e 3/ a intensidade e a direção com que atue a oposição, especialmente a
oposição de esquerda ao governo Bolsonaro.

A evolução da situação internacional aponta para cenários de intensos conflitos, cuja


repercussão interna é difícil de prever. A unidade da coalizão golpista depende, em
boa medida, da capacidade do governo Bolsonaro entregar o que prometeu na
campanha eleitoral. A atuação da oposição, por sua vez, depende em grande medida
da capacidade do PT e das demais organizações democráticas e populares em
mobilizar a maioria da classe trabalhadora.

Bolsonaro pode não chegar ao fim de seu mandato, como Fernando Collor e Jânio
Quadros não chegaram. Mas isso não quer dizer que a frente ampla golpista e o
governo resultante não consigam aplicar seu programa. Bolsonaro é, em certa medida,
uma peça descartável. Como já foi dito, o “exoesqueleto” do governo Bolsonaro é
composto por mais de 60 militares ocupando postos estratégicos no governo federal,
inclusive a vice-presidência da República.

Nos próximos dias, semanas e meses, haverá grandes batalhas no Brasil: contra a
reforma da previdência, contra as medidas de (in)segurança propostas pelo governo,
em defesa dos direitos sociais e humanos, em defesa da educação pública, gratuita e de
qualidade, em defesa das liberdades democráticas, em defesa da paz e da Venezuela,
em defesa de Lula Livre e pela anulação de suas penas.

Em todas e cada uma destas batalhas, o PT trabalha para derrotar o governo


Bolsonaro. Em cada batalha onde tivermos êxito, as forças que apoiam o governo
Bolsonaro terão que decidir se recuam ou se tomarão medidas de “endurecimento”

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explícito. Este risco não se contorna recuando, desistindo de disputar, desistindo de
vencer. As ameaças de endurecimento se enfrentam ampliando nosso investimento na
politização e na organização das classes trabalhadoras, do povo brasileiro.

O Partido dos Trabalhadores resiste, mas não tem como objetivo apenas resistir. O
objetivo do PT e de toda a esquerda é resistir, é derrotar o governo Bolsonaro e a
coalizão que o sustenta, é voltar a governar o Brasil, é realizar transformações
profundas na sociedade brasileira.

No seu discurso de posse, o presidente da extrema direita disse que sua posse era “o
dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”. No que depender do Partido
dos Trabalhadores, será o contrário. Pois num país em que a classe dominante só tem a
oferecer, ao povo, mais dependência, exploração e opressão, a verdadeira esperança é
vermelha e bate do lado esquerdo do peito: o socialismo.

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