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Estudo de funções - Notas de aula


Bruno de Paula Miranda 2

Curso: Estudo de Funções.


Eixo temático: Matemática.
Público-alvo: Alunos de graduação.

2 IFG e-mail: bruno.miranda@ifg.edu.br


Capítulo 1

CONJUNTOS
A noção de conjuntos é bastante importante pois é por meio dela que conceitos
matemáticos são expressos de maneira mais elegante e sucinta. Um conjunto é for-
mado por elementos. Usualmente, representaremos conjuntos por meio de letras
maiúsculas. A notação padrão para conjuntos consiste em expressar os elementos
que o constituem dentro de chaves. Por exemplo, escrevemos
A = {1, 2, 3}
para representar o conjunto A composto pelos elementos 1,2 e 3. Usamos o sím-
bolo “∈” para representar pertencimento: 1 ∈ A significa que o elemento 1 pertence
ao conjunto A. Por outro lado, 4 6∈ A significa que o elemento 4 não pertence ao
conjunto A.
A notação de conjunto é conveniente para se representar elementos que pos-
suem uma determinada propriedade ou atendem uma determinada condição. Em
vez de escrevermos “o elemento x atende a condição P”, simplesmente representa-
mos por B o conjunto de todos elementos que satisfazem a condição P e escreve-
mos x ∈ B. Por exemplo, no lugar de dizermos que um número y é ímpar, fazemos
I = {· · · , −5, −3, −1, 1, 3, 5, · · · }
representar o conjunto de todos números ímpares e escrevemos y ∈ I.
Por fim, dentro do estudo de representação de conjuntos, há uma álgebra deri-
vada das relações de inclusão, união e interseção (que serão estudadas logo mais)
que faz com que o manuseio de conjuntos (e consequentemente, de escrita mate-
mática) se torne algo simples e exato.

O CONJUNTO VAZIO
Um conjunto peculiar é o conjunto vazio. Tal conjunto é denotado por 0/ e é o
único conjunto que não possui elementos. Por mais que soe como uma ideia tola

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falarmos em um conjunto que não possui elementos, ele cumpre um importante


papel em matemática que é o de representar contradições e exceções. Por exemplo,
tem-se 0/ = {x; x 6= x}1 , ou seja, 0/ é o conjunto dos objetos x que são diferentes
de si mesmos (naturalmente, nenhum elemento atende tal condição). Qualquer
conjunto A que possua algum elemento é dito não vazio, representamos isso por
A 6= 0.
/

A RELAÇÃO DE INCLUSÃO

Quando dispomos de dois conjuntos A e B e todo elemento de A é também


elemento de B, dizemos que A é subconjunto de B ou que A está contido em B
e representamos essa relação (chamada relação de inclusão) por A ⊆ B. Quando
nem todo elemento de A é elemento de B, isto é, quando A não é subconjunto de
B, escrevemos A 6⊆ B.

Exemplo 1.1. Considere os conjuntos A = {1, 2, 5, 6, 7}, B = {1, 2, 5} e C = {1, 2, 3}.


Temos que B ⊆ A pois todo elemento de B é também elemento de A, mas C 6⊆ A
pois 3 ∈ C e contudo 3 6∈ A.

Exemplo 1.2. Considere T o conjunto de todos triângulos no plano, A o conjunto


de todos triângulos retângulos (tem um ângulo de 90 graus), B o conjunto de todos
triângulos isósceles (tem dois lados iguais). Naturalmente temos A ⊆ T e B ⊆ T .
Porém A 6⊆ B e B 6⊆ A pois nem todo triângulo retângulo é isósceles e vice versa.

Exemplo 1.3. Seja A o conjunto de todos números múltiplos de 2 (os pares), B o


conjunto de todos múltiplos de 3 e C o conjunto de todos múltiplos de 6. Temos
que C ⊆ A e C ⊆ B. Mas A 6⊆ B e B 6⊆ A.

Exemplo 1.4. A relação de inclusão é uma relação reflexiva, isto é, para qualquer
conjunto A vale A ⊆ A, ou seja, todo conjunto A é subconjunto de si mesmo. Outra
inclusão imediata (mas um pouco mais confusa) é 0/ ⊆ A. De fato, se tal relação
não fosse verdade, deveria existir algum elemento dentro de 0/ que não é elemento
de A, e como 0/ não possui elementos, tem-se a inclusão. Em outras palavras, o
conjunto vazio é subconjunto de qualquer outro conjunto.

Exemplo 1.5. Quando A é subconjunto de B mas A 6= 0/ e A 6= B, dizemos que A é


subconjunto próprio de B. Por exemplo, o conjunto A dos fuscas vermelhos é um
subsconjunto próprio do conjunto B de todos fuscas.
1 após o ponto vírgula dentro de chaves inserimos a descrição dos elementos x do conjunto
4 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS

A relação de inclusão possui além da propriedade reflexiva outras duas propri-


edades: a anti-simetria e a transitividade. A propriedade da anti-simetria diz que
se A ⊆ B e B ⊆ A, então deve-se ter A = B; tal propriedade é utilizada na definição
de conjuntos iguais: A e B são conjuntos iguais se todo elemento de A é elemento
de B e vice versa. Já a transitividade diz que se A ⊆ B e B ⊆ C, então A ⊆ C; em
outras palavras, se todo elemento de A é elemento de B, e todo elemento de B é
elemento de C, então todo elemento de A é elemento de C.

O COMPLEMENTAR DE UM CONJUNTO

Para falarmos em complementar de um conjunto, precisamos antes fixar um


conjunto “maior” U chamado universo do discurso ou conjunto-universo. Tal
conjunto engloba todos elementos que são tratados em uma determinada situa-
ção/problema. Fixado o conjunto U, todos conjuntos considerados serão subcon-
juntos de U. Neste contexto, dado um conjunto A ⊆ U, definimos o complementar
do conjunto A como sendo o conjunto dos elemento de U que não pertencem ao
conjunto A; tal conjunto é denotado por Ac , isto é

Ac = {x ∈ U; x 6∈ A}.

O seguinte diagrama ilustra esse novo conceito.

Exemplo 1.6. Sejam U = {1, 2, 3, 4, 5} e A = {1, 5}. Tem-se Ac = {2, 3, 4}.

Exemplo 1.7. Seja


U = N = {0, 1, 2, 3, . . .}
o conjunto dos números naturais e seja A o conjunto dos números naturais pares.
Tem-se que Ac é o conjunto dos números naturais ímpares.
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Naturalmente, dados um conjunto U e um subconjunto A ⊆ U, um elemento


x ∈ U ou está em A ou está em Ac ; em Lógica, este fato é conhecido como o
princípio do terceiro excluído. Também de fácil assimilação, temos o princípio
da não-contradição, que diz não pode acontecer ao mesmo tempo x ∈ A e x ∈ Ac ,
isto é, não pode um elemento estar ao mesmo tempo em A e fora de A. Como
consequência imediata desses princípios, é fácil provarmos que

• para todo A ⊆ U vale que (Ac )c = A, isto é, que o complementar do comple-


mentar de A é o próprio A.

De fato, admita que x ∈ (Ac )c ; por definição, temos que x não está em Ac ,
isto é, não está fora de A. Logo, pelo princípio do terceiro excluído, x deve
estar em A e isto mostra que (Ac )c ⊆ A. De maneira semelhante mostramos
que A ⊆ (Ac )c de onde surge a igualdade desejada.

• se A ⊆ B, então Bc ⊆ Ac .

Para vermos que isto vale, consideremos um elemento x ∈ Bc , isto é, x fora de


B. Como todo elemento de A está contido em B, x não pode estar em A, pois
do contrário estaria em B, o que contradiz o princípio da não-contradição (x
estaria em Bc e em B). Sendo assim, x ∈ Ac e concluímos que vale Bc ⊆ Ac .

A segunda propriedade que acabamos de provar pode ser escrita usando a notação
=⇒ (símbolo que significa “implica”) assumindo a forma seguinte

A ⊆ B =⇒ Bc ⊆ Ac .

Lemos “A ser subconjunto de B implica Bc ser subsconjunto de Ac ”.

Exercício 1.1. Mostre que na realdade vale a outra implicação, isto é,

Bc ⊆ Ac =⇒ A ⊆ B.

Dizemos que A ⊆ B e Bc ⊆ Ac são equivalentes e escrevemos

Bc ⊆ Ac ⇐⇒ A ⊆ B.

O símbolo ⇐⇒ representa equivalência e é lido como “equivale” ou “ se, e


somente se”.

Já dissemos que a notação de conjuntos é essencial para se escrever matemática


de maneira sucinta, elegante, exata. De modo geral, fazer matemática significa
6 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS

lidar com implicações lógicas: “se vale a propriedade P, então vale a propriedade
Q”. Em notação de conjuntos, se A é o conjunto de todos elementos que possuem
a propriedade P e B o conjunto de todos elementos que possuem a propriedade Q:

A ⊆ B.

Neste contexto, Ac e Bc representam a negação das propriedades P e Q, respectiva-


mente (representadas por P0 e Q0 ). Neste contexto, concluímos que as implicações

P =⇒ Q (isto é, A ⊆ B) e Q0 =⇒ P0 (isto é, Bc ⊆ Ac )

são equivalentes. Dito de outra maneira, P implicar Q equivale a Q0 implicar P0 .


A implicação Q0 =⇒ P0 chama-se a contrapositiva da implicação P =⇒ Q.
As duas dizem a mesma coisa, mas por vezes é mais conveniente tratar alguns
problemas por meio da contrapositiva.
Exemplo 1.8. Considere a seguinte relação de implicação: se chover no domingo,
o Vila Nova vai ganhar a partida de futebol. Sua contrapositiva é: se o vila perder
a partida de domingo, não chove no domingo. Aqui vale uma observação, nada é
dito sobre a possibilidade de vitória no caso de não chover no domingo! Isto é, se
o Vila Nova ganhou a partida, não significa que choveu.
UNIÃO E INTERSEÇÃO

Dados os conjuntos A e B, o conjunto união (ou reunião) A ∪ B é o conjunto


que contém os elementos de A mais os elementos de B. Já o conjunto interseção
A ∩ B é o conjunto que contém os elementos que estão ao mesmo tempo em A e
em B. Isto é, um elemento x está na união quando pertence a pelo menos um dos
conjuntos:
x ∈ A ∪ B ⇐⇒ x ∈ A ou x ∈ B;
por outro lado, x está na interseção se pertence a ambos os conjuntos:

x ∈ A ∩ B ⇐⇒ x ∈ A e x ∈ B.

OBS:
Ressaltamos que, ao contrário do que ocorre no uso convencional do conectivo
“ou”, em matemática dizer x ∈ A ou x ∈ B não impede que x esteja em A e em B ao
mesmo tempo. A figura abaixo ilustra a ideia de união e interseção dos conjuntos
A e B.
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Exemplo 1.9. Sejam A = {1, 2, 3} e B = {2, 3, 4} dois conjuntos. Temos

A ∪ B = {1, 2, 3, 4} e A ∩ B = {2, 3}.

Exemplo 1.10. Sejam A = {2, 4, 6} e B = {1, 3, 5}, temos que

A ∪ B = {1, 2, 3, 4, 5, 6} e A ∩ B = 0.
/

Quando ocorre dos conjuntos A e B não terem elementos em comum (interseção


vazia), como é neste exemplo, dizemos que A e B são conjuntos disjuntos.

Exemplo 1.11. Se A e B são dois conjuntos de modo que A ⊆ B, então A ∪ B = B


e A ∩ B = A. A imagem abaixo ilustra tais igualdades.

As operações de união e interseção de conjuntos satisfazem as seguintes pro-


priedades:

• Comutatividade.

A ∪ B = B ∪ A e A ∩ B = B ∩ A.
8 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS

• associatividade.

(A ∪ B) ∪C = A ∪ (B ∪C) e (A ∩ B) ∩C = A ∩ (B ∩C).

• Distributividade um com relação à outra.

A ∩ (B ∪C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩C)

e
A ∪ (B ∩C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪C).

• O complementar da união é a interseção dos complementares.

(A ∪ B)c = Ac ∩ Bc .

• O complementar da interseção é a união dos complementares.

(A ∩ B)c = Ac ∪ Bc .

As duas primeiras propriedades são um tanto quanto imediatas; já as três úl-


timas são menos óbvias. Para provar que de fato são válidas, trabalhamos com
a definição de igualdade de conjuntos que estudamos acima e avaliamos os casos
possíveis. Tente prová-las como exercício! As duas últimas propriedades, no con-
texto de lógica, significam que a negação de “P ou Q” é “nem P nem Q” ao passo
que a negação de “P e Q” é “não P ou não Q”.

Exercício 1.2. Considere os conjuntos abaixo:

• F = conjunto de todos os filósofos

• M = conjunto de todos os matemáticos

• C = conjunto de todos os cientistas

• P = conjunto de todos os professores

Exprima cada uma das afirmativas abaixo usando a linguagem de conjuntos:

(a) Todos os matemáticos são cientistas.

(b) Alguns matemáticos são professores.


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(c) Nem todo professor é cientista.

(d) Se um filósofo não é matemático ele é um professor.

Exercício 1.3. O diagrama de Venn para os conjuntos X,Y, Z decompõe o plano


em oito regiões. Numere essas regiões e exprima cada um dos conjuntos abaixo
como união dessas regiões (por exemplo X ∩Y = 3 ∪ 5).

(a) (X c ∪Y )c .

(b) (X c ∩Y ) ∪ (X ∩ Z c ).

(c) (X ∪Y )c ∩ Z.

Exercício 1.4. Exprimindo cada membro como reunião de regiões numeradas,


prove as igualdades:

(a) (X ∪Y ) ∩ Z = (X ∩ Z) ∪ (Y ∩ Z)

(b) X ∪ (Y ∩ Z)c = X ∪Y c ∪ Z c .
Capítulo 2

Números Naturais
Já dissemos que a linguagem de conjuntos é ferramenta essencial na síntese
da escrita matemática. O principal objeto de estudo da matemática são os núme-
ros, entes abstratos desenvolvidos como modelos que permitem contar, medir e
comparar quantidades de uma grandeza.
Usualmente, a escrita matemática é estruturada por meio de definições, teore-
mas e demonstrações. As definições tem por objetivo expressar de maneira breve
objetos e/ou propriedades que requerem o emprego de uma sentença longa para
serem explicados. É uma forma de economizar energia, em vez de, repetidas vezes
nos referirmos a um par de números que não possuem divisores em comum além
do número 1, dizemos que os números são primos entre sí e temos um exemplo
de definição. Com as definições em mãos, por meio de um encadeamento de argu-
mentos lógicos, construímos as demonstrações de afirmações (teoremas) relativas
à estrutura dos objetos estudados. Todavia, conforme percorremos o caminho re-
verso das definições, em determinado momento chegaremos a conceitos primitivos
para os quais não cabe definição e que obedecem leis que não admitem demonstra-
ção, os axiomas. Como exemplo de tais conceitos primitivos, podemos recorrer à
geometria e citarmos os pontos, retas e planos, não são definidos, apeanas consti-
tuem o espaço geométrico que estudamos e obedecem alguns axiomas como: por
dois pontos passa uma e somente uma reta.
Aqui veremos um resumo da teoria matemática que estuda os números natu-
rais, onde os conceitos primitivos são “número natural” e “sucessor” e os axiomas
são os de Peano 1 .
O conjunto
N = {1, 2, 3, 4, 5, . . .}
dos números naturais é um conjunto que satisfaz uso do conceito primitivo de
1 Giuseppe Peano foi um matemático italiano responsável pela formalização dos números naturais

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“sucessor”. Intuitivamente, dados n, n0 ∈ N, dizer que n0 é sucessor de n significa


que n0 vem “logo depois” de n, não havendo outros elementos “entre” n e n0 . Os
Axiomas de Peano são os seguintes:
• Todo número natural tem um único sucessor;
• Números naturais distintos tem sucessores distintos;
• Existe um único número natural, chamado um e representado pelo símbolo
1, que não é sucessor de nenhum outro;
• (Axioma de indução) Seja X ⊆ N, se 1 ∈ X e se n ∈ X =⇒ n0 ∈ X, então
tem-se X = N.
ADIÇÃO E MULTIPLICAÇÃO

Entre os números naturais estão definidas duas operações fundamentais: a adi-


ção (ou soma), que é representada pelo símbolo “+”, e a multiplicação (ou pro-
duto), que é representada pelo símbolo “·”. Ambas as operações são definidas
indutivamente, como explicamos a seguir.
• (Soma) – Dado n ∈ N, definimos n + 1 como sendo o sucessor do natural
n. Já n + (p + 1) nada mais é que o sucessor de n + p. Note que o axioma
da indução nos garante que podemos efetuar a soma n + p para quaisquer
n, p ∈ N. De fato, fixado n, seja X o conjunto dos naturais p para os quais
sabemos encontrar n + p. Temos que 1 ∈ X pois n + 1, por definição, isso
tem como resultado o sucessor de n. E admitindo que p ∈ X (isto é, conhe-
cemos n + p), teremos p + 1 ∈ X pois n + (p + 1) será o sucessor de n + p.
Concluímos do axioma da indução que X = N e podemos avaliar n + p para
qualquer p ∈ N.

Intuitivamente, n+ p é o número natural que se obtem a partir de n aplicando-


se p vezes seguidas a operação de tomar o sucessor. Por exemplo 3 + 2 = 5
pois aplicando-se a 3 duas vezes a operação encontrar o sucessor chegamos
a 5.
• (Multiplicação) – Dado n ∈ N, definimos n · 1 como sendo o próprio n, isto
é, n · 1 = n. De modo geral n · (p + 1) = n · p + n. Novamente, o axioma da
indução nos permite efetuar o produto n · p para quaisquer n, p ∈ N.

Intuitivamente, o produto n · p é obtido somando n vezes a parcela p. Por


exemplo, 3 · 2 = 2 + 2 + 2 = 6.
12 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS

OBS. Por vezes suprimimos o símbolo “·” e escrevemos simplesmente np para


representar o produto n · p. Alguns autores também representam o produto por
n × p.
A seguir listamos algumas propriedades das operações soma e produto:

• Comutatividade – Para quaisquer m, n ∈ N tem-se

m + n = n + m e m · n = n · m.

Ou seja, a ordem dos fatores não altera o resultado;

• Associatividade – Para quaisquer m, n, p ∈ N tem-se

(m + n) + p = m + (n + p)

e
(m · n) · p = m · (n · p).

• Distributividade – Para quaisquer m, n, p ∈ N vale

m · (n + p) = m · n + m · p.

Exemplo 2.1. Lembre-se que usamos o símbolo n2 pra representar n · n. Lemos “n


ao quadrado”. Usando a distributividade e a comutatividade temos que

(m + n)2 = m2 + 2 · m · n + n2 .

De fato,

(m + n)2 = (m + n) · (m + n)
= m · (m + n) + n · (m + n)
= m2 + m · n + m · n + n2
= m2 + 2 · m · n + n2 .

Exemplo 2.2. Verifiquemos por indução que para qualquer natural n vale a igual-
dade
1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) = n2 ,
isto é, a soma dos n primeiros ímpares vale precisamente n2 . Denotemos por X o
conjunto dos naturais para os quais a igualdade é válida. Claramente temos que
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1 ∈ X pois 1 = 12 . Agora mostraremos que se n ∈ X, então n + 1 ∈ X, isto é, o


sucessor de qualquer elemento de X também está em X. Note que

1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) + (2(n + 1) − 1) = n2 + 2(n + 1) − 1


= n2 + 2n + 1
= (n + 1)2

e temos X = N, como desejado.


ORDEM ENTRE OS NÚMEROS NATURAIS

Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor do que n, denotando por m < n


quando existe algum p ∈ N tal que n = m + p, isto é, quando é possível somar
algum natural a m e obter n.
A seguir listamos algumas propriedades (cuja verificação deixamos a cargo do
leitor) da relação de ordem entre os naturais:

• (Transitividade) – Se m < n e n < p, então m < p;


• (Tricotomia) – Dados m, n ∈ N, uma e apenas uma das três possibilidades
ocorre: m < n, m = n ou n < m;
• (Monotonicidade) – Se m < n e p ∈ N, então m + p < n + p e m · p < n · p;
• (Princípio da boa ordenação) – Todo subconjunto não vazio X ⊆ N possui
um menor elemento. Isto é, existe algum m ∈ X de modo que m < n para
todo n ∈ X diferente de m.

É comum represerntarmos os números naturais como pontos igualmente espa-


çados numa reta. Tal representação conversa com a relação de ordem por meio de
expressar os naturais m < n com m à esquerda de n, isto é, conforme caminhamos
para a direita, os números ficam maiores. A imagem abaixo ilustra tal representa-
ção.
14 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS

Exemplo 2.3. Recorde-se que um número natural p é dito primo quando só pode
ser expresso como produto de dois naturais p = m·n no caso de ser n = 1 ou n = p.
Por exemplo, 2, 3, 5, 7 e 11 são primos; já 6 não é primo, pois podemos escrever
6 = 2 · 3. Um resultado bastante interessante da Teoria dos Números diz que todo
número natural maior do que 1 ou é primo ou é um produto de fatores primos.
Utilizaremos o princípio da boa ordenação para provar este resultado. Seja X o
conjunto dos números naturais maiores que 1 que ou são primos ou produtos de
fatores primos. Note que se m, n ∈ X, então m · n ∈ X pois será um produto de
fatores primos. Nosso objetivo é mostrar que X = N − {1} (essa notação repre-
senta os naturais maiores que 1). Seja Y o complementar de X em N − {1}, ou
seja, o conjunto dos naturais maiores que 1 que não são primos e não se escrevem
como produto de primos. Claramente X = N − {1} ⇐⇒ Y = 0. / Provemos então
que Y = 0. / Faremos isto por redução ao absurdo, ou seja, suporemos que existe
algum elemento em Y e obteremos algum absurdo, o que significará que Y não
pode ter elementos. Se por absurdo for Y 6= 0,
/ sendo Y ⊆ N, pelo princípio da boa
ordenação, existirá um menor elemento a ∈ Y . Como a não é primo (pois está em
Y ), temos que podemos escrever a = m · n com m e n menores que a (pois n e m
são diferentes de 1). Ora, sendo m < a e n < a, temos que m, n ∈ X (pela minima-
lidade de a). Mas então, pelo que observamos acima, teremos a = m · n ∈ X, o que
contradiz o fato de ser a ∈ Y . Esta contradição nos diz que deve ser Y = 0/ como
queríamos mostrar. 2

2 Este símbolo representa o fim de uma demonstração.


Capítulo 3

Conjuntos finitos e Infinitos


Neste capítulo começaremos o estudo de funções. Grosso modo, funções são
regras que associam a cada elemento de um determinado conjunto, um elemento
de outro conjunto. Uma das aplicações de funções reside no fato de elas serem
úteis para identificar conjuntos com “ o mesmo número de elementos”. Formali-
zaremos esta ideia de “número de elementos de um conjunto” por meio do estudo
de conjuntos finitos e infinitos.

Definição 3.1. Dados os conjuntos X e Y , uma função

f : X −→ Y

(lemos “uma função f de X em Y ) é uma regra que diz como associar a cada
elemento x ∈ X um único elemento f (x) ∈ Y (lemos f de x). O conjunto X chama-
se o domínio da função, e o conjunto Y chama-se o contra-domínio da função.
Para cada x ∈ X, o elemento f (x) ∈ Y chama-se a imagem de x pela função f , ou
o valor assumido pela função f no ponto x ∈ X. Escreve-se x 7→ f (x) para indicar
que f transforma (ou leva) x em f (x).

Exemplo 3.1. Sejam X e Y dois conjuntos quaisquer e fixe c ∈ Y . A função f :


X −→ Y determinada pela regra x 7→ c é chamada função constante. A regra que
a define associa a todo x ∈ X um mesmo elemento c ∈ Y . Note que na definição
de função exigimos que cada elemento de x é associado a um único elemento de
Y , mas nada impede que um determinado elemento de Y seja imagem de muitos
elementos de X, como é o caso da função constante. A seguinte imagem ilustra
uma função constante.

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16 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS FINITOS E INFINITOS

Observamos que o símbolo “∀” significa “para todo”. Então f (x) = 1, ∀x ∈ X


significa que a igualdade se verifica para todo x ∈ X.

Exemplo 3.2. Outro exemplo simples é o da função identidade. Seja X um con-


junto qualquer. A função I : X −→ X dada por x 7→ x é chamada função identidade
de X. O que ela faz nada mais é que associar cada elemento x ∈ X a sí mesmo. A
seguinte imagem ilustra uma função identidade no conjunto X = {1, 2, 3, 4}.

Exemplo 3.3. Considere X = {1, 2, 3} e Y = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Seja f : X −→ Y a


função dada por f (x) = 2x. A figura abaixo ilustra tal função.
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Exemplo 3.4. A função f : N −→ N dada por f (x) = 2x é tal que apenas os nú-
meros pares são imagem de algum natural pela função f . Já a função s : N −→ N
dada por s(x) = x + 1 associa a cada natural x seu sucessor. Claramente o único
natural que não é imagem de algum natural pela função s é o número 1 (o único
natural que não é sucessor de ninguém).

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