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INDIVIDUALISMO 555 INDIVÍDUO

pectos fundamentais da primeira fase do libe- retrizes do interesse privado. Desse modo, po-
ralismo (v.). rém, eram negligenciados os motivos históri-
l2 O jusnaturalismo consiste em atribuir ao cos que haviam provocado o surgimento da
indivíduo direitos originários e inalienáveis que corrente individualista no liberalismo, prepa-
ele conserva, mesmo que de maneira diferente rando-se assim, inadvertidamente, o caminho
ou limitada, em todos os corpos sociais de que para novas vitórias do absolutismo estatal.
faz parte (v. JUSNATURALISMO). INDIVÍDUO (gr. aTOUOV; lat. Individuum;
2Q O contratualismo consiste em considerar in. Individual; fr. Individu; ai. Individuum; it.
que a sociedade humana e o Estado são resul- Indivíduo). Em sentido físico: o indivisível, o
tantes de convenção entre os indivíduos; na que não pode ser mais reduzido pelo procedi-
Idade Moderna a partir de Vindiciae contra mento de análise. Em sentido lógico: o que não
tyrannos (1579) dos calvinistas de Genebra, pode servir de predicado. Para Aristóteles, oi.,
essa doutrina foi freqüentemente usada como no primeiro sentido, é a espécie, porquanto,
negação do absolutismo estatal ou como instru- sendo resultado da divisão do gênero, não
mento para limitá-lo (v. CONTRATUALISMO). pode ser dividida (An.post., II, 13, 96b 15; Met.,
3a O liberalismo econômico, próprio dos V, 10, 1018 b 5). À determinação da indivisibili-
fisiocratas e da escola clássica de economia dade os lógicos do séc. V acrescentaram a im-
política, é a luta contra a ingerência do Estado possibilidade de servir de predicado. Boécio
nos assuntos econômicos e a reivindicação da diz: "Chama-se de I. aquilo que não pode ser
iniciativa econômica para o indivíduo. Este é dividido por nada, assim como a unidade ou a
um aspecto característico do liberalismo indivi- mente, ou o que não pode ser dividido devido
dualista (v. ECONOMIA; LIBERALISMO). à sua solidez, como o diamante; ou o que não
4S A luta contra o Estado e a tendência a pode servir de predicado a outras coisas seme-
estabelecer limites à sua ação é o caráter global lhantes, como Sócrates" (Ad Isag., II em P. L,
do individualismo. Neste sentido, um dos mais 64, col. 97). Esse reparo tornou-se fundamental
significativos documentos do liberalismo mo- na lógica medieval, que o utilizou para definir
derno é a obra de SPENCER, O homem contra o o I.: "I. é aquilo de que se diz uma única coisa,
Estado (1884), na qual se combate a ingerência como Sócrates e Platão" (Pedro Hispano, Summ.
do Estado (portanto também do Parlamento) log., 209). S. Tomás fala de um I. vago(vagum),
até no campo da saúde e do ensino público, que corresponde à individualidade da espécie
além do campo econômico.
e de um I. único: "O I. vago, p. ex. o homem,
O postulado subjacente a todos estes dife- significa uma natureza comum com determina-
rentes aspectos do I. é a coincidência entre o do modo de ser que compete às coisas singu-
interesse do indivíduo e o interesse comum ou lares, que subsistem por si e são distintas das
coletivo. JÍ ordem natural que, em Riqueza das demais. Mas o I. único significa algo determina-
nações (1776), Adam Smith considerava carac-
do que distingue; assim, o nome Sócrates signi-
terística dos fatos econômicos, servia como ga-
fica este corpo e este rosto" (S. Th., I, q. 30, a.
rantia dessa coincidência. Nisso também acre-
4). OI. vago obviamente é apenas a unidade só
ditavam Benthan e James Mill. Quando foram
numericamente distinguível de outras unida-
observadas as anomalias da ordem econômica
des. Era assim definido por Duns Scot: "Chama-
e se reconheceu que a simples limitação dos
poderes do Estado não elimina essas anoma- se de I., ou seja, o que é numericamente uno,
lias, nem a desordem ou as desigualdades so- aquilo que não é divisível em muitas coisas e se
ciais, essa crença começou a ficar abalada, a distingue numericamente de qualquer outra"
fase individualista do liberalismo chegou ao (In Met., VII, q. 13, n. 17).
fim e teve início a fase que recorria à ação do Contudo, em Duns Scot mesmo encontram-
Estado e tendia a exaltar seu papel. Esse novo se as premissas de um conceito diferente de
ponto de vista tachou o I. de "atomismo" por- indivíduo: este, em seu modo de ser, em sua
que pretendia que a sociedade nascesse de um singularidade, é caracterizado por uma deter-
conjunto de átomos sociais, os indivíduos; de minação última ou "realidade última" da natu-
"anarquismo" porque pretendia que o indiví- reza que o constitui (v. INDIVIDUAÇÃO), de tal
duo não se submetesse à ação do Estado; de forma que inclui um conjunto ilimitado de de-
"egoísmo" porque desejava que as atividades terminações, em virtude das quais a natureza
econômicas se desenvolvessem segundo as di- comum se restringe até se tornar este determi-
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nado ente. Desse ponto de vista, o I. não é ca- sentes apenas em escorço" {Phãnomen. des
racterizado pela indivisibilidade, mas pela infi- Geistes, Pref., II, § 3; trad. it., p. 24). Do ponto
nidade de suas determinações. Esse conceito de vista do conceito de I. como infinidade de
foi expresso claramente por Leibniz: "Embora determinações, Hegel certamente podia falar
possa parecer paradoxal, é impossível ter co- de I. universal, pois uma infinidade de determi-
nhecimento dos I. e encontrar o meio de deter- nações só pode ser atribuída a um I. absoluto
minar exatamente a individualidade de uma ou infinito. Diante disso, como diz Hegel, o I.
coisa, a menos que não se a considere em si finito caracteriza-se por uma única determina-
mesma. De fato, todas as circunstâncias podem ção, estando as demais presentes apenas aces-
repetir-se; as diferenças mínimas são imper- soriamente. Bergson faz referência ao mesmo
ceptíveis; o lugar e o tempo, em vez de serem conceito de I. quando afirma que "a individua-
determinantes, precisam eles mesmos ser de- lidade comporta uma infinidade de graus e em
terminados pelas coisas que contêm. O que parte alguma, nem mesmo no homem, ela se
existe de mais considerável nisto é que a indi- realiza plenamente" (Évol. créatr., cap. I, ed.
vidualidade envolve o infinito e que só quem é 1911, p. 13). Obviamente, esse conceito de
capaz de compreendê-lo pode ter conhecimen- indivíduo leva ou a hipostasiar a individualida-
to do princípio de individuação desta ou da- de de um I. absoluto, como fez Hegel, ou a
quela coisa; se entendermos isso corretamente, declará-la inatingível, como fez Bergson. Mas
veremos que se deve à influência que todas as exatamente isso demonstra que se trata de um
coisas do universo exercem umas sobre as conceito inútil.
outras. É verdade que não seria assim, se exis- Na filosofia contemporânea, o I. (assim co-
tissem os átomos de Demócrito, mas nesse mo a noção análoga de elemento [v.]) é defi-
caso não existiria sequer diferença entre dois I. nido em relação com as exigências predo-
diferentes de mesmo aspecto e mesmas dimen- minantes nos vários campos de indagação, ou
sões" {Nouv. ess., III, 3, § 6). O pressuposto melhor, em relação com as várias exigências
desta doutrina é que, na natureza, só existem analíticas. No campo moral ou político o I. é a
I., ou seja, coisas singulares: pressuposto que, pessoa. No campo biológico, o I. pode ser,
juntamente com os outros pontos principais, para certos fins, o organismo; para outros, a
foi expresso com toda a clareza por Wolff. Este célula. Mas foi sobretudo no campo das ciên-
começa por afirmar que o I. é "aquilo que per- cias históricas que a filosofia e a metodolo-
cebemos com o sentido interno ou com o sen- gia contemporâneas utilizaram a noção de I.
tido externo ou o que podemos imaginar Windelband (Práludien, II, p. 145) e Rickert
enquanto coisa única" (Log., § 43), e continua ( Grenzen der naturwissenschaftlichen Begriffs-
definindo o I. como "o ente que é determinado bildung, p. 420) evidenciaram o caráter indi-
sob todos os aspectos {ens omnimode deter- vidualizante das ciências do espírito, diante
minatuni), no qual são determinadas todas as do caráter generalizante das ciências natu-
coisas que lhe são inerentes" (Jbid., § 74). Essa rais. O conhecimento histórico visa a repre-
noção do I. como o que é absoluta ou infinita- sentar o I. em seu caráter singular e irrepetível,
mente determinado foi utilizada com freqüên- ou seja, não como o caso particular de uma lei,
cia pela metafísica moderna. Foi essa noção mas como irredutível aos outros I. com os
que permitiu a Hegel (e a muitos que seguiram quais está em conexão causai. O I., neste caso
seu exemplo) falar de "I. universal" sem incidir o evento histórico (fato, pessoa, instituição
numa contradição de termos: "A tarefa de etc), tem duas características: a singularidade e
acompanhar o I. desse seu estado inculto até o a não-repetibilidade (v. HISTÓRIA).
saber devia ser entendida em seu sentido geral
e consistia em considerar o I. universal, o Espí- INDUÇÃO (gr. ÈTiaYCoyn; lat. Inductio-, in.
rito autoconsciente, em seu processo de for- Induction; fr. Induction; ai. Induktion; it. Indu-
mação. No que concerne à relação desses dois zíone). "A I. é o procedimento que leva do par-
modos de individualidade, no I. universal cada ticular ao universal": com esta definição de
momento se mostra no ato em que ganha a Aristóteles {Top., I, 12, 105 a 11) concorda-
forma concreta e seu aspecto próprio. OI. parti- ram todos os filósofos. O próprio Aristóteles vê
cular é o espírito não acabado: uma figura con- na I. um dos dois caminhos pelos quais conse-
creta em tudo, cujo ser determinado domina guimos formar nossas crenças; a outra é a de-
uma só determinação, estando as demais pre- dução {silogismo) {An. pr., II, 23, 68 b 30).
Além disso, atribuiu a Sócrates o mérito de ha-

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