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rígens

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pala ra

PARTICULAR
paIavra

O
A Ç
Trabalhos sobre s-Ugestão
Trabalhºs sugestão hipnótica, Iniciados.
iniciados no:.
no

PARTICULAR
E
século XVIII, prenunciam
prenúncíam a psicanálise ao mostrar

O L
que sintomas mentais e sonhos são feitos de
qíue de,

C
reminiscências e passíveis de ser simbolizados

POR BERNARD THIS

'eria
cria a psicanálise
psicanálise nascido pºr milagre,— irrompendo do cérebro de
por milagre,
' gênio
gênio da humanidade, como se nada nem ninguém
ninguém o precedeSSe?
precedesse?
al[ maneira de idealizar Freud, figura
figura central da
da ciência do século
século
XX, sem inscrevê—lo em umauma continuidade e em uma comunidade
comunidade
científica,
científica, não
não permite
permite compreender
compreender como
como e por que
que ele é único.
único.
A diffiensão
dimensão humana da histeria e.
e da louema,
loucura, consideradas doenças,
doenças
incuráveis
incuráveis na Idade Média, porque
porque desejadas
desejadas por Deus,'veio
Deus, veio com a ciên—
cia do século
século, XVIH.
XVIII. A destituição do divino, porém, começara
Começam no século—
século
(1571—1630) e Isaac Newton
anterior, quando os físicos Johannes Kepler (1571—1650)
(1642—1727) enunciamm
(1642-1727) anunciaram as leis da gravitação universal, pelas quais o
mundo e o
o homem deixam
deixam de Ser
ser reflexos de Deus.
Deus.
Será preciso tempo para que o homem Ocidental
ocidental apreenda todas
todas
as consequêndàs
conseqíiências dessa nova liberdade e se apropriej
aproprie das causalidades—
causalidade-s
Li....
de si e do mundo. Com Freud,
Freud, por intermédio de A «interpretação
intevpretação dos
das
(1900), oo que
sonhos (1900),
sonhos que era um problema de
era um um Deus
em um
de crença em
de fé, de
revelador da verdade
verdade por meio dos sonhos, tomou-se
tornou-se análise rigorosa
das palavras
das palavras pronunciadas
pronunciadas pelo
pelo sujeito,
sujeito, de snas
suas associações de idéias,,
idéias,
de seus pensamentos ouou sentimentos.
sentimentos. Os obstáculos,,
obstáculos, porém,,
porém, foram
numerosos. Diante do tribunal da ciência, Sigmund
Sigmund Freud foi acusado
de “herético” pelos seus mestres, por ter ousado interrogar um saber
além das leis da Natureza.
Natureza.

"If“é
136
lpnos pºr

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mm
“1893 . .

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d
. A EXTRAÇÃO da pedra da Antes dele, as psicoterapias faziam uso ....sua “cuba terapêutica”l Os doentes são unidos
ªlou'c'ura, como representada da sugestão, em geral verbal: uma pessoa por uma Gerda e liga os. a ela por meio de
nesta tela de Pieter Brueghel “sugestionável” sofre passivamente a influên— uma barra deªmet'al em contato cºm o órgão
(c. 1515-1569), não passa de cia das idéias do psicoterapeuta, aceitando-as ou a parte doente do corpo; 'a outra extremi-
uma parábola: a partir do sem discernimento. Paracelso (1493-1541), dade da hana mergulha no líquido da cuba
séculoXVllI, 'a cura passou a célebre médico alquimista do Renascimento, onde se mesclam pedaços de vidro, areia,
ser obra de Sugestão já escrevera em sua obra Liber Pammirum: limalha de ferro e bastões de enxofre moí-
“A sugestão confere ao homem um poder dos.l Grandes espelhos revestem o cômodo e
I sobre seu semelhante comparável àquele de refle:em a imagem do grupo, enquanto uma
& um ímã sobre o ferro”. música hannônica envolve os pacientes.
De acordo com o médico vienense Franz Mesmer, munido de uma vara de ferro
Anton Mesmer (1734-1815), a atração univer— magnetizado, circula entre os doentes, esti-
sal, pela qual Kepler e Newtºn demonstraram mula com “passes” as tão esperadas crises
o efeito sobre os corpos celestes, pode“ exer- O dispositivo materializa o fluido e seu per-
cer influência semelhante sobre o corpo e a curso, evidenciando a força que age sobre o
alma humanos. Kepler descreveu a gravitação órgão enfermo. Quando a crise advém, os
em termos de imantação; Mesmer chamou pacientes são transportados a alcovas acol—
essa influência de “magnetismo animal”. choadas para mais segurança“, os chamados
“quartos de crises”, onde são isolados junto
EM PARIS, A CUBA DE MESMER com o terapeuta.
'A teoria da “atração universal animal", acres- Em relatório secreto ao rei da“. França,- de
cida de um dispositivo concreto que permite 1784, o astrônomo jean-Sylvain Bailly deplora
a observação dos fatos, é o ponto de partida tal. pronuscuid'ade. entre doente e terapeuta.
da aventura de Mesmer. Para ele, os seres Mesmª, porém, deseja a aprovação deseus
vivos veiCulam um “fluido universal”, susce- pares e a criação de uma comissão científica
tível de ser transmitido de um corpo humano real para fmanciar o desenvolvimento de sua
a-outro por meio de um ímã; essa transmis- prática. Mas os cientistas reunidos para anali—
são, que produz um afluxo de energia, é sar o projeto — entre eles Bailly — vêem nessa
terapêutica e restabelece a “livre circulação” “terapêutica" um atentado aos bons costumes,
do fluido bloqueado no órgão doente — ado- desconfiados de um laço de tipo sexual entre
ecido por essa “fixação" do fluido. os doentes e Mesmer ou o magnetizador.
Em 1778, a censura social, as rivalidades Persuadidos da eficácia terapêutica do
médimseasrabalasforçamMesmeraM método, os magretizaderes modificam o qua—
a obscurantista Viena por Paris, onde instala dro, do apareermento ,da crise, mascarando

Memória da psicanálise www.mentecerebro.com.br


assirnsuasconotaçõessexuais Acuba, porém, 'iluid'o magnético, "institui sessoes'
' '” periódicas.
,representa o lugar materia] onde a histérica , uma hora no início, depois três quartos de
“< remohiliza sua força selvagem e a exterior-iza: _/' hora, até se aproximar do ritmo biológico
se a cuba desaparece, como pode a histérica natural. Essa ritualização do quadro, por
encontrar o caminho dessa exteriorização? economia psíquica ou para conforto do
f “
Os discípulos de Mesmer observam que clínico, deve reforçar a inibição motora e
,: certos pacientes, “em contato com a cuba, sensorial que acompanha o estado sonam—
'
em estado de sono aparente, que, búlico. E convém, antes de mais nada, evitar ,
[,conmdofliíes permitia expressar—se coerente- aos dois protagonistas tudo que distraia a
l ; mente O tabu do toque obriga os mesmeria— atenção, aumentando assim o sentimento de
, nos a desenvolver uma “sensibilidade pecu- segurança — de Habilidade — da situação. ,
i
' liar" à distância, que os mantenha em contato O sonâmbulo senta diante do magnetiza-
i
j com os doentes, os quais se comunicam com dor, ligeiramente abaixo dele, com os joelhos
,. o grupo abrindo seu “balaio de fantasias”, entre os do terapeuta. Os polegares de cada
narrando suas “visões sonhadas”. um são colocados um contra o outro durante
alguns minutos; o magnetizador mantêm os
UM NOVO SENTIDO AS CRISES olhos lixos no sonârnbulo, até que o calor de O MÉDICO Franz (ou Friedrich)
Para Armand—Marie—Jacques de Chastenet seus dedos se iguale. Depois, afasta as mãos, Anton Mesmer (1734-1815), um
(1751-1825), o marques de Puysegur, antigo coloca-as sobre os ombros do paciente, desce dos pioneiros do hípnotismo e
general de artilharia dos exércitos de Luís ao longo de seus braços e de seu corpo, até , criador da teoria do magnetismo
XVI e discípulo de Mesmer; “a“ crise convulsi- os pés. Quando desejaurn efeito calmante, os animal (mesmerismo)
va não é um ponto de chegada do tratamen- “passes magnéticos” são efetuados a pouca
to, e sim uma resistência à cura,;resultado distancia do__corpo,_mgs'segrtgoâ-lo Ó mag-
”' das condições práticas que erWolvem os netizador procura em seguida a sede do mal,
tratamentos parisienses, que não permitem “partindo do centro para a periferia, explica
mais ao magnetizador consagrar tempo e Deleuze. “Acumule e concentre o magnetis-
atenção suficientes aos doentes. Ele, então, mo sobre a parte dolorida, depois estenda-o
os imerge em um estado de sonambulismo às extremidades”, prossegue. O fluido drena
egª—deixagurarassessoes Ãcrise,agóra com ele os “humores" e outras causas do mal
tornada sonambúlica,_mostra que o paciente em direção às extremidades do corpo,, por ASNO CURA MULHER com
ainda não resolveu seus problemas e deve onde poderão escapar. Deleuze afirma «que seu "dedo mágico" por meio
sér acompanhado por uma presença ainda “as doenças crônicas (...) têm frequentemente do magnetismo animal, em alusão
mais intensa do magnetizador. O caso de como causa pesares secretos, dores morais, caricatural à técnica de Mesmer
Joly, jovem burguês de 19 anos que sofria sentimentos oprimidos”.
de surdez parcial em consequência de uma O magnetizador multiplica as pre—
"doença aguda" contraída aos 9 anos, ilustra cauções morais, combatendo assim
o tratamento propugnado pelo marquês de os fantasmas amorosos que poderiam
Puysêgur (ver quadro nas 5 20921). atingir os dois protagonistas. (A pre-
Apesar de bem—sucedidgãuységurp como sença de terceiros, testemunhos sociais
os' terapeutas do início do s'eculo XIX, não escolhidos para que não sejam fonte de
compreende a dimensão psíquica da cura de excitação, faz parte do quadro mudo
Joly, mesmo quando o jovem espontanea- do tratamento.-Um contrato tácito ins-
mente evoca a severa educação que recebeu taura-se en adente e magnetizador,
em família ou relata um sonho repetitivo el“
qualquer transgressão é assinalada
em que lhe cortam a cabeça; Ainda é difícil, pelo aparecimento de crises convulsi-
para o saber médico, isolar a'“dirnensão psi- vas ou pela incoerência do discurso.)
quita dos casos clínicos tratados; Só a lenta Essas reações terapêuticas negativas
progressão da anatomia patológica permitirál mdimm que o paciente se mantém
localizar o caráter não somático (mas objeti—i': _vigilante: ele supervisiona o tratamen—
vo) dos distúrbios. Puységur, contudo, está to, impondo, se necessário, seu veto.
no caminho certo. Ao interrogar um menino Atingida a cura, a relação deve ser
a respeito da musa de suas crises de raiva interrompida; qualquer prolongamento
convulsiva, ele anota: “Parece que esta crian- pode ser nocivo ao sonârnbulo.
ça vive,. moralmente de reminiscências”. l Apto à identificação com o outro,
' lºseph Deleuze (1755—1855) fará adapta- rocmagnetizador percebe as zonas
ções no método do magnetismo de Puységur, sofredoras do corpo do paciente- por
dequemforaluno Alimdemoderara intermédio dos indrCros visuais ou
explosão das crises e favorecer a ação do tãteis vindos dele, que indicam “o
:OÍ'ABADE' FARIA (1756-1819) PSICOTERAPIA VERBAL
atribiJÍao sonambulismo induzido Fazendo do sono o cerne de sua terapeunca
a fatores psíquicos. Pedia ao o abade Faria (1756-1819) pouco a pouco
paciente que fechasse os olhos, distingue o psiquismo do invólucro cºrporal,
pensasse no sono, e-depois até então visto como a fonte de todo o mal.
ordenava: ”Durma!”. Emseguída, Abrindo caminho para uma reflexão sobre
o paciente obedecia às suas a influência sugestiva da linguagem, da
ordens. O despertar também palavra do terapeuta, ele é o precursor da,
era comandadopela voz psicoterapia verbal, a'Tn'da que seu método,
-inclua*m“a's"sãgéns terapêuticas e relaxamento.
Além disso, evidencia as. propriedades da
anestesia sob sono induzido, muito antes de
Étienne—Eugene Azarn (1822—1899), professor
da Faculdade de Medicina de Bordeaux, que
retomará a prática em 1856;
5” Seu quadro de referência é o sono que
qualifica de “lúcido”, () que torna inútil o *.
estado das descargas fluídicas” emanadas fluido magnético: ] “Não posso conceber
dessas zonas. Em geral, no magnetizador não como a espéciê'lílmana foi tão bizarra a
é afetado por esses humores, mas, observa ponto de ir buscar as causas desse fenô-
A ÁRVORE DE PUYSÉGUR (1890), Deleuzeªãt'igos sonâmbulos transforma- meno em uma cuba, em uma vontade
por Laurent Gsell. O marquês de dos em gnetizadores podem ainda, p r exterior, em um fluido magnético, em um
Puységur, discípulo de Mesmer, [ simpatia, “experimentar as dores do doentte, i calor animal e em mil outras extravagân-
trocou a cuba do mestre por uma às vezes de modo tão vivo que as sentem cias desse gênero,,se esta espécie de sono
árvore, o olmo de Byzancy. "Não há mesmo depois das sessões". Se o magnetiza— é comum a toda natureza humana pelos
uma só folha que não comunique dor serve de espelho ao paciente, seu corpo sionhos”. Assim, os procedimentos relati-
saúde”, escreve. Ao tomar as crises é, reciprocamente, uma espécie de duplo do ! vos ao adormecirríento não são mais meios
convulsivas dos pacientes induzidos corpo magnetizado, o que pode trazer pro— de transferir um fluido, mas um modo de
A
ao sonambulismo como forma blema caso esqueça esse seu papel. liberar a capacidade autoterapêutica do
de resistência à cura (e não o seu Mas Deleuze não consegue compre— “sono lúcido”: Mas ele não desmaterializa
ponto de chegada) e preservar ender a contratransferência que prºvoca por completo o quadro da ação: segundo
a relação de confiança entre ao fazer—se de espelho do outro: a mag— sua teoria os pontos de massificação,
magnetizador e magnetizaclo, netizador não pode ser um espelho ideal, fixação e enquistamento são indicados ato;»
Puységur deu um grande passo em puramente refletor, a menos que conheça terapeuta pela espessura ou debilidade do;
direção àrpsicanálise moderna a si mesmo perfeitamente.) sangue que circula no corpo.

O PODER DE PUYSÉGUR
Cura de jovem mostra o poder da transferência
: No dia 12 de agosto de 1784, Joly apresentou-se ao mar
de Puységur e desafiou-o a adormecê-lo. Embora o terape, .
*Itenlia obtido sucesso, ao despertar, o jovem continuava mcredulo, l
dormira, de fato,? A, fim de comprovar o pºder magnéticetde ,,
' Ruységur, Joly deixou-'se amarrar em uma cadeira. 0 marquês *
aderrn'eceu-o e intimou—o a desprender-se. Liberto das artíarras
atestou o fato por escrito.
Uma tarde, sob estado sonambúlico, Joly declarou qtt ,
"na cabeça um abscesso de humor branco” e seria precrso'
"sofrer para expulsá—-”.lo Se descesse pela garganta morreria,

se deixar amarrar à cadeira, assegurou que o abscesso sairia


nariz; O marquês mais uma vez triunfou, e, na mesma noi
anunciou a data de sua cura. ' ' il

WWMmentecerebrecomb
MESMER aplica seu célebre
tratamento das doenças .
nervosas em sua moradia
parisiense, entre 1778 e 1784.
Reúne vários pacientes em torno
de uma cuba e "magnetiza—os."
em conjunto: da cuba coberta
saem várias barras de ferro que
conduzem o fluido magnético de
Mesmer aos—doentes. Em 1784,
ele delira Paris, a fim de escapar
às críticas de seus detratores

Confortavelmente instalado em um religiosas da época sobre o poder do pen-


cômodo calmo, o concentrador diz: samento'ÇâÉhnÉ não estando submetida às
“Durma!”. ou mostra, a certa distância, sua características de nosso invólucro corpºral,
mão aberta, recomendando ao paciente possui a faculdade de percepção imedia—
que olhe fixamente para ela, sem desviar ta- das realidades presentes e passadas, A
os olhos, sem reter o piscar das pálpebras. nomeadas “intuição pura”. Esta, porém, não
Selos olhos não piscam, convém ajustar a pode ser apreendida senão com a ainda da (_
distância da mão para mudar a curvatura "mmição mista", que busca. a matéria 'de sua “'
do cristalino e, se essas aproximações figuração na memória e n a sensorialidade. J
especulares ainda não bastam, o "toque” A intuição mista exprime-se principal-
da mão torna-se necessárioJ'Q sono esta— [ mente na arquitetura dos sonhos e dos
belece—se. E tudo converge para a criação ª devaneios. Em trºca, se apenas a intuição
de um “buquê de sonhos”, em substituição , pura é capaz de apreender o futuro ou o
%. “cuba de Mesmer". &, passado, capaz de apoderar—se, além do
Por que os sonhos têm tanta importân- visível e do sensível, dos indícios do mal
cia, e de qual emanação profunda são eles e das causas do sofrimento, ela só pode
o signo manifesto? Segundo certas teorias dar a conhecer sua verdade tomando de

' sonambúlico e () induziu a beber água. Liberado, assim, de seu doenças das quais possuímos o germe, e por esse caminh
"humor branco",Joly recuperou a acuidade acústica. as em seu próprio princípio'. —
Esse tratamento, que evoca as curas xamânicas, assemelha—se a Joly sofreu então uma regressão importante: cata
um psicodrama no qual'e tramado um jogo de submissão-resistência (_letar9ia), crises a cada três horas, vocabulário reduzido 3
_do paciente em relação ao terapeuta e no qual a crise convulsiva, palavras, como "beber", "comer”, "quente”, "frio". Aexplit: ªi
' terpretada como alteração patológica (consequência de um erro para tal estado veio do próprio jovem: na infância quase
, o terapeuta), deve ser evitada. É o paciente quem determina o a língua cortada, e que o deixou mudo durante algorn te
qUe se passa durante as sessões. Esse controle do desenrolar do Repetia então, os traumatismbs vividos nos primeirºs ano
tratamento, no qual o magnetizador não faz mais que devolver—lhe vida. O fim de seu tratamento foi marcado pela "liquidaçao
o proprio saber, anuncia a psicanálise, tal como se apresentará a relação estabelecida com o terapeuta. Era cada vez mai
, Joseph Breuer e a Sigmund Freud por volta de 1880. magnetizá-lo, e, cessando suas crises convulsivas, Joly tem
" Quando Joly avisou que corria risco de morrer, acrescentou por desafiar Puységur para uma corrida. Vencendo—o, o ],QV
que a possível morte' e'vitava-lhe morte certa——que viria a ocºrrer, selou sua cura. ,
* seis-meses mais t a r d e:: ,, contudo, quando seu caso se agravou, "Depois dessa espécie de morte simbólica do ai
”A doença'e agora maior do que quando :: ega,
.

Fraude desPértjardºªinmscienté 2-1;


"o VELHO 'LIÉBEAULT"
Depois de uma passagem pelo gemª
rio, Ambroise Liêbe'ault (1823-1909 55806,
estudos de medicina em Estrasburgo, onde .
se interessa pelo magnetismo. Apesar de
seu livro sobre sono e estados análogos
(1866) ter sido qualificado de arcaico
pelos meios médicos, foi seu autor quem
liberou akhipnose >de todos os artifíciºs,
formais ouxteéricos inúteis e introdúziu os!
conceitºs de vigilância e de relações inter
e intra—subjetivas. Com isso, desconstruiu
radicalmente o quadro do sonambulismo,
comentando—se emj sugerir aos“, «doentes o
desaparecimento de' seus sintomas.,
No livro, Liébeault reúne as primeiras
pesquisas do médico escocês James Braid
(1795—1860) sobre hipnose, termo que
introduz para descrever os fenômenos
magnéticos observados no magnetizado.
Segundo ele, tais fenômenos, inegáveis,
dependem de um estado fisiológico parti—
cular do cérebro e da medula espinhal. A
hipnose torna-se ummªmédico oficial,
é a noção de ”idéias dominantes“, que
governam o espirito-econtrolam o corpo,
entra em cena. “Fixemos de modo decidi—
% idéias no espírito do paciente
que não participa voluntariamente, e elas
agirão.como estimulantes ou sedativos”,
“(Alfªíqwf “ escreve Braid.
Liébeault se inspira também no “modelo
originário da hipnose” proposto pelo gene—
A HIPNOSE, ilustração de empréstimo uma forma figurativa, utilizan- ral Noizet em seu Memória sobre o somam-
Charles Jacques, 1843 bulismo e o magnetismo animal (1854).
do a sensorialidade, isto é, a intuição mista.
As impressões sensoriais são memorizadas ( Recomenda que se ponha o paciente “
sob forma de imagens internas e conser- “ãmdições que favoreçam o sono comum”:
vadas no fluido sanguíneo mesclado ao cômodo escuro 'e temperatura amena, que—
fluído nervoso, e que explicaria o papel permita isolamento parcial dos sentidos.
que desempenha nas doenças. A fluidiii— Assim, o paciente concentra sua atenção.,em
caç'ão do sangue durante __o. sono lúcido um pensamento e “não há necessidade'de
liberada esses vestígios, que a intuição anunciar o sono, qualquer que seja a idéia
pura tranSnútiria à mista. O magnetizador que se apresente ao sujeito: contanto que
não conhece a verdade da intuição pura, sua atenção aí se concentre fixamente, o
mas discerne, por meio das ilusões oníri— estado de sonambulzsmo sempre ocorrerãº)
cas, a verdãeíiita a despeito da própria Adormecido, o sujeito não esquece aquele
' vontade % Ele não é mais o operador do que o adormeceu, a nãoser aparentemen-
bulismo nao posWais poder te: “Quando os sonâmbulos dizem que
isaiagnético,/
masaulía o sonârnbu—lo, com não pensam em nada, de fato eles pensam
Sua presença e suas pala—was, a desenvol— naquele que o adormeceu”, notará Freud,
W º e : ignºrªdªs já em 1895, a propósito do silêncio, dos
A teoria metafísica que sustenta essa padentes durante as sessões deanálise.
prática ancora-se na magia do verbo, na “É, quando o isblamento está em seu
força poderosa da palavra e em uma con— auge que "2 Sugestão apresenta mais possi—
fusa construção em camadas do aparelho. bilidades' de sucesso”, prosSegue Liébeault
da alma. Será preciso esperar o doutor As SUgCStõES visam modificar :o fluxo da'
Líêbeault para ver— surgir um verdadeiro atenção, desViar o sujeito de certas idéiasl
estudo psicológico da hipnose. ' e concentra—lo em outras: l

22 Mmólía'ªâa psicanálise www.mentecarebro.oom.br


histórica que” mostra mulher
induzida ao transe por meio
da movimentação das mãos
do hipnotizador diante do
rosto dela. Trabalho de data.
desconhecida“, de autoría'de'
Honoré Daumierr (séc. XIX)

a vigilância flutuante, “acumulando-se a& temente ocupado pela multiplicidade de"


maneira de um fluido, pode exagerar alter- tarefas que deve cumprir, pode continuar
nadamente a ação prºpria arcadahrgão”. ' = seu trabalho de maneira muito eficaz no
(“"M"/do fluidõ magnético, sanguíneo, ner- sono e no sonho". ,
Ki
voso, à vigilância fluida, ainda perdura o O estudo dos sonhos—visao, ºriundos da
modelo líquido! situação terapêutica da hipnose sonambú-
X/ Na relaçào hipnótica, o doente “guarda lica, permite aproximar—se da natureza do
na mente a lembrança daquele que o ador- sonho. Nada pode ser representado nele
mece e volta sua atenção e seus sentidos que já não tenha constituído, anteriormen-
a serviço dessa idéia, sem transição do te, uma percepção: “O que não está nos _
sono à vigília, da mesma forma que o sono sentidos não pode existir na inteligência”,
usual prossegue o trabalho intelectual ini— explica Liébeault. “As lembranças reme-
ciado antes de dormir". O responsável pelo moradas durante o sono lúcido existem
adormecimento age indiretamente sobre o também no estado de vigília, mas sem
sonâmbulo, continuando em contato com que haja atenção acumulada que lhes dê
ele por meio do toque. Liébeault mostra, vivacidade”. Os artistas conservam essa
com efeito, que o toque ocupa um lugar“ capacidade no estado de vigília sob a
especial na sensorialidade. Ele é investido "forma de semi-alucinação não patológica.
de vigilância residual e permite àquele que “Loucura, criação artística e sonho perten-
produz o adormecimento continuar em cem à mesma família psíquica, todos os
contato com o paciente, mesmo se este três sendo conectados às experiências do
ver mergulhado em sono profundo. passado”, conclui Liébeault.
? Freud deve muito àquele que chama Charlajío para alguns, “pateta” para
elho Liébeault”: para este, a atenção outros, o ª v e l h o Liébeaul ” nunca causa
retira-se da consciência para “investir os indifererga. As opiniões em tomondo médi-
pensamentos latentesíâp sono “abriga uma co atraem a atenção de Hippolyte Bemheim
inteligência, um pensÉa—mmâdê (1840-1919), professor na Faculdade de MESTRES. No alto, Ambroise
ultrapasSar õ pensamento da vigília”o Medicina de Nancy) Em 1882, depois de Liébeault (1823—1904), cujos
que permite entender racionalmente os ouvi-lo e tê—lo visto trabalhar, declara-se sucessos terapêuticos atraíram
sonhos adivinhatórios ou preditivos. Sono publicamente seu admirador, discípulo e Hippolyte Bernheim (1837-
e sonho não são, para Liébeault, “baixas amigo dedicado. Convertido à hipnose, 1917), retratado acima, um dos
deguarda do pensamento. Ao contrário, o introduz os métodos de Liébeault no hospi— mestres de Freud que estudou
pensamento, liberado da tarefa de se man- tal universitário em que trabalha e Cóns'agra os estados de consciência por
ter também na sensºrialídade, e frequen- sua vida ao estudo dos estados. de cons- meio de técnicas hipnótícas

Fraud. o despémrdo intensªme- 23


AHISTERIA PARISIENSE
):equipe de Charcot brinda filósofos com demonstrações de sugestão
, 1885, Jean-Martin Charcot reserva aos filósofos Joseph da ação do sonho, a doente não lembra o que aconteceu. Delbó'
boeuf' e Hippolyte Taine (1828-1893) uma sessão demons— propõeentão um novocenário e, dessa vez, acorda-a em plena'a
ativa, durante a qual apresenta duas histéricas da Salpêtriêre. ela tem o sentimento de sair de um sonho e recorda seu desenroi
rimeira, uma florista de 20 anos, é colocada emestado de Resta uma última experiência com a florista, que é ie "
[girar, depois de rigidez cataléptica, e por fim de sonambulismo, a' desempenhar seu papel no script de um casamento a tre
'uando algumas sugestões de queimadura lhe são feitas; durante Depois de adormecê—Ia, Féré convence-a de que ela tem 6
Iguns dias, a moça portará nos braços as marcas da queimadura maridos: um, ele ipróprio,'do lado esquerdo; o outro, Delboé
maginária sugerida pelo mestre. Charcot induz a segunda? his- do-Iado direito. A moça deve a cada um fidelidade escrupulosá
ma, de uns 30 anos, a produzir alucinações de um belo jardim, cada qual está autorizado a acariciar sua metade, eela manifesta
paralisia de uma perna e de dor nas costas. um vivo prazer, mas ai daquele que tentar usurpar a- metade.?
No dia seguinte, Delboeuf assiste a uma sessão orquestrada outro; será dissuadido com um vigoroso tapa! Perto da lin
por alunos de Charcot, Féré e Binet, dedicadaa' transferência mediana, a jovem está alerta, e sua mão "pronta a traz
magnética, mas as ten- atrevido à “razão".
tativas de transferir a Ao voltar de Salpêtriêre, Deiboeuf entrega-se a inúme
paralisia de uma perna experimentações hipnótícas. A estada parisiense teria dissipa
a outra não produzem suas apreensões?
o efeito esperado. No Um ano mais tarde, Delboeuf apresenta a Seus colegas u
terceiro dia, a “sessão jovem atraente, inteligente e original, que lhe pediu ajuda p
é dedicada à amnésia acalmar seu nervosismo e sua irritabilidade. Dela, obtém a maioríi
pós-hipnótica dos fenômenos que observou na Saipêtriêre, demonstrando qu ,
Num primeiro mo— não é necessário ser uma histérica para conhecer,. sob a influi” "
"do“ hipnotizador, os tr'ês'e'Stados de letargia-catálepsiaesonà

ciência hipnóticos. Ele publica, em Qelboeuf (1851-1896), filósofo, matemático,


1884, um artigo no qual “a grande professor de psicologia eXperimental em
histeria” e o “grande hipnotismo” de Gand e estudioso das ilusões de óptica,
jean—Martin Charcot são apresenta— apaixona—se pela hipnose. Seu interesse
dos como “fenômenos de cultura pela técnica deve-se a umªacaso: em 1850,
suscitados pela sugestão médica”. entrando na universidade, depara com um
Porta-voz da reconhecida Escola compêndio epistolar de um magnetizador
AUGUSTINE EM ÉXTASE, de Nancy, Bernheim torna—se apóstolo condenado por ter curado um epilético sem
uma das imagens do álbum inconteste da” sugestão pelo sono induzido, ser médico. Delboeuf 'lêr'dois livros sobre o
cenografia de Saipêtriêre, por que ele chama de “psicoterapia”. Nesse assunto: uma obra de 1826 sobre o hipno—
Désiré-Magloire Boumeville e início cio-século XX, 6: o grande terapeuta. 'tismo, do politécnico e médico Alexandre
Paul Regnard, 18% Segundo 0 “Tratamento psíquico”, artigo Benrand, e História- acadêmica do magnetis-
,! publicado por,Freud em 1890 depois de mo am'mal (1841), 'de Dubois, que comple-
,“ sua viagem a Lorena, 0 “perspicaz" clínico menta sua conversao. ,
, . f de Nancy é quem teria dado a ele a idéia Em 1869, Delbo'euf publica artigo em que
" , desse tratamento da alma, bem como um denuncia a credulidade religiosa e explica
' ' vivo interesse pela magia das palavras. “pela auto-sugestão» os estigmas de uma =
Desempenhou, portanto, um importante jovem, Louise Lateau, que vive cenas de cru-
l papel nos projetos de Freud desse período; ciiicação. Em 1885, ruma para Paris. Charles :
' Sem dúvida, Hébeault antecipou numeros Eéré (1852-1907) e Alfred Binet (18551911)
desenvolvimentos teóricos de Freud em alunos de Charcot, acabavam de publicar une
& que o infantil e o passado reminisce'nte são "trabalho sobre transferência por ímã: aplim— ,
'. vistos como causas da doença. , do as histéricas, deslocada a paralisia de uma '
perna a outra, ou tranSmdtan'a autor em ódio
SONHOS REMEMORADOS . alegria em tristeza. eilíoeuf conhece Alfred
Paralelamente à Escola de Nancy (em 'Binet, por meiosdg qual chega ao mestre
geral, oposta à de Salpêtriêre, ªque maltiva o Charcot abre-lhe as portas da 'Salpêtriêre.
“adestramento” hipnótico), o belga Joseph Apesar da pouca experiência com :

24 “mamas; da psicanálise mwmentecerebroomã


AS AULA-SDE CHARC'OT
eram espetáculos de cuidadosa
encenação. Este quadrº“ de
André Brouillet (1887) — do qual
Freud conservava uma cópia em-
seu gabinete — apresenta uma
das célebres demonstrações
do neurologista a respeito da
histeria. A paciente que cai
nos braços de um assistente
3

(o neurologista BabinskD
é provavelmente Blanche
3

Wittmann, a mais célebre de


,

suas histéricas
.
. .
.

hipnose, Delboeuf expusera uma teoria da que não conhecia, pesquisou a palavra
ul” memória, no mesmo ano, no livrorO sono e e verificou que designava, em botânica,,
'.._.v-ul

r os sonhos, em que explicava que los sonhos uma adorável folhagem “qUe cresce nas
' provenientes dos elementos da vigília, paredes ou rochedos das regiões francesas..“
ainda ativos durante o sono, podem ser Dezesseis anos depois, o; mistério esclareázf “
lembrados ao despertar se encontrarem um ceu—se: Delboeuf encontrou na casa de um
' ponto de ancoragem na realidade. Ora, o amigo um livro-herbário que ofertara dois,
esquecimento d0s sonhos hipnóticos é um anos antes do sonho, depois “de anotar ao
dos dogmas da Salpêtriere! Além das expe- lado de cada planta seu nome latino, sua
riências de sugestão hipnótica, Delboeuf família e classe/ Um nome erudito fora
quer verificar esse tópico fazendo um aprendido e retido sem que passasse aos
sujeito rememorar os sonhos tidos duran- vocabulário da vida desperta, que a memõ- ';
te o sono hipnótico. Sua estada em Paris ria conservam. Só reapareceu no sonho.
cºntinuará sua teoria, o que lhe permitirá Ficou claro para ele 'que nada se perde em ..
distanciar-se do espetáculo das histéricas nossas experiências e nºssos aprendiza— '
parisienses orquestrado por Charcot (ver dos) Esquecer, portanto, não prova que se
quadro na pág. ao lado). apagaram os traços das experiências
O livro de Dellboeuf será lido, anotado esquecimentos eram apenas fenômenos de
e Citado por Freud, que chega a comentar, superfície que podiam ser contornados por
no início de A interpretação dos sonhos, informações oriundas de nossos sonhos.
e “sonho dos lagartos”, em que Delboeuf Em suma, nossa memória seria mais vasta PARA CONHECER MAIS
Vê—se aquecendo em suas mãos dois belos que o campo de nossas reminiscências,
lagartos entorpecidos; ele lhes oferecia e, apesar das aparências, nºssº. passado . Du baquet de Mesmer au
fragmentos de um asplenium mta muralis, jamais é perdido. "baquet" de S. Freud.
espécie de avenca que crescia em uma & Roussillon. PUF, 1992.
O O abade Faria na história
muralha, e constatava que eles se delicia—
do hipnoh'smo. E Moniz. A ª
vam e pareciam reanimadOS. Ao despertar, º AUTºR, BERNARºTHlSªéfBÉiQHÍ'ªlÉâ Í" Lisboa, 19770. ' '
surpreendeu-se com esse nome latino Tradução deAna Montoia.

Freud,.o despertar-'do inçorsçiente 25

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