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A Era do Positivismo:

Realismo, Impressionismo
e os Pré-Rafaelitas N

(1848 a 1885)

POS 1848, O ROMANTISMO DEU PROGRESSIVAMENTE LUGAR AO REALISMO,

mais interes-
enquanto estilo eatitude intelectual.
Cada vez as pessoas se

A
tamento
savam pelo universo físico, pela fisiologia, pelo empirismo pela
como forma de compreensão da natureza, da sociedade e do compor-

humano. O conhecimento passou a ser


e

organizado a partir de sólidos blocos


ciência

conceito que Otto von Bismarck (1815-1898), o primeiro chan-


de sentimentos. Esta novamentalidade,
de factos concretos, não
década de 1840 celer do Império Germânico, plasmou com grande destreza,
feita de materialismoe pragmatismo, emerge na servindo-se dele para criar uma Alemanha unida por volta de
e ficou conhecida como Positivismo, termo cunhado pelo filósofo
1870 (ver mapa 25.1). Na religião, o Positivismo trouxe consigo
em 1830, começou a
francês Augusto Comte (1798-1857), que, a renovação do cepticismo setecentista. A ascensão da fotografia,
escrever a Filosofia Positiva, u m a
obra e m vários volumes. Na
do progresso social
na década de 1840, tornou-se na imagem de marca do Positi-
Sua obra, Comte clamava por u m a apreciação
outrasS vismo. Muitos encararam-na como forma de arte e também
ideias verificáveis por
-

baseada em factos observáveis e


como instrumento adequado ao registo da natureza e da docu-
cientifica
n o v a abordagem
palavras, baseada na ciência. A esta mentaão da realidade num mundo em rápida mudança.
do estudo da sociedade chamou-se sociologia.
Nas artes, o Positivismo resultou no movimento conhecido
A sociologia de Comte encontrou paralelo n u m conjunto
um
1830 por Realismo, cujos pintores e escritores se esforçaram por
nas décadas de
de pantletos muito populares, publicados evitar idealizar ou ficcionar a vida, preferindo apresentá-la sem
ede 1840, e amplamente divulgados, chamados physiologies. embelezamentos nem idealizações - definindo-a como uma
de
e n o r m e riqueza
ram ensaios breves que analisavam, com breve passagem pela terra. Já em 1846, o poeta e crítico Charles
não só
nichos da sociedade francesa,
POTmenores, os diferentes a Freira e a
Baudelaire pedia uma arte baseada na vida moderna, escrevendo
c o m o o Advogado,
dvididapor profissõces e tipos,
também por categorias especificas,
que 'o aparatoso cortejo da vida elegante e os milhares de efé-
Mulher de Sociedade, mas meras vidas - criminosos e concubinas- a deriva no submundo
como o Jardineiro Suburbano e a Mulher
de Trinta Anos. Num
industria-
de cada grande cidade.. provam-nos que basta abrir os olhos
causado pela rapidez da
.undo em fluxo c o n s t a n t e foram um m e i o para reconhecer
o nosso heroísmo...". Por volta da década de

12agão e da urbanização, as fisiologias 1850, o réalisme foi uma chamada às armas da nova arte c da
muta-
interpretar e compreender profundas
as
Ontrado para literatura. O evangelista do realismo era o crítico Jules-Antoine
Oes sociais que ocorriam. Castagnary (1831-1888), que, na sua crítica do Salon de 1857,
n o m e de
recebeu o
política, este n o v o pragmatismo
Na
realidade",
escreveu: "não é necessário regressar à história, procurar refúgio
da
calpolitik. palavra alemã que significa "política em lendas nem invocar os poderes da imaginação. A beleza está
perante os nossos olhos, não nos nossos cérebros; está no presente,

Camille Pissarro, Caminho


do Eremitério, não no passado; na verdade, não em sonhos".
Ormenor da fig. 25.17,
Pontoise

REALSI,
InRESSIONISM0 E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A I885) 88I
POSITIVIsMO:
CAPITULO 25 A ERA DO
00 Milhas

Coalbrookdale 100 200 Quilómettos


NORUEGA SUÉCIA
Hampsiea
Londres
GandAntuérpia ESCOCIA MAR
an.lda Manc. Bruxelas DisseldortIRLANDA NORTE DINAMARC
CANADDA
NA Cherbourg naiHermitag
NORMANDIA walerlod INGLAERRA HOLANDABerlim pRÚSSA
Bennecourl Argenteu Londres ostende ALEMANHA
BRETANHA fio Sení Bougival fico Striur atas
Barbizon aris
Paris BAVIERA Viena
Muniquee
AMERICA MONT
BRANCAS
Ver caixa FRANÇA
PE SUICAAUSTRIA
DO NORTEb Ondtis

sete Florença
doNIg Boston PORTUGAL Madrid
Roma
Hartiord TÁLIA
Chicago r Nova lorque ESPANHAR MEDITERRANE
e lander St Louis Gettysbu Atlantic City
Cincinnati Filadélfia
ESTADOS Washington
PRarguei Nacong
dosemite UNIDOS CAROLINA DO SUL ARGELIA
Atlanta "charleston
OCEANO ATLANTICO

Golfo do México
MEXICO ÁFRICA
JAPÃO
MA
DAS CARAIBAS Baia
de Tóquio

OCEANO
PACIFICO
AMÉRICA DO SUL
500
00 1000 Milhas

1000 Quilometros
LIBÉRIA 500
0 Mihas
Quilometras

Estados Unidos da América durante a Era do Positivismo


Mapa 25.I. A Europa e os

também assinalou a aparição da


Em vez de valorizar os delírios da fantasia, o exotismo e 0 nismo. O lmpressionismo
de que certos artistas e ideias são notáveis
sublime, os realistas plantaram firmemente os pés no solo e, vanguarda: a noção
com crueza pela novidade ou pelo radicalismo, muito avançados para o seu

prescindindo, em regra, das emoções, representaram


eteito, que os artistas começavam
cenas da vida moderna, desde o negrume do quotidiano
cam- tempo. lal s1gn1ficava, com

criar obras de arte que só viriam a ser entendidas por uma


da pobreza urbana aos lazeres de u m a classe média a
ponês e
de
metropolitana e de uma faIxa de novos-ricos, ambos em cresci- mão-cheia de pessoas, especial por outros artistas
em

os colec-
mento célere. Na pintura de paisagem, este realismo evoluiu vanguarda e por alguns peritos de arte, entre os quais
cionadores. A dissociação entre a vanguarda e o público
em

para o Impressionismo. Trabalhando nos arredores de Paris, com-


então
geral, n qual se conta a classe operária, que até
se
bem como na capital francesa, os pintores impressionistas docu-
em visitar as grandes exposições da academia,
reflecte-se
mentaram a transtormação da paisagem, da ruralidade para o prazia
suburbano, registando a invasão do campo pelas tábricas e pelas na ascensão das galerias de arte comercial como local privilegiado
linhas ferroviárias. Ao mesmo tempo, observaram a chegada para aexibição das novas obras de arte e no declínio equivalente
ocidental.
dos parisienses abastados, que construíram villas fantasiosas em do poder dos salões académicos por todo o mundo
aldeias agricolas, onde vinham passar os fins-de-semana, que Enquanto o realismo serviu como rampa de lançamento pala
organizavam regatas no Sena e no Oise e que jantavam, dança- as abstracções do Modernismo, devemos lembrar-nos que, e
vam e nadavam enm estabelecimentos elegantes situados à primeiro lugar, era um movimento preocupado com as mud

beira-rio. Pintando ao ar livre, com pinceladas rápidas e ousadas, ças radicais que ocorreram na sociedade e que o seu nascl
e com cores fortes, os Impressionistas captavam com rapidez o coincide com a grande Revolução de 1848, que deflagrou po
mundo que se desenrolava perante o seu olhar, a aparência toda a Europa.
provisóriae de esboço dos quadros concluídos, reflectiam o
carácter transitório de um mundo contemporâneo em constante
O REALISMO EM FRANÇA
mudança.
Se os Impressionistas estavam empenhados na criação de O ano de 1848 marcou profundamente a França. pelos
ran
uma arte
empíricae figurativa real1sta meros levantamentos e tunmultos populares que a atravCs
e, por conseguinte, -o
-

ociedade

Modernismo foi, inadvertidamente, um subproduto das suas Republicanos, liberais e socialistas (defensores de uma
ados } or
inovaçõcs estilísticas. Para as geraçõcs seguintes, as cores vivas Sem classes, na qu:al os meios de produção são control ano
cas
pinceladas amplas, ou seja, as qualidades abstractas, areciam un colectivo popular ou pelo governo) uniram-se nes
d o o ret
destronar os componentes figurativos para exigir uma presença mais forte no governo. u
enquanto temas princ1pais 1t:vel e
das suas telas. No século xx, críticos e historiadores Luis Filipe recusou, o conflito armado tornou-se ine
etiquetaram 1sOrio
esta mudança na arte em
direcção à abstracção como "Moder- Ievou à abdicação do monarca. Um primeiro governo pi

882 PARTE V o MUNDO MODERNO


cedo foi substituido por uma Assembleia
Constituinte. Con-
udo, a classe operaria continuava sem
representação
ORealismo nas Décadas de 1840e de 1850:
parlamentar organizada em campos de trabalho instituídos
e,
a Pintura das
oelo novo governo, revoltou-se e invadiu o Condições Sociais da Epoca
parlamento. ORealismo francês fez a sua primeira apariçãocom a Revolução
A guerra explodiu nas ruas de Paris e cerca de 10 000 de 1848. Em cspccial na paleta de Gustave Courbet, auto-intitulado
pessoas
foram mortas ou feridas. Esta rebelião do
proletariado criou porta-cstandarte do movimento artístico, e de Jean-François
ondas de choque traduz1das numa revolta de classcs Millet, pintor dos camponeses, o Realis1mo foi, desde o seu início,
por toda
aEuropa, o que resultou em levantamentos operários nas um estilo altamente politizado, paladino dos jornaleiros e do
principais capitais do continente. A própria Inglaterra viu-se homem comum do campo, dos grupos que desafiavam a autori
ameaçada por grupos socialistas de partidários da Carta do dade
Povo que reivindicavam direitos para os trabalhadores e
co
privilégio da aristocracia parisiensee da burguesia e que
foram toram, em parte, responsáveis pelos levantamentos de 1848.
ao ponto de pegar em armas e fazer
exercicios militares. Nas
palavras de um escritor
europeu contemporânco, a sociedade GUSTAVE COURBET Gustave Courbet (1819-1877) era
curopeia viu-se tomada por um sentimento de terror oriundo de Ornans, uma pequena cidade no sopé das montanhas
apenas
comparável com a invasão de Roma pelos bárbaros".
do Jura, perto da fronteira suíça, onde o seu pai passara de antigo
forças conservadoras acabaram por triunfar em toda a
As
camponés a próspero proprietário rural e comerciante de vinhos.
escala e, em França, Luís Napoleão
Bonaparte (1808-1873), Em 1839, Courbet mudou-se para Paris para estudar pinturae,
sobrinho do imperador, foi eleito Presidente da por volta do final da década de 1840, tornara-se uma figura
blica por uma esmagadora maioria, devido, em
Segunda Repú-
grande parte, importante nos cafés da Rive Gauche (margem esquerda do
ao poder do seu nome. Em
1852, porém, Napoleão dissolveu o Sena), um bairro popularizado pelo livro de Henri Murger,
Parlamento e foi "eleito" Imperador, sob de Cenas da Vida Boémia. Foi na Rive Gauche que Courbet conhe-
o nome
Napoleão 1,
estabelecendo o
Segundo Império. A França prosperou consi ceu a vanguarda literária e travou amizade com Baudelaire,
deravelmente durante o seu reinado, terminado em 1870 com com o jornalista socialista Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)
as guerras franco-prussianas. crítico
e com o e escritor Champfleury (pseudónimo de Jules-
A Revolução Industrial, que até à década de 1840 não tinha -François-Félix Husson, 1821-1889). Em grande parte devido
tido em França impacto digno de à influência de
menção, ganhou ímpeto a Proudhon, o republicano Courbet foi mais longe
partir desta altura e os novos sistemas financeiros instituídos etornou-se socialista. Entretanto, Champfleury persuadiu o
por Luís Napoleão criaram uma nova abundância, até então pintor a alinhar nas fileiras do Realismo. O próprio Champtleury,
desconhecida. Dominada por financeiros e industriais, donos que coleeccionava arte popular e se interessava por tormas artis-
de manufacturas, advogados e homens de negócios em geral, a ticas não elitistas, como a
gravura popular, a arte intantil e a

burgues1a floresceu, ao mesmo tempo que crescia a sua apetên- caricatura, convenceu Courbet a regressar às suas raízes rurais
Cia por bens materiais. A e a pintar o mundo simples de Ornans.
Exposição Internacional de Paris de
1855
resposta às novas atitudes consumistas e nela se
surgiu em No Outono de 1849, Courbet regressou, pois, a Ornans e foi
apresentaram produtos provenientes de países de todo o mundo. no sótão da dos seus pais
casa
que ele pintou o Enterro em Ornans,
A uma tela com mais de 6 metros de
exposição parisiense foi criada para competir com a primeira comprimento (fig. 25.1), que
grande feira internacional de comércio apresentada em Lond res, foi aceite no Salon para a
exposição de 1850-51. Muitos obser-
no ano de 1851, a Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria vadores consideraram-se ofendidos e chocados
pela pintura, que
de Todas as Nações. Em Paris, a nova atmosfera de apresentava uma procissão de homens e mulheres do povo,
prosperidade, gente
combinada com o aumento do tempo disponível para lazer, fez comum, representada de uma forma
grosseira e pesada, sem
despontar um sem fim de grandiosos restaurantes, cafés, gran- traço de elegância ou idealização. Os
populares de Ornans,
muitos dos quais podem ser
des armazéns, teatros, clubes, parques e pistas de corridas, onde identificados, posaram para Cour-
as bet e o pintor não só documentou as suas
pessoas, muitas vezes oriundas de classes sociais diferentes, roupas e pose como
se deu ao trabalho de
Se reuniam e faziam compras. identificá-los pelas feições,
contavam narizes
nas
quais se

A própria cidade de Paris foi remodelada na gloriosa forma polpudos, rostos


grotescos pelas rugas que os
que hoje Ihe conhecemos quando, em inícios de 185.3, Georges contorciame cabelo sujo e pouco arranjado. A
e sem vida é
paisagem nublada
-Eugène Haussmann (1809-1891), ministro do Interior de Luís igualmente autêntica, baseada nos estudos que o
Napoleão, iniciou uma campanha de profundos melhoramen- artista executou no cemitério de Ornans. O realismo de
Courbet
é patente na apresentação, muito
OS
municipais. Entre eles contava-se a criação de nmagnificas democrática, de todas as figu-
ras. Apesar da ousadia na
Camplas avenidas que, atravessando de lado a lado o casario pincelada e de um chiaroscuro que
medieval da Cidade Velha, eram ladeadas por apartamentos evoca, vagamente, Os pintores preteridos do autor,
Rembrandt
e
Velázquez, o quadro não possui as características teatrais que
nodernos e muito "chic". Como resultado, a cidade ficou caracterizam o barroco e nada
uoada de um conjunto de vistas espectaculares (e de artérias na
composição indica superiori-
9c possibilitavam a deslocação rápida das tropas, em caso de
dade hierárquica de uma
figura sobre as restantes o u seja, o
cão tão importante
Vas
insurreições), pontuadas por belissimos parques, jardins
como o
padre ouo presidente da câmara.
sustentadas por grandes edifícios públicos, incluindo
Tão-pouco denota o uso de
tormatos clássicos, como o
pragas
d
e
mento piramidal de
agrupa-
Benjamin West na sua tela A Morte do
opera e imponentes estações ferroviárias.

CAPITULo 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885) 883


25.1. Gustave Courbet. Enterro em Ornans. 1849-1850. Oleo sobre tela, 3,13 x 6,64 m. Musée d'Orsay, Paris

General Wolfe (ver fig. 23.7). Ao invés, a imagem favorece as De novo, Courbet retrata as figuras de forma
composições simples e ousadas que se encontram em obras de
completamente
verídica: a pobrezae a classe social são anunciadas pelas roupas
arte popular como panfletos, almanaques e folhas impressas com
rasgadas, pela dureza do seu trabalho e pela sujidade sob as
canções populares a arte do povo, não da academia. unhas. Além disso, Courbet dá aos trabalhadores a mesma
O quadro parece tão factual que se torna difícil apreender intensidade de pormenores com que executou as pedras e o tacto
o tema a uma primeira observação.
A esquerda, temos os por- de não podermos ver os seus rostos transforma-05 em objectos
tadores do caixão e o mesmo, a que se segue um padre e o inanimados, como as próprias rochas e as ferramentas de tra-
sacristão, seguidos por habitantes da cidade; à direita, encontra- balho. De novo falta uma estrutura convencional à composiçao
mos as mulheres. Em primeiro plan0, ao centro, uma
sepultura eo nosso olhar salta de um elemento para o seguinte, sem direc
aberta. Porém, não chegamos sequer a saber de quem é o fune- ção de qualquer natureza.
ral e não é claro que este quadro seja um comentário sobre o Se a mensagem socialista do quadro dividiu o público em
carácter definitivo da morte, embora seja cste o candidato mais críticas e elogios, os dois lados não deixaram de admirar a
forte ao tema. E claro que o quadro é um documento de um materialidade da imagem. Aqui, como no Enterro, Courbet
ritual social que obedece rigorosamcnte às distinções de género, aplicou a tinta em pinceladas generosas, por vezes chegando
profissão e classe em Ornans. Acima de tudo, cleva os rituais da de
a servir-se uma espátula de pintura, transformando o pin
burgucsia provinciana a um estatuto semelhante ao dos acon- tor num artesão ou num
jornaleiro. A ousadia na aplicaçaod
tecimentos históricos. Com efeito, esta pintura representou um natureza física e poderosa das figuras e. pel
tinta retorça a
ataque ao género, então muito apreciado, da pintura de história, Sua mera presença, acaba por substituir-se aos objectos ma
pelo que não surpreende que a obra de Courbet tenha suscitado riais. Tanto em O Enterro como em Os Canteiros, as tig
sentimentos de repulsa e rejeição em muitos parisienses. Igual- ocupam um espaço pouco profundo, parecendo terem su
mente desagradável foi a ameaça 10
política da burguesia de Ornans, impelidas para a
superficie da tela. A própria paisagem
e

que durante a Segunda República dispunha de considerável pouco profunda que parece um pano de cena, forçando o no

poder eleitoral, capaz de influenciar as eleições nacionais. Além Olnar a permanecer em primeiro plano. Courbet nunca rc
disso, a burguesia de Ornans lembrava a muitos burgueses de nheceu ter pintado Os Canteiros com objectivos socialistas. t
Paris as suas próprias origens provincianas, algo que muitos esta "completa expressão da miséria humana", como o propl
indo-
tentavam igualmente esconder. artista reconheceu, incidia sobre a injustiça social, asst
Courbet expôs uma segunda pintura de Ornans no Salon de -Se como produto da Revolução de 1848. Neste espirito.
1850-1851, Os Canteiros (fig. 25.2), em quc nos apresenta, cm Cz ae apresentar a vida rural numa cena bucólica ou col
tamanho natural, dois trabalhadores que encontrou nos arra- dos seus
Ourbet preferiu representar a dureza da realidade s
baldes da povoaçãoa partir pedra para a construção das estradas.
habitantes.

884 PARTE IV O MUNDo MODERNO


w
.COuL
25.2. Gustave Courbet. Os Canteiros.
1849, 1,6 x 2,59 m. Anteriormente na
Gemäldegalerie, Dresden (crë-se ter sido
destruído durante a Segunda Guerra
Mundial)

Em 1855, a Exposição Universal de Paris aceitou onze


qua-
dros de Courbet. A Exposição Universal era uma feira destinada
a
promover o comércio indústria franceses
e a e a sua
secção de
belas artes subst1ituiu a
expos1ção do Salon nesse nesmo ano,

apresentando mestres como Ingres e Delacroix. Para promover


a suacarreira, Courbet fez propositadamente sensação ao fazer
gue nenhum pintor vivo até então ousara: encomendou um
cdificio de inspiração clássica perto da feira, onde instalou a sua
Cxposição individual, que incluía O Enterro em Ornans. A esta
exposição chamou Du Realisme (Acerca do Realismo) e vendeu
um panfleto sob o nome de "Manifesto do Realismo". Nele fazia
as seguintes proclamações: "Estar em posição de traduzir os

costumes, as ideias e a imagem da minha época segundo a minha


própria avaliação; ser não só um pintor, mas um homem também;
em suma, criar arte viva - eis o meu objectivo." Em todos os
momentos, Courbet desafiou os valores académicos, ao substituir
a
tradição greco-romana pelas ousadas imagens
reverenciada
do mundo contemporânco, imagens que não continham quais-
quer referências, iconográficas ou de composição, que aludissem
a tradição clássica ou à pintura de história. A sua ousadia

anitestou-se em pinceladas grosseiras e empastadas, subver-

tendoo refinamento suavidade do tratamento académico da


ea

a , quer tratasse da superfície lisa de lngres da tradição


se ou

pictórica veneziana e de Rubens encontrada em Delacroix; e se

bem que não tenha sido rejeitado pelos Salons, Courbet recusou
Cpender deles para promover a sua carreira e, ao invés, Virou-se
para as mostras comercais.
25.3. Jean-lFrançois Millet. ( Semeudo. ca. 1850. Oleo sobre tela.
101,6 x 82,6 cm. Museum of Fine Arts, Boston. IDoação de
da Quincy
EAN-FRANÇOIS MILLET Podemos ver a simplicidade Adams Shaw através cde (Quincy A. Shaw Jr. e Mrs. Marion Shaw
apresentação ea falta de emoçãodas pinturas de (Courbet quando Haughton. 17.1485

CAPITULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, INPRESSIONSNO E Os PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885) 885


as comparamos com outro quadro rcalista apresentado ao Salon,

em 1850-1851, O Semeador (fig. 25.3), de Jean-François Millet


(I814-1875). A semclhança de Courbet, Millet foi educado num
contexto rural e nasceu numa família de lavradores abastados
perto de Cherbourg, na Normandia, onde cresceu, enraizado
nos ciclos intemporais da vida campestre. Depois de recebecr
uma
educação primorosa, decidiu fazer carreira na pintura.
Estudou em Cherbourg e en Paris, começando por fazer retra-
tos numa
paleta escura que reflectia o seu amor pela pintura
espanhola do século xviI e por Rembrandt. Em finais da década
de 1840, já em Paris, travou amizade com vários
dos pintores
paisagistas da Escola de Barbizon (ver página 869) ce em finais
de 1848 executou a sua
primcira tela sujeita à temática campes-
tre, Le Vanneur (O
Separador de Grão), temática em que viriaa
especializar-se ao longo da sua vida. Em 1848, depois de um
surto de cólera em Paris, Millet fixou-se, a título permanente,
em Barbizon.
Exccutados pouco depois da Revolução de 1848, os quadros
em
que Millet dignifica vida dos camponeses tiveram uma
a

leitura política. Como 25.4. Honoré Daumier. Este Pode


podenmos ver em O Semeador, os traba- Seguir! 1834. Litografia.
Ihadores de Millet são, como os de
Courbet, pobres e oprimidos.
De roupas andrajosas, coube-lhes em
sorte uma vida
extenuante, e de onde parece
emerg1r.E uma figura que parece corporizar
gasta a trabalhar a terra. Sombrias e enormes, as
figuras terão a
própria terra, leitura reforçada pela rugosidade da tinta sobre
parecido assustadoras a um público parisiense ainda mal refeito
dos tumultos. Outro factor de temor terá
a
superfície da tela. O gesto teatral e e amplo os contornos
sido a forma como o ondulados do seu
pintor enobreceu as personagens dos seus corpo põem o semeador em alinhamento com
o quadros: semeador, as eternas
forças cíclicas da própria natureza. Millet, realista
por exemplo, é uma figura de
proporções monumentais, uma pelo tema, permanece, contudo, um pintor romântico
forma maciça e dinâmica
que ocupa a maior parte do plano
sensibilidade pela
pictórico. Mais do que um indivíduo isolado, como cada uma e os seus
quadros aspiram a criar poesia e atmos-
das personagens de Courbet em O fera, não apenas a retratar os factos.
Enterro em Ornans, o semea-
dor é uma
figura-tipo, uma representação enobrecida de um HONORE DAUMIER Pela
trabalhador do campo, mal pago mesma altura, Honoré Daumier
pelo seu trabalho dedicado. (1808-1879), conhecido caricaturista, começa a mostrar nos
Servindo-se de um chiaroscuro sombrio traz à que memória os salöes a sua obra de
quadros de Rembrandt, Millet envolveu a sua pintor, faceta sua quase desconhecida do
escuridão tão personagem numa
grande público, que já apreciava as suas
lúgubre que parece fundida com o chão que semeia litogratias nos jornais
parisienses desde 1830 (ver Materiais e Técnicas, página 95).

25.5. Honoré
Daumicr. A Carruagem de Terceina
Classe. ca. 1863-1865. Olco sobre tela,
The
Mctropolitan Museum of Art, Nova 65,4x 90,2 cm.
Legado de Mrs. H. O. Havemeyer, 1929. lorque.
Colecgão H. O. Havemeyer (29.100.129)

886 PARTE IV O MUNDo MOD ERNO


25.6. Rosa Bonheur. Arando no Nivernais. 1849. Oleo sobre tela, 1,75 x 2,64 m. Musée d'Orsay, Paris

A emergência de um
público burguês letrado e o desenvolvi- tenha aprendido a pintar sozinho durante a década de 1840. Em
mento de um
tipo de papel e processos de impressão de baixo contraste com a sua produção mais comercial, os óleos que pin-
custo converg1ram no jornal como hoje o conhecemos e as lito-
tou são obras que revelam uma
profunda compaixão pelas
grafias e as xilogravuras foram os meios usados para a sua realidades representadas. Nelas não se detectam quaisquer ves-
popularização. A maior parte dos trabalhos de Daumier era tígios de humor ou sátira e, aproveitando a perícia do caricaturista
absorvida pelos jornais socialistas La Caricature c Le Charivari, para captar concisamente os caracteres e os tipos físicos das suas
consagrados à sátira política e social. Era um "casamento per- personagens, capturou, na perfeição, os ambientes psicológicos
feito", na medida em que Daumier era um fervoroso defensor da vida urbana, vê A
das causas sociais e dedicava a sua vida a desmascarar os males
como se em
Carruagem de Terceira Classe
(fig. 25.5), quadro executado por volta de 1863. Nele, Daumier
gue atigiam a sociedade, desde a corrupção e a repressão do capta uma típica característica dos seus contemporâneos: "a
governo à mesquinhez e à soberba dos novos-ricos. As suas multidão solitária", composta por trabalhadores
apinhados numa
litografias, brilhantes, documentavam com rapideze subtileza carruagem de comboio de terceira classe, sentados em duros
as várias profissões, classes e tipos que iam emergindo numa assentos de madeira, que contrastam com o conforto dos veludos
Paris em crescimento e mudança, criando, inclusive, paralelos e acolchoados
das carruagens de
primeira. O óleo
Com as longas descrições factuais dos panfletos. As suas carac- variada
regista uma
panóplia de tipos, todos anónimos, que integram as
terizações anteciparam-se às representações dos vários tipos massas urbanas então em
expansão que aparentam suportar
e
op
sociais dos realistas e impressionistas urbanos das décadas de trajecto quotidiano. O tema do quadro é a família em
primeiro
1860 e de 1870. Em Este Pode Seguir! (fig. 25.4) é manifesta a plano, cansada ao fim de um dia de trabalho. Mais simples e mais
tincza da observação, o humor cáustico e a excelência da arte pobres do que os pequeno-burgueses enm segundo plano, a famí-
de Daumier; a obra foi executada em 1834 depois de um levan- lia parece representar os
pobres rurais desenraizados que, vindos
tamento de trabalhadores em Paris, que resultou na morte de para Paris à procura de melhores
oportunidades, caíram nas
Varios cidadãos inocentes dos estratos sociais mais baixos. malhas do urbanismo moderno. Silenciosos e
fatigados, aprisiona-
**PcSCnta-nos uma caricatura do obeso rei Luís Filipe que, ao -os uma obscuridade abafada que os
separa do brilho e da
4Cgurar-se da ausência de pulso num trabalhador, emaciado vivacidade que as janelas da carruagem
permitem entrever.
Cpreso por cadeias, o deixa ir em liberdade. Porém, Daumier retratou-os com coragem e
dignidade, confe-
Não obstante a sua popularidade como caricaturista, Daumier rindo às duas mulheres em primeiro plano uma
amplitude de
ansiava por reconhecimento no contexto das belas-artes e foi por formas já observada em O Semeador de Millet. A família
cam-
Salons cde ponesa que julgamos ver a um primeiro olhar é transformada
a razão que expôs uma mão-cheia de quadros nos
849 e de 1850-1851. Contudo, as suas telas foram ignoradas e, num conjunto que evoca a Virgem e Menino conm Santa Isabel.
durante o resto da sua vida, o artista resguardou a sua produçao Como Millet, que aliás adnirava, Daumier toi
sucessivamente
SICa dos olhos do público, apenas expondo unma única vCz, apelidado de realista e de romântico e as suas pinturas combina-
antes de Por razão, os ram temas típicos dos realistas com
poderoso sentido de
morrer, numa galeria privada.
uadros permaneceram por descobrir. E de crer que Daumier
essa
scus cOmpaixao caracteristico dos românticos.
o

CAPÍTULO 25 A ERA DO POSITIVISM: REALIdo, RESSIONISMO E OS PRÉ - RAFAELITAS (1848


ROSA BONHEUR IDos artistas realistas que expuscram no dalon Em 1848, durante a Scgunda República, quc ref.
de 1850-1851.a quarta foi Rosa Bonheur, cujas obras suscitaram compunção positivista para documentar a agricultura
cflectia a
uma viva reacção. Bonhcur estudou pintura com o scu pl, francesa, Bonheur reccbcu a encomenda de uma tcla de regional
e grande
professor de desenho e socialista, além de fervoroso advogado formato. O resultado foi Arar no Nvernais: a Poda dos Viak.

da igualdade de direitos para a mulher. Não é. pois, de surpreen um quadro com mais de do1S metros e meio de comprin inhedos,
der que Rosa tenha querido, desde tenra idade, ser uma mulher que foi apresentado ao público no Salon de 1850 (fg. 25.66). E. de
bem-sucedida num universo masculino. Em vez de se limitar crer que inspiração para este tema tenha sido 0 Lago do Dieabo
a

a exceutar naturezas-mortas de pequeno formato ou as trad- (1846), um romance de George Sand (pscudónimo de Amand
dinc-
cionais aguarelas normalmente associadas às mulheres pintoras, -Aurore-Lucile Dupin, Baronesa Dudevant [1804-1876.
que,
Bonheur decidiu pintar animais em grande escala, no que ex1bu enquanto mulhcr bem-sucedida, serviu de modelo a heur.
o requinte técnico dos mais consumados pintores académicos. No prefácio, Sand declarava quc o romance "devolvia o
homer
Ao contrário do univers cxótico dos animais dos românticos civilizado aos encantos da vida primitiva". Enquanto a
dus-
Delacroix e Barye, Bonlheur escolheu pintar animais rurais como trialização transformava o rosto da França e criava centrog
bovinos, cavalos e ovelhas. Influenciada pelo empirismo cienti- urbanos, e com eles males como a sobrelotaçao habitacional, más
fico da história natural, Bonheur estudou cuidadosamente os condiçõcs de alojamento, conflito de classes e o desenraizamento
seustemas, representando-os conm rigor, por vezes com grande dos trabalhadores migrantes, Sand advogava o regresso à natu-
minúcia de pormenores. No salon de 1841 apresentou, pela reza, a um mundo "primitivo e de maior simplicidade, um
primeira vez, os seus quadros e, durante o decurso dessa década, tema que também está patente nas telas de Millet
e que viria a
a sua reputação como pintora foi aumentando (ver final da conquistar grande popularidade junto da comunidade cultural
Parte IV, Fontes Primárias
Complementares). nas últimas décadas do século. O interesse de Bonheur
pelos
animais do campo cra sinal do interesse da pintora pela natureza
e, depois de 1860, Bonheur abandonou Paris e fixou-se na floresta
rural de Fontainebleau, perto de Barbizon, onde viveu com a
sua companheira, Natalie Micas, e desat1iou as convenções sociais
ao ousar vestir roupas de homem, cortar os cabelos curtos e

fumar em público.
Para criar Arar no Nivernais, Bonheur passou semanas a tho
na região rural de Nivernais, na França Central, estudando as
particularidades da terra, dos animais, dos utensilios de lavoura
e dos trajos regionais, criando uma
riqueza de pormenores a que
o público dos Salons sabia corresponder. Ao contrário de Millet,
Bonheur ateve-se à realidade e criou uma imagem factual e des-
provida da emotividade de O Semeador. Por outro lado, ao evitar
os lados nmenos agradáveis da vida rural, Bonheur também se
manteve distante de Courbet e de O Enterro em Ornans, ou seja,
a
pintora permitiu-nos sentir o volume dos enormes animais a
Nivernais poupando-nos ao cheiro das bestas, ao suor da lavoura
eaos odores da terra, embora nenhum destes elementos esteja enm
falta. Como nas fisiologias, Bonheur documenta, cataloga e cla-
sifica. Apenas as dimensöões dos bois e o alinhamento dos animas
em
jeito de
prociSsao emprestam grandeza à cena.

O Ataque Realista aos Bastioes da


Academiae do Gosto Burguês
AO apresentar a burguesia provinciana e os canmponcses n u a

te
escala resecrvada à pintura de história, Courbet lançou un
tot
ataquc aos valores da Academia Francesa e ao gosto burgu
Com eteito, ao elevar deste modo a realidadle contempor.ancu
em particular, as condiçöes sociais dos seus contempor.
r.inco».

pintor desteriu unm golpe na hierarquia de géneros tue desde


o inicio governava a p r o d u ç ã o a r t í s t i c a d a s academias ( r on i c a

25.7.
mente, os artistas vanguardistas de fim do século vit dos
Adolphe-William
Olco sobre tela, 2,8 1,8 Bouguereau. Ninfas
eSátiro. 1873. recuperar as temáticas de história e religiosa). A rejelg
fin
x m.
Sterling and Francine Clark lustitute, temas e dos valores académicos presentecm Courbet, co
Williamstown, MA .fo
de dar conta das condições sociais do mundo modet

888 PARTE IV O MUNDO MODERNO


des Beaux-Arts, na década de 1860. Contudo, é seguro afirmar
que a maior parte dos académicos dessa época ainda acreditava
na
supremacia da pintura de história, no
paradigma greco-
romano e refinamento das pinturas neoclássicas de que
no

ngres é o exemplo máximo. Cada Salon exibia uma infinitude


de quadros com nus femininos, um tema muito comum, se bem
que os nus desses quadros nada tivessem de corriqueiro: eram
imagens de Vénus, Dianas, bacantes ou ninfas, ou seja, seres
nobilitados pela linhagem clássica. Também eram muito
aprc
Clados os nus em cenas de género, enquadrados por cenários
exóticos, como haréns ou lugares históricos, a Roma antiga, por
Cxcmplo. Não obstante, estes quadros eram bem recebidos pela
fidelidade com que mantinhame retratavam a tradição clássica
de belezae perfeição.
Durante este período, o pintor académico de maior renome
foi Adolphe-William Bouguereau (1824-1905), presidente do
Instituto de França e da Legião de Honra e tão-só o artista
francês mais famoso do seu
tempo. Além de ciganos, campone-
sas e cenas religiosas, Bouguereau pintou cenas mitológicas,
como
Ninfas e Sátiro (fig. 25.7), de 1873. A cena reproduz qua-
tro ninfas brincando com um fauno, que se esforçam por
arrastar para a água, numa imagem de declarado erotismo, como
vemos pela ninfa do fundo, que puxa um dos cornos do sátiro
com indisfargável deleite. A sensualidade da pele, dos gestos e
da expressão é internsificada
pelo naturalismo de Bouguereau,
que reflecte a tendência positivista para o pormenor, ausente do
cânone clássico. As próprias ninfas
afiguram-se seres reais, nem
idealizadas nem divinas, não só pelos contornos naturalistas mas
também pela voluptuosidade dos membros mais parecem
-

mulheres oitocentistas que síltides


gregas ou romanas.
25.8. Jean-Baptiste Carpeaux. A Dança. 1867-1869. Gesso, Apesar de ter sido o responsável pela transição do Neoclassi-
420 x 298 cm. Musée de l'Opéra, Paris cismo para século
o
seguinte, Bouguereau fez mais que levantar

retomada por Edouard Manet (1832-1883) na década de 1860.


Dando maior destaque à vida urbana em detrimento da rural,
Manet pintou os encontros de músicos no Bosque de Bolonha,
o recém-criado parque nos arredores de Paris, a ocidente, onde
as classes altas vinham exibir-se. Manet também retratou mul
tidões de elegantes reunidos em Longchamp, a nova pista de
corridas do Bosque, bailes de máscaras da ópera, cortes s e os
cus clientes e novas actividades de lazer em cafés, salas de baile
erestaurantes. Os quadros que nos deixou são obras complexas,
vários niveis de
repletas de referências que podemos ler em
e

Significado, tão ricas que não deixam de comentar os valores


Académicos enquanto capturam as energias, as várias dimensoes
e formavam a
psicológicas e as evoluções
que atravessavam
sOciedade moderna de então. É o caso de Dejeuner sur l'Herbe
ig. 25.10), apresentado ao Salon, em 1863. Para melhor enten-
aermos esta pintura, torna-se necessário analisarmos o quadro
de valores dominante na década de 1860, que orientava a
apre
Ciação do júri do Salon.

A
ARTE OFICIAL E OS SEUS EPiGONos Estamos cien-
de
risCOs de generalização ao classificarmos uma
obra 25.9. Charles Garnier. Opera de Paris. 1861-1874
ensinada na Ecole
"académica" e
COrrente artística como

CAPITULO 25 A ERA Do POSITIVISMO: REALISMO. IMPRESSIONISMO E Os PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885)


25.10. Edouard Manet. Déjeuner sur l'Hevbe. 1863. Óeo sobre tela, 2,13 x 2,69 m. Museu do Louvre, Paris

o facho de uma tradição moribunda, pelo que cumpre fazer impressao de estarmos perante figuras "despidas", e não nus
justiça ao refinamento da sua técnica e à intensidade psicológica artísticos, quando observamos pormenores como cotovelos,
das personagens neste caso, o abandono aos prazeres eróti- rótulas e cinturas roliças em corpos que, por exemplo, Canova
cos mais tarde tema fulcral das interrogações artísticas. Em (ver fig. 24.28) teria executado lisos e sem mácula. Se a inspira-
regra, os quadros de Bouguereau têm como pano de fundo a ão para as figuras veio do Neoclassicismo, nenhuma delas no05
natureza, reforçando a expresso dos desejos fundamentais do parece grega ou romana, mas sim do Segundo Império. No
ser humano e correspondendo a um anseio por escapar das entanto, ao cabo de um ano, a ira do público desvanecia-se e os

complexidades de uma existência urbana e industrializada e olhares das pessoas, já habituados ao Naturalismo de Carpeaux.
regressar aos prazeres simples da Arcádia e do campo. aclamaram os seus conjuntos erotizados tossem
como se gral
Na escultura, a ligaço ao Classicismo e as representações diosos monumentos da tradição clássica.
de nus femininos continuaram a ser a norma. Um dos esculto- Pelo movimento e pelo excesso da composição
barro
res mais destacados do período foi Jean-Baptiste Carpeaux (demasiada nudez e demasiado júbilo), A Dança acabou por
(1827-1875) e A Dança (fig. 25.8) é uma das suas obras mais servir de complemento perfeitoao seu cenário, a Opera (tig.
famosas. Trata-se de um dos quatro mármores encomendados Traçada por Charles Garnier (1825-1898), a Ópera foi constru
cm 1867 para a entrada da nova
Opera de Paris, que represen- ida de 1861 a 1874 e comunga das características da pe
tam as quatro componentes do espectáculo operático. No modelo escultórica. O edificio transfornou-se, ao longo dos tempod.
em
aqui reproduzido com maior vivacidade e rigor do
gesso -

simbolo da opulência e da extravagância do Segundo Impers


que obra
naacabada a Dança é representada por uma figura
-

retlectindo o gosto pretensioso dos clientes burgueses de b


Paris
masculina alegórica, alada e em pose erecta, como um mastro da
guereau e de Carpeaux. Na altura, foi o coração nov atral
em redor do
qual voluteiam, em bacantes de
veneração, joviais construída por Haussmann, destinada a ser o culmin
proporções harmoniosas. Sob a capa da Dança espreita um fauno, da grande Avenue de 1l'ÓOpéra e eixo de convergêncn de
indicador dos propósitos licenciosos da celebração ritual. grandes artérias de circulação.
Na
inauguração, em 1869, a obra foi arrasada pela eritica, A Opera de Paris é o lugar em que os vários reviv
sob pretexto de representar a embriaguez, a vulgaricdade e a
o
artisticos Oitocentistas se uniram ao Barroco, que passo s da
indecência. E certo que o naturalismo do lzar com os múltiplos edifícios neoclássicos e neogou
nos dá a conjunto

890 PARTE IV oMUNDO MDERNo


época anterior à década de 1860. A dupla colunata de Giarnicr
paralelo na do Louvre (ver fig. 21.12), criando uma linha cmergira já na década de 1830, quando os panfletos fisiológicos,
tem

de continuidade entre LLuís Napoleão c Luis XIV. Por


u
fisiologias, fizeram o scu aparecimento. Inspirado, de início,
seu turno, no aristocrata e no dandy britânicos, o flüneur cra um homem
Os frontõcs curvos que cncimam cada um dos extrenmos da le traje e educação impecáveis, quc sc mantinha a par dos
fachada lembram a Cour Carrée (Pátio Quadrado) de Lescot, acontccimcntos pelos jornais e pelas conversas de café. Os scus
também no Louvre (ver fig. 18.4). A infinda varicdade de cores
das cram gastos a correr Paris, observando com perspicácia os
e texturas, a deslumbrante ornamentação e
escultura e a grande momentos transitórios da vida moderna, que depois traduzia
auantidade de empréstimos c
recombinaçöes arquitectónicas
renascentistas (na real1dade,
em
imagens pintadas ou escritas. Oflâncur, espirituoso e gre-
barrocas e
incrível abundância de
a
gario, comprazia-se especialmente em chocar a burguesia.
toda a espécie de elenmentos) deram origem a um estilo opulento Baucdelaire, amigo íntimo de Manct nesse período, conta-se entre
de ostentação, fruto do materialismo aberto da
época, altamente os mais famosos exemplares do género.
apelativo ao gosto novo-rico, nmas olhado com desdém pela antiga Foi neste contexto experiencíal que Manet executou o Déjeu-
aristocracia financeira.
ner sur l'Herbe, que apresenta dois pares num piquenique no
Bois de Boulogne. O quadro foi rejeitado pelo júri do Salon de
EDOUARD MANET O quadro Le Déjeuner sur l'Herbe
1863. Nesse ano, contudo, o volume inédito de rejeições
(fig. 25.10) serviu a Manet para condenar os valores levan
burgueses tou enormes protestos populares, o que levou Napoleão III a
eogosto académico0, enquanto expunha um programa artístico anunciar
dedicado à
a
organizaço, em simultânco, de um Salon des refusés
representação do mundo moderno. Cumpre notar Salão dos rejeitados), ou exposição dos artistas recusados pelo
que o
próprio Manet era oriundo da burguesia parisiense e júri. Muitos dos artistas recusados preferiram não participar
começou por estudar com um famoso membro da
academia, numa exposição considerada "inferior"; contudo, Manet aceitou
Thomas Couture (1815-1879). Contudo, os seus
verdadeiros O convite.
mestres foram quadros dos grandes pintores figurativos que
os
O público acorreu aos magotes, para rir dos rejeitados e em
copiou no Louvre Hals, Ticiano e os
espanhóis Velázquez e especial para contemplar o quadro de Manet, que ocupava as
Goya. Manet frequentava assiduamente os cafés, onde travou
primeiras páginas de todos os jornais. O Déjeuner criou um
amizade com Courbet, que viria a ser o seu modelo, bem como escändalo enorme ao apresentar uma cena contemporânea com
com Baudelaire e com o romancista realista e crítico de arte
uma mulher nua no dois homens
Emile Zola (1840-1902). Tal como muitos escritores e artistas e parque com
garbosamente
enfarpelados. O público sentiu-se ultrajado pelo que obviamente
pintores realistas, Manet era um
flâneur, um
tipo social que era a
representação de uma
prostituta, sem atender à opinião

25.1. Édouard Manet. (olympia. 1863. Öleo solre tela, 1,i} x 19l m. NMusée d'Orsay, Paris. Inv. RE2772

CAPITULO 25 A ERA Do POSITIviSMO: REALISMO, INPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885)


891
caso de muitas obras académicas. Como Baudelaire iá a
já apregoara
em 1846, Manet declarava que a arte devia procurar os
Scus
temas e heróis no mundo moderno. Além do mais, Manet des-
mascarava o crotiSmo distarçado em que a tradição do
nu
clássico havia desembocado. Também é possível que Manet
tenha usado fontes históricas como uma forma de se filiar

ALA longa tradição das grandes obras de arte. Com efeito, Manet
anuncia não só que o seu real1smo é o caminho mais válido para
na

a pintura, mas também que é um movimento tão importante e


vital como as grandes obras do passado.
Porém, o júri e o público cstavam convencidos da incompe
tência sensacionalista de Manet, que tinha merecido ser relegado
para o Salon des refusés, fundamentados em fortes argumentos
contra o seu estilo. Ao rigoroso olhar académico, Manet não
sabia modelar a figura humana, nem criar um espaço credível.
A tela afigurava-se-lhes um esquisso preliminar, não um quadro
acabado. As figuras são dadas em recortes bidimensionais,
achatadas pelos contornos nítidos, em silhueta, e pelos floreados
das amplas pinceladas que prescindem dos meios-tons, entre o
negro e o branco, destinados a criar volume. Por exemplo, a
prega numa das calças, indicada por uma sombra, é fruto de
uma só pincelada a negro. A banhista, em plano de fundo,
é demasiado grande para o plano afastado em que se encontra
e parece flutuar sobre o grupo sentado. Todos os objectos, sejam
personagens, árvores ou a garrida natureza-morta de frutos e
cesto, pairam no espaço, impedidas de contacto entre si ou
incapazes de se conjugarem numa estrutura espacial coerente.
25.12. Edgar Degas.A Orquestra da Opera de Paris. 1868-1869. Neste quadro, Manet minou a ordem da janela ilusionística
Oleo sobre tela, 56,5 x 46,2 cm. Musée d'Orsay, Paris
renascentista, aqui substituída por uma nova lógica unificadora:
um mar de sensualidade criado por uma pincelada luxuriante,
oleosa e espessa, que distribui a tinta por toda a superficie da
tela com um efeito profundamente teatral. O nosso olhar passeia,
inebriado, pela sumptuosidade do trabalho de pincel, pela
favorável dos críticos, que reconheceram a inspiração do quadro maravilhosa variedade dos negros roubados a Velázquez e Goya,
na famosa Fete Champêtre (fig. 16.30) do Louvre, que apresentava pela variegada panóplia dos verdes na relva e pelo hábil jogo
um nu sentado entre dois homens vestidos. Um dos críticos entre luze sombra, que nos transportam de uma área luminosa
chegou inclusivamente a estabelecer um paralelo, correcto, com para a seguinte. Estas características abstractas no tratamento
as poses de dois deuses dos rios numa gravura de cerca de 1520 da pintura e nos contrastes de valor, por exemplo, fundam os

de Marcantonio Raimondi, inspirada no Julgamento de Páris, de alicerces da nova pintura, longe já do espaço e da modelaçao
Rafael (fig. 16.29). Contudo, ninguém se lembrou de identificar ilusionísticas. Com Dejeuner sur l'Herbe, Manet inaugurou o

a mulher de camisa de noite, ao fundo, como a Banhista de que os críticos de arte do século xx viriam a desig1nar por mo
Watteau, também no Louvre. Com efeito, fora esse o título mento Modernista, que realça as características abstractas a

original que Manet deu à sua obra. pintura e que viria a durar cerca de 100 anos. E quase certo quc
Para os críticos, porém, não bastavam as alusões a estas Manet se tenha deleitado com a oposição irreverente que Suas
augustas obras para ultrapassar a flagrante falta de decorum, um telas de aspecto esboçado e inacabado erguiam à tradiçauoea
crime cometido a uma escala de 2,13 metros por 2,69, dimensões démica e com a Alenm
reacção chocada do gosto burguês. d
geralmente reservadas para a pintura de história. Assim sendo, ro
o
pintor usou o estilo para criar uma sensação de etene
novo
oque terá levado Manet a basear a sua cena contemporânea em
a rapidez das mudanças do
fontes históricas? A resposta poderá residir no artificialismo das
e momentâneo,
que reflectia mun
contemporâneo, esse mesmo mundo que oflâneur captava ecOm
suas
figuras, que não interagem de forma convincente. Como tanta acuidade.
á foi apontado por um historiador de arte, as personagens
assemelham-se a alunos da Ecole des Beaux-Arts dispostos numa
Por todas estas razões, não deixa de surpreender
que
Olympia (fig, 25.11), executaca em 1863, tenha sido aceite no d
as
pose que recria a de uma pintura famosa. Com efeito, Manet de 1865. Trata-se da representação incquívoca de uma con
rtcsl
diz-nos que não viver do lt:is.
o
presente pode passado, como era o
prostituta, cujos clientes são abastados e oriundos dlas elasses

892 PARTE IV oMUNDO MODERNO


EDGAR DEGAS E O JAPONISMo Tal como Manet, Edgar

Degas (1834-1917) provinha de uma familia abastada e o pai era


0 administrador da filial parisiense do banco da família. Tambén
como Manet, Degas era um pouco flâneur, embora demasiado
recluso para pertencer ao perfil por completo. No início da sua

carreira, ambicionava ser um pintor de história. Admirador de


Ingres, Degas estudou com um seguidor do mestre, pelo que o
desenho e a modelação de figuras predominam nas suas primei-
ras obras. Por volta de 1865, Degas cruzou-se com Manet e
Baudelaire no Café Guerboise começou a representar cenas da
Paris quotidiana. O seu estilo dependia de um figurativismo
E inspirado em Manet, bem como em artificios compositivos que
conferem grande espontaneidadee um carácter transitório aos
seus quadros, situando o observador na posição
contemplativa
de
umflâneur. Degas pintou os novos boulevads de Haussman,

as
chapelarias de senhora, as corridas de cavalos em Longchamp,
Os cafés-concerto, a ópera, os cafés e os botequins. O seu olhar
aguçado captou tipos de todos os estratos sociais, da burguesia
e dos artistas de variedades à classe
aos
marg1nais e
operária.
Um quadro clássico da década de 1860 é a Orquestra da Opera
de Paris (fig. 25.12), que data de 1868-1869. O
quadro começou
como um retrato do tocador de fagote, em primeiro plano, mas
cedo inclui os outros músicos, muitos dos quais são identificáveis.
Na essência, quadro é
o uma
pintura de género, em
que não
vemos apenas os músicos da orquestra mas também as bailarinas
25.13. Andõ Hiroshige. Jardim de Ameixieiras,
Kameido,
em
palco. Porém, o tema n o se resume ao talento e ao esforço
da série Cem Vistas Famosas de Edo. 1857. dos artistas, mas também à intensidade, à excitação eàfragmen-
34 x 22,6 cm.
Xilogravura,
Brooklyn Museum of Art, Nova lorque. tação da própria vida contemporânea, apresentada com grande
Doação de Anna Ferris. 30.1478.30
simplicidade. Degas trouxe o observador literalmente para
dentro do fosso da orquestra,
podendo observar sem ser visto.
A visão não é directa, mas faz-se em linha
diagonal, o que não
deixa de ser invulgar para um
quadro, embora muito comum
para um frequentador do teatro. O violoncelista foi arbitraria-
Este nu, inspirado na Vénus de Urbino, de Ticiano (fig. 17.30), cor- mente cortado, à direita, sugerindo a fragmentação do todo
poriza o ideal de deusa moderna do cavalheiro francês do Segundo privilégio apenas de uma parte do panorama global. O mesmo
emn
Império. Toda a Paris sabia disto, porque Olympia era um nome se aplica às bailarinas, cujas cabeças pernas foram cortadas. e

comum adoptado pelas cortesãs poderosas. Ademais, o toque clás- Esta energia é intensificada
pelos planos das paredes, pelo
SIco do nome era também um ataque inteligente aos nus eróticos palco, pela fila da frente da orquestra. O espaço parece
mido, já compri-
gue apareciam nos Salons pretextando serem alegorias. a que proximidade
e a distância parecem diametralmente
A Olympia de Manet retrata a realidade da Paris sua con- opostos, por exemplo, na
cabeça do
escura violoncelista e nas
temporânea. Os homens abastados que compravam nus cores vivas dos tutus. A
imagem parece ascender no
plano pic-
académicos pelo erotismo, não pelo disfarce de obras clássicas, tórico, em vez de se afastar no
espaço. Uma linha
rigorosa define
Cram os mesmos que visitavam prostitutas ou que tinham as
figuras os objectos, mas as pinceladas rápidas esporádicas,
e
e

ämantes. Ao contrário da Vénus de Ticiano, a Olympia de Manet patentes nos tutus das bailarinas, acrescentam
Cra mais angulosa, algo grosseira, e de formas rígidas, não tanto e efémero ao
espontaneidade
conjunto, oferecendo-nos a
impressão de unm
confiança momento.
ncas. A personagem enfrenta o nosso olhar com

homens pouco à vontade Os especialistas


atribuíram as
etrontalidade,
alim
que terá deixado
o os
os piores medos que albergavanm em relação a Degas influência das gravuras
à
composições inovadoras de
japonesas, que inundaram o
C r e s Controladoras e independentes. Olympia atrai o obser mercado parisiense no final da década de 1850. Em
1853,
o Comodoro norte-americano
O p a r a o interior da pintura de uma forma raramente vista Matthew Perry irrompeu na Baía
na de género e, de certa forma, ela reflecte interesse de Tóquio com quatro navios de
guerra e obrigou o Japão a
c Manet pela nova mobilidade social da sociedade parisiense, abrir as suas portas ao ocicdente, depois de dois séculos de
isola-
pela dinheiro mento. No início da década de 1860, o mercado estava
Omunicação entre classes e pela importância do saturado
do de produtos japoneses. Objectos como
conforto na sociedade do seu tempo. leques, vasos, kimonos e

CAPiTULo 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO IMPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A I885


893
socicdade francesa, em particular as actividades de
gabinctes lacados, biombos, jóias serviços de chá e r a m
c
comuns na
lazer dos
nos lares ocidentais mais clegantes. Os franceses, em particular, novos-ricos. E sc clcs também pintavam cenas citadina.

dcixaram-se encantar pela cultura japoinesa ao ponto de criarem género, dedicaram a maior parte da sua atenção à transform de
um termo cspecitico para a sua mania: o Japonismo, designação das plácidas aldeias ao redor de Paris em
subúrbios nsformação
com f
também usada pelos ingleses e pelos norte-americanos. A mos- cas,entrepostos fluviais e pontes ferroviárias, por um lado e
tra mais popular na Exposição Universal de 1867, em Paris, foi restaurantes, regatas e embarcações destinadas ao
por
laze.dos
justamente opavilhão japonés. As gravuras japonesas revelaram- parisienses, por outro. Os impressionistas interesaram-se mais
-se especialmente apelativas para os artistas. As gravuras pela representação de paisagens campestres e urbanas e em z .

chegaram à Europa como papel de embrulho para objectos de construírem as suas composiçoes em estudio, com
modeloc
frágeis, mas acabaram por ser coleceionadas, nos finais da década trabalhavam empiricamente, ao ar livre, onde registavama
a
de 1850, pelos pintores do círculo de Manet, que as consideraram paisageme as condições atmOsféricas que testemunhavam num
visualmente fascinantes. dado momento. Pintavam não tanto objectos mas sim a
lu
Como podemos ver em Pomar de Ameixieiras em Kameido colorida que estes reflectiam. Com efeito, eles pintavam o que
(fig. 25.13), de Andõ Hiroshige (1797-1858), a produção pictórica Viam, nao o que sabiam estar lá.
Japonesa era consideravelmente alhcia à visão ocidental. As formas
são planificadas, de contornos muito nítidos. Por seu turno, o espaço CLAUDE MONET O
é comprimido e o primeiro
principal responsável pela evolução do
plano éempurrado contra o observador, Impressionismo foi Claude Monet (1840-1926), que nasceu e
enquanto o plano de fundo é puxado para primeiro plano. Não
cresceu em Le Havre, na Normandia. Monet começou
existe transição entre os dois planos. A mera ideia de situar o obser- por
estudar informalmente com um consumado pintor paisagista
vador numa árvore, da qual poderá contemplar a actividade
principal à distância deve ter-se afigurado de um radicalismo
local, Eugène Boudin (1824-1898), que pintava en plein air, ou
ao ar livre. Mais tarde,
para ajudar tinanceiramente a mercea-
extremo para o
pintor ocidental. Contudo, os contornos sem pro-
ria do pai, Monet foi estudar para Paris com o pintor Charles
fundidade, o corte abrupto e a contracção espacial das gravuras Gleyre, de orientação académica mas de espírito liberal. Foi
japonesas terão, decerto, influenciado Degas e Manet, embora de
no estúdio deste que conheceu Auguste Renoir e os dois,
forma menos óbviae sem
chegarem a copiar os originais. jun
tamente com Camille Pissarro, muito mais velho, viriam a

O Impressionismo: formar o núcleo duro dos Impressionistas. No início da década


uma Formna Diferente de 1860, Monet foi convocado para o serviço militar na Argé
de Realismo lia. Tal como Delacroix antes dele, Monet ficou
O termo Impressionismo foi cunhado
impressionado
por um crítico conservador, com a intensidade da luz e da cor, completamente estranha ao
em 1874, ao fazer a crítica da primeira exposição de um colectivo clima nublado e temperado da costa normanda. Durante toda
de artistas chamado Societé Anonyme des Artistes (Artistas S.A.). a década de
1860, Monet e os seus amigos a
pintaram paisagem
Hoje em dia, referimo-nos a esta expos1ção como a primeira em redor de Paris, conhecendo Corot e os pintores da Escola
exposição inmpressionista (foram oito, ao todo, entre 1874 e 1886). de Barbizon, que o encorajaram a continuar a pintura de
Tal comoo público em geral,
crítico considerou as pinturas
o
paisagem ao ar livre. Para Monet e os seus colegas, contudo,
apenas esboçadas, e sentiu que eram apenas impressões, não telas estas pinturas en plein air não eram pequenos formatos, mas
acabadas. Na realidade, a
palavra impression já tinha sido aplicada Sim produtos finais de consideráveis dimensões. Pintando com
por Manete Degas para descrevero carácter vago das suas telas. rapidez na paisagem, com grandes pinceladas, os pintores
A própria palavra
aparece no título de um óleo que Claude procuraram captar o reflexo da luz (e a cor que a luz veiculava)
Monet executou do porto do Havre,
que expôs na primeira nos objectos. Ao contrário de Manet, que adicionava óleo às
exposição dos Impressionistas e a que chamou Impressão: Nascer Suas tintas de loja para maior viscosidade, Monet acrescentava
do Sol; sabe-se que Monet usava
e o termo ocasionalmente ao
pouco óleo, ou quase nenhum, deixando as telas com aparên
explanar suas ideias sobre a arte a
as
amigos (ver Fonte Primária, Cia baça e permitindo que a cor se sobrepusesse à plasticidade
página 896). da tinta. Tão pouco envernizava os seus óleos finais, o que
OImpressionismo partilha comoRealismo de Manet e Degas diminuiria a intensidade da cor. O uso alargado que Mlonet
uma certa
aparência imprecisa, indefinida, o sentimento carac- fazia das cores secundárias e primárias, as tonalidades princt
terístico de um momento
desejo de contemporaneidade.
e o
pais do espectro cromático, foi também influenciado pelaa
Além disso, apresenta os seus temas de forma directa e clara. pesquisas Cientiticas mais recentes de então sobre a cor, q
Muitos especialistas aplicam
de Manct
o termo
Impressionismo às obras demonstraram que a intensidade das cores complementai
Degas, em parte
e
para distinguir seu realismo do
o
(por exennplo, azul e laranja, vermelho e verde, e amareto
realismo rural de Courbet e Millet e
para indicar que o lmpres- e

sionismo também partilha com estes o VIoleta) aumentava quando se juntavam (ver Materia1s e
sentido da urbe e do nicas, página 898).
"moderno". Como Manet e Degas,
mais interessados em
os
Impressionistas estavam Podemos ver a eficácia da paleta de Monet em Na Marge
registar as transformações que ocorram Sena, Bennecourt (fig. 25.14), pintado em 1868 numa peq

894 PARTE IV OMUNDO MODERNO


cidade ao norte de Paris, m a das nmuntas
cstâncias no Sena e n : 0 Se
Oiseque os parisnses se deslocavam de comloio,
a arecem cm nada comas anteriores pIsagens; faltava-lhes
para passar o ar de classicismo de Claude Lorrain, as
ol'erão, c onde construíram tillas O) imponentes. pintor tralbalha
convençöcs barrocas
dos intores de paisagen holandcses c a sua palcta de cores
com brancos inundados ode sol e com azuis e verdes accntuados
térreas, ou as
construçöcs crnocionais dos románticos. () próprio
com tques de vermelho e amarclo. Os olbjectos na sombra, co1o cstilo c aparência dos mcs1nos eram consideracdos tão moder
as tolhas ca rclva, absorvem a cor e não cscurecem. Os castanhos nos como os temas
nio são turvos, mas sim tonaldades doiradas cheias de quc retratavan. Podemos assegurar cjue
cor. Monet
mulher vestida à moda não é do lugar mas uma
manteve a força das suas cores ao colocar os elementos parisicnse
figurais clegante que esteve a andar de barco.
junto ao
primeiro plano, scm permitir sugestão de profundidade.
a
Monct também executou telas da Paris moderna, de cerca
Nenhum chiaro«curo modela as formas. A
é dada silhueta
folhagem das árvores de meados da década de 1860 até meados dos anos 1870, retra-
em
bidimensional, enquanto o céu azul por trás tando íconcs tão contemporâncos como a Gare de Saint-Iazare
é uma superficie igualmente lisa. O reflexo da
sobre a água
casa
sobe desce ao longo do plano
c
coBoulevard des Catpucines (fig. 25.15), uma das novas grandes
pictural, reforçando a bidimen- avenidas de Haussman, situacda perto da Opera c orlada de
sionalidade das amplas manchas de luz e azuis-escuros no em
baixo. O céu de azul sólido é virtualmenteo
rio, grandes edificios de apartamentos e de lojas. A pincelada tre-
mesmo tom do azul
meluzente de Monct e o contraste de luz e sombras captamno
cscuro da água, cm baixo, uma
correlação que parece puxar, por pulsar da cidade e do passeio público, ao mesmo tempo que não
momentos, o céu para primciro plano. O único motivo
que sugere deixa de transmitir os pormenores das camisas brancas e dos
profundidade é o barco a remos que corre na diagonal, em pers- chapéus altos dos pedestres endinheirados, bem como um feixe
pectiva. Da superfície da tela ressalta a pincelada ousada e variada de balöes vermelhos. quadro foi executado da varanda do
de Monet, que muda de carácter de um
objecto para o seguinte estúdio do fotógrafo Nadar (ver página 915), lugar que viria a
c confere à
pintura um brilho tremeluzente, nos diz que estarmos ser oda primeira exposição dos
perante um momento passageiro no tempo. Impressionistas. A perspcctiva
angular e superior, raramente utilizada para as paisagens cita-
Igualmente importante é sabermos que os
contemporâneos dinas, mas comum na fotogratia urbana, empresta drama,
do pintor tomaram consciência de que a pincelada representava energia e amplitude a um quadro destinado a captar a natureza
o carácter transitório e instável da vida moderna. Estes
quadros transitória e efémera do mundo moderno.

25.14. Claude Monet. Nu Margem do


dena, Bennecourt. 1868. Oleo sobre tela,
81,6 x 100,7 cm. The Art lnstitute of
Chicago, Colecção de Mr. e Mrs. Potter
Palmer

CAPITULo 25 A ERA DO PoSITIVISM0 REALISMO. IMPRESSiONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (I848 A 1885) 895


eis um quadrado de azul, al1 um rosa oblongo, aqui urm traco
Lila Cabot Perry (18487-1933) pinta exactamente o que te parece que vës: com rigor de cores e f
amareloe
ormas,
até obteres própria impressao, ingenua, da cena em frente". (.)
a tua

Monet alegava que o primeiro olhar sobre um determinado


De "Reminiscências de Claude Monet de 1889 a 1909" jecto
era, com probabilidade, o mais verdadeiro e menos preconceituoso
dizia
que a primeira pintura devia cobrir a máxima superficie possível da
Pery era tuma pintora americana exilada enm França com vera imjpressionista. tela,
sem nos preocuparmos com o rigor, para podermos dcterminar
Monet nunca teorizou publicamentesobre a arte mas a obra de Pery permite- loga de
início a tonalidade do conjunto...
-nas ter uma visão muito precisa sobre as ideias do artista.
A filosofia de pintura de Monet era pintar o que víamos,
nãoo que
le nunca aceitou alunos, mas caso tivesse, teria sido um mestre de pensávamos ver; nãoo objecto isolado num tubo de ensaio, mas o objecto
E extraordinária capacidade inspiradora. Lembro-me de um dia me envolto em sol e ambiente, com a cupula azul do céu
reflectida nas
terdito: nuvens.
Quand0 saires para pintar, tenta esquecer os objectos que tens à tua

frente uma árvore, uma casa, um campo, seja o que for. Pensa apenas: [FONTE: THE AMERICAN MAGAZINE OF ART, 18 DE MARÇo 1927]

AUGUSTE RENoIR Depois de conhecer e travar amizade


com Monet no estúdio de Gleyre, Auguste Renoir (1841-1919)
também desenvolveu um estilo impressionista, marcado pelas
cores vivas, pela ousadia no tratamento da tinta e pelos temas
modernos. Os principais temas de Renoir, que trabalhava fre-
quentemente ao lado de Monet, eram as paisagens, se bem que
o pintor também se sentisse atraído pela tradição da pintura de
figura humana; ao longo da sua carreira, a sua produção abar-
cou os dois géneroOs.
Entre as suas pinturas de género mais populares conta-se
O Almoço dos Remadores (fig. 25.16) de 1881. O cenário é o Res-
taurantFournaise, sito numa das ilhas do Sena, em Chatou,
pequena aldeia a cerca de 13 km da Gare de Saint Lazare, em
Paris. Chatou desfrutava de especial popularidade entre os
barqueiros e restaurantes como este eram frequentados poor
parisienses. Em plano de fundo, no rio, podemos, a custo, des-
cortinar barcos à vela e uma embarcação a remos, uma
grande
barca comercial e os contornos de uma ponte ferroviária.
O grupo do restaurante é formado
por tipos urbanos, à
excepção de Alphonse Fournaise, filho do dono do estabeleci-
mento, encostado à balaustrada. Os braços musculosos indiciam
a actividade de fazer descer os barcos de
aluguer à água. Cada
vestimenta foi observada com cuidado, o
que nos permite iden-
tificar os tipos individuais. O homem de
chapéu alto, por
exemplo, parece mais conservador e abastado (o modelo era um
coleccionador) do que os mais jovens (amigos de Renoir),
que
ostentam os
chapéus de palha usados em barcos. Renoir repre-
sentou uma
grande variedade de chapéus, desde a versão citadina
da figura sentada no extremo direito da pintura, ao estilo mais
campestre do homem no canto superior direito, incluindo mesmno 25.15. Claude Monet. Boulevard des Capucines, Paris. 1875-1dt
o desusado boné Oleo sobre tela, 80,4 x 60,3 cm. The Nelson-Atkins Museum o
de marinheiro,
que estivera na moda cerca de
vinte anos antes, do homem à Art, Kansas City, Missouri. Compra: Fundo de
esquerda do cavalheiro de Aquisiçocs
alto. A de lazer chapéu Kenneth A. and Helen F. Spencer (F72-35)
cena
suburbano, colorida solarenga, é muito
e
agradável, descontraída plena de sensualidade, esta última
e

realçada pela magnífica refeição sobre mesa


pela rica pincelada
a e

896 PARTE IV oMUNDO MODERNO


com que Renoir executou a toalha de mesa. O quadro transmite paleta de cores vivas. Contudo,
cmpírico, espontâneo e usava u m a

a mesma qualidade efémera que associamos ao realismo, conse- ao contrário de Manet, Monet, Degas e Renoir, o artista nunca

guida, em parte, pela pincelada bruxuleante e leve e pela Se considerou parisiense e preteriucampos ao redor
v i v e r nos

composição assimétrica que parte da direita da tela. A composi- de Paris, que, não obstante, se transformavam progressivamente
cão é tão seccionada e fragmentada como a Orquestra da Opera em subúrbios. Pintor de fábricas e comboios, Pissarro era um

de Paris, de Degas. anarquista socialprofundamente dedicado às pessoas. Desinte-


O Almoço dos Remadores foi uma das últimas telas impres- ressado dos habitantes das cidades e dos prazeres suburbanos,
sionistas de Renoir. O artista, tal como vários dos seus colegas, e as quintas. Durante
Os seus temas de eleição eram os camponeses
sucumbiu à opinião crítica de que os realistas não sabiam dese- as suas estadas em Paris, Pissarro encontrava-se com os seus

nhar e que as pinturas destes eram desprovidas das mesmas


colegas pintores Café Guerbois. Além de servir de mentor
no

qualidades intemporais e monumentais que caracterizavam as aos jovens artistas, Pissarro também serviu de
árbitro à Societé
em todas
grandes obras do passado. Em O Almoço dos Remadoves, Renoir Anonyme des Artistes, da qual era membro, participando
começou a modelar as suas figuras, chegando ao ponto de traçar as suas oito exposições.
contornos distintos aos objectos e às figuras. Como veremos, os Pissarro foi um pintor cauteloso, intelectual e ponderado, que,
pintores de vanguarda da década de 1880 viriam a regressar aos tal como o Monet da década de 1860, trabalhava ao ar livre,
muitos valores que associamos à pintura clássica. desenvolvendo uma paleta colorida e um estilo de execução ousado,

que captava as condições atmosféricas e imagens de u m a natureza

CAMILLE PISSARRO (I830-1903) Pissarro foi o decano etémera. As suas composições eram, por vezes, extremamente

dos impressionistas. Cerca de uma década mais velho que os pelo Caminho do Eremitério
complexas, como se pode ver

seus colegas, Pissarro chegou a Paris em 1855 vindo de St. Tho- de Pontoise, subúrbio de Paris.
(fig. 25.17), de 1875, no sítio um

mas, nas Caraíbas, onde nasceu e foi criado. Durante a década Nesta tela, Pissarro ocultou parcialmente a aldeia, vista ao fundo,
de 1860, o pintor procurou os conselhos de Corot e estudou um denso biombo verde, formado por u m renque de árvores.
por
ointura de paisagem com Courbet e Charles Daubigny um Este espreitar em profundidade é contrastado, à direita, por um
famoso pintor influenciado pelo estilo de Barbizon, que traba- carreiro ascendente, que parece subir no plano pictórico, em vez
lhava ao ar livre e era especialmente conhecido por pintar em de descer. Os troncos, as folhas e as árvores foram pintados em
cima de um barco. O empenho de Pissarro na pintura de pai- amplas pinceladas e a traços de espátula, conferindo-lhes uma

sagem foi igualado pelo af do pintor em desenvol ver um tipo uniformidade de superfície que raia a abstracção. Por seu turno,
de arte moderna radical e, por volta do final da década de 1860, as casas à distância foram construídas em perspectiva e assemelharm-
Pissarro tixara-se num estilo que, tal como o de Monet, era -Se a densos volumes cúbicos cuja solidez contrasta com o aspecto

25.16. Auguste Renoir. O Almoço


dos Remadores. 1881. Óleo sobre tela,
S0.2 x 175,6 cm. Comprado em 1925,
Colecção Philips, Washington

cApiTl O 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONIiSMO E OS PRE-RAFAELITAS (I848 A 1885) 897


plementares vermelho e verde, azuie laranja, purpura ee amarelo
amarelo -os
A Teoria Impressionista da Cor opostos na tradicional roda de cores. Coloque-se um verde Durn .
erde puro perto
de um vermelho puro e os dois ganham em
intensidade; a enero
de
impressionismo foi mais do que apenas o resultado das premissas cada cor parece intensificar-se ao ponto de vibrarem e
cerem
realistas de espontaneidade e da captação empirica de cor e luz saltar.
sobre tela: a evolução do estilo sofreu a influência de descobertas Eugene Delacroix talvez tenha sido o primeiro artista influenc
cientificas, desenvolvimentos técnicos pelas teorias de Chevreul, embora
e de questôes práticas. Um desses AMARELO-LARAN
RANJA
AMARELO Delacroix já tivesse
desenvolvido,
aspectos foi o desenvolvimento da
teoria da cor pelo quimico Michel AMARELO-VERDE intuitivamente, conceitos de cor
semelhantes. Contudo, foram os
-Eugène Chevreul (1786-1889). impressionistas os que primeiro
editada em 1839, sob o titulo de usaram quase só cores
primárias e
Principios de Harmonia e de Contraste secundárias, embora a sua
paleta não
das Cores. Chevreul, que trabalhava na se
restringisse apenas a estas tonali
tinturaria da oficina de tapeçaria dos dades. Para manter a intensidade da
Gobelins em Paris, apercebeu-se de cor, os impressionistas começaram
que a intensidade de uma cor era a trabalhar sobre uma
superficie
determinada não só pela própria cor preparada de cor clara, em vez do
como pela sua relação com as cores
tradicional fundo castanho-escuro
adjacentes. As cores primárias (ver- ou vermelho-acastanhado. Camille
melho, amarelo e azul) e secundárias
(verde, laranja e violeta). estas ültimas
MELHO Corot usou uma tela mais clara ainda,
cujo preparado incluia a prata, para
obtidas pela combinação de duas
AZUL-VIOLETA harmonizar a restrita paleta pessoal
primárias, tornavam-se mais fortes
quando eram combinadas, numa rela-
ção que Chevreul designou por
VERMELHO.VIOLETA VIOLETA

Roda de Cores Tradicional


de verdes, prateados e azuis. E pouco
provável que algum destes impressio-
nistas tenha lido Chevreul. Porém,
contraste simultâneo (as cores
por volta da década de 1860, as suas
terciárias são combinações de duas
teorias faziam parte dos conhecimen-
secundárias). Os contrastes de valor, ou seja, a associação de uma tona- tos comuns de muitos pintores interessados na cor e, em 1867, foram
lidade clara e de uma escura, também afectavam o impacto de uma dada repetidas na Gramática de Pintura e Gravura de Charles Blanc, juntamente
cor. A máxima intensidade era obtida pela justaposição de cores com- com a análise do contraste simultâneo em Delacroix.

plano dos restantes elementos. Ao mesmo tempo que retlecte a ticipou em quase todas e foi um dos seus apoiantes mais
paixão pela natureza e pela vida rural da Escola de Barbizon,
fervorosos, negou repetidamente o rótulo de impressionista.
Pissarro realçou, em simultâneo, as qualidades abstractas do fazer Porém, o seu desinteresse pela cor e pela luz separa-o do grupo
pictórico, contrastando abertamente linhas geométricas sólidas e nuclear. Manet nunca
chegou a
expor com os
impressionistas,
direitas com formas orgânicas não estruturadas, ou com a vista
preterindo esperar pelo reconhecimento dos Salons e pela acei-
rasgada, entre árvores planificadas, de uma vereda ascendente. ação da academia. No início da década de 1870, porém, Manet
Como veremos, as composiçóes complexas e altamente estrutu-
decidiu por fim adoptar a paleta impressionista e, em 1875,
radas de Pissarro viriam a exercer um
impacto fulcral sobre o começou a pintar ao ar livre, com Monet, em Argenteuil, nos
impressionista Paul Cézanne, que, por seu turno, influenciou arrabaldes de Paris, embora tenha mantido a untuos1dade aas
Pablo Picasso e o movimento cubista. Suas tintas e as suas cores nunca tenham chegado a atingir a

intensidade de outros artistas.


MANETE O IMPRESSIONISMO
Os estilos paisagísticos de O novo colorido é
25.18), obra-prima
realista, Um Bar nas Folies-Bergère (fig. grande
patente na sua última
Monet, Renoir e Pissarro aproximaram-se a partir da década de datado
1860 partilharam muitas semelhanças até meados do decénio
e
881-1882. Como típico de Manet, o quadro é rico em ret
era
seguinte. Contudo, que ficou conhecido como primeira expo-
o
rëncias significados ocultos, qualidades geralmente ausentesdo
e
sição impressionista, datada de 1874, não se destinava a Realismo ou do Impressionismo. A maior parte da
promover um único estilo, ou movimento, em particular, embora cen es
contida uma superficie lisa, como uma tela, que
a maior
parte dos 36 artistas que nela participaram possam ser
no espelho, ap
senta uma ilusão.
descritos como figurativos e tendo Aqui, a ilusão retlectida por detrás eda emprega
empregado frequentemente é de que a vida moderna é alegre e festiva. Pocdemos ver o ntct
cores vivas, muitos
chegando a trabalhar en plein
air. As mostras densamente povoado de um salão de baile, que simbolhzaa
eram alternativas aos salões anuais. O
próprio Degas, que ereal
par- nocturna parisiense nessa altura. Porém, a empregada, qe

898 PARTE IV O MUNDo


MODE RNO
25.17. Camille Pissarro. O Caminho do Eremitério, Pontoise. 1875. Oleo sobre tela, 54 x 65 cm.
Brooklyn Museum of Art, Nova lorque. Compra patrocinada por Dikran K. Kelekian 22.60

c não um reflexo, contempla-nos com um olhar vago e triste, não pode ser comprada pelo dinheiro. Porém, as telas de Manet
indicador de alienação, a realidade da vida contemporânea. Tam- são também puzzles elaborados, que desafiam as leituras ine-
bem ela aparece no espelho, mas distorcida, porque se inclina quívocas e permanecem abertas a várias e controversas
geiramente para a frente, como se estivesse activa. No espelho interpretações.
Vemos também um cliente, um homem bem vestido de chapéu

alto, aparentemente interessado nas frutas e nas bebidas sensual- BERTHE MORIsOT Berthe Morisot (1841-1895) foi uma
mente dispostas sobre o balcão. Alguns historiadores sugerem figura-chave no círculo impressionista. Nascida numna contor-
que o homem se insinua perante a empregada, argumentando tável família parisiense, Berthe e a sua irm Edna levaram a
faziam parte das pintura a sério nos finais da década de l850. A Ecole des Beaux-
que muitas destas empregadas se prostituíam e
espectáculos e Arts não permitiaoacesso às mulheres, mas as irm s estudaram
atracçöes das Folies Bergères, juntamente com os

O Convívio. A teoria explica, sem dúvida, a distorção da figura no autonomamente com artistas menos conhecidos, mas que lhes

Cspelho, aludindo à dupla identidade e papéis desempenhados proporcionaram conhecinentos sólidos e apoiaram os seus
encon- esforços.Quando se interessaram pela pintura de paisagem, em
empregada. Independentemente da interpretaço,
o
Pela
tro tranquilo dos dois, afastado do bulício da multidão no espelho, inícios da década de 1860, prouraram Corot, que,
impressionado
com a qualidade das obras, se encontrou com as irm s
rellecte a realidade da vida moderna - encontros anóninmos
e
por várias
OTuitos ealienação urbana. A imagem tambénn parece comentar vezes, chegandoa dar-lhes uma das suas próprias pinturas, par.a
vida moderna. A clientela que pudessem estudar. As duas Alorisot apresentar.am pinturas
aterialismo que perpassa por toda a

ao Salon de 1864, que toram aceites, e Berthe


ricos naturcza morta
dsFolies Bergères cra formada pelos
c a
apresentouuna

Contudo, apesar pintura de tigura hunana no Salon do ano seguinte. Depois de


a0 bar capta riqueza sumptuosa do muusu hall.
a
casar, em 1869, Eadna abandonou a pintura, mas Berthe Nlorisot
é atravessacdia por uiin
d ilusão de alegria no espelho, imagen a
contnuo a evoluir cono artist.a.
verdadeir.a teicK.ude
1C
por uma tristeza que significamquea

CAPITULO 25 A ERA Do POSITIVISMO KtALISMO, INPRESS1ONISMO E os PRE.RAFAELITAS (1848 A I885) 899


25.18. Edouard Manet.
Um Bar nas Folies-Bergère. 1881-1882.
Oleo sobre tela, 96 x 130 cm. The Samuel
Courtauld Trust, Courtauld Institute and
Art Gallery, Londres P.1934.SC.234

Como mulher, Morisot não podia frequentar o Café Guer- (fig. 25.19), um tema clássico, tanto realista como impressionista,
bois, como os outros pintores, mas não obstante conseguiu ser uma actividade de lazer
íntima e até favorita do círculo de vanguarda, privando com
de que tem lugar num lugar da moda.
A maneira de Morisot, as figuras bem trajadas não comunicam,
Manet, Degas e outros realistas em jantares e salons
jantares
-

mas parecem mergulhadas em profundos pensamentos, ou


semanais nas casas de cada um, tal como os
organizados pela talvez estejam mesmo a observar, considerado um atributo de
mãe de Manet. Morisot tornou-se
próxima deste último e chegou homem e não de mulher. Se, por um lado, a paleta está mais
a
posar para ele em vários dos seus quadros. O traço da pintora próxima de Manet e Corot do que de Monet, a cena tem lugar
evoluiu para maior fluidez, bem como as cores, que se tornaramn num dia de verão, em
que a luz se reflecte a partir dos objectos.
mais vivas, e Morisot executou pinturas paisagísticas e de Morisot intensifica a espontaneidade criada pelas marcas do
figura
humana, representando as actividades de lazer modernas na pincel servindo-se da composição assimétrica e seccionada que
cidade, nos subúrbios e à beira-mar. As suas figuras são geral- Degas inventara.
mente mulheres e crianças, que eram os modelos à sua
disposição. As mulheres apresentam-se vestidas à moda, mas
não são
MARY CASSATT Como Morisot, Mary Cassatt (1844-1926)
especialmente bonitas, frívolas ou fúteis, antes pelo abordou0 impressionismo a partir de de vista
contrário: são figuras pensativas, sofisticadas
um
ponto ren
que sabem estar. e nino e o seu real1smo chegou reflectir
Nunca são representadas como
a as
preocupaçoes socl
apêndices dos homens (como que se desenvolviam no interior do movimento de mulheres do
em O Almoço dos Remadores, de Renoir). Sentimos que Morisot seu tempo, Cassatt era norte-americana, oriunda de uma tam
define um mundo de mulheres, tão válido e cheio de sentido la rica e foi criada em
como o dos homens. Fez a sua formação
Pittsburgh.
Academia de Artes da Pensilvânia, em Filadélfia, para onac "
n
Os quadros de Morisot são virtualmente
um catálogo das familia se mudara, em parte para apoiar a sua carreira arts
ística,
actividades da mulher de classe alta:
cuidar de pessoas, ler, costurar e
apanhar flores, tomar chá, um gesto muito invulgar para a época. Cassatt foi para Paris e t

passar férias nos subúrbios e 1866, onde começou por estudar com um
àbeira-mar. No entanto, o que pintor que aD
impressionou verdadeiramente atelier
a mulheres, antes de ser
aceite como aluna do renot do
os colegas de vanguarda de Morisot foi a brilhante técnica e o académico Jean-Léon Gérôme. Cassatt também estudou e
requinte da execução: sua pincelada parecia definir as
a
de
figuras Parma e em Roma antes de regressar a Paris, em 1874.
o
c os
objectos como por magia, ao mesmo tempo
que criava uma passou o resto da sua vida. Foi também em Paris que Cas
tapeçaria abstracta de tinta através da superfície da tela, unm sinno.
travou amizade academismo pelo reau
acto de
grande equilíbrio que próprio Manet se viu
o
com
Degas e trocou o

a reconhecer e a admirar (a comissão


obrigado A convite de Degas, participou na quarta exposiça0 ressio

retrospectiva na
organizadora da
Galeria Durand-Ruel, em
sua nista, em 1879. Por esta altura, pintava já em cores
s,
Conm

1894, formada cra


pinceladas fortes que se cingiam à superticie, e A8 Suis
teis
por Monet, Degas e
Renoir). Podemos ver as suas brilhantes corte

figuras em Dia de Verão (O Lago no apresentavam artificios realistas da assimetria e


os
o
Bosque de Bolonha) abrupto da composição.

900 PARTE I v o MUNDO MODERNO


Tal como Degas e Manet, Cassatt foi uma
pintora da figura advir das
preocupaçõcs suscitadas pela altíssima mortalidade
humana e os seus temas mais famosos de finais de 1870
incluem infantil por toda a Europa e na França em
mulheres em camarotes na Opera, um tema que também
fora
especial. Muitos
tratado por Renoir e Degas. Alëm disso, Cassatt argumentavam que o cam1nho para uma socicdade e uma nação
pintava mulhe- mais saudáveis
começava em casa, pelas mãos de uma me que
res em casa, em actividades como ler, fazer visitas, tomar chá, cuidava dos seus filhos sob todos os sentidos,
costurar ou dar banho a uma
criança. Como Morisot, Cassatt quer físicos, qucr
emocionais, incluindo a questão da higiene.
apresenta mulher moderna e sofisticada nos vestidos, nas manei-
a
Este contexto explica muitos dos
ras e nas actividades de lazer. Durante a
década de 1880, Cassatt quadros de Cassatt apre-
sentando cenas domésticas de mes cuidando dos seus filhos, tal
abandonou os camarotes da ópera e dedicou-se cada vez mais
às como em O Banho da
Criança (fig. 25.20), de 1891-1892. O jarro
cenas domésticas, de mulherese crianças particular. em
bacia
Os especialistas explicam temas escolhidos por
os
ea
podem parecer estranhos e fora de moda para o obser-
Cassatt de hoje (nesta altura, apenas os Estados Unidos da
pelas restrições
que a época impunha às mulheres: ao
contrário
Vador
América dispunham de
de umhomem, uma mulher respeitável não águas canalizadas), mas o banho regu-
sozinha em público. Porém, o assunto
podia deslocar-se lar era uma novidade
para a Paris do século x1x, cujos cidadãos
principal, aqui, era a sua apenas se banhavam cerca de uma vez por semana. O tema do
crença na
importäncia das mulheres na
sociedade, ainda quadro não é apenas a saúde, mas também o intenso envolvi-
que
esta importância tenha sido
grandemente restringida à casa. mento físico emocional mulher
A visão coincidiu com a
sua
e entre e criança, reflectido na
evolução do movimento de liber- mão que toca o pé da menina com ternura e suavidade.
tação da mulher. Em 1878, teve lugar em Paris o
Internacional dos Direitos da Mulher, Congresso O retrato contém todos os
ingredientes que associamos ao
cuja prioridade era a realismo-a decoração burguesa à moda, as cores vivas ea
necessidade de melhor educação para as
mulheres, ou seja, sensação de espontaneidade na pincelada e na composição em
escolaridade secundária livre e obrigatória. Na década
a lei da escolaridade
seguinte, diagonal, vista de cima. O estilo da pintura reflecte o enormne
obrigatória
foi aprovada em França. interesse de Cassatt pelas gravuras japonesas neste ponto da sua
A educação não só permitia às mulheres
transformarem-se em carreira, um interesse que se reflecte de vista superior
no
ponto
profissionais mas também lhes possibilitava uma melhor
gestão bem como na ousadia das suas formas
contornos. Cassatt foi
e
da casa e da família. O
Congresso também se
debruçou sobre o também influenciada pela arte do Renascimento. A sua
importante papel das mulheres na educação das crianças, defen- paleta
demonstra uma certa suavidade pálida e os contornos tortemente
dendo que as mesmas fossem amamentadas e
cuidadas pelas delineados possuem a mesma definição encontrada na
próprias mes e não por amas-de-leite. Esta posição reflecte a pintura
de quattrocento. Muitas das imagens de Cassatt de mãe e filha
crescente importância dada pelos sociólogos aos cuidados de assemelham-se às representações renascentistas de Nossa Senhora
infância em
geral, na década de 1870, que, em parte, parecem com o Menino, uma alusão que santifica o importante papel das

25.19. Berthe Morisot. Dia de Verão. ca. 1879, Olco sobre tela, 49,/ x 7,2 em. The National Gallery, Londres,

Legado Lane, 1917

CAPITULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885) 901


Em inícios le 1890, Monct começou a trabalhar em sérics,
pintando o mesmo tema vczes e veZes sem conta. Os seus moti.

vos incluem medas de trigo, a Catcdral de Roucn e renques l.


choupos. A primcira série, começacda em 1890, foi a das meas
de feno, para a qual Monet pintou trinta quadros. O principal
objcctivo era apresentar o mesmo tema a horas diferentes do
dia e do ano, e em diferentes condições atmosféricas, sob a crenca
de que a vida não é fixa e imutávcl., mas sim sujeita a um fluxo
contínuo.O trabalho neste moclelo significava que a composição
permaneceria igual de um quadro para o seguinte. Monet pin-
tou quadro após quadro com uma meda de trigo triangular,
bidimensional (tendo, por vezes, pintado duas medas), colocadas
sobre um campo em primeiro plano, com uma linha de horizonte
formada por árvores, casas e colinas distantes e com o céu em
fundo. Resolvida a composição, Monet concentrou-se na cor, a
sua paixão principal, que alterava de um quadro para o seguinte
para obedecer ao princípio teórico de captar a atmosfera e a luz.
mas também para poder explorar livremente a cor.
Em Meda de Trigo, Sol no Nevociro (fig. 25.21), de 1891, Monet
usou basicamente duas cores complementares, o laranjae oazul,
contrastando-as para criar uma imagem vibrante. A pincelada
indefinida, em longos traços de diferentes comprimentos e em
diversas direcções, aumenta o efeito de agitação e empresta às
medas uma qualidade onírica e algo sobrenatural. Como os
paisagistas Constablee Turner, Monet preocupou-se com a capta-
ção dos efeitos atmosféricos, embora possamos argumentar que,
devido principalmente ao seu interesse pela cor, o pintor não s*
dedicou grandemente a transformar a tinta em atmostera.
As medas de trigo eram fortenmente reformuladas no seu estúdio,
sugerindo que o pintor fez mais do que pintar empiricamente.
O crítico Gustave Geffroy, na introdução ao catálogo que acom-
panhou a apresentação das medas de trigo na Galeria Durand-Ruel.
em Paris, em 1891, sugeriu que a série está relacionada coma

25.20. Mary Casatt. Crianu no Banho. 1891-1892.


experiencia e nao com a visão que as pinturas constituem
-

Oleo sobre tela, 100,3 x 66 cm. The Art Institute of Chicago, medas e à natureza. Gettroy
a reacção emocionalde Monet
Colecgão Robert S. Waller
deu às imagens uma leitura potica, descrevendo as medas nut
dos quadros como "brilhando como montes de gemas precos
e noutro como "lareiras incandescentes". As pinturas das NMetas

le Monet parecem mais imaginárias do que realistas. Apesir da


do
Suas
alegações em contrário, Monet avançara muito alem
nulheres na criação de uma sociedade melhor. Porém, também empiriso da geração impressionista de 70 par.a criar imagens
poeticas e vISionárias que cquivaliam ao mundo onírico de ta
reflecte o rumo ton.ado pelo Realismo após 1880, já que muitos
artist.as, como vinnos cm () Almoço dos Remadores, de Renoir, tasta criacdo pela vanguarda simbolist., que conheceremos n
coneçarain a criar um tupo de arte mais monuinental, evOcando próxino capitulo.
nuitas obras de arte clássicas do passado.

O REALISMO BRITÂNICO
MONET DURANTE A D CADA DE 1890 Em 1886, data ntor-

da última exosiçio inpressonisM.A, (qu.alequer coæsiv sctida pelo Do outro lado do canal da Mancha, o Realismo assurmu co
icdo

Hrupo de base há muito que desaparecera, substituida por nuvas ns uto termo cm si nunca tenna
dilerentes, cmbor.a o

preox upagöcse ovosestilos. A morte de Manel, cm I883, 1marca, pheados attes visuais. Nis Ilhas Brit.inicas, o Positi a m e n t e

sinbolicamente, a morte do movinnento que Courbet iniciata prluziu um naturalismo pormenotizavlo, protu
na década de 40. Contudo, Monet viveu até 1926 e sem nunc.a dedicado à naturer.a e muito ntcresdo, cm
rticular, pel
um
levava
abandonar a preiss.a realist.a da sua aute nem a su.a dedic.açio s sOais. Em lnglaterr.a, Revoluçio lndustrial
a u
ao lmpressionism0, cNceutou pinturas qjue se contaram cntre as Vangoe quase de um século sobre Frnça.A industrializ r e s t . a n t e s

mais abstractas doo seu temo, ao mcsmo temxo oque assuiam caurbanizagioerann responsiveis pela pobreza e pe
contornos cada VCz mais oniricos. ales sKLAs que hoje conhecemos através dos ro

PARTE IV O MUNDO MODERNO


902
folhetins de Charles Dickens (1812-1870). que se desenrolavam
numa Londres crucle corrompicda,
sufocada pela
sujidacde e pela A ARTE NO SEU TEMPO
fuligem. O materialismo e a ganánca cstavam na ordem do dia.
1849 O Enterro em Ornans, de Courbet
Os belos objectos feitos à mão que outrora eram
produzidos para 1852 Luis Napoleão, sobrinho de Napoleão l, proclama-se Napoleão l,
as classes mais altas foram substituícdos por objectos baratos, feios dando início ao Segundo Império
e produzidos em massa. O operário já não era o artesão altamente 1859 Charles Darwin publica A Origem das Espécies,formulando os
cspecializado que se orgulhava dos seus produtos mas sim uma principios da teoria da evolução
mera máquina humana, mergulhada na escravidão desde o nas 1863 Olympia,de Manet
cer do dia até ao sol-pôr, ppara produzir um produto inferior sem 885 Partido marxista fundado na Rússia
1891 Meda de Trigo, Sol no Nevoeiro, de Monet
qualquer identificação pessoal.
Foi nestas condições que se gerou a mais radical de todas as
organizaçõcs socialistas, os Cartistas, e que o socialismo cristão
conheceu um novo impeto. O socialismo cristão assentava na

25.21. Claude Monet. Meda de Trigo,


Sol no Nevoeiro. 1891. Oleo sobre tela,
65 x 100 cm. Minneapolis Institute of Arts

crença bíblica do serviçoà comunidadee na renúncia à fortuna luxo, porque ajudava a moldar vidas e a consolidar valores;
pessoal, ou então na partilha da mesma. E foi a essas mesmas grandes obras de arte produziam grandes povos. Por arte, Ruskin
condições de vida que o filósofo político alemão Karl Marx não se referia exclusivamente à
pintura, à escultura e à arqui-
(1818-1883) e o socialista Friedrich Engels (1820-1895) se diri- tectura, mas também às artes decorativas, que tinham de ser
giram no seu Manifesto Comunista, publicado, em 1848, na executadas manualmente, muito belas e sinceras, como na Idade
Inglaterra, onde viviam e trabalhavam. Média. O próprio Ruskin foi influenciado
pelo Movimento da
Contudo, foi de John Ruskin (1819-1900), pintor, educador, Eclesiologia, que apareceu na Inglaterra por volta da década de
escritor, crítico de arte e ambientalista, que partiu a iniciativa 1830. Este movimento foi responsável
pela inversão da crescente
de tentar travar esse resvalar social para o inferno industrial. inércia social e moral, senão mesmo o declínio, da Igreja Angli
A seguir à Rainha Vitória, Ruskin é uma das maiores forgas da cana, ao promover, entre outras coisas, o ressuscitar do ritual

era vitoriana e o seu impacto foi além das fronteiras britânicas, eclesial, quase ao ponto de se aproximar ao catolicismo.
ajudando a moldar o gosto dos norte-americanos. A sua influên- A ênfase de Ruskin na natureza e na
religião
assinala o
cia começou em 1846, ao publicar o primeiro dos seus quatro início da procura oitocentista vida mais
por uma
simples, que
volumes de Pintores Britânicos Modernos, e continuou a fazer-se rejeitasse os avanços da urbanização e da industrialização. Comno
sentir de 1851 a 1853 com as Seven Lamps of Architecture vimos, Rosa Bonheur e George Sand advogavam, praticamente
Do pensamento de Ruskin avulta a crença na necessidade ao mesmo
tempo, regresso a um mundo mais primitivo o
o -

Contemporânea de aspirar a uma nova espiritualidade e a um campo. Para Ruskin, este mundo primitivo mais puro podia ser
orgulho moral mais definido, que requeria a adesão à verdade encontrado na Natureza ou na espiritualidade do Cristianismo
Ca 1dentificação com o carácter divino da Natureza. Ruskin medieval. Pelos finais da centúria, a fuga ao mundo moderno
defendia a educação artística para todas as classes sociais, tanto e a procura do primitivo viriam a ser temas dominantes. Con-
Para a classe operária como para o consumidor burguës, e acre- tudo, as sementes desta busca haviam sido já plantadas em
tava firmemente que a arte era uma necessidade e não u meados de Oitocentos.

CAPITULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS ( 1848 A 188s) 903


rmandade Pré-Rafaclita
Irmandade P'ré-Ralaclita, uma
Ruskin foi ogrande paladino da
s0Cicdade secreta fundada cm Setembro de 1848 por três estu-
School: William Holman
dantes inseritos na Royal Academy
Rossetti, este último
Hunt, John Everett Millais e Dante Gabriel
Bro-
lider e porta-voz do grupo. A PRB (de Pre-Raphaclite
os scus
therhood). sigla com quc assinavam frcquentenmente
qu.dros, atacou a pintura da Academy e a maioria da
Royal
desde Renascimento italiano depois da poca de Rafael.
pintura o

Para os seus clementos, as obras eram decadentes, na medida


factos com um ncbulosoe
cm quc toldavam a verdade c os
lamacento chiaroscuro, pelo que valorizavam qualidades formais
artiliciais como a clegância dos contornos ou padrões composi
tivos agradávcis à vista. Como Ruskin, a PRB repudiava o
materialismo c o gosto burgueses. Os seus heróis eram os pri-
mitivos flamcngos e italianos, pintores como Jan van Eyck (ver
página 493), cujos quadros lhes pareciam simples, mais directos,
c. portanto, mais sinceros nas suas tentativas de representaçãão
da natureza. Além disso, o seu trabalho era considerado mais

espiritual e moral porque se identificava com o período inten-


samente religioso do Gótico tardio.

wILLIAM HOLMAN HUNT O mais religioso de todos os


clementos da Irmandade era William Holman Hunt (1827-1910),
oriundo de uma família operária pobre. A sua obra caracteriza-se
25.22. William Holman Hunt. O Despertar da Consciência.
por uma combinação de didactismo moral vitoriano e intenso
naturalismo. O Despertar da Consciência (fig. 25.22), de 1853-1854, 1853-1854. Óleo sobre tela, 76,2 x 55,9 cm. Tate Gallery,
Londres
inspirou-se num passo de LDavid Copperfeld, romance de Charles
Dickens. Peggoty, amigo de David e pescador de alma simples,
parte em busca da sua amada Emily, que fugiu com um dandy
amoral. O quadro de Hunt representa a história de uma das
muitas jovens mulheres pobres da literatura romântica de então, FORD MADOX BROWN Um pintor mais velho que serviu
que viram a prostituição como única possibilidade de melhoria de mentor profissional e figura paternal da Irmandade foi Ford
das suas condições de vida, embora o resultado fosse a perdição Madox Brown (1821-1893), cuja atenção ao pormenor meticuloso
inevitável. Sentada ao colo do amante enquanto canta uma canção, e às questões éticas nos seus quadros complexos foi uma grande
uma dessas mulheres toma consciência da letra do poema, pensa inspiração para os Pré-Rafaclitas. A sua Obra (fig. 25.23), ence
na familiae enche-se de repúdio pela sua condição pecaminosa, tada em 1852 mas apenas concluída em l865, após a dissolução
da qual deseja de imediato libertar-se. O quarto está repleto de da Irmandade, é um verdadeiro sermão socialista cristo sobre
produtos do consumismo mais berrante e barato, com uma aten- o trabalh0 enquanto cura para os males sociais. E a ilustraçao
ão microscópica ao pormenor digna de Jan van Eyck, cujo Retrato de um livro do ensaísta escocês Thomas Carlyle (1795-18S8).
dos Armolfini (ver fig. 14.16) passou a integrar a colecção da Natio- chamado Passado e Presente (1843), no qual o "reaccionário
nal Gallery, em londres, em 1842. Na sua crítica à exposição da socialista", como Carlyle era chamado por Marx, argumenta em
Academia, Ruskin descreve os objectos da pintura de Hunt como favor do facto de as grandes mentes conceberem trabalho gra
tendo um "lustro terrível" e uma "novidade fatal" que reflectia titicante para os operários. Carlyle via o esforço fisico como um
os males morais da época". Como no Retrato dos Arnolfini, cada "canal fluido, escavado e revolto pela nobre força... drenando
objecto parcce funcionar simbolicamente. O gato que persegue a as águas paradas e putretactas... e transformando um pänt.ino
ave
sub a mesa espellha o carácter de
presa da mulhereorelógio pestilento em prados verdes e férteis"
que se aproxima do meio-dia intorm:a que o puco
tempo que A cena de Brown, a abarrotar de objectos e pornmenores. tem
falta para :agir
rapidanente
se escoa. O
cspelho ao fundo reflecte lugar na Hcath Street, em Hampstead, um subúrbio de Lonre
uma janela aberta -

a libxrdade
-eatravés dela purezaea beleza
a onde os trabalhadores chamdos "naveies" se entrega
-
-

do sol acenam. A imagem é atravessada


or admoniçöes biblicas VIgorosamente à tarcta de colocar canalização de água PO
c, o fundo da moldura, eneontra-se um
passo moralista dos e de
csgotos. Da direita, são observados por dois cavalheros
Provérbios. A densidade de
objectos e figuras na
pintura elunina "sibios" do trabalhox: Thomas Carlyle, de bengala, e o socal
a
padronz.açáo conpxsitiva e os contornos estéticos agradiveis cristio Frederick Denison Maurice. Atrás dos
dos,

que a Imandade tanto desprezava.


cstio os ricos ociosos, a cavalo. A
esquerda está a vendeaot de

904 PARTE IV o MUNDO MODERNO


flores, sem especial1zag o nem conhecimentos, que por scu turno
JOHN EVERETT MILLAIs A Irmandade Pré-Rafaclita
é considerada inerentemente "preguiçosa". Em primeiro plano, começou por ser mais conhecida pelas suas imagens bíblicas e
uma órfã de 10 anos, abandonada pelo pai alcoolizado que literárias. Se as suas personagens sc enraizavam num passado
reconhecemos a partir de um panfleto em que Brown desereve
cspiritual, os temas, por seu turno, eram scleccionados pclos
pormenorizadamente a sua pintura -observa os trabalhadores,
paralelos que estabeleciam com a ILondres de então e serviam
ao mesmo tempo que cuida dos irm os. Os próprios cãcs do como liçõcs morais, o que é patente em Cristo na Curpintaria
primciro plano retlectema cuidada catalogação dos tipos sociais
Everett Millais (1829-1896), apresentado na
(fig. 25.24), de John
londrinos, com o cao da órta codos encarregados a contempla-
Royal Academy cm 1850, onde foi mal reccbido. O quadro
rem. apreensivos, o chcote do burgues elegante. A pincelada apresenta Jesus em criança, na oficina de carpintaria do seu pai
imaculada de Brown regista a luminosidade brilhante do sol do
presuntivo, sendo consolado pelos pais por ter ferido uma mäo.
mcio-dia. Como em O Despertar da Consciência, de Hunt, uma Praticamente todos os objectos da oficina são símbolos disfar-
citação bíiblica aparece na moldura: "do suor do teu rosto come- çados que anunciam o futuro papel de Jesus como Salvador da
rás o teu pão" (Génesis, 3:19), uma referência à maldição de Deus Humanidade. O corte na palma da m o antevê os estigma,
sobre a humanidade pelo pecado original de comer a maçã o seu primo João transporta a taça que anuncia o futuro baptismo,
proibida da Arvore do Conhecimento. o rebanho por detrás da porta representa a congregação

25.23. Ford Madox Brown.


Trabalho. 1852-1865. Oleo sobre tela,
137 x 197,3 cm. Manchester Art
Gallery, Manchester, Inglaterra

25.24. John Everett Millais. Cristo


a Carpinturia (Cristo em Casu de
deus Pais). 1849-1850. Oleo sobre tela,
864 x 140 cm. The Tate Gallery,
Londres

CAPITULo 25 A ERA DO POSITIVISM: REALISHO, INPRESSiONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885)


905
transpos com facil1dadde para os vári0S livros que ilustr.
a s terramcntas e objectos na parcde, cspecialmcnte a cscadla,
strou eque
se revelaram muito influcntes também a nível internacio
anunciama Crucificação. A atcnção dispensada aos porinenores
Os motivos e a palcta de Morris e da sua companhia
cional.
rcalistas talvez seja a mais accntuada de entre todos os membros
nhia eram
da Irmandade: para esta tela, por cxemplo, Millais estudou o de inspiração orgânica c gotiCa, criando uma aura de natiutureza
ondc fez estudos para as e espiritualidade.Esta estética cstá patente na sala de in
tuncionamento de uma carpintaria, jantar
aparas de madeira sobre a musculatura do trabalhador.
e (fig. 25.25) que Morris desenhou, em 1867, para um novo
museu
A ovelha foi pintada a partir de cabeças cortadas de ovinos. de artes aplicadas, o Museu de South Kensington, hoje onhe-
cido Museu Victoria and Albert. Os painéis
A pintura é mais do que uma inquictante recriação de uma como em fund
cena de géncro situada na infância de Jesus. Também é a apre- dourado, pintados especialmente por Burnc-Jones, representam
ciação do trabalho e da perícia téenica, da sua espiritualidadc os 12 mescs do ano. O papel de parede de Morris, laborio
enquanto atributo de diligentes artesãos. Millais chegou ao ponto mente impresso à mão a part1r de blocos de madeira, é um

de pintar a terra debaixo das unhas de Jesus, tal como Courbet padrão superficial abstracto baseado num ramo de oliveira
com os scus pedreiros, o que ajuda a identificar o Salvador com A arcasimples, também desenhada por Burne-Jones, é da
a classe operária. autoria do arquitecto Phillip Webb, que também desenhou o

tecto e o friso que encima o papel de parede. Tão


importantes
como as manutacturas eram os princípios de fidelidade aos
wILLIAM MORRIS Por volta de 1856, dois jovens pintores
associaram-se à PRB: William Morris e Edward Burne-Jones. materiais e a adesão à função pela forma, tal como advogado
Morris (1834-1896) interessou-se por Ruskin. Já no havia necessidade de cornijas de gessoe
superficialmente
por arquitec-
outros ornamentos pré-fabricados. O papel de parede já não
tura e viria a tornar-sce um pocta de renome, mas a sua verdadeira
vOcação manifestou-se na implementação das teorias de Ruskin imitava os tecidos sumptuosos que antes da década de 1840

sobre a substituição de artigos de inferior qualidade, produzidos recobriam as paredes das casas das classes altas. Já não se
em série, por extraordinários produtos de uma concepção e aceitavapintar madeira de pouca qualidade para imitar o grão
execução sem par que, tal como na ldade Média, se destinavam das madeiras nobres. A influência de Morris nas artes aplica-
a conciliar os trabalhadores com os seus produtos. Depois de das foi profunda e duradoura, lançando o movimento que
colaborar, em 1859, com arquitectos, pintores e desenhadores ficou conhecido por Arts and Crafts e que rapidamente alastrou
pré-rafaelitas e do círculo de Ruskin para desenhar e conceber aos Estados Unidos da América.
a sua
própria casa, Morris, juntamente com alguns destes artistas,
abriu uma companhia dc design em 1865, que viria a ser conhe- O Movimento Estético: as
Psicologias
cida por Morris & Cia.. A companhia produzia belos tecidos de
Individuais e a Repressão do Erotismo
execução manual, papéis de parede, tapeçarias, carpetes, mosai- Se William Morris manteve vivo
programa moral e espiritual
o
cos, mobílias e vitrais e o
próprio Morris desenhou a maior parte de Ruskin
dos papéis de parede e dos tecidos, um talento que mais tarde
no movimento Arts and Crafis, o grupo dos Pré
-Rafaelitas já se tinha dissolvido por volta da década de 1860.

Co.).
25.25. William Morris (Morris &
de Jantar Verde. 1867.
Victoria a
Sala
Albert Museum, Londres

906 PARTE IV o MUNDO MODERNO


Millais. por exemplo, dedicou-se à pintura de cenas de género
anedóticas e, em 1863, chegou a presidente da Royal Academy, A ARTE NO SEUTEMPO

o que não deixa de ser irónico. Rossetti, com escassa produção 1848 Karl Marx,Manifesto Comunista
artística durante os anos de 1850, acabou por gravitar em direc-
185 Herman Melville, Moby Dick
ção a um tipo de pintura visionária, cnquadrada por cenários 863 Construida a primeira linha do metropolitano,
medievalistas, cm queexpressava a sua psicologia pessoale não em Londres

os valores morais da sua época, no que foi seguido por Edward ca. 1864-1870 Beata Beatrix, de Rossetti
Burne-Jones, cm cdirecção a um tipo de arte visionária que viria 1864 Sinfonia em Branco : AJovem de Branco,
de Whistler
a consolidar-se no que ticou conhecido por Movimento Estético.
1877 A RainhaVitória é coroada Imperatriz da India
Pelos quadros de Rossetti e Burne-Jones perpassam temas mar-
cados pela repressão sexual, reflexo do rígido código moral da
Inglaterra vitoriana, que proibia qualquer manifestação de
atracção sexual ou sequer a mera discussão da sexualidade.
usara na famosa ópera do mesmo nome, em 1845. Burnc-Jones
representa Vénus sendo elogiada em canções por donzelas que
DANTE GABRIEL ROSSETTI Hoje, Dante Gabriel Rossetti
o romancista Henry James (1843-1916) descreveu como "pálidas,
(1828-1882) é o pintor mais conhecido e apreciado desse movi-
descoradas e doentias, como todos os jovens do Sr. Burne-Jones"
mento mercê das telas que executou após a dissolução dos
O mesmo pode ser dito de Vénus, cujo corpo, languidamente
Pré-Rafaelitas. Líder e porta-voz da Irnmandade, o seu afasta- reclinado numa chaise-longue, indica saudade e frustração, bem
mento dos principios do
movimento revestiu-se de grande como repressão sexual. A figura funde-se com a tapeçaria em
importância. O óleo Beata Beatrix (fig. 25.26), cncetado em 1864,
pano de fundo, que narra uma cena da sua vida, enquanto à
está mais próximo da sua última fase de produço artística eé esquerda, na janela, tão irreais e artificiais como a própria tape-
um retrato da mulher do pintor, Elizabeth Siddal, que, em 1862, çaria, cavaleiros espreitam, como voyeurs, as donzelas. E nítida
se suicidou com unma dose excessiva de láudano,
anestésico um a tensão entre o espaço masculino, aberto, c a densidade do
derivado do ópio, que era frequentemente receitado para as
espaço feminino, fechado. A obra está coberta por um estranho
dores mas tomado em excesso.
Rossetti representou Siddal como Beatrice, o amor fugidio e
espiritual que o seu homónimo italiano, o pocta Dante Alighieri,
descreveu em La Vita Nuova (ca. 1293), e o estilo é claramente
Renascentista, tanto pela sua simplicidade como pela sua lineari-
dade (comparar com a fig. 15.17). O relógio de sol, àsua
esquerda,
marca as nove horas (a hora da morte de Siddal), enquanto uma
pomba aureolada, símbolo do Espírito Santo, depõe um ramalhete
de papoilas no seu regaço. Em plano de fundo, Dante e o Amor
caminham pelas ruas de Florença sem se encontrarem, perdidos
no nevoeiro, um sinal premonitório da morte de Beatrice antes

do encontro com o poeta. Siddal traja vestes medievais e o seu

famoso cabelo ruivo tomba livremente pelas costas, em perfeita


Sintonia com o gosto do gótico tardio. A sua cabeça é envolvida
por uma auréola, em tonalidades amarelas e alaranjadas, e toda
a figura aparenta estar mergulhada num estado transitório entre
a Vida e a morte, ostentando no rosto uma expressão que sugere

oração, anseio, resignação e, inclusivamente, sexualidade, reflexos


do estado de espírito perturbado de Rossetti perante a perda da
Sua amadaea frustração da sua própria sexualidade. Os contor-
nos, ondulantes, intensificam a tensão erótica que nos transporta
a nós, seus observadores, para muito longe do realismo e das

preocupações sociais da Irmandade Pré-Rafaelita e nos deixa


perante a emergência de um tipo de arte dedicado à expressäo de
Tantasias e profundos anscios psicológicos.

EDWARD BURNE-JONES ÀSsemelhança de Rossetti, Edward


Burne-Jones (1833-1898) decidiu fugir ao mundo moderno e
VIver no passado medieval, comno podemos ver em Laus Veneris

des-
Eogio de Vénus) (fig. 25.27), datado de 1873-1878. O tema

cende da lenda de Tannhäuser, um rei dividido cntre o amor 25.26. Dante Gabriel Rossetti. Beata Beutrix. ca.
I864-1870.
arnal de Vénus c a purcza da amada, quc Richard Wagner Oleo sobre tela, 80,4 x (6 cm. The Tate
Gallery, Londres

CAPITULO 25 A ERA DO POSITivIsMO: REALISO, InRESONISio E Os PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885) 907


25.27. Edward Burne-Jones. Laus Vene
1873-1878. Öleo sobre tela, 1,23x 1,86 m
Laing Art Gallery. Newcastle-upon-Tvo
Inglaterra

padrão l1near e uma vez que tudo nela possui uma sô textura, de Branco, é um bom exemplo. O título, posterior à obra, é pos-
toda a
inmagem
transtorma numa intricada tapeçaria.
se sível que tenha sido inspirado pelo poema "Sinfonia em Branco
Em Laus Veneris a franca moralidade e realismo
pré-rafaelitas Maior", de Gautier. Em 1863, Whistler apresentou o quadro ao
deram lugar a um mundo onírico, estranho e magnético, domi- Salon des refusés e a tela foi pendurada a pouca distância de
nado não
Déjeuner
pela acção, determinação ou pelos factos, mas por uma surl'Herbe, de Manet. Comoo poema de Gautier, uma sobrepo-
psicologia tingida de um intenso erotismo latente. Burne-Jones sição de várias visões em branco, a pintura orquestra uma
apresentou o quadro na Galeria Grosvenor, um espaço relati-
variegada amplitude de brancos, amarelos pálidos e vermelhos
vamente recente dedicado à pintura do novo Movimento num retrato de corpo inteiro da amante do
Estético. O grande catalisador da nova atitude artística foi o pintor, Jo, vestida de
branco contra um tundo branco, na sua maior
poeta Algernon Charles Swinburne (1837-1909); este, por seu parte. Se Gautier
e Swinburne influenciaram Whistler em termos
turno, foi influenciado durante a década de 1850 conceptuas,
pelo crítico visualmenteo
pintor deixou-se enfeitiçar pelo Japonismo, de que
francês Théophile Gautier, acérrimo defensor da teoria da "arte
Sinfonia em Branco II: A Jovem de Branco 25.28), de (fig. 1864
pela arte', segundo a qual a arte deveria ser bela sobre todos os é
outros atributos,
um
exemplo ainda mais consumado. A um certo nível, a pintura
apelando aos sentidos e não projectando valo é uma
exibição sensual de cor, formas e composições abstractas
res morais ou a
narração de uma história. Ambos, Rossetti e Criando camadas
Burne-Jones, caíram sob o feitiço de Swinburne. Mas o maior quase transparentes de cor por meio de pince
ladas gráceis e delicadas, Whistler soube criar uma sinfonia de
e mais famoso cultor do Movimento Estético foi o
pintor norte- brancos, amarelos, vermelhos, azuis que
-americano James Abbott McNeill Whistler. rosas e dançam suave
mente sobre o plano pictórico. Whistler opõe a suavidade da
pincelada e das formas (como no vestido de Jo) contra a linearidade
JAMES ABBOTT MCNEILL WHISTLER Educado entre a
rectangular da lareira, do espelho e das molduras nele reflectidas.
Rússia e a Nova Inglaterra, James Abbott
McNeill Whistler As flores, à
(1834-1903) estudou pintura com Charles Gleyre (1806-1874), em direita, introduzem um toque de novidade e delica"
deza, um artifício compositivo japonês que Degas já tinha usadd,
Paris, onde viveu de 1855 a 1859. Whisler tornou-se
Monet, que conheceu no estúdio de Gleyre, e
amigo de para criar
fragmentação e espontaneidade, mas que aqui faz cO
de Courbet e deixou
a sua marca
enquanto real1sta, pintando cenas da vida
que as
pétalas pareçam flutuar magicamente.
rânca que captavam contempo- A pintura foi concebida como tributo a Ingrès e lembrd a
o
pulsar visceral da cidade. Quando se mudou
para Londres, 1859 composição de O Retrato de Madame Inês Moitessier
(e
(Whistler nunca chegou a regressar
em
aos g 24.17), ao mesmo tempo que reconhece a capacidade ineret
Estados Unidos), o pintor continuou a
passar grandes temporadas
em Paris, fazendo várias vezes o aogrande pintor clássico de criar a beleza perfeita. Porém. a
finais da década de 1860,
trajecto entre as duas cidades até
psicologia subjacente à obra é análoga à de Beata Beatra
cultivando as suas ligações amizades
e
parisienses apresentando quadros
e (tig. 25.26), uma vez que Whistler representa uma be
eldade
nos salons. Além disso, foi
também em Paris que Whistler conheceu gualmente sonhadora e meditativa (além de sensual), de long
Manct Gautier, através de cabelos soltos. O reflexo de
Courbet, tendo conhecido Swinburne em
e
Jo flutua no
spec-
espelho como um esp
Por volta de 1863, Whistler Londres. tro e esta ema,

abandonou realismo francês e


o
imagenm inspirou Swinburne a escrever um
P
optou pelo Esteticismo, de que a sua quue Whistler afixou no reverso da tela: "Sois vós
Sinfonia em Branco1, A Jovem minha irm /Branca irm /Ou
o
tantas
serei eu? Quem sabera dizer?"

908 PARTE IV O MUNDO MODERNO


A

James Abbott McNeill Whistler. Sinfonia em Branco ll: A Jovem de Branco. 1864. Óleo sobre tela.
25.28.
The Tate Gallery, Londres
76,7 x 51,3 cm.

CAPITULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E OS PRÉ-RAFAELITAS (1848 A 1885) 909


pinceladas delicadas c de grande leveza. (omo en Sinfon.
Branco I,a tela de Whistler manilesta uma
sensibilidadee nipónica,
ão refinada que as formas c os sinais
quase não existem
cada cor
arcce diluir-se, como uma
ncvoa, na que
mancha
Com a sua exposição na Grosvenor Gallery, Whistler seguinte,
tler trouxe a
pintura para um rCino subjcctivo, nao
cmpirico, bascado n
visão estética nurna
e numa privadlas c, inadvertidamente, acabru
mostrar uma antevIsã0 da pintura nas duas
décadas scguintoMor

O REALISMO NA AMERICA DO NORTE


Ocfeito das revoluções de 1848
não chegou à perturbar érica a
do Nortc, que, não obstante, recebeu ondas de
imigrantes que
fugiam aos tumultos. A Gucrra Civil, por seu lado, teve
impacto
devastador sobre a nação norte-americana, arrasando o
do Eden". Depois da Guerra, csta metátora do Eden foi
"Jardim
substi.
tuída pela da ldade de Ouro, termo cunhado por Mark
Twaine
pelo co-autor de um livro, publicado em 1871, com o
mesmo
título, que descrevia os robber barons, uma designação
abrangente
que definia os especuladores, os manutactureiros, os
industriais,
os investidores em
propriedades e imÓVCIs e os
magnates do
caminho-de-ferro, do carvão e do ferro, que construiram enormes
fortunas, por vezes explorando os trabalhadores. A sua nova
riqueza transformou-os numa espécie de aristocracia norte
-americana que desejava tudo o que era
europeu. O retratista
preferido desta classe foi o pintor norte-americano John Singer
Sargent (1856-1925), formado na Europa (ver A Lupa da História,
página 912). Os robber barons e as suas famílias viajaram por toda

25.29.
a
Europa e trouxeram mobiliário e obras de arte europeus e
James Abbot McNeill Whistler. Nocturno em
A Queda do Foguete. ca. 1875. COleo sobre Negroe Ouro: construíram villas e châteaur ao gosto
europeu. O período também
madeira, 60,2 x 48,6 cm. se define
The Detroit Institute of Arts, por uma expansão contínua para ocidente,
IDoação de Dexter M. Ferry, Jr. preenchendo
o
que a nação via como o seu Destino Manifesto, ordenado
por
Deus: dominar por
Na década seguinte, a completo o continente norte-americano.
pintura de Whistler tornou-se cada vez Equipas topográticas mapearam os novos territórios e o caminho-
mais abstracta, como se vê em Nocturno em
Negro e Oruro: O Foguete -de-ferro transcontinental foi concluído em 1869
em Oueda
(fig. 25.29), de 1875. A tela foi exposta em 1877, na por trabalhadores
mal pagos. Por volta de
Galeria Grosvenor, com sete outros nocturnos do rio 1890, o governo já detinha o controlo
Tamisa, telas absoluto sobre as nações nativas
ctéreas, em tonalidades de azul-acinzentado, todas americanas, quer pela tormaçao
destinadas a de reservas em territórios restritos, quer
consubstanciar a sua defesa da arte pela arte. O pela sua aniquilaçao
Foguete em Queda violenta.
é, sem dúvida, a sua tela mais
abtracta,
ao
ponto de o
pintor ter
sido acusado por um Ruskin envelhecido de "ter
atirado O Realismo
de tinta à cara do
público". O tema, a representação
de
um

um
pote
fogo- Thomas Eakins
Científico: Thomas Eakins
-de-artifício em Cremorne Gardens, um local muito (1844-1916), natural de Filadélfia, encontrava-se
no bairro londrino de
popular sito entre os
primeiros e mais fortes pintores realistas norte
Chelsea, permitiu a Whistler ser, a um -americanos. As suas cenas do mundo moderno incluíam no
tempo, realista e abstracto, criando uma imagem credivel, che- só actividades de lazer da classe média como tambénm
gando mesmo a reproduz1r uma imagem da vida moderna, mas,
taçoes dos
represen
ainda assim, confeccionada em estúdio desportos e passatempos populares da América d
segundo ditames subjec Norte do
pós-guerra civil. Além disso, Eakins retratou clinicas
tivos. Como o título
sugere, ao incluir palavras como sinfonia, de
cirurgia em que os cirurgiões eram
onatu e nocturno, Whistler
considerava a pintura
música visual, modernos, ao mesmo tempo que
apresentados comoheró
chegando mesmo declará-la abstracta, na sua essência (ver Fonte
a realçava novas técnicas c
tilicas como a anestesia e a rdou
Primária, página 911) (em obediência à mesma cirurgia antiséptica. Eakins a
analogia, Burne- O seu
realismo de forma cientíifica, o s
-Jones retratou, váras vezcs, donzelas tocando
instruimentos dos
que distinguiu1s su
musicais). Semo tútulo, O cquadros realistas de Manete Degas que o cano
Foguete em Dueda, seria dificil discernir tinha
norte-aniet
deste podido observ.ar Paris, de 1866 a 1869, enquanto cs
em
o tema
quadro eo observador limitar-se-ia saborear
a a dava com u n renomado
exibigão de salpicos laranja aarelos que correm,
e pintor da academa.
mente, sobre um lundo de cnzentos, azuis preguiçosa .ntre as
primeiras obras «que Eakins completou pouco po
e
castanhos, dado em de
regressar a Filadlélfia está uma série de dores
pinturas de re

910 PARTE Iv o MUNDO MODERNO


"sla úsica pur:a, tal como a uvimos dos ares, banais e vulgares en
James Abbort McNeill
S, 1mas interessantes pelas suas iasociaçõcs, cono por cxemplo, "Yankce
Whistler (1834-1903) Doodle..."
A arte deve ser independente de todo o tipo de artificio vazio - deve

Valer por si só e apclar a0 sentido artistico cda visão ou da audição, sem


De The Gentle Art of Making Encmies Se contundlir com emoçõcs a cla estranhas, con a devoção, a piedade, o

The Gentle Art of Making Enemies (1893) anor, o p:atriotisno c outros senclhantes. Nenhuna destas se rclaciona
é a
autobiografia de Whistler.
com acjuela eé por iss cuc eu insisto cm chamar às minhas obras
"arran
al conmo a música é apocsa do sOm, assim a pintura a jose "harmonias".
pocsia
da visão, c o tema n+o tem nada a ver com a
harmonia do som e
da cor.
Os grandes músicos sabiam isto. Bcethoven e os outros cscrcveram
música simples1nente música, sintonia neste tom, concerto ou sonata
naqucle. [FONTE: THE GENTLE ART OF MAKING ENEMIES (NY. PUTNAM, 1925)]

como Max Schmitt em Single-Scull (também conhecido


por Enquanto ensinou na Academia de Artes da Pensilvânia, chocou
Campeão do Single-Scull) (fig. 25.30), um óleo que reflecte a
oscolegas e o público ao permit1r que os alunos trabalhassem a
crescente popularidade da canoagem representa Max Schmitt, e
partir de modelos nus, em vez de desenharem reproduções em
o vencedor de uma regata no rio Schuylkill, em
Filadélfia, como gesso de estátuas clássicas. O desejo de maior realismo levou o
herói da vida moderna. Ainda que o
quadro pareça uma pintura pintor a registar na tela os mais ínfimos pormenores da paisagem,
em plein-air, não estamos, contudo,
perante um registo rápido incluindo um barco a motor e a paisagem por detrás das pontes
de um movimento, estilo impressionista. Trata-se, isso
em
sim, atastadas. São pormenores que já escapam ao campo normal de
de um cuidadosamente reconstituído no tempo. Os
evento
visão (pouco tempo depois, Eakins viria a complementar os seus
quadros de Eakins são fruto de intensiva investigação científica esquissos preparatórios com fotografias). O realismo de Eakins
destinada a assegurar o rigor do seu realismo. Sabemos que o estendeu-se ao moderno estudo psicológico, uma vez que o
pintor fez numerosos estudos em perspectiva dos barcos e dos isolamento de Schmitt sobre a grande supertície aquática parece
remos, para obter o eteito de recuo do rio, com precisão mate- uma forma de alienação, bem como a expressão facial de estra-
mática, de modo a fixar os barcos firmemente no espaço. Eakins nheza, enquanto vira para
se nós, n o para Eak1ns, que ocupa
dedicou-se ao estudo apurado dos efeitos da luze da anatomia. a canoa atrás de Schmitt.

25.30. 1honas Eakins. Max Sehmitt em Single Sull (0 Canmfcio de Sngle Se ull). 1871. Oleo sobre tela,
82x 117,5 cm. The Metropolitan Muscum ot Art, Nova orjue. F'uno Nllred . Punnette legalo George

D. Pratt, 1934. (34.92)

CAPITULo 25 A ERA DO PosITIVIS1O REALIsiO, INPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (I848 A I885)911


A Reputação dos Artistas e as Mudanças
na Metodologia da História da Arte

vezes
de metodologia na história de arte pode por
ma mudança
afectar as atitudes dos estudiosos perante os artistas, fazendo por
vezes reviver artistas anteriormente conhecidos mas que, por uma razão

ou outra, foram progressivamente desaparecendo dos livros de história.

Um caso exemplar é o do pintor norte-americano John Singer Sargent

(1856-1925), que foi um dos mais famosos e bem-sucedidos artistas do


seu tempo. Podemos, inclusivamente, considerá-lo o mais importante
artista norte-americano, uma vez que viveu e trabalhou na Europa e os

seus quadros pareceram adoptar os valores europeus que os seus com-

patriotas novos-ricos tanto desejavam emular.


Sargent nasceu e cresceu em Florença e estudou na Ecole des Beaux-Arts,
em Paris. Por volta de 1879.já ganhava as suas primeiras medalhas nos Salons.
Em parte graças ao encorajamento do romancista Henry James, Sargent
fixou-se definitivamente em Londres,em 1886.Em 1887,fez a primeira viagem
profissional aos Estados Unidos e transformou-se, de imediato, no retratista
preferido da alta sociedade, pintando o retrato de Wiliam Henry Vanderbilt.
de Nova lorque, e de Isabella Stewart Gardner, de Boston. entre outros. Por
volta de 1892, era o retratista mais foçonnable de Londres e talvez de todo
o continente. O èxito de Sargent assentava, em parte, no imaginário luxuriante
dos quadros, repletos de sumptuosos tecidos e de mobilias luxuosas, refor
çado por uma pincelada dramática e sensual.
Sargent era um defensor da avant-garde, tendo travado amizade com
Claude Monet, a quem comprou obras, assim como a Manet. A sua obra
reflecte a bravura representativa de Manet e, tal como este, admirava

Velázquez. Além disso, executou inúmeras paisagens e vistas citadinas


impressionistas, muitas vezes a aguarela. Ironicamente, Sargent caiu no
esquecimento devido à evolução do Modernismo, durante o século xx.
Ainda que a excelência do seu tratamento da cor tivesse as caracteristi-
cas de abstracção que os Modernistas tanto admiravam, a sua obra foi
recebida como conservadora e sem nada a oferecer. Pior que tudo, a sua
pincelada vanguardista era cuidadosamente aplicada na execução das
fórmulas antiquadas do retrato de sociedade.
A reavaliação de Sargent começou na década de 1950, com uma apre-
ciação renovada do tratamento da cor nas suas aguarelas impressionistas. John Singer Sargent. I.N. Phelps Stokes e Esposa,
Nas décadas seguintes, a sua reputação foi subindo progressivamente, à
1897. Oleo sobre tela, 214 x 101 cm.
The Metropolitan Museum of Art, Nova lorque.
medida que o Modernismo era substituido pelo Pós-Modernismo e pelos
Doação de Edith Mintum Phelps Stokes
seus valores mais abrangentes (ver Capitulo 30). A representação voltou (MRS.I.N.), 1938. (38.l04)
a estar namoda na arte e os historiadores de arte começaram a apreciá
-a pela forma como reflectia o espirito da sua época. Os retratos de
Sargent eram agora recebidos como a corporização da sociedade victo- respeitabilidade convencional da era victoriana, que mantinha as muinere
riana e eduardina e da era dourada seguinte. num casulo de domesticidade. Ela saía em püblico; tinha recebido un
Por exemplo, os estudos de género, que começaram a aparecer na de
educação académica e era atlética, espirituosa e exibia o seu pou
década de 1970, incidiram sobre a ousadia da sua apresentação das vestia
tambenm
atracçao sexual. Não só usava roupas confortáveis como

mulheres, como pode ser visto neste retrato, de 1897, de Edith Stokes, roupas de homem, ou um corpete baseado na canmisa mascuina c
vez

socialite nova-iorquina (. N. Phelps Stokes e Esposa). Em vez de nos de sacriticio pessoal, a mulher moderna procurava a realização pe>
apre-
sentar uma mulher recatada e feminina, Sargent oferece-nos Sargent apresenta-nos Edith Stokes como uma destas nmuu
heres,
uma agressiva
senhora Stokes, que representa a"Nova Mulher" representando-a à frente do marido. Para o seu tempo. esta e
uma

que emergiu durante a


década de 1890 (ver página 927). Num periodo em o movimento apresentação radical de uma mulher e um reflexo não só da persoa
lidade

que
feminino reivindicava acesamente direitos iguais, muitas mulheres afirma m

do modelo e da identificação com os temas feministas, mas


tamo
vam a sua independência e desafiavam os papéis convencionais atribuidos vontade de Sargent em escapar às convenções do retrato e as expecta
aos
géneros. Esta Nova Mulher era
independente e revoltava-se contra a tivas sociais da época.

912 PARTE IV O MUNDO MODERNO


25.31. WV'inslow Homer.

Snap The l1 hip (o Jogo da Corda). 1872.


Ólco sobre tcla, 56,5 x 92,7 cm.
The Butler Institute of American Art,
Youngstown, Ohio

Imagem lcónica e Paisagem Naturalista: frances. Podemos ver essa abordagem emblemática em Snap the
Whip (0Jogo da Corda) (fig. 25.31), datado de 1872. Este registo
Winslow Homer e Albert Berstadt VIsual de um jogo intantil parece, à primeira vista, ser de um
Winslow Homer (1836-1910) esteve em Paris por volta do mesmo
período de Eakins. Homer já estava predisposto a pintar o
Impressionismo americanizado: a imagem é uma cena banhada
pelo sol, representada com cores razoavelmente vivas e pince
mundo moderno, posto que encetara carreira de ilustrador de ladas exuberantes. Porém, a cor de Homer não é tão intensa
revistas em 1857, registando o último grito da moda e as activi-
como a dos Impressionistas e a pincelada não é tão solta. Este
dades sociais. Mais tarde, viria a fazer a cobertura da Cuerra
quadro não se resume a cor e luz e à captação empírica de uma
Civil como repórter. Em 1866-1867, Homer esteve em Paris, cena específica e de um momento fugidio - é uma imagem
onde pode contemplar as obras de Courbet, Millet e Manet, mas
congelada. As figuras foram cuidadosamente delineadas e
não ficou tempo suficiente para sentir todo o impacto do Impres- modeladas e são monumentais; a sua solidez é reforçada pela
sionismo. Ao regressar a Nova lorque, pintou cenas ao ar livre
geometria do edificio da escola e pela ousadia do fundo, cons-
que retratavam as actividades de lazer da classe média, como tituído pela montanha que corre em paralelo ao movimento dos
jogar croquet, desfrutar das mais modernas estâncias à beira-mar rapazes. As crianças descalças e com simples roupas do campo,
e andar de cavalo nas White Mountains, no New Hampshire, tal como a escola atrás, são emblemas de
diversões que o caminho-de-ferro tornara acessíveis.
simplicidade e pureza,
sendo que a sua juventude projecta inocência e esperança futura
Contudo, em vez de retratar um momento fugaz, Homer para um país recentemente reuniticado. O próprio jogo simbo-
criou imagens icónicas, simbólicas da vida e dos temas norte- liza a união, uma vez
que a corrente de rapazes apenas é tão
-americanos, tal como Millet havia retratado o camponês forte quanto o seu elo mais fraco. Numa altura em
que a nação

5.32. Albert Bierstadt. Montunhus


Rochosas: o pico de Lander. 1863.
Oleo sobre tela, 1,86 x 3 m.
The letropolitan Aluseunn ot Art,
Nova lorque. Fundo Rogers, 1907
(07.123)

CAPITULO 25 A ERA Do POSITIVISH0: REALISMO IMPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A I885) 913


O reflexo obtido servia de moclelo para o desenho do
vacilara sob o peso da desilus o trazida pela Guerra Civile pelo Sabemos quc, entre outros, Verincer e Canalctto pintor.
tto pinta
pintaram os
turbilhão da industrialização galopante, Snap the Whip (0 Jogo cus quadros com o auxíilio cla cúmenu escura. Contudo, a fixad
da orda) corporizava a inocencia perdida
do país, funcionando ixação,
mecânica da imagcm scm rCcorrer ao desenho ainda
valorcs que se iam dissolvendo eVaria
com
c o m o apelo nost:álgico a
s culos a rcsolver.
brumas da mennóra. alguns
rapidez nas
científica
O naturalismo pormenorizado e a documentação
t o r n a r a m - s e cada vez mais pre-
As Primeiras Inovações
que assoC1amos ao positivismo No início do século xvII, já se sabia cque os sais de prata eran
a partir da década
sentes na pintura paisagística norte-americana,
sensíveis à exposição luminosa. Porém, só em 1826 o nventor
de 1850, embora, na sua essência, as obras tenham permanecido
ênfase sobre o carácter frances Joseph-Nicéphorc Nipee (1765-1833) viria a ter a
romanticas, que mantinham a
uma vez
primeira imagem fotográfica, pouco nitida, a partir da janela
sublime da naturcza selvagenm do país. Esta necessidade de
documentar em pormenor é especialmente patente na obra dos da sua casa, depois de oito horas de exposição. Niépce associou

artistas-cxploradores, como foi o caso de Albert Bierstadt -Se então ao pintor Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-185),
(1830-1902); eram pintores que viajavam para o Oeste bem como Este último, ao descobrir a fotossensibilidade do iodeto de prata
locais e do vapor de mercúrio, revestiu uma chapa de cobre com este
para a América do Sul e para o Arctico para registar
exóticos de grande efeito. preparado e inventou o daguerreótipo em 1838. O governo
Albert Bierstadt era alemão, criado no Massachusettsc francês comprou-lhe a patente do processo e partilhou-o com o
resto do mundo, menos com a grande rival - a Inglaterra.
formado pela Academia de Düsseldorf. Em 1859, associou-se a
uma unidade militar que supervisionava uma rota terrestre A invenção foi um triunto nacional1sta e imperialista para os
através das Montanhas Rochosas e foi um dos primeiros euro- franceses, já que lhes permitiu documentar no só os monu-
-americanos a testemunhar a beleza sublime destas mentos em território metropolitano, mas também os das colónias
espectaculares elevações. Em 1863, pintou Montanhas Rochosas, francesas e do Egipto, em particular. Além disso, a fotografia
pico de Lander (fig. 25.32) no seu estúdio nova-iorquino, a par- passou a ser vista como um meio artístico republicano por exce-
tir de esquissos e fotografias tomados durante aquela viagem. lência, uma vez que, ao contrário da pintura e da escultura,
O quadro continua a tradição da paisagem sublime da Escola tornaria o retrato muito acessível a todas as classes sociais.
do Rio Hudson (ver página 855), uma vez que Bierstadt capta Entretanto, em Inglaterra, William Henry Fox Talbot
a espantosa escala das Montanhas Rochosas (que chegam a (1800-1877) anunciou, em 1839, ser possível fixar uma imagem
tornar pequena uma catarata enorme). Uma luz divina é reflec- sobre papel, prescindindo, portanto, das chapas metálicas ou
tida num lago cristalino e vemos indios americanos em vítreas até então utilizadas. Em 1841, Talbot registou a patente
harmonia com a natureza. da nova fotografia obtida a partir do processo negativo/positivo,
Executado na época das batalhas mais ferozes da Guerra a que chamou calótipo, uma impressão sobre papel fixada com
Civil, esta gigantesca tela foi recebida como um emblema de sais de prata. Ao contrário do daguerreótipo, que apenas pro
paz: o tema, afastado do campo de combate, reconfortava os duzia uma só imagem, o calótipo podia gerar um número
norte-americanos, mostrando-lhes que o Jardim do Eden per- infinito de positivos com um só negativo.
manecia intacto algures. Depois da guerra, estes quadros No início da década de 1850, o daguerreótipo e o calótipo
desempenhariam unm papel fundamental nas migrações para foram ultrapassados pelas invenções simultâneas em
França
ocidente e, com a abertura do caminh0-de-ferro, ajudaram a na Grã-Bretanha do processo de colódio húmido. Esta técnica
promover o turismo. usava uma emulsão altamente sensível, colódio
(algodão-pólvora
dissolvido em éter de álcool), que reduzia o tempo de
exposição
para menos de um segundo e produzia um negativo muito nítido
A FOTOGRAFIA: UM MEIO MECÂNICO DE
e facilmente reprodutível. No entanto, processo, moroso
PRODUÇÃO ARTISTICA EM SERIE o

incómodo, implicava preparar e processar a chapa fotogratica


Em 1839, a fotografia comercial foi introduzida, quase em de vidro, que, além disso, nunca
podia secar e exigia uma cimara
simultâneo, na França e na
Inglaterra. Processo mecânico que de revelação portátil. Por volta da mesma altura, Louis-Désre
poria serviço da bu-
se ao
produção em sériee da cultura
popular, Blanquart-Evrard (l802-1872) inventou a impressão em
a
fotografia parece feita à medida da Revolução Industrial e até mina, ou clara de ovo e sal sobre papel. O resultado toi un
uma sua
consequéncia. Além disso, foi o instrumento ideal da superticie mais suave e refinada que fixava nmaior quantt
Cpoca positivista e começou por ser usada para catalogar, docu- de pormenores mas com muito menos grão. Durante os
su
mentar e
apoiar a
investigação científica. A sua
objectividade 40 anos que se seguiram, os usaram chapas de
fotógrafos coloa
aparente estabelece um paralelo com as representações da vida húmido para de albumina
ra a

da
registar imagens e papel
par"
comum
pintura real1sta e
impressionista. impressão.
Na
verdade, fotografia em potência já existia cdesde a
a
m 1846, Talbot publicou un livro com ilustrações totogra
Antiguidade, sob a forma de um artificio chamado câmera ficas intitulado O Lápis da Natureza, cujo titulo evocavaa
luz.

escura.Era uma caixa dotada de um "lápis da natureza", "desenhando" sobre uma superticie tra
tada
pequeno orificio num dos
lados por onde a luz projectava, na
parede oposta do interior (aliás, a palavra gregaphotograph deriva das palavras greg spara
da caixa, a
imagem invertida de opicos
um
qualquer objecto exterior. luz"edesenho") e onde se esboçava a maior partedes

914 PARTE IV O MUNDO MODERNO


directa apresentação dos fotografados contra um fundo simples
c despojado quc não distraía da respectiva presença física.
O daguerreótipo podia registar os mais infimos pormenores com
grande clareza e aguentava at uma inspecção à lupa (tente fazer
O mesmo com uma impressão em albumina e terá um borrão).
Assim, no retrato a daguerreóipo do abolicionista John Brown
(fig. 25.33), tirada por Augustus Washington (1820-1875), cerca
de 1846-1847, podemos ir ao ponto de contar os fios de cabelos,
seguir as rugas no rosto e nas mãos e inspeccionar a linha com
que foram cosidos os botões! Ao contrário da maior parte dos
seus congéneres europeus, os retratistas norte-americanos enco
rajavam os clientes a projectar a sua personalidade na fotografia
e é por essa razão que a pose determinada e de confrontação de
John Brown tenha sido decidida pelo próprio abolicionista, talvez
encorajado por Washington. O fotógrafo captou Brown em gesto
de juramento, segurando uma bandeira que os historiadores
acreditam ser do Subterranean Pass Way, nome por ele dado ao
"caminho-de-ferro clandestino" que Brown preparava para
transportar os escravos fugidos para o norte. Embora Washington
fosse dono do estúdio mais próspero de Hartford, no Connecticut,
é certo que Brown foi ter com um homem que partilhava as suas
convicções abolicionistas, como era é decerto o caso do retratista,
25.33.Augustus Washington. John Brown. ca. 1846-1847. cidadão norte-americano, livre, de ascendência africana e activista
Daguerreótipo em quarto de chapa. 10 x 8,2 cm. National Portrait
político. Contudo, convencido de que os negros nunca atingiriam
Gallery, Smithsonian Institution, Washington, DC
uma posiçãco de igualdade ainda em sua vida, Washington vendeu
a
sua loja e emigrou para a recém-fundada República da Libéria,
em Africa, antes da Guerra Civil.
que teriam grande importância no desenvolvimento futuro do
meio. Já nessa altura Talbot entendia que a fotografia não era
apenas um processo de registo científico mas também era um
veiculo interpretativo quc permitiria criar novas formas de
perceber e compreender a realidade. Todavia, as suas intuições
só seriam plenamente apreendidas quandoo século xx já estava
bem avançado; até aí, o grande público serviu-se da fotografia
para registar a verdade e considerou-a um símbolo da mecani-
Zação e dos males que dela resultaram.

ORegisto da Realidade
Na década de 1850, a fotografia era usada principalmente como
meio de registar pessoas, paisagens e objectos. Estas imagens
eram consideradas factuais, não sem alguma ironia, uma vez
que, como veremos, os fotógrafos podiam manipular as imagens
de várias maneiras, através da selecgão de motivos para fotogra-
Tar, por exemplo, ou daquilo que era ou não incluído no

enquadramento.
oRETRATO Os norte-americanos aderiram em especal a

fotografia, introduzida pelo pintor e inventor Samuel Morse

(1791-1872), que regressara de França apenas algumas


semanas

após a disponibilização gratuita do meio pelo governo francés,


em 1839. Em breve, todas as cidades norte-americanas tinham
OSeu estúdio fotográfico, que ofcrecia retratos em daguerreóupo,
uma forma de fotografia cque permaneceu popular nos Fstaclos
Unidos mesmo quando já estava ultrapassacda na Europa. Avs
rte-americanos agradou, em especial, a riquczaa de oormeno- 25.34. Nadar. Thcophile (idtutier. 1854-I855.
Tes e a simples factualidade obtidas pelo processo, bem como a
lmpressão sobre p.apel
de albumina, tixo sobre papel de Bristol, Alusée
d'Orsay, Paris

CAPITULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E Os PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885)


915
pelas celcbridades, com várias impressões em séri
sobre albu-
A ARTE NO SEU TEMPO mina dos famosos, cm particular de escritores, tores,
art
1853 o Comodoro Perry, dos Estados Unidos da epintores da Paris bo mia. O scu talento de caricaturictStas
a reatar o
comércio -se fundamental para a criação dos enquadram
América, compeliu o Japão
possibilitou a criaç o de retratos incisivos quc captavam
com o Ocidente a cssén-
854 Théophile Gautier, de Nadar cia e a mística do retratado.
1861-1865 - Guerra Civil Norte-Americana O talento de Nadar está patente no retrato do criticod
1876 Alexander Graham Bell patenteia o telefone
e arte
Téophile Gautier (fig. 25.34),datado de 1854 ou 1855, de
impressionante, mesmo cm repouso. O ângulo baixo da dpresença
faz o retratado pareça maior doque e,
byectiva
com que uma
qualidarl,
reforçada pelo ventre, que aparece através do
Na Europa, o maior estúdio retratista da década de 1850 e casaco aberto, O lado
I860 pertencia a Adolphe-Eugéne Disdéri, sediado em Paris e direito da figura, artisticamente desfocado (um anátema
para os
com lojas abertas em Madrid e Londres. O seu vasto pessoal fotógrafos realistas norte-americanos), serve de contraste ao volume
produzia, sem cessar, um número impressionante de retratos nítido do corpo de Gautier. A testa foi realçada e está cheia de luz
padronizados, sempre com os mesmos adereços e cenários (por cnquanto os olhos foram mergulhados na sombra, sugerindoque
exemplo, uma coluna grega c um grande panejamento ondulante), o possuidor de um espírito aguçado se cncontra mergulhado em
destinados a satisfazer as ambições sociais dos seus clientes bur- profundos pensamentos. Por fim, as roupas, boémias e desalinhada
gueses. Em 1854, Disdéri aumentou a popularidade da fotografia afastam Gautier do mundo de fantasia que Disdéri täo bem ouke
quando inventou a carte-de-visite com várias imagens, um cartão- captar nos seus retratos da burguesia.
-de-visita com inúmeros pequenos retratos que o visitante
deixaria. PAISAGENS Além do retrato, a paisagem dominou a
fotografia,
Entre os primeiros retratistas dessa época, o mais celebrado que criava no observador a ilusão de viajar por todoo
uma vez
foi, sem dúvida, o parisiense Gaspard-Félix Tournachon mundo sentado na sua sala. Em resposta ao desejo do governo
(1820-1910), conhecido simplesmente como Nadar. Começou a francês de documentar as conquistas africanas, Maxime Du Camp
carreira como jornalista e caricaturista e é provável que tenha (1822-1894), jornalista parisiense, fotogratou os territórios fran-
aprendido fotografia para fazer as caricaturas litográficas para ceses em Africa e no Médio Oriente, de 1848a 1852, e neste último
um
compêndio que planeava, dedicado às 1000 personalidades ano publicou 125 imagens em Egipto, Nübia, Palestina e Siria. Este
mais proeminentes do seu tempo, a que chamou Le Panthéon tipo de álbuns era caro e os stereocards, uma alternativa barata,
Nadar. Foi um dos primeiros a aproveitar-se da paixão do público tornaram-se, por volta da década de 1860, tão populares como o

25.35. Carleton Watkins. Vale de Yosemite


Impressão sobre albumina. (Melhor Vista Geral). 1865-1866.
85 l13 cm. The
x
J. Paul Getty Museum, Los Angeles
916 PARTE IV OMUNDO MODERNO
CD de hoje. Os stereocards são formados por duas fotografias DOCUMENTAÇÃO A fotografia foi tambéin posta ao serviço

lado a lado, tiradas por uma câmara fotográfica dle eluas lentes, da categorização de tipos sociais, tio cara à mentalidade positivista,
a VIsio hurmana binocular. Quando as duas cin lmndon Tabour and
para reproduzir c un dos primeiros cxemplos aparcce
catálogo de
fotografias são colocadas num vis0or cspecial, surgem como uma london P'or (1851-1862), de Henry Mayhew, un

só imagenm, tridimcnsional. P'ara responder à enorme procura trabalhadores c de cicladäos anóninos ilustrado com litografias,
deste tipo de fotografias, as companhias distribuidoras chegavam a artir de daguerreótipos de Richard Béard, quc abriu o prineiro
a ter cerca de 300 O00 imagens em armazém, de cacda vcz. A ra- estúdio de retrato em Londres. Talvez o primeiro cxemplo deste
picdez da impressão produzia fotografias de baixa qualidade, uso cda fotografia seja a Street Life in London (1878), de Adolphe
brochura
problema complicado pelo tamanho (6 x 15 cm), embora existis- Sinith, inicialmentc publicado mensalmnente,
como

Smith era o
sem formatos maores.
ilustrada, muito ao estilo das fisiologias de França.
(1846-1924), u m
A semelhança dS seus cOngéneres pintorcs, um grande
pseudónimo de Adolphe Smith Hcadingley
Thomson
número de fotógratos norte-americanos especializou-se em activista social, que se associou ao fotógrafo John
fotografia de paisagem e deslocou-se para ocidente, acompa- (1837-1921). Este, por sua vez, também escreveu a maior parte
nhando frequcntemente cquias de agrimensores, para registar tipo cada social. Como
dos extensos textos que acompanhavam
as sublimes paisagens naturais que simbolizavam a nação norte- se afirmava na sua introdução, os dois consideravam a fotografia
-americana. Destes primciros grupos avulta a figura de Carleton como um instrumento de validação das suas descrições: "[Nós
Watkins (1829-1916), que, a partir de 1861, tirou centenas de queremos.. realçara precisão da fotografia
na ilustração do nosso

paisagens estereográticas sobre vidro do Parque de Yosemite, tema. O rigor inquestionável deste testemunho permitir-nos-á
Pobres de Londres,
apresentar exemplos verdadeiros dos
sem que
juntamente como cerca de um milhar de impressõcs em albu-
mina, com 85 x 113 cm. Apesar do seu marketing comercial, sejamos acusados de estar a subvalorizar
ou a exagerar pecculia-
Watkins considerava as suas fotografias obras de arte, não ape- ridades ou aparências individuais."
nas registos documentais. Originário de Onconta, Nova lorque, Se bem que a maior parte das imagens de Thomson sejam
The
Watkins foi para São Francisco durante a Corrida ao Ouro, em muito objectivas e livres de preconceito, já outras, como

1851, e viria a tirar retratos em daguerreótipo e a reg1star a Crawlers (fig. 25.36), são poderosas e plenas de compaixão,
paisagem fotograficamente, para levantamentos topográficos. levando o observador a simpatizar com as difíceis condições de

Ao ouvir falar das maravilhas de Yosemite, Watkins partiu de vida dos pobres de Londres. Aqui, uma viúva, sem abrigo, cuida
imediato, cm 1861, para tirar fotografias dessa maravilhosa e de uma criança, cuja m e foi trabalhar. A foto apareceu numa

primordial paisagem. Para captar a grandiosa escala da paisagem, brochura chamada The Crawlers (literalmente, Os Rustejantes).
o fotógrafo achou necessário tirar fotografias em grande formato; uma alusão aos pobres sem abrigo que quando obtinham dinheiro
por conseguinte, desenvolveu uma câmara gigantesca que tun- suticiente para comprar chá "rastejavam" para um pub onde
cionava com grandes chapas de vidro. Depois encerrava-se num pediam água quente.
vagão coberto, no meio de uma tonelada de equipamento, que
incluía chapas de vidro húmidas e uma câmara escura, e come- O Relato de Notícias: Fotojornalismo
ava a revelar as exposiçöes recém-tiradas. Como precursoras do fotojornalismo, as primeiras fotogratias
Os resultados, como vemos em Vista do Vale de Yosemite da registaram acontecimentos famosos, de que ressaltam as imagens
Melhor Perspectiva Geral (fig. 25.35), executado na segunda da Guerra Civil, como Colheita da Morte (fig. 25.37), de Timo-
viagem a Yosemite, e m 1865-1866, foram tão arrebatadores thy O'Sullivan (ca. 1840-1882), que, tal como Watkins, viria a
que ajudaram a Presidente Lincoln a criar a reserva
convencer o ser um dos grandes fotógrafos do Oeste norte-americano. Antes
natural do Parque de Yosemite. Watkins, tal como Bierstadt desta viagem de documentação, O'Sullivan começou a carreira
no seu quadro de Landers Peak, soube capturar a sublime como aprendiz de Mathew Brady (1823-1896), o dono de uma
escala natural da paisagem selvagem americana, em que os das mais afamadas galerias de retrato norte-americanas, em
picos montanhosos são tão avassaladores que reduzem Yosenmite Nova lorque (Abraham Lincoln posou cerca de 30 vezes
para
Falls, u m a das maiores quedas de água dos Estados Unidos da Brady e atribuiu a sua vitória nas cleições de Novenmbro de 1860o
América, a quase nada. Watkins conseguiu uma imagem ao retrato que Brady dele fizera nesse ano). Em 1862-1863.
trabalhar texturas e x t r e m a m e n t e ricas
durante O'Sullivan fez um contrato com a equipa fotográfica de Ale-
Sumptuosa ao

criou forte sentido teatral através xander ardner e contribuiu com 44 imagens para o álbum
proceso de revelação e um

de de valores e de uma composição em Gardner's Photographic Sketchbook of the War (1866). Ao contrá-
poderosos contrastes

da direita. Para rio dos banais registos totográticos das guerras, como os
que descem da esquerda e
Vincadas diagonais,
céu transformasse num branco monótono, realizados durante a Guerra da Crimeia, entre 1854-1856, as
mped1r que o se

acrescentar nuvens. fotografias da Guerra Civil de O'Sullivan e dos seus parceiros


watkins usou um segundo negativo para
e considerarmos o nível de manipulação da câmara, incluindo capturaram a horrivel devastação causada pelo contlito ameri-
a profundidade de campo e os tempos de abertura, a seclecção cano, apesar de os tempos dde expos1ção exig1dos pelas suas
Co enquadramento c os vários utensilios usados na câmara camaras não permitirem imagens de acção.
Watkins chamou Em Colheita da Morte, sentimos todo o impacto doxumental
cScura, podemos compreender porque é que
arte à sua fotografia, chegando a expo-la na prestigiosa Gale- da realidade desta totogratia, torça qque nenhuma
uma
pintura
pode ransmitir; o que veos s.io pessous ver<dadeiras e pessous
T1a
Goupil, em Nova lorque,

CAPITULo 25 A ERA DO POSITIVISHO: REALISMO, IMPRESSIONISMO E Os PRE RAFAELITAS (I848 A 188s) 917
11101tas. Sio 1magcns tiradas de um acontecimento real,. que teve

lugar nuna data especifica, 3 de Julho de 1863, dia da Batalha


de icttysburg. Nio se trata. pois, de uma imagcm fictícia, ou
cncenada, cmbora se saiba que os fotógrafos de gucrra costu
mavam dispor os cadáveres c os objectos para criar um maior

cfcito. Porém, nada nos indica quc O'Stullivan tenha feito o


mesmo aqui, mas ainda quc tal seja o caso, o quc vemos c uma

rcprescntação das ncgras realidades da guerra. Os cadáveres


anónimos, sem vida, são como fardos de algod o à cspera da
recolha c as suas formas cscuras contrastam assustadoramente
com o céu nublado. Os corpos cortados pelo enquadramento, à
Csqucrdac a dircita, acrescentam brutalidade à cena, convin-
ccntemente registada na boca aberta do soldado morto em
primciro plano. Os vivos foram empurrados para plano de fundo,
cnvoltos cm nevociro matinal. E como se durante a guerra civil,
que se arrastou pclo que pareceu uma eternidade, a vida se
dissolvcsse na mais ténuc memoria.

A Fotografia enquanto Arte:


o Pictorialismo e a Impressão Combinada
ou Mültipla
Nem todos os fotógrafos do século x1x viram o novo meio como
instrumento de registo da realidade. Alguns encaravam a foto-
grafia com um produto artístico de alta qualidade e exploraram
25.36. John Thomson. The Crauwlers (0s Mendigos). 1877-1878.
deliberadamente o seu potencial estético, considerando-a tão
Impressão em Fotogliptia. Victoria and Albert Museum,
vlida pintura e a escultura. Esta atitude, que alguns
como a
Londres
criticos achavam ameaçadora (ver Fonte Primária, página 920),
foi mais predominante na Europa do que nos Estados Unidos permitindo-lhe preparar as suas composições, se bem que o
da América nos primeiros S0 anos a seguir ao aparecimento da resultado final não seja nada fotográfico. Muitos pintores e
fotografia. Muitos artistas utilizaram a câmara fotográfica. escultores tinham colecções de fotografias, especialmente totos
Degas. por exemplo, usou-a independentemente da sua pintura dos modelos. Além disso, algumas vozes afirmam
que os resul-
e Eakins usou a
fotografia em vez dos esquissos preparatórios, tados fotográficos terão influído sobre o estilo dos pintores, em

25.37. Timothy O'Sullivan.


A Colheita da Morte, Gettysburg.
Julhode l863, de Gardners
Pensilerânia.
llar
Photographic Sketchbook of The
de Alexander Gardner. 1866.
lmpressão sobre albumina
(também disponível em totograha
estercoscópica), 17,8 x 22 cm. Brady
do
Civil War Collection, Biblioteca
Congresso, Washington

918 PARTE IV o MUNDO MODERNO


especial, os pintores realistas e impressionistas; contudo, estas
rupo coeso, fechado sobre si por um plano de fundo que volta
afirmações perimaecem envoltas em controvérsia.
a dissolver-se. Embora a imagem apresente clementos de sen-
Sualidade, as mulheres não são objectos expostos ao olhar do
PICTORIALISMo INGLES Em Londres, um
grupo enca- obscrvador masculino, nem funcionam como apêndices de um
becado por Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), pintor
que já universo masculino. Ao invés, a imagem reflecte uma poderosa
foi chamado "o pai da fotogratia artística", Henry Peach c
Robin- VIsão da feminilidade,
Son (1830-1901), outro pintor que chegou ser mais famoso a
ao mesmo tempo que abraça um
géncro
o
de espiritualidade muito feminino.
fotógrafo do mund0, começaram executar imagens compósitas,
a
Cameron era geralmcnte criticada não só pelas imagens des-
m emulação dos Velhos Mestres dos quadros e

mais apreciados. Rejlander usou cerca de 30


contemporâneos focadas, atribuídas à incompetência, mas também por apenas tirar
negativos para exe- fotografias. Enquanto fotógrafa numa sociedade sexista, Cameron
cutar suas
as obras,
enquanto Robinson apenas usou uma mão teve dificuldades em conseguir que os homens posassem para ela.
cheia. Ambos exper1imentaram a
montagem, cortando e colando Foi muito
criticada por expor as suas obras, o quc era raro para
figuras, até obterem imagens pesadas e artificiais, em
que se uma mulher respeitável na Inglaterra vitoriana, e por venderas
notavam as junçöes. Os seus
contemporâneos a elas se referiram suas fotografias através de um intermcdiário londrino, uma vez
como "colchas de patchwork. Este estilo ficou
conhecido como que era considerado pouco apropriado para uma mulher ganhar
pictorialismo, porque se pretendia que as imagens obtidas fossem
e lidar com dinheiro. Ao redefinir o foco, Cameron não só desa-
semelhantes a pinturas. Apesar da reputação dos
defensores, a impressão de tipo pictorialista não
seus
principais fiou a norma em formação da visão fotográfica mas também uma
chegou a ser uma vOcagão que era especialmente masculina. Ironicamente, no final
verdadeira corrente artística, embora tenha conhecido os seus
do século, os homens viriam a seguir a sua visão.
revivalismos até aos dias de hoje.
Mais sorte tiveram os Pictorialistas dotados de um
sentido A IMPRESS cOMBINADA OU MÜLTIPLA E M
estético e que manipularam a câmara e o
processo de impressão FRANÇA Em França, um dos mais fervorosos paladinos da
para chegarem aos seus objectivos. Embora pouco conhecida em
fotografia artística foi Gustave Le Gray (1820-1884), que, come
vida, Júlia Margaret Cameron (1815-1879), talvez seja
hoje a mais çando por ser pintor, se virou para a fotografia e foi um dos seus
aclamada dos Pictorialistas britânicos. Ao contrário de
Rejlander maiores inovadores técnicos. Foi o
primeiro a usar a impressão
ede Robinson, nunca chegou a usar a
impressão combinada ou dupla, de que se serviu para compensar o branqueamento do
múltipla. Tinha como marca distintiva a desfocagem das imagens,
para dar a impress o de pintura, como vemos em Os Espíritos das
Irmas (fig. 25.38), de cerca de 1865. Nascida em Calcutá, Cameron
fixou-se na Ilha deWight, em 1860, depois da morte do marido,
e cedo se tornou íntima dos poetas e cientistas mais conhecidos
da sua
época. Incomodou o mundo da fotografia quando desafiou
a norma, que advogava imagens nítidas e bem focadas. Como
Rejlander e Robinson, Cameron encenou cenas com actores,
trajes e cenários e ilustrou cenas da Bíblia, de Shakespeare e do
poeta premiado Alfred, Lord Tennyson (1809-1892). Em termos
estilisticos, as suas imagens trazem à memória artistas tão díspa-
res como
Rembrandt e
Perugino.
Os espiritos das Irm s reflecte o impacto do Movimento Esté-
tico, um exemplo do qual se pode ver na tela Beata Beatrix (ver
g 25.26) de Rossetti. A fotografia de Cameron evoca um pas-
sado espiritual do fim da Idade Média ou dos alvores do
Kenascimento. As mulheres parecem saídas de uma pintura de
rerugino e lembram santas, como Maria, ou Ana; as duas crian-
as parecem anjos e o bebé adormecido assemelha-se a um
Menino Jesus. A imagem pode ainda ser interpretada como as
bebé
res idades da mulher, uma vez que o título nos indica ser o

ao Sexo do que
feminino. O primeiro plano desfocado é mais
un artificio que confere à imagem a aparência de quadro pin
lado; tem também um significado psicológico simbólico, porque
o dissolver as formas das flores e do beb , Cameron faz com
25.38. Julia Margaret Canmeron. Os Espíritos das Irms. ca. 1865.
ucas mulheres estejam conscientes das indefiniçöes no destino Impressão sobre allbumina, 3l.6 x 26,6 cm. George Eastman
dobebé. preocupação, o ar pensativo e a dúvida estão escritos
House, Rochester, Nova lorque. Doaço da
nos seus TOstos e sentimos um laço espiritual atravessar este Kodak Companhia Eastman

cApiTULO 25 A ERA DO POSITiVISMO: REALISMO, INPRESSIONSMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A 1885) 919


t e ufna arte, deseIntnh.
Charles Baudelaire (1821-1867)
fotegrala que c t u e em representaç0
laltara muito até
npenhando
pel desta, cntio n.i0) quc
esteja suplan-
a arte
esno

tada ou nnesno corompela, graças a estupielez das massas, os


natural. A fotograha ceve, prorl.inte, regressiar a) seu dever natural
(ue
Parte éode servir as artese as ciëncis, ( . . D e x e N qUe a Totegratia enricqee
0 Publico Moderno e a Fotografia», da Segunda
ilbum o viajante e que restaure a0s setis ollhos a precisio cquefalha2
do Salon de 1859
memória: deixcm que adorne a biblroteca do naturalista, aunent.
Ridriarr, hoc evrher udo esY Talmente frli sua MYsu, foi turn inmfrortunte
microscopicanente os inscctos; nesino retorçar, con alguns
c d o r do ulo NIN sYntermso dcfensor de drtistas
T7t dc te m s C um
actos, as hipóteses do astrónomo; deixem que, cn suma, sejaa secretiria
c contabilista de qucm precisar de inegável segurança material. t

stou convencido de quc os mal apl1cados avanços da totograha, razöes prolissionais. (...) Poren, uma veZ (que Ihe seJa permitilo entra

E c o m o todon os rogresmos puramente materiais, contribuiram

do artístico frances..
na esfera do intangíivel e do imaginário, sobre cqualkquer coisa que teniha
valor apcnas porque o homem Ihe acrescentou qualjuer coisa da sua
Tandemcnte para empobrceimento
o
génio
Ajia c o progreo são dois homens ambiciosos que se detestam
própria alma, então pobres de nós!
mutuamente, com um ódio instintivo, e quando se encontram num
caminho, um dos dois tem de ceder o lugar ao outro. Se permitimos à [FONTE: ART IN PARIS, 1845-1862, TR. jONATHAN HAYNES (LONDRES, PHAIDON PRESS,. 1965)]

céu nas suas marinhas fotográficas. Ainda que tenha sido pio- lembrar pinturas em que a luz e a sombra contrastam teatral

nciro ao int roduzir o uso de negativos de papel e o processo de mente. Para conseguir este efeito, Le Gray inventou processos

colódio húmido, que permitiam obter imagens mais nítidas e que produziam graduações de tom extremamente finas e uma
com maior riqucza de pormenor, as suas fotografias fazem técnica que lhe permitiu desenvolver uma impressão cerca de

25.39. Gustave L.e Gray. Vistu do Meditenáneo em Sete. 1856-1859. Immpressão de sais de prata sobre papel de
albumina, a partir de deis negativosemchapa de vidro. 32,1 x 41,9 cm. The Metropeolitan Museunm of Art.
Colevgo (ilman. Compra, I.egado de Rubert Rusenkranze, 2005 (2005.10048)

920 PARTE I o MUNDO MODERNO


duas semanas depoIs cda exOsiç o. lDurante cste tempo, L.e Gray
aterial passou também a ser utilizado nas estações ferroviárias,
manipulava a imagem numa cámara escura. Além disso, os
As coberturas ferrovítreas das estações decviam abranger tocdo o
negativos eram retocados com pincel para alterar as tonalidades
cspaço ocupacdo pelas plataformas e ferrovias c tecr altura suficicnte
e remover objectos indesejados. para permitir a dissipação do vapor edo fumo. A primcira destas
Estas técnicas podem ser vistas em Mediterráneo cm Sete
estaçöcs, a de Euston, em Londres (1835-1839), tinha 12 metros
fig. 25.39), de cerca de 1856-1859, uma innpressão cspecialmente de largura; a mais grandiosa, a estação londrina de St. Pancras
luxuosa sobre albumina obtida a partir de dois negativos em (1863-1876), cujos arcos de metal se espraiavam por uma largura
colódio húmido sobre vidro, um para o céu e outro para as ondas.
de quase 80 metros (fig. 25.40), chegou a ser o maior espaço coberto
Ao escurecer grandes árcas do céu e do mar, Le
Gray transformou da poca. O esqucleto, em ferro fundido, sustentava uma cobertura
uma composição simples e vaz1a numa paisagem marítima trans-
cm vidro e a combinação dos dois materiais é, com frequéncia,
cendental em que o drama representado pelas nuvens, pela luze
conhecicda pela designação de estrutura ferrovítrea. Cada arco da
pelo mar parece corporizar as forças elementares da naturcza. Estação de St. Pancras é, na realidade, um arco duplo, um sobre
Le Gray é apontado como o
primeiro a fotógrafo aparecer o outro, fixos por asnas (estruturas de reforço compostas por dois
na secção de artes gráficas do Salon
des Beaux-Arts, embora
seja ou mais triângulos, cujos lados estäo em contacto), já conhecidas
impossível dizer ao certo se terá sido incluído já no Salon de desde os romanos, altura em que eram utilizadas para a constru-
1850-1851.O próprio Le Gray escreveu: "o futuro da fotografia _ão em madeira e, desde então, por todos os construtores de
não reside no preço baixo, mas na
qualidade da imagem... espero coberturas e pontes. Em 1860, a asna era indissociável da cons-
que a fotografia, em vez de cair no domínio da indústria ou do
trução em metal de grande envergadura.
comércio, possa permanecer no das artes". Ainda que a estação de St. Pancras seja espectacular enquanto
proeza de engenharia, o feito empalidece perante as novas pon
tes ferroviárias sobre desfiladeiros e rios de grande largura. As
A ARQUITECTURA EA REVOLUÇÃO
coberturas das estações não eram mais do que arquitectura de
INDUSTRIAL
pontes aplicada em menor escala, em que os arcos estão justa-
O ferro foi outro produto da Revolução Industrial e as suas postos para suportar qualquer vão. A repetição regular dos arcos
relações com a arquitectura começaram envoltas na mesma Simboliza a produção em série, reflectindo a capacidade da
névoa difusa que marcou as relações da fotografia com as belas indústria em fornecer um abastecimento infinito do mesmo
artes. No seu início, no final do século xvil e príncipios do xix, produto a um ritmo constante.
o ferro era usado em obras de engenharia civil como pontes e Talvez o edificio ferrovítreo mais famoso do século xix seja
fábricas. Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, a pro- o Palácio de Cristal (fig. 25.41), erigido em Londres, em 1851,
dução em série de ferro começou em 1767 e o país permaneceu para a primeira grande feira internacional de comércio, a Grande
o seu maior produtor durante a primeira metade do século x1x, Exposigão de Obras de Indástria de Todas as Nações. A feira
além de líder na adaptação do material à arquitectura, erigindo, destinava-se a apresentar a evolução dos bens comerciais, os
em 1779, a primeira ponte de ferro, uma estrutura em forma de avanços tecnológicos, as melhorias nas alfaias agrícolas e todoo
arco que se estendia de margem a margem no rio Severn, em tipo de artes das novas nações industrializadas, das quais se
Coalbrookdale. Em breve, o metal seria usado nas colunas de
fábricas de têxteis e, em 1796-1797, em toda a sua estrutura
interna. O revivalismo de estilos continuou a dominar a arqui-
tectura até às últimas décadas do século x1x, mas o uso do ferro,
se bem que limitado, libertou os edificios e as estruturas cívicas
do historicismo, uma vez que a forma (ou o traçado) seria,
de
doravante, determinada pelos materiais e pelos principios
cngenharia, criandoo cenário ideal para o advento da arquitec
Tura moderna, em Chicago, na década de 1880. O pragmatismo
da construção em ferro e a apresentação directa das proprieda
des estruturais desse material espelham o pragmatismo e o

lSmo que caracterizam a era do Positivisimo.

Estruturas em Ferroe Vidro: Estações


Ferroviárias e Palácios de Exposições
NOS inícios do século xIx, o ferro fundido era usado com trequn-
a s colunas das igrejas construídas no cstilo gótico revivalista 25.40. Litogr.atia da Estaçio de St. P'ancr.as, Londres, 18o3-1876.
Museu d.a Ciencia, Londres
ecada de 1830, com a ascensão do caminho-de-ferro, esse

CAPiTULO 25 A ERA DO POSITIVISMO: REALIShO, IfiRESSONISMO E OS PRE - RAFAELITAS (1848 A 1885) 921
A ARTE NO SEU TEMPO

1861 Abolição da servidão na Rússia


869 Conclusão do Caminho de Ferro Transcontinental
Americano
1879- Thomas Edison inventa a låmpada incandescente

1887-1889 Construção da Torre Eiffel em Paris

25.41. Sir Joscph Paxton. Palácio de Cristal, Londres. 1851. Reconstruído em Sydenham em 1852.
Destruído num incêndio de 1936.

pretendia que a Gr-Bretanha sobressaísse, enquanto nação mais


avançada. Mais do que feira comercial, a exposição ambicionava
uma celebração da
ser
industrialização ocidental. O maior
7 arquitecto de estufas da Inglaterra, Sir Joseph Paxton (1801-1865),
concebeu o editício de
e, com a
ajuda engenheiros, construiu,
na
essência, uma
gigantesca estufa. Se os materais ferrovítreos
são os mesmos que Paxton aplicou nas suas primeiras estutas, a
forma está muito das mesmas, uma vez
longe que o conjunto
se assemelha acatedral inglesa, com uma grande nave
uma

central, coberta por uma abóbada cilíndrica, um transepto,


também de cobertura em abóbada cilíndrica, mas menos elevada
do que a cobertura central, e duas naves
laterais, em estrutura
escalonada (concluída a exposição, o edificio foi desmantelado
e reconstruído perto de Sydenham, onde lhe acrescentaram um

25.42. John e Washington Roebling. Ponte de


Brooklyn. Nova novo transepto). O edifício foi concebido como catedral da
lorquc. 1867-1883 indústria, a nova religião. A forma familiar e a escala das com-
ponentes mais diminutas do edificio, como as vidraças, ter.o
ajucdado os visitantes a sentirem-se à vontade nesta gigantesea,
e VISionária estrutura de 560 de
metros comprmento.

922 PARTE IV o MUNDO MODERNO


O Eclectisno Históico e a Tecnologia osse o cdificio, nnais oculto era o uso cdo ferro, O mais inovador

O Palácio de Cristal possuía uma atmosfera fortemente tecno- uso do ferro num importante cdifício cívico foi em Paris, na

lógica, talvez porquc foi concebiclo como edificio temporário e Bibliothèque Sainte-Genevieve, traçada c m 1842 por Henri
não tradicional, destinacdo a acolher uma exposição ledicadaà Labrouste (1801-1875). Oexterior da biblioteca (fig. 25.43) trazà
tecnologia e à indústria. Em regra, o ferro não era o material memória ecos da famosa Biblioteca renascentista de San Marco
escolhido para a construção dos cdificios faustosos e monumen- cm Veneza, datada de 1536 c traçada por Jacopo Sansovino, (que
tais dos tribunais, dos teatros e dos parlamentos; em vez disso, inspirou os arcos que despontam dos pilares, enquanto as propor-

pedra era o material privilegiado. Os edificios deviam ser OCs e outros componentes do cdificio, c o m o as galerias fechadas
também"figurativos , ou seja, delineados num estilo revivalista no piso térreo e no piso superior, lembram o Banco dos Mdici,
que estabelecesse unma ascendënCa ancorada no passado clássico, em Milão (ca. 1460), criando uma analogia entre o edifício e uma

gotico ou renascentista. Vimos, por exemplo, a forma como casa do tesouro, desta feita, dos tesouros do intelecto. Labrouste

Garnier incorporou clementos do Louvre na Opera, para real- alude aos templos egipcios de Ptolemcu, nas aberturas do segurndo
çar a ligação entre Napoleão IIl e Louis XIV. piso, tapadas até meia altura para receberem inscriçócs que nos

intormam do carácter sagrado do conteúdo deste edifício. As


A PONTE DE BROOKLYN A necessidade de "vestir" a inscrições são formadas pelos nomes de grandes cscritores.
tecnologia com as roupagens do eclectismo histórico torna-se O cxterior nada revela do grande espectáculo tecnológico
evidente naquela que serå talvez a mais grandiosa estrutura de em exposição no interior. A sala de leitura principal (fig. 25.44),
ligação do século xix, a ponte de Brooklyn (fig. 25.42), em Nova
lorque, traçada por John Roebling (1806-1869), enm 1867, e
concluída pelo seu filho Washington Roebling (1837-1926), em
1883. Quando foi anunciada, muitos a consideraram um deva-
neio; depois de concluída, passou a ser vista como uma
maravilha do mundo. As pontes suspensas já existiam numa
escala muito interior, mas ninguém imaginara possível a cons- 22990272722
trução de pilares nas águas revoltas do East River nova-iorquino,
a 90 metros de altura acima da água, para sustentar um tabuleiro
de ligação entre dois pontos tão distantes entre si como Brooklyn
e Manhattan, com cinco faixas de
rodagem destinadas, respec-
tivamente, a comboios, carruagens e à travessia pedestre. Para
concretizar este feito, Roebling não só usou cabos verticais, fixos
aos principais cabos de suspensão como também se serviu de
cabos de aço, que ligavam o topo de cada pilar à ponte, a inter-
valos regulares, criando unidades 25.43. Henri Labrouste. Biblioteca de Sainte-Geneviève, Paris.
triangulares que Rocbling
considerou serem asnas. Desenhada em 1842, construída em 1842-1851

Típico do gosto desse período, os dois enormes pilares são


uma combinação ecléctica dos estilos revivalistas, com predo-
minância do gótico. Contudo, na planta original, os pilares eram
pilones egípcios, um motivo que na versão final apenas subsiste
nas cornijas em moldura, onde os cabos atravessam o topo da
estrutura granítica. Aos contemporâneos não passou desperce-
bida a função dos pilares, construídos como grandes arcos de
triunto ao estilo romano. A própria ponte foi anunciada como
3o0

grande "Arco do Triunfo Americano", uma referência não só


à giganteseca escala e ao feito concretizado, nmas também à supe-

rioridade tecnológica dos Estados Unidos da América.

A BIBLIOTHÈQUE SAINTE-GENEVIËVE Por volta da

decada de 1850, era em Nova lorque que se encontravam as nmais


belas e complexas fachadas de ferro fundido, com edificios de

CInco seis andares, geralmente utilizados para manutactura


e a

geira, que eram inteiramente revestidos com arcos colunas e em


25.44. Sala de Leitura Principal, Biblioteca de Sainte-(Geneviève
crro imitando a pedra. Quanto mais nonumentale não industrial

CAPÍTULo 25 A ERA DO PoSITIVISMO: REALISMO. INPRESSIONISMO E OS PRE-RAFAELITAS (1848 A I8851


923
é fornnada por duas grandes abóbadas,
segundo andar,
Sita n o

colunas c o s seus arcos,


feitos cin
amplas e arejadas, com as suas

relorçada com rede de


ferro fundido (o tecto é de argamassa
o Renas-
aramc). nquanto o cxterior evoca, em grande parte,
scu turno, alude ao Gtico e
Cimento interior, por
Clássico, o

românico. Porém, para


sugere cspacialidade de um refeitório
a

um parisiense, os arcos de metal estabcleceriam, de imediato,


vida
correlaçõCs com as novíssinmas estações ferroviárias e com
a

moderna, cvidenciando um sentimento de viagem que, na

realidade, é a função dos livros.


Labrouste não precisava de ter usado ferro na sua biblioteca,
mas a escolha do metal foi tomada por razões metafóricase
simbólicas. O uso simbólico do ferro chega a aparecer na entrada
do primeiro piso, cm que a densa composição de pilastras clás-
sicas com caneluras, sugerindo uma sala hipostila egípcia,
lembra o visitante de que os livros são a ponte para o futuro.

Anunciando o Futuro: a Torme Eiffel


A mais famosa estrutura de ferro do período é a Torre Eiffel
(fig. 25.45), construída em 1887-1889 pelo engenheiro francês
Gustave Eiffel (1832-1923) como entrada para a Exposição
Internacional de Paris. Para criar a sua torre, Eiffel apropriou-se
basicamente de um pilone de quatro pés, unido por asnas, à
magem das muitas pontes que o engenheiro já construíra.
Erguendo-sc a 300 metros, ou duas vezes a altura de qualquer
outro edifício existente até então, a torre dominava a cidade.
Como o seu desenho se devia, em
grande parte, à sua integridade
estrutural e não tanto a um estilo arquitectural padrão, a torre
25.45. Gustave Eiffel. Torre Eiffel, Paris. 1887-1889
começou por ofender os parisienses, que a declararam um "tre-
çolho". O rendilhado metálico da torre era tão delicado que dava
à estrutura uma aparência frágil e instável e Eiffel acrescentou
arcos na base uma decoração orgânica duas
e nas
plataformas
(removida na década de 1930), para que os visitantes aceitassem contemplar, do alto, as igrejas e os palácios, bastiões da trad1ção
melhor a sua estrutura radical e visionária. e dos
privilegiados, que iam sendo lentamente minados pela
No entanto, à
semelhança da Ponte de Brooklyn, o público, inexorável marcha do século em direcção à democracia. A Torre
apreendendo a familiaridade dos arcos na base, em breve enca Eiffel transformou-se na torre do povo e num símbolo de Paris,
raria a torre como um arco de triunfo, que anunciava a vitória se não da própria França. Mais que isso, a torre serviu de arauto
da tecnologia da indústria francesas. Além disso, a torre pas-
e à arquitectura do século seguinte, em que o Modernismo viria
sou a ser vista como a declaração do triunfo do povo: por uma a destazer-se das referências históricas, permitindo que o estio
ninharia, qualquer pessoa podia
subir de elevador até às plata- espelhasse a natureza e a geometria dos novos materiais ae
formas superiores, de onde os cidadãos comuns
podiam construção.

924 PARTE IV O MUNDO MODERNO

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