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O Progresso e os Seus

Descontentamentos:
O
O Pós-Impressionismo, N

o Simbolismo e a Arte Nova,


1880-1905
s DECADAS FINAIS DO SËCULO XIx APRESENTAM UMA DICOTOMIA CULTURAL.

De um lado, estão aqueles que destrutam, optimistas, dos prazeres

A da riqueza, do luxo e do progresso do mundo industríalizado;

no outro, estão os que encaram estas mesmas caracteristicas como

sinais de decadência, de excesso e torpeza moral. Os primeiros manifestam sinais de

exuberânciae de orgulh0;os últimos, de desespero e ansiedade. também conhecida como a "Segunda Revolução Industrial".
Consoante o ponto de vista que se escolha,o período é designado A máquinaa vapor foi aperfeiçoada e superada. A electricidade,
por Belle Epoque, "a bela época", ou fin-de-siècle, "o fim do o teletonc, o motor de combustão interna, o automóvel, o sub-

século". marino, os aviões, o petrólco, as imagens em movimento e as


Ofim do século e os 14 anos que levaram à Primeira Guerra máquinas - cada vez mais são estas as faces do caleidoscópio da

Mundial são, com efeito, um período de crescimento cconómico vida moderna, cujo ritmo aumentou à mesma proporção dos
e de prosperidade, alimentado pelos quase 40 anos de paz que confortose da eficiência. Em 1901, Guglielmo Marconi enviou
Se seguiram à Guerra Franco-Prussiana. Na Europa, as nações um sinal sem fios através do Atlântico, o que fez encolher ainda
ctavam praticamente formadas e muitas eram governadas por mais o globo terrestre.
As cidades eram o paradigma da modernidade. Anónimas
repúblicas. A Alemanha e a França juntaram-se à Inglaterra e
à Bélgica, passando a fazer parte do grupo de naçõCs verdadei- e impessoais, atraíam e desenraizavam as populações rurais à
ramente industrializadas. Em 1914, a Alemanha chegou mesmo medida que a industrialização avançava. Os novos habitantes da
a ultrapassar a Inglaterra na produção de aço. Neste grupPo cidade, menos apegados às tradições do que os seus
congéneres
Cxclusivo incluem-se ainda os Estados Unidos da América. do campo, estavam mais abertos a novas ideias que, por seu
dos nacionalismos fervorOsOs turno, circulavam rapidamente devido ao sensacional aumento
Aconjugação do capitalismo e
dos jornais e da alfabetização. Separados das instituições tradi-
ntensificaram os ímpetos coloniais e imperialistas, o que resul-
tou cionais, os cidadãos identificavam-se mais facilmente com o
no retalhamento do continernte africano e de algumas partes
Estado, vindo reforçar as hostes nacionalistas que também defi
da Asia e do Pacífico em
coutadas, abertas à exploração desen-
reada das suas riquezas naturais. O mundo transformou-se nem este período. Com esta confluência de pessoas e de ideias,
as cidades transtormaram-se em poderosos centros de reforma
um verdadeiro mercado global, em que circulavam livremente social e, em particular, do socialismo e do Marxismo. Jornais,
bens, serviços, capital pessoas.
e
revistas e livros denunciavam as miseráveis condições de vida e
Contemporânea, que começara no século xvill, evoluiu
dur de trabalho dos pobres, com um crescente poder de
e este período para uma nova fase, chamada modernidade, persuasão,
especialmente quando ilustrados com fotografias.
Outra grande força modeladora deste período foi a emer-
ormenor da fig. 26.16, Gustave Moreau, A Aparição gencia da "Nova Mulher", apostada em mudar as leis c as

ATULO 26 o PROGRESSo E OS SEus DESCONTENTAMENTOS: O POS.IMPRESSIONISHO, o SiMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880 1905) 927
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ropica de Capricomio-
DAS CARAIRAS
1000 Milhas
OCIAN

PACIHICO AMÉRICA DO SUL 500 1000 Quilómetros

América do Norte, 1904-1914


Mapa 26.. A Europa e a

atitudes. Para eles, o seu mundo era o único "civilizado".


sociedade vitoriana. O movimento de vida e
convençõcs sufocantes da "atrasados". Acreditavam
dois Tudo o mais e todos os outros estavam
feminista, lançado no segundo quartel do século x1x nos

da centúria, a ciência iluministas haviam culminado na


filosofia e a
lados do Atlântico, ganhou força nos a n o s finais que
da humanidade.
altura as organizaram
nmulheres se
a exi- e começaram criação da mais sofisticada e elevada ramificação
em
que tal consciência
de educação. Por volta da Nunca antes tinham os europeus sentido uma

gir igualdade política, económica


e

meios de raça de superioridade da raça branca. As teorias evolucio-


cunhado otermo "Nova Mulher"e os e
década de 1890, foi
desenvolveram
nistas de Darwin, explanadas em A Origem das Espécies (1859)
de comunicação, especialmente na América,
e A Origem do Homem (1871), foram pervertidas em retorç
uma imagem visual para a descrever: alta, atlética e indepen-
dente, cla rejeitav:a as restrições vitorianas, vestindo roupas desta visão da superioridade branca. Se a vida era uma constante

masculinos indo mesmo ao luta pela "sobrevivência do mais apto" por "selecção natural"
confortáveis inspiradas nos trajes e

mais favorecidas", então não havia dúvida de que


a

ponto de exibir a sua


vitorianos, por
sexualidade. Os homens das "raças
seu turno, sentiram-se ameaçados pela
Nova Mulher, vendo as avançada civilização europeia era a "mais favorecida" , entre

suas reivindicaçöes de independência como desafios ao poder todas as outras.


Muitos antropólogos culturais, porém, recusaram-se a classi
masculino. Teriam preterido que as mulheres ficassem em casa,
sem educação e sem independência financeira. Os homens ficar uma sociedade como melhor do que as demais e

consideraram as sociedades tribais tão complexas como as civil-


artistas não foram excepç o e responderam com o estereót1po

da mulher fatal, dominante e castradora, que se popularizou zações ocidentais. Os hábitos e valores de uma dada cultura.
circunstânchas
cxpressando visualmente os temores masculinos. Ao mesmo argumentavam, adequavam-se ao ambiente e às
tempo, havia cada vez mais mulheres artistas a representarem No entanto, os europeus, desencantados com a industrialzaça0

a mulher a partir de um ponto de vista feminino, conferindo-lhe camedrontados pelo progresso desenfreado, preferiram ver os
importância e dignidade social, seguindo os exemplos de Mary novos territórios colonizados e explorados pelas potênciis cur
dos males quc
Cassat e Juliun Margaret Cameron (ver Capitulo 25). Estas peias como utopias impolutas, santuários ao abrigo
a
artistas romperam com a tradição masculina de representar a assolavam as civilizações materialistas. Dando continuidade
tradição iniciada por Jean-Jacques Rousseau., no século
xVILI,
mulher como objecto sexual, apenas definida pela sua depen-
ainei
dência face aos homens. chamadas sociedades primitivas foram vistas como estando
A um nível global, o final do século x1x assistiu à radicali protundamente enraizadas na Natureza, port.anto, virtuosis. pura
zação de uma auto-imagen europeia de superioridade e em ligação directa com as forças universais e espirituals.
civiliz.acional. Apesar das fortes cisõcs rasgadas pelos naciona- seculo XIX presenciou também uma nova procura esp
ICas
lismos, os paises da Europa e os países extra-europeus ual. Os antropólogos demonstraram que os rituais, 1s prat

construidos à sua imagcin (os Fstados Unidos, o Canadá, a eas crenças do Cristianismo, longe de serem únicas, tn
Austrália e a Nova 7elândia) comungav am dos mesnos modos paralclos nas culturas tribais e nas religiöes orientais. .A Cpre

928 PARTE Iv o MUNDO MODERNOD


mais forte desta atitude apareceu em The Golden Bough, uma Simbolismo e a Arte Nova
moderno, o Pós-Impressionis1mo, o

série de volumes de Sir James Frazer (1854-1941), em que se libertarem dele e


para crarcm o
lutaram principalmente para se

afirmava que a magiaca religto apenas estavam separadas por seu antídoto.
uma linha ténuc. Cada vez mais pessoas trocavam o progresso

por uma intensa espiritualidade, atraídas pelas religiöcs orto-


doxas ocidentais e por práticas de inspiração oriental, como a
O PÓS-IMPRESSIONISMO
Teosofia e o Rosacrucianismo. Muitos outros aderiram ainda ao Foi Roger Fry, crítico de arte dc início do século, quem utilizou
animismoc ao ocultismo. otermo pos-impressionismo para descrever a arte de vanguarda

O final do século assinala ainda ascensão da que serviu de rampa


de
xix a
psicologia. que se seguiu ao lmpressionismo e

O psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) partiu da lançamento para novas direcções artísticas. Todos os pintores

filosofia para transformar a psicologia em ciência natural,


pos-1mpressionistas Paul Czanne, Gcorges Seurat, Vincent
-

baseando-a no método cientítico e pormenorizando as suas van Gogh e Paul Gauguin - desenvolveram estilos únicos.
teorias na obra Principles of Physiological Psychology, de 1874. As Contudo, existem condiçõcs artísticas que ajudam a unificar
pesquisas do russo Ivan Pavlov (1849-1936) suscitaram grande o período entre 1880 e 1904. Os Pós-Impressionistas rejeitaram
interesse pecla torma como o comportamento humano é condi as premiS$as empíricas do realismo e do impressionismo para
cionado pela experiëncia c pelo meio ambiente. Por fim, em criarem obras de arte de carácter monumental, universal c atë
iena, o neurologista Sigmund Freud começou a formular as mesmo visionário. Além disso, repudiaram também a viso
teorias sobre inconsciente, publicando-as
suas o A em
Interpre colcctiva que vimos nos impressionistas; erm vez disso, cada artista
tação dos Sonhos, de 1900. Este interesse pela mente humana ec desenvolveu a sua estética pessoal. Contudo, os novos artistas
pelas forças elementares, que condicionam a acção humana, partilharam com os impressionistas a busca de inspiração e de
extravasou do campo da ciência e invadiu as culturas popular e ideias estéticas na arte japonesa. Além disso, mantiveram
erudita. Artistas tão diferentes como Auguste Rodin e Edvard a atitude antiburguesa e anti-académica deles, virando-se para
Münch começaram a pesquisar essas forças ocultas que residem as cooperativas artisticas e para galerias privadas com o objectivo
nos recantos mais fundos da mente e que se manifestam em de promoverem as suas obras.
pulsões sexuais ou ansiedades.
Sob vários aspectos, o progresso foi a palavra de ordem do Paul Cézanne: Rumo à Abstracção
final do século xix, sendo também a força que motivou reacções Em rigor, Cézanne (1839.-1906) pertence à geração dos impres-
artisticas. A maior parte optou por o rejeitar, procurando uma al- S1onistas, pelo que o seu estilo inovador se desenvolveu
ternativa espiritual, utópica ou primitiva. O resultado foi uma paralelamente ao dos artistas mais importantes da sua juventude.
panóplia vastíssima de estilos ou movimentos, dos quais avultam Nasceu no sul da França, em Aix-en-Provence, e era oriundo
o Pós-Impressionismo, o Simbolismo e a Arte Nova. A maior de uma familia abastada, mas socialmente isolada. Cézanne
parte dos artistas baseou-se nas brilhantes inovações formais de trocou o curso de direito pela pintura, indo estudar para Paris
Manet e dos Impressionistas para criarem obras mais abstractas em 1861. Apesar de ter frequentado uma academia de desenho,
do que representativas. Além disso, as suas obras eram altamente foi um pintor essencialmente autodidacta que se formou, no
pessoais, independentes de qualquer visão de grupo. Por conse Louvre, fazendo cópias dos quadros de Délacroix e Courbet,
guinte, artistas como Vincent Van Gogh e Paul Cézanne entre outros pintores. De 1864 a 1869, Cézanne submeteu ao
cultivaram um estilo inconfundível. O seu trabalho era frequen- Salon telas consideravelmente imperteitas, sombrias e pintadas
temente visionário, representando fantasias e mundos oníricos, e com intensidade, dedicadas a temas tão misteriosos e mórbidos
era também espiritual, uma vez que procurava alívio parao como orgias anónimas, violaçõese assassínios. Tal como já era
grosseiro materialismo da modernidade e um maior significado esperado pelo próprio Cézanne, antiburguês e anti-académico,
para a cxistência. Muitos artistas encontraram temas no santuário as telas foram rejeitadas. Em parte, as pinturas destinaram-se
de um passado Clássico, medieval ou bíblico, que os realistas essencialmente a chocar o júri. Cézanne
pintava com espátula,
tinham repudiado com tanto vigor. A própria arquitectura na paleta de tonalidades escuras de Courbet, sendo também
moderna entregou-se à fantasia c à espiritualidade. A Arte Nova, inspirado pelo imaginário romântico de Délacroix assim como
POr exemplo, conseguiu libertar a arquitectura do domínio ecléc- pela ousadia temática de Manet. Chegou mesmo a pintar várias
dos estilos revivalistas criando edificios que lembram, de Olympias modernas, uma das quais apresentou na primeira
tico exposição impressionista, em 1874. Vira ainda a participar nas
d antasmagórica, formas estranhas, mas maravilhosamente
duas exposições seguintes.
Orginicas, Ao mesmo tempo, os grandes arquitectos de Chicago
das décadas de 1880 e 1890 desenvolveram os primeiros arranha- Em 1872,Cézanne deixou Paris, fixando-se
primeiro em Pontoise
e, depois, na cidade próxima de Auvers, a conselho de Pissarro
-ceus de vidro e aço e, no caso de Frank Lloyd Wright, casas de (ver fig. 25.17), que lá vivia. Este último, mais velho que Cézanne,
abitação complexas que obedeciam a uma austera geomctria
derna de horizontais e verticais. Ainda assim, estes arquitectos tornou-se mentor, sendo que os dois partilhavamomesmo
o seu

Oseguiram imbuir as suas casas e edifícios modernos de uma desejo de criar uma pintura que retlectisse estilisticamentea
PACTOSa espiritualidade que os ligava tanto às forças cósmicas modernidade. Cézanne começou a pintar paisagens, por vezes
incxorável marcha do progresso. realismoe acompanhando Pissarro. Este exerceu uma intluência estabili-
a Enquanto o
zadora sobre o scu jovem colegaea violenta emocionalidade de
pressionismo tinham procurado captar a essência do mundo

o 26 O PROGRESSO E OS sEUS DESCONTENTAMENTOS: O POS.IMPRESSIONISMO, O SIMBOLISMO EAARTE NOVA (1880-1905) 929


Parenne
26.1. Paul Cézanne. Montanha Sainte-Victoire. ca. 1885-1887. Óleo sobre tela, 64,8 x 92,3 cm. The Samuel Courtauld Trust, Courtauld
Institute and Art Gallery, Londres P. 1934. SC.55

Cézanne começou a dissipar-se. A paleta adquiriu cores mais planos de cor. A paisagem inclui um grande número de breves
claras. passando a incorporar muito mais cores, c as suas com- traços verticais, o que realça as fortes linhas horizontais e, em
posições assumiram uma poderosa integridade estrutural, já simultâneo, denota a grelha compositiva da pintura.
indiciada pelas obras da juventude, mas que só agora florescia. Vários aspectos da pintura podem ser lidos de duas tormas
Como mais tarde veio a afirmar, queria *criar qualquer coisa diametralmente opostas. Por um lado, temos a pincelada vacilante
sólida a partir do Impressionismo, como as pinturas nos museus". dos Impressionistas, mas a imagemé de uma imobilidadeestru-
Podemos ver como atingiu este objectivo numa obra da década tural. Se bem que o quadro seja uma profundíssima vista

Montanha de Sainte-Victoire (fig. 26.1), pintado na panorâmica, os planos são achatados e superficiais, uma vez que
seguinte,
Provença, entre 1885e 1887. Esta tela apresenta as característi- o céu, supostamente ao longe, pertence ao mesmo plano dos ramos

cas típicas do lmpressionismo, representando uma paisagem da árvore. Esta fusão deve-se, em parte, a uma espessa tapeçaria
cheia de luz. pintada com largas pinceladas e cores razoavelmente entretecem com as
de rápidas pinceladas esbranquiçadas que se

vivas. A princípio, parece-nos brilhar, mas de repente tudo se agulhas de pinheiroeo azul do céu; contudo, as pinceladas pare
imobiliza. Cézanne entreteceu a imagem numa rede subtil de cem sobrepostas, criando um sentido de espaço ou de profundidade
formas que se repetem entre si. Os ramos sinuosos e curvados entre si. Cada linha desempenha duas funções, uma vez que

da árvore em prineiro plano podem ser encontrados nas mon- podem ser lidas como sombra, como por exemplo no cune

tanhas e colinas ao fundo. Por seu turno, as linhas diagonais na montanha, dando uma sensação de profundidade, ou então tun
orla dos pastos verdes ressoam nas casas, no declive das monta- C1Onam como simples linhas dle contorno. Há aqui um conthto
senta
nhas e na dircccionalidade das pinceladas paralelas, agregadas entre oigurativismoe a albstracção, porque se a pintura represe
cst.inos
em pequenos grupos, como exennplificam as agulhas do pinheiro. umapaisagem existente, não nos é pernitido esquecer que
A presença cúbica da casa imediatamente à dircita do tronco da olhar ara una tela plana, preenchida por manchas dde cor e

árvore repete-se nas combinações de pastos verdes planiformes pelo traço. Poxdemos também sentir todo o tempo que tou neces
o
entre
e de campos ocres, antes de se dissolverem de novo em delgados Sario pura resolver estes contlitos e atingir o cquilíbrw

930 PARTE IV o MUNDO MODERNo


Paul Cézanne (1839-1906) cada lado de um objecto ou de um plano seja dirigido para um ponto
central. ILinhas paralelas ao horizonte dlão amplitude, ou seja, é uma
Secgão da natureza ou, se prelerires, do espectáculo quc o Pater Omni-

De uma Carta a Emile Bernard ptens Acterne Deus desdobra perante os nossos olhos. Mas para nós
homens, a naturcza é mais profundicdade do que superficic, de onde a
3ernard trabalhou com Cianguin na formmulaçio do estilo da Escola de Pont necessidade de introduzir na nossa luz vibraçöcs representadas pelos
Aren, tendo iniciado uma troca de
correspondência com Cézanne, depois de vermelhos c pelos amarelos e uma quantidade suficiente de azul para
r2) cneontro em Aixen-Provence, na Pramavera de 1904, altura em dar a impressão de ar.
que esta
curtufoi redigida.

osso repet1r quc te disse aqui: trata


o

P natureza
a
pelo cilindro, a
esfera, o cone, tudo na sua perspectiva OE PAuL CEZANNE. LETTERS. ED TR. MAR GUERITE
adequada, de maneira que a CASSIRER, 1946))
JOHN REWALD, KAY (LONDRES. BRUNO

espaço plano
e o
espaço tridimensional. Cézanne levou anos a
de parede. O conjunto é enquadrado pelas fortes horizontais da
pintar nmaior
a
parte dos seus
quadros, ponderando cuidadosa- mesa. Cada maçã tem uma poderosa presença física, uma vez que
mente cada pincelada (ver Fonte Primária,
acima). c construída por pinceladas largas, em "fatias", c a sua forma é
Além de paisagens, Cézanne executou retratos de
amigos e
conhecidos (nunca precisou de aceitar encomendas, vivendo cuicadosamente desenhada por uma linha distinta. As dobras do
de pano manifestam a mesma plasticidade e a sua tactilidade ilusio-
uma modesta pensao que o pai Ihe
dava), naturezas mortas c nista é reforçada pela presença concreta de camadas de tinta
pinturas com figuras humanas, em particular, de banhistas na
paralclas. Porém, a pintura também possui uma energia nervosa
paisagem. Em cada um dos géneros estão patentes os mesmos euma bidimensionalidade etérea: a borda da fruteira
conflitos e a
supressão da tensão. Em Natureza-Morta com
mesma avança para
além do plano que lhe parece destinado e o mesmo acontece com
Maçãs numa Fruteira (tig. 26.2), sentimos de imediato a monu- O prato, que desaparece por detrás das maçs, dificultando a
mentalidade de um Chardin (ver fig. 22.8). As maçs da fruteira
rclação espacial entre os dois. O próprio tampo da mesa ë espec
estão em equilíbrio com as
nmaçs sobre o
pratoeo pregucado do Cialmente desorientador, em termos
pano branco estå espaciais, por parecer
em
equilibrio com o motivo fitomórfico do
papel inclinar-se em direcção ao observador, em vez de se atastar em

a Cézanne. Natureza-Morta com Maçãs numa Fruteira. 1879-1883. Ölco sobre tela, 43,5 x 54 cm.
Ghptoteca Ny Carlsberg,
Copenhaga, Dinamarca

O L O 26 O PROGRESSO E Os SEUS DESCONTENTAMENTOS: O POS-IMPRESSIONISMO, O SIMBOLISMO E A ARTE NOVA


(1880-1905) 931
26.3. Paul Cézanne. Montanha Sainte-Victoire Vista da Pedreira de Bibemus. ca. 1897-1900.
Olco sobre tela, 65,1 x 80 cm. The Baltimore Museum of Art. Colecção Cone, fundada pelo
Dr. Claribel Cone e Miss Ette Cone, de Baltimore, Maryland (BMA 1950.196)

direcção ao fundo. Os núcleos formados pelas pinceladas são de atmosfera, a imagem, tal como qualquer pintura impressionista,
claramente marcas bid1mensionais e cobrem a supertície com uma parece, paradoxalmente, estar cheia de luz, espaço e movimento.
energia nervosa. Esta energia éé representada pela estranha vida Ao olharmos para esta pintura hermética não podemos deixar de
interior que anima as pregas do pano branco. Entretanto, o padro sentir como a tensão ea energia dos primeiros quadros românti-
com folhas do papel de parede parece fugir à suposta função cos do pintor foi suprimida e canalizada para uma luta pela
bidimensional e assumir uma vida tridimensional, tão concreta criação de imagens que equilibram a observação directa da natu-
como a das maçs ou das pregas. Cézanne abandonou a observa- reza com o desejo do pintor de tornar abstractas as formas da
ção fiel da realidadee passou a criar o seu próprio universo Natureza. Foi nesta obra que o pintor melhor conseguiu libertar
pictórico, que obedece a uma ordem estética pessoal e reconhece, o meio da sua função representativa, permitindo que os pintores

em cada nmovimento, que a pintura é inerentemente abstracta -ou seguintes pudessem inventar imagens que aderiam às leis próprias
seja, a pintura é a colocação da tinta sobre uma tela para criar e inerentes da pintura. A galeria parisiense Durand-Ruel começou
uma composição de linhas e cores. a expor as obras de Cézanne no final da década de 1890 o que
A pintura de Cézanne tornou-se cada vez mais abstracta nos viria a exercer uma poderosa influência sobre os artistas, parti-
úlimos dez anos da sua vida, como podemos ver na Montanha cularmente sobre Pablo Picasso e Henri Matisse.
Sainte-Victoire Vista da Pedreira de Bibermus (fig. 26.3), pintada
entre 1897 e 1900. A Montanha Sainte-Victoire foi um dos seus Georges Seurat: a Procura da Harmonia
motivos preferidos, chegando raiar obsessäão,
a a uma vez
que Sociale Pictural
aparece em cerca de 60 pinturas e aguarelas da fase tardia do Como Cézanne, Georges Seurat (1859-1891) quis aproximar o
pintor. A profundidade patente na primeira vista da montanha
Impressionismo dos grandes mestres do passado. Frequentou,
(ver fig. 26. 1) foi entretanto substituída por uma versão mais
apenas por pouco tempo, a Ecole des Beaux-Arts com um
comprimida. A sobreposição de objectos figurativos é um dos
seguidor de Ingres e, depois de cumprir unm ano de serviço
poucos artifícios que indicam profundidade. De resto, a paisagem
militar obrigatório na Bretanha, regressou a Paris, onde passou
é umaintensa rede cuidadosanmente executada
que pede para ser
lida como uma intricada tapeçaria
o resto da sua breve vida. Começando a trabalhar em
atele
espacial. As árvores em primeiro próprio, em 1884, apresentou o seu novo estilo numa grana
plano extravasam pela superfície da pedreira e a árvore no canto
tela intitulada Banhistas em Asnières, em que representa u
superior direito espalha-se pelo céu. Este, por seu turno, funde-se
grupo de trabalhadores nadando no Sena num subúrbio par
com as montanhas, separado destas apenas pela linha que desenha Siense de classe operária, próximo do local onde Seurat crescera.
os cumes.
Apesar da bidimensionalidade e da aparente ausência Recusado 1584
pelo Salon, o quadro foi apresentado em
n

932 PARTE IVv o MUNDO MODERNO


26.4. Georges Seurat. Domingo à Tarde na llha da Grande Jatte. 1884-1886. Oleo sobre tela, 2,08 x 3,08 m.
The Art Institute of Chicago. Helen Birch Bartlett Memorial Collection, 1926.224

cheia de cor. A pintura é um compêndio de tipos que os con-


primeira exposição dos Artistas Independentes, uma nova coo
escrutínio teriam fac1lmente reconhecido, como o da cortesã
perativa artística cujas obras não estavam sujeitas ao emporäneos
do barqueiro, o
que é
e o
de um júri, como as dos Artistas Impressionistas. Seguidamente, representada a passear um macaco,

Seurat participou no que viria a ser a última exposição impres- nomem de camisa sem mangas que fuma um cachimbo à direita,
sionista, em 1886, para a qual contribuiu com Tarde de Domingo em primeiro plano (o catálogo de tipos de Seurat estende-se aos
na Ilha da Grande Jatte (fig. 26.4). As datas das duas exposições cães em primeiro plano e aos barcos no Sena). Seurat apresenta
Sao importantes, porque assinalam o fim da era impressionista as suas figuras como ícones, uma vez que cada uma foi pintada
ea ascensão do Pós-Impressionismo.
de perfil, frontal ou a três quartos, obedecendo às prescrições
A Grande Jatte tem raízes óbvias no realismo de Manet e nas do arquitecto romano Vitrúvio para a disposição de figuras
de Monet, uma vez que se trata aqui de escultóricas em templos. Seurat declarou que desejava "fazer
telas impressionistas
tarde ensolarada e desfilar as suas tiguras como se fossem as estátuas de Fidias no
uma cena de lazer da classe média, numa

1884. Ólco sobre tela,


93x 231 cn. The Art lnstitute of Chicago.
PuVis de Chavannes. ) Bosque Sugrudo.
Colecção de Potter Palmer. 1922.445

DESCONTENTAMENTOS: O POS-IMPRESSIONISMo, o SiMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880-1905) 933


Z 6 O PROGRESSO E Os SEUS
triso panatenaico do Pártenon, na sua forma essencial... .
academia no início da década de 1860, afirmou-se
A pretensão de Seurat era séria e foi consubstanciada numa tela como alter.
nativa clássica inesperada a Bougucreau (ver
de 2 por 3 m, destinada a funcionar na escala das página
888), embors
grandes pin- as suas
imagens de um classicismo onirico apelassem ao
turas de história, na tradição de Poussin e de David. Como um mesmo
público conservador de Bougucreau. Por volta da década de
pintor de história, Seurat executou estudos pormenorizados para 1880, viriam a atrair também os artistas de
cada elemento da sua obra, chcgando a pintar a paisagem antes vanguarda, que
encontraram na obra de Chavannes o mesmo
de lhe inserir as figuras, conmo num palco encenado.
refügio visionário
c de
simplicidade abstracta face ao mundo moderno
que pro.
curavam atingir nas suas próprias obras.
A INFLUÊNCIA DE PuVIS DE CHAVANNES Os críticos
notaram as semelhanças entre La Grande Jatte de Scurat e os SEURAT E O NEO-IMPRESSiONISMO Ainda que Scurat
murais clássicos de Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898), cuja tenha sido influenciado por Puvis, os seus propósitos não
obra era tão
podiam
omnipresente que a sua fama estava difundida por ser mais diferentes, porque em vez de escapar
para um outro
volta da década de 1880. Pinturas como O
Bosque Sagrado passado, o seu objectivo era criar um presente utópico, uma
(fig. 26.5) situavam-se num passado mítico, idílico ou bíblico emn visão poética da tranquilidade e do lazer das classes média
e
que a vida era serena, abundante e sem preocupações. No mundo operária. A sua religião não era apenas o Classicismo, mas
criado por Puvis, o movimento é escasso e não existe também a ciência. Familiarizado com as teorias de cor do fisico
esforço
aparente. Sem chegar a parecer geométrico, tudo é ordenado norte-americano Ogden Rood, Seurat acreditava que as cores
segundo linhas verticais ou horizontais, com uma bidimensio- mais intensas misturadas opticamente pelo olhar,
eram
quando
nalidade reconfortante que cria um alinhamento harmonioso não na
paleta. Por conseguinte, as suas superficies eram criadas
entre todos os elementos. Esta bidimensionalidade decorativa pela aplicação de uma fina camada de cor local parcialmente
evoca os antigos murais, bem como os primitivos frescos do misturada, sobre a qual vinha uma camada de pinceladas breves,
trecento e do quattrocento italianos. Os pormenores foram redu- em tonalidades relacionadas, e finalmente uma camada final de
zidos ao mínimo, conferindo à pintura uma aparência tranquila pontos do mesmo tamanho em cores primáias e binárias. Como
e equilibrada. As figuras são representadas em silhueta, de explicado num artigo de 1886, pelo crítico de arte Félix Fénéon,
perfil ou frontal, apresentando com frequência uma angularidade esta última camada de "... Cor, isolada sobre a tela, recombina-se
e uma
sinmplicidade arcaicas que intensificam uma aura de pureza na retina: temos, pois, não uma mistura de cores materiais
e inocência primordiais. Puvis, que emergiu das fileiras da (Pigmentos), mas uma mistura de diferentes raios coloridos de

26.6. Georges Seurat. Le Chahut.


1889-1890. Oleo sobre tela, 169 x 139 cm.
Rjksmuseum Kröller-Müller, Ouerlo,
Paises Baixos

934 PARTE IV oMUNDO MODERNOo


A Litografia sem-fim de impressões a partir da mesma
pedra. Por volta de 1830, o papel
tornava-se cada vez mais barato e
alfabetização crescia, uma combinação
a

ualquer substância oleosa que tornou o meio mais apetecível para os editores de jornais e revistas,
O.simples, Aloys Senefelder,repele água.
inspector
a
Partindo deste
da Imprensa
principio
Nacional de
cujas tiragens
ram em
aumentavam. Dos muitos ilustradores de
jornais que trabalha-
Munique, inventou a
litografia, pouco depois de 1800. Neste litografia, Honoré Daumier foi o mais aclamado (ver fig. 25.4).
artista desenha sobre pedra com um processo, o Com o desenvolvimento de impressoras de maiores dimensões e com
bastão ou tinta oleosa, chamada tusche. Ratora
papel
a
capacidade de imprimir em várias cores,
Seguidamente, a pedra é humedecida com a
litografia tornou-se meio
Pedra o
preferido
água. que é absorvida pela pedra porosa, Com tinta para a impress o de cartazes. Nas últimas
excepto nas áreas ocupadas pelo dese ogranca décadas do século XIX, os cartazes come-
nho. O gravador aplica então a tinta de çaram a apresentar imagens, além de

impressão, que adere apenas aos locais titulos. Os fabricantes


queriam agora
marcados com tusche. A
pedra éé passada apresentar fotografias dos seus produtos,
por uma prensa e as imagens são em cores fortes, para que o seu cartaz se
impres Superfície
sas ao contrário, sobre deslizante destacasse de uma parede já repleta de
papel. O processoo
da prensa
exige um tal apuro técnico que os artistas publicidade. Os artistas responderam a
costumam trabalhar com litógrafos estas exigências com grandes placares
experientes para a parte técnica do litográficos que passaram a ocupar as paredes laterais de edificios, de
processo, seja, a de imprimir ou tirar as
ou
cópias. Uma variação do carros comerciais e de autocarros, reflectindo
processo permitiu aos artistas desenhar com tusche sobre o crescente consumismo
papel, depois que se
espalhava pela Europa. O mundo da arte reconheceu
transferido para a
pedra. A litografia conquistou rapidamente
diata
uma
popularidade ime- o mérito artistico destes
posters e, em 1889, uma exposição de cartazes
artistas, tornando-se
entre os
um dos meios de
impressão mais foi organizada para a
Exposição Internacional, no Palácio das Artes Libe-
disseminados dos séculos xx e xx.
rais. Os coleccionadores
Ao contrário das começaram a
comprar posters, as galerias a
chapas gravadas (ver Materiais e Técnicas nos Capitulos vend-los
14e 20).que se desgastam com
e os artistas a
produzi-los para satisfazer os coleccionadores.
impressões repetidas e requerem um reforço Hoje em dia, Henri de Toulouse-Lautrec é um dos mais aclamados entre
frequente das linhas, a litografia não exigia manutenção,
possibilitando um os artistas que executaram
posters litográficos a cores (ver fig. 26.7).

luz". No importa que Seurat tenha interpretado Rood errada- Estética Científica (1885). Henry alegava que as cores, bem comno
mente e
que este argumento não seja verdadeiro, porque o as linhas, tinham significados emocionais específicos (por exem-
pintor acreditava que as cores eram mais lum1nosas do que as plo, o amarelo ou uma linha ascendendo a partir da horizontal
dos
Impressionistas e certamente
técnica, a que deu o nomne
a sua são conotadas com a felicidade, enquanto o azul ou uma linha
de "cromoluminarismo" e
que os académicos vieram mais tarde descendente evocam tristeza). Seurat pôs a teoria em
a chamar "Pontilhismo" ou "Divisionismo", criava uma prática nas
super grandes telas realizados nos últimos cinco anos, de pinturas género
ficieuniforme e vibrante que redundou num impressionismo que figuram entretenimentos populares urbanos como circos e
sistematizado. Tal como as figuras, a superfície regularmente cabarés. No alegre e festivo Le Chahut
(fig. 26.6), de 1889-1890,
pontilhada das telas de Seurat parece mecânica, como se a reac- é impossível não dar pela predominância da tonalidade de ama-
gão subjectiva mão-olhar dos impressionistas tivesse sido relo e das linhas verticais ascendentes. A cena
representa o final
substituída por uma máquina capaz de registar a cor e a luz de um can-can, num clube nocturno do ateliê de Seurat,
perto
com pontos uniformes de tinta. uma cena tão baseada na realidade
que permite identificar os in-
Na sua crítica dessa exposição impressionista, Fénéon chamou tervenientes, embora estes, como o público em cada um dos lados
Neo-Impressionismo", ou Novo Impressionismo, ao estilo de da passarela, também funcionem como um
catálogo de tipos.
Seurat serviu-se da composição de
eurat. Antes do final da década, o novo estilo contava já com enquadramento cortado e cheia
de figuras, ao estilo de Degas, imobilizando as
uma legião de
seguidores atraídos pela abordagem científica, pela e até mesmo figuras
monumentalidade e pela aparência moderna. Muitos mantiveram
o mobiliário e adereços como as lamparinas a gás, transformando-
O estilo durante uma parte considerável do século xx. Por muito -os em
poderosos ícones. A sua crença apaixonada na ciência, na
tecnologia e nas máquinas como instrumentos para atingir o
nvulgar e inconfundível que seja esta técnica, seria um erro
progressoea igualdade será mais tarde
partilhada geraçöes
caigar a sua
importância em detrimento do significado das obras posteriores de pintores.
por
c arte. Seurat era um simpatizante socialista, dedicado a criar

na utopia de tranquilidade e lazer das classes médias e operárias.


Sua visão socialista de um mundo harmoniosoe perfeitoea sua
Henri de Toulouse-Lautrec: uma Arte para
Cnga na ciência como força que permitiria consubstanciar esta o Demi-Monde(Submundo)
utopia caracterizam o seu método. Paradoxalmente, Seurat, como os outros
pintores pós-
às teorias de -impressionistas, constituiu uma nova vanguarda que levaria a
Aabordagem experimental de Seurat levou-o
r l e s Henry, tal como aparecem no tratadoA Introduçãoa uma pintura por um caminho de esoterisino incompreensivel para

TULO 26 o PROGRESso E OS SEUus DESCONTENTAMENTOS: O PÓS-IMPRESSIONISMO. O SiMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880-190s) 93s
contornos dos chapëus evocam Seurat e indicam as diferentes

OULIN ROUGE CONCERT personalidades e tipos. A própria bailarina está em pungente


contraste com a figura em primeiro plano de Valentin le désosé

OULIN ROUGE (Valentim sem Ossos), conhecido pela idiossincracia da sua danca.

OULIN ROUUGE BAL


Contudo, ao contrário de Seurat, que cria um mundo monumen-
tal em três dimensões, a visão de Toulouse Lautrec tem a espessura

TOUS Les SoIRS do papel e é satírica. A própria sinalética reforçaa indulgênciae


o consumismo, a partir da tripla repetição da expressão Moulin
LA GOULUE Rouge. A inclusão de palavras em cartazes não era novidade, mas
até então eram remetidas para o topo ou para o fundo do cartaz,
nunca integrando a imagem, como aqui vemos. Tã0-pouco apre-
sentavam as mesmas oscilaçQcs de escala c de tipo, o que,
juntamente com a versão ondulante da palavra Moulin Rogue,
sincopadamente dada em três cores, produzia um ritmo corres-
pondente ao da música.
Degas e a pintura japonesa foram as grandes inspirações de
Toulouse-Lautrec e o seu ponto de partida artístico. Se os padrões
decorativos das gravuras japonesas podiam ser intuídos em La
Goulue, já o óleo ligeiramente posterior No Moulin Rouge
(fig. 26.8) deve a influência preponderante a Degas. Porém,
a espantosa capacidade de Toulouse-Lautrec para a sátira e
a caricatura afasta-o do mentor, cuja ironia era mais subt1l.
A mulher em primeiro plano, em que as cores berrantes do rosto
são tão realçadas pela iluminação a gás que lhe dão a aparência
de máscara, dá o tom à pintura. Nesta sala sem alegria, sentimos
a inutilidade e o vazio do fingimento e das deambulações sociais
que tinham lugar todas as noites sob o disfarce de alegre diver-
são. Toulouse-Lautrec, que sucumbiu ao alcoolismo, conheceu
a dissolução deste mundo tão bem como qualquer outro, o que
denuncia, ao fazer-se representar ao fundo: é o terceiro do0s

quatro homens de cartola. Estamos perante uma representaçao


do decadente mundo dofin-de-siècle, do qual pintores como Van
Gogh e Gauguin tentarão escapar.
CHLLYDE. Murtda
26.7. Henri de Toulouse-Lautrec. La Goulue. 18926.
Poster litográfico a cores, 1,90 x 1,l6 m. Colecção particular incent van Gogh: Eapressão Através
da Cor e do Símbolo
os públicos seus contemporâneos. O artista que melhor soube Antes de se tornar pintor, o holandes Vincent van Gogh
captar a exuberância urbana dos finais do século x1x e que (1853-1890) tentara a sorte como pregador, protessor enegocll
exerceu o maior impacto sobre o público foi
Henri de Toulouse de arte, atraído para estas vocações
pelo desejo de uma vida tao
-Lautrec (1864-1901). As suas imagens do Cinque Fernando foram preenchida espiritualmente como socialmente útil. Van Gogn
expostas no próprio circo e as telas dedicadas a salas de baile, decidiu que a arte por si só lhe oferecia o acesso ao mundo 1acat
cabarés e clubes nocturnos foram exibidas nesses mesmos locais que buscava. Depois de uma formação artística rudimentar.0
(além de, como é óbvio, nas novas cooperativas de artistas). pintor passou os anos de 1883 a 1885 a pintar o vicariato du
O maior impacto, contudo, foi criado
pelos grandes posters família (o pai era pastor), na aldeia de Nuenen, na Holanda.
litográficosque executou para esses espectáculos populares,
colados por toda a Paris. As suas
local onde se sentiu profundamente tocado pela dignidadc
imagens da vida nocturna espiritualidade solidez dos camponeses empobrecidos. A Sua
e
urbana passaram a fazer parte da do 26.9).
percepção público
e a sua
principal obra deste período, Os Comedores de Batatas (fig.
obra ainda hoje molda a imagem que fazemos do período. reflecte a sua compaixäo e o respeito pelas classes
Toulouse-Lautrec foi mestre da caricatura, como se pode ver destavorect
ao scu
em La Goulue
como descreveu numa das 650
páginas de cartas enviadas
(fig. 26.7), que representa a popular bailarina do irmão Theo: "tentei realçar que as pessoas que comem bi
Moulin Rouge rodeada pelo público. Servindo-se de um mínimo ma0s
à luz da lamparina cavaram a terra com as mesmas
9
de traços e de planos lisos de cor
elinha, Toulouse-Lautrec captou levam ao prato, pelo que o quadro é sobre o trabalho manuai
o esforço físico da
dançarina bem como o seu isolamento e alie- sobre a honestidade com que ganharam a sua comida. Quis d
nação face aos frequentadores do cabaré. A fieira formada pelos a impressão de uma existência muito diferente da nossa VId
pés em silhueta, à direita, lembra o espírito colectivo da dança; os de
de seres civilizados". Aqui vemos a admiração e o respeito

936 PARTE Iv oMUNDO MODERNO


26.8. Henri de Toulouse-Lautrec. No Moulin
Rouge. 1893-1895. Óleo sobre tela, 123 x 144 cm.
The Art Institute of Chicago. Helen Birch Bartlett Memorial Collection

26.9. Vincent van Gogh. Os Comedores de Batatas. 1885. Oleo sobre tela, 82x 114,3 cm.
Fundação Vincent van Gogh, /Museu Van Gogh, Amesterdão

O L O 26 O PROGRESSO E OSs SEUS DESCcONTENTAMENTOS: O PÓS-IMPRESSIiONISNO, O siMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880-1905) 937
26.10. Vincent van Gogh. Retrato do Père Tanguy. 1887-188. Óleo sobre tela, 92 x 75 cm. Mus e Rodin, Paris

PARTE IV o MUNDo MODERNO


938
v.an GGoglh or um Vida sunples, bascada no contacto directo
com a naureza, bem
com a
desconfiança relativamente A ARTE NO SEU TEMPO
valores lburguescs c à
modernidade urbana. Os
aos

artísticos inclucn Millet, cujas poderOsas modelos seus Década de 1880 As nações europeias colonizam a África
empáticas
taçöcsde camponescs ecoam nas de van Gogh, seu represcn-
e
ca. 1885-1887 Montanha Sainte-Victoire, de Cézanne
e o
Rembrandt, cujo tencbrismo envolve esta ceia
compatriota 1888-1889 Café Nocturno, de van Gogh
ritualista., num humilde, quase 89 Paul Gauguin visita o Taiti pela primeira vez
manto de reverëncia. O quc
ingenuiclade técnica de van Gogh, quedistingue esta ima- 899 Claude Debussy compõe os Nocturnos
gem é a
confere à
pintura
uma energia crua; esta, por sua vez, dota os
c

uma vitalicdade elcmentar, retlectindo o camponeses de


do pintor a sua paixão
incontido entusiasmo
e
pelo tema. (Os dedos as mãos actividades. Em Retrato do Père
vinhadas, as fisionomias encla- e
cle tintas e socialista
Tanguy (fig. 26.10), um fornecedor
procminentes contorcidas, as roupas e declarado, van Gogh adoptou uma paleta de
em pregas sussirrantes, as
Vigas do tecto cores
primárias e binárias de extrema vivacidade. Sem abandonar
que parecem
com a
força de uma
erupção,
recuar a
pincelada impetuosa, pintor emprega-a agora de maneira mais
Crucificação que, cm
um
rclógio e uma
imagem da
o

vez dc
suspensa, parece sistemática, fazendo-a percorrer
antes destacar-se Tanguy, investindo a sua figura
da parede -

tudo explode no interior desta


de uma verve
espiritual e de uma harmonia
tranquilidade representada pelo evento: trabalhadoresapesar da pintura, Van pacífica e radiosa.
Gogh chega a
apresentar o seu
amigo
perante uma ceia frugal. cansados de mãos
na
pose de um Buda,
entrelaçadas. Atrás dele encontra-se unma parcde replcta
Van Gogh frequentou de
durante algum tempo a Academia de gravurasjaponesas, que van Gogh admirava não apenas por
Belas Artes de Antuérpia, onde estudou óbvias razões estéticas, mas
também porque
coleccionou gravuras japonesas. pinturas de Rubens e as
ditoso mundo representavam um
Contudo, descontente com a utópico. Em breve, van Gogh começou aliciar a os
Bélgica, van Gogh foi para Paris reunir-se com outros pintores de Paris para fundarem uma comuna artística no
van
Gogh, que erao responsável pelo irmão, Theo o
solarengo Sul da França, um "Estúdio do Pensamento" que van
departamento de pintura
contemporânea de uma galeria de arte. Foi em Paris, entre Gogh considerava um Japão ocidental.
os
anos de 1886 e 1888,
que van Gogh vivenciou Só Gauguin aceitou partilharo sonho de van Gogh, de
eo
Neo-Impressionismo Impressionismo o
qualquer forma, apenas durou dois meses. Sozinho emque,
em
primeira mão, absorvendo as suas Arles,
lições com o mesmo fervor
van
Gogh floresceu na paisagem provençal,
com
que se dedicou a todas as outras
samente mais sólido corpo de obras, em
o
produzindo furio-
que se incluem Café

26.11. Vincent van Gogh. O Cafë Noctuwno. 1888. 72,4x92,1 cm.Galeria de Arte da Universidade de Yale,
New Haven. Legado de Stephen Carlton Clark, B.A. 1903.1961.18.34

APITULO 26 O PRoGRESSO E OS SEUS DESCONTENTAMENTOs: o PÓS-IMPRESSIONISMO, O SIMBOLISMO EA ARTE NOVA (1880.1905) 939
26.12. Vincent van Gogh. Noite Estrelada. 1889. Óleo sobre tela, 73 x 93 cm. Museu de Arte Moderna,
Nova lorque. Compra do Legado de Lillic P. Bliss (472.1941)

Nocturno e Noite Estrelada. As suas emoçõcs intensas e descon- de estrelas, que ligam a terra a um plano transcendental. O céu ê
iluminado por um espectacular fogo-de-artificio cósmico - nos
troladas subiram à tonaea sua pintura tornou-se cada vez mais
halos das estrelas e nas nuvens em movimento jubiloso ccoa
expressionista,servindo-se da cor para transmitir emoção, não
tanto para documentar a realidade, empregando um vocabulá- a ondulação das montanhas e das árvores, em baixo. Captando a

rio pessoal e simbólico. Em Cafë Nocturno (fig. 26.11), van Gogh energia deste vocabulário expressionista, van Gogh pintou o mundo
exprimiu a sua repulsa por aquele antro de iniquidade de Arles, primitivo ea utopia com que sonhava: a paz e a tranquilidade das
pessoas simples e despretensiosas, que se nutrem da natureza
c
afirmando querer "expressar as terríveis paixões da humanidade
estão em harmonia com as forças universais. Contudo, apesar da
através do vermelho e do verde". O uso simbólico de cores
frenética produção artística c dos seus anseios humanitários, van
complementares cria uma atmosfera de uma acidez rude, tornada
mais agressiva pela gama dissonante de tonalidades esverdeadas Gogh era um homem profundamente perturbado, que comegou
a0s poucos a duvidar da sua capacidade de pintar e que acabou
da mesa de bilhar, dos tampos das mesas, do bar, dos tectos e
até no cabclo do empregado. O mórbido vermelho-sangue das por cometer suicídio, um ano depois de pintar a Noite Estrelada.
paredes extravasou para as estridentes tábuas do soalho, cujo
amarelo parece conotado com o inferno, não com a alegria, uma Paul Gauguin: a Fuga à Modernidade
aura retorçada pclos raios que emanam das lamparinas a gás Paul Gauguin (1848-1903) é o quarto pintor do principal grpo
suspensas do tecto.
dos Pós-lmpressionistas. Partilhava com van Gogh o repudo

Contudo, a personalidade que transparece da maior parte das pela civilzação avançada e ansiava por uma alternativa utópica
obras de van Gogh é a do evangelista secular que celebrava a vida Oseu atastamento da sociedade foi, talvez, o mais radical en

na sua plcnitude e ansiava pela harmonia universal, como está os artistas do seu tempo. Tendo começado por ser um correc

patente em Noite Estrelada (fig. 26.12). Neste quadro vemos, ani- da bolsa atraído pela pintura, que coleccionava os Impression
nhadas num vale escondido, as luzes convidativas dos simples lares as, comcçou a pintar nos inícios da década de 1870. Em I882
rurais. O brilho amarclado das janelas rectangulares une-as às Gauguin perdeu o emprego e dedicou-se por completo a pu

estrelas arredondadas do univers0 nocturno, i0 cimo, Começou a estudar com o scu amigo Pissarro, que Ihe apre
num
contrastec
harmonioso entre os clementos yin e yang. O primeiro plano é tou a obra de Cézanne. Participou nas quatro iltimasexpo
dominado por um cipreste que ascende em espiral, paralelo ao 1mpressionistas, entre 1881 e 1886. Neste últimoano, abandon
vida
Paris e começou uma existência nómada, procurando u i a
campanário da igreja. Ambos penetra unn céu em chamas, repleto

940 PARTE IV O MUNDo MODERNO


Paul Gauguin (1848-1903) .orjam-se tempos terrívcis na luropa par as geraçõcs vindouras; o
reino do ouro. Tudo está em putrefacçio, at os honens, at as artes. o
Taiti, pelo menos, sob um céu de azul perpétuo, num solo naravilhs/4-
mente lértil, basta aos habitantes levantarem uma mão para colherein o
De uma carta a J. E.Willumsen
Sustento; além disso, ningum jprecisa de trabalhar. Quando na
Furopa
Opintor dinamarqués ). E Willurmsen foi membro do círculo de Gauguin na 0S homens c as mulheres apenas sobrevivem depois de uma labuta inces-
Bretanha. (Gaugruin csCreveu csta carta no Outono de 1890, antes da sua
Santc, presas das convulsões clo frio e da fomec e da mis ria, os taitianos,
partida para os mares do Sul. pelo contrário, felizes habitantes do paraíso desconhecido da Occânia,

uanto nmin, tomci uma apenas conhecem a suavidade da vida. Viver, para cles, é cantar e
arnar.
a decisão. Em breve
partirei para o Taiti, Mal tenha a minha vida naterial organizada, poderei devotar-me as
umapequena ilha na Occânia, onde as necessicdades materiais da
grandes obras de arte, livre de todas as invejas artísticas e sem qualquer
vida podem ser obtidas sem dinheiro. (Quero deixar
para trás todos os
necessidadc do baixo comércio.
infortúnios do passado quero ser livre para pintar sem esperar qualquer
c

tipo de glória aos olhos dos outros quero morrer lá e lá ser


e
csquecido. FONTE: THE GENESIS OF MODERNISM, ED. SVEN LOEVGREN (NoVA 1ORQUE, HACKER ART BOOKS, 1983)]

com mais sentid, que ele acreditava existir numa


sociedade um
tipo de pintura autêntico e directo,
tão livre quanto possível
mais simples, enraizada na natureza. Começou fixar na de influências da civilização,
por se
dois artistas viraram-se para
os
aldeia de Pont-Aven, uma remota comunidade rural na Breta-
uma grande variedade de fontes vernaculares e primitivas,
nha, onde os habitantes ainda usavam os trajes
regionais e eram incluindo ilustrações populares rudimentares (especialmente
intensa e carismaticamente devotos.
religiosas) e a arte popular, infantil e medieval. Sentiram-se
Depois de trocar a Bretanha pela ilha caribenha da Martinica, ainda atraídos por estilos tão arcaicos como os primitivos italia-
em 1887, Gauguin regressou a Pont-Aven em 1888, onde
pintou nos do século xiv c
pela arte egípcia e da Mesopotâmia.
com um colega, Enmile Bernard. Juntos desenvolveram um estilo As janelas em vitral eram especialmente apelativas, pela sua
chamado Sintetismo, uma reterência à produção sintética de função espiritual e paleta saturada, bem como os esmaltes em
imagens baseadas na imag1nação e na emoção e no na repro- cloisonné, que também filetes divisórios
usam em chumbo para
dução mimética e empír1ca da realidade. Na sua procura por separar as diferentes áreas de cor.

26.13. Paul Gauguin. A Viso Depois do Sermão (ou Jacob eo Anjo). 1888. Oleo sobre tela, 73 x 92,7 cm.

Galerias Nacionais da Escócia, Edinburgo

OLO 26 O PROGRESSO E OS SEUS DESCONTENTAMENTOS: O POS-IMPRESSONISMO, o SiMBOLISMO E A ARTE NOVA (I 880-1905) 941
CAPITUL
26.14. Paul Gauguin. De Onde Vimos? Para Onde Vamos? Ouem Somos? 1897. Oleo sobre tela, 1,39 x 3,74 m.
Fotograti.a © Museum of Fine Arts, Boston. Arthur Gordon Tompkins Residuary Collection. 36.270

O impacto do vitral medieval e do cloisonné está patente na enquanto uma estatueta de um deus preside ao bem-estar dos
Tisão depois do Sermão, de Gauguin (fig. 26.13), em que tudo ilhéus, distribuindo bênçãos e uma intensa espiritualidade sobre
parece definido por uma única linha azul ondulante. Gauguin cada aspecto da vida quotidiana, ao mesmo tempo que aponta
apresenta um grupo de mulheres bret s que acabaram de ouvir para o céu e para a vida depois da morte. A paisagem tropical
um sermão dedicado à luta entre
Jacob e o Anjo. O artista atri- é densa, luxuriante e sensual, uma tapeçaria abstracta de formas
bui às nmulheres uma fé ingénua e cega, que lhes permite ver
profundamente saturadas, bidimensionais e curvilíneas, em que
espiritualidade em seres tão mundanos como uma vaca, cuja tudo parece flutuar. A vida é lânguida e
forma lembra a das duas figuras bíblicas que o padre acabara
despreocupada: aqu,
o
tempo parou. Assim, quando a tela foi apresentada em Paris
de descrever. Numa composição
ousadae devedora das gravu- não surpreende que os críticos a tenham comparado com os
ras japonesas (fig. 25.31), Gauguin colocao bovino e os lutadores mundos clássicos de leite e mel criados por Puvis de Chavannes
de cada um dos lados de uma árvore, em forte contraste com (ver Fonte Primária, página 941).
um intenso campo místico de cor vermelha. Os objectos da visão Como o título sugere, a pintura representa os três estádios
das mulheres existem claramente numa estera supraterrena, na da vida que encontramos nos quadros renascentistas: o nasci-
qual parecem flutuar como por magia. 'Tudo parece possuído, mento é representado à direita, a juventude ao centro e a velhice
na pintura de Gauguin, como se estivesse investido de uma no extremo esquerdo. A figura central é, sem sombra de dúvida,
religiosidade invisível. Os atilhos de duas das toucas movem-se uma Eva taitiana. A estátua da divindade é uma compilação de
como serpentes, enquanto as silhuetas dos toucados das duas
figuras de divindades: a deusa taitiana Hina, um Buda javanës
mulheres, à csqucrda, parecem animados de vida própria. Por e um megálito da Ilha da Páscoa. Os torsos foram retorcidos ate
toda a
magem encontramos formas bidimensionais e curvilíneas, se assemelharem a figuras egípciase os cantos dourados, como
caté formas no
mesno

a vaca c os lutadores.
interiorde
formas, pairando, tal como itulo e a assinatura, lembranm os primeiros ícones bizantinos C

enascentistas. A velha, à esquerda, deriva de uma mumi.i


Apesar do encanto provinciano e da distância de Paris, para peruana que (Gauguin viu num museu etnológico parisiense
Gauguin, a Bretanha ainda estava demasiado próxima da civi-
Por tocda a imagem perpassa a espiritualidade e o colorido dos
lização e do seu materialismo
decadente. Em 1891, o pintor Vitrais mecdievais, benm como as formas e as cores ousadas das
rumouà colónia francesa do T'aiti, no sul do
Pacífico, convencido gravuras Japonesas. Toda a pintura é unma sintese notável ae
de que encontraria nesta ilh:a o "nobre
selvagen" de Rousseau, Culturas, religiões e períodos, testeunhando o desejo de Giu
um hunano inocente c
clementar, um "prinitivo" cnraizado guin em representar as forças míticas elementares subjacentes
na Naturc7a e em
harmonia com o universo. No Taiti, Gauguin à humanidade.
pensava t.ambén "regressar.. Lanto
minha inf.incia,
quanto possível ao dadu da aug acreditava que a renovaç+o da pintura e da CIVI
o bom velho cavalo de madeira" (dadu
cavalo de baloiço cm francés). O signitica Zg10 ocdental viria do eNterior, pcelo que aconselho outrs
pintur esperava viver u n Dntores a übudonrem as tornmas greco-romanas eaviraret
Jardim do Fden tropic.al, pondo a deseoberto as mais
biICas para a Pérsia, o Prósio Oriente c o antigo Egipto, para
verdades sobre a existneia humana. F.
do Fden quc precisanente um Jarrdin nspiraren. Esta ideia nao era nov:a e tinha origem no m
pintor decidiuu representar em De (nde Vimos?
o
romantico d o nobre selvagem e das ideias do lluminism0, uc
Oucm Sonmos? Para (Onde lamos? (lig. 26.14),
árvores cstao pe]adas de Irutos,
datado de I887. As Cerca de cem anos antes; contudo, a origem mais ancestral pl
prontos serem colhidos, Vinta de uma crença intemporal no paraiso terrestre, outrora

942 PARTE I v o MUNDO MODERNO


habitado pela humanddade, quc talvez. o vicsse
recuperar: u
a
das telas de Pont-Aven, de Gauguin. Nabis é
estaado de natureza c inocénca. Antes de
Ciauguin, nenhum
a
palavra hebraica
para proleta" e, como o none indica, os seus nembros mer-
artista fora tão longe para aplicar esta doutrina de "primiti- gulharanm a fundo na
religiäo, talvez. uma fuga à modernicdade
vismo", como era conhecida. A sua percgrinação ao sul do mais accssível do (quc o Taiti.
Pacifico teve mais do que unm significado puramente privado: Os seus interesses
simbolizou fim dos 400 anos cde expanso que tinham sujeitadlo
o cspirituais cram cxtreinanentc abrangen-
a maior parte do globo terrestre ao domínio do Ocidente.
tes, cheg:ando
incluir o oculto e
a o sobrenatural. A Europa c a

América do Norte
O colonialismo, tão alegre mplacavelmente prosseguido
e partilhavam o ncsmo intcresse por estes
de
pelos temas transcendentais, nuna época em
que as pessoas procura-
construtores mpérios, transtormava-se agora num símbolo
da corrupção da Civilização Ocidental.
vam alívio do matcrialismo grossciro da modernidade. Além
de intercssarem
se
pelas religiões do Próximoc
Extrcno Oriente,
muitos dos Nabis deixaram-se influenciar
pela popularidade da
O SIMBOLISMO Teosofia c do Rosacrucianismo.
Encquanto
o misticismo teosófico

Embora tenha sido Gauguin qucm inventou o


recua a Platão,
teosofia do século x1x surgiu com a fundação
a
termo Sintetismo, da Sociedade Teosófica em 1875,
pela mão de Madame Helena
aplicando-o à sua
própria pintura, o
pintor cedo foi aclamado
Blavatsky, imigrante russa e ocultista. A Socicdade Teosófica
como Sinmbolista. O Simbolismo foi um movimento literário
reivindicava, em síntese, que todas as religiões eram 1guais e
anunciado num manifesto publicado pelo
pocta Jean Moréas procurava revelar as ligações místicas entre todas as coisas.
(1856-1910), no jornal Fígaro littéraire, em 1886. O poeta Bau- A
delaire, autor de Flores do Mal (1857), foi considerado semelhança de Gauguin, cuja tela De Onde Vimos? procurava
um dar forma pictórica a uma síntese de diversas influências espi-
precursor do movimento e os poetas Stéphane Mallarmé e Paul rituais culturais, os Nabis quiseram transmitir o misticismo
e
Verlaine encontram-se entre Os seus
representantes mais teosófico através da sua pintura. Porém, em vez de se servirem
relevantes. Outro poeta ainda, Gustave Kahn, condensou sucin-
de uma imagética transcendental oriunda de vários locais remo-
tamente a essëncia da nova correnteao escrever,
pouco depois tos, Vuillard e Bonnard viraram-se para cenas da vida doméstica,
de Moréas, que o
objectivo do escritor era de
"objectivar o actividades de lazer e paisagens da sua França natal.
subjectivo... em vez de subjectivar o objectivo", querendo com
Embora o movimento se tenha
isto manifestar a rejeição do mundo extinguido durante a década
quotidiano contemporâneo de 1890, Edouard Vuillard (1868-1940) e Pierre Bonnard
c a sua
substituição por um mundo onírico que
expressava tornaram-se pintores de renome. Apesar de terem abandonado
sensações, atmosferas e medos ou desejos profundamente repri- o
ímpeto religios0 do grupo, mantiveram a êntase na emoção
midos. Em breve, o título se
expandia à pinturaeo nome de expressa através da abstracção, que Maurice Denis, numa cita-
Gauguin passou a encabeçar qualquer lista de simbolistas ção famosa, resumiu quando escreveu: "Um quadro - antes de
importantes. Van Gogh, conm as suas fantasias expressionistas, se transtormar num cavalo de guerra, num nu teminino ou na
também foi considerado um simbolista. Em 1891, o crítico de
arte Georges-Albert Aurier definiu o simbolismo com cinco
adjectivos: "ideal, simbolista, sintetista, subjectivo e decorativo".
Opróprio Gauguin sentiu-se compelido a usar terminologia
simbolista para descrever a sua pintura De Onde Vimos?, quando
a expôs na Galeria Ambroise Vollard, em 1898. Num texto

escrito no Taiti, Gauguin sublinhou que a pintura era "musical"


e declarou que ela comunicava através das qualidades abstrac-

tas da linha, da cor e da forma e não através de uma historieta

150lada que pudesse representar. Nessa altura, as óperas de


Wagner faziam furor por toda a Europa e nos Estados Unidos
da América e inspiraram os escritores e pintores simbol1stas a

usar meios abstractos para expressar poderosos anseios emocio-

nais e a
psicologia mais clenmentar.

Os Nabis
1mpacto de Gauguin foi tremendo e, por volta de 1890, 0s

Pacdrocs orgânicos bidimensionais c curvilíneos estavam por toda


parte, cono, por exemplo, na base dos posters de Toulouse

utrec (ver fig. 26.7), scndo ainda visiveis em muitos dos seus
ieos, como No Moulin Rouge (ver fig. 26.8). Gauguin eNereeu
nbéin uma influência formativa sobre os Nabis, uuna organn- 26.15. Flouard V'uillard. O. 1relië (ou ) Petendente). I893.
Olco sobre cartio, il,S x 35,0 cm. Smth College Nluseum of Art.
secreta fundada, cem 1888, por jovens pintores parisenses, Northapton, Mass.achusctts. Connpra do Fundo Drayton Hillyer,
clundo Edouard Vuillard e Pierre Bonard, dois artistas pr 1938. SC. 1938:15 .Artuts Right» Sacicty (.ARS), Nova lorque
amente impressionados pela novidade e pela espiritualidade ADAGP, Paris

APITULO 26 O PROGRESSO E Os SEUS DEScoNTENTAMENTOS O POS.IMPRESsiONISHO. o SIHBOLISMO E A ARTE NOVA (1880- 1 905) 943
Natura). de 1884. O protagonis
À Rebours (Contra
narratia de um qualquer evento-écssencialmente
uma

uma ordem
super-
é um
excêntrico
desencantado

de
que enclausura
se

objectos tão
usura Huysman
num estranho
ficie bidimensional coberta por cores, segundo mundo de
sonho, repleto surreais Cono
numa abstracção estâ incrustada de bvas, e uma
cspecifica". Esta ideia de realidade dissolvida
concha
viva, cuja
Vuillard. tartaruga obras de
íntimo óleo de Redon.
de cmoçõcs pode ser vista n o pequeno e arte de Moreau e
vemos o tema
datado de 1893, O Pretendente (fig. 26.15). Aqui,

preterido do artista, os interiores, que são mágicos, n o mun- GUSTAVE


MOREAU O imaginário de Gustau
Gustave Morcau
modista,
danos. O observador é colocado perante a m e do pintor, combinou
motivos
românticos Com
exoticos
(1826-1898)
também membro dos de
mundos sobrenaturais
a irma eo marido, um respecitado pintor, ambientes perturbadores Numa
transmitida grande aguarela intituladaAparição (fig. 26.16), de cercad 1876,
Nabs. O mundo desaparece n u m a poesia decor,
real
Uma
efeito geral de mesclado.
num cabeça de S. João Baptista, conform.
por pinccladas sumptuosas, Salomé recebe a
atmostera sensual; pedido. Porém, ao inves da tradicional apresentacãonuma
palcta disCreta mas de rico colorido cria u m a
fantasmas
rasgos tormados pelos cortes de tecido
flutuam como
rodcada por uma auréola brilhante
forma, cor- bandeja, a cabeça, pinga
encantado de tinta, cor e O observador é
bidimensionais n u m m a r
sangue e parece
levitar magicamente. olocado
porizando a doce intimidade eo ritmo lânguido do quotidiano tremenda competiçao de olhares, entre o bem
perante u m a
doméstico burguês. mal e entre os sexos, uma vez que foio desejo de Salomé ue
resultou na decapitação do profeta - não podendo té-lo em vida.

Outras Visões Simbolistas em França morto. O c e n a r i o e os trajes são vagamente


a jovem decidiu tê-lo
Simbolismo, foram acolhidos
Dois outros artistas, anteriores ao
orientais e o gigantesco
salão cintila de opulëncia imperial. As
movimento: Gustave Moreau
Odilon Redon. Moreau
e toram executadas
pelo flores, as roupagens, as colunas e as paredes
Redon durante o decénio
durante a década de 1860 e
gemas preciosas, que lembram
emergiu a pinceladas minuciosas, como

pintores atraíram a atenção do público quando Delacroix e fazem tudo resplandecer (a própria paleta é inspirada
seguinte. Os dois
no romance simbolista de Joris-Karl Huysman,
apareceram

ulone

26.16. (Dunçuue a r
do Loure, p
Gustave Moreau. A Aparição
Cal.1876. Aguarela, 106 x 72 cm. Musc
RF 2130

944 PARTE IV o MUNDO MODERNo


26.17. Odilon Redon. O Olho. Qual Balão Bizarro, Dirige-se ao
Infinito,
da série Edgar A. Poe. 1882.
Litografia. 25,9 x 17,8 cm.
Museu de Arte Moderna, Nova
lorque. Doação de Peter H. Deitsch

em Delacroix, cmbora a estrutura clássica se deva a


lngres). Nas
mãos de Morcau, a história de Salomé não é apenas ilustrada,
mas transtorma-se numa
alucinação macabra de sexo e morte,
apresentada por meio de uma delirante névoa de traços doura-
dos e de uma estranha luz, que parece arder lentamente.

ODILON REDON Ainda mais visionárias e oníricas são


possi-
velmente as intensas imagens de Odilon Redon
(1840-1916), outro
dos pintores adoptados pelos simbolistas. Os seus desenhos e
N gravuras trazem-nos fantasias crepusculares, envoltas em manchas
ditusas de carvão ou crayon
negro. Redon foi-sc inspirar nas
gravuras de Goya (ver fig. 24.1) e talvez tenha visto também as
Pinturas Negras (ver fig. 24.4),
quando estas foram expostas na
exposição internacional de Paris de 1878. O estilo de Redon cstí
patente na gravura aqui reproduzida de uma série de 1882, dedi-
cada Edgar Allan Poc (fig. 26.17). Os aterradores contos
a

psicológicos de Poc, traduzidos para o francês por Baudelairc e


Mallarmé, eram
populares em França. Redon inspirou-se nos
ambicntes românticos de Poe, mas as suas
itogratias não são
ilustraçöes literais das narrativas do norte-americano, antes
"poe
mas
visuais
por direito próprio, evocando omundo macabro e
alucinante da imaginação de Poc. Onde
Goya criou horríveis
pesadelos muito reais, Redon preteriu conceber nebulosos sonhos

6.18. Henri Rousseau. o Sonho. 1910. Oleo sobre tela, 2,05 x 2,96 cm. Museu de Arte Moderna, Nova lorque.
DOão de Nelson A. Rockefeller. O Herdeiros de Henri Rousseau

CAPITULO
LO 26
26 O
O
PROGRESSo E OS SEUS DESCONTENTAMENTOS: O PoS-IMPRESSIONISMO O SIMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880-1905)
PROGRESSO 945
MAX KLINGER Em Berlim, o pintor e escultor quc melhe
granulosas c indist1ntas, elhor
pocticos. Os objectos, de arestas suavcs,
rcpresentou o Simbolismo foi Max Klinger (1857-1920), Em
flutuam, deslizam e
pairam no ar.
Tudo écquívoco no inundo 1881, Klinger executou una série de dez gravuras, sob o titulo
de Redon c num curioso estado de fluxo evolucionário. Na ima- de A Luva, tão sugestivas, incxplicáveis e psicologistas corm a
balão se metamorfoscia
gem aqui reproduzida, vemos como um
resposta de Redon à obra de Poc. A sua obra talvez seja mais
lentamente num olho pestanudo e abre o cu ao ascender, trans
ilustrativa c convencional, com uma narrativa forte, mas nin
portando uma carga misteriosa, enquanto uma planta primorda,
deixa de ser igualmente bizarra e alucinante. Cada gravura da
de frondes pirotécnicas, reluz contra um mar negro e proibido.
série mostra uma tentativa fútil de recuperar uma luva perdida.
ritos de
O Olho revela conotaçõcs de ressurreição, transcendência, Em O Rapto (fig. 26.19), uma luva é roubada por um pásaro
passagem, vida, morte, eternidade e desconhecido, mas o signifi
se escapa a custo dos braços que se estendem
cado narrativo da imagem permanece envolto em mistério, pré-histórico, que
em sua perseguição, através dos vidros estilhaçados de uma janela
sentimento de
prevalecendo uma psicologia perturbadora e um
Em baixo, encontramos um ramo de flores brutalmente cortadas,
incerteza assustadora.
Como em 0 Olho de Redon, é o psicologismo perturbador que
não uma histôria racional. A luva antropomórfica éE
HENRI ROUSSEAU A preocupação simbolista com o retrato prevalece,
das pulsões humanas fundamentais e a psicologia do desejo apresentada fetiche, u m objecto imprescindível, sím-
como um

bolo de desejo ou de necessidade; intuímos sexo, desejo, abandono


Rousseau
sCxual podem ser vistas no primitivista francês Henri sob a supertície visual,
deste mundo na
(1844-1910). Rousseau, um oficial de alfândega reformado que e paixão germinando
estranha justaposiço dos objectos criada por Klinger.
últimos anos de vida, tinha como ideal o
começou a pintar nos

estilo bem definido dos seguidores de Ingres (ver fig. 24.16). Na


ENSOR E LES VINGT Na Bélgica, o Simbolismo
sua pintura de 1910, O Sonho (fig. 26.18),
é-nos apresentada uma JAMES
reclinada num sofá no meio de emergiu na crueza e agressão visual de James Ensor (1860-1949).
mulher nua, misteriosamente
Ensor repugnava a moderni-
selva luxu- Como acontecia com Gauguin, a
um cenário fantasista de papelão que reproduz uma
dade e o pintor preferiu levar uma vida reclusa, num apartamento
riante. Animais de olhos esbugalhados contemplam-na, de forma
Partimos do princípio que são do sexo masculino: sobre a loja recordações dos pais, na estância balnear de
de
voyeurística.
a mulher e o Ostende. Em 1877, Ensor inscreveu-se na Academia de Belas
afálica serpente laranja aponta directamente para
músico segura uma flauta, um símbolo convencional do desejo Artes de Bruxelas, onde ficou três anos, apesar de atirmar que

suas flores e se tratava "de um estabelecimento para os quase cegos" e de


masculino. A pulsão primordial da selva, com as
brilho cósmico declarar que "todas as regras, todos os cânones da arte vomitam
frutos voluptuosos e iridiscentes é reforçada pelo
irmãos de bronze". Juntou-se a socialistas
à céu. Rousseau não morte, como os seus
de uma lua cheia que preside cena, no

reconhecimento oficial em vida, mas, em 1905, e a anarquistas e, em 1883, ajudou fundar, Bruxelas, o
a em
recebeu qualquer
contraponto belga da associação de Artistas Independentes
foi descoberto por Pablo Picasso e pelo seu círculo, que
encon-

naives a honestidade criativa e a Parisienses. Chamados Les Vingt (Os Vinte), organizavam expo-
traram nas suas pinturas
autenticidade que sentiam faltar à arte académica. sições sem júri com vários artistas belgas de todas as tendências,
dos Impressionistas aos Neo-Impressionistas e aos Simbolistas.
Porém, quando o grupo começou a expor Whistler, Seurat
e

O Simbolismo na Europa Redon, assumindo uma projecção internacional, Ensor,


nacio-

estranhas oníricas não eram o exclusivo da comuni- nalista belga, retirou-se de vez para Ostende, onde mergulhou
Imagens e

No final da década de 1880, uma num mundo próprio de repúdio pela falsidade, artificialismo,
dade artística parisiense.
Virando as
estética simbolista sobrenatural, que conjugava a fantasia, a corrupção e falta de valores da civilização moderna.
a
evasão e a psicologia, puderam ser encontradas por todo o mundo costas ao retinamento da arte académica, o pintor abraçou

ocidental, incluindo nos Estados Unidos da América. cultura popular, declarando: "viva a pintura naif e ignorante!.

26.19.Max Klinger. O Rapto


1881. Gravura,
(cde A Luva).
x 22 cm.
mpressão negro, 8,9
a
Kupferstichkabinett, Staatliche
Museen zu Berlin. Inv: 426-92

946 PARTE IVo MUN DO MODERNO


26.20. James Ensor.A Entrada de Cristo em Bruxelas em 1889. 1888. Óleo sobre tela, 2,6x 4.3m.
Colecção de ]. Paul Getty Museum, Los Angeles, 87. PA. 96 O Artists Rights Society (ARS),
Nova lorque/SABAM, Bruxelas

O seu nacionalismo e o desprezo pelo artitício não sincero EDVARD MÜNCH Muita da pintura simbolista foi influenciada
levaram-no a admirar as grotescas representações de Bruegel e elos intrigantes e sinuosos padrões conmpositivos de Gauguin,
de Bosch. Essas manifestações da cultura carnavalesca, que os bem como pela sua abstracção e um desejo de explorar visual-
mestres antigos pintaram, ainda sobreviviam em Ostende, num mente as forças psicológicas mais elementares subjacentes à
festival anual, para o qual a loja Ensor vendia máscaras. civilização moderna. Talvez ninguém o tenha feito melhor do
A maturidade de Ensor pode ser vista na sua enorme tela que o pintor norueguês Edvard Münch (1863-1944), cujo estilo
de 4,3 m de comprimento, chamada A Entrada de Cristo em
Bruxelas enm 1889 (fig. 26.20). O quadro, cxecutado em 1888,
representa a segunda vinda do Messias. Este, diminuto e sobre
o dorso de um burro, quase desaparece no plano de fundo,
debaixo da bandeira que ostenta "Viva o Socialismo" e abafado
pela multidão. Os participantes, por seu turno, envergam más
caras, que revelam (em vez de ocultarem) a ganância, a
corrupçãoea imoralidade que pulsam sob a falsa máscara da
SOCiedade contemporânca. Ensor apropriou-se das máscaras da
oja dos pais para conferir à imagem uma rudeza grotesca e
primitiva e pintou todos os elementos do quadro com uma crueza
euma distorção que costumamos associar às formas artísticas
populares-a caricatura, o graffitti ea artenaive e infantil. Um
Vermelho berrante intensificado pclo verde complementar realça
a estridência desta imagem repulsiva e claustrofóbica. Estamos

perante a antítese filosófica da elegante La Grande Jatte de


Scurat, que Os Vinte haviam apresentado no ano anterior.
A cscala semelhante da Entrada de Cristo sugere que a visão

Caótica de Ensor da omnipresença do mal constitui uma respostia


Sarcástica à representação "cor-de-rosa" da realidade concebida
por Seurat.

E d v a r d Münch. O Grito. 1893. Témpera e caseina solre


Carrtão,
0,91,4 x 73,7 cm. Münch Museet, Oslo, Noruega (roulhaclu cn

d e 2003). O Museu Münch/Grupo Miünch-Ellingsen/Artists


Kights Society (ARS). Nova
loreque

TULO 26 o PROGRESSO E OS SEUS DESCoNTENTAMENTOS: O POS.IMPRESSiONISMO,. o SIMBOLISMO E A ARTE NOVA (1880-1905) 947
amadureceu no início da década de 1890, depois de uma tem-
porada cm Paris, onde pode ver as telas de Pont-Aven do seu
amigo (iauguin e o intenso colorido e a pineclada das pinturas
de Arles. de Van Gogh. Os temas de Münch eram semelhan-
tes aos dos seus amigos escandinavos, os dramaturgos Henrik
Ibsen e August Strindberg, cujas investigações sobre a sexua-
lidade e sondagens sobre o significado da existência chegaram
aos lugares mais recônditos da mente, para aceder às forças
primordiais.
Münch criou uma imagem de horrífica ansiedade em O Grito
(fig. 26.21). pintada em 1893, depois de o pintor se mudar para
Berlim. Uma figura comprimida, contorcida e grotesca agarra
a cabeça com as mãos, dando voz a um medo primordial que
A violenta
parece canalizado a partir da paisagem histérica, atrás.
perspectiva do passadiço em diagonal e a pincelada estilo de
ao

van Gogh elevam a histeria a um grau febril. E possível que a


cena tenha sido causada pela erupção do vulcão indonésio Cra-

catoa, em 1883, de uma intensidade tal que gerou o mais alto


som ouvido por um ser humano até então (as ondas sonoras

viajaram a mais de 2000 quilómetros). O vulcão expeliu cinzas


que deram a volta ao
globo terrestree foram responsáveis por
de pores do Sol vermelho-sangues ou azuis.
cerca de seis meses
26.23. Gustav Klimt. O Beijo. 1907-1908. Oleo sobre tela,
cm. Osterreichische Nationalbibliothek,
Viena
180x 180

Depois de testemunhar explosão de cor to apocalíptica


uma

melancolia,
em Christiania (hoje Oslo), Münch, já preso pela
intinito, atra-
escreveu no seu diário "...senti um grito
enorme,

vessar a Natureza".

AUBREY BEARDSLEY Se as telas de Münch documentam


o medo do
ambientes psicológicos mórbidos, que expressam
os desejos
intinito, talvez o predom1nante sejam
seu tema mais
sexual por
incontroláveis da libido, juntamente com o conflito
no tema da
ela produzido,que se manifesta particularmente
o

mulher fatal. Foi um tópico que preocupou os pintores e os


sendo que uma das suas mais tamo-
contemporâneos,
escritores
em trancës
em Salomé, peça
sasexpressões pode ser encontrada
dessa heroina.
de Oscar Wilde, que lançou a moda das imagens
Um dos exemplos (fig. 26.22) provém de um ilustradorbritânico
encomendada ua
JAI BAISE TA BOVCHE Aubrey Beardsley (1872-1898), quem foi
a
ver
OKANAAN a publicação Aqui podemos
da peça, em 1894.
gravura para
JAIBAISE/TA BOVCHE Salomé possessivamente a cabeça decepada de Ja2o
que segura os
desdém.
embora morto, ainda expressa
Baptista, cujo rosto,
de polvo.
dele e a coifa dela, em forma
cabelos serpenteantes
irracionais Medusass
transtormam cada uma das figuras em

ódio de basec. O sangue de João


acumulou-sC
movidas por um
fálicas que
Cm baixo, num lago de onde c r e s c e m várias plantas
Estc
redor de Salome.
como vinhedos insidiosos,se enrolam e n

ocorre n u m mundo abstracto de elegan


contronto de pesadelo "
desaparecer,
Ca curvilinea, tão precioso que a linha parece Como
sensual.
n u m ritmo pesado
e
medida se contorce
que
de gavinhas é caracteristic
26.22. Aubrey Beardsley. Salomé. 1892. Desenho a pena, eremos, cste motivo fitomórtico

x 15,2 cm. Colecção Aubrey Beardsley.


Divisão de estilo artístico arquitectónico
27, 8 da Arte Nova (ver página 954), um

Manuscritos, Departamento de Livros Raros e Colecgções década de 1890.


decorativo emergiu durante a
Jersey. c que
Especiais,Biblioteca da Universidade de Princeton, New

Y nMYNPO MODERNo
GUSTAV KLIMT O ascinio
pelos padrões orgânicos e pelos A ARTE NO SEU TEMPO
significados psicologicos que estes podem transmitir perpassa
também pela obra <de Gustav Klimt (1862-1918), cuja carreira 883 O grupo Les Vingt é fundado na Bélgica
884 PaulVerlaine publica Les Poètes Maudits (Os Poetas Molditos)
se desenrolou principalmente em Viena. No início de 1902,
886 Friedrich Nietzsche publica Pora além do Bem e do Mal
Klimt executou uma série de pinturas centradas no "beijo", cuja
1888 O colectivo Nobis é fundado em França
melhor versão toi executada cntre 1907 e 1909 (fig. 26.23). 1893 O Grito,de Edvard Münch
Embora o tema retlicta a própria vida pessoal de Klimt (a mulher
897 Formada
representada era a sua amante), o tema é de inspiração simbolista
a
Secessão Vienense
1900 Sigmund Freud publica A Interpretação dos Sonhos
c está directamente relacionado com uma
pintura de Münch de ca. 1910- Henry O. Tanner, Aparição dos Anjos aos Postores
1897. dedicada ao mesmo tenma (os dois quadros,
por sua vez,
inspiraram-se em O Beijo, de Rodin). No quadro de Münch, um
casal aprescnta-se unido da mesma maneira; porém, o par forma
uma massa escura simples, em que os rostos dos amantes estão paixão, bem como a sua natureza efémera c consequëncias
assustadoramente unidos, como se cada um absorvesse o outro. dolorosas.
A versão de Klimt do mesmo tema, rico O Beijo possui também um forte pendor decorativo, evidente
com o
padrão de super-
fície, mostra um homem sem rosto, que nas roupagens exóticas dos dois amantes. Em 1897, Klimt foi
perde a sua identidade
e se deixa atrair por uma mulher sedutora um dos 22 fundadores e o primeiro presidente da Secessão
mas indiferente, que
parcce prestes a puxá-lo para o abismo em baixo. A mulher fatal Vienense, uma organização vanguardista de artistas que inte-
-

figura feminina tentadora mas perigosa- transtormou-se


uma grava um movimento internacional de secessões aliadas, iniciado
motivo comum tanto na arte de vanguarda como na
num em Munique, em 1892, que se alargou a Berlim, no mesmo ano.
popu A Secessäão Vienense não só fornecia uma alternativa à academia
lar, em parte devido à ascensão da Nova Mulher (ver A Lupa da
História, página 950). conservadora, mas os seus objectivos incluíam também a apre-
Formalmente inspirado pelo brilho divino dos mosaicos sentação das artes aplicadas, rompendo com a tradicional
bizantinos, que estudou em Ravena, Klimt recobriu as suas hierarquia das artes que exaltava a pintura e a escultura e rele-

figuras com vestes em folha de ouro, ornamentadas por ricos gava as artes decorativas para os escalões inferiores.

padrões, e envolveu-as numa auréola de luz brilhante. Os seus


intricados desenhos e superfícies desiguais aludem à instabilidade Correntes Simbolistas na Pintura
inerente à subjectividade individual e às relações sociais. Tendo Norte-Americana
por fundo uma montanha coberta por uma tapeçaria de flores Durante década de 1880,
a um
pequeno número de pintores
silvestres e pairando sobre uma terra do nunca celestial, a pintura norte-americanos começou a executar obras mais etéreas e trans-
sugere simultaneamente a beleza e a atracção espiritual da cendentais. O seu imaginário era mais poético e inspirado na

26.25. Albert Pinklham Ryler. Siegfried eas Filhas do Reno.


Gcorge Inness. O Ribeiro das Trutas. 1891. Oleo sobre tela, 1888-1891. Oleo sobre tela, 50,5 x 52,I cm. National Gallery of Art,
6,8x 104,9 cm. Museu de Newark, New Jersey. 0).30
Washington DC. Colecção Andrew W. Mellon

LO 26 O PROGRESSO E Os SEUS DESCONTENTAMENTOS: O PoS-iMFRESSIONSo, O SIM8OLISMO EA ARTE NOVA (I 880.1905) 940

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