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Aceleração
Estados Unidos, França, anos 1880 aos anos 1900
A "mania de estátuas": esse foi o grande conduíte das aspirações coletivas
no decorrer do século XIX. Foiuma era em que monumentos a governantes, ben
feitores, fundadores lendários ou heróis lamentados brotaram em todo espaço
urbano disponível. Abaixo do grande fulano que se empoleirava ou marchava
do naciona
ou rogava ou padecia, os frisos do plinto sublinhariam os refrãos
neoclás
lismo ou do orgulho cívico, acompanhados por adornos ornamentais
então
Sicos, neogóticos, neobarrocos. Dos impérios russo e britânico às nações
independentes da América Latina, as habilidades do modeladore do gesseiro fo
comitês afeitos àalu
ram empregadas para atender às encomendas feitas por
de
são histórica e àprestidigitação tecnológica. Aambos sucediam o fundidor
bronze eo entalhador de mármore, que ampliavam suas maquetes. A apoteose
emblema de
tinaldesse grande jorro de energia construtiva, o mais duradouro
foia Estátua da
umaera de seriedade públicaque hoje parece um tanto remota,
americana,
Liberdade em Nova York (260]. Presente dos franceses à república
seções de cobre ba
a gigante neoclássica de pose alinhada foi transportada em
no porto
tido das oficinas parisienses de Frédéric Bartholdi,em 1886,e montada
Aceleraço 347
261 Augustus Saint-Gaudens, O memorial
de Shu. BeaconStreet, Boston, 1884-1900.
de Nova York sobre uma armação desenhada pelo engenheiro Gustave Eiffel.
mais conhecido pela torre que desenhou para a Exposition Universelle de Paris
em I889.
dispensado
as sehsbildadesde puritanas
seu cargo por
seu
b trabalho com modelos
s
Com enciclopédica de
homensclogios.
senào
e
mulheres
Sua nus
cara
para a demats para constituir
pertecamoraal1ciencia"
dade pública; além
tocentista de que já vimos precedentes em Menzel, Church e Repin, como tam
bem em Saint-Gaudens. Comoos corpos humanos fossem o principal tema de
takins - explorados em retratos maiestosamente soturnos e dramas das salas de
técnico de labo
Operaça0, Como se feitos por um Velázquez retreinado como
envolvendo cerca de
Tatorio -, ele incentivou Muybridge a iniciar um projeto
animal
Vinte mil fotos, finalmente publicado em 1887 sobotítulo Locomoção
animal hu
|262|. O fotógrafo persuadiuespécimes fisicamente exemplares do de
seqüencias características
mano (além de uns poucos "anormais"))a realizar
intervalos de um décimo de se
ações contra um fundo xadrez, e fotografou-os a
umainvestigação", ede fato
gundo. Muybridge descrevia seu trabalho como
qualquer propósito
ele constituía "ciência pura", na medida em que carecia de
esbanjamento de ima
funcional. Que necessidade havia, afinal, desse espetacular
considerá-lo arte pura. Como
gens? Pelo mesmo motivo, éclaro, poderíamos
podia ser visualizado, devia ser
quer que fosse, o princípio se mantinha: se algo
visualizado. Ele também estimulou os experimentos protocinemáticos de Muy
a expe
bridge com imagens móveis (o zootrópio" ). A experiencia a olho nu,
e do fazer - todos fo
riência com mãose memória, hábitos familiares da visão
ram então insistentemente desafiados. O ímpeto da tecnologia vinha superando
todo obstáculo.
Ao notar a afinidade ligeiramente insana entre as progressões científicas de
Muybridge e as seqüencias musicais de Burne-Jones, você talvez a descarte como
uma brincadeira do autor com seu acervo de imagens. Não exatamente. No fi
naldo século XIX, a repetição vinha emergindo como um principio artístico por
contaprópria Monet, por exemplo, começou a organizar suas visões de pai
sagens em série em 1890, tratando o mesmo tema em diferentes momentos do
dia ou da estação, enquantoDegas se pôs a recortar e colar estudos figurativos
distintos, ressaltando suas ressonâncias estéticas comuns. O que estou sugerindo
éque havia motivos de sobra para esse novo desenvolvimento. Amecanização
eo esteticismo musical coincidiam, por mais que Burne-Jones virasse as costas
ao industrialismo: eles "sobredeterminavam" a aparência da nova arte, para usar
o jargão dos historiadores marxistas. Esse éum padrão que se tornaráinteira
mente caracteristico da história da arte àmedida que ela for se aproximando do
presente. Esem dúvida um efeito da perspectiva de foco fechado, do excesso e
não da falta de informações. Mas, via de regra, para qualquer fenômeno do
campo emergente que hoje chamamos de "modernismo", haverámais explica
ções do que o estritamente necessário.
Comoo modernismo começa a surgir? Sob o risCo de somar abstrações a abs
trações, recapitulemos alguns dos programas artísticos de ponta que flutuavam
por aí no início da década de 188o. Eram eles:
(1)O idealismo, buscando ordem e razão por trás das aparéncias (a tradi
ção associada com a arte linear de Ingres)
(2)O realismo comO IMOVmcnto artistico , preocupado Com a matéria.
a CNperiência fisica c, porextensao, com os interessespolíticos das clas
scs trabalhadoras (figura de proa: Courbet)
(3) Oimpressionisnmo, interessadoem apanhara visäo empleno vóo, no pró
prio processo pelo qual ela ocorre (ver Monet)
()O esteticismo, tratando a beleza como o objetivo único da arte (Burne
Jones)
(s) Oromantismo - a urgência espiritual sem objeto de Delacroix (em
188o unma causa claramente marginalizada)
Essas idéias todas talvez pareçam antagônicas umas às outras, e todavia elas
numa acelera
logo se sobreporiam e entrecruzariam para criar novos "isnmos,
indústria.
ção da inovação que espelhava o que vinha ocorrendo na
Todaselas tinham certa vigência na Europa e nos Estados Unidos, mas seu
principal ponto de encontro foi Paris, com sua singular profusão de mar
estimulara
chands e escolas de arte. A partir dos anos I830, a vida boêmia ali
uma intrépida mentalidade de vale tudo". Em 1884, a irrequieta busca de no
vas tendências na metrópole induziu certos galhofeiros liderados pelo espiri
incoerente". Uma
tuoso Alphonse Allais a organizar uma mostra fajuta de "arte
folha branca vazia foi exibida sob o título Primeira comnunbão de garotas ane
apenas nisso,
micas em tempo nevado. Uma certa Pintura intencionista consistia
talvez - já iam
no título. Por essa altura, os impressionistas - alvos das piadas,
artistas pari
se assentando na respeitabilidade endinheirada. A conversa dos
tornaria
sienses nos cafés voltava-se para oS novos possíveis líderes do que se
conhecido gradualmente como a "vanguarda".
tornou-se a última
A partir de I886, aos vinte e sete anos, Georges Seurat
reticência. Ondas de
palavra: pintor de singular disciplina, indivíduo de singular
em torno de suas novas e de
imitação artística e irritação crítica se propalavam
imediato, to
safiadoras mostras. O que provocava tais reações? No nível mais
Renoir haviam
das as manchas e investidas expressivas dos pincéis de Monet e
partículas de cor saí
dado lugar a uma tessitura contínua de pequenos pontos -
misturassem no olho
das diretamente do tubo, postas ladoa lado de modo que se
supostamente
do espectador. Essa técnica, sem nenhum remorso de ser mecânica,
obedecendo as
remetia a visão das cores de volta para suas raízes no espectro,
com
análises da recente ciênciaóptica. Os impressionistas haviam se contentado
fenômenos mo
os incidentes momentâneos da vida, mas Seurat dizia querer os
comu
dernos "desnudados até sua essência". Ele foi uma exceção em meio à
futurista de
nidade artística por admirar (e esboçar) as linhas claras da torre
Eiffel quando ela se ergueu acima dos telhados em 1889.
economia estrutural, como In
Seuratreverenciava os mestres anteriores da
sobre a nova ciência da
gres e Piero della Francesca, mas também se debruçou
das linhas no cérebro e a rela
PSlcolog1a para explorar o impacto das cores e
composicões
a musica. Esboçava suas
ção que isso porventura tivesse com
263 Georges Seurat, Aparada do circo, ele forjou asolenidade de
1887-88. Os métodos de aplicação de cores tendo isso em mente. Na tela vista aqui, Parada (263,
de Seurat derivavam das teorias ópticas lado de fora de um circo, num
oitocentistas descritas na Grammaire des um friso antigo a partir de um coreto colocado do
arts décoratifs (Gramática das artes trombonista de
decorativas), de Charles Blanc. Blanc bairro de classe operária em Paris. Os nove lampiões a gás eo
meioabsurdoe
capuz emprestam àimagem as simetrias de um ritual. Um tipo
também louvava a arte egípcia, que foi
provavelmente a influência que norteou
esse desenho estranhamente chapado. lúgubre de ritual - um círculo fechado de artificialismos, um ricochete de estí
O análogo mais próximo do estado de
espírito de Seurat talvez seja Soir de mulos, uma performance que insinua que nada resta de muito real ou palpável.
carnaval (Noite de carnaval), poema de seu
contemporânco Jules Laforgue. O poeta
Que teria tudo isso a ver com a realidade da vida operária? Que tipo de ironia,
ouve "Paris lque) se agita ao gás" à uma da
manhã, suas cantorias e danças, seus
escarninha ou compassiva, estava por trás dos bonecos aplanados emecaniza
operários caindo de bêbados na volta para dos de Seurat? Isso continuava sendo matéria de especulaçãoquando a menin
casa. Etodavia ele se lembra "daquelas
fanfarras de orgulho de que a História gite vitimou subitamente o artista, em 1891. Nessa época, as separações "divi
nos fala, Babilônia, Mênfis, Benares,
Tebas, Roma..." "Ah", ele suspira, "que sionistas" ou pontilhistas" de cores de Seurat tinham começado aflorescer entre
destino banal!"
outros pintores na França, Itália, Holanda eBélgica, onde seu ar de radicalismo
político enrustido vicejou em confissões mais explícitas de anarquismo.
Mas em I89I OS artistas do circuito internode Paris falavam igualmente de
Paul Gauguin, um ex-corretor de ações de 43 anos que deixara o
empregoea
familia para se dedicar ao ideal boêmio da vida artística. Nessa
trajetoria, pal
tindo do treinamento impressionista inicial. ele foi
buscando cada vez mais o a
caico e o primitivo. Játendo pintado na Bretanha e na
Provença rurais, e la
bèm em Martinica, nas Indias
Ocidentais. Gauguin promoveu naquela pme
uma venda de despedida antes de
embarcar para uma estada de ols a
352"Oimpulso da indústria
Taiti. Em 1895, ele zarparia novamente para passar no
Pacitico sul os oitoanos
derradeiros de uma carreira atligida pela pobreza e pela doença. Os rumos ar
tísticos de Gauguin já tinham sido detinidos, contudo, na década de r88o.
quando cle se hospedoucom outros artistas sem dinheiro na aldeia de pescadores
de Pont-Aven, na Bretanha. Foi ali que uma nova tendencia cultural catalisou
sua obra.
Aceleraçào 353
Z64 Paul Gauguin. Aviso após osermão, *os profetas*. No início dos anos r89o, os Nabis transferiram ométodo das co
1888.A aldeia bret de Pont-Aven era um
Território de estimulante estranheza para o res retalhadas (cloisonnisme) ao desenho de cartazes e à decoração de biombos,
x-orreor cUSMopolita, em luta pela japoneses em estilo e parisienses em conteúdo. Em tudo isso havia um desejo
independencia aística, que se estabeleceu
ali en 1388- ão estranha e cativante, em vago mas fervoroso de ampliar os domínios da arte, de reverter a mortalidade
Sua piedade aparenternente medieval.
Quanto a are do distante Japão. Gauguin insensível do sistema capitalista, de usar a decoração" como uma virtual arma
usturou estuds de mulheres locais e
upadre Um mtivos de lutadores, de política. Uma vez mais, a idéia do anarquismo mostrava-se atraente, um fulgor
uma árvrt e de uma vaca adaptados utópico no horizonte do século vindouro.
de esampas de Hokusai. O campo de
verrmelno que s reúne foi uma ruptura
radscal mas práticas pictóricas ao
Etodavia aarte permanecia uma busca desesperadamente pessoal para Gau
guin, comodeixaram claro as alegorias que ele pintou noTaiti. Eassim era, ainaa
mais, para Vincent van Gogh, o pintor holandes com quem ele conviveupor tres
meses intenmpestivos na Provença após concluir a Visão em r888.Como Gau
guin, Van Gogh buscara a pintura como uma espécie de salvação pessoal, neste
caso após abandonar a vocação anterior de pregador em meio a0s pobres. Me
a comunidade artística de dois homens que Van Gogh tentou criar na radian"
Cia do sul ruiunotoriamente quando uma
perturbacão mental extrema o levo
a cortar fora a própria orelha com uma faca,
fazendo Gauguin fugir alarnmaue
Vinte meses depois da crise de dezembro de 1888, uma recorréncia de seus dis-
354O inpulso da indústria
túrbios arrastou Van Gogh aosulCido, a0s 38 anos de idade,
justo no momento
em que dez anos de devoçao ardorosa a arte
começavam a ser recompensados
Com oreconhecimento da crítica.
A Noite estrelada |265|, pintada nesse ínterim durante sua estada num hos
pício em Saint-Rémy-de-Provence em 1889, pode parccer o clímax da turbu
lência espiritual que levara Van Gogh da pintura dos pobres da Holanda, por
via docontato com as estampas japonesas e com o impressionismo de Paris,a
estrelada um férvido engajamentocom a luz e as cores do sul da França. Visionária".
vanGogh, Noite Visão, Van
s6 Vincent emsua
Gauguin tenderíamos a dizer diante dessa tela; alucinatória", até. Mas para Theo van
de
88 Como imagens nessatela
misturou aldeia de
Poh Uma Gogh, o irmão marchand que fora o principal confidente de Vincent no decorrer
inensõesmodestas. Holanda nativa
se
sua galácticos dis
e os
de uma seqüencia passional de cartas, essa vista de redemoinhos
de
montanhas angulosas
amponeses
ninhasobas em tornoda cidade
anrestesvisiveis onde ele estava postos sobre as montanhas da Provença, elas próprias situadas acima de uma
Ovençalde Saint-Rémy, padrão "estilo". Theo pre
num hospício.O
ntãointernadotorno da Via Láctea é uma aldeia holandesa, era uma concocção exagerada de mero
bstrelasem vinha travando com as flo
sronomia inventada pelo
próprio Van feria os embates aguerridos e tensos que seu irmão
ele.
cartas revelam, de que havia espaço para diálogo
Gogh. Como suas obcecado pela res, campose rostos bem àsua frente. O fato
aomo Gauguin, estava nova espiritualidade fosse feita, sugere que Noite estre
rontativa de criar uma entre os irmãos, permitindo que tal crítica
dentro da arte.
lada nào cra de fato o cxtravasamento involuntário de um louco ou
Era mais provavclmcnte oresultado da determinação de criar vidente.
um símbolo tâ§o
abrangentc quanto qualquer coisa quc Gauguin fosse capaz de produzir, sem
recorrer às mitologias arcaicas preferidas pelo cx-amigo. Agarrando-se ao ceu
COm as nervuras e os sulcos de sua pintura, Van Gogh projetou, na única rea-
lidade inmune às mudanças implacáveis do século XIX, o que considerawa
desenho mais propositado do que a exatido do trompe l'oeil". Depois A
morte, esse mergulho nos ritmos do cosmo se ergueria como o mais exultante
ícone da época.
Obstinação
Dinamarca, Noruega, França, MéxiCO, anos 1890 aos anos 1900
O que significa olhar para o mundo? Apergunta, que ganhara uma urgên
cia particular com o advento da câmera, tornou a especulativa pintura a óleo
praticada séculos antes por Velázquez e Vermeer mais uma vez atraente para os
espectadores no século XIX. Vermeer foi "redescoberto" pelo crítico francês
Théophile Thoré nos anos r840, esua carreira de meditação silenciosa foi es
pelhada tanto por instinto como por imitação - pelo pintor dinamarquês
Vilhelm Hammershøi apartir da década de I88o. Uma das primeiras telas de
Hammershøi (266] parece ainda mais resistente àparáfrase do que a Leiteira de
Vermeer [ver 188]. Háuma mulher ali, do outro lado da sala, separada do ar
tista por uma cadeira. Ela tem suas próprias lidas, e nós não as conheceremos.
Isso basta: ésuficiente que possamos voltar nossos olhos nessa direção. A lin
guagem dessa declaração, tão econômica e todavia tão estranhamente lírica, é
tonal, cruzando todo oespectro entre os brancos argênteos eos pretos seduto
res. Como outropretenso perfeccionista, o artista americano James Whistler, que
266 Vilhelm Hammershøi, Estudode uma na época pintava cenas fluviais e retratos em Londres, Hammershøi evita o fes
mulher, 1888.
tim de produtos químicos brilhantes então disponíveis na loja de tintas. Mas, a
exemplo dos impressionistas que erravam pelo espectro, tudo é suspenso ou
criado em um grande tecido de movimentos sussurrantes do pincel, uma at
mosfera que separa observador e figura.
Um precedente nacional da sensual austeridade de Hammershei poderia ser
encontrado em Christoffer Eckersberg [ver 238], que pintara na Dinamarca duas
gerações antes. Acarreira do jovem pintor se insere com freqüência no univerSo
mais amplo da arte escandinava como um todo., que floresceu no final do século
XIX. Mas os contrastes estilísticos dentro de qualquer uma
dessas filiações re
gionais eram tã0 agudos como os que se viam em Paris. Não muito ao
norte,
na capital norueguesa de Christiania (atual Oslo), outro jovem de
boa tamilia
chamado Edvard Munch abria caminhoà força pela cena boêmia local,
enquanto
Hammershøi ponderava tranqüilamente sobre seus interiores de Copenhague
Munch em seguida passaria algum tempo no ambiente da vanguarda em Paris
356"Oimpulso da indústria
onde absorveu o trabalho de Gauguin e Van Gogh, e em
Berlim, onde em r8o2
emitiu O grito (267]. Ele jáhavia escrito repetidamente sobre a imagem que de
sejava evocar, uma memória de Christiania:
Com garranchos erabiscos ele projetou sua experiência singular sobre car
tolina barata, revirando pelo avesso o panteísmo de Van Gogh. Tudo é horri
velmente imediato: o mundo lá fora nada mais é do que o "sangue" latejando
em suas veias. O horizonte distante vibra elasticamente, conspirando com a pas
sarela suburbana para comprimir a mente e obrigá-la a tossir seu próprio va
zio. Aolongo de toda a sua vida anterior, Munch acumulara a dor de priva
Ções e estranhamentos; então, em Berlim, um estilo de vida boêmio e indigente
ajudou a conjurar o ritmo de ataque desesperado necessário para essa aguda
comunicação do desarranjo mental. Ela logo ganhou popularidade como um
ícone de uma nova visão de mundo, uma visão em que tudo era interno à mente FORTALEZA
e todavia estranho a ela, a um sÑ tempo transitório e engolfante - um etos no
qual as fronteiras da arte e da vida começavam a se dissipar. Friedrich Nietzs
che, o autoproclamado profeta de tal futuro (0 mundo real' - uma idéia que BIRI
IOTFCA
jánão tem serventia vamos aboli-la!"), havia deposto a pena em 1889, su CAMPUS
cumbindo à loucura terminal. Munch, contrariando todas as probabilidades,
continuaria pintando até I944, conquistando um nicho na consciência van
guardista alemãgraças a seu status de excêntrico e inoportuno visionário do -
norte distante. IFCE
"Este mundo é a vontade de poder - e nada mais!" Era como se os pro
nunciamentos de Nietzsche amalgamassem as possibilidades sugeridas pelo im
pressionismo: a de que tudo era fluxo, a de que o "temperamento" era o único
meio possível para avisão humana. Aquilo a que Hammershøi resistira, Van
Gogh, com seu desenho mais propositado", frisara: nós nos colocamos naquilo
que vemos. Foium dos adeptos do impressionismo, Paul Cézanne, quem trouxe
com mais força ao primeiro plano as ambigüidades dessa atitude. Chegado a Pa
ris de sua Provença nativa em I86I, Cézanne trabalhara com o grupo na ju
ventude. Assim como Courbet anteriormente, ele se punha na companhia deles
como o provinciano desajeitado, que chegava ao que pintava com um ataque
abrupto erude, estendendo ovalor da "sinceridade "até os limites. Desde ofi
nal da década de 1870, ele passou amaior parte do tempo recolhido àProvença,
desenvolvendo seu trabalho na solidão, a tal ponto que este adquirira uma qua
lidade desconhecida quando Gauguin odescobriu, uma década mais tarde -na
verdade, Cézanne só ganhou nome de faro em Paris depois que omarchand Am
broise Vollard oacolheu em 1894. Como resultado, as
subcorrentes
marginalizadas da imaginação francesa reemerIram numa nova
ao fim do século, Oinstinto para asolidez
demonstrado forma ligewamente
por Courbet próximo
duzido, em telas como essa visão de uma pedreira na Provença, de tfora tra-
s 897 (268\,
num conmpromiss0 com os cenários en plein air:apresentados
dos olhos. ,diretamente diante
Também aqui tudo drasticamente imediato. Uma
estratégia desenvolvida
durante oretiro provençal de Cézanne olevara a construir os flancos da rocha
e afolhagem a partir de hachuras transparentes de laranja e verde, deixadas :
reluzir sobre obranco da primeira camada. Elas se avolumam para ganhar
pre-
sença e voltam a fundir-se na indistinção, pois essa tela representa um camne
visual, e. em tal difusão de estímulos, pela doutrina dos impressionistas, as li.
nhas nãochegavam a existir. Ocalor eo mosqueado dos tons radiantes são ing.
baláveis, tornando odistante Mont Sainte-Victoire tão próximo como a pedreira.
fazendo-0 até mesmo pulsar através do azul-cobalto do céu. Etodaviahá uma
pressão sísmica que recurva e repuxa o pertilda montanha em seuconfronto com
0"Oimpulso da indústria
marcha.
Auguste Rodin,Homem em
impetuosamente
zc. Esse fragmentosurpreendentemente
-imio, e todavia
-m-temdois terços da escala natural -.
mELTOsto pela primeira vez numa mostra
oabalbo de Rodin que acompanhou a
ipsion Universelle em Paris, em I900.
Per essa alrura, cerca de vinte anos de
OsÉTS02S Com amedrontados comitês
tantes haviam, aos olhos das pessoas
2etalidade progressista, estabelecido
cn como a figura mais carismática da
uropéia. Mas após sua morte, em
1".05 sentimentos exaltados e heróicos
2s projetos esculturais se desavieram
iLaopiniâo progressista. Sua
STeção entre os críticos não aconteria
ri na segunda metade do século XX.
do século XIX, e pouca coisa, de fato, estava chegando ao fim - exceto, para
britânicos como eu, o reinado da rainha Vitória. Todavia, por toda a parte as
significasse alguma coisa, e eu
pessoas esperavam que o advento do século XX
escorar. Como toi o século
tambem quero usá-lo comoum mourão em que me
evolucionária: poderíamos rastrear
XIX? Poderíamos traçar uma versão jovial e
necessária entre a transformação tecnológica, por
a inter-relação indireta mas
Obstinação " 361
270 Fdouard Vuillard, Asopa de Annette, um lado, e a ascensão de uma estera da arte crítica, independente e autocons
I900, " lomismo"¢ofermo que toi usado
intormalmente pra descrever a estética que ciente, por outro. Ou poderíamos pensar num século XIX decadente" - mui
Vuillard escuassociado Pierre Bonnard tos o fizeram quando ele se aproximava do fim -, em que as tradições de of
descnvolveram durante os anos 890.
Ambos os artistas, ocultos num tecido cios locais por todo o mundo foram fatalmente solapadas e uma epidemia de
sutilmente nuançado de contortos
burgueses, se COncenraram no romantisnmosmutantes empurrou os que tinham imaginação para as margens da
Cxrenamente próxino e familiar, enn
imagcIs refratadas através da memória.
sociedade. Háigualmente à mãoum século XIX cômico, para aqueles que de
Sua obra tem um certo parentesco con sejam salborear seus absurdos historicismos e todos os personagens iracundos que h
Os Cseritos ligciramente posteriores de
Marcel Proust. este sumário negligenciou - não sem destaque para o americano Whistler, ca
valgando o japonismo em Paris eo esteticismo em Londres, o irascívelespírito
que processouRuskin por difamar suas habilidades de pintor e que não recebeu
mais do que um vintém como indenização. Ehá ainda a era trágica, para aque
les que acham que as conquistas dos grandes artistas que trabalharam na esteira
do romantismo Menzel, Degas, talvez até Cézanne - deixam um lastro amargo
eobscuro de desespero e fragmentação,que dura mais do que ogosto pelo fluxo
que eles compartilhavam com otimistas robustos como Monet e Rodin.
Bem, aquiestão duas maneiras de o século marcar sua saída. Uma delas éa
mâe idosa de Edouard Vuillard servindosopa em I900 ànetinha, sobrinha do
pintor (27o]. Vuillard, um daqueles jovens Nabis parisienses que tinham recebido
instrução indireta de Gauguin, forjou um denodo estético extraordinário a par
tir da timidez pessoal - igualado nisso por seu amigo Pierre Bonnard, a quem
retornaremos. Tipicamente, um Vuillard da fase inicial é uma folha de cartolina
parda (esse foi o auge do material: compare com Munch, 267) pincelada e sal
picada com alguma observação de perto da vida acomodada de um reticente sol
teirão. Na versão de Vuillard de como as coisas se mostram ao olhar, os padrões
abolem a profundidade e quase engolfam os indivíduos: o suave roçar de seu pi
362 " O impulso da indústria
cel torna-se um zunido ambiente
caloros0. E no
abraçar seus entes mais queridos num amor entanto essa é uma forma de
mundo ilusionista da velha pintura circunspecto. A figura sólida e o
curopéia se foram, mas as sensações sub
cutáneas que as substituem, contidas na mente, são
rios de arte da Paris burguesa, a civilização bem-vindas. Nos laborató
efetuou uma transição suave.
Hátambém essa estampa gravada em torno de
I903 por JoséGuadalupe
Posada [(271). Ex-aluno de uma escola de arte, Posada vinha
produzindo ima
gens cada vez mais escandalosamente selvagens para uma editora de
gazetas sen
sacionalistas dirigidas àclasse operária alfabetizada da Cidade do México. ("O
infeliz Antonio Sánchez, que comeu os restos de seu próprio filho", *Fim do
mundo previsto para I4 de novembro de r899 aos 45 depois da meia-noite",
etc.) Sim, Posada proporciona o melhor meio de encerrarmos. Quero que sua
calavera, ou caveira satírica, reúna sob seu sombreiro aenorme onda de ener
gia grática que atravessou as duas últimas décadas do século - não apenas as
Posada, Calavera de
z1 José Guadalupe calavera,
soldado de Oaxaca, I903. Aelemento devastações de James Ensor na Bélgica, mas a malícia japonista de Aubrey
sido um
:C2veirz animada, tem mexicana Beardsley em Londres e do suíço Félix Vallotton. (Podemos incluir na surdina
o da imagistica popular
à tona nos
EO5 tempos astecas, trazido a calorosa resposta ao Japão proporcionada pelas litografias para cartazes tea
isties de rua anuais do Dia dos Mortos.
fosada deu 2 esses mortos uma irreprimível trais de Henri de Toulouse-Lautrec?) Deixemos quea estrondosa ressurreição
tade grática. Essa estampa foi gravada Dor Posada dos delírios astecas sirva como intimação simbólica a uma era que
raimente para celebrar os mexicanos
2V1am resistido a uma invasão
TzK52 Do cerco de Oaxaca em I864.
brutalizouo planeta. Seus legados ainda não são remotos o bastante para que
Orsutado desastroso desse episódio Ihes sejamos de todo indiferentes.
z 2França foi pintado por Manet em
s Execução de Maximiliano, em 1867.)
Cino muitas imagens do estúdio de
Poszdz. ela foi reciclada para ilustrar
avzriede de de baladas publicadas
osa
itC CAMPUS 0NtALZA
LILLIOTLCA
cOMPRA
380499
daarte
Julian Bell
em cores
com 372 ilustraÇões, 267
wmfmartinsfontes
SÁO PAULO2008
10
O impulso da indústria 323