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Corpos em evidência: sofrimento, superação e autoestima em narrativas


sobre o câncer de mama

Kátia Lerner e Waleska Aureliano

I – Introdução
Em seu livro O Imperador de todos os males: uma biografia do câncer, o oncologista
Siddhartha Mukherjee afirma que “um paciente, bem antes de tornar-se objeto de exame
médico, é, de início, simplesmente um contador de histórias, um narrador de sofrimentos – um
viajante que visitou o reino da doença. Para aliviar uma enfermidade, é preciso, portanto,
começar confessando sua história” (2012, p.68). Porém, para muitas pessoas e por muito tempo,
falar sobre a experiência com o câncer era algo impensável. A escritora Susan Sontag foi uma
das primeiras a fazê-lo, ainda nos anos 1970, a partir de sua história pessoal com a doença,
buscando desmitificá-la. Para isso, seria importante, segundo ela, nomear a doença, falar sobre
ela abertamente, evitar os termos evasivos. A partir daquele contexto, ela afirmava:

Não é pejorativo ou execrável o fato de estar doente, mas o é o nome “câncer”. Enquanto
uma doença for tratada como uma maldição, e considerada um destruidor invencível, e não
simplesmente uma doença, os cancerosos, em sua maioria, se sentirão de fato duramente
discriminados ao saber de que enfermidade são portadores (Sontag, 1984[1978], p. 11).

Embora os tabus em torno da doença não tenham sido completamente extintos, é


inegável que falar publicamente sobre câncer hoje é algo muito menos dramático do que era há
quarenta anos, quando muitas vezes a própria palavra era impronunciável, carregando em si
uma áurea de contágio ou mau agouro. Sontag faleceu em 2004, depois de três décadas
convivendo com a doença. Não pôde analisar a explosão discursiva que emergiu em torno do
câncer a partir da primeira década do século XXI, para a qual sua obra também contribuiu.
Como ela, vários narradores emergiram na cena pública, e o advento da internet possibilitou a
várias pessoas expor para o mundo uma experiência antes vivida na privacidade dos lares e dos
consultórios. Presenciamos na atualidade uma urgência em redefinir os contornos dessa
experiência limite com uma doença que, apesar dos avanços biomédicos, ainda é uma causa
importante de mortes em todo o mundo.
Neste artigo, analisamos dinâmicas contemporâneas em torno do câncer de mama
feminino, centradas no Brasil, que têm no relato e nas imagens pessoais de pacientes seu eixo
norteador. A partir da análise de uma série de materiais distintos produzidos por ou com
mulheres brasileiras pretendemos elucidar quais são as discursividades possíveis que emergem
envolvendo a tríade corpo-narrativa-imagem.
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A dimensão simbólica que envolve o câncer é alçada a outros patamares quando a


doença acomete as mulheres, especialmente com o câncer de mama. O corpo feminino, assim
como o masculino, carrega uma materialidade envolta em símbolos que atestam a sua
“feminilidade” ou “masculinidade” nos contatos sociais. No entanto, as mulheres afetadas pelo
câncer de mama e seus tratamentos tornam-se alvo maior de interpelação pela relação que a
doença estabelece com as discussões sobre gênero e corpo. Por outro lado, o universo de
imagens no qual hoje orbitamos também nos obriga a repensar o corpo em sua interface com
os mecanismos produtores de imagens que vão da televisão aos aparelhos de ressonância
magnética. São tecnologias capazes de desvendar o corpo e tornar seu interior, e não apenas
sua superfície, visíveis para o mundo.
Entretanto, é preciso lembrar que a relação corpo-narrativa-imagem não é algo apenas
da contemporaneidade. Por exemplo, será nos séculos XIX e XX que se produzirá um “retrato
interno” do corpo humano a partir da anatomo-clínica (Foucault, 2006) que, longe de encontrar
unidade para humano, produziu uma diferença quase incomensurável ao distinguir radicalmente
o corpo masculino do feminino (Laqueur, 2001). Os desenhos da anatomia feminina, interna e
externa, que emergem com a construção da ginecologia reforçaram o discurso da sua diferença,
considerada limitadora e hierarquicamente inferior quando comparada ao corpo masculino.
Colocar em imagens os mínimos detalhes da diferença entre homens e mulheres seria a forma
encontrada pelos médicos de comprovar visualmente a distinção “natural” que a experiência
social já demostrava.
Esse pequeno exemplo nos remete à antiga relação corpo-narrativa-imagem que
perpassa a produção de discursos sobre o humano, o outro e a diferença. No caso das imagens
e narrativas a serem exploradas neste artigo essa tríade permanece, porém, ganha maior
amplitude discursiva ao colocar em articulação ou confronto diferentes atores e histórias: dos
serviços médicos à internet, das galerias de arte ao Facebook.
É preciso dizer que inicialmente não havíamos estipulado para o recorte deste artigo o
tipo de câncer a ser explorado nas diferentes narrativas que nos propúnhamos a investigar. No
entanto, ao reunir os primeiros materiais para análise, percebemos que havia uma imensa
variabilidade, impossível de ser tratada em um artigo. Por outro lado, ficou evidente que as
mulheres eram maioria e, consequentemente, o câncer de mama era o tipo que mais emergia
nos materiais encontrados. Além da forte incidência epidemiológica, a carga simbólica deste
tipo de neoplasia parece um elemento crucial para explicar a sua prevalência nos distintos
relatos encontrados.
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Privilegiamos três cenários distintos, tendo o câncer de mama feminino como foco. A
primeira abordagem é relativa a pessoas em tratamento contra a doença no contexto biomédico,
no âmbito de uma clínica oncológica privada. Trata-se de uma das maiores instituições
particulares do Rio de Janeiro, cuja sede se situa em um bairro de classe média alta da Zona Sul
carioca1. Os relatos foram coletados no site institucional, dentro de um projeto desenvolvido
pelos médicos gestores, que convidaram os pacientes a compartilharem sua experiência com a
doença no que eles denominaram de “Histórias de Superação”. Amparado pelo setor de
marketing, o projeto assumiu uma proporção mais ampla, com a publicação de um livro em
2015 e a utilização de fragmentos destes relatos em produtos diversos, como calendários e
pôsteres institucionais. Neste artigo foram analisados exclusivamente os depoimentos
publicados no site, escritos por mulheres com câncer de mama; não foram incluídos os textos
das que já haviam falecido e aqueles feitos por filhos e maridos, resultando num total de 20
depoimentos.
A segunda perspectiva relaciona-se a blogs/sites produzidos por mulheres, a partir de
sua própria iniciativa, com o intuito de compartilharem o que vivenciaram em relação ao câncer
de mama. A seleção inicial foi realizada por ferramentas de busca na internet. Selecionamos os
20 primeiros blogs/sites que apareceram com as palavras-chaves “câncer de mama” e “blog”.
Depois excluímos da lista aqueles sem postagem em 2015, ficando com 14 blogs/sites. Em
seguida, reduzimos esse número para cinco blogs considerando como critério a quantidade de
postagens realizadas por suas criadoras, privilegiando aqueles com maior número. Um dado
importante a ser destacado é que todos os cinco blogs analisados foram produzidos por mulheres
que tiveram câncer de mama antes dos 40 anos, o que irá nos trazer algumas questões
importantes para pensar a exposição da doença no espaço público e as estratégias particulares
impetradas por essas mulheres com faixa etária considerada ainda incomum para manifestação
da doença.
Por fim, a terceira perspectiva selecionada foi aquela realizada fora do contexto
terapêutico stricto sensu, mediada pela noção de arte – no caso, imagens realizadas por
fotógrafos profissionais, em que o corpo é exibido no contexto mais estruturado de uma
exposição fotográfica (presencial ou mesmo em sites e espaços virtuais). Trata-se de dois
projetos realizados com mulheres brasileiras que tiveram câncer de mama.

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A coleta de dados nesta clínica seguiu os procedimentos exigidos pelo Comitê de Ética, que recomenda o
anonimato dos sujeitos de pesquisa envolvidos. Sendo assim, não foram identificadas a clínica e as pessoas que
deram seu testemunho, optando-se pela sigla genérica CP (Clínica Privada).
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Um deles foi produzido por uma jornalista e um fotógrafo que, após presenciarem vários
casos de câncer em suas famílias, elegeram o câncer de mama como tema para um projeto
fotográfico, iniciado em 2006 e que recebeu como título “De peito aberto: a autoestima da
mulher com câncer de mama, uma experiência humanista”2. O projeto, que foi também
transformado em livro (GOLIK e LENZI, 2010), recebeu apoio de instituições médicas, do
Ministério da Cultura e seu principal patrocinador foi uma importante empresa internacional,
do ramo da indústria farmacêutica. As imagens eram de mulheres de várias partes do país, de
diferentes idades e classes sociais, que se dispuseram a expor suas trajetórias com a doença.
O segundo projeto faz parte da iniciativa internacional do fotógrafo de moda norte-
americano David Jay. Após o diagnóstico de câncer de mama de uma amiga em 2005, aos 29
anos, Jay dá início ao “The SCAR Project”3 que tem por objetivo retratar mulheres jovens
afetadas pela doença. A mostra fotográfica também foi transformada em livro (JAY, 2011) e
chegou ao Brasil em 2014 depois de uma articulação entre instituições não governamentais
voltadas para o câncer de mama e a prefeitura do Niterói. Para o lançamento da exposição no
Brasil foi realizada uma seleção de perfis de internet e quatro mulheres foram escolhidas para
serem retratadas por Jay e compor a mostra brasileira que ficou em exposição no Museu de Arte
Contemporânea de Niterói. É sobre esse trabalho que nos deteremos a partir do catálogo
produzido para a mostra que traz as imagens e relatos dessas quatro mulheres brasileiras.
Tendo como base a tríade corpo-narrativa-imagem, dividimos este artigo em três partes.
Na primeira realizamos uma breve revisão de alguns processos sociais envolvidos na produção
dos corpos na tradição ocidental que nos mostram uma interessante articulação entre a medicina
e a indústria do entretenimento. Esse é um tópico relevante para percebermos como, mais que
encontrar e mostrar uma “realidade física”, esses dois campos de saber-poder produzem
imagens e narrativas sobre os corpos, modelando sua existência.
Em seguida apresentamos as análises dos materiais elencados acima a partir de dois
aspectos: o que motiva as narrativas em torno do câncer de mama e que elementos estruturam
esses relatos pessoais no espaço público. Por fim, analisamos aquela que nos pareceu ser uma
“narrativa dissonante” no universo investigado por apontar para elementos pouco comuns ou
raramente encontrados nos demais, como a exposição direta da mutilação do corpo feminino.

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Usaremos as iniciais DPA para nos referirmos a esse projeto. A sigla também será usada para identificar as falas
das mulheres que aparecem no livro do projeto (GOLIK e LENZI, 2010), junto com o número da página.
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Usaremos as iniciais TSP para nos referirmos a esse projeto.
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II – O corpo em evidência
É possível dizer que, ao longo do século XX, o corpo foi paulatinamente adquirindo
destaque nas modernas sociedades ocidentais. Se, como aponta Moulin (2011), a alma foi a
grande questão até o século XIX, o corpo passa ao centro das preocupações, seja pela sua
descoberta como objeto de investigação por Freud, Husserl e Mauss, vinculando-o ao
inconsciente, ao sujeito e à cultura, seja enquanto objeto de intervenção. Isso foi possibilitado
pelas descobertas científicas, com o surgimento de novas técnicas diagnósticas de imagem,
laboratoriais e genéticas, de novos medicamentos e procedimentos que contribuíram para
reconfigurar de modo decisivo as expectativas de vida e morte da população (MOULIN, 2011).
O que se colocava em cena era a possibilidade cada vez maior de uma intervenção sobre
o corpo, crescentemente banalizada em uma sociedade em que o saber médico assumia papel
de destaque nas formas de decifrá-lo e organizá-lo simbolicamente. Essa intervenção, que
objetivava evitar a possibilidade concreta da doença e da morte, veio a incidir também sobre as
práticas cotidianas de autocuidado, o que o tornou objeto de permanente vigilância. Com o
objetivo de promover a saúde, o corpo passou a ser cada vez mais adestrado através de
exercícios físicos, de uma alimentação balanceada com alimentos classificados como saudáveis
e não-saudáveis, pela ingestão de vitaminas e outros nutrientes aos quais se atribuíam
propriedades de fortalecer o organismo; passou a ser protegido de fatores considerados
potencialmente nocivos, como o sol, e outras tantas medidas que se inseriam na chamada lógica
do risco, pautada pela crença na ação humana para se evitar os infortúnios.
Essa intervenção, por sua vez, não ocorre apenas em nome da saúde, mas também
visando à expansão de suas potencialidades. Melhoria do desempenho sexual pelo uso de citrato
de sildenafila e afins para além dos casos classificados de “disfunção eréctil”, consumo de
metilfenidato para incremento da performance escolar e do trabalho, ou ainda ingestão de
substâncias diversas para aumentar a potência muscular são alguns dos exemplos que sinalizam
o corpo como uma máquina a ser aperfeiçoada pelo homem. A isso se somam as novas
tecnologias cosméticas, em que medicina e estética se juntam para torná-lo mais belo, alterando
padrões corporais através de cirurgias plásticas, procedimentos como botox, clareamentos de
pele/dente ou ainda a intervenção sobre o que parecia efetivamente ser do âmbito da natureza,
como a divisão “masculino”/ “feminino”. Esta, outrora atribuída a uma definição biológica,
torna-se ainda mais instável pela possibilidade de cirurgias de mudança de sexo, ingestão de
hormônios e aplicação de próteses, na criação de mamas, vaginas e pênis. Essas
reconfigurações, que impactaram com renovado vigor as relações entre natureza e cultura,
foram proporcionadas pela intensificação da medicalização, complexificada, a partir de um
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dado momento, pelo seu enredamento com a dimensão tecnocientífica no que alguns autores
denominam de biomedicalização (CLARKE et al., 2003, p. 162).
Essa evidência do corpo não se limitava a possibilidades até então inéditas de
intervenção e modificação, mas também se relacionava ao acirramento de sua exibição. A
história da arte assinala um longo percurso de produção de imagens sobre o corpo, mas não
seria exagero afirmar que o século XX foi palco de um desenvolvimento tecnológico que trouxe
elementos inéditos, entre eles, a produção de imagens que reconfiguraram a estrita separação
entre o dentro-fora. Se Foucault já apontava no século XVIII a mudança nos regimes de
visibilidade, em que após a abertura dos cadáveres o olhar tornou-se o sentido preponderante e
o saber passava a estar vinculado ao ver, esse processo foi acirrado e reconfigurado por uma
série de descobertas que tornaram o corpo cada vez mais aberto ao olhar, no qual “o saber atual
não basta[va] ser visto para ser saber; ele precisa[va] ser visto tecno-midiático-cientificamente”
(ALVES, 2011, p.8). Alves retraça alguns momentos marcantes do desenvolvimento das novas
tecnologias ao longo do século XX que proporcionaram acesso a esse novo universo, entre elas
os agentes de contrastes, a tomografia computadorizada, a digitalização do raio X e a
ressonância magnética. Em desenvolvimento desde a primeira década do século, essas
tecnologias médicas permitiram a visualização de vários órgãos e sistemas do corpo humano
ao mesmo tempo em que importantes artefatos visuais passaram a ser largamente consumidos
no mundo moderno, a exemplo da televisão e do computador.
Esta inusitada associação entre medicina e indústria do entretenimento contribuiu para
viabilizar a “transparência” do corpo, removendo progressivamente as barreiras de acesso ao
seu interior. Esse novo regime de visibilidade, por sua vez, trouxe consigo outros contornos, na
medida em que o corpo passou a ser também intensamente exibido por fora (MOULIN, 2011,
p. 62). Se isto não é um fenômeno novo, uma vez que as práticas tradicionais de figuração,
como a pintura e a escultura, exibiram desde sempre imagens variadas do corpo, observa-se, no
entanto, uma nova leitura sobre ele a partir de meados do século XX. O corpo volta à cena como
objeto do poder, o que pode ser observado através de sua apropriação pelos movimentos
individualistas e igualitários, como ocorreu por ocasião da defesa do aborto pelo movimento
feminista dos anos 1970, baseada na ideia de que o corpo pertence à mulher; a militância do
movimento negro em defesa da cor da pele como padrão estético no lema “black is beautiful”;
e o movimento das pessoas com deficiência que emerge anos 1970 exigindo o fim das barreiras
físicas e sociais que impediriam a plena atuação e presença de seus corpos diferentes no espaço
público.
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A partir de sua exibição, o corpo tornou-se um espaço de luta, o que incluiu o recurso a
vestimentas, penteados e adereços, ou ainda, mais recentemente, a sua intervenção pela
medicina, como se atesta pelo caso da atriz Angelina Jolie, que em 2013 trouxe a público sua
mastectomia como bandeira política. O corpo, agora liberto das fronteiras dentro-fora, é exibido
mobilizando as mais diversas causas.
Assim, se durante muito tempo o corpo havia se constituído como algo da esfera do
privado, ele passou num dado momento a ser amplamente exibido no espaço público. Cabe
destacar a importância dos meios de comunicação nesse processo, que contribuíram, em
especial a partir da segunda metade do século XX, para o incremento da circulação dessas
imagens através de fotografias, filmes de ficção ou documentários, e, mais recentemente, das
mídias digitais.
Neste sentido, um aspecto importante a se assinalar é que a promoção da visibilidade
destes corpos, antes restrita aos que detinham os instrumentos e saberes tecnológicos, foi
paulatinamente sendo democratizada. Isso ocorreu mediante a disseminação das novas
tecnologias de informação e comunicação, que veio junto com a generalização das operações
midiáticas de construção de práticas de sentidos por diferentes atores sociais, que se
apropriaram dessas lógicas e racionalidades e construíram novas formas de interação social
(FAUSTO NETO, 2008). Novos espaços e sentidos foram sendo criados para além dos atores
antes consagrados. Assim, hoje, não apenas os grandes meios podem fazer circular em ampla
escala imagens sobre o mundo, e sobre o corpo em particular, mas observa-se cada vez mais
instituições, ativistas, indivíduos comuns criarem sites, blogs e outros espaços, provocando a
circulação de imagens e sentidos acerca de seus corpos, e tudo o que os cerca - como suas
doenças e seus sofrimentos.
A exposição dos corpos, no entanto, não engendra apenas imagens “puras”. Elas são
entrelaçadas a narrativas construídas em torno deles, em que sentidos são tecidos. No contexto
de nossa análise, muitos falam, de muitas coisas, de muitos jeitos. Há vários corpos sendo
expostos, e neste caso não se trata de um corpo qualquer, mas de um corpo específico, marcado
por uma doença historicamente associada à morte e ao sofrimento. No caso do câncer de mama,
haveria um agravante quanto às narrativas a serem produzidas diante dos constrangimentos
sociais gerados pela perda de uma parte do corpo que simboliza a feminilidade, a maternidade
e a sexualidade.
Em 1975, a jornalista norte-americana Rose Kushner publicou em livro sua história
pessoal com o câncer de mama, esclarecendo uma série de questões e aspectos sobre a doença
e a mastectomia. O livro foi lançado com o título Câncer Mamário. Em 1977, a obra é relançada
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com outro título: Por que eu? E como subtítulo o que toda mulher deve saber sobre câncer de
seio. A mudança foi feita porque havia um constrangimento por parte das pessoas em serem
vistas comprando ou lendo um livro cujo título era Câncer Mamário. Segundo ela, um jornalista
afirmou ter encapado o livro para poder lê-lo no metrô e a vendedora de uma livraria disse que
várias mulheres pediam para que ela embrulhasse o livro e o levasse ao caixa para pagamento.
Quarenta anos depois, o assunto câncer de mama ganhou mais visibilidade na mídia e
em campanhas de saúde pública em vários países4. Com o advento da internet as narrativas e
imagens sobre o câncer saíram do controle desses agentes institucionais e passam a ser
produzidas das mais variadas formas e com diferentes abordagens, o que nos leva à pergunta:
que narrativas o câncer de forma geral, e o câncer de mama em particular, permitem no
contemporâneo? O que move o impulso da escrita? O que levava à criação de projetos e de
iniciativas de mulheres que vêm a público compartilhar suas experiências referentes à doença?
Como nossos “sujeitos” falam sobre sua experiência e que meios utilizam (texto, filmes,
fotografia, artes plásticas) para tal?

III - O impulso de exposição

A leitura dos blogs nos ofereceu subsídios para se compreender alguns dos sentidos
presentes nessa exposição do corpo e da doença. Os relatos apontavam a criação das páginas
pessoais como a escrita de um diário, que possibilitaria a descrição dos eventos vividos e das
emoções a eles associadas. No entanto, não se tratava de uma escrita privada, destinada a ficar
preservada no segredo, mas cujo elemento central residiria justamente no fato de tornar-se
pública. Essa escrita autobiográfica engendraria o que era visto como a possibilidade de ajuda,
tanto voltada para si como para os outros, conforme indicam os trechos abaixo:

Decidi escrever um diário que veio na ideia de um blog para que pudesse expressar meus
sentimentos de uma forma evidente e esclarecedora e ao mesmo tempo dividir momentos não
somente com quem estivesse interessado em lê-los e compartilhá-los comigo, mas
principalmente para divulgar alternativas para pessoas em situações peculiares como câncer
de mama. (ALMEIDA, A.P.A.)5

Um câncer, um diagnóstico de ELA, um assalto, um divórcio, a perda de um ente mais que


querido, um erro médico,…são tantas as “pedras” que podem aparecer no nosso caminho! E
que lições tiramos delas? O que podemos passar aos outros? Às vezes nem pensamos, mas
quando contamos a nossa história, existe sempre alguém a quem estamos ajudando.

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Um exemplo foi a campanha nacional de prevenção promovida pela Sociedade Brasileira de Mastologia, o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Ministério da Saúde, realizada em 1989, que trazia uma famosa
atriz de novelas, nua da cintura para cima, ensinando a realizar o autoexame nas mamas.
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Usaremos sobrenome e iniciais nas citações das autoras dos blogs. Para lista com endereços dos sites
analisados ver referências no final deste artigo.
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Partilharmos experiências ajudam o próximo e…ajudam… a nós próprios! Uma terapia


gratuita e eficaz que beneficia a sociedade (CASTANHEIRA, V.)

No caso do projeto de DPA, o impulso não partiu de uma experiência direta com a
doença, mas ainda assim também é caracterizado como uma iniciativa de cunho autobiográfico.
Os organizadores revelam que o contato com inúmeros casos de câncer na família (pais, irmãos,
tio e avô) foi o deflagrador do trabalho. Em seus argumentos, novamente estão presentes as
ideias de expressão das emoções e auxílio a si e ao próximo:

Foi daí [da doença dos parentes] que surgiu a inspiração para fazer da experiência um
aprendizado, uma troca de emoções e de sentimentos capazes de despertar para a
humanidade e o humanismo de todos os envolvidos no processo. (GOLIK e LENZI,
2010, p. 11)

Neste sentido, os autores afirmam ainda que o principal objetivo do projeto seria
“humanizar a medicina” e relatam algumas situações vividas por ambos ao acompanhar seus
parentes com câncer que demostrariam a falta de cuidado e solidariedade dos médicos para com
os pacientes e seus familiares.
A escolha pelo câncer de mama para realização desse projeto não é aleatória. Uma das
autoras, Vera Golik, foi editora de beleza da revista de moda Elle e diz no livro que seu desafio
na revista era trabalhar “contra os estereótipos que a mídia insiste em impor às mulheres”
contrariando “a lógica perversa que afirma que para ser feliz a mulher tem que ser jovem, alta,
loira e, logicamente, magra” (idem, p. 12). O corpo feminino e as representações sobre ele já
seriam, assim, parte de seu universo profissional. Uma de suas irmãs teve câncer de mama e é
uma das mulheres que faz parte do projeto.
Se a motivação inicial dos autores foi “humanizar a medicina” e ajudar as mulheres com
câncer de mama a “recuperar sua autoestima”, nos depoimentos das mulheres esses motivos se
aliam a outros já comuns nesse universo do câncer, e do câncer de mama em particular. A
motivação central para fazer parte do projeto é quase sempre “ajudar os outros”, “mostrar a sua
superação”, a “vitória contra o câncer” e com isso informar e confortar outras mulheres:

Hoje, sinto que tenho mesmo essa missão. Estou forte, com garra e até mais capacitada para
ajudar outras mulheres que passam pelo câncer de mama (...) mesmo sendo a segunda maior
causa de mortalidade feminina no Brasil, o câncer de mama tem cura. Por isso estou aqui
(DPA, p. 32).

Sempre que eu posso faço meu relato, conto a minha história. Ao participar do projeto DE
PEITO ABERTO, vejo que minha história incentiva outras pessoas a seguir em frente. Isso
é muito gratificante (idem, p. 35).
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Embora essas narrativas pareçam motivadas por um impulso individual e espontâneo,


cabe relembrar as observações de Mauss acerca do caráter social das manifestações públicas
das emoções. Ainda que tenham uma dimensão individual e voluntária, elas trazem
simultaneamente sua face coletiva e regrada, que dá contornos ao que falamos, como falamos,
em que espaços falamos (MAUSS, 2001). O que se quer enfatizar é que essa ampla
manifestação do sofrimento – no caso referente ao câncer – relaciona-se às transformações das
representações sociais sobre a doença, hoje vista como um evento menos ameaçador e letal, que
embora ainda seja vivida de forma dolorosa na experiência direta e cotidiana do paciente,
adquire cada vez menos um caráter de interdito na sociedade mais ampla. Diferente do exemplo
de Kushner que nos anos 1970’s mudou o título de seu livro devido ao potencial de
constrangimento que ele trazia, observamos que neste momento não apenas é permitido falar
sobre a doença, mas é desejável que se fale. É justamente essa “recomendação” um dos pilares
da origem do projeto Histórias de Superação, que, a exemplo de diversas outras instituições
oncológicas, incorporaram em seus espaços terapêuticos iniciativas que possibilitaram o
compartilhamento de emoções relacionadas a situações difíceis – seja através de projetos
coletivos, pela criação de grupos de apoio mediados por psicólogos e outros profissionais,
incentivos a práticas individuais e assim por diante.
Outro aspecto a ser mencionado acerca desta nova forma de autorização para se
verbalizar a experiência com o câncer relacionava-se à questão do sofrimento nas sociedades
ocidentais contemporâneas, no que Fassin e Rechtman denominaram de uma “nova economia
moral” em que esta emoção tornou-se algo extremamente valorizado e fonte de autenticidade
(FASSIN e RECHTMAN, 2010). O trecho de Castanheira, que elenca as diversas “pedras” que
podem aparecer no caminho, revela como esse “diário público” e as demais iniciativas de
exposição da dor se configuraram como espaços legítimos de externar o sofrimento, trazendo
consigo um sentido terapêutico.
A perspectiva da narrativa como prática curativa é bastante explorada em vários campos
do saber, seja na antropologia, como aponta o conhecido texto de Lévi-Strauss intitulado “A
eficácia simbólica” (LEVI-STRAUSS, 1967), passando pela própria experiência da psicologia
e psicanálise em suas diversas vertentes. No entanto, o que se quer assinalar é como se
ampliaram, progressivamente, os espaços de compartilhamento dessas emoções e de seu
entendimento como algo capaz de ajudar ao indivíduo e ao próximo. Essa prática permanece
através da ajuda de sacerdotes ou profissionais de saúde, porém cada vez mais prescinde desta
mediação, uma vez que sua lógica e reconhecimento já foram incorporados pelos indivíduos
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comuns, os quais dispõem de dispositivos tecnológicos que lhes permitem, sozinhos, tornar
públicas as suas dores.
A expressão dessas emoções traz ainda outro desdobramento, ligado à reconfiguração
do lugar social daquele que fala. A imagem do sofredor que narra seus sentimentos não se
assenta, nestes casos, na ideia de vulnerabilidade (ainda que essa dimensão não lhe seja negada),
mas de empoderamento. Menos que uma mera catarse ou alívio, o que está em jogo é o
reconhecimento de uma prática que auxilia o indivíduo a enfrentar um momento tão difícil,
tornando-o forte o suficiente para ajudar a si e aos semelhantes:

Tudo o que eu conseguia associar a palavra câncer era: gente doente, gente na cama, gente
ficando inchada por causa do tratamento, gente sem cabelo, gente sem cor, gente com dor,
gente de lencinho com as orelhas de fora, gente sem forma e o pior, gente sem alegria.
Passado o desespero, que é super natural, resolvi reagir e aceitei a doença e o tratamento;
decidi que eu lidaria com ele da melhor maneira possível. (...) Um dia antes da minha primeira
quimioterapia, veio a ideia de criar uma página no Facebook (...) Na página eu comecei a
compartilhar minha rotina, mostrava como eu me alimentava bem, mostrava as perucas que
eu comprava, mostrava os lenços que ganhei, assim meus amigos me viam no Facebook feliz,
cheia de novidades então muitos deles voltaram, me visitavam, ou me acompanhavam no
Facebook. Através dessas pessoas encontrei uma razão, uma sensação de estar fazendo algo
realmente importante mostrando que é possível viver e sobreviver a esta doença sem se
vitimar e encarando tudo de frente. (FLORES, F.)

Falar de câncer a partir de outro lugar implicaria refutar a imagem tradicional que o
rondava, permitindo se ver e, acima de tudo, ser vista de forma diferente. A exibição das
ocorrências com o corpo daria materialidade àquela experiência, trazendo um caráter
pedagógico que contribuiria para diminuir o estranhamento de quem passa pelo evento, mas
também de quem não está doente (conhecidos, amigos, familiares). Em alguns dos relatos foi
mencionado o “sumiço” dos amigos, o constrangimento de abordá-las, o estranhamento frente
a elas (“as pessoas me olhavam como seu eu fosse um ET”/CP.). A relativa familiarização
favorecida pelo testemunho acabava por outorgar certo sentido de “normalidade” à experiência,
reforçando esse ritual de exposição como um espaço de transformação que permitia a “limpeza”
(ou pelo menos a diminuição) das ambiguidades que caracterizariam os seres doentes,
“poluídos” no sentido dado por Mary Douglas pela sua aflitiva condição daqueles que estão no
lugar indeterminado entre a vida e a morte (DOUGLAS, 1991[1966]). Expor-se nesta outra
perspectiva representava a afirmação da vida:

Um dia antes da minha primeira quimioterapia, veio a ideia de criar uma página no Facebook,
a “Quimioterapia e Beleza”, para que todos vissem que eu não estava à beira da morte e que
poderia, na medida do possível, levar uma vida normal. (FLORES, F.)
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Quando eu descobri o câncer fui me alimentar de histórias de superação e comecei a ler vários
blogs de mulheres que dividiam seu dia-a-dia, seus medos e suas vitórias (inclusive elas que
me inspiraram a fazer isso) [...] mas uma coisa que me incomodava demais, passado um
tempo elas simplesmente paravam de escrever, sumiam [...]Bom, nem preciso dizer que batia
o pânico: “deve ter morrido, por isso parou de escrever [...] Resolvi voltar e dizer tô aqui, tô
viva, tô forte, tô feliz e a fim de voltar a escrever” (BITTENCOURT, R.)

Assim, contar histórias servia para dar “lições de vida”, “somar esperança”, servir como
“exemplo”, “inspiração”, como revelam as chamadas para os projetos sugestivamente
intitulados “Histórias de Superação” (CP) e “Histórias que Inspiram” (CASTANHEIRA):
“Divida sua experiência com aqueles que lidam com os mesmos problemas e some esperança
à vida deles” e “Sua história pode ajudar muita gente, principalmente você”. Além disso,
revelava um lugar positivado em que as mulheres são descritas como “guerreiras”, que a partir
desta “viagem interior” – a doença – “se revelaram, desafiaram limites, deixaram exemplos”.
(GOLIK e LENZI, 2010, p. 29)
Esse lugar envolvia não apenas o compartilhamento de emoções, mas também de
informações, que vinham sob a forma de uma detalhada descrição de ações e acontecimentos
relativos ao corpo e à doença. As noções de “alerta”, “aconselhamento”, “ensinamento”,
“dicas”, voltadas à “prevenção” dos “riscos” configuravam um elemento importante que
motivava a criação das narrativas.
No caso da clínica oncológica, elas se manifestavam através da interpelação das
mulheres ao cuidado e aconselhamento sobre os riscos de adoecimento. Observa-se a
reprodução da ideia de autocuidado presente na lógica biomédica, com a exortação para a
realização de exames, ida a médicos, busca por diagnósticos e assim por diante. As narradoras
aparecem como protagonistas cuja autoridade repousa sobre a experiência; os médicos,
recorrentemente citados de forma elogiosa (“profissionais maravilhosos que Deus colocou em
minha vida”) ficam secundarizados, ainda que mantendo intocado seu lugar de detentores de
um saber que as afastava da morte reconduzindo-as à vida.
As narrativas dos blogs, por sua vez, também traziam conselhos, dicas e alertas, mas
eram marcadas por fortes críticas aos profissionais, às instituições e aos procedimentos. Nelas,
o alerta não era somente em relação à doença, mas também aos médicos, cujas “falhas” eram
denunciadas a partir da autoridade que a experiência com a doença lhes conferia. Da “saga”
para se obter um diagnóstico, passando pelo questionamento de tradicionais instituições de
saúde e chegando às recomendações das políticas públicas de prevenção, a relação com o saber
médico é plena de ambiguidades:

Concordo com o INCA quando ele diz que o autoexame não é forma de prevenção, mas
particularmente no meu caso, ninguém conseguia visualizar o câncer através da
13

ultrassonografia (...). Apesar disso, eu sentia claramente na minha mama um tumor mais duro
do que um músculo (...) "Se aconteceu comigo, pode acontecer com você também." Então,
eu diria que é de suma importância ter consultas com um mastologista que fará o exame das
mamas além de prescrever os exames por imagem (ultrassonografia e/ou mamografia) pelo
menos uma vez por ano, mas, além disso, como complemento, FAÇA SIM O
AUTOEXAME! (SANTOS, M.)

Pelo amor de Deus, esqueçam esse papo de que mamografia deve ser feita a partir dos 40
anos. Eu não tenho 40 anos, a maioria das mulheres que conheço que estão passando ou que
já passaram por isso não tem 40 anos, não tem histórico familiar. Quero comprar essa briga
contra essas informações, que pra mim, são totalmente falsas e ilusórias” (BITTENCOURT,
R.)

No projeto DPA essa ambiguidade com relação aos médicos e ao conhecimento


biomédico também é observada nos relatos e textos do livro. Tendo como um de seus objetivos
“humanizar a medicina” as menções aos médicos transitam de duras críticas a profissionais que
não teriam uma visão “humanista” da paciente com câncer de mama a elogios àqueles que
reconhecem o desafio de “tratar a pessoa, e não apenas lidar com a doença” (GOLIK e LENZI,
2010, p. 17). O primeiro tipo de profissional aparece sempre no início do relato, na fase da
descoberta, e o segundo como fonte de apoio imprescindível para concretização do que seria a
última etapa, a superação:

Sem disfarçar, (o médico) falava na minha cara que eu ia morrer. E que, mesmo que eu
escapasse, era preciso desistir de tudo e parar o que estava fazendo. Para completar falou que
eu não poderia nem mais estudar (...) A lista não acabava: também disse que eu não poderia
ter filhos, que ficaria careca, iria ter que usar peruca, teria enjoos (...). Alguns dias depois
procurei outro médico. Ele repetiu quase as mesmas coisas, mas de outra forma. Dessa vez
me senti acolhida, segura. (DPA, p. 50)

Nos materiais analisados, em vários momentos as narradoras afirmaram que o impulso


da escrita estava relacionado ao próprio desejo de seu consumo. Diagnosticadas, iam à procura
de “histórias de superação”, relatos de experiência com os quais se identificassem e lhes
confortassem. Assim, ao mesmo tempo em que as histórias narravam trajetórias particulares,
havia uma clara busca de pertencimento, na criação de uma “comunidade” cujo elo de ligação
era a experiência compartilhada da doença e do sofrimento. Esse encontro lhes auxiliava a
promover uma transformação, revertendo a liminaridade negativa desta condição e
aproximando-as da vida. Empoderadas, eram alçadas discursivamente à condição de
protagonistas de suas histórias, sobrepondo-se inclusive aos tradicionais detentores do poder
sobre os processos de saúde e doença. A fala de uma mulher, relatando anos depois o momento
do seu diagnóstico, ilustra bem esse lugar de empoderamento que seria tanto produto como
produtor da narrativa de si:
14

Com o impacto da notícia, fiquei sem falar, quieta, olhando para o teto branco do hospital.
Pensei: ‘pode ser o teto de minha sepultura ou uma página em branco para eu reescrever
minha história’. Decidi reescrever minha história (DPA, p.61).

IV – Mostrar o corpo: do sofrimento à beleza, bom-humor e autoestima

Como foi dito, um dos grandes impulsos da escrita era o desejo de auto-expressão e de
ajuda ao próximo. Em especial no caso dos blogs, expor o corpo significava mostrar os
processos em curso, desde o diagnóstico, passando pelos tratamentos, seus efeitos colaterais e
até as dicas para lidar com as sequelas deixadas pelos procedimentos. A narrativa e a exposição
do corpo se davam em geral através de seus fragmentos (órgãos, membros, tecidos, veias) e
sensações (dores, calores, “esquisitices”). Observa-se, em especial nas etapas iniciais da
doença, a transparência e a relação de continuidade entre seu interior e exterior, trazendo um
teor didático que nos auxiliava a apreender os processos do adoecimento neste momento em
que o sofrimento se fazia presente de forma mais intensa.
Desse modo, “revelado” pelas novas técnicas, ele é mostrado com o intuito de
proporcionar às mulheres maior autonomia no auto-diagnóstico (como nas postagens de
imagens radiológicas que ensinavam as diferenças entre cisto, nódulo, calcificação, linfonodo
e tumor), orientar sobre o tratamento através de fotos (como a mulher que mostra a marcação
do local preciso onde será feita a sua radioterapia), e assim por diante. Investidas da autoridade
da experiência, elas narram em detalhes os eventos ocorridos, evidenciando as transformações
pelas quais seus corpos passavam e revelando grande conhecimento sobre seu funcionamento.
Num discurso híbrido, as categorias médicas eram amplamente utilizadas para descrever
sensações e sentimentos:

[sobre a quimioterapia] Sinto geralmente uma sensação de esquisitice que é difícil de


explicar, até agora um pouco de cansaço nessa fase mais recente, algumas dores musculares
(nas costas principalmente), tive mucosite (aftas), dor de cabeça, manchas e descamação da
pele, sensação de paladar alterado e gosto ruim na boca nos primeiros dias após a aplicação,
além da sensação de remédio no corpo (essa já deve ser coisa minha), leve neutropenia e
leucopenia, e uma levíssima anemia (essas últimas são normais para quem faz químios)
[...]As minhas veias também estão precisando de cuidados especiais, pois como só posso usar
o braço esquerdo (no direito fiz esvaziamento axilar) o coitadinho está ficando bem
“detonadinho”, tive flebite, asclerose e cada vez está mais difícil achar um acesso de primeira.
(ALMEIDA, A.P.)

Mas, para algumas mulheres, apenas narrar os procedimentos biomédicos não era
suficiente, seria preciso mostrar esses eventos. Com essa perspectiva, Flávia Flores, por
exemplo, criou em seu blog uma sessão chamada “Novelinha Q&B” na qual apresenta o
processo dos seus tratamentos com fotos e vídeos. Em um deles mostra o momento da colocação
15

de seu cateter e quando recebeu a primeira dose de quimioterapia no hospital. O vídeo foi feito
pela própria F. Flores com seu celular e ainda está longe da superprodução que se pode observar
nos demais vídeos que vão ser desenvolvidos ao longo da existência do blog. A médica foi
entrevistada enquanto realizava o procedimento em seu corpo6.
Dentre as “partes” mostradas e/ou narradas nesse universo de imagens e narrativas, duas
se destacam: a mama e o cabelo. A mama, em especial, aparece em vários relatos atrelada às
questões da maternidade e da sexualidade. O câncer significaria para muitas mulheres,
especialmente para aquelas que ainda não são mães, um impedimento para a maternidade
devido ao risco de o tratamento levar à infertilidade. Já a perda da mama em si representaria a
impossibilidade de viver o que é entendido por outras como uma “maternidade plena”, aquela
na qual a amamentação é central. Para além da maternidade, a mastectomia é também percebida
como uma intervenção sobre o que significaria “ser mulher”, ao se perceber esse corpo
“mutilado” ou privado da sua “melhor parte”:

Lembro-me integralmente do terror desse momento… parecia que o chão e o futuro tinham
desaparecido para sempre de uma única vez. (...) Era carnaval, a cidade completamente
agitada pela folia dos blocos. Um verão insuportável. E eu mutilada! (…) A cirurgia não
cicatrizava. Conseguia ver o interior do meu corpo pelo “buraco” que tinha no peito. Perdi
toda a mama direita. A parte mais bonita do meu corpo fora arrancada, sem aviso, sem
autorização prévia. Tive muita raiva do mundo, do médico. (CP)

No entanto, os relatos angustiantes que marcam os primeiros momentos de reflexividade


sobre a perda desse símbolo do feminino gradualmente mudam o tom ao longo das narrativas.
O corpo modificado, mutilado ou reconstruído é reconduzido, gradativamente, ao seu lugar de
normalidade. Observa-se, então, um deslocamento temporal: o corpo do passado é associado à
doença, enquanto o corpo do presente e do futuro é o da “felicidade”, marcado pelo “otimismo”
e “esperança”.

Passar por tudo isso me ajudou a resgatar a autoestima, me ensinou a gostar do meu corpo e
a gostar de mim como mulher e como ser humano. Foi o grande ganho dessa história. / Hoje,
depois da radioterapia, meu seio esquerdo aumentou. Mas não ligo. Virou troféu [...] me
cuido sem ter ‘neura’ com a aparência (DPA, p. 35 e 38)

Quando vi que não ia levar essa coisa como a maioria das pessoas, que iria levar de uma
forma mais leve e, se conseguisse, como uma doença como qualquer outra resolvi que iria
ajudar a desmistificar isso tudo (BITTENCOURT, R.)

Aqui o “bom humor” emerge como “arma” contra o câncer e escolha para enfrentar os
tratamentos. Para respaldar essa assertiva, argumentos médicos são evocados, sobretudo,

6
https://www.youtube.com/watch?v=1rCubxdhl-0 (acessado em 06/04/2016).
16

aqueles que afirmam que os estados emocionais interferem no sistema imunológico e,


consequentemente, no tratamento contra a doença. Deste modo, levar a doença de uma “forma
mais leve”, rir de si mesma e encarar os tratamentos com bom humor e otimismo se tornam,
mais do que opção, uma forte recomendação terapêutica. É certo que esse bom humor não
emerge de imediato, ele é um elemento a ser cultivado dentro do processo de tratamento como
um todo. Por isso as narrativas aqui analisadas, sobretudo, aquelas arroladas nos projetos
coletivos como o da CP e DPA, seguem uma sequência comum que vai do diagnóstico à
superação, embora as imagens raramente revelem as partes realmente duras do tratamento.
Boa parte dos relatos que analisamos aqui são sobre mulheres que já passaram pela fase
mais dramática do diagnóstico e cirurgia e, em muitos casos, também já passaram pelos
tratamentos. Eles falam de um sofrimento relativo à doença que pôde ser superado com
otimismo e bom humor, e traduzido pela força interior ancorada na fé e na noção de autoestima.
Nesta representação da doença, a morte está afastada e a categoria “superação” é fundamental.
Esta significa não apenas “vencer a doença”, mas reestabelecer o corpo doente em uma relativa
normalidade, em que ele é abordado pela ordem do cotidiano, do rotineiro, do banal. No entanto,
para aquelas que ainda estão passando pelos tratamentos, especialmente a quimioterapia, essa
transformação do corpo doente para sua apresentação como corpo em “processo de superação”
adquire especial contorno quando o efeito mais conhecido e esperado da quimioterapia se
apresenta: a queda do cabelo.
Em 2005, quando realizou sua pesquisa em grupos de mulheres com câncer de mama,
Aureliano (2009) constatou que a quimioterapia foi relatada como a parte mais sofrida da
experiência com a doença, em muitos casos, pior até do que a mastectomia. O tratamento
agressivo, além de causar fortes efeitos colaterais, que normalmente culminam em vômitos
incontroláveis, diarreias, feridas bucais e fraqueza generalizada, ainda exteriorizava a doença,
tornando-a pública através da queda do cabelo e, às vezes, de demais pelos do corpo.
O controle da informação e da identidade pessoal (GOFFMAN, 1988) se tornariam
difíceis de manipular nesta fase. Neste sentido, enquanto a mastectomia pode ser pensada como
elemento que torna a mulher desacreditável na perspectiva de Goffman, ou seja, “sua diferença
não está imediatamente aparente ou não se tem dela um conhecimento prévio” (p. 51), a mulher
pode manipular a tensão nos contatos sociais e negociar a informação sobre si. Já a queda do
cabelo tornaria a mulher desacreditada, a informação sobre ela já não pode ser controlada e a
doença se torna visível. Como afirmou Goffman: “a visibilidade é, obviamente, um fator
crucial. O que pode ser dito sobre a identidade social de um indivíduo em sua rotina diária e
por todas as pessoas que ele encontra nela será de grande importância para ele” (idem, p. 58).
17

Certamente a queda do cabelo em decorrência da quimioterapia produz impactos sobre


mulheres e homens por sua capacidade de tornar a doença pública. Porém, tornar-se careca é
algo mais dramático para as mulheres do que para os homens, e entre as mulheres torna-se mais
forte para aquelas com câncer de mama, pois a queda do cabelo fere duplamente o modelo
corporal socialmente esperado das mulheres ao ser capaz de revelar a perda de outro símbolo
forte do corpo feminino, os seios.
Os demais efeitos da quimioterapia (enjoos, vômitos, diarreias) podem ser vivenciados
apenas no ambiente privado, mas a queda do cabelo seria um dos sinais que coloca a mulher
em contato com o sentimento do estigma. Seria o momento em que a doença é percebida como
realidade compartilhada socialmente, afetando o modo como a mulher apresenta sua identidade
social e reestrutura sua identidade pessoal, lembrando que a primeira nos permite considerar a
estigmatização e a segunda vai definir o papel do controle de informação na manipulação do
estigma (GOFFMAN, 1988, p. 117).
A pesquisa de Aureliano foi conduzida há mais de uma década, entre mulheres das
camadas populares de uma cidade do interior do nordeste do Brasil, atendidas principalmente
nos sistemas públicos de saúde e em sua maioria com idade superior a 50 anos quando do
surgimento do câncer. Esses são elementos importantes para percebemos a variabilidade e, ao
mesmo tempo, a continuidade de percepções sobre o câncer de mama e o que a queda do cabelo
significa no regime de visibilidade da doença que presenciamos no contemporâneo.
Os materiais que analisamos neste artigo cobrem públicos distintos, representados por
mulheres de várias idades e estágios da doença, oriundas principalmente, mas não
exclusivamente, das classes médias urbanas. Por serem projetos individuais e coletivos, há
diferenças evidentes que buscamos tratar aqui. Porém, algo comum em boa parte do material
levantado foi a ênfase colocada sobre a noção de autoestima como ferramenta para o
enfrentamento da doença.
Ora definida como algo que “vem de dentro”, ora equiparada ao cuidado pessoal, a
autoestima se expressaria de várias formas, de mudanças na alimentação à prática de atividades
físicas, porém um ponto estava sempre em destaque para evidenciar a presença de uma
“elevada” ou “boa autoestima”: a correspondência do corpo que passa pelo câncer de mama
com modelos considerados essencialmente femininos, sendo seus atributos reforçados através
do uso recorrente de maquiagem, roupas e acessórios considerados próprios de uma mulher.
Após o câncer não basta ser mulher, é preciso atuar como uma, principalmente na fase da
quimioterapia quando a doença é comunicada socialmente.
18

Aqui observamos atitudes interessantes. A “cara de doente” produzida pelo tratamento


viraria “tela em branco” para novas leituras sobre si mesma, embora muitas vezes apoiadas em
antigas concepções sobre como um corpo feminino deve ser apresentado publicamente.
Autoestima, beleza e vaidade pessoal comporiam a tríade para a emergência de uma mulher
bela, apesar de doente, ou antes, que se torna bela em função da doença. Vemos surgir também
corpos femininos com sua careca em evidência ou perucas coloridas como forma de apelo para
o engajamento social “na luta contra o câncer”, e até mesmo a profissionalização de mulheres
que encontraram no tema câncer de mama uma nova forma de exercício profissional, aliando
conhecimentos pessoais anteriores que foram resignificados a partir da doença.
É o caso, por exemplo, dos já citados sites Quimioterapia e Beleza (Q&B) e Minha Vida
Comigo (MVC). O primeiro foi criado por F. Flores que teve câncer aos 35 anos. Atuando
desde os 13 anos no ramo da moda nacional e internacional como modelo, figurinista,
produtora, gerente de marketing, etc, Flávia decidiu utilizar seus conhecimentos para “vencer
o câncer”, criando o site Q&B, além de publicar um livro com esse título e dar palestras
motivacionais. Para ela, sua experiência anterior no mundo da moda foi fundamental para o
enfrentamento da doença, pois a ajudou a continuar “se sentido bonita” e “mantendo a sua
autoestima lá em cima, apesar de todas as adversidades”. O lema de seu projeto traduz com
precisão essas ideias, ao destacar que o Q&B é “um projeto que acredita que a autoestima
elevada é o segredo para um tratamento quimioterápico bem-sucedido; sem sofrimento, sem
pena de si mesmo, sem perder a feminilidade, o bom humor e a vaidade” (FLORES, F).
De modo semelhante, a portuguesa radicada no Brasil Vânia Castanheira, autora do
MVC, viu sua vida mudar drasticamente a partir de um diagnóstico de câncer aos 31 anos. Na
época trabalhava como executiva em uma empresa multinacional, mas depois da doença decidiu
criar o MVC, publicar um livro homônimo lançado no Brasil e em Portugal, e tornar-se coach
profissional. Em seu site oferece atendimento para pessoas que estejam ou não vivenciando um
câncer e palestras motivacionais. Embora pessoas com câncer não sejam o alvo exclusivo de
sua atuação como coach, a doença e sua superação aparecem como cartão de visitas para sua
atual prática profissional.
Além dos textos, tanto Castanheira quanto Flores apresentam suas dicas em vídeos nos
quais servem de modelo para explicar o passo-a-passo das maquiagens para acabar com a “cara
de lagartixa” ou “cara de minhoca” da mulher que está passando pela quimioterapia, sendo essa
experiência vista como forma de reinventar-se. Porém, a aparente naturalidade com relação ao
tratamento de quimioterapia e seus efeitos é um sentimento construído posteriormente ao
diagnóstico, e não uma percepção compartilhada a priori. Em termos das representações sobre
19

o câncer, o que encontramos são declarações que nos mostram que a doença continua a ser vista
em um primeiro momento como sentença de morte e fonte de constrangimento e dor, quando
apontam a vergonha de se “imaginar na rua sem cabelo, ou usando um lencinho simplório, que
a quem me visse de fora pudesse perceber o câncer” (FLORES, F.).
A mudança na percepção desses sentimentos aparece como condição crucial para “levar
numa boa” esse momento. Em muitos relatos foi possível observar a dinâmica de uma “escolha”
entre passar pelo tratamento com sofrimento e vergonha, ou com bom humor e alto estilo. A
escolha da segunda opção, que aparece nos demais relatos aqui analisados e não apenas nos
blogs, envolve um investimento forte na construção de uma imagem para a mulher em
tratamento de quimioterapia que deve ser extremamente feminilizada, capaz de contrapor a
imagem de destruição dos símbolos femininos gerada pela doença. No entanto, esse apelo à
vaidade como meio de fortalecer ou expressar autoestima, que muitas vezes soa altamente
heteronormativo, não negaria a existência da careca que surge em muitas falas como “símbolo
de luta pessoal” ou possibilidade para um “novo visual”:

Sobre ficar careca, foi uma experiência única, já que achava o máximo e me sentia linda…
Quase não usei lenço, saia pra rua careca assim mesmo. Uma boa maquiagem e a careca…
Uma combinação perfeita. Gostei tanto que, depois do tratamento, fiquei um ano rapando a
cabeça (rsrs). (CP)

A sensação de tomar banho careca é fantástica, me sinto mais dona do meu corpo, feliz e
bonita. Ainda quero sair na rua assim, pois achei que combinou demais comigo, mas ainda
estou receosa com a reação dos outros (sim, os outros ainda me incomodam)
(BITTENCOURT, R.)

A perda dos cabelos tem se tornado um rito de passagem entre pessoas em tratamento
quimioterápico, com rituais cada vez mais elaborados, tornando um evento até então
considerado constrangedor em algo a ser compartilhado socialmente. No site Q&B é possível
ler o relato de uma jovem de 25 anos que ofereceu uma festa para amigos e familiares no salão
de beleza, para marcar a perda dos seus cabelos. Já no MVC, Castanheira apresenta o momento
do corte de sua longa cabeleira e raspagem dos fios em vídeo bem-humorado, com a presença
dos pais e do marido, e ao som da música Cabelo, interpretada por Gal Costa.
Nesta nova postura de ostentação da careca, agora ressignificada, e da valorização da
vaidade feminina como forma de “vencer o câncer”, vemos que os lenços também se tornaram
objetos carregados de novos significados: de “atestado de doença” a acessório feminino e motor
para o engajamento social. No entanto, nem todas as mulheres em tratamento quimioterápico
adotam os lenços para ocultar ou proteger a careca. No projeto DPA podemos ler relatos em
20

que a peruca foi a escolha de muitas mulheres, especialmente pelo constrangimento gerado pelo
uso do lenço.
No entanto, tem se tornado mais comum observar movimentos de valorização dos lenços
tanto pelo seu poder de “embelezar a mulher”, por ser um acessório tipicamente feminino, como
pelo fato de ser um símbolo do câncer e poder representar a luta contra a doença. Com essa
dupla função, foram criados alguns os bancos de lenços no Brasil, alguns capitaneados pelas
mulheres cujos relatos analisamos aqui. São bancos que recebem e doam lenços para mulheres
de todo país, via internet e/ou instituições de saúde. Observa-se também relatos nos quais o
lenço é visto como elemento capaz de favorecer o reconhecimento das mulheres em tratamento,
criando empatia entre elas, além de seu uso significar um “testemunho” silencioso sobre a
doença. Em relato compartilhado no blog MVC uma mulher afirma:

(...) quando começou a cair, decidi raspar! (...) Comprei peruquinha, porque não sabia como
me ia sentir de ver [sic] sem cabelo, mas nunca usei, nem uma vez só! Usei sempre lenço,
até porque achava importante dar o testemunho de que qualquer pessoa, em qualquer
idade pode ter câncer. E o lenço simboliza isso de imediato! (sessão Histórias que
Inspiram, blog MVC, grifos nossos).

O uso do lenço adquire esse caráter pedagógico especialmente entre as mulheres mais
jovens, passando de mero acessório para lidar com a doença a uma forma de atuação social e
até mesmo política. De modo semelhante, a retórica da autoestima associada à vaidade se faz
muito forte entre as mulheres jovens afetadas pelo câncer de mama, não significando que esteja
ausente entre mulheres mais velhas. Porém, a ênfase com que o tema aparece entre as mais
jovens é contundente e associado a outros temas, como a manutenção da vida sexual durante o
tratamento e a preservação da fertilidade, principalmente entre aquelas que ainda não tiveram
filhos.
Neste sentido, encontramos nos blogs Q&B e MVC dicas de como se manter
sexualmente ativa, com especial apelo para a imaginação nesse processo, e aqui tanto lenços
como perucas podem se tornar fetiches, além de todo um aparato de roupas e lingeries adaptadas
especialmente para mulheres mastectomizadas7. Já Castanheira tem uma seção em seu blog
chamada “Sexo e Quimio” onde também aborda o tema e incentiva o envio de histórias de suas
leitoras abordando a questão da sexualidade, segundo ela, pouco tratada pelos médicos durante
o tratamento contra o câncer.

7
No site Q&B há um ensaio fotográfico no qual a própria autora do blog serve de modelo para apresentar as peças
de uma marca de lingeries criadas para mulheres que tiveram câncer de mama
(http://quimioterapiaebeleza.com.br/pin-up/, acessado em 15/12/2015).
21

A partir da análise desse material somos levadas a crer, em um primeiro momento, que
os terríveis efeitos da quimioterapia, principalmente a queda do cabelo, estão sendo vistos de
forma menos dramática pelas mulheres que passam pelo câncer de mama e que assuntos antes
considerados tabus, como o sexo durante o tratamento, entraram definitivamente em pauta. No
entanto, é preciso lembrar que uma parte significativa dessas mulheres que estão na cena
pública falando abertamente sobre sua doença e expondo seus corpos vem das camadas médias
urbanas, muitas são jovens, heterossexuais, dominam o uso das redes sociais, são atendidas no
sistema privado de saúde. Esses são fatores que não podem ser ignorados para pensarmos as
formas de exposição escolhidas e os temas tratados em alguns desses materiais.
As dicas de saúde e beleza oferecidas em alguns dos blogs que analisamos talvez sejam
difíceis de serem seguidas por mulheres das camadas populares, com poucos recursos para
seguir uma dieta com alimentos funcionais, comprar maquiagem de qualidade, uma boa peruca
ou ter um lenço combinando com cada roupa. Já as orientações sobre a prática sexual durante
o tratamento podem ter apelo menor para mulheres lésbicas (já que as dicas são centradas em
relações heterossexuais) ou para aquelas sem vida sexual ativa.
É certamente um cenário novo, no qual não impera o silêncio sobre a doença, a palavra
câncer deixa de ser impronunciável, e às pessoas com câncer já não é mais imposto o isolamento
social. O relato, o testemunho e, principalmente, a imagem das pessoas afetadas pela doença
tornam-se públicos, mas resta-nos perguntar, quais os relatos, os testemunhos e as imagens
autorizadas? Quais são as narrativas que de fato ecoam nas redes sociais e na mídia com mais
frequência? Que mulher é essa que vem a público desnudar suas dores e seu corpo transformado
pelos tratamentos? O discurso em torno da autoestima associada à beleza teria se tornado um
catalizador para tratar dessa experiência de forma equitativa entre diferentes mulheres, de
diferentes contextos? Ou pode vir a se tornar o fio condutor de uma nova narrativa amparada
sobre velhas expectativas colocadas sobre as mulheres e como elas devem apresentar-se
publicamente? Para responder a essa questão evocamos uma narrativa que nos pareceu
dissonante, por não apostar em estereótipos de beleza feminina como forma de apoio para
superação da doença e revelar a imagem permanente que sobrevive ao câncer: as cicatrizes.

V – The SCAR Project: Uma narrativa dissonante


Podemos ver pelos materiais analisados anteriormente que a tônica da superação é a que
se destaca no novo regime para o câncer em geral, e o de mama em particular. Uma superação
que se constrói aliando-se bons recursos tecnológicos com atitudes pessoais frente à doença,
como o “bom humor” e a “autoestima”. A recusa da “cara de doente” é alcançada pelo
22

investimento constante na manutenção da beleza que se faz pelo reforço de padrões de corpo e
estética femininos que, se não eram seguidos antes da doença, devem ser mantidos agora.
Cabeças carecas, a “cara de minhoca” no tutorial de maquiagem, o registro visual da
raspagem do cabelo ou da colocação do cateter, a fotografia no leito do hospital, todas essas
imagens são corriqueiras nos materiais que analisamos, com maior ou menor intensidade. Elas
retratam um processo longo e muitas vezes doloroso que, nas situações ideias teria começo,
meio e fim. Mas o que fica depois que o tratamento acaba, quando a cura da doença se realiza?
A narrativa da superação é coerente, linear, praticamente sem ruídos, livre da cicatriz, e esta é
a grande ausência nos trabalhos analisados: as cicatrizes deixadas pelo câncer de mama, a
imagem plena do corpo modificado, reconstruído ou não.
Com poucas exceções, a imagem do corpo mastectomizado está ausente. Uma ou outra
mulher retratou sua cicatriz para compor as histórias de superação nos sites e livros e certamente
esta é uma imagem inexistente no projeto “Histórias de Superação” (CP). Obviamente, nem
todas as mulheres, mastectomizadas ou não, desejam exibir a intimidade dos seus corpos para
o grande público. No entanto, merece reflexão o fato de que a parte do corpo mais afetada pela
doença seja também a menos retratada quando sabemos que sua imagem é exaustivamente
explorada na mídia, na indústria da moda, na pornografia, nas campanhas pelo aleitamento
materno, nas marchas pela igualdade de gênero, nas obras de arte e em tantos outros lugares. E
quando esse seio está ausente ou modificado, o que nos é permitido ver?
Há vários projetos fotográficos internacionais de mulheres que tiveram câncer de mama
nos quais as cicatrizes ganham destaque. São quase sempre trabalhos realizados por artistas
que, após o diagnóstico, encontraram na fotografia uma forma de ação política, estética e
terapêutica8. No contexto brasileiro, ações pontuais similares podem ser destacadas. Em 2015,
a atriz, diretora e fotógrafa Meran Vargens produziu o vídeo comemorativo dos vinte anos da
campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”, do Instituto Brasileiro de Controle do
Câncer9. No vídeo, Vargens conversa com alguns artistas sobre o câncer de mama após uma
sessão de fotos. Em um dado momento a diretora revela ter tido câncer de mama, optando por
não reconstruir os seios e retira sua blusa diante do/a convidado/a. Não chegamos a ver as

8
Podemos mencionar o trabalho da inglesa Jo Spence (1995) que utilizou a fotografia como forma de protesto e
autoanálise, desenvolvendo uma técnica terapêutica que nomeou de fototerapia. Também da Inglaterra vem o
trabalho da poetisa Clare Best (2011) que não teve câncer de mama, mas removeu os seios após o resultado positivo
de um teste genético que confirmou a mutação dos genes que aumentam o risco de desenvolver a doença. Best
optou por não reconstruir os seios (http://clarebest.co.uk/#/self-portrait-without-breasts/4549343126, acessado em
20/06/2014). Na Argentina, a escritora e fotógrafa Gabriela Liffschitz (2003) publicou autorretratos em poses
sensuais cercada de objetos como correntes, candelabros e luvas, questionando o lugar do desejo e do erotismo
para um “corpo ímpar”.
9
https://www.youtube.com/watch?v=8gr7wo717uk (acessado em 15/01/2016).
23

cicatrizes e o peito plano de Vargens, mas sim o impacto emocional causado nas celebridades
que, após a revelação corporal da diretora, são novamente fotografados com a intenção de se
capturar o impacto causado pela realidade nua e crua do câncer de mama.
A “realidade” do câncer de mama passaria, assim, pelo reconhecimento dos seus efeitos
corporais que não são totalmente encerrados com o fim dos tratamentos e o crescimento do
cabelo. As cicatrizes peitorais permanecem, com ou sem reconstrução, e são pouco retratadas
nas iniciativas brasileiras voltadas para a desmistificação da doença. Por isso, cabe a menção a
um projeto internacional que em 2014 chegou ao Brasil, The SCAR Project (TSP).
Similar ao DPA, TSP nasce da inquietação do fotógrafo de moda David Jay diante do
diagnóstico de câncer da irmã gêmea de sua namorada, Paulina, aos 29 anos. O fotógrafo diz
que ao revê-la algum tempo depois da cirurgia foi possível notar um seio e um espaço
totalmente chato. Impelido pela sua estranheza diante do que considerava a “nova realidade”
de Paulina, resolveu fotografá-la, e seguiu sua sugestão de fazer o mesmo com suas
companheiras de quimioterapia, marcando o início do projeto.10
Paulina foi fotografada usando apenas uma calça jeans, com sua cicatriz totalmente
visível, com uma expressão séria e contundente. Jay enviou suas fotos para um site voltado para
o câncer de mama e foi surpreendido com o grande número de mulheres que entraram em
contato desejando posar para suas lentes e mostrar suas cicatrizes, desde mulheres jovens a
senhoras de 80 anos. No entanto, ele decide ter como foco mulheres entre 18 e 35 anos, pois
essa seria, segundo ele, uma faixa etária ignorada pelas campanhas de conscientização já
existentes.
As imagens trazidas em TSP podem ser lidas como uma narrativa imagética dissonante
no sentido de que elas interpelam o câncer de mama e suas consequências de forma muito direta,
apelando para o choque como forma de denúncia, mas ao mesmo tempo tentando produzir
imagens belas. Elas apresentam-se como contraponto às imagens que se tornaram hegemônicas
pela biomedicina e pelo senso comum marcadas pelo corpo feliz, que a tudo “supera” e segue
em frente; pela noção de feminino cujo corpo é exaustivamente exposto na sua associação com
o belo e o desejo. Aqui, é outro corpo que emerge. Mamas diferentes ou inexistentes, marcadas
por cicatrizes expostas numa clara recusa à normalidade. Essas cicatrizes expostas trazem
implícito o pleito a outras possibilidades de feminino em toda sua diversidade, daí a presença

10
As informações sobre The SCAR Project foram retiradas do site http://www.thescarproject.org/ e de vídeos
encontrados na internet, entre eles partes do documentário Baring at All, e podem ser vistos em
https://vimeo.com/63853659 e https://vimeo.com/29635737 (acessado em 15/01/2016).
24

em TSP de mulheres negras, asiáticas, cadeirantes, sem apresentar o ideal de magreza


postulado.
Sem fazer concessões, as imagens realizadas por David Jay não simulam uma
conciliação harmoniosa para uma vida após o câncer nem alimentam o tom da tragédia. Antes,
expressam o que seria uma experiência possível com corpos que foram modificados, corpos de
mulheres jovens que não respondem ao padrão de beleza e juventude que deles se espera, mas
que continuam sendo corpos humanos, sensíveis, habitados.
O preto e branco que predomina nas fotografias fortalece essa intenção, assim como o
subtítulo do projeto que afirma: “O câncer de mama não é um laço rosa”. Para o idealizador do
projeto, o laço rosa diria pouco sobre a realidade da mulher mastectomizada e os desafios que
seu corpo enfrenta cotidianamente após um câncer de mama11. O próprio fotógrafo afirmou que
o projeto pretende ser um “apelo à realidade” para que as mulheres possam dizer “sim, isso é
terrível, mas isso sou eu e eu estou orgulhosa, e eu sou uma mulher e estou viva”.
A recusa à hegemonia do discurso da felicidade, superação e bom humor se faz notar
por rostos cujo sorriso é discreto - poucas trazem um sorriso aberto – ora acompanhado de uma
lágrima, marcado pela gravidade. O corpo revelado não é da ordem do ordinário, mas do
excepcional – que se postula como outra possibilidade de ordinário. Neste sentido, as imagens
não evitam o choque ou reproduzem um ideal de superação, como explicitado no projeto DPA.
Ao contrário, sua intenção seria retratar as mulheres em momentos que expressem seus
sentimentos, e neste sentido ele alerta:

Não há muitas imagens das mulheres sorrindo ou gargalhando porque não seria honesto. Não
é exatamente desse jeito que elas se sentem com relação a sua situação. Eu não acho que elas
acordam pela manhã, olham no espelho e dizem ‘Ual! Isso é fantástico! Olhem pra mim!’,
embora eu gostaria que elas o fizessem.

Percebe-se aqui a intenção de capturar aquele momento que revelaria uma verdade
interior da pessoa, expressa pela externalização de emoções que fariam parte da experiência
com a doença e não se resumem a uma sequência cronológica bem definida na qual a superação
significaria o afastamento total da dor, do medo, da revolta ou da incerteza em relação ao câncer
e as transformações corporais que ele produz.
Depois de nove anos de início do projeto, Jay continua a fotografar as mulheres que o
procuram e em alguns casos vai até elas, como ocorreu em 2014, quando o projeto chegou ao

11
No entanto, a mostra brasileira do projeto aconteceu dentro das atividades do Outubro Rosa da cidade de
Niterói.
25

Brasil12. A visita do fotógrafo e a montagem da exposição no país foi possível graças ao


empenho de duas organizações não governamentais, a Fundação Laço Rosa e a Niterói Mais
Humana, em articulação com a prefeitura e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC).
De acordo com informações do catálogo da exposição, duzentos perfis de internet foram
analisados, dez foram selecionados e enviados para o fotógrafo que escolheu quatro mulheres
brasileiras para fazerem parte da exposição internacional. Todas vivenciaram o câncer de mama
antes dos 40 anos.
Os relatos das mulheres que acompanham as fotos do catálogo não seguem uma ordem
cronológica tão rígida, que se inicia pelo desespero do diagnóstico e acaba com a superação.
Esta última parece ser um processo ainda em curso, constantemente relembrado pela cicatriz e
os desafios colocados por esse novo corpo, que continua a se afirmar como um corpo de mulher:
Quando me vi sem minha mama pela primeira vez, senti um vazio em mim, vergonha do meu
corpo, da minha cicatriz. Meu namorado (que eu conheci um mês antes da minha recidiva),
me apoia em todo o tratamento e nunca deixou de sentir desejo por mim por eu estar sem a
mama e sem os cabelos, e ajudou a me aceitar daquela forma e assim continuei me achando
bonita sem mama e sem cabelos. (...) A experiência de participar do SCAR Project foi
realmente emocionante, estar mostrando a cicatriz da minha luta contra o câncer é como estar
dizendo para doença ‘VOCE PERDEU CÂNCER, 2X0 PARA MIM E EU ESTOU AQUI
VIVA MOSTRANDO QUE MAIS UMA VEZ SOU MAIS FORTE QUE VOCÊ’ (p. 3,
grifos no original).

Com 38 anos, eu ouvi um médico dizer que eu só tinha 10% de chance de continuar viva. Foi
muito difícil. Eu tinha um bom emprego, um relacionamento sonhando com as crianças, tudo
perfeito. Tudo mudou. Uma doença terrível e um diagnóstico terrível (...) E então tudo
começou...Cirurgia, quimioterapia, radioterapia...Dias de cama, sem cabelos, unhas, dor.
Dois anos depois, o namorado se foi, minha posição profissional parou, mas eu recebo uma
nova vida da qual (sic) eu dou muito valor. Eu tenho muito orgulho de estar no The SCAR
Project e mostrar minha cicatriz (p.9).

As imagens disruptivas da mostra, em sua crueza e intensidade, exigem outros sentidos


para palavras como “beleza”, “guerreiras” e “coragem” que se fazem presentes também aqui, a
exemplo dos outros materiais analisados. Em TSP esses termos se constroem alinhados com a
noção de “verdade”, nos remetendo ao apelo original da fotografia como uma ferramenta capaz
de capturar o real, neste caso, a realidade do câncer de mama e suas consequências não
evidenciadas em outras campanhas. O texto que fecha o catálogo da exposição, de autoria do
curador e diretor do MAC, anuncia a junção do belo com a verdade como meio de construir
outras narrativas sobre o câncer de mama, e até mesmo sobre o campo da arte moderna:

12
Para mais informações sobre a edição brasileira do projeto ver
https://www.youtube.com/watch?v=mDM9VwQeCNs (acessado em 15/01/2016).
26

O que significa expor em um museu de arte contemporânea essas mulheres de luz e carne?
O quanto essa exposição desafia os valores do belo, da vida e da arte dominantes nos dias de
hoje? (...) Todas essas mulheres são musas, guerreiras ou amazonas que nos olham com muita
dignidade como deusas encarnadas de uma outra beleza. À primeira vista, os rostos jovens
e serenos contradizem as cicatrizes e ausência dos seios, causando um estranhamento
desorientador. Sem saber o que dizer diante delas, se escuta ainda seus pedidos ao silêncio
que emerge de suas insígnias como intuição palpável do que subjaz inexorável à iniciação e
condição humana. Para todas em cada uma delas, uma imprevisível resposta do destino à
vontade de potência de superação, do Amor Fati que transcende a fragilidade da existência,
enquanto é revelada a mais profunda beleza quando indissociável da verdade
(VERGARA, 2014, p. 18-19, grifos nossos).

As imagens de TSP foram originalmente produzidas em uma sociedade onde os seios


fartos são um fetiche. Ao mostrar mulheres jovens com peitos planos, próteses e cicatrizes, o
projeto desafia esse modelo de corpo enaltecido pelo senso comum norte-americano. O mesmo
se dá no contexto brasileiro, em que o corpo feminino é permanentemente exposto e os seios
adquirem proeminência a partir de um determinado modelo de beleza e feminilidade.
Essas imagens perturbadoras colocam em evidência as ambiguidades e tensões que tais
discursividades sobre o câncer de mama, possíveis entre tantas outras, engendram. Por um lado,
observamos a preponderância do discurso da superação, do bom humor e da autoestima,
presente nas três experiências, ainda que com formas e intensidades distintas. Identificado com
grande força em especial nas narrativas mediadas institucionalmente e nos blogs, eles
expressam, por um lado, um discurso que exalta a felicidade, promovendo o apagamento dos
momentos difíceis. Trazem consigo ainda a afirmação de um padrão de corpo e beleza
heteronormativos, que exalta a juventude e é circunscrito a determinados estratos sociais. Ao
mesmo tempo, tal discurso é recorrentemente acionado como uma possibilidade legítima de
lidar com o sofrimento diante da experiência com a doença, uma estratégia dita por muitas como
fundamental ao longo deste processo. Essas narrativas produzem certos modelos que vão ecoar
em determinadas pessoas, mas impedir que algumas outras emerjam, dificultando, muitas
vezes, as possibilidades de identificação e reconhecimento de outras experiências de sofrimento
ligado à morte, à mutilação e à exposição do corpo diferente, o que é sinalizado nessas imagens
dissonantes. Isso nos permite ver os limites e possiblidades de cada uma delas, desvelando a
complexidade desta experiência.

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