● Apesar do intenso alastramento da doença, considerando-se o contexto de epidemia
e que o vírus já havia se tornado um problema de saúde pública, no filme, é notória a ausência não apenas da disponibilização de verbas, mas também da preocupação, ainda que seja mínima, por parte de autoridades que ocupavam cargos relevantes para além do contexto da comunidade LGBT. Uma fala marcante foi a de um ativista da causa, que gozava de certa autoridade em meio ao grupo, ao afirmar que se a doença estivesse acometendo “crianças e virgens”a grande mídia internacional já teria voltado seus olhos a ela e as autoridades estariam mobilizando-se de forma contundente para enfrentá-la. Logo, fica implícito que, no jogo politico, principalmente no que diz respeito a disponibilização de verbas públicas à pesquisa, a maior preocupação era sim a autopromoção, salvas as exceções, e faz-se o que gera mídia. Dessa forma, torna-se relevante o fato de que, apesar de, na cidade de São Francisco e naquele contexto, a causa LGBT estivesse adquirindo notoriedade, com passeatas, manifestações, a estruturação de uma comunidade organizada e as ‘saunas’, apontadas como símbolos de ‘liberdade sexual’, o preconceito ainda dominava grande parte da população, bem como o desconhecimento, o que foi demonstrado em muitos momentos da obra. Ainda que se sentissem livres para se expressarem em muitas questões, o medo e insegurança eram marcas constantes, o que tornou-se ainda mais expressivo após o avanço de uma doença que, de certa maneira, poderia dar respaldo aos que se opunham ao movimento, baseando-se em argumentos, obviamente, infundados. Por tanto, é notório que, ainda que o grupo de protagonistas tenham iniciado a pesquisa logo quando apareceram os primeiros casos, grande parte dos recursos vieram da ‘iniciativa privada’, de pessoas que faziam parte do contexto homossexual e não apenas conheciam a fundo como também se sentiam ameaçados pela doença, ou de indivíduos que tiraram proveito da epidemia para a autopromoção. Apenas quando esta ultrapassou a ‘comunidade gay', imigrante e socialmente vulnerável, o governo do país realmente se mobilizou contra seu avanço. ● Tornam-se muito claras as semelhanças com o atual contexto na medida em que os lucros da indústria médica e farmacêutica ainda são tratados com prioridade em relação às vidas que poderiam ser salvas por meio de um medicamento, pesquisa ou conduta médica eficiente. Os exemplos são claros, trazendo para um contexto brasileiro, pode se citar a indústria obstétrica, que pressiona as gestantes a optar pela cesariana ao invés de realizarem seus partos por vias naturais. De acordo com o CRM MG, que divulgou pela ‘tabela SUS’ o valor revertido ao profissional médico por cada procedimento, a quantia paga a um obstetra por um ‘parto normal’, pelo SUS, varia de 90,00 a 130,00 reais, enquanto isso, no caso da cesariana, esse valor sobe para 828,40 reais, a consequência dessa discrepância é que o Brasil é o segundo país onde, proporcionalmente, mais se realizam cesáreas em todo mundo, segundo o Jornal da USP, ainda que a OMS recomende que apenas 15% dos partos devam ser realizados de forma não natural, considerando os riscos e vantagens para a mulher e o bebe. Tal fato confirma que a medicina tem se tornado cada vez menos pautada no bem estar do paciente, mas no retorno financeiro. No filme, um dos donos de uma sauna, que poderia ter sido local de dispersão do vírus da AIDs na cidade, chega a ser questionado sobre sua consciência em relação às vidas perdidas em decorrência de terem tido relações sexuais naquele espaço, e logo responde que, além de não ser responsável por como seus clientes ‘saem de lá’, o que importa são os ganhos, ameaçando os agentes de saúde que, como medida sanitária, almejavam interditar o local. Tal fato demonstra que, mesmo conhecendo as causas da comunidade LGBT, estando inserido no contexto homossexual e familiarizado com a situação de calamidade pelo alastre descontrolado da doença, o lucro foi o que determinou sua postura. Logo, não era de se esperar que no banco de sangue, ambiente burocrático, corporativo e gerador de lucros bilionários, ou com o próprio pesquisador que chefiou a pesquisa e falava publicamente em nome do centro de saúde, fosse diferente. ● Ainda que estivessem, de modo geral, extremamente determinados a encontrar formas de frear a epidemia e respostas acerca do caráter do fator epidemiológico em questão, a burocracia e falta de verbas continham o avanço dos resultados. Inicialmente, é válido ressaltar, que desde o início do filme é reforçado o quão antiquado, pequeno e pobre em recursos era o laboratório disponível, tal contexto contrastava com a competência dos profissionais envolvidos, com métodos e teorias brilhantes, além de currículos extensos e experiência internacional. Ainda que, ao longo da obra, os poucos recursos adquiridos fossem convertidos em melhorias estruturais, as condições físicas não eram favoráveis ao avanço das pesquisas. Além disso, o fator humano, que ia desde a falta de colaboração por parte de certos pacientes, até os limites políticos da divulgação de informações e buscas por respostas, foi extremamente limitante para os pesquisadores. Ainda que alguns, como o próprio protagonista, questionassem esse sistema, nem sempre as reações da comunidade eram contidas, esclarecidas e favoráveis ao que ele, com respaldo científico, afirmava. Um exemplo foi na reunião em que ele sugere o fechamento das saunas homossexuais, o que é visto pelos frequentadores, indivíduos já fragilizados por um sistema que constantemente busca reprimir sua sexualidade, como uma sanção à suas próprias liberdades, o que gera confusão e acaba não surtindo o efeito esperado pelo médico. Outro fator era a indústria médica e farmacêutica, que pouco colaborou com a causa, diretores de hospitais questionavam os doutores que se dispunham a tratar casos da doença ainda não reconhecida, o chefe do departamento de infectologia do centro de saúde da cidade nao divulgava informações consistentes ainda que já as tivessem obtido e os chefes do banco de sangue se recusavam a fornecer informações. Concluindo, indiscutivelmente o corporativismo e as disputas de poder foram obstáculos no que tangia a contenção da epidemia ● Os pesquisadores estiveram, desde o princípio, extremamente comprometidos em adquirir resultados consistentes e a partir de métodos verificáveis, pode-se observar tal conduta em vários momentos, como quando eles se reúnem para discutirem os casos e apresentarem seus resultados entre si e explicitam o que é teoria e o que já foi comprovado, a partir da estratégia de dizerem que "sei e provo" ou apenas "sei". Além disso fica claro o empenho dos mesmos ao ir atrás dos pacientes ou indivíduos assintomáticos, que nem sempre colaboravam, traçando o perfil da doença e do ciclo de contaminação. Apesar da dificuldade inicial, visto que se tratava de uma nova patologia, que vitimava um grupo aparentemente aleatório e logo se alastrou para outros, mas ainda sem se conseguir determinar um padrão que os ligasse em algum sentido, os cientistas se comprometeram a desempenhar seu papel de forma favorável à contenção da epidemia e de acordo com o método científico, exigindo comprovações a cada fase. ● Os médicos, por não conhecerem as formas de contaminação ou tratamentos eficientes, deviam ser ainda mais comprometidos ao tratar seus pacientes, visto que o que estava em pauta não era apenas o avanço da patologia em um indivíduo em específico, mas sim a reunião de informações que poderiam ser úteis para conter um problema de saúde público. Por exemplo, considerando o aspecto social da doença, quando era considerada o "câncer gay", era importante que os médicos já não inferissem que a relação sexual homossexual seja o veiculo de transmissão, já que, posteriormente, descobriram-se outros inúmeros fatores de contaminação, outro fator era que, considerando tratar-se de uma IST, fazia-se necessário conversar, questionar e adquirir a confiança dos pacientes, para que assim pudessem entender como e em que momento ocorreu a contaminação, fornecendo dados aos pesquisadores. Outro fator era o enfrentamento do estigma que circundava, e em certa medida ainda circunda, a condição, no filme são muitas as cenas em que médicos sofrem pressões por parte de seus diretores e administradores por tratar pacientes que portavam a doença ou mesmo permitir que as pesquisas ocorressem no ambiente hospitalar. ● Os pesquisadores tiveram papel mais do que relevante no que tangeu o mapeamento da doença, ainda que estivessem um pouco desconexos do contexto psicossocial que circundava o avanço da condição, como quando um dos pesquisadores comparece a uma reunião da comunidade LGBT a cerca da possibilidade de fechamento das chamas "saunas" e, ao perceber um grupo totalmente reativo, desconfiado e contrário as recomendações trazidas por ele afirma a uma colega, já envolvida com a comunidade, que "não entende" e ela o chama atenção para o fato de que eles se encontram assustados. Apesar disso, em muitos momentos torna-se evidente que o comprometimento dos cientistas com a causa ia além do profissional, eles atravessavam madrugadas, faziam contatos e iam atrás de verbas por si próprios. Foi essa postura que os encaminhou para o sucesso e descobertas contundentes.
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