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Isadora Miranda Ribeiro Reis- C1

“Clube de compras dallas” é um filme baseado em fatos reais, tendo como enfoque a
vida de Ron Woodroof, um eletricista do Texas que, após um acidente no trabalho,
recebe o diagnóstico de AIDS, com o médico dando cerca de 30 dias restantes para ele.
Haja vista se tratar de um período na história no qual a associação feita entre a AIDS e o
homossexualismo era muito grande, Ron, sendo extremamente machista e homofóbico,
entrou em negação sobre seu diagnóstico. Mas, ele logo parte para investigar sobre sua
condição e tratamentos existentes. A partir daí, o personagem entra em uma jornada que
explora os aspectos mais obscuros do tratamento disponível nessa época. Inicialmente,
ele faz uso de uma droga que estava em teste, o AZT, a partir da compra ilegal com um
membro do hospital. Os órgãos farmacêuticos envolvidos na testagem relatavam grande
eficácia, mas, após ele ir para o México em busca de AZT, descobre como essa
medicação era tóxica, além de começar a se tratar com um coquetel que conseguia
aumentar a expectativa de vida dos pacientes. A partir daí, Ron também passa a
importar o coquetel para vender nos EUA, criando o “clube de compras”, no qual os
pacientes pagavam uma mensalidade para receber seus medicamentos mensalmente.
No filme, pode-se observar a deficiência dos profissionais e do sistema médico
relacionada a ignorância e preconceito em relação a AIDS nos anos 80(como quando o
médico pergunta se Ron teve relações sexuais como homens, como se isso fosse fator
essencial e como simplesmente diz que ele vai morrer em 30 dias), o que resultava em
uma falta de diálogo, esclarecimento e acolhimento entre médico-paciente, que, em
conjunto com a obscuridade do período, resultava em serviço deficiente e desumano,
com tratamentos ineficazes, que visavam os benefícios da indústria farmacêutica e não o
bem estar dos doentes- os tratando mais como cobaias do que como humanos.
Quando trazemos esse filme para a realidade atual, embora possamos reconhecer a
evolução, tanto na superação de estigmas, no conhecimento e especialmente no
tratamento da doença- além da superioridade do serviço público brasileiro, comparado
ao dos EUA, jamais podemos dizer que a situação é positiva. Primeiro, o estigma em
relação a pacientes portadores de HIV, embora tenha diminuído, continua imenso
mesmo no meio médico atual, afinal, não é difícil encontrar médicos que não querem
contato com esses pacientes. Muitos afirmam ser por “medo de pegar”, mas o HIV não
é a única doença grave que o contato com sangue, pode levar a contaminação, mas é
uma das doenças que mais “assustam” profissionais, mostrando que, na verdade, boa
parte desse medo advém do preconceito que permeia essa doença. Ademais, a
ignorância em relação a AIDS ainda é muito prevalente socialmente. Os anos 80 foi
uma época muito recente, então, muitos indivíduos preconceituosos desse período, se
não continuam vivos, passaram para a próxima geração familiar esses estigmas- como
os que associam homossexualidade e “promiscuidade” com o HIV. Outrossim, mesmo
que se tenha a impressão que o conhecimento sobre a AIDS seja bem propagado, temos
que lembrar que essa instrução não alcança todas as camadas populacionais. E, mesmo
no meio de pessoas com elevada escolaridade, muitas vezes o preconceito está tão
enraizado que nem o conhecimento é capaz de neutralizá-lo. Afinal, como citado acima,
mesmo profissionais de saúde- que se espera maior esclarecimento sobre o assunto,
ainda mantém julgamentos estigmatizantes sobre a AIDS. Em segundo lugar, os
preconceitos presentes em relação a AIDS, como, por exemplo, em relação a população
LGBTQIAPN+, não estão presentes só nessa doença. Além do preconceito, dentro e
fora da faculdade, há enorme despreparo para lidar com essa parcela da população, o
que acarreta em uma enorme dificuldade de traçar um diálogo/conexões empáticas e de
estabelecer planos terapêuticos efetivos, resultando em uma dupla negligência(social e
instrumental) na saúde desses indivíduos.
A obra, além de ser um excelente filme, retrata importantes fatores que muitos filmes
sobre medicina deixam passar. O fato de ter trazido como destaque uma pessoa que não
é homossexual com o diagnóstico de AIDS nessa época é algo extremamente
importante, pois, mesmo que já se saiba que a população LGBTQIAPN+ não foi a única
afetada, muitos filmes que retratam os anos 80 tendem trazer muito mais destaque para
essa parcela da população ou profissionais do sexo como vítimas do HIV. Além disso,
ele trouxe destaque às práticas desumanas da FDA- que transformou os doentes em
cobaias de uma droga com poucos testes e tentou barrar um tratamento eficaz em prol
do que eles testavam, mesmo que a medicação fosse extremamente ineficaz, mostrando
que, para a indústria farmacêutica, a vida humana é apenas um meio de conseguir
dinheiro- Algo que Ron proclama diversas vezes durante o filme. Também é
interessante ver a realidade do sistema de saúde estadunidense no filme e as diversas
violências sociais presentes, como ocorre com Rayon, uma mulher transexual - em
diversas cenas ela apresenta hematomas e machucados, além de também sofrer
violência simbólica, quando, por exemplo, um ex amigo de Ron não quer apertar sua
mão.
É importante também trazer o papel de Dra. Eve, uma médica que se destacou ao
destoar dos outros médicos presentes no hospital que trabalhava. Acredito que ela traz
consigo as características que o componente curricular preza, sendo uma médica que a
todo momento procurava se comunicar com seus pacientes, e, diferente dos outros,
escutava o que eles tinham para dizer. A médica enfrentou enorme dilema durante o
filme, pois suas ordens eram de administrar o AZT, e, implicitamente, de “fechar os
olhos” para seus malefícios, em prol do “negócio” (como seu chefe disse após a
reunião) fechado com o hospital que trabalhava. Ela, diferente dos outros, não estava
apenas preocupada em “achar a cura”- Dra. Eve prezava o bem estar dos seus pacientes.
Porém, questionar as ordens poderia levá-la a ter sua carreira prejudicada, o que deixou
em um estado de dúvida e angústia durante boa parte do filme, até ela reunir coragem,
depois da perda de sua amiga, para fazer o que achava certo, resultando em um pedido
de demissão. Esse dilema é o que me fez refletir mais sobre meu papel como futura
médica, pois é possível que uma situação na qual agir em prol da ética e saúde dos meus
pacientes pode ir de encontro com ordens superiores. Em um filme, vendo de fora, é
mais fácil tomar a posição correta, mas, quando for o momento de nós tomarmos essa
decisão, não será algo tão simples, afinal, podemos ter nossa carreira e sustento, ou seja,
nossa vida(e a vida da nossa família) em jogo, o que torna necessário uma grande
maturidade para saber qual a forma mais eficaz de agir. A reflexão que essa situação
trouxe é extremamente importante, pois nos permite refletir o que faríamos e
amadurecer nossa visão da medicina de forma precoce, antes de passarmos por alguma
situação do tipo.
Em suma, "Clube de Compras Dallas" é uma obra que todos os estudantes da área de
saúde deveriam assistir, pois permitem o acesso a camadas da medicina que o conteúdo
em sala de aula sozinho jamais poderia apresentar com tanta sensibilidade e
profundidade.
Referências:
VALLÉE, Jean-Marc. Clube de Compras Dallas. Direção de Jean-Marc Vallée.
Lionsgate, 2013. 1 DVD (117 min). Gênero: Drama.

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