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Amael Oliveira1
INTRODUÇÃO
pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil no ano de 2014, correspondendo a uma prevalência de
0,4%. Na população de 15 a 49 anos, a prevalência é de 0,6%, sendo 0,7% em homens e 0,4%
em mulheres. Entre os jovens de 17 a 21 anos do sexo masculino, a prevalência estimada em
2007 foi de 0,12% e 1,2% nos homens que fazem sexo com homens (HSH) da mesma faixa
etária. Em Sergipe, de 1980 a 2014, foram registrados 3.827 casos da doença. (BOLETIM
EPIDEMIOLÓGICO, 2014)
por algum desses patógenos, o paciente será encaminhado para atendimento
médico especializado na própria unidade. Em média, mensalmente são
realizados 300 atendimentos.
Já área especializada no acompanhamento dos portadores de HIV, é
composta por uma equipe multidisciplinar com 8 infectologista, obstetra e
ginecologista, dentista, psicólogo, nutricionista, assistente social e enfermeira,
além de técnicos e recepcionistas. Na mesma ala, fica localizada a farmácia da
unidade que fornece, gratuitamente, os medicamentos do coquetel
antirretroviral. Atualmente são distribuídos 21 medicamentos, classificados, de
acordo com ação no organismo, em cinco tipos.
De acordo com a infectologista C. P4., que trabalha no local há 4 anos, em
média 12 pacientes são atendidos por médico. Todo o atendimento, segundo a
especialista, segue os protocolos do Ministério da Saúde para o acolhimento dos
portadores do vírus, que precisam periodicamente retornar à unidade para
realizar os exames de contagem dos linfócitos T CD4+ e da carga viral, que são
indicadores da progressão da infecção no organismo.
Segundo a especialista, o maior problema enfrentado pelo profissional de
saúde é convencer o enfermo a aderir ao tratamento. Conforme explica C. P., a
maioria dos pacientes desistem, faltam às consultas de retorno, o que demanda
um trabalho em conjunto com a Vigilância Epidemiológica, que liga para
reagendar os atendimentos.
Quando questionada sobre a relação entre a doença e o público gay, a
infectologia afirmou que ainda é persistente a alta incidência entre a população
homossexual, em especial na dos homens que fazem sexo com homens (HSH),
nomenclatura adotada pelo Ministério da Saúde para se referir à parcela da
população formada por homo e bissexuais. Contudo, destacou também que, nos
últimos anos, tem sido observado um aumento na incidência da doença na
população acima dos 50 anos, que tradicionalmente não tem a prática de fazer
sexo com o uso de preservativos.
A opinião da infectologista vai ao encontro da pesquisa de Jorge Beloqui
(2008, p. 442), que afirma também ser o grupo dos HSH mais vulneráveis à
contaminação. Para o pesquisador, as causas dessa vulnerabilidade podem
4 O nome da profissional foi omitido para preservar sua identidade e seu direito à imagem
e expressão.
incluir uma prevenção inadequada para a infecção pelo HIV no passado, o
diagnóstico tardio, por negação ou por falta de orientação adequada de saúde,
e o fato de essa epidemia ser mais antiga na população HSH.
Beloqui (2008, p. 442) destaca, entretanto, que dentro do grupo HSH há
subgrupos que apresentam diferenças no que se refere ao risco relativo de
contaminação. Nesse contexto, o risco relativo para homossexuais exclusivos
tem apresentado trajetória decrescente em todos os locais analisados na
pesquisa, o que não é observado para o grupo dos bissexuais que tem risco de
desenvolver Aids até 15 vezes superior àquele dos heterossexuais.
Apesar de se observar uma tendência de diminuição do número de casos
de Aids na população HSH e o aumento na população heterossexual, o
pesquisador é enfático ao afirmar que o estigma sobre a população HSH
permanece. “Iniciativas publicitárias voltadas à diminuição da discriminação em
relação a HSH têm sido censuradas, o projeto de lei de união civil não é votado
e os HSH são proibidos de doarem sangue”. (BELOQUI, 2008, p. 438-439)
Ainda que reconheça a inexistência de grupos de risco, a infectologista do
TAC afirmou, contrariando a pesquisa citada acima, que a elevada incidência da
doença entre os HSH se deve a um “comportamento de risco”, caracterizado
pelo hábito descuidado de manter relações sexuais com múltiplos parceiros,
escolhidos sem um critério seletivo.
Na declaração da profissional, embora fundada em sua experiência,
podem ser observados resquícios do estigma e de uma determinada opinião
preconcebida acerca das relações homoafetivas, disseminada em alguns
círculos sociais, notadamente entre segmentos religiosos conservadores. Essa
postura pode ser questionada sobre vários aspectos.
O primeiro ponto a se levantar é que esse tipo de argumento fundamenta-
se numa concepção de que a vítima, o infectado, é diretamente responsável pelo
seu flagelo. Isto porque, a Aids está associada, desde o seu surgimento na
década de 80, a práticas sexuais desviantes, vistas como pecaminosas pelo
pensamento cristão. Homens que fazem sexo com homens, trabalhadores do
sexo e usuários de drogas são os alvos históricos da utilização da doença como
argumento moralizador. Além disso, como explica Perlongher (1987, p. 9), “o
horror dos corpos que adoecem e morrem parece se tornar mais pavoroso
quando se adivinha, na origem das contorções da agonia, os espasmos do
gozo”.
O segundo ponto a se discutir acerca dessa posição é a lógica simplista
em que se baseia esse tipo de argumento, posto que estabelece uma relação
inapropriadamente racionalista ao comportamento, como se cada indivíduo
calculasse e decidisse suas ações numa esfera de relação entre os riscos e os
ganhos de sua atitude. Dentro dessa lógica, como a Aids não tem cura, o risco
seria maior que os ganhos, fazendo com que o indivíduo adotasse
automaticamente uma atitude prudente.
Talvez uma das “lições” mais importantes dadas pela epidemia da Aids
é a desmistificação de que a aquisição de informações implicaria
automaticamente uma mudança de comportamento. Essa concepção
está baseada numa forma racionalista e “economicista” de pensamento,
ao considerar que os indivíduos definem suas práticas a partir de um
cálculo racional entre “ganhos” e “perdas”. (KNAUTH; GONÇALVES,
2006, p. 92)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS