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O Modelo biocultural

As causas da mortalidade provocada por SIDA identificadas de acordo


com o modelo teórico bio-cultural
Sumário:

1. O modelo biocultural como instrumento de análise do padrão de mortalidade


observado nas populações.

2. As causas da mortalidade provocada por SIDA nas populações dos Estados


Unidos da América e da África do Sul.

Bibliografia:

HIV data and statistics disponível em https://www.who.int/teams/global-hiv-


hepatitis-and-stis-programmes/hiv/strategic-information/hiv-data-and-statistics
Na Antropologia Biológica e na Antropologia
Médica, a saúde e a mortalidade podem ser
estudadas à luz do modelo bio-cultural.

O modelo bio-cultural é um modelo teórico


que analisa os acontecimentos biológicos, tais
como a doença e a morte, observados nas
populações humanas como o resultado
biológico de processos sociais e culturais
(Bogin, 2001).
O termo “saúde da população” é "A saúde de uma população é medida por indicadores de estado
relativamente recente. Começou a ser de saúde e influenciada por ambientes sociais, económicos e
utlizado no Canadá e nos EUA e ainda não
físicos, práticas pessoais de saúde e estratégias de coping,
está definido com clareza. Pode ser
biologia humana, desenvolvimento da primeira infância e
considerado um conceito ou uma área de
serviços de saúde.
estudo. Como área de estudo foca-se nos
Como abordagem, o estudo da saúde da população centra-se na
determinantes da saúde.
identificação de fatores e condições que influenciam a saúde das
A saúde da população pode ser analisada e populações ao longo da vida e aplica o conhecimento resultante
quantificada de muitas maneiras possíveis, no desenvolvimento e implementação de políticas e ações para
uma delas é a mortalidade. melhorar a saúde e o bem-estar dessas populações”.
A mortalidade tem sido considerada a
medida mais objectiva e fiável da saúde da Evans R, Barer M, Marmor T. Why Are Some People Healthy and Others Not? The
Determinants of Health of Populations. New York, NY: Aldine de Gruyter; 1994
população (Edwards, 2008).
As causas próximas estão relacionadas com as
doenças e outros riscos de morte a que as
pessoas estão sujeitas. Estas causas estão
associadas a processos internos, intrínsecos a
Mortalidade cada indivíduo, tais como, a sua constituição
nas populações genética, o seu status nutricional ou a
vulnerabilidade do seu sistema imunitário aos
humanas agentes patogénicos.

As causas últimas são externas aos


Causas Causas
indivíduos e estão relacionadas com a
Próximas Últimas qualidade do ambiente físico e do ambiente
social e cultural do local onde vivem.
SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) é o
nome usado para descrever uma série de infecções e SIDA = Síndrome da
Imunodeficiência
outras doenças, potencialmente fatais, que acontecem Adquirida

quando o sistema imunológico foi severamente


VIH = Vírus da
danificado pelo vírus VIH. A SIDA não pode ser Imunodeficiência
Humana
transmitida de uma pessoa para outra, mas o vírus VIH
pode.
O vírus VIH ataca e destrói o sistema imunitário do organismo, isto
é, destrói os mecanismos de defesa que protegem o corpo de
doenças, nomeadamente, os linfócitos T CD4.

Existem dois tipos de VIH: o VIH-1 e VIH-2, sendo o primeiro o mais


frequente em todo o mundo.

No ano 2021 existiam no mundo 38,4 milhões de pessoas


infectcadas por VIH.

• https://www.sns24.gov.pt/tema/doencas-
infecciosas/vih/
Prevalência da infecção por VIH no mundo, em
2008
Prevalência da infecção por VIH na Europa, em
2011.
O número de infectados é diferente em diferentes
populações de diversas partes do mundo.
A SIDA começou a ser conhecida na década de 80 do século XX como uma doença perigosa incutindo o
medo dos infetados, bem como daqueles que eram suscetíveis de apanhá-la. Desde o início da pandemia,
em 1981, 78 milhões de pessoas contraíram a doença e 35 milhões morreram de causas relacionadas com
a SIDA.

Embora as suas verdadeiras origens sejam incertas, acredita-se que o VIH tenha surgido na República
Democrática do Congo, por volta de 1920, quando transitou de chimpanzés para humanos. Embora
existam casos documentados anteriores a 1970, o VIH/SIDA tornou-se o foco da saúde pública no início dos
anos 80.

Porque é que o HIV/SIDA se espalhou tão rapidamente num tão curto espaço de tempo? O caso da
população dos Estados Unidos da América (EUA) e da África do Sul.
A disseminação da doença nos EUA pode ser explida por diversos factores:

Primeiro, houve uma grande mudança nas normas culturais.

Depois dos motins de Stonewall de 1969, quando os homossexuais lutaram contra uma repressão
policial num bar em Greenwich Village, em Nova Iorque, o ativismo gay explodiu por todo o país.
O ativismo social tornou-se mais proeminente, em geral. Além disso, com a comercialização da
pílula contraceptiva, a legalização do aborto e os antibióticos que permitiram controlar muitas
doenças sexualmente transmissíveis, os riscos para a saúde de todas as formas de actividade
sexual pareciam mais pequenos do que nunca.
Mas esta atitude mudou rapidamente. Uma manifestação homofóbica durante o

No verão de 1981, o US Center for Disease Dia do Orgulho Gay em Nova York, 29 de

Control and Prevention (CDC) reportou os junho de 1986. Os manifestantes

primeiros casos de uma pneumonia rara em seguram cartazes que dizem "Deus te

jovens homossexuais. Este relatório marcou o ama, mas não o teu pecado!" e

início da epidemia de VIH/SIDA. O New York "Homossexualidade - é uma violação da

Times também publicou o primeiro artigo vontade de Deus". (Foto: Barbara

sobre casos de VIH/SIDA intitulado: "Cancro Alper/Getty Images)

raro visto em 41 homossexuais". Esta é a


primeira vez que "cancro gay" entra no léxico
público.
Segundo, a doença foi atribuída a um grupo de risco, o dos homossexuais.

Em 1982, os casos de SIDA espalharam-se pelos EUA. Os primeiros casos foram relatados em África e na
Europa. Os profissionais de saúde e os meios de comunicação social referiam-se à doença como "deficiência
imunitária dos homossexuais“ colocando um estigma em torno da homossexualidade.

À medida que mais pessoas na comunidade gay foram diagnosticadas com a doença, maior se tornava o
preconceito. Ativistas homofóbicos argumentaram que a homossexualidade era a única razão para a
propagação da doença. Esta ideia foi ampliada pelos meios de comunicação.

O estigma levou a atitudes negativas em relação aos homossexuais e, consequentemente, muitas pessoas
não reconheceram a gravidade da doença por considerarem estar confinada ao grupo dos homossexais, o
único grupo de risco.
Em setembro de 1982, o CDC reconheceu oficialmente a doença como SIDA (síndrome da deficiência imunitária
adquirida) chamando-a de "uma doença moderadamente preditiva com efeito na imunidade mediada pelas células
T (…)".

Terceiro:

Quando a epidemia começou, o número de casos aumentou rapidamente nos EUA, mas muito poucas medidas
foram tomadas para pôr termo à epidemia, uma vez que o Presidente Reagan se recusou a reconhecer que o
VIH/SIDA era um verdadeiro problema de saúde pública. Na verdade, ele só usou a palavra "SIDA" em público em
1985 — 4 anos após o início da epidemia.

Como a Administração Reagan permaneceu em silêncio sobre o assunto, o povo americano também. O HIV/SIDA foi
“varrido para debaixo do tapete”, mas continuou a espalhar-se. O silêncio dos mais altos funcionários do governo
contribuiu para adiar o tratamento da doença e também contribuiu para o aumento da intolerância aos
comportamentos homossexuais. O resultado foi a disseminação da doença sem investimento na prevenção, no
diagnóstico e nos meios de tratamento.
Em 1985, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS) e a Organização
Mundial de Saúde (OMS) organizaram a primeira Conferência Internacional contra a SIDA
em Atlanta. Neste ano, os Países Baixos implementaram o primeiro programa de eliminação
de agulhas e seringas para combater a propagação do VIH/SIDA através da partilha de
agulhas e a American Foundation for Aids Research (AMFAR) foi fundada depois do ator
Rock Hudson ter morrido de SIDA e de ter deixado 250 mil dólares para a fundação.
No final de 1986 — apenas cinco anos após o primeiro caso relatado — 85 países tinham
reportado à OMS 38 401 casos de SIDA. Neste ano, pelo menos um caso foi relatado em
todas as regiões do mundo. A rápida propagação da doença levou a que o VIH/SIDA fosse a
primeira doença debatida na Assembleia Geral da ONU, onde se deliberou juntar esforços
para combater a SIDA ao nível global.
O primeiro tratamento para a SIDA surgiu em 1987 e permitia, somente, atrasar a acção do vírus sobre o
sistema imunitário do hospedeiro. Em 2022 não existia ainda uma cura para a doença, mas foram realizados
testes clínicos a uma substãncia que pode ser utilizada como vacina.

Aplicando o modelo niocultural para explicar a mortalidade e a rápida disseminação da doença nos EUA:

As causas próximas foram as infecções oportunistas e outras doenças que se instalaram nos doentes
infectados com VIH.

As causas últimas foram: i) ) uma falsa sensação de segurança relativamente às doenças sexualmente
transmissíveis dada pelo uso generalizado de antibióticos; ii) considerar que a doença estava restrita ao
grupo dos homossexuais, não representado um perigo para a saúde pública; iii) o desinteresse das
autoridades políticas e de saúde que não investiram na investigação, prevenção e tratamento; iv) o
preconceito e a discriminação dos homossexuais que levaram ao desprezo pelo sofrimento dos doentes.
Aplicando o modelo biocultural para explicar a mortalidade e a rápida disseminação
da SIDA na África do Sul:

A Migração laboral

O Conflito

O Perigo

O Estigma
A migração laboral para os grandes centros urbanos e
para as minas:

Deslocação de adolescentes e jovens adultos para os


grandes centros urbanos (maioritariamente do sexo
masculino);

Deslocação de homens para as minas de ouro de


Carletonville na África do Sul (8800 mineiros originários
do Lesoto, Malawi e Moçambique).
A migração laboral expôs os jovens adultos e adultos casados ao consumo de:

 Prostituição;

 Álcool;

 Drogas.

Em Carletonville existiam, em 2000, 500 prostitutas ao serviço das minas (a proporção


homem/mulher nesta região era de 1 mulher / 176 homens). Esta proporção
facilita a disseminação das doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a
infecção por VIH, entre a população de mineiros e contribuiu também para a
disseminação destas doenças para o meio rural, sempre que os mineiros
regressavam a casa para passar férias com a família.
O Conflito e o Perigo

Os conflitos armados obrigaram à deslocação de pessoas para campos de refugiados


onde se misturam população rural e população urbana. Geralmente, a população
urbana tem um nível de infecção por VIH mais elevado. O encontro entre os dois tipos
de população faz aumentar o nível de infecção na população rural.

Exemplo: conflito entre Hutus e Tutsi no Ruanda. No início do conflito, o nível de


infecção da população urbana era de 10% versus 1% do nível de inf. na população rural.
No fim do conflito, o nível de infecção da população rural subiu para os 10%.
O estigma

O estigma associado à doença levou os


doentes a assumirem comportamentos
de risco para desviarem eventuais
suspeitas de que poderiam estar
infectados, contribuindo, deste modo,
para a disseminação do vírus.
Percentagem de infetados por VIH em regiões
urbanas, assinaladas com a cor amarela, e em
regiões rurais, assinaladas com a cor preta.
Na figura da direita estão representadas as percentagens de
infectados no grupo dos homens e das mulheres. Em 2003, as
mulheres apresentavam níveis de infecção mais elevados do que
os homens, sobretudo em países da África Subsariana e da Ásia.
Biologicamente, as mulheres são mais vulneráveis do que os
homens à infecção por causa da maior área de mucosa exposta ao
VIH durante a penetração peniana. Mulheres com menos de 17
anos estão em risco ainda maior porque têm um colo do útero
subdesenvolvido e baixa produção de muco vaginal.
As diferenças biológicas entre homens e mulheres podem explicar a diferença na
percentagem de infectados, já que os homens podem infectar as mulheres mais
facilmente do que as mulheres podem infectar os homens. Mas esta desigualdade
são também impulsionadas por normas de género relacionadas com a masculinidade
e a feminilidade, violência contra as mulheres, barreiras de acesso aos serviços de
saúde e falta de segurança económica.
O Impacto da mortalidade associada à SIDA na esperança de vida da população

Botswana Namíbia:

1990-1995: 65 anos 1990-1995: 59,2 anos

2000-2005: 39,7 anos 2000-2005: 44,3 anos

2010-2015: 31,6 anos 2010-2015: 39,6 anos


Para avaliar o impacto demográfico da doença é
preciso ter em conta que os portadores do VIH
podem viver alguns anos sem desenvolverem o
síndroma da imunodeficiência adquirida (SIDA)

Nos países com valores de


prevalência da doença na ordem dos
10 a 20%, o seu tamanho sofrerá
uma redução na ordem dos 21% em
2025.

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