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DISCRIMINAÇÕES AOS PORTADORES DO VÍRUS DA AIDS

Hilda Sabino Siemons*

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve Histórico da AIDS. 3. Origem do Vírus HIV no Homem. 4.


Informações Genéricas Sobre a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou Acquired
Immunity Deficiency Syndrome (AIDS). 5. Legislação Pertinente à Matéria: Declaração
Universal dos Direitos Humanos; C.F. (Constituição da República Federativa do Brasil); C.C.
(Código Civil); C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho); E.C.A. (Estatuto da Criança e do
Adolescente); C.D.C. (Código de Defesa do Consumidor); Portaria Interministerial n. 796 de 29
de Maio de 1992;* Projeto de Lei n. 2.843, de 1992, que dispõe sobre os direitos básicos dos
portadores do vírus da AIDS e dá outras providências. 6. Discriminação Justa e Injusta.
Discriminação Positiva e Negativa. 7. Discriminações Injustas aos Portadores do Vírus HIV. 7.1.
A Política Americana de Prevenção e Controle da AIDS e os Direitos Humanos. 7.2. O Artigo 14
da Convenção Européia de Direitos Humanos em Face da Luta Contra a AIDS e a
Discriminação. 8. O Dano Material e o Dano Moral Advindos da Discriminação Injusta. 9.
Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é desprovido da intenção de abordar todos os aspectos jurídicos concernentes


à AIDS. Com efeito, a epidemia do século tem trazido grandes polêmicas ao mundo jurídico,
principalmente quando as medidas de prevenção e combate à AIDS engendradas pelos
profissionais da saúde confrontam-se com os objetivos e princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito, além dos fundamentos basilares das convenções internacionais.

Destarte, centraliza-se nosso estudo nos danos decorrentes das discriminações e estigmas que
afetam os já mencionados princípios, no que tange ao campo da responsabilidade civil.

Deveras, diante da vastidão do tema "responsabilidade civil", que apresenta liames em todos os
ramos do direito, não abrange esta singela obra toda a temática voltada para a sua teoria, mas
apenas e tão-somente, ao que concerne aos danos causados por discriminações injustas aos
portadores do vírus HIV, bem como às pessoas que com eles se relacionam, em total desrespeito
aos valores supremos de nosso ordenamento jurídico, tais quais a dignidade da pessoa humana, a
igualdade, a liberdade e acima de tudo a JUSTIÇA.

2. BREVE HISTÓRICO DA AIDS

As epidemias têm sido uma constante na história da humanidade. Como exemplo disso, tivemos
a peste negra ou bubônica que levou a óbito um terço da população européia, em meados do
século XIV. Posteriormente, surgiu a gripe pandérmica, o cólera, e hodiernamente enfrentamos a
AIDS.

Em 1981 descobriu-se a AIDS nos guetos homossexuais de Nova Iorque, São Francisco e Los
Angeles, dentre outras grandes cidades norte-americanas e concomitantemente em uma
população haitiana a qual apresenta elevado índice de meretrício.

A partir daí foram se revelando casos e mais casos da síndrome nas mais diversas partes do
mundo. No Brasil, teve-se conhecimento da AIDS pela primeira vez em 1983, quando se
registrou o primeiro caso autóctone em São Paulo, sendo certo que ocupamos hoje o primeiro
lugar no ranking dos países latino-americanos, em número de casos de pessoas infectadas pelo
vírus HIV.

Urge ressaltar que, muito embora a AIDS tenha se verificado inicialmente entre homossexuais,
usuários de drogas injetáveis e pacientes submetidos a múltiplas transfusões de sangue, detecta-
se atualmente que a síndrome pode alcançar qualquer pessoa, independentemente de idade, raça,
nacionalidade, sexo, estado clínico e hábitos sexuais.

Até o presente momento os avanços da medicina ainda não encontraram um tratamento eficaz
para esse letal colapso do sistema imunológico, consignando-se apenas alguns raros casos de
portadores do HIV que têm longa sobrevida, denominados Long Term Survivers.

De acordo com o infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual, João da Silva


Mendonça, "existe na cidade de São Francisco, E.U.A., um grupo de indivíduos com maior
tempo de infecção pelo HIV, com registro científico, que não apresenta doenças oportunistas.
Este grupo está sendo acompanhado há 13 anos e oito meses e até junho passado 32% deles
ainda não estavam doentes, equivalendo a 1/3 dos infectados".(1)

3. ORIGEM DO VÍRUS HIV NO HOMEM

Segundo informações trazidas por Wildney Feres Contrera, coordenadora do GAPA (Grupo de
Apoio e Prevenção à AIDS), entidade não-governamental, de base comunitária, apoiada
principalmente pela Ford Foundation, Levi Strauss Foundation e pela O.M.S (Organização
Mundial de Saúde), em curso intitulado "A AIDS e o Direito", realizado em outubro de 1992, no
Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, várias teorias existem sobre o
aparecimento do vírus HIV no organismo humano.

Uma delas é a de que o vírus tenha sido transmitido pelo "macaco verde" que habita a África,
seja através de relações sexuais que jovens africanos com eles mantinham no período que
antecedeu o neo-colonialismo europeu naquele continente, seja por meio de um costume tribal
em que se cortava o tampo da cabeça daquele macaco ainda vivo para se comer o seu cérebro
quente, não se sabendo, assim, se o vírus penetrou o organismo daqueles africanos através do
sangue ou do sêmen. Por conseguinte, quando os colonizadores foram expulsos do País, eles já
haviam tido contacto com esta população infectada, disseminando o vírus em outros países.

Outra teoria descreve a transmissão do vírus mediante experimentos da vacina da poliomielite no


referido macaco. Inicialmente cultivava-se o vírus no rim do chimpanzé asiático. No entanto,
este estava em extinção, o que levou a transferência dos experimentos para o "macaco verde". As
primeiras vacinas não foram intencionalmente infectadas e aplicadas na África Central, de onde
o vírus se expandiu para o resto do mundo. Os pesquisadores responsáveis eram procedentes dos
Estados Unidos, França e África, dentre outros países.

A par dessas teorias, aproximadamente em 1990 descobriu-se a presença do vírus HIV em


tecidos de um marinheiro morto em 1940, o qual foi congelado na época, por apresentar sinais da
doença e a presença de anticorpos que até então se desconhecia, para que fosse, futuramente,
com o avanço da Medicina, objeto de estudos. Daí a existência do vírus no organismo humano
vir de 20 a 100 anos.

Por fim, deve-se mencionar que não se descarta a hipótese do vírus em questão ter sido
introduzido no organismo humano com o intuito de desencadear uma guerra biológica.

Durante a 9ª Conferência Internacional de AIDS, ocorrida em 1993, em Berlim, o clínico


americano Paul Wallerstein, que defende uma visão diferenciada da teoria oficial sobre a AIDS,
sustentou a tese de que trata-se de uma doença eminentemente política, chegando a afirmar que a
descoberta do HIV gerou desentendimento entre os pesquisadores no tocante aos lucros
financeiros em questão.

4. INFORMAÇÕES GENÉRICAS SOBRE A AIDS

A AIDS é uma infecção viral que reprime, e, no estágio mais avançado, destrói o sistema
imunológico do organismo. Esse vírus comumente conhecido por HIV (Human
Immunodeficiency Virus), que na língua portuguesa se denomina VIH (Vírus da
Imunodeficiência Humana), age invadindo e matando os glóbulos brancos, chamados T
lymphocytes (T-cells) ou linfócitos do tipo T, presentes na corrente sanguínea.
Conseqüentemente, doenças que raramente afetariam pessoas com o sistema imunológico
perfeito, podem debilitar e ser fatais às pessoas infectadas com o HIV. Trata-se das infecções
oportunísticas, que podem ser de vários tipos.

Existem três estágios de progressão após a contaminação pelo vírus HIV.

1) seropositiv ou soropositivo.

2) AIDS related complex (ARC) ou complexo relacionado ao AIDS ou pré-AIDS.

3) full-blown AIDS.
No estágio soropositivo a pessoa foi contaminada com o vírus HIV, o qual permanece em estado
dormente em algumas células T. Enquanto a mera infecção com o HIV pode não trazer algum ou
pequenos impactos adversos na saúde da pessoa, a longo tempo o vírus pode causar demência ou
outra perturbação mental. Ainda assim, essa pessoa pode não apresentar os sintomas dos dois
últimos estágios. A pessoa soropositiva pode transmitir o vírus.

No estágio ARC evidencia-se a ativação do vírus na célula T infectada, causando pequenos e


médios danos no sistema imunológico do organismo. Os pacientes de ARC apresentam alguns
sintomas sugestivos da síndrome, mas não manifestam complicações secundárias, inclusive
infecções de doenças oportunistas. Os sintomas incluem excessiva perda de peso, transpiração
noturna etc. Para alguns, esses sintomas são apenas incômodos e irritantes, enquanto que para
outros podem ser seriamente debilitantes.

A AIDS é o último estágio de progressão, o mais sério e fatal, na maioria e talvez em todos os
casos. O sistema imunológico sofre um grande colapso e o organismo é invadido por um exército
de infecções e malignicências. Constituem manifestações indicativas da AIDS: "adenomegalia
generalizada, emagrecimento rápido e extremo, sudorese à noite, infecções respiratórias
repetidas, diarréias intensas e candidíase oral. Demarcaram-se também os quadros clínicos
sobrevindos em conexão com a queda das defesas imunológicas, o sarcoma de Kaposi, a
pneumonia pneumocística de Carini e outras doenças oportunísticas, desenvolvidas pela queda
da resistência orgânica..."(2)

A transmissão do vírus HIV requer uma mistura de fluidos corpóreos. Embora já se tenha
verificado a presença do vírus HIV em fluidos como a saliva, a lágrima, a urina, as evidências
epidêmicas demonstram a transmissão apenas através de sangue e sêmen infectados.

De fato, as três formas mais comuns de transmissão do vírus são o contato sexual, a transfusão
de sangue e o contágio por seringas infectadas. Contudo, pode ocorrer também a transmissão
vertical, de mãe para filho, durante a gestação ou por ocasião da amamentação, sendo de 33% a
probabilidade de transmissão do HIV por essa forma.

Não se detectou nenhum caso de contágio em pessoas que convivem com portadores do HIV,
compartilhando toalhas, escovas de dente, camas, banheiros, utensílios de cozinha e mesmo
através de contatos mais íntimos como beijo. Em síntese, não existe contágio mediante contato
social.

5. LEGISLAÇÃO PERTINENTE À MATÉRIA

Há ampla legislação proibitiva de qualquer forma de discriminação e desrespeito aos princípios


de igualdade, justiça, liberdade e dignidade do Homem, tanto a nível constitucional, como infra e
supra-constitucional, que de forma genérica estão a agasalhar os portadores do vírus da AIDS.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem reconhece solenemente a dignidade da pessoa


humana, como base da liberdade, da justiça e da paz (grifo nosso).

A Constituição Federal de 1988, em seu Preâmbulo, dispõe que o Estado Democrático instituído
destina-se "a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos..." (grifo nosso).

Após, quando trata "Dos Princípios Fundamentais", assim dispõe no inciso III do artigo 1º:

Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana; (grifo nosso).

E ainda, no inciso IV do artigo 3º e no inciso II do artigo 4º:

Artigo 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso).

(...)

Artigo 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:

(...)

II - prevalência dos direitos humanos.

Assim, conforme se depreende dos dispositivos constitucionais ora transcritos, a prevalência dos
direitos humanos, o princípio da não- discriminação, da isonomia e os ideais de justiça, bem
como a dignidade do ser humano são exaltados pela Lei maior, devendo pois se fazer valer.

Além dos já mencionados preceitos constitucionais, o famigerado artigo 5º, que versa sobre
"Direitos e Garantias Individuais", reafirma no caput o Princípio da igualdade e da não-
discriminação, além de assegurar indenização por dano material, moral ou à imagem no caso de
violação aos bens jurídicos tutelados.
Cabe transcrever alguns de seus incisos, a saber:

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso).

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano


material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

A seguir, tratando dos Direitos Sociais, visando mais uma vez assegurar a dignidade do ser
humano, foi minucioso o legislador ao elencar cada um deles, no artigo 6º, nos seguintes termos:

Artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a


previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.

E ainda, com o intuito de proteger a relação de emprego, assim prescreve nos incisos I e XXXI,
do artigo 7º:

Artigo 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

(...)

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão do


trabalhador portador de deficiência; (grifo nosso).

Em suma, os preceitos constitucionais enfocados visam, em última análise, dar guarida, de modo
genérico, a todo e qualquer indivíduo, nacional ou estrangeiro, naturalizado ou não, que se
encontre em Território Nacional sob a égide de nosso ordenamento jurídico; e consequentemente
abarca situações específicas como a dos portadores do vírus HIV, os quais devem ter sua
dignidade respeitada.

Afora isso, tratou também, o legislador na "Organização do Estado", de estabelecer a


competência legislativa e a competência material para a proteção das pessoas portadoras de
deficiência. É oportuno salientar que a AIDS é considerada uma deficiência orgânica,
enquadrando-se pois seus pacientes em todos os dispositivos que se refiram a portadores de
deficiência.

Cabe transcrever aludidos dispositivos:

Artigo 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantias das pessoas portadoras de


deficiência; (grifo nosso).

Artigo 24 - Compete à União, aos Estados, e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

O legislador constitucional procurou também garantir a não- discriminação das pessoas


portadoras de deficiência nos empregos públicos, conforme se verifica, nos termos do inciso VIII
do artigo 37:

Artigo 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Fede-ral e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...)

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de
deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

E ainda, tratando da "Ordem Social", procurou assegurar a integração do deficiente à vida


comunitária e a garantia de um salário mínimo como auxílio mensal, nos casos em que o
deficiente não tiver como se manter. A saber:

Artigo 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao


idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.

Por fim, buscou o legislador assegurar a todos o direito à educação em igualdade de condições,
reforçando mais uma vez o Princípio da Igualdade. É o que se depreende dos seguintes
dispositivos:

Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifo nosso).

Artigo 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência nas escolas; (grifo nosso).

(...)

Artigo 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na


rede regular de ensino;

(...)

Artigo 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o


planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por
parte de instituições oficiais ou privadas.

(...)

Artigo 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso).

O Código Civil, por sua vez, estabelece a regra geral da responsabilidade civil aquiliana, onde se
deve demonstrar a culpa, no artigo 159. Cabe transcrevê-lo:

Artigo 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar
direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. (grifo nosso).

A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código,


artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

Esse preceito legal combinado com alguns dos já apontados dispositivos constitucionais
constituem o fundamento jurídico das ações de indenização por dano moral e/ou material
decorrentes da violação daqueles direitos e garantias.

A discriminação que configurar hipótese de injúria ou calúnia impõe a aplicação do artigo 1.547,
a seguir transcrito:

Artigo 1.547 - A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas
resulte ao ofendido.

Parágrafo único - Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da
multa no grau máximo da pena criminal respectiva.

A Consolidação das Leis do Trabalho, visando proteger a relação de emprego e coibir a


despedida derivada de discriminações, onde se enquadra com relação ao portador do vírus HIV,
elenca inúmeros artigos que estabelecem o quantum da indenização, conforme os que se seguem:

Artigo 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para terminação do
respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para a cessação das relações de trabalho,
o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que
tenha percebido na mesma empresa.

(...)

Artigo 478 - A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de 1
(um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6
(seis) meses.

(...)

§ 2º - Se o salário for pago por dia, o cálculo da indenização terá por base 30 (trinta) dias.

§ 3º - Se pago por hora, a indenização apurar-se-á na base de 220 (duzentas e vinte) horas por
mês.

§ 4º - Para os empregados que trabalhem por comissão ou que tenham direito a percentagens, a
indenização será calculada pela média das comissões ou percentagens percebidas nos últimos 12
(doze) meses de serviço.

§ 5º - Para os empregados que trabalhem por tarefa ou serviço feito, a indenização será calculada
na base média de tempo costumeiramente gasto pelo interessado para realização de seu serviço,
calculando-se o valor do que seria feito em 30 (trinta) dias.

Artigo 479 - Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa,
despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a
remuneração a que teria direito até o termo do contrato.

Parágrafo único - Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou
incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à
rescisão dos contratos por prazo indeterminado.

Artigo 480 - Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem
justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe
resultarem.

§ 1º - A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em
idênticas condições.

(...)

Artigo 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

(...)

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa....

k) ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores
hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.

(...)

Artigo 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida


indenização quando:

(...)

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da
honra e boa fama.

Paralelamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo especial proteção do menor de


21 anos, apresenta diversos artigos que reforçam os já mencionados dispositivos constitucionais,
dando especial ênfase à garantia do acesso ao ensino.

É mister que se transcreva alguns dos principais artigos, a saber:

Artigo 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa


humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou
por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Artigo 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público


assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único - A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e


socorro em quaisquer circunstâncias. (grifo nosso).

Artigo 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,


discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (grifo nosso).

(...)

Artigo 15 - A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como


pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis. (grifo nosso).

Artigo 16 - O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
legais;

(...)

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação. (grifo nosso).

Artigo 17 - O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e


moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade...
Artigo 18 - É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo
de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Artigo 19 - Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família
e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada e convivência familiar e comunitária...

(...)

Artigo 53 - A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento


de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-
se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

(...)

IV - direito de organização e participação em entidade estudantis.

(...)

Artigo 54 - É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

(...)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na


rede regular de ensino.

(...)

Artigo 66 - Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido.

Artigo 70 - É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança
e do adolescente.

(...)

Artigo 75 - Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos


classificados como adequados à sua faixa etária.

(...)

Artigo 201 - Compete ao Ministério Público:


(...)

V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais
difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência...

(...)

VII - intaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de


inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à
juventude;

VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e
adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;

IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo, instância


ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao
adolescente;

X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as


normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil
e penal do infrator, quando cabível.

(...)

Artigo 208 - Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta
irregular:

I - do ensino obrigatório;

II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;

(...)

VII - de acesso às ações e serviços de saúde;

(...)

Artigo 232 - Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame
ou a constrangimento:

Pena — detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

De outra parte, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor dita como objetivo da política
nacional das relações de consumo, dentre outros, o respeito à dignidade do consumidor, nos
seguintes termos:

Artigo 4º - A política nacional de relações de consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança...

A Portaria Internacional n. 796 de 29 maio de 1992, dos Ministérios da Educação e da Saúde,


com o intuito de coibir a discriminação, determina que:

- é vedada a exigência de teste sorológico para aceitação de alunos

e professores nos estabelecimentos de ensino.

- não é obrigatória a informação de sua condição de portador de

HIV.

- é vedada a divulgação de diagnóstico de soropositivo de que se

tenha conhecimento.

- é vedada a formação de classes especiais e escolas específicas.

Por fim, há ainda uma portaria que proibe a exigência do exame anti-HIV na contratação de
funcionários públicos federais.

Uma vez analisada a Constituição Federal, o Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho,
o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, é
oportuno que se mencione a existência de um projeto de lei, elaborado para a defesa dos direitos
dos portadores do vírus da AIDS, em trâmite no Congresso Nacional.

PROJETO DE LEI N. 2.843, DE 1992

(Do Sr. Dep. Geraldo Alckmin Filho)

Dispõe sobre os direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Artigo 1º - Os portadores do vírus da AIDS têm, entre outros, os seguintes direitos básicos:

I - tratamento adequado;
II - educação e aconselhamento;

III - não ser retirado de seu ambiente social original;

IV - não ser discriminado, em especial no acesso e local de trabalho, na habilitação, no


transporte, na educação e na prestação de serviços, públicos ou privados, de qualquer natureza;

V - confidencialidade das informações sobre a sua situação;

VI - não ser exposto a vexame ou ridículo em razão de sua situação.

Artigo 2º - Os hospitais da rede pública ou privada reservarão número mínimo de leitos para
atendimento e tratamento de pacientes portadores do vírus da AIDS.

§ 1º - O número mínimo de leitos, em cada hospital, será fixado em sessenta dias pelas
Secretarias de Saúde de cada Estado e do Distrito Federal, ou, em caso de omissão, pelo
Ministério da Saúde.

§ 2º - O número mínimo de leitos será revisto anualmente.

§ 3º - O atendimento e tratamento do portador do vírus da AIDS independe de prévia filiação ao


Sistema Previdenciário, incluindo, também, o fornecimento de medicamentos específicos ou não.

Artigo 3º - A confidencialidade referida no artigo 1º, a critério do profissional de saúde, pode ser
rompida em relação:

I - a eventuais parceiros sexuais, inclusive o cônjuge;

II - aos pais;

III - àqueles que adotem crianças portadoras do vírus da AIDS;

IV - a outros profissionais de saúde.

Artigo 4º - Qualquer pessoa pode fazer, gratuitamente, em centros de saúde, hospitais e entidades
assemelhadas pertencentes à Administração direta, indireta ou fundacional, exame de verificação
da AIDS, independentemente de identificação pessoal, inclusive utilizando pseudônimo.

Artigo 5º - Os registros e resultados dos exames da AIDS são confidenciais, não podendo, salvo
justa causa ou permissão expressa do interessado, ser, por qualquer meio, divulgados.

Artigo 6º - É obrigatória, em todas as escolas, públicas ou privadas, a educação sobre a AIDS,


através de profissionais adequadamente treinados.

§ 1º - O Ministério da Educação, em sessenta dias, regulamentará este dispositivo, fixando, entre


outros aspectos, a metodologia e conteúdo mínimo das exposições e sua carga horária, que não
poderá ser inferior a quatro horas-aula por semestre.

§ 2º - O estabelecimento de ensino privado que não cumprir a educação obrigatória sobre a


AIDS, além de outras sanções aplicáveis, não poderá receber da Administração Pública, direta,
indireta ou fundacional qualquer benefício ou incentivo econômico, direto ou indireto.

Artigo 7º - O empregador e o fornecedor de produtos e serviços não podem exigir ou solicitar


exame de AIDS do candidato a emprego ou do consumidor, salvo hipóteses baseadas em
critérios exclusivamente médico-científicos, de acordo com previsão expressa em
regulamentação do Ministério da Saúde.

Parágrafo único - Além da reparação dos danos causados e da aplicação das sanções
administrativas e penais cabíveis, o infrator não mais poderá receber benefício ou incentivo
econômico, fiscais ou não, da Administração Pública, direta, indireta ou funcional.

Artigo 8º - O Poder Público deve, e entidades privadas podem, distribuir informações, material e
equipamentos que previnam a contaminação pelo vírus da AIDS.

Artigo 9º - A não ser em campanhas de prevenção, é proibida a veiculação publicitária da


imagem de portadores do vírus da AIDS.

Artigo 10 - Serão obrigatoriamente submetidos a exame de AIDS, os recolhidos a


estabelecimento prisional ou de internação.

§ 1º - O resultado do exame de AIDS de condenado por crime sexual será comunicado à vítima.

§ 2º - O Estado responde, objetivamente, pela contaminação de pessoa recolhida a


estabelecimento prisional ou de internação.

Artigo 11 - Correm em segredo todos os processos e procedimentos, judiciais ou administrativos,


em que, direta ou indiretamente, se discuta matéria relacionada ao fato de alguém ser portador do
vírus da AIDS.

Artigo 12 - O Ministério da Saúde especificará as profissões em que portadores do vírus da


AIDS não possam trabalhar.

Artigo 13 - Serão tributariamente dedutíveis as contribuições feitas por pessoas físicas ou


jurídicas para campanhas publicitárias de esclarecimento sobre a AIDS, assim como as
destinadas a entidades sem fins lucrativos para pesquisa, prevenção e tratamento dos
contaminados pelo vírus da AIDS.

Artigo 14 - Qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, pode ingressar em juízo para
proteger direitos dos portadores do vírus da AIDS ou pleitear indenização por danos causados.
Parágrafo único - No caso de dano difuso, eventual indenização por dano, inclusive moral, será
destinada ao Fundo criado pela Lei n. 7.347/85.

Artigo 15 - O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, expedindo
notificações com força coercitiva, requisitando de qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou
privada, informações, certidões, exames, perícias, dados ou providências, no prazo que assinalar,
o qual não poderá ser inferior a dez dias úteis, ressalvados os casos de manifesta urgência,
determinando diligências e constatações e ouvindo testemunhas sob compromisso.

Parágrafo único - A ação civil pública, nos casos desta Lei, poderá ser proposta, indistintamente,
pelo Ministério Público Federal, ou pelo Ministério Público Estadual, isolado ou conjuntamente.

Artigo 16 - Independentemente das sanções administrativas e penais, e da reparação dos danos


patrimoniais e morais causados, a violação de direito básico de portador do vírus da AIDS sujeita
o infrator a multa civil de até Cr$ 100.000.000,00 (cem milhões), valor corrígivel pelo índice
aplicável aos débitos fiscais.

§ 1º - Sendo a ação civil pública proposta por associação, o valor da multa civil a ela reverterá.

§ 2º - O juiz, no cálculo do valor da multa, levará em conta a situação econômica do réu.

Artigo 17 - O preso e o adolescente infrator portadores do vírus da AIDS receberão tratamento


especial, inclusive com alojamento em celas individuais ou em estabelecimentos adequados.

Artigo 18 - Discriminar portador do vírus da AIDS, em especial no acesso a local de trabalho,


habitação, transporte, educação ou prestação de serviços, públicos ou privados, de qualquer
natureza.

Pena-detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Artigo 19 - Violar, sem justa causa, a confidencialidade de registro ou resultado de exame de


AIDS.

Pena-detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Artigo 20 - Contaminar alguém com o vírus da AIDS.

Pena-reclusão, de quatro a doze anos e multa.

Parágrafo único - Se o crime é culposo.

Pena-detenção, de um a três anos e multa.

Artigo 21 - Recusar o profissional de saúde a atender portador do vírus da AIDS.


Pena-detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Artigo 22 - Afirmar ou insinuar, em veículo de comunicação sem sua autorização, ser alguém
portador do vírus da AIDS.

Pena-detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Artigo 23 - Veicular, com fins publicitários, a não ser em campanhas de prevenção, a imagem de
portador do vírus da AIDS.

Pena-detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Artigo 24 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Artigo 25 - Revogam-se as disposições em contrário.

JUSTIFICAÇÃO

Hoje, no Brasil, a AIDS não mais pode ser ignorada, é um problema de grandes proporções para
os profissionais de saúde, educadores, pais e para a sociedade em geral. E uma tal realidade não
pode ser desconhecida do legislador.

O nosso País, apesar de ocupar lugar de destaque entre aqueles com maior número de portadores
do vírus, não possui ainda, infelizmente, qualquer legislação na matéria. É hora, pois, de
enfrentar os problemas jurídicos que a AIDS coloca para todos os cidadãos, independentemente
de seu sexo, faixa etária, grupo social ou preferência sexual.

Como muito bem esclarece Haroldo Hirsh, "Os problemas legais associados com a AIDS
continuam a crescer como a própria epidemia. Pelo menos setenta e sete nações já promulgaram
algum tipo de legislação cuidando da matéria. Nos Estados Unidos, as respostas do governo para
a epidemia são uma mistura de medidas legislativas destinadas a equilibrar os direitos civis
daqueles infectados pelo HIV com os direitos dos ainda não contaminados".

O nosso projeto visa, portanto, dentro de uma perspectiva de valorização do direito à intimidade
do cidadão, preencher a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro, elencando direitos básicos
para o portador de AIDS, estabelecendo, ademais, regras de implementação desses mesmos
direitos, bem como criando um sistema de sanções penais e civis para sua violação.

6. DISCRIMINAÇÃO JUSTA E INJUSTA.


DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E NEGATIVA

O termo "discriminar" significa estabelecer diferença, distinguir, separar, extremar (Novo


dicionário brasileiro da lingua portuguesa,de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

A idéia de discriminação está ligada às noções de igualdade ou isonomia, e deve sempre ser
analisada juntamente com a finalidade do discrímen. A natureza física do homem, ora débil, ora
forte, a estrutura psicológica humana, ora dominante, ora submissa, e as próprias estruturas
políticas e sociais, dentre outros fatores, fazem com que, às vezes, seja necessário ao
ordenamento jurídico impor normas que equacionadas façam desaparecer essas desigualdades.
Quando isso ocorre diz-se que a discriminação é justa e portanto constitucional ou legal,
conforme sua previsão. Por outro lado, as discriminações não-autorizadas e que ferem os direitos
e garantias dos cidadãos, colocando-os em pé de desigualdade com relação a outros, são injustas.

Dá-se discriminação positiva quando se conferem vantagens adicionais a determinada pessoa ou


grupo de pessoas, vantagens essas não-autorizadas. Em contrapartida, a discriminação negativa é
aquela que coloca um indivíduo em situação de desvantagem com relação aos outros. A
discriminação positiva pode ser justa ou injusta. A discriminação negativa será sempre injusta.

7. DISCRIMINAÇÃO AOS PORTADORES DO VÍRUS HIV

A discriminação e o estigma que se tem lançado sobre os portadores do vírus HIV, causador da
AIDS, sejam eles sintomáticos ou assinto-máticos, bem como às pessoas que com eles convivem,
se dá a nível mundial.

Essa discriminação decorre de uma série de fatores e encampa outros preconceitos, como, por
exemplo, aquele que se tem com relação aos homossexuais. Com efeito, alguns sociólogos
consideram que se todos os grupos sociais houvessem desde o início sido igualmente atingidos
pela AIDS, a discussão e o controle da síndrome seriam diferentes. Por infortúnio, porém, ela
surgiu entre grupos de homossexuais, tendo se desenvolvido no início dos anos 80 na África,
Caribe e entre minorias étnicas dos E.U.A. (San Francisco, Los Angeles e New York). Desde o
início da epidemia, muitos segmentos da sociedade culparam e ainda culpam os homossexuais
por terem iniciado e propagado a AIDS devido à sua "moral decadente". Houve mesmo
desinteresse com relação à "enfermidade de marginais", o que colaborou para a sua rápida
disseminação.

A par desse preconceito com relação aos homossexuais, encontram-se arraigados à discriminação
a falta de informação aliada ao medo. Há ainda quem atribua à AIDS a ira divina sobre os
homossexuais, drogados ou prostitutas.

Tem-se cometido, no mundo inteiro, inúmeros abusos, tais como a negação de moradia, de
escola, de emprego e até de sepultura a adultos e crianças, diante da simples suspeita de serem
eles portadores do vírus HIV. Paralelamente, há vários casos de trabalhadores do setor da saúde
que têm se negado a atender os portadores do vírus HIV. Várias empresas têm despedido os
empregados portadores desse vírus. E ainda, algumas companhias de seguro têm se recusado a
emitir apólices a pessoas que simplesmente residem em zonas frequentadas por homossexuais.
Enfim, estes abusos têm se perpetrado apesar de serem declarados ilegais. Poucos são os países
cujas leis proíbem especificamente a discriminação fundada na existência do HIV ou da AIDS.
Países como Alemanha, Bélgica, Rússia entre outros, em notórios exemplos de discriminação,
têm exigido o exame anti-HIV de estudantes estrangeiros que lá queiram estudar. O mesmo se dá
com os solicitantes de visto permanente e os estrangeiros que pedem permissão de residência nos
E.U.A..

7.1. A POLÍTICA AMERICANA DE PREVENÇÃO E CONTROLE DA AIDS E OS


DIREITOS HUMANOS

Os mecanismos de controle e prevenção da AIDS que se tem implementado ou tentado implantar


nos Estados Unidos têm causado grande questionamento à vista dos direitos fundamentais do ser
humano. Tais mecanismos subsumem-se em segregação (quarantine), impedimento de
freqüentar escolas públicas e proibição de desempenhar determinadas ocupações. Estas restrições
à liberdade dos cidadãos infectados pelo vírus HIV se choca com o princípio da igualdade.

7.2. O ARTIGO 14 DA CONVENÇÃO EUROPÉIA DE

DIREITOS HUMANOS EM FACE DA LUTA

CONTRA A AIDS E A DISCRIMINAÇÃO

Os governos dos países europeus têm tomado diversas medidas destinadas a combater a
expansão da AIDS, tornando-se uma constante o desrespeito aos direitos do homem.

Os Ministros britânicos do Interior e da Saúde declararam que a entrada naquele território


deveria ser interditada às pessoas soropositivas, deixando à responsabilidade dos portos e
aeroportos a aplicação da medida.

Em 21 de abril de 1987, o Ministro da então Alemanha Ocidental autorizava a polícia das


fronteiras a impedir a entrada na R.F.A. dos estrangeiros suspeitos de estarem com o vírus da
AIDS.

Na Itália e na Alemanha, numerosos são os empregos públicos cuja obtenção está subordinada ao
resultado negativo do teste HIV.

O oficial da Saúde da Alemanha pode requisitar informações dos parceiros sexuais dos
portadores do vírus.

Na Noruega, a AIDS está elencada no rol das doenças sujeitas ao regime de declaração nominal
obrigatória.

As medidas de isolamento dos soropositivos não são raras. Assim, o oficial da Saúde alemão
pode determinar o isolamento dos soropositivos suspeitos de conduta que coloca em perigo
outras pessoas.

Na Bélgica, um diretor de prisão confinou momentaneamente em um quarteirão os prisioneiros


soropositivos.

Reprisadamente, crianças soropositivas têm sido rejeitadas em escolas em razão de atitude hostil
manifestada pelos pais de outros alunos.

Determinadas seguradoras aumentam seus preços ou se recusam a concluir seus contratos com os
portadores do vírus.

O corpo médico tem desrespeitado o segredo profissional, aumentado seus honorários ou


simplesmente se recusado a prestar assistência sanitária às pessoas contaminadas pelo vírus da
AIDS.

8. O DANO MATERIAL E O DANO MORAL ADVINDOS

DA DISCRIMINAÇÃO INJUSTA

Como se verifica dos dispositivos a propósito transcritos, é farta a legislação constitucional e


infraconstitucional que no direito brasileiro está a proteger os mais íntimos direitos do Homem,
quais sejam os direitos da personalidade, como o direito à intimidade, à vida privada e outros que
visam resguardar a dignidade da pessoa humana. A proteção desses direitos é consagrada na
quase totalidade das civilizações desenvolvidas e em desenvolvimento, tendendo à
universalização.

É nesse sentido que a Lei Fundamental da Alemanha enuncia que "a dignidade do ser humano é
inatingível. Respeitá-la e protegê-la é dever de todo poder estatal. O povo alemão reconhece, por
conseguinte, os invioláveis direitos do homem como fundamento da comunidade humana, da paz
e da justiça no mundo. Os direitos fundamentais que se seguem vinculam o legislador, o Poder
Executivo e o Judiciário como Direito imediatamente vigente". A Constituição Italiana também
garante "os direitos invioláveis do homem, seja como indivíduo, seja nas formações sociais em
que se desenvolve a sua personalidade". Prevê ainda a igualdade tanto em dignidade como
perante a lei, entre todos os homens, trazendo como objetivo daquela República a remoção de
"obstáculos de ordem econômica e social que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos
cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos
os trabalhadores na organização política econômica e social do país". Assim também, a
Constituição Lusitana declara que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem
classes". Igualmente, a Constituição da Espanha proclama que "la dignidad de la persona, los
derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeito a
la ley a los derechos de los demás son fundamento de ordem político y de la paz social". E
ainda: "las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Declaración
Universal de Derechos Humanos y los Tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas
materias ratificadas por España".

Não há que se olvidar que o ataque a esses direitos tem se efetivado à luz dos exemplos ora
trazidos de situações concretas em que tem ocorrido a discriminação, seja aos pacientes de
AIDS, da ARC, aos assintomáticos e mesmo aos seus familiares ou quem quer que com eles
tenham alguma ligação. Diante desse quadro é evidente o dano que dessa situação emerge, seja
de natureza moral ou material (na maioria das vezes ambos conjuntamente), e impõe-se a sua
reparação. Nosso ordenamento jurídico tutela a indenização correlata ao dano causado, a qual
deve ser apurada caso a caso.

Seguindo-se a teoria da responsabilidade civil, que busca a restauração do patrimônio lesado,


assim como a compensação ou minimização dos danos de ordem moral sofridos pela vítima em
seus direitos da personalidade, dentre outros, deve o lesado, através de ação própria, buscar a sua
indenização. O dano advém do próprio fato violador da norma jurídica que causou dor, aflição,
constrangimento ou outro sentimento negativo (dano moral), ou decréscimo do patrimônio do
lesado.

9. BIBLIOGRAFIA

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(2) LACAZ, Carlos da Silva. AIDS. Aspectos latrofilosóficos. Infecções oportunísticas associadas. Prefácio.
INÍCIO

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