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1. INTRODUÇÃO
Destarte, centraliza-se nosso estudo nos danos decorrentes das discriminações e estigmas que
afetam os já mencionados princípios, no que tange ao campo da responsabilidade civil.
Deveras, diante da vastidão do tema "responsabilidade civil", que apresenta liames em todos os
ramos do direito, não abrange esta singela obra toda a temática voltada para a sua teoria, mas
apenas e tão-somente, ao que concerne aos danos causados por discriminações injustas aos
portadores do vírus HIV, bem como às pessoas que com eles se relacionam, em total desrespeito
aos valores supremos de nosso ordenamento jurídico, tais quais a dignidade da pessoa humana, a
igualdade, a liberdade e acima de tudo a JUSTIÇA.
As epidemias têm sido uma constante na história da humanidade. Como exemplo disso, tivemos
a peste negra ou bubônica que levou a óbito um terço da população européia, em meados do
século XIV. Posteriormente, surgiu a gripe pandérmica, o cólera, e hodiernamente enfrentamos a
AIDS.
Em 1981 descobriu-se a AIDS nos guetos homossexuais de Nova Iorque, São Francisco e Los
Angeles, dentre outras grandes cidades norte-americanas e concomitantemente em uma
população haitiana a qual apresenta elevado índice de meretrício.
A partir daí foram se revelando casos e mais casos da síndrome nas mais diversas partes do
mundo. No Brasil, teve-se conhecimento da AIDS pela primeira vez em 1983, quando se
registrou o primeiro caso autóctone em São Paulo, sendo certo que ocupamos hoje o primeiro
lugar no ranking dos países latino-americanos, em número de casos de pessoas infectadas pelo
vírus HIV.
Urge ressaltar que, muito embora a AIDS tenha se verificado inicialmente entre homossexuais,
usuários de drogas injetáveis e pacientes submetidos a múltiplas transfusões de sangue, detecta-
se atualmente que a síndrome pode alcançar qualquer pessoa, independentemente de idade, raça,
nacionalidade, sexo, estado clínico e hábitos sexuais.
Até o presente momento os avanços da medicina ainda não encontraram um tratamento eficaz
para esse letal colapso do sistema imunológico, consignando-se apenas alguns raros casos de
portadores do HIV que têm longa sobrevida, denominados Long Term Survivers.
Segundo informações trazidas por Wildney Feres Contrera, coordenadora do GAPA (Grupo de
Apoio e Prevenção à AIDS), entidade não-governamental, de base comunitária, apoiada
principalmente pela Ford Foundation, Levi Strauss Foundation e pela O.M.S (Organização
Mundial de Saúde), em curso intitulado "A AIDS e o Direito", realizado em outubro de 1992, no
Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, várias teorias existem sobre o
aparecimento do vírus HIV no organismo humano.
Uma delas é a de que o vírus tenha sido transmitido pelo "macaco verde" que habita a África,
seja através de relações sexuais que jovens africanos com eles mantinham no período que
antecedeu o neo-colonialismo europeu naquele continente, seja por meio de um costume tribal
em que se cortava o tampo da cabeça daquele macaco ainda vivo para se comer o seu cérebro
quente, não se sabendo, assim, se o vírus penetrou o organismo daqueles africanos através do
sangue ou do sêmen. Por conseguinte, quando os colonizadores foram expulsos do País, eles já
haviam tido contacto com esta população infectada, disseminando o vírus em outros países.
Por fim, deve-se mencionar que não se descarta a hipótese do vírus em questão ter sido
introduzido no organismo humano com o intuito de desencadear uma guerra biológica.
A AIDS é uma infecção viral que reprime, e, no estágio mais avançado, destrói o sistema
imunológico do organismo. Esse vírus comumente conhecido por HIV (Human
Immunodeficiency Virus), que na língua portuguesa se denomina VIH (Vírus da
Imunodeficiência Humana), age invadindo e matando os glóbulos brancos, chamados T
lymphocytes (T-cells) ou linfócitos do tipo T, presentes na corrente sanguínea.
Conseqüentemente, doenças que raramente afetariam pessoas com o sistema imunológico
perfeito, podem debilitar e ser fatais às pessoas infectadas com o HIV. Trata-se das infecções
oportunísticas, que podem ser de vários tipos.
1) seropositiv ou soropositivo.
3) full-blown AIDS.
No estágio soropositivo a pessoa foi contaminada com o vírus HIV, o qual permanece em estado
dormente em algumas células T. Enquanto a mera infecção com o HIV pode não trazer algum ou
pequenos impactos adversos na saúde da pessoa, a longo tempo o vírus pode causar demência ou
outra perturbação mental. Ainda assim, essa pessoa pode não apresentar os sintomas dos dois
últimos estágios. A pessoa soropositiva pode transmitir o vírus.
A AIDS é o último estágio de progressão, o mais sério e fatal, na maioria e talvez em todos os
casos. O sistema imunológico sofre um grande colapso e o organismo é invadido por um exército
de infecções e malignicências. Constituem manifestações indicativas da AIDS: "adenomegalia
generalizada, emagrecimento rápido e extremo, sudorese à noite, infecções respiratórias
repetidas, diarréias intensas e candidíase oral. Demarcaram-se também os quadros clínicos
sobrevindos em conexão com a queda das defesas imunológicas, o sarcoma de Kaposi, a
pneumonia pneumocística de Carini e outras doenças oportunísticas, desenvolvidas pela queda
da resistência orgânica..."(2)
A transmissão do vírus HIV requer uma mistura de fluidos corpóreos. Embora já se tenha
verificado a presença do vírus HIV em fluidos como a saliva, a lágrima, a urina, as evidências
epidêmicas demonstram a transmissão apenas através de sangue e sêmen infectados.
De fato, as três formas mais comuns de transmissão do vírus são o contato sexual, a transfusão
de sangue e o contágio por seringas infectadas. Contudo, pode ocorrer também a transmissão
vertical, de mãe para filho, durante a gestação ou por ocasião da amamentação, sendo de 33% a
probabilidade de transmissão do HIV por essa forma.
Não se detectou nenhum caso de contágio em pessoas que convivem com portadores do HIV,
compartilhando toalhas, escovas de dente, camas, banheiros, utensílios de cozinha e mesmo
através de contatos mais íntimos como beijo. Em síntese, não existe contágio mediante contato
social.
A Constituição Federal de 1988, em seu Preâmbulo, dispõe que o Estado Democrático instituído
destina-se "a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos..." (grifo nosso).
Após, quando trata "Dos Princípios Fundamentais", assim dispõe no inciso III do artigo 1º:
Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso).
(...)
Artigo 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
(...)
Assim, conforme se depreende dos dispositivos constitucionais ora transcritos, a prevalência dos
direitos humanos, o princípio da não- discriminação, da isonomia e os ideais de justiça, bem
como a dignidade do ser humano são exaltados pela Lei maior, devendo pois se fazer valer.
Além dos já mencionados preceitos constitucionais, o famigerado artigo 5º, que versa sobre
"Direitos e Garantias Individuais", reafirma no caput o Princípio da igualdade e da não-
discriminação, além de assegurar indenização por dano material, moral ou à imagem no caso de
violação aos bens jurídicos tutelados.
Cabe transcrever alguns de seus incisos, a saber:
Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso).
(...)
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
A seguir, tratando dos Direitos Sociais, visando mais uma vez assegurar a dignidade do ser
humano, foi minucioso o legislador ao elencar cada um deles, no artigo 6º, nos seguintes termos:
E ainda, com o intuito de proteger a relação de emprego, assim prescreve nos incisos I e XXXI,
do artigo 7º:
Artigo 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
(...)
Em suma, os preceitos constitucionais enfocados visam, em última análise, dar guarida, de modo
genérico, a todo e qualquer indivíduo, nacional ou estrangeiro, naturalizado ou não, que se
encontre em Território Nacional sob a égide de nosso ordenamento jurídico; e consequentemente
abarca situações específicas como a dos portadores do vírus HIV, os quais devem ter sua
dignidade respeitada.
Artigo 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
Artigo 24 - Compete à União, aos Estados, e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
(...)
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de
deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
Artigo 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
(...)
Por fim, buscou o legislador assegurar a todos o direito à educação em igualdade de condições,
reforçando mais uma vez o Princípio da Igualdade. É o que se depreende dos seguintes
dispositivos:
Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifo nosso).
Artigo 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
Artigo 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
(...)
(...)
O Código Civil, por sua vez, estabelece a regra geral da responsabilidade civil aquiliana, onde se
deve demonstrar a culpa, no artigo 159. Cabe transcrevê-lo:
Artigo 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar
direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. (grifo nosso).
Esse preceito legal combinado com alguns dos já apontados dispositivos constitucionais
constituem o fundamento jurídico das ações de indenização por dano moral e/ou material
decorrentes da violação daqueles direitos e garantias.
A discriminação que configurar hipótese de injúria ou calúnia impõe a aplicação do artigo 1.547,
a seguir transcrito:
Artigo 1.547 - A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas
resulte ao ofendido.
Parágrafo único - Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da
multa no grau máximo da pena criminal respectiva.
Artigo 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para terminação do
respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para a cessação das relações de trabalho,
o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que
tenha percebido na mesma empresa.
(...)
Artigo 478 - A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de 1
(um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6
(seis) meses.
(...)
§ 2º - Se o salário for pago por dia, o cálculo da indenização terá por base 30 (trinta) dias.
§ 3º - Se pago por hora, a indenização apurar-se-á na base de 220 (duzentas e vinte) horas por
mês.
§ 4º - Para os empregados que trabalhem por comissão ou que tenham direito a percentagens, a
indenização será calculada pela média das comissões ou percentagens percebidas nos últimos 12
(doze) meses de serviço.
§ 5º - Para os empregados que trabalhem por tarefa ou serviço feito, a indenização será calculada
na base média de tempo costumeiramente gasto pelo interessado para realização de seu serviço,
calculando-se o valor do que seria feito em 30 (trinta) dias.
Artigo 479 - Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa,
despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a
remuneração a que teria direito até o termo do contrato.
Parágrafo único - Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou
incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à
rescisão dos contratos por prazo indeterminado.
Artigo 480 - Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem
justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe
resultarem.
§ 1º - A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em
idênticas condições.
(...)
Artigo 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(...)
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa....
k) ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores
hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.
(...)
(...)
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da
honra e boa fama.
(...)
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
legais;
(...)
Artigo 19 - Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família
e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada e convivência familiar e comunitária...
(...)
(...)
(...)
(...)
(...)
Artigo 70 - É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança
e do adolescente.
(...)
(...)
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais
difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência...
(...)
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e
adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
(...)
Artigo 208 - Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta
irregular:
I - do ensino obrigatório;
(...)
(...)
Artigo 232 - Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame
ou a constrangimento:
De outra parte, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor dita como objetivo da política
nacional das relações de consumo, dentre outros, o respeito à dignidade do consumidor, nos
seguintes termos:
Artigo 4º - A política nacional de relações de consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança...
HIV.
tenha conhecimento.
Por fim, há ainda uma portaria que proibe a exigência do exame anti-HIV na contratação de
funcionários públicos federais.
Uma vez analisada a Constituição Federal, o Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho,
o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, é
oportuno que se mencione a existência de um projeto de lei, elaborado para a defesa dos direitos
dos portadores do vírus da AIDS, em trâmite no Congresso Nacional.
Dispõe sobre os direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras providências.
Artigo 1º - Os portadores do vírus da AIDS têm, entre outros, os seguintes direitos básicos:
I - tratamento adequado;
II - educação e aconselhamento;
Artigo 2º - Os hospitais da rede pública ou privada reservarão número mínimo de leitos para
atendimento e tratamento de pacientes portadores do vírus da AIDS.
§ 1º - O número mínimo de leitos, em cada hospital, será fixado em sessenta dias pelas
Secretarias de Saúde de cada Estado e do Distrito Federal, ou, em caso de omissão, pelo
Ministério da Saúde.
Artigo 3º - A confidencialidade referida no artigo 1º, a critério do profissional de saúde, pode ser
rompida em relação:
II - aos pais;
Artigo 4º - Qualquer pessoa pode fazer, gratuitamente, em centros de saúde, hospitais e entidades
assemelhadas pertencentes à Administração direta, indireta ou fundacional, exame de verificação
da AIDS, independentemente de identificação pessoal, inclusive utilizando pseudônimo.
Artigo 5º - Os registros e resultados dos exames da AIDS são confidenciais, não podendo, salvo
justa causa ou permissão expressa do interessado, ser, por qualquer meio, divulgados.
Parágrafo único - Além da reparação dos danos causados e da aplicação das sanções
administrativas e penais cabíveis, o infrator não mais poderá receber benefício ou incentivo
econômico, fiscais ou não, da Administração Pública, direta, indireta ou funcional.
Artigo 8º - O Poder Público deve, e entidades privadas podem, distribuir informações, material e
equipamentos que previnam a contaminação pelo vírus da AIDS.
§ 1º - O resultado do exame de AIDS de condenado por crime sexual será comunicado à vítima.
Artigo 14 - Qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, pode ingressar em juízo para
proteger direitos dos portadores do vírus da AIDS ou pleitear indenização por danos causados.
Parágrafo único - No caso de dano difuso, eventual indenização por dano, inclusive moral, será
destinada ao Fundo criado pela Lei n. 7.347/85.
Artigo 15 - O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, expedindo
notificações com força coercitiva, requisitando de qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou
privada, informações, certidões, exames, perícias, dados ou providências, no prazo que assinalar,
o qual não poderá ser inferior a dez dias úteis, ressalvados os casos de manifesta urgência,
determinando diligências e constatações e ouvindo testemunhas sob compromisso.
Parágrafo único - A ação civil pública, nos casos desta Lei, poderá ser proposta, indistintamente,
pelo Ministério Público Federal, ou pelo Ministério Público Estadual, isolado ou conjuntamente.
§ 1º - Sendo a ação civil pública proposta por associação, o valor da multa civil a ela reverterá.
Artigo 22 - Afirmar ou insinuar, em veículo de comunicação sem sua autorização, ser alguém
portador do vírus da AIDS.
Artigo 23 - Veicular, com fins publicitários, a não ser em campanhas de prevenção, a imagem de
portador do vírus da AIDS.
JUSTIFICAÇÃO
Hoje, no Brasil, a AIDS não mais pode ser ignorada, é um problema de grandes proporções para
os profissionais de saúde, educadores, pais e para a sociedade em geral. E uma tal realidade não
pode ser desconhecida do legislador.
O nosso País, apesar de ocupar lugar de destaque entre aqueles com maior número de portadores
do vírus, não possui ainda, infelizmente, qualquer legislação na matéria. É hora, pois, de
enfrentar os problemas jurídicos que a AIDS coloca para todos os cidadãos, independentemente
de seu sexo, faixa etária, grupo social ou preferência sexual.
Como muito bem esclarece Haroldo Hirsh, "Os problemas legais associados com a AIDS
continuam a crescer como a própria epidemia. Pelo menos setenta e sete nações já promulgaram
algum tipo de legislação cuidando da matéria. Nos Estados Unidos, as respostas do governo para
a epidemia são uma mistura de medidas legislativas destinadas a equilibrar os direitos civis
daqueles infectados pelo HIV com os direitos dos ainda não contaminados".
O nosso projeto visa, portanto, dentro de uma perspectiva de valorização do direito à intimidade
do cidadão, preencher a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro, elencando direitos básicos
para o portador de AIDS, estabelecendo, ademais, regras de implementação desses mesmos
direitos, bem como criando um sistema de sanções penais e civis para sua violação.
A idéia de discriminação está ligada às noções de igualdade ou isonomia, e deve sempre ser
analisada juntamente com a finalidade do discrímen. A natureza física do homem, ora débil, ora
forte, a estrutura psicológica humana, ora dominante, ora submissa, e as próprias estruturas
políticas e sociais, dentre outros fatores, fazem com que, às vezes, seja necessário ao
ordenamento jurídico impor normas que equacionadas façam desaparecer essas desigualdades.
Quando isso ocorre diz-se que a discriminação é justa e portanto constitucional ou legal,
conforme sua previsão. Por outro lado, as discriminações não-autorizadas e que ferem os direitos
e garantias dos cidadãos, colocando-os em pé de desigualdade com relação a outros, são injustas.
A discriminação e o estigma que se tem lançado sobre os portadores do vírus HIV, causador da
AIDS, sejam eles sintomáticos ou assinto-máticos, bem como às pessoas que com eles convivem,
se dá a nível mundial.
Essa discriminação decorre de uma série de fatores e encampa outros preconceitos, como, por
exemplo, aquele que se tem com relação aos homossexuais. Com efeito, alguns sociólogos
consideram que se todos os grupos sociais houvessem desde o início sido igualmente atingidos
pela AIDS, a discussão e o controle da síndrome seriam diferentes. Por infortúnio, porém, ela
surgiu entre grupos de homossexuais, tendo se desenvolvido no início dos anos 80 na África,
Caribe e entre minorias étnicas dos E.U.A. (San Francisco, Los Angeles e New York). Desde o
início da epidemia, muitos segmentos da sociedade culparam e ainda culpam os homossexuais
por terem iniciado e propagado a AIDS devido à sua "moral decadente". Houve mesmo
desinteresse com relação à "enfermidade de marginais", o que colaborou para a sua rápida
disseminação.
A par desse preconceito com relação aos homossexuais, encontram-se arraigados à discriminação
a falta de informação aliada ao medo. Há ainda quem atribua à AIDS a ira divina sobre os
homossexuais, drogados ou prostitutas.
Tem-se cometido, no mundo inteiro, inúmeros abusos, tais como a negação de moradia, de
escola, de emprego e até de sepultura a adultos e crianças, diante da simples suspeita de serem
eles portadores do vírus HIV. Paralelamente, há vários casos de trabalhadores do setor da saúde
que têm se negado a atender os portadores do vírus HIV. Várias empresas têm despedido os
empregados portadores desse vírus. E ainda, algumas companhias de seguro têm se recusado a
emitir apólices a pessoas que simplesmente residem em zonas frequentadas por homossexuais.
Enfim, estes abusos têm se perpetrado apesar de serem declarados ilegais. Poucos são os países
cujas leis proíbem especificamente a discriminação fundada na existência do HIV ou da AIDS.
Países como Alemanha, Bélgica, Rússia entre outros, em notórios exemplos de discriminação,
têm exigido o exame anti-HIV de estudantes estrangeiros que lá queiram estudar. O mesmo se dá
com os solicitantes de visto permanente e os estrangeiros que pedem permissão de residência nos
E.U.A..
Os governos dos países europeus têm tomado diversas medidas destinadas a combater a
expansão da AIDS, tornando-se uma constante o desrespeito aos direitos do homem.
Na Itália e na Alemanha, numerosos são os empregos públicos cuja obtenção está subordinada ao
resultado negativo do teste HIV.
O oficial da Saúde da Alemanha pode requisitar informações dos parceiros sexuais dos
portadores do vírus.
Na Noruega, a AIDS está elencada no rol das doenças sujeitas ao regime de declaração nominal
obrigatória.
As medidas de isolamento dos soropositivos não são raras. Assim, o oficial da Saúde alemão
pode determinar o isolamento dos soropositivos suspeitos de conduta que coloca em perigo
outras pessoas.
Reprisadamente, crianças soropositivas têm sido rejeitadas em escolas em razão de atitude hostil
manifestada pelos pais de outros alunos.
Determinadas seguradoras aumentam seus preços ou se recusam a concluir seus contratos com os
portadores do vírus.
DA DISCRIMINAÇÃO INJUSTA
É nesse sentido que a Lei Fundamental da Alemanha enuncia que "a dignidade do ser humano é
inatingível. Respeitá-la e protegê-la é dever de todo poder estatal. O povo alemão reconhece, por
conseguinte, os invioláveis direitos do homem como fundamento da comunidade humana, da paz
e da justiça no mundo. Os direitos fundamentais que se seguem vinculam o legislador, o Poder
Executivo e o Judiciário como Direito imediatamente vigente". A Constituição Italiana também
garante "os direitos invioláveis do homem, seja como indivíduo, seja nas formações sociais em
que se desenvolve a sua personalidade". Prevê ainda a igualdade tanto em dignidade como
perante a lei, entre todos os homens, trazendo como objetivo daquela República a remoção de
"obstáculos de ordem econômica e social que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos
cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos
os trabalhadores na organização política econômica e social do país". Assim também, a
Constituição Lusitana declara que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem
classes". Igualmente, a Constituição da Espanha proclama que "la dignidad de la persona, los
derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeito a
la ley a los derechos de los demás son fundamento de ordem político y de la paz social". E
ainda: "las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Declaración
Universal de Derechos Humanos y los Tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas
materias ratificadas por España".
Não há que se olvidar que o ataque a esses direitos tem se efetivado à luz dos exemplos ora
trazidos de situações concretas em que tem ocorrido a discriminação, seja aos pacientes de
AIDS, da ARC, aos assintomáticos e mesmo aos seus familiares ou quem quer que com eles
tenham alguma ligação. Diante desse quadro é evidente o dano que dessa situação emerge, seja
de natureza moral ou material (na maioria das vezes ambos conjuntamente), e impõe-se a sua
reparação. Nosso ordenamento jurídico tutela a indenização correlata ao dano causado, a qual
deve ser apurada caso a caso.
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