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Marcos Cueto
Fundação Oswaldo Cruz
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All content following this page was uploaded by Marcos Cueto on 18 March 2020.
EDITORA FIOCRUZ
Diretora
Nísia Trindade Lima
Editor Executivo
João Carlos Canossa Mendes
Editores Científicos
Carlos Machado de Freitas
Gilberto Hochman
Conselho Editorial
Claudia Nunes Duarte dos Santos
Jane Russo
Ligia Maria Vieira da Silva
Maria Cecília de Souza Minayo
Marilia Santini de Oliveira
Moisés Goldbaum
Pedro Paulo Chieffi
Ricardo Lourenço de Oliveira
Ricardo Ventura Santos
Soraya Vargas Côrtes
Saúde Global:
uma breve história
Copyright © 2015 dos autores
Todos os direitos desta edição reservados à
fundação oswaldo cruz / editora
Revisão
Augusta Avalle
José Grillo
Normalização de referências
Clarissa Bravo
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública
S237m
Santos, Gideon Borges dos
Mestrado Profissional em Saúde Pública: caminhos e
identidade. / Gideon Borges dos Santos, Virginia Alonso Hortale e
Rafael Arouca. ― Rio de Janeiro : Fiocruz, 2012.
120 p. : tab. eção Temas em Saúde)
ISBN: 978-85-7541-415-6
2015
EDITORA FIOCRUZ
Av. Brasil, 4036 – Térreo – sala 112 – Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro – RJ
Editora filiada
Tels.: (21) 3882-9039 / 3882-9041
Telefax: (21) 3882-9006
e-mail: editora@fiocruz.br
http://www.fiocruz.br
Sumário
Apresentação 7
Cronologia 111
Referências 113
[ 11
imigrantes e o surgimento de novas tecnologias de informação
como a internet. O termo globalização associa-se também com
políticas econômicas neoliberais que enfatizam a dinâmica do
mercado em detrimento do papel do Estado ao levar a cabo a
privatização de empresas públicas.
Nesse contexto surgiu a saúde global, promovida desde fins do
século XX como perspectiva mais abrangente que a saúde
internacional. A expressão foi considerada uma resposta racional
aos problemas gerados pela globalização, como a emergência de
novas doenças, num momento em que se formou um novo cenário
epidemiológico e em que muitas infecções novas, como a Aids,
incidiam igualmente sobre países ricos e pobres. Foi idealizada
também por ser mais abrangente, já que durante a maior parte dos
séculos XIX e XX o termo saúde internacional associou-se a
acordos intergovernamentais, disciplinas universitárias e programas
sanitários em países pobres. Além disso, a saúde global esteve muitas
vezes vinculada às mudanças neoliberais em muitos sistemas de
saúde, que sofreram redução de orçamentos e reformas dirigidas
a promover um melhor manejo administrativo da saúde, e à entrada
de novos atores no cenário internacional da saúde, como a
Fundação Bill e Melinda Gates, sediada em Seattle, nos Estados
Unidos, além de integrantes de parcerias público-privadas (PPPs)
e instituições até então sem presença na área da saúde, como o
Banco Mundial.
Contudo, não existe clareza sobre a continuidade entre os dois
conceitos (saúde internacional e saúde global). Aliás, não existe
sequer um consenso entre os historiadores sobre a data de início
da chamada globalização. Alguns, por exemplo, consideram que
o início do processo de globalização e a determinação do alcance
12 ]
da saúde global estiveram ligados à expansão mundial do comércio,
à segurança dos portos e ao imperialismo europeu em curso desde
o século XVI. Outros acreditam que projetar os termos sobre um
passado tão remoto é um anacronismo. Mas, segundo alguns
historiadores, a história da globalização abrange, mais do que um
período específico, todas as formas de circulação de pessoas e de
mercadorias, os fatores políticos que interferem nesses movimentos
e os elementos que permitem comparar os países entre si e
estabelecer as suas desigualdades. Por isso é que acreditam que esse
olhar pode ser aplicado a qualquer época histórica.
De todo modo, neste apanhado histórico, não pretendo
resolver o debate, mas tão somente estudar os termos saúde
internacional e saúde global para dar conta das mudanças e
continuidades das agências e programas internacionais envolvidos
com a saúde da população do mundo durante o período de 1850
a 2010 (Birn, 2009).
É preciso levar em conta que a história da saúde internacional
não foi uma área muito explorada entre os historiadores da
medicina no início do século XX. Somente na primeira metade
daquele século é que foram publicados os primeiros estudos sobre
as agências de saúde, que tinham como foco um único país ou
uma única agência, e portanto acabavam chegando a conclusões
etnocêntricas ou unilaterais. Inicialmente, os trabalhos se
concentraram nos acordos intergovenamentais assinados
sobretudo na segunda metade do século XIX, e na ação das
agências multilaterais da Europa da primeira metade do século
XX. O principal autor desses estudos foi Norman Howard-Jones,
funcionário aposentado da OMS que elaborou descrições sobre
fatos e efemérides notáveis, mas cujos livros trazem conclusões
[ 13
pouco analíticas ou críticas. Ele sustentou a ideia de que todo o
trabalho das agências e todos os acordos anteriores tinham o intuito
de criar a OMS em 1948 (Howard-Jones, 1978). Essa tendência
institucionalista da história da saúde internacional se acentuou
quando a OMS publicou duas obras que tratam das duas primeiras
décadas de operação dessa agência (WHO, 1958, 1968).
É importante salientar que o foco institucionalista ainda existe.
Bons exemplos factuais dessa perspectiva são encontrados no
livro de Maggie Black sobre o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), criado nos anos 1940, e no livro de Socrates
Litsios sobre a OMS (Black, 1986; Litsios, 2008).
Os estudos sobre a história da saúde internacional foram
enriquecidos com o surgimento da história social da medicina
nos anos 1980 e 1990, quando se passou a enfatizar o estudo
histórico e político da medicina tropical como ferramenta de
dominação do imperialismo europeu (Arnold, 1993). A medicina
tropical foi uma nova disciplina que surgiu na Europa nas décadas
finais do século XIX com a promessa de que novas vacinas e
pesquisas poderiam controlar, e até eliminar, as principais doenças
infecciosas. Centros de pesquisa médica eletrizaram o mundo
com descobertas de microrganismos que poderiam ser
responsabilizados por doenças como o antraz e a cólera, e pela
criação de vacinas e antitoxinas que poderiam curar doenças
temidas e mortais. À época, a expansão imperialista proporcionou
o desenvolvimento das economias baseadas na exportação de
matérias-primas, a diversificação do comércio marítimo e o
crescimento das cidades no mundo inteiro. A saúde internacional
foi considerada uma ferramenta essencial para proteger a
economia dos portos, as populações estrangeiras e as cidades.
14 ]
Na primeira década do século XXI, as análises sobre a saúde
internacional foram beneficiadas por uma nova perspectiva
desenvolvida por outros historiadores (Bhattacharya, 2008). O
recorte temporal passa a ser feito, então, de forma diferenciada:
prioriza-se geralmente a segunda metade do século XX, com
ênfase na circulação de ideias, nas pessoas e nos produtos
biológicos. Além disso, o foco institucional perdeu a importância
que tinha anteriormente. Isso deu ensejo a pesquisas comparativas
em pelo menos dois tipos distintos de acervos históricos. Um,
organizado com fontes de agências financiadoras de projetos ou
doadoras, geralmente localizadas em algum país desenvolvido.
Outro, formado de materiais locais, de uma instituição receptora,
geralmente do país de origem onde se formou o historiador. Essa
nova perspectiva de pesquisas conferiu maior relevância ao
processo de interface entre países e tecnologias, tanto em sua
produção como em sua circulação e impacto nos programas
sanitários internacionais.
O objetivo deste livro é descrever e examinar por um olhar
histórico um novo campo de prática e de formação da saúde
pública: a saúde global. Suas origens encontram-se nas grandes
epidemias mundiais e nos acordos bilaterais da segunda metade
do século XIX e, num segundo momento, na criação de agências
de saúde da primeira metade do século XX. Os eventos que serão
estudados estiveram vinculados à criação da OMS, órgão que
procurou exercer uma liderança global e que foi, por algum tempo,
líder inconteste na área de saúde mundial.
Criada com grandes expectativas em 1948 e após liderar
campanhas contra doenças nos anos 1950 e 1960; a OMS
idealizou um programa sanitário holístico conhecido como
[ 15
Atenção Primária à Saúde nos anos 1970. Desde 1980, a liderança
e capacidade de resposta da OMS esteve ofuscada pelas mudanças
mundiais provocadas pela transnacionalização das finanças e pelas
agressivas atividades empreendidas por outros organismos
internacionais, especialmente o Banco Mundial.
A OMS recuperou-se parcialmente na virada do século XXI,
voltando a ocupar um lugar estável em uma nova ordem política
mundial caracterizada pelo neoliberalismo, pela reforma dos
serviços de saúde e pela crise do Estado de Bem-Estar Social
criado depois da Segunda Guerra Mundial. Nessa ocasião, a OMS
já compartilhava a liderança da saúde mundial com outras
instituições. Além disso, apresentava problemas, passando a ser
percebida como uma organização morosa incapaz de responder
à velocidade dos desafios epidemiológicos, concentrando-se em
acordos intergovernamentais insuficientes para acompanhar o
desenrolar dos processos epidemiológicos, científicos e políticos
transnacionais.
É importante levar em conta que a saúde global é um campo
sem características e orientações completamente definidas. Creio
que existem duas perspectivas de abordagem para a saúde global
que têm vínculos com a história da saúde internacional. A primeira,
com ênfase no uso de tecnologias modernas para controle de
doenças, nos chamados à caridade dos doadores privados e no
argumento de que programas eficientes de saúde pública são fatores
essenciais ao crescimento econômico. A segunda promove
reformas sociais com objetivo de reduzir desigualdades, como as
existentes entre diferentes países e dentro dos países, e faz uma
crítica à origem dessas injustiças sociais. Os diálogos e as rivalidades
dessas duas perspectivas serão analisados neste livro.
16 ]