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Introdução
As perspectivas de Saúde Global e Saúde Planetária podem lançar luz sobre essas
questões. A emergência da saúde global como um campo de estudo sinalizou um crescente
reconhecimento da interdependência nos padrões de circulação de doenças e de uma rede
crescente de mecanismos de governança que podem ser mobilizados para enfrentar os
problemas de saúde. A saúde global foi originalmente conectada a uma visão de mundo
segundo a qual “as doenças não conhecem fronteiras” e o mundo é marcado por uma
comunalidade de condições para responder a ameaças transfronteiriças. Nos últimos anos,
estudos críticos sobre a saúde global reconfiguraram disputas ideológicas, geopolíticas e
metodológicas preexistentes na arena internacional da saúde. Esses estudos reúnem
conhecimento, ensino, prática e pesquisa sobre questões de saúde que ultrapassam as
fronteiras geográficas nacionais; seus determinantes sociais e ambientais; bem como
possíveis soluções que requerem intervenções e acordos entre diferentes partes interessadas,
incluindo países, governos, instituições internacionais públicas e privadas.
Esse fato contraria as rápidas transformações do século XX, com queda expressiva da
mortalidade por doenças infecciosas e aumento da expectativa de vida em decorrência da
ampliação do saneamento básico, introdução de novas tecnologias médicas (vacinas e
antibióticos), melhoria na nutrição, habitação e condições de trabalho. Ao mesmo tempo em
que melhoraram o bem-estar e aumentaram a expectativa de vida de grande parte dos
humanos, criaram condições que colocam em risco a sobrevivência da humanidade.
Em segundo lugar, a busca por soluções baseadas em alta tecnologia tornou-se mais
comum e perigosa. A carne cultivada em laboratório é um bom exemplo de soluções mágicas.
Em nome de tornar o consumo de carne mais sustentável, uma vez que a produção de carne é
causa do desmatamento, o consumo de carne de laboratório, paradoxalmente um alimento
ultraprocessado, aumentou. Boas soluções para sistemas alimentares e insegurança alimentar
devem considerar: i) o Princípio da Precaução, que deve nortear novas soluções que tenham
consequências desconhecidas; ii) soluções baseadas em alta tecnologia colocam o futuro da
produção de alimentos nas mãos das grandes corporações alimentícias, que são as principais
responsáveis pelos atuais modelos hegemônicos insustentáveis; iii) tais soluções tendem a
substituir a comida de verdade, as refeições preparadas na hora e a culinária tradicional. Essa
combinação causou perturbações nutricionais, sociais e culturais, aumento da obesidade e
outras doenças relacionadas à dieta.
Outra questão crítica é admitir que existem alimentos bons e ruins que afetam nossa
saúde e meio ambiente de diferentes maneiras – contrariando os argumentos da indústria. Os
produtos ultraprocessados precisam ser reconhecidos e regulamentados considerando seus
impactos na saúde e no meio ambiente. Os governos e as agências da ONU devem reconhecer
que a indústria de alimentos não se auto-regulará e liderará a mudança para sistemas
alimentares saudáveis e sustentáveis.
Como Bittman disse: você não pode ter uma conversa séria sobre comida sem falar
sobre direitos humanos, mudanças climáticas e justiça. Acrescentando, há ciência da
impossibilidade de garantir segurança alimentar, promover uma dieta saudável e sustentável,
e prevenir e controlar a má nutrição de todas as formas sem discutir sistemas alimentares,
justiça social, saúde global, e sustentabilidade. Segurança alimentar é o acesso estável à
comida saudável e adequada para todos, sempre. Promover a segurança alimentar requer uma
combinação de políticas globais, nacionais, regionais e locais, assim como estratégias que
miram fornecer a todos maneiras de comer bem, prestar atenção no uso sustentável dos
recursos naturais, proteção ambiental, da cultura gastronômica e da tradição culinária.
Assim como outros países, o Brasil, que recebeu atenção por reduzir a fome e a
pobreza, observou, em anos recentes, inflexões em políticas públicas com impactos negativos
sobre segurança alimentar. Os esforços brasileiros do passado resultaram em políticas para a
melhora ao acesso à alimentação, geração de renda, apoio à produção de alimentos vindos de
pequenos produtores, e melhorando a administração da segurança alimentar. Junto a isso, o
Brasil construiu uma estrutura robusta, institucional e legal para a segurança alimentar,
transformando a luta contra a fome em uma obrigação, perseguindo novos objetivos
relacionados a prevenir a obesidade e promover dietas saudáveis e sustentáveis. O resultado
foi uma mobilização de longa data que reuniu organizações, redes de apoio e movimentos
sociais, assim como pesquisadores desde os anos 80. O compromisso político com a
prioridade em segurança alimentar cresceu em 2002, atraindo tanto o governo quanto a
população civil. Investimentos e o uso de dados dos sistemas de informação pública e
evidências científicas desempenharam um papel fundamental em apontar diferentes aspectos
de má nutrição: comida e segurança nutricional, fome, amamentação e obesidade. Os novos
desafios eram os de adotar práticas de dietas saudáveis e sustentáveis, de acordo com os
ODS. A resposta política para estes desafios foi de estratégias inovadoras para a promoção da
saúde individual, coletiva e planetária, o Guia Alimentar Nacional para apoiar a reorientação
dos sistemas alimentares e controle da má nutrição em todas as formas, incluindo
subnutrição, obesidade e riscos dietéticos, que são as principais causas de má qualidade da
saúde mundial.
Crises são consequências diretas da atividade humana. Lidar com estas crises requer
reforços e aplicação de regulações ambientais, pacotes de estímulo que oferecem incentivos
para atividades mais sustentáveis e positivas para a natureza, fundação de sistemas de saúde e
encorajamento de mudança comportamental, que significa repensar a forma que interagimos
com outras espécies e com o planeta. Uma perspectiva crítica de sustentabilidade significa
inclusão, justiça, consciência das diferenças e consideração dos atuais modelos econômicos
baseados em crescimento constante, consumo e desperdício. Também inclui soluções -
planejamento orientado de sustentabilidade baseado na natureza.
Glikson assume que o homem tem um impulso biológico para estar em contato com
diferentes tipos de ambientes. Isso provavelmente pertence à mesma categoria da demanda
física por uma variada nutrição e também à demanda física por uma variada rede de contatos.
Na visão dele, um homem urbano moderno pode ser considerado desnutrido em respeito ao
meio-ambiente e necessidades recreacionais. A mudança de ambiente é uma necessidade
sentida em todas as estruturas temporais da vida: durante o dia, o dia em si, a semana, as
estações do ano e em diferentes etapas da vida. Uma casa de família ou escolas suprem as
necessidades de recreação durante parte do dia; os jardins públicos, quadras, praças, parques
de diversões e centros culturais fornecem recreações diárias e algumas vezes semanais; os
arredores da cidade com parques, florestas e rios oferecem finais de semana e férias em
diferentes estações do ano. As áreas recreacionais nas cidades e em torno delas são
importantes para a saúde física e equilíbrio mental, sendo socialmente essenciais por serem
espaços onde vínculos comunitários são gerados durante as horas de lazer. O crescente
problema de depressão, ansiedade e estresse tem, ao menos em parte, sido atribuído à
crescente desconexão entre as pessoas e a natureza, apoiado por pesquisas que mostram que
as interações com a natureza promovem restauração psicológica, melhoram o humor e a
atenção e reduzem o estresse e a ansiedade.
Conclusões
Entretanto, estas crises podem ser oportunidades para catalisar processos de mudança
social, como experimentos em tempo real sobre reduzir a economia de consumo e acelerar
transformações. A questão crucial aqui é: como um coletivo, nós realmente queremos
isso? Nós temos condições de forçar essa agenda transformadora? Nós estamos cientes
de que devemos enfrentar estes desafios planetários trazidos pelo Antropoceno?