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Saúde global: passado,

1
presente e futuro

Amir A. Khaliq e Raymond A. Smego Jr.

de na melhoria da saúde e na obtenção da equidade


OBJETIVOS DE APRENDIZADO na saúde para todas as pessoas no mundo todo.”
Embora exista uma sobreposição considerável
• Compreender a história da saúde global e na estrutura da ação oferecida por várias das defi-
o papel das forças e intervenções que aju- nições, alguns especialistas fazem uma distinção de
daram a formar o estado atual da saúde no termos com a afirmação de que a saúde internacio-
mundo
nal foca nas questões de saúde em países de baixa
• Identificar e discutir os principais problemas renda, enquanto a saúde pública foca na saúde da
e desafios de saúde que o mundo enfrenta população de um país ou comunidade específica.
hoje 5
Outros, porém, desafiam essas distinções e argu-
• Propor e discutir soluções adequadas e mentam que a saúde global, internacional e públi-
promissoras para esses desafios, a serem ca tentam todas abordar os mesmos fatores sociais,
consideradas por gestores, planejadores e econômicos e ambientais subjacentes que afetam a
profissionais de saúde ao redor do mundo saúde de populações local, nacional ou globalmente.

PERSPECTIVA HISTÓRICA
DEFININDO A SAÚDE GLOBAL
Durante toda a história da humanidade, vários
Há diferentes visões sobre as definições de “saú- avanços melhoraram a qualidade e a longevidade
de global.” Para enfatizar a necessidade de ações da vida ao redor do globo. Voltando às civilizações
colaborativas entre as nações e limites geográfi- antigas, há evidências de sociedades que trabalha-
cos, Beaglehole e Bonita1 propuseram que a Saúde vam para melhorar a saúde do público em geral.
Global é “pesquisa e ação colaborativa transnacio- Os sistemas de esgoto babilônios estavam entre
nal para promoção da saúde para todos.” Outros os primeiros a serem projetados para proteger o
autores2 a definiram como “questões de saúde que suprimento de água de contaminação e doença.
transcendem os limites e governos nacionais e pe- A descoberta da pasteurização por Louis Pasteur,
dem ações sobre as forças globais que determinam na década de 1860, ajudou a garantir a segurança
a saúde das pessoas.” Outros ainda3 a consideram a dos suprimentos de alimentos em todo o mundo.
“melhoria mundial da saúde, redução das dispari- Com a implementação da constituição da Organi-
dades e proteção contra ameaças globais que des- zação Mundial de Saúde (OMS) em 1948, a cam-
consideram os limites nacionais.” Koplan e colegas4 panha de imunização em massa contra tuberculo-
sugerem que “o Global em saúde global refere-se ao se (TB) com a vacina do bacilo Calmette-Guérin,
escopo dos problemas, não à sua localidade. Assim... em 1950, e o início do Programa de Erradicação
saúde global pode focar nas disparidades de saúde da Malária, em 1955, muitos dos desenvolvimen-
domésticas, assim como em questões transnacio- tos importantes relacionados à saúde global nos
nais.” Propõem que “saúde global é uma área para tempos modernos ocorreram no período após a
estudo, pesquisa e prática que coloca uma priorida- Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1940 e

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1950. Em 1980, a varíola foi oficialmente erradica- tecnológicos, socioeconômicos e políticos contri-
da do planeta e, embora a pólio e o sarampo ainda buem para o bem-estar geral de uma comunidade.
não tenham sido erradicados, há um rápido pro- Lutas internas e conflitos políticos prolongados
gresso global em direção ao objetivo de proteger em um país, em contraste, levam à instabilidade
inteiramente crianças e comunidades dessas doen- econômica, que afeta negativamente a saúde e o
ças, que antes eram debilitantes. bem-estar de seus cidadãos. Infelizmente, países
Antes desses desenvolvimentos da segunda em desenvolvimento ao redor do mundo possuem
metade do século XX, as melhorias nas condições registros de conflitos antigos e corrupção disse-
de vida e a disponibilidade de novas tecnologias já minada. Todo ano, bilhões de dólares são drena-
tinham um efeito considerável sobre a qualidade de dos de países em desenvolvimento para bancos
vida e os indicadores de saúde nos países industria- em países desenvolvidos. Alguns sugeriram que
lizados da Europa, América do Norte e Oceania. a melhoria no status de saúde de populações,
A saúde pública tem o crédito de ter acrescenta- particularmente de países em desenvolvimento,
do quase 30 anos à expectativa de vida de pessoas pode ocorrer apenas por meio da mudança socio-
nos Estados Unidos no último século e mais de 22 política, do alcance global e do empoderamento
anos em outros lugares do mundo. Como testemu- local. Agências internacionais de auxílio e grupos
nho das notáveis contribuições do campo da saúde voluntários são parceiros significativos nesse es-
pública para todas as pessoas ao redor do mundo, forço. No entanto, a falta de vontade política e a
em 1999, o Centro de Controle e Prevenção de instabilidade geopolítica são importantes barrei-
Doenças dos Estados Unidos (CDC – Centers for ras para uma mudança positiva.
Disease Control and Prevention) formulou sua lis- No começo do século XX, os problemas de
ta de dez grandes conquistas de saúde pública no saúde pública mais importantes no mundo todo
6
século XX. Uma lista expandida de marcos da saú- eram, em grande parte, de natureza infecciosa.
de pública é mostrada na Tabela 1-1. A expectativa de vida para um cidadão dos Esta-
Em comparação ao impacto coletivo das me- dos Unidos era de 45,2 anos, e as cinco principais
lhores condições de vida, incluindo nutrição, sa- causas de morte eram influenza e pneumonia, tu-
neamento, habitação, educação e renda, o impacto berculose, diarreia e enterite, doença cardíaca e
da atenção médica centrada nas doenças sobre o acidente vascular encefálico (AVE) (Figura 1-1).
status geral de saúde de um país foi relativamente A expectativa de vida e a sobrevida mediana*
pequeno. Agora, há um reconhecimento dissemi- para pessoas que viviam em países menos desen-
nado da inextricável relação entre saúde, desen- volvidos eram ainda menores. Porém, cem anos
volvimento e estabilidade sociopolítica. Fatores depois, a expectativa de vida e o status de saúde
das pessoas no mundo todo melhoraram consi-
deravelmente. Em 2009, o japonês médio vivia 83
Tabela 1-1 Marcos selecionados de saúde anos, o americano médio, 79 anos, o norueguês
pública durante o século XX médio, 81 anos e o malaio médio, 73 anos. Vários
dos países empobrecidos na África, Ásia e Améri-
Imunizações ca Latina também tiveram ganhos impressionan-
7
Controle de doenças infecciosas tes de saúde pública nos últimos cem anos.
Pasteurização Esses ganhos, infelizmente, não foram distri-
Fluoração da água potável buídos de maneira uniforme entre os continentes
Intervenções materno-infantis ou entre os países em um mesmo continente. Em
Planejamento familiar alguns países em desenvolvimento marcados pela
Sistemas de águas residuais pobreza e por lutas políticas, as conquistas em
Prevenção e tratamento de doença cardíaca e
condições socioeconômicas e os indicadores de
acidente vascular encefálico
Segurança com veículos motorizados saúde foram menos do que dramáticos. Em 2009,
Segurança no local de trabalho a expectativa de vida média de uma pessoa no Afe-
Alimentos mais seguros e saudáveis ganistão era 48 anos, em Bangladesh, 65 anos, no
Controle do tabaco Chade, 48 anos e na Guatemala, 69 anos (Figura
Redução das lesões relacionadas a armas de fogo 1-2). É triste observar que a pandemia do vírus da
Prevenção de anormalidades congênitas*

*N. de R.T. Anormalidade congênita, um descritor de ciências da *N. de R.T. Sobrevida mediana é o termo utilizado para expressar
saúde, é definido como malformação de órgãos ou partes do o tempo (em meses ou anos) em que espera-se que metade dos
corpo durante o desenvolvimento intrauterino. pacientes estejam vivos.

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 3

1900

Pneumonia

Tuberculose

Diarreia e enterite

Doença cardíaca

AVE

Doença hepática

Lesões

Câncer

Senilidade

Difteria

0 10 20 30 40
Porcentagem

1997

Doença cardíaca
Câncer
AVE
Doença pulmonar crônica
Lesão não intencional
Pneumonia e influenza
Diabetes
Infecção por HIV
Suicídio
Doença hepática crônica

0 10 20 30 40
Porcentagem

䉱 Figura 1-1 As dez principais causas de morte como porcentagem de todas as mortes: Estados Unidos, 1900
e 1997. De Centers for Disease Control and Prevention. Achivements in Public Health, 1900-1997: Control of In-
fectious diseases. MMWR 48;621-629:1999. (Reproduzida com permissão.)

imunodeficiência humana/síndrome da imunode- Na transição para a modernidade, as po-


ficiência adquirida (HIV/AIDS), com seu epicen- pulações globais estão trocando um conjunto
tro na África durante as décadas de 1980 e 1990, de doenças por outro. Em muitos países, as me-
contribuiu com enormes retrocessos na longevi- lhores condições socioeconômicas que levaram
dade em grande parte do continente africano e em a uma redução na prevalência de doenças in-
outros países nos 30 anos desde seu reconhecimen- fecciosas e reduções associadas na morbidade
to. Por exemplo, a expectativa de vida de um ho- e mortalidade levaram a um aumento enorme
mem em Uganda era aproximadamente 47,4 anos em doenças relacionadas ao estilo de vida, como
entre 1980 e 1985; 39,7 anos de 1985 a 1990 e 38,9 obesidade, doença coronariana, hipertensão e
anos entre 1995 e 2000. Em 2009, a expectativa de diabetes. Na maioria dos países de média e baixa
vida de um homem em Uganda havia voltado para renda na Ásia, África e América Latina, as doen-
7
apenas 48 anos. ças transmissíveis (p. ex., pneumonia, doenças

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Tendências de expectativa de vida, por região

Expectativa de vida no nascimento, em anos

80 82
77 76 75
72
65 67 65

49

África Ásia América Regiões mais Mundo


Latina e desenvolvidas
Caribe

2000–2005 2045–2050

Fonte: Nações Unidas, World Population Prospects: The 2004 Revision (medium scenario), 2005.
® 2006 Population Reference Bureau

䉱 Figura 1-2 Tendências na expectativa de vida por região do mundo. Do Population Reference Bureau, 2006.
http://www.prb.org/presentations/g-trends-in-life-expect.ppt. (Reproduzida com permissão.)

diarreicas, HIV/AIDS, tuberculose e malária) e terceira geração (p. ex., violência, uso de drogas e
11
as doenças não transmissíveis (doença cardíaca, doenças mentais e psicossociais). Com esse back-
câncer, diabetes) representam importantes de- ground, nas seções a seguir discutiremos algumas
safios de saúde pública, conforme esses países das notáveis conquistas de saúde pública e os desa-
continuam suas transições de desenvolvimento, fios de saúde global.
demografia e epidemiologia.
As principais causas de mortalidade na maio-
ria dos países desenvolvidos hoje são doença car-
CONQUISTAS E DESAFIOS
díaca, câncer, AVE, doença pulmonar crônica e DE SAÚDE GLOBAL
lesão não intencional. Em 2009, essas doenças, co-
letivamente, eram responsáveis por 64% de todas 䉴 Doenças infecciosas
as mortes nos Estados Unidos, enquanto pneumo- A mudança do século XIX na população que
nia, influenza e HIV/AIDS são responsáveis por acompanhou a industrialização e migração da área
apenas 4,5% das mortes anuais. No entanto, a Di- rural para as cidades levou à superpopulação em
visão de População das Nacões Unidas estima que habitações inadequadas, servidas por suprimentos
“doenças do grupo 1”, que incluem doenças mater- públicos de água e sistemas de descarte de água
nas, perinatais, nutricionais e comunicáveis, são, impróprios ou inexistentes. Essas condições re-
em grande parte, responsáveis por uma redução de sultaram em repetidos surtos de cólera, disenteria,
mais de 15 anos na expectativa de vida em países TB, febre tifoide, influenza, febre amarela e malá-
africanos. Se os níveis de doenças do grupo 1 dos ria. A urbanização global acelerou dramaticamen-
países desenvolvidos pudessem ser atingidos em te durante as últimas quatro décadas do século XX,
países africanos, sua expectativa de vida no nas- colocando mais e mais pessoas em risco de surtos
8-10
cimento aumentaria para cerca de 72 anos. Em de doenças em grande escala. Em 1960, estimava-
todas as partes do globo, ocorre uma transição de -se que 70% da população mundial vivia em áreas
doenças de primeira geração ou “grupo 1” (p. ex., rurais. Hoje, quase a mesma porcentagem vive em
infecções comuns da infância, desnutrição e riscos cidades e grandes áreas metropolitanas. Em 1994,
reprodutivos) para doenças de segunda geração (p. a cidade de Shangai, China, sofreu um surto de he-
ex., doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, patite A viral que envolveu mais de 400 mil casos.
cânceres e doenças degenerativas) e doenças de Em todo o subcontinente indiano, praticamente

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 5

todas as cidades importantes sofreram surtos de de influenza de 1918, que resultou em 20 milhões
hepatite E viral relacionados a sistemas de água de mortes. Desde 1981, estima-se que 33 milhões
municipais contaminados, envolvendo até 200 mil de vidas tenham sido perdidas para HIV/AIDS,
pessoas por surto. e acredita-se que quase 35 milhões de outras
O controle de saúde pública de doenças in- pessoas estejam infectadas no mundo todo, es-
fecciosas depois de 1900 baseou-se na descoberta, pecialmente na África subsaariana, na Índia e no
15-17
no século XIX, de microrganismos como causa de sudeste da Ásia. Essa pandemia ainda está em
várias doenças graves, como cólera e tuberculo- progresso. Além disso, mais de 30 novas doenças
12,13
se. O sucesso no controle das doenças resultou, foram descobertas nos últimos 30 anos (Tabela
em grande parte, de melhorias no saneamento e 1-2), demonstrando a volatilidade das doenças
higiene, da descoberta de antibióticos e da imple- infecciosas e a imprevisibilidade da emergên-
mentação de programas universais de vacinação cia de doenças. Muitas das doenças infecciosas
infantil. Os avanços científicos e tecnológicos tive- emergentes, como SRAG gripe aviária, síndrome
ram uma grande participação em cada uma dessas respiratória aguda grave (síndrome hemolítico-
áreas e são a base dos sistemas atuais de vigilância e -urêmica) e são zoonóticas.
controle de doenças. Nos países ocidentais, a inci- Em várias áreas urbanas e rurais da Ásia, Áfri-
dência de várias doenças infecciosas começou a di- ca e América Latina, serviços básicos de saúde pú-
minuir notavelmente em 1900, devido às melhorias blica, como o fornecimento de água potável, esgoto
de saúde pública, cuja implementação continuou e descarte de resíduos sólidos, segurança alimentar
no século XX. e educação pública sobre práticas de higiene (p. ex.,
As mortes por doenças infecciosas nos países manuseio dos alimentos e lavagem das mãos), ain-
ocidentais continuaram a diminuir em ritmo está- da estão em falta ou são inadequados. Essas defi-
vel durante o século XX. Em particular, houve uma ciências contribuem para uma carga global contí-
queda notável na mortalidade de bebês e crianças nua de importantes doenças transmitidas pela água
e um aumento de 29,2 anos na expectativa de vida. e pelos alimentos, como doença diarreica aguda
Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1900, 30,4%
de todas as mortes ocorreram entre crianças com
menos de 5 anos; em 1997, essa porcentagem foi
de apenas 1,4%. Em 1900, as três causas principais Tabela 1-2 Doenças ou patógenos
de morte foram pneumonia, tuberculose e diarreia recém-reconhecidos desde 1981
e enterite, que (juntamente com difteria) causa-
ram um terço de todas as mortes. Dessas mortes, Influenza aviária
40% foram entre crianças com menos de 5 anos. Acantamebíase
Lyssavirus do morcego australiano
Em 1997, a doença cardíaca e os cânceres foram
Babesiose
responsáveis por 54,7% de todas as mortes, com Bartonella henselae
menos de 5% atribuíveis à pneumonia, influenza e Coronavírus/síndrome respiratória aguda grave (SRAG)
6
infecção por HIV. Erliquiose
Apesar desse progresso notável, as doenças Síndrome pulmonar por hantavírus
infecciosas continuam entre as maiores ameaças Helicobacter pylori
a pessoas que vivem em países em desenvolvi- Vírus de hendra ou morbilivírus equino
mento. Mais de 60% das crianças que morrem Vírus da hepatite C
com menos de 5 anos morrem por causa de pneu- Vírus da hepatite E
HIV/AIDS
monia, diarreia ou sarampo. Juntas, a pneumo-
Herpes-vírus humano 8
nia e a diarreia ainda são responsáveis por 40% Herpes-vírus humano 6
das mortes infantis no mundo, e apenas 39% das Vírus linfotrópico de célula-T humano I
crianças com diarreia recebem terapia de reidra- Vírus linfotrópico de célula-T humano II
14
tação oral. Ainda que o número de casos de TB Borrelia burgdorferi
esteja em um nível mais baixo do que em outras Microsporídia
épocas nos Estados Unidos, a prevalência global Encephalitozoon cuniculi
de tuberculose está em um nível mais alto do que Encephalitozoon hellem
em todos os tempos, com cerca de 8 milhões de Enterocytozoon bieneusi
7 Vírus da doença de Nipah
novos casos e 3 milhões de mortes por ano. HIV/
Parvovírus B19
AIDS se tornou a epidemia mais devastadora na Doença de Creutzfeldt-Jakob variante
história da humanidade, superando a pandemia

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(responsável por aproximadamente 1,9 milhão de evolução microbiana incluem o desenvolvimen-


mortes por ano), hepatite viral, febre entérica e to de uma cepa virulenta da influenza aviária em
18
brucelose. Um terço da população mundial sofre Hong Kong (1997-1998) e da cepa MDR W de
de doenças causadas por alimentos contaminados, Mycobacterium tuberculosis nos Estados Unidos
e muitas dessas pessoas apresentam complicações em 1991. A emergência de cepas de Staphylococcus
de longo prazo ou morrem. Além disso, programas aureus com resistência intermediária à vancomici-
de controle de animais e pestes são inadequados no na (VISA, do inglês vancomycin-intermediate Sta-
mundo todo e contribuem para a persistência de phylococcus aureus) ou resistentes à vancomicina
doenças como malária, encefalite viral, tripanosso- (VRSA, do inglês vancomycin-resistant Staphylo-
7,9,10
míase, peste e antraz. coccus aureus) e de infecções bacterianas gram-ne-
gativas extensivamente resistentes a medicamentos
tornaram-se causas importantes de preocupação
䉴 Agentes antimicrobianos e global entre médicos e microbiólogos.
resistência a medicamentos O aumento no desenvolvimento e uso de
Os medicamentos antibacterianos estão em uso agentes antimicrobianos acelerou o desenvolvi-
civil há mais de 60 anos e salvaram as vidas de mento da resistência a antimicrobianos. A emer-
gência da resistência a antimicrobianos em muitos
milhões de indivíduos com infecções estreptocó-
microrganismos está revertendo alguns dos mila-
cicas e estafilocócicas, gonorreia, sífilis e outras
gres terapêuticos dos últimos 50 anos e ressaltou
infecções. Também foram desenvolvidos medica-
a importância da prevenção de doenças. A resis-
mentos para tratar doenças virais (p. ex., herpes e
tência a multimedicamentos antimicrobianos é
infecção por HIV), doenças fúngicas (p. ex., can-
um problema grave e crescente no mundo todo
didíase e aspergilose) e doenças parasíticas (p. ex.,,
para infecções baseadas na comunidade causa-
malária). A penicilina, descoberta por acaso por
das por espécies de Plasmodium, M. tuberculosis,
Sir Alexander Fleming em 1928, não foi desenvol-
Streptococcus pneumoniae, Salmonella e espécies de
vida para uso médico até a década de 1940, mas
Campylobacter, Neisseria gonorrhoeae, Helicobacter
logo mudou a face da medicina. O medicamento pylori e HIV, assim como para infecções nosoco-
rapidamente se tornou um produto médico de dis- miais devidas a estafilococos, enterococos, entero-
ponibilidade disseminada para doenças bacteria- bactérias, Clostridium difficile e fungos sistêmicos.
nas que antes eram incuráveis, com um espectro (Veja o Capítulo 12 para mais informações sobre
mais amplo e menos efeitos colaterais do que os resistência a antimicrobianos.)
medicamentos de sulfa. Para o sucesso contínuo no controle de doen-
O sucesso na redução da morbidade e morta- ças infecciosas, o sistema de saúde pública global
lidade de doenças infecciosas durante os três pri- deve se preparar para tratar diversos desafios, in-
meiros terços do século XX levou à complacência cluindo a emergência de novas doenças infeccio-
quanto à necessidade de continuação das pesqui- sas, a reemergência de doenças antigas (às vezes
sas sobre o tratamento e controle de micróbios em formas resistentes a medicamentos), os gran-
infecciosos. No entanto, o aparecimento global da des surtos alimentares e os atos de bioterrorismo.
AIDS, a emergência de TB resistente a multimedi- A proteção contínua da saúde exige melhoria da
camentos (MDR) e da TB extensivamente resisten- capacidade para vigilância de doenças e resposta
te a medicamentos (XDR) e um aumento geral na a surtos nos níveis local, estadual, nacional e glo-
mortalidade de doenças infecciosas durante as dé- bal; o desenvolvimento e a disseminação de novos
cadas de 1980 e 1990 forneceram mais evidências métodos laboratoriais e epidemiológicos; o desen-
de que, enquanto os micróbios puderem evoluir, volvimento contínuo de agentes antimicrobianos
novas doenças surgirão. e vacinas e pesquisas contínuas sobre fatores am-
19
A genética molecular ofereceu insights valio- bientais que facilitam a emergência de doenças.
sos sobre a notável capacidade dos microrganismos A resposta da saúde pública global ao surto de
de evoluir, se adaptar e desenvolver resistência a SRAG em 2004 e de gripe aviária em 2010 de-
medicamentos de maneira imprevisível e dinâ- monstrou cooperação sem precedentes de vigilân-
mica. Os genes da resistência são transmitidos de cia e disseminação de informações. As pesquisas
uma bactéria para outra em plasmídeos, e os ví- em andamento sobre o possível papel de agentes
rus evoluem por meio de erros de replicação, re- infecciosos (p. ex., Chlamydia trachomatis, vírus)
arranjo dos segmentos de genes e cruzamento das na causa ou intensificação de determinadas doen-
barreiras entre espécies. Exemplos recentes de ças crônicas, como diabetes melito tipo 1, alguns

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 7

cânceres e doença cardíaca aterosclerótica, tam-


bém são imperativas. Tabela 1-3 Doenças que podem ser prevenidas
por vacinas por ano de desenvolvimento de
䉴 Imunizações
vacina ou aprovação nos Estados Unidos

O desenvolvimento de vacinas para prevenir a Doença Ano


disseminação de doenças transmissíveis é prova- Varíola a
1798 b

velmente a conquista mais importante em ciências


biomédicas e a intervenção de saúde pública mais Raiva 1885b
efetiva na história da humanidade. No começo do Tifoide 1896b
século XX, as doenças infecciosas cobraram um Cólera 1896b
enorme preço da população global. Foi apenas a
partir da metade do século XX que foram obtidas Peste 1897b
conquistas sem precedentes no controle de muitas Difteriaa 1923b
doenças que podem ser prevenidas por vacinas.20 A Coqueluchea 1926b
erradicação da varíola e a redução de 95% ou mais a
na morbidade e complicações resultantes de doen- Tétano 1927b
ças que podem ser prevenidas por vacinas incluí- Tuberculose 1927b
das no Programa Expandido de Imunizações (PEI), Influenza a
1945c
iniciado pela OMS em 1974, atestam a notável efi-
cácia das vacinas. Febre amarela 1953c
a
Embora a primeira vacina contra varíola te- Poliomielite 1955c
nha sido desenvolvida por Edward Jenner em 1796, Sarampoa 1963c
mais de cem anos depois, seu uso ainda não estava a
disseminado, como evidenciado por um surto nos Caxumba 1967c
Estados Unidos entre 1900 e 1904 que resultou em Rubéolaa 1969c
mais de 48 mil casos em cada 1 dos 4 anos. Quatro
Antraz 1970c
outras vacinas – contra raiva, tifo, cólera e peste –
foram desenvolvidas no final do século XIX, mas Meningite meningocócica 1975c
a
também não foram amplamente usadas até 1900. Pneumocócica 1977c
Desde 1900, vacinas foram desenvolvidas ou licen-
Adenovírus 1980c
ciadas contra outras 22 doenças (Tabela 1-3). Em a
2012, uma criança americana precisava de 27 doses Hepatite B 1981c
de vacinas até os 15 meses de idade para ser prote- Haemophilus Influenzae tipo Ba 1985c
gida contra 14 doenças infantis.21
Encefalite B japonesa 1992c
Em 1974, quando o PEI foi lançado pela
OMS, menos de 5% das crianças do mundo eram Hepatite Aa 1995c
imunizadas contra as seis doenças-alvo iniciais – Varicela a
1995c
difteria, tétano, pertússis (coqueluche), pólio, sa-
Doença de Lyme 1998c
rampo e tuberculose – durante seu primeiro ano a
de vida. Até então, os programas de imunização Rotavírus 1998c, 2006c,d
estavam, em grande parte, restritos a países indus- Papilomavírus humano 2005c
trializados, e mesmo neles eram implementados c
Herpes-zóster 2006
apenas parcialmente. Em 1990, e depois de uma
pequena queda provisória nas taxas de cobertura, a
Vacina recomendada para uso universal em crianças nos Estados
mais uma vez nos últimos anos, quase 80% dos Unidos. A vacinação de rotina contra varíola terminou em 1971.
b
130 milhões de crianças nascidas por ano eram Vacina desenvolvida (ou seja, primeiros resultados publicados
de uso da vacina).
imunizadas antes de seu primeiro aniversário. c
Vacina licenciada para uso nos Estados Unidos. A primeira vacina
Apenas em 2010, 109 milhões de crianças com contra rotavírus foi retirada do mercado em 1999. A vacina con-
menos de 1 ano foram inoculadas com as três tra doença de Lyme foi retirada do mercado em 2001.
d
doses da vacina contra difteria-pertússis-tétano Vacina pentavalente oral viva.
Adaptada de Centers for Disease Control and Prevention. Achie-
(DPT3).22 vements in Public Health, 1900-1999: Impact of vaccines uni-
Conforme a cobertura para cada uma das va- versally recommended for children – United States, 1990-1998.
cinas da infância aumentou, envolvendo agora 500 MMWR 1999;48:243-248.

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8 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

milhões de contatos de imunização com crianças Já há ensaios clínicos em andamento para uma
por ano, houve uma queda correspondente na in- vacina para prevenir e/ou tratar a infecção por HIV.
cidência das doenças infecciosas alvo. O PEI (que, O desafio global de imunização deste século será
hoje, inclui vacinas contra febre amarela e hepatite encontrar uma maneira de financiar o suprimento
B) agora previne as mortes de pelo menos 3 mi- de uma vacina efetiva contra HIV para alguns dos
lhões de crianças por ano. Além disso, pelo me- países mais pobres do mundo, onde é mais necessá-
nos 750 mil crianças a menos ficam cegas, com ria. Estratégias criativas e inovadoras para financiar
deficiência física ou retardo mental, como resul- a distribuição mundial de uma vacina efetiva con-
tado de doenças que podem ser prevenidas com tra HIV, quando se tornar disponível, estão sendo
vacinas. De fato, o Objetivo de Desenvolvimento agressivamente discutidas com financiadores em
do Milênio #4 da OMS (ODM 4) depende essen- potencial, como o Banco Mundial, o Fundo Mo-
cialmente do sucesso da imunização disseminada netário Internacional e a Gates Foundation. O nú-
de crianças para reduzir em dois terços a carga mero de pessoas que serão candidatas a uma vacina
global de mortalidade com menos de 5 anos até o contra HIV dependerá de a resposta imunológica
22,23
ano 2015. ser estritamente preventiva ou terapêutica.
O sucesso dos programas de vacinação nos Adicionalmente, os esforços para controlar o
Estados Unidos e na Europa inspirou o concei- sarampo, que causa cerca de 1 milhão de mortes
to de erradicação de doença, a ideia de que uma por ano, e para expandir os programas de vacina-
doença atacada cautelosamente poderia ser elimi- ção contra rubéola também estão em andamento
nada em todas as populações humanas por meio ao redor do mundo. O uso de vacinas existentes
da cooperação global. Em 1980, aproximadamente nos programas de vacinação infantil no mundo
uma década depois de ter sido eliminada dos Es- deve ser expandido, e o sucesso da introdução de
tados Unidos e do resto do Hemisfério Ocidental, novas vacinas deve ocorrer, quando forem desen-
a varíola foi erradicada no mundo todo, após uma volvidas. Esses esforços relacionados ao controle e
campanha de uma década envolvendo 33 nações. à prevenção de doenças infecciosas podem benefi-
Parcerias internacionais abrangendo nações indus- ciar países riscos e pobres, diminuindo as impor-
trializadas ricas, a OMS e o Rotary International tações de doenças de países em desenvolvimento.
agora procuram erradicar a pólio. A poliomielite No Ocidente, ocorrem milhões de casos potencial-
causada por vírus do tipo selvagem foi quase elimi- mente evitáveis de influenza, doença pneumocó-
nada de todos os países, com exceção do Afeganis- cica e hepatite B por ano, em populações adultas
tão, da Nigéria e do Paquistão. Casos de sarampo e e adolescentes. Novas vacinas serão direcionadas
Haemophilus influenzae tipo b (Hib) entre crianças para esses grupos etários.
com menos de 5 anos foram reduzidos a recordes Apesar dos cerca de 3 milhões de vidas salvas
de números baixos. A doença desfigurante e de- pelas vacinas contra DTP3 e sarampo todos os anos
bilitante conhecida como dracunculíase também e das altas taxas de imunizações relatadas na maioria
23
mostra promessa de ser erradicada em um futuro dos países, há sérios desafios em termos de dispa-
23,24
próximo. ridades dentro e entre países. Em particular, países
Outros alvos para controle e erradicação de no sul da Ásia e África enfrentam desafios que, às
25
doenças são apresentados pelo licenciamento re- vezes, são chamados “falácia da cobertura.” Espe-
lativamente recente de vacinas, como a vacina cificamente, os desafios têm a ver com imunizações
pneumocócica conjugada sete-valente, as vacinas apropriadas para a idade menos do que ideais, ini-
meningocócicas tetravalentes e a vacina contra o quidade social e de gênero nas imunizações, aces-
papilomavírus humano. Novas vacinas previstas so ruim, educação das mulheres e dos pais e baixas
incluem as vacinas contra influenza, parainfluenza taxas de eficácia das vacinas que, em algumas áreas,
e doenças crônicas (p. ex., úlceras gástricas e câncer foram consideradas de até 41,5%. Para lidar com es-
causado por Helicobacter pylori e doença cardíaca ses e outros desafios, em 2006, a OMS e o Fundo das
reumática que ocorre como sequela de infecção es- Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lançaram
treptocócica do grupo A). Devido à restrição dos uma nova iniciativa, intitulada Global Immunization
recursos nacionais de saúde na década de 1990, Vision Strategy (Estratégia de Visão da Imunização
22
muitos países em desenvolvimento foram forçados Global). Outros desafios incluem estratégias para
a reexaminar os dados epidemiológicos para esta- populações de difícil acesso, priorização baseada em
belecer suas prioridades de doenças infecciosas e evidências de iniciativas globais para introduzir no-
escolher entre acrescentar a vacina contra Hib ou vas vacinas e fortalecimento e expansão da infraes-
24 26
hepatite B aos seus programas nacionais de PEI. trutura de vigilância e imunização global.

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 9

Os financiamentos e os sistemas de entrega de mente a morte resultante. Projeta-se que a carga


vacinas nacionais devem ser capazes de implemen- global da doença cardíaca coronariana crescerá de
tar com sucesso um calendário de vacinação cada 46 milhões de AVAIs em 1990 para 82 milhões em
vez mais complexo. Como ocorre com outras in- 2020. O aumento na prevalência de DCV reflete
tervenções de saúde pública, os esforços nacionais uma combinação significativa de hábitos alimenta-
e internacionais para promover o uso de vacinas res não saudáveis, aumento no consumo de tabaco
dependem, em grande parte, da infraestrutura de no mundo todo e redução dos níveis de atividade
saúde pública, do desenvolvimento econômico e física como resultado da industrialização, urbani-
da estabilidade política. Com o pensamento e o es- zação, desenvolvimento econômico e globalização
7,28
tabelecimento de prioridades corretos, até mesmo do mercado de alimentos.
países de baixa renda podem atingir taxas notáveis Mais de metade das mortes e incapacidades de
de cobertura de vacinação para suas populações. doença cardíaca e AVE por ano pode ser reduzida
com uma combinação de esforços nacionais sim-
䉴 Doença cardíaca coronariana e AVE
ples e custo-efetivos e ações individuais para di-
minuir fatores de risco importantes, como pressão
Estima-se que 17,3 milhões de mortes – ou 30% arterial alta, diabetes melito, colesterol alto, obesi-
do total de mortes globais em 2008 – resultaram dade e tabagismo. A obesidade é uma das mais no-
de várias formas de doença cardiovascular (DCV): vas epidemias globais, especialmente em países de-
doença cardíaca coronariana ou isquêmica, doença senvolvidos e transicionais. Devido à associação da
cerebrovascular ou AVE, hipertensão, insuficiência obesidade com DCV e diabetes, o controle da obe-
cardíaca e doença cardíaca reumática. Dessas, 7,3 sidade e a perda de peso devem ser considerados
milhões de mortes se deveram à doença cardíaca uma importante estratégia global para melhorar a
isquêmica, 6,2 milhões à doença cerebrovascular e saúde e o bem-estar de pessoas no mundo todo.
outros 3,9 milhões à doença hipertensiva e outras A OMS, em colaboração com o CDC, atual-
27,28
condições cardíacas. Pelo menos 20 milhões de mente trabalha para oferecer informações que
pessoas sobrevivem a ataques cardíacos e AVEs possibilitem ações para desenvolver e implementar
por ano, com uma proporção significativa exigindo políticas nacionais e internacionais apropriadas re-
atenção clínica dispendiosa, o que representa uma lacionadas à epidemia global de ataque cardíaco e
enorme carga para os recursos de saúde de longo AVE. Como parte desses esforços, a OMS produ-
prazo. A DCV afeta pessoas na meia-idade, limitan- ziu The Atlas of Heart Disease and Stroke (Atlas de
do o desenvolvimento socioeconômico não apenas Doenças Cardíacas e Acidente Vascular Encefáli-
28
para os indivíduos afetados, mas também para as co), que aborda o problema da doença cardíaca
famílias e nações. Grupos socioeconômicos menos e do AVE em formato claro e acessível para uma
favorecidos geralmente apresentam maior preva- grande audiência. Esse material de referência valio-
lência de fatores de risco, doenças e mortalidade em so foi planejado para uso de gestores, organizações
países desenvolvidos. Um padrão similar está emer- nacionais e internacionais, profissionais de saúde e
gindo conforme a epidemia de DCV amadurece público em geral. Esse atlas pitoresco é dividido em
também nos países em desenvolvimento. seis partes: as DCVs, os fatores de risco, a carga, a
28
As DCVs não são mais apenas um problema ação, o futuro e o passado e as tabelas mundiais.
do mundo desenvolvido. Em 2005, cerca de 80% No Ocidente, os principais marcos no mane-
de todas as mortes por DCV no mundo inteiro jo de angina pectoris e ataque cardíaco, incluindo
ocorreram em países em desenvolvimento de bai- intervenções caras ou invasivas, como angiogra-
xa e média renda, e esses países foram responsá- fia diagnóstica da coronária, terapia trombolítica,
veis por mais de 86% da carga global de doença da estatinas, medicamentos bloqueadores do recep-
DCV. Mais de 60% de todas as doenças cardíacas tor de plaquetas IIb/IIIa, angioplastia percutânea
coronarianas ocorrem em países em desenvolvi- transluminal da coronária, colocação de stent na
mento, parcialmente como resultado do aumento artéria coronária, cirurgia de derivação do mio-
da longevidade, urbanização e mudanças de esti- cárdio e dispositivos para assistir o ventrículo, re-
lo de vida. Além disso, a DCV é responsável por sultaram em impressionantes declínios na morta-
10% dos anos de vida ajustados por incapacidade lidade dessas condições nas últimas duas décadas.
(AVAIs) perdidos em países de baixa e média ren- A tecnologia futura tem ainda mais promessas para
da e por 18% em países de alta renda. Os AVAIs o tratamento de DCV. No entanto, esses serviços
representam anos saudáveis perdidos e indicam a diagnósticos e terapêuticos são amplamente ina-
carga total de uma doença, em oposição a simples- cessíveis para a maioria das populações que vivem

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10 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

na Ásia, África e América Latina. Não importa em 2005, para 1,8 milhão, em 2010. No mundo
quais avanços sejam feitos na medicina de alta tec- desenvolvido, a disponibilidade do tratamento
nologia, importantes reduções globais em mortes antirretroviral levou a uma queda significativa na
e deficiências causadas pela DCV apenas virão de morbidade, incapacidade e mortalidade resultante
medidas preventivas envolvendo a modificação dos de AIDS. Por exemplo, a combinação de dose fixa
fatores de risco – não da cura. Os métodos mais de dois medicamentos antirretrovirais, tenofovir e
custo-efetivos de redução do risco são intervenções entricitabina, está sendo usada de maneira efetiva
para toda a população combinando políticas efeti- para tratar e prevenir infecções por HIV. A combi-
vas econômicas, educacionais e de saúde ampla e nação dos dois agentes em um comprimido reduz
programas que enfatizem a redução do consumo o custo da pílula e aumenta a adesão com a terapia
alimentar de gorduras, cessação do tabagismo e antirretroviral.
restrição do sal. Nos primeiros dias dessa pandemia, um pa-
ciente não poderia esperar viver mais de seis me-
䉴 HIV/AIDS
ses depois de ser diagnosticado com AIDS. Agora,
a maioria dos pacientes que têm acesso ao trata-
Muito progresso foi feito desde o início da déca- mento adequado pode ter a expectativa de viver
da de 1980 na melhoria da nossa compreensão da durante muitos anos, se não o período inteiro
etiologia, epidemiologia, história natural e trata- de vida. Fora o tratamento e manejo efetivos da
mento de HIV/AIDS. Esforços globais para com- doença, a meta real é o desenvolvimento e a dis-
bater a disseminação da AIDS também se torna- ponibilidade disseminada de uma vacina. O uso
ram mais organizados e coordenados. Na última de microbicidas tópicos em mulheres tem obtido
década, mais recursos financeiros e farmacológicos sucesso profilático limitado. No entanto, seu uso
se tornaram disponíveis a organizações governa- disseminado representa muitos desafios práticos e
15-17
mentais e não governamentais internacionalmen- culturais.
te. Por exemplo, em 2004, apenas 700 mil pessoas De acordo com dados da UNAIDS, no final
em países de baixa e média renda tiveram acesso de 2010, estimava-se que 34 milhões de pessoas
ao tratamento antirretroviral, mas o número em no mundo estavam vivendo com HIV, o que re-
2011 aumentou para 8 milhões (Figura 1-3). Des- presenta um aumento de 17% comparado com os
de 2001, a incidência de HIV caiu em 22 países dados de 2001. Esse aumento se deve, em grande
na África subsaariana e em 33 países ao redor do parte, ao melhor acesso de pacientes com AIDS
16,17
mundo. Além disso, o número total de mortes re- à terapia antirretroviral. O Relatório do Dia
lacionadas à AIDS no mundo caiu de 2,2 milhões, Mundial da AIDS de 2011 da UNAID estimou

8,0
África do Norte e Oriente Médio
7,0
Europa e Ásia Central
6,0 Leste, Sul e Sudeste da Ásia
América Latina e Caribe
5,0
Milhões

África subsaariana
4,0

3,0

2,0

1,0

0,0
011
10
008

009
002

03

04

005

006

007

0
0

e 20

de 2
de 2
de 2
de 2

de 2

de 2

de 2

de 2

de 2
d

Fim
Fim
Fim

Fim

Fim

Fim

Fim

Fim

Fim

Fim

䉱 Figura 1-3 Número de pessoas que receberam terapia antirretroviral (TARV) em países de baixa e média
renda, por região, 2002-2011. Organização Mundial da Saúde. http://www.who.int/hiv/topics/treatment/data/
em/index1.html. (Reproduzida com permissão.)

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 11

31,32
que, desde 1997, 2,5 milhões de mortes haviam vidade da situação. Aproximadamente 68% dos
sido evitadas em países de baixa e média renda 34 milhões de pessoas infectadas por HIV no mun-
e, somente em 2010, 700 mil mortes relacionadas do hoje vivem na África subsaariana.
à AIDS foram evitadas. Em 2010, houve 2,7 mi-
lhões de novas infecções, incluindo 390 mil entre
crianças. O número de novas infecções também 䉴 Pobreza e fome no mundo
caiu 21%, em comparação ao pico, em 1997. Po- A fome é a manifestação mais extrema da pobre-
rém, houve 7 mil novas infecções por dia em 2009, za, quando indivíduos ou famílias não são capazes
das quais 97% foram em países de baixa e média de suprir sua necessidade mais básica de alimento.
renda, e mil em crianças com menos de 15 anos. Manifesta-se de muitas outras maneiras além da
Notavelmente, entre 2001 e 2010, as mortes rela- fome e da falta de alimentos. A subnutrição afeta
cionadas à AIDS aumentaram dramaticamente, negativamente a saúde, a produtividade e a sen-
de 7.800 para 90 mil na Ásia Central e Europa sação de esperança e bem-estar geral das pessoas.
Oriental e de 24 mil para 56 mil no leste da Ásia. A falta de comida pode prejudicar o crescimento,
Além disso, o número de mortes relacionadas à aumentar a suscetibilidade a doenças, retardar o
AIDS no Oriente Médio aumentou 60% no mes- pensamento, aumentar o consumo de energia, pre-
7,15
mo período, de 22 mil para 35 mil. judicar o desenvolvimento fetal e contribuir para
Desde 2004, a iniciativa Global de AIDS dos o retardo mental. Economicamente, a garantia
Estados Unidos, também conhecida como Plano constante de alimento consome tempo e energia
de Emergência Presidencial para Alívio da AIDS valiosos, deixando menos tempo para trabalho e
(PEPFAR), disponibilizou mais de 30 bilhões de geração de renda. Socialmente, a falta de alimento
dólares para combater a epidemia global de HIV/ acaba com relacionamentos e causa vergonha, de
AIDS. O programa funciona em parceria com os forma que os mais necessitados de apoio, com fre-
governos nacionais e o setor privado em mais de quência, são os menos capazes ou menos dispostos
33
30 países ao redor do mundo, mas principalmente a buscá-lo. Estima-se que, a cada dia, mais de 16
na África e no Caribe. Apesar das muitas contro- mil crianças morram de causas relacionadas à fome
vérsias a respeito do PEPFAR, até o final de 2008, (uma criança a cada 5 segundos).
estima-se que a iniciativa tenha sustentado, pelo A má nutrição e as deficiências calóricas fa-
menos parcialmente, o tratamento antirretroviral zem com que quase 1 em cada 3 pessoas morra
para mais de 2 milhões de pessoas, evitando a in- prematuramente ou apresente incapacidades, de
34
fecção de 240 mil recém-nascidos e 1,1 milhão de acordo com a OMS. Gestantes, lactantes e crian-
29,30
mortes no mundo todo. ças estão entre os grupos em maior risco de desnu-
A epidemia de HIV/AIDS tornou-se um obs- trição. A cada ano, quase 11 milhões de crianças
táculo importante na luta contra a fome e a pobreza morrem antes de seu quinto aniversário. Quase to-
em países em desenvolvimento. Como a maioria das essas mortes ocorrem em países em desenvol-
das pessoas infectadas pelo HIV com AIDS é com- vimento, três quartos deles na África subsaariana e
posta de adultos jovens que normalmente traba- no sul da Ásia, as duas regiões que também sofrem
lham em colheitas agrícolas, a produção de alimen- das maiores taxas de fome e desnutrição. A maio-
tos caiu drasticamente em países com altas taxas de ria dessas mortes é atribuível não à inanição em si,
prevalência de HIV/AIDS. Em metade dos países mas a doenças que afligem, de maneira oportunis-
na África subsaariana, estima-se que o crescimento ta, crianças vulneráveis com as defesas enfraque-
econômico per capita esteja caindo entre 0,5 e 1,2% cidas pela fome. Por ano, mais de 20 milhões de
por ano como resultado direto da AIDS. Adultos bebês com baixo peso nascem em países em desen-
infectados também deixam para trás crianças e pa- volvimento. Esses bebês apresentam maior risco
rentes idosos com poucos meios de se sustentarem. de morrer na infância, e aqueles que sobrevivem
Em 2003, 12 milhões de crianças ficaram órfãs na costumam sofrer de deficiências físicas e cognitivas
África subsaariana, um número que aumentou por toda a vida.
31
para 14,8 milhões em 2010. Desde que a epide- As quatro doenças mais comuns da infância
mia começou, 30 milhões de pessoas morreram de são diarreia, doença respiratória aguda, malária e
AIDS e mais de 18 milhões de crianças perderam sarampo. Todas podem ser prevenidas e tratadas.
pelo menos um dos pais para a doença. A expres- Ainda assim, a pobreza interfere com o acesso
são da UNICEF lares comandados por crianças, das pessoas às imunizações e aos medicamentos.
que significa menores que foram feitos órfãos pelo A subnutrição crônica sobreposta ao tratamento
HIV/AIDS e que criam seus irmãos, ilustra a gra- inadequado aumenta muito o risco de morte de

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12 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

uma criança. No mundo em desenvolvimento, 27% vereiro de 2011, com uma alta que foi ainda mais
das crianças com menos de 5 anos estão moderada pronunciada do que a de 2008, de acordo com o
a gravemente abaixo do peso, 10% estão extrema- índice de preços da Organização de Alimentos e
mente abaixo do peso, 10% estão moderada a gra- Agricultura das Nações Unidas. Em geral os pre-
vemente abaixo do peso para a altura, e alarmantes ços das commodities específicas são ajustados pela
31% estão gravemente raquíticas ou extremamente inflação; no entanto, o pico de preço de 2011 não
35
abaixo da altura normal para a idade. atingiu os níveis de 2008 (Figura 1-4). Como os
Proclamando que estar livre da fome e má preços de alimentos subiram, a situação da fome
nutrição é direito inalienável de todos os homens, mundial piorou, conforme testemunhado pela
mulheres e crianças, os delegados da Conferência fome no chifre da África em 2011-2012, resultante
Mundial de Alimentação, em 1974, haviam esta- de uma seca prolongada.
belecido uma meta para erradicar a fome, inse- Em 2005, o número de pessoas em regiões
gurança alimentar e desnutrição em uma década. em desenvolvimento que viviam com menos de
Em 1996, na Cúpula Mundial da Alimentação, US$ 1,25 por dia era 1,4 bilhão, e estima-se que,
em Roma, foi estabelecida uma meta para reduzir em 2015, 920 milhões de pessoas no mundo todo
o número de pessoas desnutridas no mundo de estarão vivendo abaixo da Linha Internacional de
36,37
800 milhões para 400 milhões, até o ano 2015. Pobreza de US$ 1 por dia. Mais de metade (51%)
Endossados por 189 países em 2000, os Objetivos da população da África subsaariana e 39% no sul
de Desenvolvimento do Milênio da OMS, a serem da Ásia em 2005 viviam com menos de US$ 1,25
atingidos até 2015, incluem a redução pela metade por dia. A crise financeira global que começou
do 1,2 bilhão de pessoas no mundo que vive com em 2008 na América do Norte e Europa também
menos de US$ 1 por dia e dos 852 milhões de pes- afetou gravemente os países em desenvolvimento
soas que sofrem de fome diariamente. devido a um declínio nas exportações, no comér-
O Instituto Internacional de Política e Pes- cio e em investimentos, o que levou à pobreza ex-
quisa de Alimentação observou que o mundo trema 64 milhões de pessoas no mundo todo. Em
enfrenta uma nova economia de alimentação, 2005, 1,5 bilhão de pessoas no mundo trabalhavam
que provavelmente envolve preços de alimentos como autônomas ou trabalhadores familiares sem
mais altos e voláteis. Depois da crise do preço renda. No período de 2005 a 2007, 16% da popu-
dos alimentos em 2007-2008, os preços começa- lação mundial (830 milhões de pessoas) e 26% da
ram a subir novamente em junho de 2010, com população da África subsaariana estavam desnutri-
os preços internacionais do milho e trigo quase dos; 1 em cada 4 crianças nos países em desenvol-
dobrando até maio de 2011. O pico ocorreu em fe- vimento estava abaixo do peso. Crianças em áreas

450 100
Preços semanais de óleo bruto (US$ por barril)

Milho
400 Trigo duro 90
agricultura (US$ por tonelada métrica)
Preços semanais de commodities de

Arroz
350 80
Soja
Óleo bruto 70
300
60
250
50
200
40
150
30
100 20
50 10

0 0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011

䉱 Figura 1-4 Ações dos principais exportadores de milho, trigo e arroz, 2008. http://www.ifpri.org/node/8436.
(Reproduzida com permissão de Torero M. “Food Prices: Riding the Rollercoaster.” No Relatório da Política Global
de Alimentos de 2011, Figura 1. Washington, DC: International Food Policy Research Insitute, 2011.)

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 13

rurais apresentam probabilidade duas vezes maior a taxa de mortalidade materna caiu de 87, em 1990,
de serem desnutridas do que em áreas urbanas. No para 40, em 2008, o Vietnã, onde caiu de 158 para
entanto, há um lampejo de esperança resultante 64, e a Bolívia, onde caiu de 439 para 180 no mes-
de melhorias observadas em alguns países em de- mo período.
senvolvimento. Por exemplo, o Relatório de ODM Como no resto do mundo, a mortalidade ma-
de 2010 observou que a pobreza na China cairá terna diminuiu dramaticamente nos Estados Uni-
para apenas 5% da população em 2015 e, na Índia, dos nos últimos cem anos. Porém, os ganhos não
de 51% em 1990 para 24% em 2015. Além disso, mantiveram o passo desde 1990, e as disparidades
projeta-se que, globalmente, até 2015, o número entre grupos raciais e socioeconômicos continua-
de pessoas em pobreza extrema diminuirá em 188 ram a persistir no século XXI. A taxa de mortalida-
38
milhões. de materna nos Estados Unidos relatada para 1987
era 6,6 para cada cem mil nascidos vivos, enquanto
䉴 Mortalidade materna e infantil
em 2007, o ano mais recente para o qual há dados
disponíveis do CDC, a taxa foi relatada como 12,7
Há cem anos, a maioria dos partos e intervenções mortes para cada cem mil nascidos vivos. Entre
cirúrgicas ao redor do mundo era realizada sem mulheres negras não hispânicas, a taxa foi 28,4, en-
medidas de saneamento e antissepsia adequadas. quanto para mulheres brancas, foi 10,5.
Como resultado, um grande número de mortes As justificativas para o risco materno cos-
maternas era causado por sepse após o parto ou tumam ser baseadas na juventude. As mulheres
aborto ilegalmente induzido, e as mortes restantes com déficit estrutural pela má nutrição crônica
eram atribuídas principalmente à hemorragia e to- são vulneráveis a parto distócico. A anemia pre-
xemia. As complicações da gestação e parto ainda dispõe a hemorragia e sepse durante o parto e foi
são uma importante causa de morte e incapacidade implicada em pelo menos 20% das mortes mater-
entre mulheres em idade reprodutiva nas regiões nas pós-parto na África e Ásia. O risco do parto é
39,40
mais pobres do mundo. Sangramento grave, ainda maior para mulheres que foram submetidas
infecções, abortos inseguros e doenças hiperten- à mutilação genital; estima-se que 2 milhões de
sivas (pré-eclâmpsia e eclâmpsia) são responsáveis meninas sejam mutiladas por ano. A má educação
por 70% das mortes maternas no mundo. A cada obstétrica e as práticas inadequadas de parto são
ano, mais de 136 milhões de mulheres no mundo responsáveis, principalmente, pelos altos números
todo – das quais 16 milhões são meninas entre 15 de mortes maternas, cuja maioria pode ser evita-
e 19 anos – dão à luz, e 20 milhões delas apresen- da. Em muitos países de baixa renda, os serviços
tam doenças relacionadas à gestação e ao parto, obstétricos são supridos, em geral, por profissio-
incluindo infecção, anemia, fístula, incontinência nais de treinamento deficiente ou sem treinamen-
e depressão. to. Por exemplo, na República da África Central,
Estima-se que 287 mil mulheres, quase 800 apenas 44% dos bebês nascem com auxílio de
por dia, tenham morrido no mundo todo, em 2010, atendentes capacitados. A maioria dos partos
de causas maternas, e 99% dessas mortes ocorre- ocorre em casa, com assistência de parteiras ou
ram em países em desenvolvimento. O número de auxiliares de parto tradicionais. Em grande par-
mortes em 2010 representa um declínio de 47% te do mundo, o acesso consistente à atenção pré-
das 543 mil mortes maternas estimadas em 1990. -natal e pós-natal, que beneficia a mãe e o bebê, é
A África subsaariana e o sul da Ásia foram respon- inadequado ou ausente.
sáveis por 85% das mortes maternas em 2010, com A mortalidade infantil está intimamente rela-
a Índia e Nigéria, sozinhas, sendo responsáveis por cionada à pobreza e à falta de educação, e mais de
um terço de todas as mortes maternas, e 40 países um terço das mortes de crianças com menos de 5
41
apresentando taxas de 300 ou mais mortes mater- anos está relacionado à desnutrição. É importante
nas em cada cem mil nascidos vivos. No mesmo enfatizar que foi feito um progresso considerável
ano, o Chade e a Somália apresentaram taxas ex- na redução da mortalidade infantil desde 1990,
tremamente altas de mil ou mais mortes maternas com o número de mortes de crianças com menos
em cada cem mil nascidos vivos. Atualmente, ape- de 5 anos reduzido de quase 12 milhões para 6,9
nas 23 dos 181 países estão a caminho de atingir milhões em 2011, uma queda de 41% (Figura 1-5).
o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio das No entanto, os números para 2011 ainda indicam
Nações Unidas de reduzir a mortalidade materna as mortes, em grande parte evitáveis, de 19 mil
global em 75% entre 1990 e 2015. Os ganhos mais crianças no mundo todos os dias, ou 51 mortes em
41
importantes foram em países como a China, onde cada mil nascidos vivos globalmente. De modo

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14 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

200

174
150

121
117

97
100

88
82
77
75

71
66

67

63

57
54
52

48
50 45

32

32

27

23

18

15
7
0
África subsaariana

Sul da Ásia

Oceania

Cáucaso e
Ásia Central

Sudeste da Ásia

Ásia Ocidental

África do Norte

América Latina
e Caribe

Ásia Oriental

Regiões
desenvolvidas
Regiões em
desenvolvimento

Mundo
1990 2010

䉱 Figura 1-5 A mortalidade antes dos 5 anos de idade (mortes em cada mil nascidos vivos) declinou em todas
as regiões entre 1990 e 2010. http://www.childinfo.org/files/Child_Mortality_Report_2011.pdf. (Reproduzida
com permissão.)

similar às tendências na taxa de mortalidade ma- anos de idade em cada mil nascidos vivos, confor-
terna, grande parte da melhoria na mortalidade de me estimada pelo Banco Mundial para 2011, foi
crianças com menos de 5 anos ocorreu no Leste maior para Serra Leão (185), Somália (180), Mali
da Ásia, África do Norte, América Latina e no Ca-
ribe, com uma redução de mais de 50% na mor-
talidade em menores de 5 anos. Nessas regiões, o
crescimento econômico, melhor nutrição e melhor Tabela 1-4 Intervenções médicas e ambientais
acesso à saúde ajudaram a promover as melhorias que contribuíram para o declínio da mortalidade
na sobrevida infantil (Tabela 1-4). No entanto, na infantil no século XX
África subsaariana, 1 em cada 9 crianças e, no sul
da Ásia, 1 em cada 16 crianças morrem antes dos Melhorias nos padrões de vida
5 anos de idade. Esse é um contraste intenso com Redução das doenças que podem ser prevenidas por
países desenvolvidos, onde a taxa é de 1 morte em vacinas
cada 152 crianças com menos de 5 anos. No lado Controle das doenças transmitidas por meio do leite
positivo, a taxa de declínio na mortalidade com Melhorias na nutrição
Declínio das taxas de fertilidade
menos de 5 anos na África subsaariana foi muito
Maior espaço entre partos
mais rápida nas duas últimas décadas, com a du- Avanços na medicina clínica
plicação da taxa entre 1990 e 2000 e 2000 e 2011. Descoberta de antibióticos e terapias de fluidos e
Uma estimativa diz que quase metade de todas as eletrólitos
mortes em menores de 5 anos agora ocorre em Avanços tecnológicos na medicina neonatal
apenas cinco países: Índia, Nigéria, República De- Melhorias no acesso à saúde
mocrática do Congo, Paquistão e China. A maioria Aumentos na vigilância e no monitoramento de
dessas mortes se deve à pneumonia (18%), compli- doenças
Posicionamento dos bebês deitados de costas
cações do parto prematuro (14%), diarreia (11%),
Regionalização dos serviços perinatais
complicações durante o parto (9%) e malária (7%). Melhorias nos níveis de educação
Porém, a taxa de mortalidade em menores de 5

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(176) e Chade (169). Em contraste, o número de mais), e mais de 500 milhões (12% da população
mortes em menores de 5 anos em muitos dos países global) estavam obesas. Todos os anos, 2,8 milhões
desenvolvidos, como Japão, Finlândia, Cingapura, de pessoas morrem como resultado direto de esta-
Alemanha, França, Dinamarca e Bélgica, foi apenas rem acima do peso ou obesas. Além disso, 44% dos
entre 3 e 4 mortes em cada mil nascidos vivos. casos de diabetes, 23% de doença cardíaca isquê-
A taxa de mortalidade infantil nos Estados mica e de 7 a 41% de alguns cânceres são atribuídos
Unidos declinou mais de 90% desde 1915 até 1997, ao excesso de peso ou à obesidade. Globalmente,
para 7,2 em cada mil nascidos vivos. A taxa de 1 a cada 6 adultos está obeso, 1 de 3 está hiperten-
mortalidade infantil em 2010 era 6,14 mortes em so e 1 entre 10 está diabético. Em média, pessoas
cada mil nascidos vivos, o que representa uma re- severamente obesas apresentam probabilidade de
dução de 3,9% da taxa de 6,39 em 2009. Entre 1958 morrer de 8 a 10 anos mais cedo do que pessoas de
e 2010, com exceção de 2002 e 2005, a taxa de mor- peso normal, e o risco de morte aumenta em 30%
talidade infantil nos Estados Unidos declinou ou em cada 15 quilos extras de peso corporal. Em ter-
permaneceu a mesma, a cada ano sucessivo. Infe- mos de custos para a sociedade, acredita-se que a
lizmente, para bebês negros, a taxa de mortalidade obesidade seja de 1 a 3% responsável pelos custos
em 2010 era 11,6, em comparação a 5,19 para bebês de saúde na maioria dos países e de 5 a 10% nos Es-
brancos. tados Unidos. Além disso, uma pessoa obesa ganha
A conquista do ODM4 envolve a redução da até 18% menos em um ano do que uma pessoa de
mortalidade em menores de 5 anos de idade em dois peso normal, mas tem despesas 25% maiores com a
42
terços entre 1990 e 2015. No entanto, quase cem paí- saúde. Estudos também mostram uma associação
ses, incluindo mais de 40 na África subsaariana, não entre obesidade na infância, baixa autoestima e de-
43-45
estão no caminho de atingir esse objetivo (Tabela sempenho acadêmico inferior.
1-5). Na realidade, esse ODM está atrasado em re- Em alguns dos países da OCDE, a epidemia de
lação a todos os outros ODMs, particularmente na obesidade diminuiu ou estabilizou nos últimos três
42
Oceania, África subsaariana e Ásia Central ou sul da anos. Essas mudanças podem ser atribuídas a um
Ásia. As melhorias nos serviços de saúde pública, número de fatores, incluindo medidas mais agres-
incluindo água potável segura, melhor saneamento sivas de saúde pública e maior conscientização do
e educação, são críticas para a sobrevida infantil no público. Um exemplo de iniciativas de políticas
mundo todo. (Veja o Capítulo 4 para mais informa- planejadas para obter desfechos de saúde pública é
ções sobre mulheres e crianças.) o crescente interesse entre países desenvolvidos em
cobrar impostos mais altos sobre alimentos com
䉴 Obesidade
alto teor de açúcar e gordura.
Para lidar com essa epidemia global de obesi-
Nas últimas três décadas, as taxas de obesidade, dade, estratégias abrangentes envolvendo a comu-
definida como índice de massa corporal (IMC) de nidade e ambientes de apoio são fundamentais. As
30 kg/m2 ou mais, em muitos países desenvolvidos, evidências mostram que políticas sociais e econô-
aumentaram até o ponto em que a obesidade está se micas, nacional e internacionalmente, afetam os
tornando um problema tão grave quanto a desnu- hábitos alimentares e os padrões de atividade física.
trição na maioria dos países em desenvolvimento. Portanto, a política pública multissetorial baseada
Até 1980, menos de 10% da população na maioria na população é crítica para a prevenção e conten-
das nações desenvolvidas eram obesos. Entre 1980 ção da epidemia de obesidade. Nos Estados Uni-
e 2008, a prevalência global de obesidade quase dos, o programa Let’s Move, liderado pela Primeira
dobrou. As projeções indicam que 2 de 3 pessoas Dama Michelle Obama, está começando a ter al-
em alguns dos países da Organização para Coo- gum impacto. Perto de 500 comunidades no país
peração e Desenvolvimento Econômico (OCDE) todo inscreveram-se na iniciativa Let’s Move Cities
estarão obesas ou acima do peso até 2020. Os da- and Towns e assumiram o compromisso de pro-
dos da OCDE para 2003 mostraram que 30,6% da vocar mudanças saudáveis em suas comunidades.
população dos Estados Unidos e 24,2% do México Várias organizações, como a Academia Americana
estavam obesos. Além disso, as mulheres em todos de Pediatria, garantiram seu apoio a esse programa
os países apresentaram maior probabilidade de e estão ajudando a disseminar a mensagem, solici-
obesidade do que os homens. tando que a totalidade de seus médicos façam ras-
Em 2008, mais de 40 milhões de crianças em treamentos de IMC durante as consultas infantis.
idade pré-escolar e 1,4 bilhão de adultos no mun- Outras organizações, incluindo a Liga Nacional de
do todo estavam acima do peso (IMC 25 kg/m2 ou Futebol Americano, a Liga Nacional de Hóquei e a

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Tabela 1-5 Níveis e tendências da taxa de mortalidade em menores de 5 anos, por região dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
entre 1990 e 2010 (mortes em cada mil nascidos vivos)

Alvo Declínio Taxa anual média de Progresso em 2010 para


ODM (porcentagem) redução (porcentagem) o alvo do Objetivo de
Região 1990 1995 2000 2005 2009 2010 2015 1990-2010 1990-2010 Desenvolvimento do Milênio 4

Regiões desenvolvidas 15 11 10 8 7 7 5 53 3,8 A caminho


Regiões em 97 90 80 71 64 63 32 35 2,2 Progresso insuficiente
desenvolvimento
África do Norte 82 62 47 35 28 27 27 67 5,6 A caminho
África subsaariana 174 168 154 138 124 121 58 30 1,8 Progresso insuficiente
América Latina e Caribe 54 44 35 27 22 23 18 57 4,3 A caminho
Cáucaso e Ásia Central 77 71 62 53 47 45 26 42 2,7 Progresso insuficiente
Leste da Ásia 48 42 33 25 19 18 16 63 4,9 A caminho
Excluindo a China 28 36 30 19 18 17 9 39 2,5 A caminho
Sul da Ásia 117 102 87 75 67 66 39 44 2,9 Progresso insuficiente
Excluindo a Índia 123 107 91 80 73 72 41 41 2,7 Progresso insuficiente
Sudeste da Ásia 71 58 48 39 34 32 24 55 4,0 A caminho
Oeste da Ásia 67 57 45 38 33 32 22 52 3,7 A caminho
Oceania 75 68 63 57 53 52 25 31 1,8 Progresso insuficiente

Mundo 88 82 73 65 58 57 29 35 2,2 Progresso insuficiente

Fonte: Reproduzida com autorização de http://www.childinfo.org/files/Child_Mortality_Report_2011.pdf. Copyright Childinfo, UNICEF.


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principal liga de beisebol, estão apoiando esforços e 15% têm hepatite B. O UNODC relata que as
para promover atividade física e mudanças ativas drogas ilícitas mais utilizadas são a maconha e es-
de estilo de vida. timulantes do tipo anfetamina, incluindo ecstasy.
Em 2010, o número global estimado de usuários
䉴 Vício
dessas substâncias foi de 119 a 224 milhões e 14 a
52 milhões, respectivamente. A produção, a distri-
O dicionário Merriam-Webster on-line define o ví- buição e o uso de drogas ilícitas estão intimamente
cio como “a necessidade e uso compulsivos de uma associados ao crime, prostituição, tráfico humano,
substância formadora de hábito (como heroína, rompimento socioeconômico, destruição de flores-
nicotina ou álcool) caracterizados pela tolerância tas e terras para agricultura, carga sobre os sistemas
e por sintomas fisiológicos bem-definidos na retira- de saúde e separação de famílias no mundo todo.
da” ou, mais amplamente, como “o uso compulsivo Estudos de pesquisas demonstram consisten-
persistente de uma substância que o usuário sabe temente que as taxas de alcoolismo entre parentes
ser nociva.” Com frequência, o termo é usado no de primeiro grau são muito maiores do que entre
contexto limitado de dependência física de uma terceiros na população. Um estudo comparativo
substância alteradora do ânimo, como cocaína, indicou que filhos de alcoólatras apresentam pro-
heroína, nicotina ou álcool, mas, na realidade, um babilidade 3 a 5 vezes maior de desenvolver al-
indivíduo pode criar dependência fisiológica, psi- coolismo do que filhos de não usuários de álcool.
cológica, comportamental ou emocional de prati- Estima-se que de 20 a 25% dos filhos de usuários
camente qualquer coisa; o jogo é um tipo de vício de álcool e cerca de 5% das filhas se tornem usuá-
sem substância. rias de álcool. Da mesma forma, cerca de 20 a 25%
Para ilustrar a magnitude do problema do uso dos irmãos de usuários de álcool e 5% das irmãs se
do álcool e de abuso de drogas ilícitas no mundo, tornem usuárias de álcool. Esses estudos oferecem
estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas con- evidências de que uma história familiar de alcoo-
sumam bebidas alcoólicas no mundo todo e 76,3 lismo representa o maior fator de risco conhecido
milhões apresentem um transtorno diagnosticável para a doença.49
de abuso do álcool. Todos os anos, cerca de 2,5 mi-
lhões de pessoas, incluindo 320 mil jovens entre
15 e 29 anos, morrem por abuso do álcool. Na ver- 䉴 Acidentes de trânsito e mortes
dade, o abuso do álcool é responsável por 9% das Os acidentes de trânsito são uma das principais
mortes globais no grupo etário entre 15 e 29 anos, causas de morte e lesões no mundo todo. O cres-
resulta na perda de 58,3 milhões de AVAIs e está cimento populacional, a rápida urbanização, in-
causalmente relacionado a mais de 60 doenças e le- fraestrutura deficiente e aumento do número de
sões, incluindo de 20 a 30% dos casos de câncer no veículos em países de baixa e média renda tornam
esôfago, câncer no fígado, cirrose hepática, homicí- os acidentes de trânsito uma questão de saúde pú-
dios, convulsões epiléticas e acidentes com veículos blica urgente. A cada ano, os acidentes tiram 1,3
motorizados.46 Dados do CDC indicam que 1 em milhão de vidas no mundo todo (mais de 3 mil por
cada 13 gestantes relata consumir álcool e entre 0,2 dia) e ferem ou incapacitam até mais 50 milhões.50
e 1,5 casos de síndrome alcoólica fetal são relatados Em pessoas entre 5 e 29 anos de idade, os acidentes
para cada mil nascidos vivos.47 de trânsito são a segunda maior causa de morte no
A OMS também estima que pelo menos 15,3 mundo, e 90% deles ocorre em países de baixa e
milhões de pessoas no mundo tenham um pro- média renda. O impacto econômico negativo das
blema de abuso de drogas. O Relatório Mundial batidas de carro é estimado entre 1 e 3% do pro-
de Drogas de 2012, publicado pelo Gabinete de duto interno bruto (PIB) dos respectivos países e
Drogas e Crimes das Nações Unidas (UNODC, globalmente atinge mais de US$ 500 bilhões por
UN Office on Drugs and Crime), indica que, ape- ano. Estudos anteriores mostraram que as taxas
nas em 2010, 230 milhões de pessoas no mundo, de causalidade e fatalidade nos países em desen-
ou 1 em 20 adultos, usaram uma droga ilícita pelo volvimento são muito maiores do que nos países
menos uma vez. O número estimado de indivíduos desenvolvidos. Além disso, nos países do golfo do
com problema de abuso de substâncias é aproxi- Oriente Médio, as taxas de lesão e morte são muito
madamente 27 milhões, e cerca de 200 mil pessoas maiores do que nos países desenvolvidos, com ní-
morrem, por ano, como resultado do uso de dro- veis comparáveis de propriedade de veículos. Por
gas ilícitas.48 Entre os usuários de drogas injetáveis, exemplo, no Reino Unido e nos Estados Unidos,
20% são infectados por HIV, 47% têm hepatite C em 2004, houve 0,72 e 1,51 fatalidades no trânsito

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em cada cem milhões de quilômetros de veículos, de cintos de segurança de bebês e crianças ou ca-
respectivamente, enquanto os Emirados Árabes deirinhas é ainda menor.
Unidos registraram desproporcionais 3,3 mortes Durante as últimas décadas, o design e as ca-
51
em cada cem milhões de quilômetros. Em 2011, racterísticas de segurança dos automóveis, como
Omã apresentou um total de 1.051 mortes em aci- materiais que absorvem o impacto, cintos de segu-
dentes de trânsito, elevando a taxa de mortalidade rança, cadeirinhas infantis voltadas para a traseira,
no trânsito para cerca de 42 mortes em cada po- air bags, alarmes e sinalizadores de velocidade, câ-
pulação de cem mil, muito mais do que a média meras traseiras e sistemas de frenagem automáti-
global de 19 em cada cem mil pessoas. Mais de um cos, diminuíram em grande parte o risco de morte
terço daqueles que morreram tinham menos de e lesões resultantes de acidentes com automóveis
25 anos. O Global Status Report de 2009 da OMS no mundo todo. A implementação efetiva de regras
estimou que, em números absolutos, a Índia, com de trânsito incluindo limites de velocidade e um
105.725 fatalidades, esteve no topo da lista, segui- melhor projeto de sistemas de estradas e rodovias
da pela China (96.611), Estados Unidos (42.642) também contribuiu substancialmente para a redu-
e Rússia (35.972). No entanto, em termos da taxa ção do número de acidentes em cada cem milhões
55
de fatalidades em cada população de cem mil, os de milhas* dirigidas. Nos Estados Unidos em
cinco países no topo da lista foram Eritreia (48,4), 2010, houve 1,09 fatalidade em cada cem milhões
Ilhas Cook (45,0), Líbia (34,7), África do Sul (33,2) de milhas dirigidas e 32.885 mortes, em compara-
e Irã (32,2). ção a 1,46 fatalidade em cada cem milhões de mi-
De acordo com a OMS, com 29 mortes em lhas dirigidas e 43.510 mortes em 2005, represen-
cada cem mil habitantes, a Arábia Saudita tem tando uma redução de 26% nas mortes no trânsito
uma das mais altas taxas de mortalidade no trân- durante o período de cinco anos.
52
sito no mundo. As lesões no trânsito são agora A maior parte das mudanças positivas nas es-
a principal causa de morte para homens sauditas tatísticas de fatalidades em países desenvolvidos é
entre 16 e 36 anos de idade. Relatórios da mídia atribuída a automóveis mais seguros e ao uso mais
sugeriram que um terço de todos os leitos hos- frequente de cintos de segurança. Acredita-se que
pitalares no país são ocupados por vítimas de o número de fatalidades seria ainda menor sem
acidentes de trânsito a um custo anual estimado a distração na direção devido ao uso de telefones
53
de US$ 7 bilhões. A Diretoria Geral Saudita de celulares e digitação de mensagens ao dirigir. Nos
Trânsito relatou, em 2008 e 2009, que 17 pessoas Estados Unidos, a Administração Nacional de Se-
morreram em acidentes de trânsito todos os dias, gurança do Trânsito em Rodovias estimou que, em
com um número total de mortes de 6.485. Outros 2010, 3.092 pessoas (9,4% de todas as fatalidades de
relataram, no começo da última década, que 81% trânsito) morreram devido a acidentes associados
das mortes e 20% da ocupação de leitos do Minis- à distração na direção, e 12% (4.280 indivíduos)
tério da Saúde Saudita se deveram a acidentes de das fatalidades no trânsito foram entre pedestres.
54
trânsito. Em resposta aos altos números de lesões e fatali-
As pesquisas na última metade de século dades atribuídos ao comportamento dos pedestres
forneceram uma clara compreensão das circuns- e motoristas, foram tomadas medidas legislativas
tâncias que envolvem as lesões de trânsito entre e políticas em vários estados. Por exemplo, 37 dos
crianças e os fatores que influenciam a probabilida- 50 estados americanos proibiram as mensagens em
de de uma criança se ferir. O transporte sem cinto telefones celulares ou outros dispositivos eletrôni-
de segurança é a mais importante causa de morte cos; 10 estados tornaram ilegal o uso de telefones
entre crianças envolvidas em acidentes de trânsi- celulares ao dirigir (o uso de fones com sistemas
to. Nos Estados Unidos, em 2010, houve 30.196 de viva voz foi isento dessa regra). Em comparação,
acidentes fatais, com 32.885 mortes. Das 22.187 as fatalidades no trânsito também caíram de ma-
pessoas mortas em veículos de passageiros, 47,5% neira estável nos últimos 10 anos na União Euro-
não estavam usando cinto de segurança, e das 291 peia (UE). Por exemplo, no Reino Unido, em 2010,
crianças com menos de 5 anos que foram mortas, apenas 1.905 pessoas morreram em fatalidades no
26,5% não usavam dispositivos de segurança. Em trânsito, em comparação a 3.598 mortes em 2001,
56
contraste, dos 35.149 sobreviventes de acidentes fa- uma melhoria de 43% (veja o Capítulo 13 para
tais de veículos de passageiros, 74,4% usavam cinto mais informações sobre lesões).
de segurança e, entre 1.469 crianças com menos de
5 anos que sobreviveram, 85,1% usavam o cinto. *N. de R.T. Uma milha equivale a 1,6093 km; portanto, cem mi-
Na maioria dos países em desenvolvimento, o uso lhões de milhas equivalem a 160.930.000 km.

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 19

Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Uni- mento e perda econômica. Globalmente, o custo de
das proclamou o período de 2011 a 2020 como sen- lesões e mortes relacionadas ao trabalho foi estima-
59
do a Década de Ação para Segurança no Trânsito do entre 4 e 5% do PIB. O relatório da OMS su-
e, em 2011, a OMS, em parceria com a Colabora- gere que até cem milhões de trabalhadores são fe-
ção para Segurança no Trânsito das Nações Uni- ridos e 200 mil morrem por ano devido a acidentes
das, produziu um documento de orientação para e lesões relacionadas ao trabalho. As lesões e doen-
os estados membros com o objetivo de estabilizar ças ocupacionais são de preocupação muito maior
e reduzir o número de fatalidades em acidentes de em países em desenvolvimento, onde vivem 70%
trânsito no mundo todo. de todos os trabalhadores do mundo. Apesar dos
muitos casos que não são relatados, a Organização
䉴 Riscos ocupacionais e segurança
Internacional do Trabalho estima que, a cada ano,
2,3 milhões de indivíduos morram como resultado
no local de trabalho de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho ao
A segurança no local de trabalho é uma grave redor do mundo, e somente a exposição a mate-
preocupação global, já que uma força de trabalho riais perigosos causa mais de 650 mil mortes. No
formal constitui aproximadamente 50 a 60% da geral, aproximadamente 340 milhões de acidentes
população de um país. Trabalhadores em muitas ocupacionais envolvendo 160 milhões de vítimas
60
ocupações no mundo todo enfrentam muitos ris- ocorrem por ano.
cos. Em consequência, há leis específicas, proto- Nos Estados Unidos, dados do Conselho Na-
colos, procedimentos e medidas de segurança em cional de Segurança de 1993 até 1997 indicam que
vários países para minimizar o nível de risco a que as mortes por lesões não intencionais relacionadas
os trabalhadores são expostos. É responsabilidade ao trabalho caíram 90%, de 37 em cada cem mil
61,62
de todos os envolvidos, incluindo os trabalhado- trabalhadores para 4 em cada cem mil. O nú-
res, empregadores, regulamentadores e agências de mero anual correspondente de mortes diminuiu
cumprimento da lei, cumprir suas obrigações pro- de 14.500 para 5.100. Durante o mesmo período,
fissionais, éticas e legais para garantir a segurança a força de trabalho mais do que triplicou, de 39
de todos os trabalhadores. Em reconhecimento da milhões para aproximadamente 130 milhões. De
importância das questões de saúde ocupacional, acordo com o Gabinete de Estatísticas do Trabalho
31
em 1994, os Centros de Colaboração em Saú- dos Estados Unidos, em 2010 houve 4.690 fatalida-
de Ocupacional da OMS em 27 países adotaram des relacionadas ao trabalho, que caíram de uma
63
uma proposta para uma Estratégia Global para alta de 6.632 em 1994. Das mortes em 2010, 40%
Occupational Health for All (Saúde ocupacional foram relacionadas a acidentes de transporte, 16%
57
para todos). Da mesma forma, em 23 de maio de envolveram contato com um objeto ou equipa-
2007, a 60ª Assembleia de Saúde Mundial da OMS mento e 14% envolveram quedas (38% das quedas
endossou um Plano de Ação Global sobre a Saú- foram de escadas ou telhados). Infelizmente, agres-
de dos Trabalhadores do período de 2008 a 2017 sões e violência no local de trabalho foram respon-
e solicitou ao diretor geral da OMS a promoção sáveis por 18% das fatalidades em 2010. As lesões
da implementação desse plano de ação em níveis fatais no local de trabalho na indústria privada de
nacionais e internacionais. A Assembleia observou mineração aumentaram em 74%, de 99 em 2009
a existência de grandes lacunas entre e dentro dos para 172 em 2010 e de 12,4 em cada cem mil equi-
países com respeito ao status de saúde dos traba- valentes a período integral (FTE, do inglês full time
58
lhadores e sua exposição aos riscos ocupacionais. equivalent) de trabalhadores em 2009 para 19,9 em
As doenças e lesões relacionadas ao trabalho cada cem mil FTES em 2010. Desde 2007, as que-
costumam estar associadas a equipamentos ou das fatais na indústria da construção privada nos
ambientes que expõem os indivíduos a riscos espe- Estados Unidos diminuíram 42%. Porém, os aci-
cíficos. Assim, os trabalhadores em algumas ocu- dentes fatais relacionados a transporte envolvendo
pações estão em maior risco de doença e lesão do pedestres aumentaram. Os dados relatados pelo
que outros. A lista de ocupações em alto risco de Gabinete de Estatísticas de Trabalho dos Estados
doenças ou lesões relacionadas ao trabalho inclui Unidos indicam que a pesca comercial, com 116
mineração, construção, agricultura, combate a in- e 129 mortes em cada cem mil trabalhadores em
cêndios, pesca comercial e transporte. Em alguns 2010 e 2008, respectivamente, foi a ocupação de
63
países, um ambiente de trabalho inseguro e a falta maior risco. Outras ocupações de alto risco são as
de proteção do trabalhador resultam em enormes dos lenhadores, pilotos de aeronaves, agricultores
quantidades de ônus desnecessário à saúde, sofri- e mineradores. Nos últimos 2 e 3 anos, houve uma

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série de acidentes relacionados à mineração ampla- lhões, uma melhoria sobre o número de 11,1 mi-
mente divulgada nos Estados Unidos, Chile, China, lhões de PIDs nos anos anteriores. Juntas, mulheres
África do Sul, Austrália e Reino Unido. e crianças somam aproximadamente 80% da popu-
67
lação de refugiados. O UNHCR relata que, em
䉴 Populações deslocadas
média, os refugiados passam 17 anos fora de seu
país e atualmente mais de metade dos refugiados
e refugiadas no mundo vivem em áreas urbanas.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas O conflito interno que teve início no começo
sobre o Status de Refugiados, um refugiado é de- de 2011 na Síria havia resultado, no final de julho
finido como uma pessoa que, “devido ao receio de 2012, no deslocamento interno de mais de 1 mi-
bem-fundamentado de ser perseguido por motivos lhão de pessoas e incontáveis outros que fugiram
de raça, religião, nacionalidade, participação de um do país e buscaram refúgio no Líbano, Turquia e
grupo social em particular ou opinião política, está Jordânia. Famílias e indivíduos anteriormente
fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, deslocados de países como Iraque, Afeganistão,
por causa desse receio, não está disposto a recorrer Colômbia e República Democrática do Congo con-
à proteção daquele país.” Pessoas internamente des- tinuam a viver em estados temporários ou semi-
locadas (PIDs) são pessoas que foram similarmen- permanentes de reassentamento em terras estran-
te forçadas a sair de suas casas, mas não cruzaram geiras, incluindo Irã, Jordânia, Paquistão e Quênia.
uma fronteira internacionalmente reconhecida. Quase todos os refugiados originam-se de países
Devido a conflitos não resolvidos e crises de em desenvolvimento e mais de 80% são abrigados
emergência recente em vários países, até o fim de por esses países. Em vez de acampados em áreas
2001 havia 42,5 milhões de pessoas internamente remotas e fronteiriças rurais, mais e mais refugia-
deslocadas, incluindo 26,4 milhões de PIDs e 15 dos e PIDs nos últimos anos têm vivido em áreas
64-66
milhões de refugiados. No mesmo ano, 22 países urbanas dos países de destino ou originários e, em
aceitaram 79.800 indivíduos para reassentamento. muitos casos, foram absorvidos nas favelas e bair-
De acordo com o Centro de Monitoramento de ros mais pobres de grandes cidades como Cabul,
Deslocamento Interno do Conselho de Refugiados Nairóbi, Cartum e Bogotá.
da Noruega, em 2011 havia 26,4 milhões de PIDs Os refugiados e PIDs enfrentam terríveis riscos
66
no mundo. Por exemplo, no Iraque, mais de um econômicos, sociais e de saúde que acompanham o
milhão de pessoas continuam em um estado de des- deslocamento forçado (Tabela 1-6). Os programas
locamento interno prolongado. Com 3,9 milhões de de auxílio têm como alvo as necessidades específi-
PIDs em 2011 (fontes não governamentais ajustam cas de mulheres, crianças e adolescentes, refugiados
o número em 5,3 milhões), a Colômbia foi o país mais velhos e grupos étnicos ou sociais em parti-
com o maior número de PIDs no mundo. No Afe- cular. Crianças desacompanhadas e aquelas com
ganistão, 60% dos milhões de PIDs são crianças. Os apenas um dos pais estão em maior risco, pois lhes
dados relatados pela Alta Comissão de Refugiados falta proteção, atenção física e apoio emocional ofe-
68,69
das Nações Unidas (UNHCR) indicam que, no co- recido pela família. A segurança e o bem-estar
meço de 2011, havia 10,5 milhões de refugiados no são especialmente difíceis na presença de elemen-
mundo todo. Além disso, 4,8 milhões de refugia- tos armados entre as populações deslocadas ou
dos registrados continuam a viver em campos no refugiadas. Além disso, muitos PIDs e refugiados
Oriente Médio que foram estabelecidos em 1949 autoassentados estão em países cujo governo é indi-
pela Agência de Trabalhos e Auxílio para Refugia- ferente ou ativamente hostil às suas necessidades de
dos da Palestina das Nações Unidas no Oriente Pró- assistência e proteção. Em pelo menos 13 países nos
65
ximo para cuidar dos palestinos deslocados. últimos anos, incluindo Mianmar, Sudão, Uganda e
Além dos indivíduos anteriormente desloca- Zimbábue, as forças estaduais ou as milícias apoia-
dos, os conflitos em vários países africanos e do das pelo governo atacaram populações deslocadas e
Oriente Médio em 2011, incluindo Líbia, Síria, Su- outras populações civis.
dão e Mali, causaram o deslocamento de mais de Ao acrescentar carga aos recursos locais, as
4,3 milhões de pessoas, das quais quase 1 milhão PIDs e os refugiados representam vários desafios
fugiu para países vizinhos. Embora mais de me- para as comunidades e países de destino, mas tam-
tade dos refugiados no mundo estejam na Ásia e bém para as agências de auxílio nacionais e inter-
20% estejam na África, em 2011 a África ainda era nacionais. Agora, há um crescente reconhecimento
a região com o maior número de PIDs. O número da necessidade de integrar PIDs e refugiados aos
de PIDs somente na África subsaariana foi 9,7 mi- sistemas de saúde existentes por suas necessidades

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 21

Nos próximos anos, o contínuo crescimento


Tabela 1-6 Fatores que colocam os refugiados populacional será acompanhado por urbanização
e as pessoas internamente deslocadas em acelerada e migração internacional. Essas mudan-
risco de graves consequências de saúde ças demográficas colocarão pressão enorme sobre
pública e humanitária os recursos humanos e a infraestrutura. A ativida-
de humana não fiscalizada para explorar os recur-
Deslocamento e separação das famílias sos naturais para consumo humano já está cobran-
Instabilidade social do um alto preço do meio ambiente em termos de
Aumento da mobilidade
poluição, desflorestamento e rápida diminuição da
Violência sexual e baseada no sexo
Exploração e abuso (incluindo HIV/AIDS) biodiversidade. Devido ao aumentos nos preços de
Pobreza e insegurança alimentar commodities e alimentos e aos desafios de produti-
Falta de acesso aos serviços de saúde, educação e vidade econômica nos últimos dez anos, os prog-
assistência básica nósticos para padrões de vida das massas pobres
Falta de informações de saúde apropriadas ao idioma e vulneráveis no mundo em desenvolvimento são
e à cultura mais do que preocupantes.
Trabalho forçado ou escravidão Serão necessárias fortes medidas nacionais e
Recrutamento forçado por grupos armados
internacionais para proteger e preservar os recur-
Tráfico
Abdução
sos naturais, incluindo água, terra, florestas e meio
Detenção e negação de acesso a procedimentos de ambiente, para evitar as sombrias crises de piora da
asilo ou reunificação familiar falta de alimentos, fome e pobreza. As caracterís-
ticas do crescimento populacional e evolução da
demografia terão profundas implicações para os
sistemas de saúde no século XXI. Nas décadas por
de saúde e encontrar novos mecanismos de finan-
vir, o envelhecimento da população na América,
ciamento, incluindo seguros de saúde. Um modelo
Japão, China, Índia e outros locais terá dramáticas
experimental de seguro de saúde para os refugiados
ramificações sociais, de saúde e econômicas. A ca-
do Afeganistão foi recentemente introduzido no Irã,
pacidade do mundo de se alimentar dependerá não
com resultados promissores em termos de quase
apenas da produção de alimentos, mas também da
347 mil refugiados, 40% dos refugiados afegãos re-
distribuição de recursos e dos padrões de consumo
gistrados no país, serem inscritos e receberem aces- 11
64 humano.
so à saúde de níveis secundário e terciário.

䉴 Crescimento populacional 䉴 Poluição ambiental


A população humana aumentou no século XX Poluição em ambientes internos
em ritmo sem precedentes, de 1,6 bilhões para Mais de três bilhões de pessoas no mundo todo
6 bilhões. Em meros 13 anos, entre 1999 e 2011, (42% da população total, 21% da população urba-
a população mundial cresceu de 6 para 7 bilhões; na e 76% da população rural em 2007) continuam
oficialmente, cruzamos a marca dos 7 bilhões em a depender de combustíveis sólidos, incluindo
31 de outubro de 2011. Pela quarta vez nos últimos combustíveis de carvão e biomassa, como lenha,
50 anos, foram acrescentados 1 bilhão de pessoas esterco, palha e resíduos de agricultura para suas
à população mundial, em um período de 14 anos necessidades de energia. Dos mais de três bilhões
ou menos. A projeção de crescimento pelas Nações de pessoas que contam com combustíveis sólidos,
Unidas indica que, nesse ritmo, haverá 8 bilhões 0,4 bilhão utilizam carvão e 2,7 bilhões utilizam
70
de pessoas no planeta até 2024 e mais de 9 bilhões lenha, esterco animal e resíduos de colheitas.
36
até 2042. Como a falta de educação, pobreza e de- Cozinhar e aquecer com combustíveis sólidos em
pendência da mão de obra humana, em oposição a fogo aberto ou fogões tradicionais resulta em altos
processos mecanizados de produção, estão intima- níveis de poluição do ar em ambientes internos.
mente relacionadas ao crescimento populacional, Em unidades de habitação com pouca ventilação,
os países em desenvolvimento da África e Ásia fo- os níveis internos de partículas pequenas podem
ram os que apresentaram crescimento mais rápido ser cem vezes maiores do que os níveis aceitáveis.
da população. Em contraste, alguns dos países mais A fumaça de combustíveis sólidos em ambientes
desenvolvidos da Europa, nos últimos anos, apre- internos contém uma variedade de poluentes noci-
sentaram crescimento negativo da população. vos à saúde, como partículas pequenas, monóxido

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22 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

de carbono, óxidos nitrosos, óxidos sulfurosos (es- Mortes atribuíveis ao uso de combustíveis sólidos
pecialmente do carvão), formaldeído e carcinóge- 24%
nos (como benzo[a]pireno e benzeno). Quase dois 31% África
milhões de mortes prematuras por ano, no mundo, Américas
são atribuídas a doenças relacionadas à poluição 2%
Leste do Mediterrâneo
do ar em ambientes internos resultante do uso de Europa
70 7%
combustíveis sólidos. Sudeste da Ásia
Sabe-se que a matéria de partículas pequenas 1%
Oeste do Pacífico
e outras substâncias na fumaça de combustíveis só-
lidos em ambientes internos afeta a capacidade de 35%

transportar oxigênio do sangue e causa inflamação


das vias aéreas e dos pulmões. Evidências emer- AVAIs atribuíveis ao uso de combustíveis sólidos
gentes sugerem que a poluição do ar em ambientes
internos em países em desenvolvimento também 26% África
pode aumentar o risco de outros problemas de saú- Américas
de importantes em adultos e crianças, incluindo 0% 54%
Leste do Mediterrâneo
asma, otite média e outras infecções de vias aéreas 2% Europa
superiores, baixo peso ao nascer e mortalidade pe- Sudeste da Ásia
15%
rinatal, TB, câncer na nasofaringe e laringe, catara- Oeste do Pacífico
ta (cegueira) e DCV. 3%
Além disso, fogueiras abertas e fogões de bai-
䉱 Figura 1-6 Mortes e anos de vida ajustados por
xa qualidade aumentam o risco de queimaduras
incapacidade (AVAIs) atribuíveis ao uso de combustí-
e lesões. A OMS relatou que 50% das mortes por veis sólidos. De http://www.who.int/mediacentre/
pneumonia entre crianças com menos de 5 anos factsheets/fs292/en/ (Reproduzida com permissão.)
resultou da presença de partículas pequenas no
71
ar de ambientes internos. Há consistentes evi-
dências de que a exposição à poluição do ar em da mãe enquanto cozinha. Como consequência,
ambientes internos pode levar a infecções respira- muitas crianças na primeira infância também são
tórias inferiores agudas (IRIAs), particularmente expostas a altos níveis de fumaça em ambientes
pneumonia, em crianças menores de 5 anos. Na internos. Claramente, algumas das regiões me-
realidade, as IRIAs são a causa mais importante de nos desenvolvidas do mundo contam, em grande
morte em crianças menores de 5 anos de idade e parte, com o uso de combustíveis sólidos em nível
são responsáveis por pelo menos dois milhões de doméstico, enquanto outras regiões fizeram uma
mortes por ano nesse grupo etário. A poluição do transição quase completa para combustíveis mais
ar em ambientes internos resultante da queima de limpos, como gás e eletricidade. Por exemplo,
carvão também está relacionada à doença pulmo- mais de 75% da população na Índia, China e paí-
nar obstrutiva crônica e a câncer de pulmão em ses próximos e de 50 a 75% de pessoas em partes
adultos. Cerca de 1,5% dos cânceres de pulmão a da América do Sul e África continuam a cozinhar
cada ano são atribuídos a substâncias carcinogê- com combustíveis sólidos. Essas diferenças no uso
nicas no ar de ambientes internos carregados de doméstico de combustíveis sólidos são refletidas,
fumaça. de maneira correspondente, na distribuição desi-
De acordo com a OMS, a poluição do ar em gual da carga de doenças relacionadas à poluição
ambientes internos é responsável por quase dois do ar em ambientes internos, com a África, sudeste
milhões de mortes, principalmente de mulheres e da Ásia e região do oeste do Pacífico assumindo o
crianças, em países em desenvolvimento, e estima- maior número de mortes. Mais de metade do total
-se que cause 3,1% da carga geral de doença em de AVAIs perdidos devido à exposição à poluição
países em desenvolvimento e 2,7% globalmente do ar em ambientes internos ocorre na África, en-
70
(Figura 1-6). Na maioria das sociedades, são as fatizando a necessidade urgente de intervenção.
mulheres que cozinham e passam tempo perto do A OMS desenvolveu um Programa de Poluição do
fogo. Nos países em desenvolvimento, as mulheres Ar em Ambientes Internos abrangente para apoiar
muitas vezes são expostas a níveis muito altos de os países em desenvolvimento. Muitos gestores
poluição do ar em ambientes internos durante 3 afirmam que lidar com o problema da poluição
a 7 horas por dia ao longo de muitos anos. Crian- do ar em ambientes internos ajudará a atingir os
ças pequenas costumam ser carregadas nas costas ODMs relacionados à mortalidade infantil e mater-

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 23

na (ODM 4 e 5), igualdade entre os sexos (ODM 3)


70
䉴 Mudança climática e
e sustentabilidade ambiental (ODM 7).
desastres naturais
Poluição da água Apesar do polêmico debate e dos desafios por aque-
les que não estão convencidos pelas evidências do
Em 2008, 78% da população rural do mundo, mas aquecimento global e suas causas, dados cumulati-
apenas 48% da população rural na região da África, vos indicam que a superfície da Terra passou por
tinham acesso à água potável. O acesso ao sanea- um aquecimento sem precedentes no último sécu-
mento era ainda menor, com apenas 45% da po- lo e, mais ainda, nas duas últimas décadas. Todos
pulação rural global e 26% na região africana. Em os anos desde 1992 têm estado na lista dos 20 anos
países como Etiópia, República Democrática do mais quentes já registrados. Nos Estados Unidos,
Congo, Angola e Afeganistão, o acesso à água potá- vários recordes climáticos anteriores em termos de
vel era de apenas entre 26 e 39%, e o acesso ao sane- temperatura média e número de dias consecutivos
72
amento melhorado era entre 8 e 30%. De acordo de temperaturas acima dos 40 °C foram quebrados
com algumas estimativas, a cada dia, dois milhões em 2012 em vários Estados. Além disso, vários Es-
de toneladas de dejetos humanos são descartados tados americanos sofreram seca disseminada “ex-
nos cursos de água do mundo e, nos países em de- cepcional” e/ou “extrema” no verão de 2012. Em
senvolvimento, 70% dos resíduos industriais tam- seu relatório de 2001, o Intergovernmental Panel
bém são descartados nos cursos de água. Ao todo, on Climate Change (IPCC – Painel Intergoverna-
a cada ano 6,36 milhões de toneladas de resíduos, mental sobre Mudança Climática) declarou que
incluindo esgoto municipal, lama, óleo e resíduos “há novas e fortes evidências de que a maior parte
73,74
industriais são jogados nos oceanos do mundo. do aquecimento observado nos últimos 50 anos é
Uma parte significativa da carga de doenças 76
atribuível a atividades humanas” e que o aqueci-
relacionadas à água (em particular, doenças pro- mento global alterou os padrões naturais do clima.
pagadas por agentes vetores relacionados à água) O dióxido de carbono da queima de combustí-
é atribuível à maneira com que os recursos hídri- veis fósseis e limpeza de terrenos tem se acumulado
cos são desenvolvidos e manejados. A agricultura é na atmosfera, onde atua como uma manta, manten-
responsável por cerca de 70 a 90% do uso de água do a Terra quente e aquecendo a superfície, os oce-
doce no mundo, e cerca de 7 a 8% de toda a energia anos e a atmosfera (o efeito estufa). Os níveis atuais
produzida no mundo são usados para levantar, dis- de dióxido de carbono são maiores do que em qual-
75
tribuir e tratar a água subterrânea e residual. Em quer momento durante os últimos 650 mil anos. Os
muitas partes do mundo, os efeitos adversos à saúde oceanos do mundo absorveram cerca de 20 vezes
da construção de açudes, desenvolvimento de irri- mais calor do que a atmosfera na última metade
gação e controle de inundações incluem o aumento do século, resultando em temperaturas mais altas
na incidência de malária, encefalite japonesa, es- não apenas nas águas superficiais, mas também na
quistossomose, filariose linfática e outras doenças. água 500 m abaixo da superfície. As mudanças cli-
Outras questões de saúde indiretamente associadas máticas, físicas e ecológicas observadas incluem um
ao desenvolvimento de recursos hídricos incluem o aumento na temperatura média da superfície global
status nutricional, a exposição a defensivos agríco- de cerca de 0,8°C no século XX, um aumento no
las e seus resíduos e acidentes/lesões. nível médio global do mar, um aumento nas tem-
Doenças infecciosas relacionadas à água são peraturas da água oceânica, aumento nos níveis de
uma importante causa de morbidade e mortalidade chuvas e outros níveis de precipitação em determi-
no mundo todo. Para tratar o problema global de nadas regiões do mundo.
77,78
Os cientistas preveem
doenças transmitidas pela água, o Programa Água, que o aquecimento global contínuo na ordem de 1,4
Saneamento e Saúde da OMS concentra-se na qua- a 5,8 °C nos próximos cem anos (conforme projeta-
lidade da água potável, recursos hídricos e manejo do pelo Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC)
de águas residuais em vários países. Entre 1972 e provavelmente resultará no seguinte:
1999, 35 novos agentes de doença foram descober-
tos, e muitos outros ressurgiram. Entre esses pató- • Um aumento no nível do mar entre 3,5 e 34,6
genos, há vários que podem ser transmitidos por polegadas (9-88 cm), resultando em mais ero-
meio da água. Os patógenos descobertos recente- são costeira, alagamentos durante tempesta-
mente e as novas cepas de patógenos estabelecidos des e inundação permanente
apresentam desafios adicionais para os setores de • Estresse severo em várias florestas, mangues,
manejo da água e de saúde pública. regiões alpinas e outros ecossistemas naturais

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24 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

• Maiores ameaças à saúde humana, como de quantidades adequadas de rações alimentares


mosquitos e outros insetos e roedores trans- de emergência apropriadas à cultura; aconselha-
missores de doenças, espalhando doenças em mento para sobreviventes sofrendo luto, perda e
regiões geográficas mais amplas culpa; e vigilância epidemiológica para detectar
• Desestruturação da agricultura em algumas o aparecimento inicial de doenças transmissíveis.
partes do mundo devido ao aumento da tem- As necessidades de prazo mais longo de recupera-
peratura, escassez de água e aumento do nível ção e reabilitação em áreas afetadas por desastres
do mar em áreas baixas, como Bangladesh ou são menos compreendidas do que as necessidades
o delta do Rio Mississippi. de curto prazo, mas são geralmente estratégicas, e
não logísticas, e envolvem uma transição de ativi-
Os desastres naturais têm sido importantes dades de auxílio de emergência para atividades sus-
fontes de morbidade e mortalidade humana na his- tentáveis de reconstrução e desenvolvimento.
tória de todas as regiões do mundo. Alagamentos,
terremotos, furacões, tornados, incêndios e outros
desastres semeiam destruição nas populações glo- 䉴 Minas terrestres
bais todos os anos. O tsunami que atingiu 11 paí- Em 2010, 79 países ou territórios disputados em
ses no sul da Ásia em dezembro de 2004 resultou várias regiões do mundo foram afetados por mi-
em devastação de proporções alarmantes: mais nas terrestres, munições não deflagradas (UXO,
de 150 mil mortos (especialmente na Indonésia e do inglês unexploded ordnance) ou ambas. Na úl-
Sri Lanka), dezenas de milhares de desaparecidos, tima década, alguns dos países mais contaminados
milhares de milhas de litoral destruídas e perda de por minas incluíram Afeganistão, Angola, Bósnia
subsistência para milhões de sobreviventes deses- e Herzegovina, Camboja, Chechênia, Colômbia,
perados. Embora essa catástrofe tenha sido inco- Iraque, Somália, Sri Lanka e Sudão.80,81 No entanto,
mumente vasta, foi um desastre natural clássico a coleta de dados foi muito inadequada ou inexis-
de muitas maneiras, não complicado por guerra tente em 64 dos 68 países com lesões/mortes regis-
ou terrorismo. As necessidades de curto prazo de tradas.82-84 Além disso, alguns dos países afetados,
saúde pública da população sobrevivente eram como Mianmar, Índia e Paquistão, optam por for-
familiares (embora massivas): água, saneamento, necer pouca informação ao público sobre a exten-
alimento, abrigo e atenção médica apropriada ad- são de seus problemas.
ministrada a pessoas que permaneceram no local As minas terrestres matam ou mutilam, indis-
e a milhares que viviam em comunidades que se criminadamente, civis, soldados, mantenedores da
estabeleceram em outros locais.79 paz, trabalhadores auxiliares e afins. Nas últimas 5
Além da perda imediata de vida e proprie- ou 6 décadas, as mortes e lesões por minas terres-
dade, em muitos desastres naturais, o número de tres totalizaram centenas de milhares. De acordo
problemas pode aumentar em até o dobro, como com o relatório Landmine Monitor 2011 (Monitor
resultado da disseminação de doenças transmissí- de Minas Terrestres de 2011), publicado pela In-
veis nas comunidades superlotadas que geralmen- ternational Campaign to Ban Landmines (ICBL –
te são criadas no período que segue. O modelo de Campanha Internacional pela Proibição de Minas
saúde pública para desastres naturais enfatiza um Terrestres), foi relatado um total de 4.191 lesões/
ciclo de preparação, mitigação, resposta e recupe- mortes em 2010, representando um aumento de
ração. As intervenções de curto prazo após desas- 5% em relação às lesões/mortes relatadas nos anos
tres naturais de larga escala incluem o suprimento anteriores, de 4.010, mas menos do que as 5.502
dos 20 L de água recomendados por pessoa por lesões/mortes relatadas em 2008.82 Estima-se que
dia e a garantia de instalações de saneamento ade- 75% ou mais das vítimas das minas terrestres sejam
quadas e culturalmente apropriadas para prevenir civis. No Camboja, por exemplo, mais de 45 mil
surtos de cólera, disenteria e hepatite A; vacinação lesões por minas terrestres foram registradas entre
contra sarampo orientada a populações não vaci- 1979 e 2005, e cerca de 20 mil pessoas foram mor-
nadas, com suplementação de vitamina A, quando tas por minas terrestres durante o mesmo período.
indicada; controle de doenças transmitidas por Mais de 75% das lesões/mortes totais eram civis.
vetores, como malária e dengue, por meio do tra- Minas terrestres antipessoais ainda estão sen-
tamento precoce e medidas de controle do mosqui- do produzidas e colocadas hoje e, juntamente com
to; diagnóstico precoce e tratamento de infecções as minas de conflitos anteriores, fazem vítimas to-
respiratórias e gastrintestinais agudas, particular- dos os dias, em todos os cantos do mundo. Entre
mente entre bebês e crianças pequenas; entrega 2010 e 2011, o Landmine and Cluster Munition

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 25

Monitor82 (Monitor de Minas Terrestres e Muni- 䉴 Terrorismo químico e biológico


ções de Fragmentação), uma iniciativa da ICBL,
identificou os governos de Israel, Líbia e Mianmar O bioterrorismo é a liberação deliberada de vírus,
como governos que colocam minas antipessoais. bactérias ou outros agentes biológicos projetados
Grupos armados não estatais no Afeganistão, Pa- para causar doença ou morte em larga escala em
quistão, Mianmar e Colômbia também foram iden- pessoas, animais ou plantas. Os agentes biológicos
tificados como usuários de minas terrestres anti- podem ser disseminados pelo ar, água ou alimen-
pessoais no mesmo período. Relatos do conflito em tos. Assim, a proteção dos sistemas de suprimento
andamento na Síria, em 2012, indicaram o uso de e distribuição de alimentos e água tem sido fonte
minas terrestres pelos dois lados do conflito. Doze de preocupação para muitos países. Conforme de-
países são identificados no relatório do “Monitor monstrado pela disseminação de esporos do antraz
de Minas Terrestres de 2011” como produtores por meio do serviço postal dos Estados Unidos, em
atuais de minas antipessoais: China, Cuba, Índia, 2001, mesmo ataques biológicos ou químicos de
Irã, Mianmar, Coreia do Norte, Paquistão, Rússia, pequena escala podem causar enormes perturba-
Cingapura, Coreia do Sul, Estados Unidos e Vietnã. ções socioeconômicas. Alguns agentes potenciais
Não se sabe o número preciso de dispositivos de bioterrorismo – como vírus da varíola e vírus
explosivos ainda não detonados. Aproximadamen- da febre hemorrágica – podem ser disseminados de
2
te 200 km de áreas minadas foram limpos por 45 pessoa para pessoa. Com base em sua capacidade
grupos, que destruíram mais de 388 mil minas an- de transmissão e na gravidade dos efeitos à saúde,
tipessoais apenas em 2010. Mais de 80% das áreas esses agentes são classificados em três categorias
85
limpas estavam no Afeganistão, Camboja, Croácia, (Tabela 1-7). Os agentes da Categoria A são mi-
Iraque e Sri Lanka. Porém, essas conquistas foram crorganismos ou toxinas que representam o maior
parcial ou praticamente anuladas pelos conflitos risco à saúde pública e à segurança global, enquan-
contínuos e emergentes em várias partes do mun- to os agentes da categoria C são aqueles considera-
do. Estima-se que mais de 160 milhões de minas dos ameaças emergentes.
terrestres estejam armazenadas em pilhas por vá- Os agentes da categoria A (1) são facilmente
rios países. Em 1997, o Comitê Internacional da transmitidos de pessoa para pessoa, (2) resultam
Cruz Vermelha estimou que, enquanto mais de em altas taxas de morte e têm o potencial de impor-
cem mil minas estavam sendo removidas por ano, tante impacto à saúde pública, (3) podem causar
outros dois milhões estavam sendo plantados, a pânico público e perturbação social e (4) exigem
cada ano, e um número estimado de 110 milhões ação especial para preparação de saúde pública.
de minas ativas estavam espalhadas em mais de Os agentes de categoria B (1) são moderada-
70 países ao redor do mundo. Embora 160 países mente fáceis de disseminar, (2) resultam em taxas
tenham assinado o Tratado de Proibição de Minas moderadas de doença e baixas taxas de morte e (3)
de Ottawa, em 1997, 36 países, incluindo China, exigem aprimoramentos específicos da capacidade
Cuba, Egito, Índia, Israel, Paquistão, a Federação laboratorial existente e um eficiente monitoramen-
Russa, Arábia Saudita e os Estados Unidos, não to de doença.
81
o assinaram. Estima-se que custe entre US$ 3 e Os agentes de categoria C (1) são facilmente
US$ 30 para produzir uma mina terrestre, mas sua disponíveis, (2) são facilmente produzidos e dis-
remoção pode custar entre US$ 300 e US$ 1000. seminados e (3) têm o potencial de altas taxas de
Em 1996, o secretário-geral da ONU estimou que morbidade e mortalidade e grande impacto sobre
seriam necessários cerca de US$ 50 bilhões para re- a saúde pública.
mover todas as minas existentes; no mesmo ano, os Terrorismo químico refere-se à liberação
fundos totais disponíveis para operações globais de intencional de uma substância química perigo-
desminagem eram de apenas US$ 150 milhões. Em sa no meio ambiente para fins de danos públicos.
2010, a ICBL relatou que todos os países doadores Os tipos e categorias de agentes químicos para fins
e afetados combinados haviam fornecido cerca de bélicos em potencial incluem biotoxinas, agentes
US$ 637 milhões em suporte nacional e internacio- bolhosos/vesicatórios, agentes do sangue, cáusticos
nal para operações de desminagem. Considerando (ácidos), agentes de sufocação/pulmões/pulmona-
essas estatísticas, parece mais provável que as mi- res, agentes incapacitantes, anticoagulantes de lon-
nas antipessoais e as UXOs continuarão a ser um ga duração, venenos metálicos, agentes nervosos,
problema global nos próximos anos e que ainda há solventes orgânicos, alcoóis tóxicos e agentes que
um longo caminho a percorrer para um mundo li- provocam vômito. A proteção do público do ter-
vre de minas. rorismo biológico e químico envolve a preparação

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26 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

Tabela 1-7 Agentes microbianos com potencial para bioterrorismo

Categoria A Categoria B (cont.)


Bacillus anthracis (antraz) Bactérias
Clostridium botulinum (botulismo) Escherichia coli causadora de diarreia, Vibrio spp.
Yersinia pestis (peste) patogênico, Shigella spp., Salmonella spp., Listeria
Variola major (varíola) e outros vírus do tipo monocytogenes, Campylobacter jejuni, Yersinia
Francisella tularensis (tularemia) enterocolitica
Vírus de febre hemorrágica viral Vírus
Arenavírus Caliciviruses, vírus da hepatite A
Vírus da febre LCM, Junin, Machupo, Guanarito Protozoários
e Lassa Cryptosporidium parvum, Cyclospora cayetanensis,
Buniavírus Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Toxoplasma
Hantavírus gondii, microsporídia
Vírus da febre do vale do Rift Vírus de encefalite viral
Flavivírus Vale do Nilo, LaCrosse, encefalite da Califórnia,
Vírus da dengue encefalite equina da Venezuela, encefalite equina
Filovírus oriental, encefalite equina ocidental, encefalite B
Vírus Ebola japonesa e vírus da floresta de Kyasanur
Vírus Marburg
Categoria C
Categoria B Vírus Nipah e antavírus adicionais
Burkholderia pseudomallei (melioidose) Vírus da febre hemorrágica transmitido pelo carrapato
Coxiella burnetii (febre Q) Vírus da febre hemorrágica da Crimeia e do Congo
Brucella species (brucelose) Vírus da encefalite transmitida pelo carrapato
Burkholderia mallei (mormo) Febre amarela
Toxina de rícino (de Ricinus communis) Mycobacterium tuberculosis resistente a multimedi-
Toxina Epsilon (de Clostridium perfringens) camentos
Enterotoxina estafilococo B Influenza
Rickettsia prowazekii (febre do tifo) Outras rickettsiae
Patógenos transmitidos por alimentos e água Vírus da raiva
Coronavírus associado à síndrome respiratória aguda
grave (SRAG-CoV)

De Pesquisas de Biodefesa do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (National Institute of Allergy and Infectious Diseases
– NIAID). Patógenos das categorias A, B e C do NIAID. http://www3.niaid.nih.gov/biodefense/bandc_priority.htm.

bem-orquestrada para desastres, incluindo melho- ataque de 1994, sete pessoas foram mortas e mais
ria da educação, reconhecimento de doenças, vigi- de 200 foram feridas e, no ataque de 1995 em um
lância e notificação de emergência pelos primeiros metrô, 12 pessoas morreram e centenas precisaram
86
respondentes, médicos, laboratórios e profissionais ser hospitalizadas. No passado, também houve
de saúde pública. exemplos de contaminação deliberada de alimen-
Nos últimos 12 anos, tem havido uma série tos por grupos não estatais ou indivíduos atuando
de incidentes de terrorismo, incluindo os ataques de maneira independente. Por exemplo, em 1984,
de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a membros de um culto religioso foram responsáveis
disseminação de esporos de antraz letal por meio pela contaminação de restaurantes de saladas nos
de cartas enviadas pelo correio nos Estados Unidos Estados Unidos, causando mais de 750 casos de
em 2001, o ataque de 7 de julho de 2007 no Rei- salmonela e, em 1996, um funcionário de labora-
no Unido e o ataque de 26 de novembro de 2008 tório, agindo sozinho, contaminou alimentos com
em Mumbai, Índia. Até o momento, o número de Shigella dysenteriae, o que fez com que 12 pessoas
incidentes nos quais agentes biológicos ou quími- ficassem doentes.
cos foram usados por terroristas foi relativamente O risco de varíola como arma biológica para
pequeno. Um dos casos mais notáveis foi o uso do terrorismo, apesar de pequeno, é uma possibilida-
sarin, gás neurotóxico organofosforado, pelo culto de distinta e um importante motivo para a manu-
religioso Aum Shinrikyo em Matsumoto, no Japão, tenção de estoques de vacinas e do próprio vírus
em 1994 e novamente em 1995, em Tóquio. No em locais seguros nos Estados Unidos e na Rússia.

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SAÚDE GLOBAL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CAPÍTULO 1 27

Depois que relatórios da mídia sugeriram que QUESTÕES DE ESTUDO


alguns governos como Coreia do Norte, Rússia e
Iraque haviam mantido vírus da varíola secreta- 1. Trace o aumento e a queda da importância de
mente, o governo dos Estados Unidos, em junho doenças infecciosas para a saúde global e enu-
de 2001, realizou um exercício de simulação de mere algumas das novas ameaças infecciosas
ataque de varíola em larga escala. Tal exercício no mundo.
revelou que o país estava bastante mal preparado 2. Como o saneamento, a saúde ambiental e a
para esse tipo de ameaça. Desde então, medidas atenção às necessidades básicas, como alimen-
preparatórias aprimoradas foram tomadas, in- tos e água, melhoraram a saúde global e como
cluindo o fornecimento de centenas de milhões são ameaçados hoje?
de doses adicionais de vacinas para o estoque na- 3. Escolha um desafio à saúde global deste capí-
cional existente. Desde 2003, exercícios multina- tulo e estenda-se sobre suas causas, tendências
cionais conjuntos de acompanhamento também e as ações corretivas necessárias, levando em
foram conduzidos para melhorar a preparação no consideração a limitação de recursos no mun-
caso de um ataque. do em desenvolvimento.

QUADRO 1-1

Zimbábue: um estudo de caso de um país devastado pelo HIV


Como bem se sabe, a saúde pública resulta dos tanha em 1965 e obteve liberdade e condição de
efeitos cumulativos e interativos de fatores cien- Estado nacional do regime de apartheid branco
tíficos, sociais, culturais, econômicos e políticos dominante em 1980. Desde então, a União Na-
em uma população. Por causa de seu efeito sobre cional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica
os membros mais econômica e socialmente pro- está no poder, sob a presidência de Robert Mu-
dutivos da sociedade, a atual pandemia de HIV/ gabe. Em 2009, o Zimbábue tinha uma popula-
AIDS teve um impacto sem precedentes sobre a ção de 12,52 milhões de pessoas, com idade me-
estrutura de nações individuais e sobre o desen- diana de 19 anos, 6% da população com mais de
volvimento socioeconômico do planeta como um 60 anos e 38% da população vivendo em áreas
todo. Este estudo de caso de um país na África urbanas. A taxa de fertilidade total por mulher
subsaariana, o Zimbábue, ilustra a interação de adulta, em 2009, era de 3,4, e a taxa de fertili-
uma quantidade de fatores que podem levar a dade adolescente em cada 1.000 meninas entre
uma catástrofe de saúde pública. 15 e 19 anos era de 101. Atualmente, a expecta-
Com 14,3% da população adulta portadora tiva de vida média no Zimbábue é de apenas 52
de HIV/AIDS, 1,2 milhão de pessoas afetadas anos, cerca de nove anos menos do que a mais
e 83 mil mortes em 2009, o Zimbábue ocupa alta em sua história, de 61 anos, em 1990. Além
o quinto lugar nas estatísticas de prevalência e disso, o país apresentava uma das maiores taxas
mortalidade de HIV/AIDS. Em 2009, o UNI- de mortes maternas (730 mortes/1.000 nascidos
CEF relatou que, por causa do HIV/AIDS, havia vivos) e taxas de mortalidade infantil (51/1.000
7,87,88
um milhão de crianças órfãs no Zimbábue. A nascidos vivos) no mundo.
prevalência geral de HIV, que era de até 34% em Desde a década de 1990, a queda da eco-
2000, caiu nos últimos anos. Ainda assim, quase nomia antes próspera do Zimbábue afetou se-
1.600 pessoas morrem de AIDS por semana, e as veramente um grande segmento da população.
doenças relacionadas à AIDS são responsáveis O PIB per capita em 2009 era estimado em US$
89
por cerca de três quartos das internações. Acre- 323 e, em 2010, era US$ 500. Aproximada-
dita-se que aproximadamente um terço de todos mente 56% da população vive com menos de
os professores e mais de metade dos soldados do US$ 1 por dia, e 80% vivem com menos de
87,88
Zimbábue sejam soropositivos para HIV. US$ 2 por dia. Em 2002, o desemprego entre
O Zimbábue (antiga Rodésia) declarou, os jovens no setor formal entre 15 e 24 anos de
unilateralmente, sua independência da Grã-Bre- idade era cerca de 25%, mas a taxa de desem-
(continua)

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28 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

QUADRO 1-1 Continuação

prego geral em 2009 era estimada em até 95%. da vulnerabilidade nacional em novembro de
Aproximadamente 68% da população em 2004 2005 estimou que 2,8 milhões de zimbabuanos
estava abaixo da linha de pobreza. Após um enfrentariam falta de alimentos na “estação da
período de hiperinflação e uma década (1998– fome” (de janeiro a março) até a próxima co-
2008) de contração econômica, a economia lheita. Depois de chuvas muito melhores, espe-
demonstrou crescimento real de 6% em 2011. rava-se que a colheita de 2006 fosse melhor do
A mudança na política monetária de 2009 per- que a de 2005. Devido à hiperinflação, mesmo
mitiu que moedas como o rand sul-africano e quando há comida disponível, muitos não po-
o dólar americano fossem usadas localmente dem pagar por ela. No entanto, o impacto de
e ajudou a frear a inflação futura e, de alguma doenças crônicas, as inundações localizadas e
forma, estabilizou a situação econômica. Na o alto preço das sementes e fertilizantes signi-
realidade, o dólar do Zimbábue saiu de circula- ficam que muitas pessoas precisam de auxílio
87
ção, efetivamente, no começo de 2009. em um período posterior do ano.
Antes de 2009, o PIB havia caído drama- O Fundo Monetário Internacional (FMI)
ticamente nos dez anos anteriores, com a in- suspendeu os pagamentos ao Zimbábue em
flação anual aproximando-se de um recorde 2000, após a decisão do governo de abando-
de 1000% em maio de 2006. A alta inflação nar as diretrizes de gastos públicos do FMI
contínua prejudicava gravemente o desenvol- (incluindo pagamentos a veteranos de guerra,
vimento, atingindo, com mais força, os mais cujo custo chegava a 3% do PIB). O país entrou
pobres. A produção agrícola também caiu nos em atraso com as dívidas no Banco Mundial
últimos dez anos. Por exemplo, entre 2000 e em 2000 e no FMI no ano seguinte, cortando
2004, o rebanho nacional de gado diminuiu efetivamente a cooperação com as duas insti-
90%, e a produção de tabaco flue-cured caiu tuições. O país é tomado pela corrupção no go-
de 237 milhões de quilos para 70 milhões de verno até o nível presidencial. De acordo com
quilos. A frequência da desnutrição aguda de- o Índice de Percepção de Corrupção de 2003
clinou em 2004, parcialmente como resultado da Transparência Internacional, o Zimbábue
da ajuda alimentar de larga escala, embora a ocupava a posição 106 de 133 na lista global de
situação tenha continuado a piorar em algu- nações mais corruptas.
mas áreas. Com um escore de 0,376 no Índi- Apesar desses obstáculos, o Zimbábue está
ce de Desenvolvimento Humano, o Zimbábue a caminho de cumprir os ODMs de HIV e AIDS,
ocupa, atualmente, a 173ª posição entre os 187 especificamente, “ter cessado até 2015, e come-
países na lista e está abaixo do índice regional çado a reverter, a disseminação de HIV/AIDS.”
de 0,463 para a África subsaariana. O declínio da prevalência de HIV, provavelmen-
A agricultura é o setor mais importante da te, é resultado das altas taxas de mortalidade e de
economia do Zimbábue, mas foi gravemente mudanças no comportamento sexual. É impro-
perturbada pelas políticas de reassentamento vável que a maioria dos outros ODMs do Zim-
de terras mal-orientadas do Presidente Muga- bábue sejam atingidos até 2015, a menos que a
be. Isso causou um colapso na confiança dos situação política e social melhore de modo signi-
investidores e a fuga de capital. A ausência de ficativo. Os indicadores de mortalidade materna
moeda estrangeira levou a faltas críticas de e infantil mostram uma situação que piora cons-
7
combustível e outras commodities importadas, tantemente, exacerbada pelo HIV/AIDS.
incluindo energia elétrica. O custo da educa- As prioridades atuais de auxílio internacio-
ção aumentou dramaticamente, representando nal incluem lutar contra HIV/AIDS (incluindo
sérios desafios para famílias de baixa renda. O aumentar o acesso à terapia antirretroviral),
declínio no investimento interno e na assis- insegurança alimentar (incluindo aumentar o
tência ao desenvolvimento compromete ainda acesso dos indivíduos a sementes e fertilizantes,
mais os prospectos para recuperação da eco- hortas e água segura) e apoiar órfãos e crianças
nomia. A falta de alimentos afeta até metade vulneráveis (incluindo alimentação na escola e
da população do Zimbábue. Uma avaliação programas baseados nas residências).

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Carga global da doença

2 Thuy D. Bui e William H. Markle

de indicadores compostos que incluam medidas de


OBJETIVOS DE APRENDIZADO mortalidade e morbidade para se chegar a conclu-
sões sobre a saúde de populações e identificar quais
• Reconhecer os fundamentos para as medi- intervenções teriam o maior efeito.
das sumárias de saúde populacional O crescimento das populações em envelhe-
• Compreender os atributos de mortalidade, cimento e o aumento das doenças crônicas asso-
morbidade e deficiência conforme se apli- ciadas ofereceram um ímpeto para examinar os
cam à carga da doença desfechos de saúde não fatais e a qualidade de vida
• Descrever várias medidas compostas da car- associada. A deficiência e o sofrimento são difí-
ga da doença, seus pontos fracos e fortes ceis de ser quantificados porque envolvem noções
relativos e como são usados na literatura de complexas e subjetivas de dor, desconforto e per-
saúde pública, nos relatórios da Organiza- turbação emocional que são interpretadas em um
ção Mundial de Saúde e na imprensa leiga contexto social e cultural. Trabalhos anteriores so-
• Identificar os riscos de saúde global em mu- bre as medidas de qualidade de vida relacionada ao
dança e as intervenções efetivas para pre- trabalho (HRQL, do inglês health-related quality-
venir doenças e lesões -of-life), medidas de utilidade ou medidas pondera-
• Compreender como os dados sobre medi- das pela preferência, a Classificação Internacional
das de saúde global afetam o desenvolvi- das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens de
mento internacional, a mudança de política 1980 pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
e suas limitações e a mais recente Classificação Internacional de
• Aplicar o estudo da carga global da doença Funcionamento, Incapacidade e Saúde, uma classi-
à compreensão da pobreza e das desigual- ficação de saúde e domínios relacionados à saúde,
dades de saúde global estabeleceram a estrutura para o desenvolvimento
de medidas de morbidade que seriam incorporadas
às medidas sumárias de saúde populacional.
Os benefícios de uma moeda comum para
FUNDAMENTOS PARA medir a magnitude dos problemas de saúde in-
INDICADORES COMPOSTOS cluem as seguintes capacidades:

A medição do impacto das doenças sobre as po- • Comparar a saúde das populações
pulações é um pré-requisito para a determinação • Monitorar as tendências com o tempo
de maneiras efetivas de reduzir a carga da doença. • Conduzir análises de custo-efetividade
Métodos tradicionais de quantificação da doença
• Medir os benefícios de intervenções de saúde
em populações, como incidência, prevalência,
para toda a população
mortalidade, taxa de natalidade e taxa de morta-
lidade infantil, não captam desfechos de saúde não Implícita nas aplicações dessas medidas está a
fatais. Nas três últimas décadas, esforços interna- capacidade de avaliar as desigualdades na saúde glo-
cionais foram empreendidos no desenvolvimento bal; informar debates sobre as prioridades para oferta

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 33

do serviço de saúde e para o planejamento, pesquisa Curvas de sobrevida


e desenvolvimento no setor da saúde; e melhorar os 1,2
currículos e treinamentos em saúde pública.1 1

Sobrevida
G
A captura de dados precisos, de maneira 0,8
D
oportuna, é uma preocupação em particular, es- 0,6

pecialmente em contextos com poucos recursos. 0,4


H
0,2
As informações sobre mortalidade provavelmente
0
são o tipo de informação de saúde mais amplamen- 10 20 30 40 50 60 70 80
te disponível, obtido por meio de certidões de óbito, Idade
registros vitais e estudos de necropsia verbal, mas
Lacunas de saúde = Área G + função da área D
mesmo esse tipo de dado é considerado incomple- Expectativas de saúde = Área H + função da área D
to e pouco confiável. Um adulto que se apresenta
com febre, diarreia e hipotensão a um hospital dis- 䉱 Figura 2-1 As curvas de expectativa de saúde,
trital e morre antes de qualquer exame diagnóstico lacuna de saúde e sobrevivência para uma popula-
definitivo pode ter morrido de malária, disenteria, ção hipotética. Fonte: Murray CJL, Salomon J, Mathers
sepse e/ou síndrome da imunodeficiência adquirida CD, Lopez AD, eds. Summary Measures of Population
Health. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 1999.
(AIDS). Os dados sobre morbidade apresentados na
literatura costumam ser baseados em avaliações au-
topercebidas ou observadas, pesquisas nos domicí-
lios e informações de entrevistas. Como este capítulo 䉴 Expectativas de saúde
examina o método usado para avaliar a carga global Ano de vida ajustado por qualidade
da doença, é preciso considerar que todas essas me- AVAQ é uma medida de desfecho de saúde que
didas de saúde populacional envolvem escolhas e incorpora a qualidade e quantidade de vida vivida
julgamentos de valor em sua construção e aplicação.2 em um único número índice, originalmente de-
senvolvida há 30 anos para análise de custo-efeti-
EXPECTATIVAS DE SAÚDE vidade. O cálculo de AVAQ é derivado da mudança
E LACUNAS DE SAÚDE no valor de utilidade (preferência individual por
desfechos de saúde não fatais diferentes) induzi-
Os dois tipos de medidas compostas são as expec- do pelo tratamento multiplicado pela duração do
tativas de saúde e as lacunas de saúde (health gaps). efeito do tratamento para oferecer o número de
A Figura 2-1 ilustra uma curva de sobrevivência tí- AVAQs ganhos. Um ano de saúde perfeita é consi-
pica para uma população hipotética.1 A área sob a derado igual a 1 AVAQ. O valor de um ano de má
curva do meio (linha preta pontilhada) é dividida em saúde é descontado. Por exemplo, um ano restrito
dois componentes: H, que representa a expectativa de ao leito pode ter valor igual a 0,5 AVAQ. Estender
saúde (tempo vivo com saúde total) e D, que repre- a vida de alguém por um ano em metade de saúde
senta o tempo vivido em cada idade, em algum nível total é igual a 0,5 AVAQ, que também é igual a es-
definido de incapacidade. A expectativa de vida no tender as vidas de duas pessoas em um quarto de
nascimento (a curva do meio [linha preta pontilha- saúde total! Para permitir a agregação de mudan-
da]) é simplesmente H 1 D. A curva superior (linha ças de AVAQ, uma melhoria de 0,4 para 0,6 AVAQ
azul contínua) significa uma meta ideal de saúde to- é numericamente equivalente a uma melhoria de
tal até a morte, para a população. A área G, entre a 0,7 para 0,9. Como outro exemplo, uma mulher
curva do meio (expectativa de vida) e a curva supe- saudável em seus primeiros 60 anos de vida com
rior, é equivalente à mortalidade prematura. Uma la- HRQL valorado em 0,95 sofre pneumonia grave
cuna de saúde, portanto, está entre a área G e alguma com complicações, que diminui seu HRQL para
função da área D. Como se define a área D (pesos de 0,7 até sua morte, aos 62 anos. Apesar de viver até
incapacidade) é uma questão importante, debatida os 62 anos, obtém apenas 58 AVAQs em sua vida
pelas várias medidas compostas. Este capítulo abor- toda: (0,95 3 60) 1 (0,7 3 2).
da o ano de vida ajustado por qualidade (AVAQ) e a Os AVAQs tradicionais são elaborados utili-
expectativa de vida ajustada à saúde (HALE, do in- zando-se pesos de HRQL que não são vinculados
glês health-adjusted life expectancy) como exemplos a qualquer doença ou condição em particular, mas
de medidas de expectativa de vida e concentra-se ao status de saúde do indivíduo. Várias abordagens
nos anos de vida ajustados por incapacidade (AVAIs) – standard gamble, time trade-off ou escalas de clas-
como exemplo de medida de lacuna de saúde. sificação – foram usadas para gerar as valorações

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34 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

de qualidade de vida, também chamadas utilidades mana (HIV) permaneciam não conscientes de sua
de saúde. O método time trade-off requer que os infecção e incapazes de obter a orientação e a aten-
respondentes valorem os estados de saúde tornan- ção que poderiam salvar vidas. Utilizando um mo-
do explícito o que estariam dispostos a sacrificar delo de simulação de detecção e tratamento de caso
em termos de tempo ou risco de morte para retor- de HIV, Walensky e colegas examinaram três cená-
nar à saúde melhor ou perfeita. O índice de utilida- rios de rastreamento de HIV, além da prática atual:
3
de de saúde (HUI, do inglês Health Utility Index), uma vez, a cada cinco anos e anualmente. Encon-
o EuroQoL* EQ-5D, o Qualidade de Vida da OMS traram uma prevalência de HIV de 16,9%, incidên-
(WHOQoL, do inglês World Organization Quality cia anual de 1,3%, taxa de aceitação do exame de
of Life) e o SF-36 representam instrumentos co- 49%, custos do teste de HIV de $6,49/paciente e
mumente utilizados para medição e valoração do taxa de ligação à atenção de 47% (incluindo dois
HRQL e incluem domínios importantes como a regimes de terapia antirretroviral sequenciais) para
função física, psicológica e do papel social, as per- os casos identificados. O rastreamento anual de
cepções de saúde e os sintomas (Tabela 2-1). rotina de HIV na África do Sul aumenta a expec-
Finalmente, os AVAQs podem, então, ser in- tativa de vida (EV) ajustada à qualidade por pessoa
corporados às despesas médicas para chegar a um de um indivíduo infectado com HIV em 16,6 me-
denominador comum final de custo/AVAQ, ou ses, mesmo assumindo taxas altamente limitadas
análise de custo-utilidade. Se, por exemplo, uma de aceitação e ligação à atenção. O rastreamento
intervenção-padrão permitir que um paciente viva anual é muito custo-efetivo ($1.720/AVAQ). Esse
1 ano a mais do que sem qualquer intervenção, mas estudo começou a abordar a questão crítica sobre
com peso de qualidade de vida de apenas 0,8, en- se o rastreamento frequente de HIV tem benefício
tão a intervenção confere 1 3 0,8 5 0,8 AVAQ ao clínico e viabilidade econômica para a África do
paciente. Se uma nova intervenção confere 2 anos Sul, enquanto os pesquisadores e gestores resolvem
a mais de vida em um peso de qualidade de vida as estratégias maiores de “tratamento de HIV como
de 0,6, então confere 2 3 0,6 5 1,2 AVAQs adicio- prevenção” globalmente.
nais ao paciente. O benefício líquido da intervenção
Exemplo: Custo-efetividade do tratamento de
nova em relação à padrão é, portanto, 1,2 – 0,8 5
hepatite C assintomática em coortes dos EUA
0,4 AVAQ. A diferença em custos do tratamento
Usando um modelo de Markov, Salomon e colegas
($10.000) é dividida pelos AVAQs ganhos (0,4) para
estimaram o custo/AVAQ incremental ganho de
calcular o custo por AVAQ, ou $25.000 por AVAQ.
$29.300 para homens e $48.800 para mulheres sem
Exemplo: A relação custo-efetividade do ras- fibrose na biópsia, utilizando uma terapia combi-
treamento voluntário rotineiro do vírus da nada de interferon e ribavirina, em comparação a
imunodeficiência humana na África do Sul nenhum tratamento, na infecção com o vírus da
4
Em 2011, mais da metade de todos os sul-africanos hepatite C (HCV). Os benefícios esperados da te-
que viviam com o vírus da imunodeficiência hu- rapia são derivados, em sua maioria, das melhorias
em HRQL e não de desfechos de sobrevida. Em-
*N. de R.T. Visite a página do EuroQoL Brasil: bora considerados razoavelmente custo-efetivos,
www.qalybrasil.org/wpress/euroqol. esses resultados dependem de presunções de qua-

Tabela 2-1 Principais domínios das medidas de utilidade

HUI SF-36 EuroQoL EQ-5D WHOQoL

Visão Função física (FF) Mobilidade Saúde física


Audição Papel–física (PF) Autocuidado Psicológica
Fala Dor corporal (DC) Atividades usuais Nível de independência
Ambulação Saúde geral (SG) Dor/desconforto Relações sociais
Destreza Vitalidade (VT) Ansiedade/depressão Meio ambiente
Emoção Função social (FS) Espiritualidade/religião/
crenças pessoais
Cognição Papel–emocional (PE)
Dor Saúde mental (SM)

HUI, Health Utility Index; WHOQoL, Wordl Health Organization Quality of Life Project.

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 35

lidade de vida associadas à infecção leve com HCV en Santé) desenvolveu e promoveu o conceito e os
e tratamento e variam muito entre os diversos sub- métodos de expectativas de saúde, que os estados
grupos de pacientes. São necessárias mais infor- membros da União Europeia (UE) adotaram para
mações sobre os pesos de qualidade associados à monitorar as tendências de saúde na UE. A OMS
doença hepática crônica e aos decréscimos na qua- utiliza dados do Global Burden of Disease (GBD
lidade de vida associados ao seu tratamento. – Estudo da Carga Global de Doença), do Multi-
-Country Survey Study (Estudo de Levantamento
Expectativas de vida saudável Multinacional) da OMS e do World Health Survey
(Levantamento Mundial de Saúde) para fazer esti-
A expectativa de vida saudável (HLE, do inglês
mativas independentes da prevalência ajustada à
health life expectancy) na combinação de duração
gravidade por idade e sexo para os países do levan-
e qualidade de vida tornou-se uma medida sumá- tamento e tábuas de vida construídas com o méto-
ria padrão de saúde populacional em muitos paí- do Sullivan para computar a HALE para 193 países.
ses desenvolvidos. O monitoramento das expec- De acordo com a OMS, em 2007, a amplitude de
tativas de saúde permite que os países avaliem a EV saudável era mais do que o dobro, variando de
saúde de suas populações para verificar se a vida 35 anos em Serra Leoa a 76 anos no Japão (Figura
mais longa está sendo passada com saúde boa ou 2-2). A HLE global no nascimento era de 85 anos
má. As expectativas de saúde podem ser criadas em 2002 e 59 em 2007.
ajustando-se a EV (expectativa de vida) quanto O Estudo Global Burden of Disease Study 2010,
à incapacidade, doença específica ou saúde au- publicado depois que a maior parte deste capítulo
topercebida. As pesquisas de saúde populacional foi redigida, observava a expectativa de vida saudá-
avaliam a saúde ou o status funcional autoperce- vel para 187 países. Concluiu que a HALE havia au-
bido. Os níveis de má saúde relatados são combi- mentado mais lentamente do que a EV nos últimos
nados com os dados de mortalidade para estimar 20 anos, com um aumento de 1 ano na EV sendo
o número de anos de vida saudável que um indiví- associado a um aumento de 0,8 ano na HALE.
duo terá. A HLE, anteriormente conhecida como O HALE masculino global em 2010 era 58,3 anos e
expectativa de vida ajustada por incapacidade, o HALE feminino global era 61,8 anos. Entre 1990
também é conhecida como expectativa de vida e 2010, o HALE masculino havia aumentado pelo
ajustada à saúde (HALE). menos cinco anos em 42 países e o HALE femini-
Existem vários métodos para calcular as ex- no havia aumentado em 37 países. No entanto, o
pectativas de saúde. O método Sullivan é o úni- HALE masculino havia diminuído em 21 países e o
co para o qual há dados amplamente disponíveis. HALE feminino havia diminuído em 11.
6

Exige apenas uma tábua de vida da população que É difícil relatar as expectativas de vida de vol-
pode ser construída utilizando-se as taxas de mor- ta para a doença e as causas de fator de risco, já
talidade observadas em cada idade para um de- que toda doença e lesão contribuem com o risco
terminado período, os dados de prevalência para de morte ou incapacidade em cada idade, e a ex-
cada tipo de incapacidade em cada idade e o peso pectativa de saúde é uma soma ponderada desses
atribuído a cada tipo de incapacidade. Essas taxas riscos em todas as idades em uma tábua de vida
de prevalência podem ser obtidas prontamente de da população. No entanto, estudos que envolvem
pesquisas transversais de saúde ou incapacidade a decomposição da HLE em condições específi-
realizadas para uma população em um ponto do cas, estilo de vida e comportamentos de saúde po-
tempo. Os níveis autorrelatados de saúde variam dem levar a intervenções focadas para comprimir
sistematicamente com o tempo e com os grupos a incapacidade e/ou reduzir a mortalidade com
sociais, dificultando as comparações. O método potenciais para abordar as disparidades na saúde
Sullivan, que usa estimativas de prevalência ob- entre grupos sociodemográficos. Na Europa, Rei-
servadas, é criticado por não produzir um indi- no Unido e Canadá, a HLE está desempenhando
cador puro. As taxas de prevalência dependem um importante papel no planejamento da saúde
parcialmente de condições de saúde anteriores de fiscal de um país, como despesas com benefícios
cada coorte etária e, por não considerarem as ta- de pensão/aposentadoria e atenção de longo pra-
xas de transição dentro e fora dos estados de saú- zo. Nos Estados Unidos, pesquisadores e gestores
de, não são capazes de detectar mudanças rápidas estão começando a defender a adoção da HLE nos
5
na saúde populacional. níveis de sistemas de saúde nacional, estadual e
A Rede Internacional de Expectativas de Saú- comunitário para guiar os esforços de melhoria
7
de (REVES, do francês Réseau Espérance de Vie da saúde.

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36 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

Serra Leoa
Malaui
Países membros da OMS África do Sul
Índia
Federação Russa
Egito
Brasil HALE
China EV
México
EUA
Suécia
Austrália
Japão
0 20 40 60 80 100
Anos

䉱 Figura 2-2 Expectativa de vida saudável no nascimento, 2007, para países membros selecionados da
Organização Mundial de Saúde (OMS). HALE, expectativa de vida ajustada à saúde; EV, expectativa de vida.
Fonte: World Health Statistics 2010, WHO.

䉴 Lacunas na saúde Exemplo: Carga global de doença de lesões


atribuíveis ao consumo de álcool De acordo
Anos potenciais de vida perdidos com dados sobre indicadores do consumo de ál-
Os anos potenciais de vida perdidos (APVP, do cool do Estudo de Avaliação de Risco Comparativo
inglês potencial years of life lost – PYLL) são uma da OMS, ocorreram 851.900 mortes e 19.051.000
medida sumária simples da mortalidade prematu- APVP para pessoas com 15 anos de idade ou mais
ra, definida como o número total de anos perdidos devido a lesões atribuíveis ao consumo de álcool
devido à falha dos indivíduos ao viver seu número em 2004.8
esperado de anos. A vantagem da APVP sobre as
Exemplo: De acordo com o Instituto Nacional do
taxa de mortalidade bruta é que essa taxa é ponde-
Câncer, em média, estima-se que cada pessoa que
rada pelo grande número de mortes que ocorre em
morreu de câncer em 2007 tenha perdido 15,4 anos
idosos. A APVP permite que os tomadores de de-
de vida. As mortes por câncer foram responsáveis
cisão e outros avaliem seletivamente as principais
por mais de 8,6 milhões de APVPs, o que é mais
causas de mortalidade em grupos etários mais jo-
do que para doença cardíaca e todas as outras cau-
vens. Por exemplo, se definirmos a morte prematu-
sas de morte combinadas. O câncer de pulmão foi
ra como morte antes dos 65 anos, uma pessoa que
responsável por quase 2,4 milhões de APVP, mui-
morre aos 52 anos de doença cardíaca representa-
to mais do que qualquer câncer, em parte devido à
ria 13 APVP. A maior limitação da abordagem de
porcentagem relativamente baixa de sobrevida e da
APVP é que não contabiliza a morte no potencial
idade relativamente precoce na instalação.9
ou acima dele (65 ou 75 anos) e, assim, não pode
medir os benefícios de intervenções de saúde nesse
grupo etário. Além disso, a morbidade e a incapaci- Anos de vida ajustados
dade não são consideradas nesse indicador. Os US por incapacidade
Centers for Disease Control and Prevention (CDC A métrica AVAI foi desenvolvida no Estudo GBD
– Centros de Controle e Prevenção de Doenças original de 1990, sob a liderança de Murray e Lo-
dos Estados Unidos) publicou estatísticas sobre os pez, Banco Mundial, OMS e Escola de Saúde Públi-
anos potenciais de vida perdidos (APVP) por raça, ca de Harvard, para avaliar a carga de doença con-
sexo, região/estado e pelas causas e fatores de risco sistentemente entre as doenças, fatores de risco e
principais (http://webappa.cdc.gov/sasweb/ncipc/ regiões. Desde 2000, a OMS publicou atualizações
ypll10.html). regulares do GBD para 14 regiões. O Estudo Car-

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 37

ga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco usada uma abordagem interativa de “compen-
(Global Burden of Diseases, Injuries, and Risk Fac- sação de pessoa” – os participantes escolhiam se
tors Study), de 2010, financiado pela Fundação Bill era mais desejável tratar um determinado número
and Melinda Gates e liderado pelo Instituto para de pessoas com uma condição do que tratar um
Métrica e Avaliação de Saúde, é o primeiro esforço determinado número com outra condição. Então,
importante desde o Estudo GBD original de 1990 criavam sete classes de incapacidade e, uma vez
para realizar uma avaliação sistemática completa que os escores de preferência para um conjunto de
dos dados globais para 220 doenças e lesões e mais condições índices fossem estabelecidos, os pesos
de 60 fatores de risco para 21 regiões do mundo. para centenas de outras condições eram mapeados
AVAI pertence ao segundo grupo de indica- por extrapolação. Os pesos de 1 são equiparados a
dores compostos chamados lacunas de saúde e en- incapacidade total ou morte e 0 a nenhuma inca-
volve estimativas de HRQL ligadas a doenças espe- pacidade ou saúde total, na escala de AVAI. Esses
cíficas, e não a estados de saúde (como o AVAQ). DWs são considerados iguais ou universais en-
Os AVAIs para uma doença ou condição de saúde tre os países e as culturas. Com o Estudo Global
10
são calculados como a soma dos anos de vida per- Burden of Disease Study 2010, foi feita uma rea-
didos (YLL) devido à mortalidade prematura para valiação dos DWs com levantamentos em países
cada doença e os anos perdidos para incapacidade representativos; 30.230 pessoas participaram de
(YLD) com base na incidência de casos da condi- levantamentos baseados em casa ou na internet.
ção de saúde. AVAI 5 YLL 1 YLD. YLL 5 N 3 Houve um alto grau de consistência, e os maiores
L, onde N é o número de mortes e L é a EV pa- pesos de incapacidade foram dados à esquizo-
drão na idade da morte, em anos. YLD 5 I 3 DW frenia e esclerose múltipla grave. Considerou-se
3 L, onde I é o número de casos incidentes, DW que os novos pesos, no geral, concordaram com
(desability weight) é o peso da incapacidade e L é a os antigos, embora, na incapacidade leve, muitas
duração média do caso até a remissão ou morte, em condições tenham recebido taxas menores do que
anos. No Estudo GBD de 2010, os YLDs são com- antes. Veja a Tabela 2-2 para uma comparação das
putados como a prevalência de diferentes sequelas amostras de sequelas e seus DWs do GBD 2004.
de doenças e sequelas de lesões multiplicada pelo Uma extensa relação de pesos de incapacidades
DW para aquela sequela. para 220 estados de saúde exclusivos pode ser en-
10
No estudo original, os escores de gravida- contrada no Estudo GBD 2010.
de para incapacidade ou pesos de preferência de Os arquitetos originais do AVAI fizeram mais
incapacidade para 22 amostras de diagnósticos dois ajustes. O primeiro deles é uma ponderação de
ou condições indicadoras foram determinados idade que confere mais valor aos anos vividos no
por um painel internacional de especialistas. Foi início da vida adulta e menos aos anos vividos no

Tabela 2-2 Amostra de pesos de incapacidade para doenças e condições* (atualização do GBD 2004)

Peso médio da
Sequela incapacidade Variação Fonte

DL, episódio limitante de DL 0,061 0,165-0,469 Estudo dos Países Baixos


Casos de AIDS em TARV 0,167 GBD 2004
Glaucoma, visão subnormal 0,170 GBD 2004
Transtornos depressivos unipolares, episódio 0,350 Estudo dos Países Baixos
depressivo moderado
Doença cardíaca isquêmica, infarto agudo do miocárdio 0,439 0,405-0,477 GBD 1990
DPOC, casos sintomáticos graves 0,530 Estudo dos Países Baixos
Doença cerebrovascular, primeiros casos de AVE 0,920 GBD 1990

AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; TARV, terapia antirretroviral; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; GBD, carga
global de doença; DL, dor lombar.
De http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GBD2004_DisabilityWeights.pdf.

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38 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

começo e fim da vida. O valor da vida de uma pes- idade. Os YLLs foram calculados com referências
soa saudável tem seu pico perto dos 25 anos, por às novas expectativas de vida de referência-padrão
esse cálculo. O ajuste final à fórmula do AVAI é o em cada idade. Por exemplo, uma morte aos 5 anos
desconto do tempo no futuro, a uma taxa de 3%. conta como 81,4 YLLs e uma morte aos 60 anos
A ideia é que um benefício futuro vale menos do conta como 27,8 YLLs.
que um benefício que se obtém agora. Um trata-
Exemplo: A carga global da trematodíase
mento que estende a vida de uma pessoa de 65 para
transmitida por alimentos Por meio da revisão
75 é mais custo-efetivo se oferecido a uma pessoa
sistemática da literatura, foram extraídos dados so-
de 65 anos do que a uma pessoa de 50 anos, que
bre prevalência humana, morbidade e mortalidade
não verá benefícios por 15 anos.
da trematodíase transmitida por alimentos. Fürst,
Exemplo: A carga nacional de lesões no trân- Keiser e Utzinger desenvolveram modelos simpli-
sito na Tailândia Utilizando as estimativas de ficados de doença e fizeram metanálises sobre as
mortalidade de lesões no trânsito (RTI) do estudo proporções e razões de chance de sequelas espe-
verbal de necropsia, registros vitais e a proporção e cíficas e estimaram que 56,2 milhões de pessoas
gravidade de incapacidades de longo prazo de um foram infectadas com trematódeos transmitidos
estudo tailandês, Ditsuwan e colegas concluíram por alimentos em 2005; 7,9 milhões apresentaram
que a perda total de AVAIs devido a RTIs foi de sequelas graves e 7.158 morreram, a maioria de
673.000 em 2004.11 A mortalidade contribuiu com colangiocarcinoma e infecção cerebral.13 Estimam
88% desse ônus. O uso de dados locais levou a uma que a carga global de trematodíase transmitida por
estimativa significativamente maior da carga de in- alimentos seja de 665.352 AVAIs. Esse Estudo GBD
capacidade de longo prazo devido a RTIs (74.000 de 2010 preliminar foi escolhido para enfatizar a
vs. 43.000 AVAIs) usando métodos-padrão de GBD. relevância desse grupo de doenças tropicais negli-
O Estudo GBD 201010 pretendia abordar al- genciadas.
gumas das críticas de estudos passados da carga A Tabela 2-3 oferece uma comparação das
da doença. Inquéritos em domicílios, incluindo características essenciais das várias medidas sumá-
entrevistas face a face em vários países e uma dis- rias. Os AVAIs são diferentes dos AVAQs em sua
ponibilizada na internet permitiram um conjunto perspectiva populacional. A partir do trabalho do
diverso de contextos culturais, demográficos e lin- Estudo GBD, os AVAIs permitem comparações
guísticos. Os inquéritos pediam aos respondentes globais das principais doenças e fatores de risco.
que julgassem a gravidade relativa dos estados de Os AVAIs são aditivos no sentido em que podem
saúde em uma série de comparações pareadas e ser aditivamente decompostos em relação às causas
perguntas time trade-off, por exemplo: “Imagine e são uma medida mais sensível de mudanças na
duas pessoas – a primeira é completamente cega e carga. No entanto, os estados de incapacidade nos
a segunda sofre de dor intensa constante nas cos- AVAIs não levam em consideração as condições
tas. No geral, qual é a mais saudável?” As respos- comórbidas. Não existe uma maneira de capturar
tas são usadas para calcular um peso de gravidade a carga do diabetes, da hipertensão e da doença da
de estado de saúde para cada sequela. Poderiam, artéria coronária no mesmo indivíduo. Os AVAIs
então, ser feitas comparações entre DWs novos e levam 82,5 anos para as mulheres e 80 anos para os
antigos para cerca de 120 sequelas comuns aos no- homens como sua EV padrão no nascimento, com
vos e antigos estudos de GBD. O Estudo GBD 2010 base na EV média dos japoneses, que atualmente
identificou 1.160 sequelas de 291 doenças e lesões. apresentam a maior EV geral no mundo. Isso leva
Por exemplo, a retinopatia diabética é uma seque- a uma superestimativa de YLL em países de alta
la do diabetes melito. Os pesquisadores precisa- mortalidade. Por meio dessas presunções sobre o
ram estabelecer uma escala ordinal contínua entre valor social de pessoas em diferentes idades e EV
DW 0 (saúde perfeita) e DW 1 (morte) para cada uniforme em países diferentes, Murray e Lopez
sequela.12 A equipe do GBD 2010 se beneficiou de tentaram manter uma noção moral e política de
metodologias novas e antigas desde o último Estu- igualdade e comparabilidade para essa medida de
do GBD, incluindo dados ausentes de modelagem, saúde populacional.
estimativa de DW, atribuição de causa de morte e O Estudo GBD 1990 apresentou estimativas
técnicas de coleta de dados que oferecem melhores de mortalidade, YLL e anos vividos com incapaci-
estimativas de mortalidade e do YLD, globalmente. dade devido a doenças e lesões para oito regiões do
O caso base para AVAIs nesse estudo também foi mundo. O Estudo GBD 2010 apresentou estimati-
simplificado para omitir os descontos e o peso da vas em 21 regiões geográficas. Todas as doenças e

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 39

Tabela 2-3 Comparação de medidas sumárias de saúde populacional

Características AVAQs HALE AVAI

Origem e organizações 1976, Academia/ 2000, REVES, UE, OCDE, 1993, OMS, Banco Mundial
pesquisa, América OMS
do Norte e Europa
Tipo Expectativa de saúde Expectativa de saúde Lacuna de saúde
Instrumento de status de Sim Sim Não
saúde
Pesos de incapacidade Sim Classes de incapacidade Levantamentos comunitários e
genérica ou gravidade de especialistas; dados epidemio-
deficiência lógicos
Medidas de incapacidade Sim Autorrelato de incapa- Derivado para cada estado de
cidade saúde associado a condições es-
pecíficas
Estimando carga Não Status geral de saúde; di- Sim; medida mais sensível de
fícil de relacionar a expec- mudanças na carga do que ga-
tativa de saúde à doença nhos nas expectativas de vida por
e aos fatores de risco meio da eliminação de doenças
Nível de uso Avalia desfechos Avalia e compara cargas Compara a carga da doença entre
individuais de inter- nacionais de doenças as populações
venções
Aditivo de causas Não Não Sim
Prevalência vs. incidência Variável Incapacidade prevalente Com base na incidência
Multicausalidade ou Sim Potencial Não
comorbidades

Fonte: AVAQ, anos de vida ajustados por qualidade; HALE, expectativa de vida ajustada à saúde; AVAIs, anos de vida ajustados por
incapacidade; REVES, Réseau Espérance de Vie en Santé; UE, União Europeia; OCED, Organização para Cooperação Econômica e Desen-
volvimento; OMS, Organização Mundial de Saúde.

os desfechos de saúde foram categorizados nos três ses sem ser afetado pela diferença nas distribuições
grupos a seguir: etárias de país para país.
1. Comunicáveis, maternas, perinatais e nutri-
cionais RISCOS À SAÚDE GLOBAL
2. Não comunicáveis
A compreensão dos riscos à saúde é vital para pre-
3. Acidentes e lesões venir doenças e lesões. O relatório Riscos à Saúde
As Tabelas 2-4a e 2-4b mostram que, confor- Global da OMS, de 2009, fornece as últimas esti-
me se passa de um país de baixa para média e então mativas da carga de doença e lesões da exposição
alta renda, as causas de morte e AVAIs do grupo a riscos, conhecido como carga “atribuível” de
1 tendem a diminuir em importância, enquanto o doença e lesão. A carga atribuível é calculada por
grupo 2 tende a aumentar. No entanto, as causas do meio da estimativa da fração atribuível da popu-
grupo 2 já têm importância significativa na maioria lação (FAP), a redução proporcional de doenças
dos países, e as causas do grupo 3 figuram de for- ou mortalidade da população que ocorreria se a
ma proeminente em países de baixa e média renda. exposição a um fator de risco fosse reduzida a um
A importância das causas neuropsiquiátricas de cenário ideal alternativo de exposição. O número
AVAIs é óbvia. O uso de taxas padronizadas para de mortes ou AVAIs atribuíveis a um fator de risco
a idade é necessário para comparar as taxas de paí- é quantificado pela aplicação da FAP ao número

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40

Tabela 2-4a Mortes, taxas de morte e taxas de morte padronizadas para a idade de quatro países por grupos 1, 2 e 3

Burkina Faso Egito Federação Russa Estados Unidos


Baixa renda Renda média-baixa Renda média-alta Renda alta

Taxa Taxa Taxa Taxa


Taxa de padrão Taxa de padrão Taxa de padrão Taxa de padrão
Morte morte de idade Morte morte de idade Morte morte de idade Morte morte de idade

Todas as causas 207,9 1364,9 1718,9 453,7 556,5 859,6 2083,7 1473,7 1027,0 2547,8 817,5 504,9
Grupo 1: Comunicáveis, 151,0 991,4 801,1 56,4 69,2 76,0 106,2 75,1 71,4 154,1 49,5 33,7
Maternas e Perinatais
Infecciosas e parasíticas 91,9 603,2 492,1 24,4 30,0 36,9 75,4 53,3 49,1 71,2 22,9 15,4
HIV/AIDS 8,2 53,7 72,7 0,4 0,5 0,6 45,0 31,8 30,0 11,6 3,7 3,4
Maternas 4,0 26,4 29,4 1,6 2,0 1,9 0,5 0,4 0,4 1,2 0,4 0,4
Perinatais 17,5 114,6 52,4 16,6 20,4 15,5 8,9 6,3 10,6 17,5 5,6 7,1
Deficiência nutricional 7,3 47,7 27,4 1,5 1,9 2,0 1,0 0,7 0,6 6,3 2,0 1,0
Grupo 2: Não comunicáveis 43,2 283,9 810,1 371,1 455,2 749,3 1718,3 1215,3 796,8 2205,5 707,7 418,4
Neoplasias malignas 6,0 39,4 96,7 50,9 62,4 90,5 269,8 190,8 129,8 590,1 189,3 123,8
Diabetes 2,5 16,3 55,3 11,4 14,0 23,6 9,9 7,0 4,8 75,3 24,2 15,2
Neuropsiquiátricas 2,6 16,9 32,7 7,5 9,2 13,9 19,9 14,1 11,6 239,2 76,7 39,2
Cardiovasculares 17,3 113,4 399,8 178,4 218,8 388,0 1264,5 894,3 568,4 872,4 279,9 155,7
Grupo 3: Lesões 13,7 89,6 107,7 26,2 32,1 34,3 259,2 183,3 158,8 188,1 60,4 52,8

Mortes em milhares; Taxa de morte e taxa de morte padronizada para a idade em cada população de 100.000. Dados da OMS.
WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

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Tabela 2-4b AVAIs, taxas de AVAI e taxa de AVAI padronizada por idade de quatro países por grupos 1, 2 e 3

Burkina Faso Egito Federação Russa Estados Unidos


Baixa renda Renda média-baixa Renda média-alta Renda alta

Taxa Taxa Taxa Taxa


Taxa de padrão Taxa de padrão Taxa de padrão Taxa de padrão
AVAIs AVAI de idade AVAIs AVAI de idade AVAIs AVAI de idade AVAIs AVAI de idade

Todas as causas 7.402 54.802 45.867 13.318 18.613 20.261 40.348 27.885 25.305 41.372 13.937 12.844
Grupo 1: Comunicáveis, 5.411 40.060 26.584 3.257 4.552 3.891 3.412 2.358 2.722 2.527 851 896
Maternas e Perinatais
Infecciosas e parasíticas 3.017 22.336 15.706 952 1.330 1.209 1.792 1.238 1.229 1.036 347 330
HIV/AIDS 254 1.881 2.456 11 15 16 533 368 378 368 124 121
Maternas 236 1.751 1.806 333 465 444 159 110 110 277 93 104
Perinatais 645 4.774 2.290 1.134 1.585 1.181 380 263 484 745 251 321
Deficiência nutricional 324 2.397 1.405 311 435 379 511 353 537 135 45 45
CARGA GLOBAL DA DOENÇA

Grupo 2: Não comunicáveis 1461 10.816 15.601 8.959 12.521 14.927 27.571 19.055 16.295 34.650 11.673 10.481
Neoplasias malignas 113 835 1.585 595 832 1.043 3.109 2.149 1.702 5.085 1.713 1.384
Diabetes 37 273 582 225 314 414 361 249 204 1.332 449 374
Neuropsiquiátricas 364 2.692 2.673 2.220 3.103 3.054 5.810 4.015 3.954 11.709 3.945 3.963
Cardiovasculares 273 2.020 3.858 2.276 3.181 4.370 11.774 8.137 6.296 5.853 1.972 1.525
Grupo 3: Lesões 530 3.926 3.681 1.102 1.540 1.443 9.365 6.472 6.288 4.196 1.413 1.467
CAPÍTULO 2

AVAIs em milhares; Taxa de AVAI e taxa de AVAI padronizada para a idade em cada população de 100.000. Dados da OMS.
41

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42 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

total de mortes ou à carga total de doença. Esse re- xualmente também estão entre um grupo selecio-
latório oferece uma atualização para o ano 2004 da nado de doenças sujeitas à estimativa contrafactual
14
avaliação de risco comparativa (ARC) para 24 fa- e os métodos de ARC.
tores de risco globais. No Estudo GBD atualizado, Os riscos globais à saúde estão em transição
a carga do fator de risco foi quantificada de acordo e são orientados pela globalização, urbanização,
com a atribuição contrafactual, conforme mencio- longevidade, declínio das taxas de fertilidade, mu-
nado antes; a carga de doença e lesão foi relatada dança climática e outros fatores sociais e de estilo
de acordo com a atribuição categórica, seguindo de vida. A Figura 2-3 mostra os principais riscos
principalmente o sistema da Classificação Interna- globais para mortalidade no mundo, incluindo
cional de Doenças. pressão arterial alta, uso de tabaco, sedentaris-
Uma doença ou lesão em particular com fre- mo, sobrepeso e obesidade. Os principais riscos
quência é causada por mais de um fator de risco. globais para carga da doença (AVAIs) no mundo
De maneira similar, a maioria dos fatores de risco são baixo peso e sexo não seguro, seguidos pelo
está associada a mais de uma doença, e estabele- uso de álcool e falta de segurança na água, sane-
cer esses fatores como alvos pode reduzir múltiplas amento e higiene. Os riscos de doenças crônicas
causas de doença. Por exemplo, as quatro doenças causam a maior parte das mortes e AVAIs em paí-
não transmissíveis (NCDs, do inglês noncommu- ses de alta e média renda, embora, para países de
nicable diseases) responsáveis por pelo menos me- média renda, riscos como sexo não seguro e falta
tade das mortes globais são as doenças cardiovas- de segurança na água e saneamento também cau-
culares, diabetes, cânceres e doenças respiratórias sem uma parte maior da carga de doença, apesar
crônicas. Compartilham quatro comportamentos de não no mesmo nível observado para países de
de risco subjacentes que poderiam ser estabeleci- baixa renda (Figura 2-4a e 2-4b). No Estudo GBD
dos como alvos por intervenções de saúde pública: 2010, os pesquisadores fizeram uma estimativa de
uso de tabaco, sedentarismo, dieta não saudável e mortes de causas específicas e AVAIs atribuídos a
uso nocivo de álcool, que resulta em aumento da 67 fatores de risco e conglomerados de fatores de
pressão arterial, sobrepeso/obesidade, aumento da risco em 21 regiões. Estimaram as distribuições
glicemia e aumento do colesterol. O diabetes é um de exposição, analisando e sintetizando de forma
exemplo de uma doença cuja carga total inclui sua sistemática os dados publicados e não publicados.
carga diretamente atribuível e seu papel como fator Concluíram que, em 2010, os três principais fa-
de risco para outras doenças. Malária, tuberculose, tores de risco para carga da doença foram hiper-
hepatite B e C, HIV e infecções transmitidas se- tensão, tabagismo, incluindo tabagismo passivo, e

Principais causas de mortalidade global


e carga de doença atribuíveis, 2004

Mortalidade atribuível AVAIs atribuíveis

% %
1. Pressão arterial alta 12,8 1. Baixo peso infantil 5,9
2. Uso de tabaco 8,7 2. Sexo não seguro 4,6
3. Glicemia alta 5,8 3. Uso de álcool 4,5
4. Sedentarismo 5,5 4. Água contaminada, falta de 4,2
5. Sobrepeso e obesidade 4,8 saneamento e higiene
6. Colesterol alto 4,5 5. Pressão arterial alta 3,7
7. Sexo não seguro 4,0 6. Uso de tabaco 3,7
8. Uso de álcool 3,8 7. Amamentação abaixo do ideal 2,9
9. Baixo peso infantil 3,8 8. Glicemia alta 2,7
10. Fumaça de combustíveis sólidos 3,3 9. Fumaça de combustíveis sólidos em 2,7
em ambientes internos ambientes internos
10. Sobrepeso e obesidade 2,3
59 milhões de mortes globais totais em 2004
1,5 bilhão de AVAIs globais totais em 2004

䉱 Figura 2-3 Principais causas de mortalidade e carga de doença atribuíveis, 2004. AVAI, anos de vida ajusta-
dos por incapacidade.

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 43

Mortes atribuídas a 19 principais fatores de risco,


por nível de renda do país, 2004

Pressão arterial alta

Uso de tabaco

Glicemia alta

Sedentarismo

Sobrepeso e obesidade

Colesterol alto

Sexo não seguro

Uso de álcool
Alta renda
Baixo peso infantil

Fumaça de combustíveis sólidos em ambientes internos Média renda

Água contaminada, falta de saneamento e higiene Baixa renda


Baixo consumo de frutas e vegetais
Amamentação abaixo do ideal

Poluição do ar em ambientes externos em áreas urbanas

Riscos ocupacionais

Deficiência de vitamina A

Deficiência de zinco

Injeções não seguras nos serviços de saúde

Deficiência de ferro

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000


Mortalidade em milhares (total: 58,8 milhões)

Porcentagem de anos de vida ajustados por incapacidade (AVAIs)


atribuídos a 19 principais fatores de risco, por nível de renda do país, 2004

Baixo peso infantil

Sexo não seguro

Uso de álcool
Água contaminada, falta de saneamento e higiene

Pressão arterial alta

Uso de tabaco

Amamentação abaixo do ideal

Glicemia alta
Alta renda
Fumaça de combustíveis sólidos em ambientes internos
Média renda
Sobrepeso e obesidade

Sedentarismo
Baixa renda

Colesterol alto

Riscos ocupacionais

Deficiência de vitamina A

Deficiência de ferro

Baixo consumo de frutas e vegetais

Deficiência de zinco

Drogas ilícitas
Necessidade não atendida de contraceptivo

0 1 2 3 4 5 6 7
Porcentagem de AVAIs globais (total: 1,53 bilhão)

䉱 Figura 2-4 (a) Mortes atribuídas aos 19 principais fatores de risco por nível de renda do país, 2004.
(b) Porcentagem de anos de vida ajustados por incapacidade (AVAIs) atribuídos aos 19 principais fatores de risco
por nível de renda do país, 2004.

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44 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

uso de álcool. Para fins de comparação, em 1990, (8,795 milhões de mortes de 10,6 milhões por
os principais riscos eram baixo peso infantil, po- ano entre 2000 e 2003, apesar de um aumento
luição do ar doméstico com combustíveis sólidos populacional).
15
e tabagismo. Os riscos variam substancialmente
Exemplo: Efeito do sedentarismo sobre a car-
em áreas diferentes do mundo mas, em geral, a
ga de doença e a expectativa de vida Sabe-
contribuição dos fatores de risco com a carga da
-se que o sedentarismo aumenta o risco de doença
doença está mudando de riscos de doenças trans-
cardíaca, diabetes tipo 2 e cânceres de mama e colo.
missíveis em crianças para doenças não transmis-
Lee e colegas calcularam as PAFs associadas ao se-
síveis em adultos.
dentarismo para cada uma das principais NCDs
Os pesquisadores e as autoridades de saúde
por país, para estimar quanto da doença poderia
pública costumam estudar e abordar os grupos 16
ser evitado se o sedentarismo fosse eliminado.
de doenças ou condições e seus fatores de risco
Estimam que o sedentarismo cause 6% da carga
associados (cânceres, doenças cardiovascula-
de doença de doença cardíaca coronariana, 7% de
res, mortes infantis) devido a efeitos conjuntos
diabetes tipo 2, 10% de câncer de mama e 10% de
daqueles fatores de risco e aos potenciais esfor-
câncer de colo. O sedentarismo causa 9% de mor-
ços sinérgicos de prevenção. Vale observar que
talidade prematura, ou mais do que 5,3 milhões das
a soma da mortalidade ou carga de doença atri-
mortes que ocorreram no mundo todo em 2008. A
buível a cada um dos fatores de risco separada-
eliminação do sedentarismo aumentaria a EV glo-
mente costuma ser mais do que a combinação da
bal em 0,68 ano. Os anos acrescentados parecem
mortalidade ou carga de doença atribuível aos
poucos, mas representam ganhos para toda a po-
grupos desses fatores de risco. Como ilustrado
pulação, incluindo pessoas sedentárias e ativas. O
na Tabela 2-5, as principais causas de morte entre
ganho para os sedentários que se tornam ativos seria
crianças com menos de 5 anos são infecções res-
maior. Esses achados tornam o sedentarismo simi-
piratórias agudas e doenças diarreicas. A desnu-
lar aos fatores de risco estabelecidos para o tabagis-
trição é o fator contribuinte subjacente em mais
mo e a obesidade.
de um terço de todas as mortes infantis. A falta
de água potável, saneamento e higiene, fumaça Exemplo: Carga global de cânceres atribuíveis
de combustíveis sólidos em ambiente interno, a infecções De acordo com de Martel e colegas,
juntamente com riscos nutricionais e amamen- dos 12,7 milhões de novos casos de câncer que
tação abaixo do ideal causaram 39% das mortes ocorreram em 2008, 2 milhões foram atribuíveis a
17
infantis no mundo todo em 2004. Há evidências, infecções. Essa fração de atribuição da população
porém, de que a taxa de mortalidade geral para foi maior em países menos desenvolvidos do que
crianças com menos de 5 anos está diminuindo, em países mais desenvolvidos. Helicobacter pylori,
de acordo com as novas estimativas para 2008 vírus da hepatite B e C e vírus do papiloma huma-

Tabela 2-5 Principais fatores de risco e causas de morte em crianças: exemplo de contribuição
conjunta de fatores de risco

Causa de morte Fatores de risco % de mortes infantis

Pneumonia, infecções Baixo peso ao nascer Baixo peso


respiratórias agudas Desnutrição Deficiência de micronutriente 35%
Criança não amamentada Amamentação abaixo do ideal
Condições de superpopulação
Diarreia infantil Criança não amamentada
Contaminação de água e
39%
alimentos
Más práticas de higiene
Desnutrição

Falta de água potável e


saneamento 23%
Fumaça em ambiente interno

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 45

no foram responsáveis por 1,9 milhão de casos, culose, condições maternas e perinatais e deficiên-
principalmente cânceres gástricos, hepático e do cias nutricionais diminuam. O impacto de doenças
colo do útero. Em mulheres, o câncer do colo do infecciosas nos próximos 20 anos dependerá, em
útero foi responsável por cerca de metade da car- última instância, do controle da resistência micro-
ga de câncer relacionado à infecção; em homens, biana, do desenvolvimento de novos antibióticos e
os cânceres hepático e gástrico foram responsáveis vacinas e da vigilância e resposta nacional e global
por mais de 80%. Cerca de 30% dos casos atribu- a doenças.
íveis a infecções ocorrem em pessoas com menos A Tabela 2-7 mostra as mudanças nos prin-
de 50 anos. cipais AVAIs de 2004 a 2030. As principais causas
de AVAIs em 2030 são projetadas como transtorno
PROJEÇÕES DA OMS PARA 2030 depressivo unipolar, doença cardíaca isquêmica,
acidentes de trânsito, doença cerebrovascular e
O projeto GBD da OMS oferece projeções atualiza- DPOC. As causas do grupo 1 representarão ape-
das para o ano 2030 e projeta que a carga global de nas 20% do total de AVAIs perdidos em 2030; as
doença per capita deverá diminuir. A diminuição causas do grupo 2 (doenças não transmissíveis)
será menor do que a projetada se as tendências fa- representarão 66% do total de AVAIs perdidos
18
voráveis de fatores de risco e o crescimento econô- em todos os grupos de renda. Isso se deve, em
mico forem menores do que o previsto no modelo. parte, à transição demográfica e epidemiológica e
Projeta-se que as cinco principais causas de à convergência de padrões de morbidade e morta-
morte em 2030 serão doença cardíaca isquêmi- lidade para países de baixa a alta renda. A doença
ca, AVE, doença pulmonar obstrutiva crônica cardíaca isquêmica era a principal causa de AVAIs
(DPOC), infecções do trato respiratório inferior e no mundo em 2010, seguida por infecções respira-
cânceres de pulmão (Tabela 2-6). Espera-se que as tórias inferiores, AVE, doenças diarreicas e HIV/
19
mortes por doenças diarreicas, HIV/AIDS, tuber- AIDS (Tabela 2-8).

Tabela 2-6 As dez principais causas de morte no mundo todo, 2008, e projeções para 2030

Classi- % de mortes, Classi- % de mortes,


ficação Morte ou lesão 2008 ficação Morte ou lesão 2030

1 Doença cardíaca isquêmica 12,8 1 Doença cardíaca isquêmica 14,1


2 Doença cerebrovascular 10,8 2 Doença cerebrovascular 12,1

3 Infecções respiratórias 6,1 3 DPOC 8,6


inferiores
4 DPOC 5,8 4 Infecções respiratórias 4,2
inferiores
5 Doenças diarreicas 4,3 5 Cânceres de traqueia, 3,4
brônquios e pulmão
6 HIV/AIDS 3,1 6 Diabetes melito 3,3
7 Cânceres de traqueia, 2,4 7 Acidentes de trânsito 3,2
brônquios e pulmão
8 Tuberculose 2,4 8 Doença cardíaca 2,2
hipertensiva
9 Diabetes melito 2,2 9 Câncer de estômago 1,9
10 Acidentes de trânsito 2,1 10 HIV/AIDS 1,8

DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; HIV/AIDS, vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida. De
World Health Organization The Global Burden of Disease: 2004 Update. A classificação das causas de morte para as projeções de 2030
é feita pelos autores e não pela OMS.

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46 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

Tabela 2-7 Principais causas de AVAIs, 2004 e 2030

Como % Como %
do total Classifi- Classifi- do total
2004 doença ou lesão de AVAIs cação cação de AVAIs 2030 doença ou lesão

Infecções respiratórias infe- 6,2 1 1 6,2 Transtornos depressivos uni-


riores polares
Doenças diarreicas 4,8 2 2 5,5 Doença cardíaca isquêmica
Transtornos depressivos uni- 4,3 3 3 4,9 Acidentes de trânsito
polares
Doença cardíaca isquêmica 4,1 4 4 4,3 Doença cerebrovascular
HIV/AIDS 3,8 5 5 3,8 DPOC
Doença cerebrovascular 3,1 6 6 3,2 Infecções respiratórias infe-
riores
Prematuridade e baixo peso 2,9 7 7 2,9 Perda de audição, início na
ao nascer vida adulta
Asfixia no parto e trauma no 2,7 8 8 2,7 Erros de refração
parto
Acidentes de trânsito 2,7 9 9 2,5 HIV/AIDS
a
Infecções neonatais e outras 2,7 10 10 2,3 Diabetes melito
a
DPOC 2,0 13 11 1,9 Infecções neonatais e outras
Erros de refração 1,8 14 12 1,9 Prematuridade e baixo peso
ao nascer
Perda de audição, início na 1,8 15 15 1,9 Asfixia no parto e trauma no
vida adulta parto
Diabetes melito 1,3 19 18 1,6 Doenças diarreicas

http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GBD_report_2004update_part4.pdf
a
Essa categoria também inclui outras causas não infecciosas que surgem no período perinatal, além de prematuridade, baixo peso ao
nascer, trauma e asfixia no parto. Essas causas não infecciosas são responsáveis por cerca de 20% dos AVAIs mostrados nessa categoria.

A OMS e o Programa Conjunto das Nações A OMS projetou que o uso de tabaco cau-
Unidas de HIV/AIDS ajustaram para menos as sará 8,4 milhões de mortes até 2020, 70% das
projeções de mortalidade de AIDS devido ao cres- quais ocorrerão nos países em desenvolvimento.
cente número de pessoas que recebem terapia an- O número de mulheres que fumam (atualmente,
tirretroviral e ao fortalecimento das medidas pre- 9% dos fumantes) continuará a aumentar de 250
21
ventivas. A última previsão da OMS espera que o para 340 milhões, até 2020. De acordo com ou-
número de mortes por AIDS seja reduzido para 1,2 tra análise, a mortalidade mundial por tabaco
18
milhão em 2030. Estimou-se que as mortes por aumentará para aproximadamente 10 milhões
AIDS seriam 1,77 milhão em 2010, de acordo com por ano ou 100 milhões por década, por volta de
22
UNAIDS, 21% mais do que a 1,47 morte estimada 2030. Doenças cardiovasculares, câncer de pul-
20
pelo Estudo GBD de 2010. Essas projeções são mão e DPOC são as principais causas de morte de
sujeitas a mudanças, dependendo do financiamen- tabagismo, globalmente. O tabaco consome uma
to disponível para acesso universal ao tratamento, porcentagem significativa das despesas domés-
das novas opções terapêuticas e ampliação de pro- ticas, especialmente em países de baixa e média
gramas como tratamento, preventivo e profilaxia renda, desviando recursos da educação, alimen-
pré-exposição. Veja o Capítulo 11 para obter mais tos e saúde; no entanto, a relação entre o tabaco e
informações sobre HIV/AIDS. a pobreza é frequentemente ignorada. As compa-

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 47

POBREZA E CARGA GLOBAL DE DOENÇA


Tabela 2-8 Classificação de AVAI global com
intervalo de incerteza (UI) de 95% para as 20 As autoridades de saúde pública reconheceram,
causas principais em 2010 há muito tempo, que a saúde humana é a base do
crescimento econômico e do desenvolvimento. Nas
Classificação projeções feitas pelo Estudo GBD, as “doenças da
média pobreza”, como malária, tuberculose e AIDS, ain-
Doença (UI 95%) da afetarão os países de baixa renda de maneira
1 Doença cardíaca isquêmica 1 (1 – 2) desproporcional, mais do que os países ricos. Isso
perpetuará o eterno ciclo que começa com status
2 Infecções respiratórias inferiores 2 (1 – 3)
de saúde deficiente, subdesenvolvimento da força
3 AVE 3,2 (2 – 5) de trabalho e falta de crescimento econômico e re-
4 Diarreia 4,9 (4 – 8) sultará em pobreza e piora do status geral de saúde.
O sudeste da Ásia e a África, juntos, arcaram com
5 HIV/AIDS 6,6 (4 – 9) 54% da carga global de doença em 2004, embora
6 Dor lombar 6,7 (3 – 11) sejam responsáveis por apenas cerca de 40% da po-
pulação do mundo. As crianças arcam com mais de
7 Malária 6,7 (3 – 11)
metade da carga de doença em países de baixa ren-
8 Complicações de parto prematuro 8 (5 – 11) da, e quase metade da carga de doença em países
9 DPOC 8,1 (5 – 11) de baixa e média renda, agora, é de doenças não
18
transmissíveis.
10 Lesões de trânsito 8,4 (4 – 11) Os oito Objetivos de Desenvolvimento do Mi-
11 Transtorno depressivo importante 10,8 (7 – 14) lênio (ODM) são um conjunto internacional de me-
12 Encefalopatia neonatal 13,3 (11 – 17)
tas de desenvolvimento, acordadas por 193 estados
membros da ONU e várias organizações interna-
13 Tuberculose 13,4 (11 – 17) cionais para eliminar a pobreza, fome e doença até
14 Diabetes 14,2 (12 – 16) 2015. Quatro dos oito ODMs são particularmente
pertinentes à carga de doença e aos fatores de risco
15 Anemia por deficiência de ferro 15,2 (11 – 22)
discutidos neste capítulo (http://www.un.org/millen-
16 Sepse neonatal 15,9 (10 – 26) niumgoals/).
17 Anomalias congênitas 17,3 (14 – 21) ODM 1: A erradicação da pobreza extrema e fome
18 Autolesão 18,8 (15 – 26) inclui metas de água potável e desnutrição in-
fantil.
19 Quedas 19,7 (16 – 25)
ODM 4: Redução da mortalidade infantil. Em
20 Desnutrição de proteína-energia 20 (16 – 26) 2004, dos 10,4 milhões de mortes de crian-
Dados de Murray CJL, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) ças com menos de 5 anos no mundo todo, 4,7
for 291 diseases and injuries in 21 regions, 19902010: a sys- milhões (45%) estão na região africana e 3,1
tematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. milhões (30%) no sudeste da Ásia. Em outras
Lancet 2012; 380: 2197-2223. palavras, mais de 7 em cada 10 mortes estão
na África e sudeste da Ásia e são de causas que
podem ser prevenidas, como doenças diar-
nhias transnacionais de tabaco podem tirar van-
reicas, pneumonia, malária, sarampo e HIV/
tagem da liberação do comércio e empreendem
AIDS.
esforços massivos nas economias de mercados
emergentes. Mais do que nunca, medidas custo- ODM 5: Melhoria da saúde materna. A razão de
-efetivas de controle do tabaco, como controle da mortalidade materna em grupos de países de
publicidade, aumentos de preço e impostos, le- baixa renda melhorou para 410/100.000 nas-
gislação de áreas com fumo proibido e outras re- cidos vivos em 2010; foi cortada pela metade
gulamentações comerciais, conforme defendidas desde 1990, mas ainda é 29 vezes maior do que
pela Convenção do Plano de Controle do Tabaco a taxa dos países de alta renda.
da OMS (http://www.who.int/fctc/en/), são abso- ODM 6: Combate ao HIV/AIDS, malária e outras
lutamente críticas para diminuir o consumo do doenças. Há necessidade de mais dados sobre
tabaco no mundo. a carga de doenças negligenciadas e tropicais

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48 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

(NTDs – neglected tropical diseases), e o AVAI atribuível à população é, então, 50%. Ou seja, 50%
foi criticado por subestimar os DWs para da desnutrição infantil são atribuíveis à pobre-
doenças crônicas como as NTDs, não levando za por esse cálculo, reforçando a importância da
em consideração a importância do contexto pobreza de renda como um determinante da pre-
social, cultural e ambiental da pobreza naque- valência de fator de risco (e como substituto para
les estados de saúde.23 saúde). Os autores reconhecem que isso pode ser
uma superestimativa. Outros estudos sugerem que
Coletivamente, as causas relacionadas aos
programas de erradicação da pobreza e de saúde
ODMs da carga de doença são responsáveis por
pública orientados a comunidades pobres devem
29,8% da carga total de doença em 2010. Isso re-
flete um progresso, com um declínio de quase melhorar a saúde e reduzir as desigualdades socio-
32% desde 1990, apesar de ser improvável atingir econômicas na saúde.
a maioria das metas até 2015.19 De acordo com a
análise do Centro para Desenvolvimento Global, a DISPARIDADES NA SAÚDE GLOBAL
maior parte da população pobre do mundo (defi-
nida como aquela que vive com menos de US$1,25 A OMS está interessada em medir as desigualda-
por dia) agora vive em países de média renda des na saúde separadamente da medição dos níveis
(PMRs). Na realidade, há até um bilhão de pessoas médios de saúde como indicações do desempenho
pobres ou “um novo bilhão inferior” vivendo não de um país em saúde. A conquista da igualdade na
nos países mais pobres do mundo, mas em PMRs.24 saúde traduz-se em igualdade de tempo de vida
A maioria das pessoas pobres do mundo vive em saudável e igualdade de riscos de saúde, que en-
países populosos que saíram do status de baixa a volvem fatores que não podem ser evitados e es-
média renda – China, Paquistão, Índia, Nigéria e colhas individuais. As desigualdades na saúde têm
Indonésia. Isso tem implicações para a política de sido medidas, de modo geral, de forma bivariável,
desenvolvimento internacional por doadores e par- por exemplo, diversos níveis de saúde entre grupos
cerias público-privadas, como o Fundo Global e a de renda. Gakidou, Murray e Frenk propõem uma
Aliança Global para Vacinas e Imunização. estrutura para estudar a desigualdade na saúde
Há muito tempo, os pesquisadores estão inte- como a distribuição da expectativa de vida entre
ressados em estimar os potenciais benefícios à saú- indivíduos na população.26 Esses defensores das
de da erradicação da pobreza, com a crença de que desigualdades univariáveis na saúde oferecem um
a pobreza é um importante determinante subjacen- quadro geral da desigualdade na saúde na popu-
te da saúde. Na realidade, é provável que a associa- lação de maneira comparável entre populações.
ção de qualquer fator socioeconômico específico Uma medida sumária de desigualdade na saúde
com fatores de risco para doença seja confundida ainda não foi formalizada até o o momento desta
com outras variáveis, como educação, idade e et- publicação.
nia, por meio de fatores contextuais relacionados A carga da doença nos Estados Unidos en-
ao governo e ao desenvolvimento de infraestrutura, tre minorias raciais ou étnicas espelha de manei-
e por períodos longos de tempo (ou seja, o tempo ra perturbadora a carga de países de baixa renda
que leva para a melhoria da renda se manifestar e reflete as desigualdades globais em saúde. Em
como mudança na exposição a fatores de risco). comparação a outros países de alta renda, sua falta
Exemplo: A carga da pobreza Para quantificar a de cobertura universal de saúde e as disparidades
carga da doença de posição socioeconômica, Blake- resultantes no acesso à saúde e aos serviços de saú-
ly, Hales e Woodward utilizaram o “Risco atribuível de preventiva são bem documentados. O relatório
à população” para estimar o impacto da melhoria de Desigualdades e Disparidades na Saúde de 2011
da pobreza de renda sobre a desnutrição infantil do CDC define as persistentes tendências em dis-
como fator de risco de saúde no Paquistão.25 Com paridades de saúde por raça e etnia, renda e educa-
base no pressuposto de que os riscos relativos dos ção, estado de incapacidade e outras características
estados de doença costumam ser comparáveis por sociais.27 Em 2006, a taxa de mortalidade infantil
diferentes fatores socioeconômicos, estimaram que nos Estados Unidos era de 6,68 mortes em cada mil
60% da população vivem com US$1 a 2 por dia. nascidos vivos, com a taxa mais alta para mulheres
O cenário contrafactual exige que as pessoas que negras não hispânicas 2,4 vezes maior do que para
vivem com menos de US$2 por dia adotem o per- mulheres brancas não hispânicas. Homens e mu-
fil de fator de risco daquelas que vivem com mais lheres negros também apresentam taxas de morte
de US$2 por dia. As frações de impacto ou o risco maiores de doença cardíaca coronariana e AVEs do

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CARGA GLOBAL DA DOENÇA CAPÍTULO 2 49

que homens e mulheres de outras raças. Durante QUESTÕES DE ESTUDO


o período de nove anos do estudo (1999-2007), as
taxas de homicídio foram consistentemente maio- 1. Tente obter as mais recentes taxas de mortali-
res entre homens jovens negros não hispânicos. dade por idade e por sexo de um país de baixa
Disparidades similares foram encontradas em obe- renda. Você foi capaz de decifrar as fontes de
sidade, prevalência de asma, infecção por HIV, dia- dados?
betes, controle de hipertensão, tabagismo, gravidez 2. Examine os dados nas Estatísticas Mundiais
na adolescência, consumo compulsivo de bebidas, de Saúde de 2010. Qual é a EV no nascimento
riscos ambientais e determinantes sociais de saúde. para uma pessoa do sexo masculino no país
As pessoas mais pobres e vulneráveis no mun- de seu interesse em 2008? E o HALE no nas-
do ainda são afetadas por doenças infecciosas que cimento em 2007? Qual é a EV média para a
podem, em grande parte, ser tratadas e prevenidas. população global (ambos os sexos)? Como a
Infecções do trato respiratório inferior, tubercu- EV é calculada? Isso envolve tábuas de vida, e
lose, doenças diarreicas, HIV, infecções neonatais você pode ler mais sobre isso em http://www.
e malária continuam entre as principais causas who.int/en/.
de morte e carga de doença em países de baixa e
3. Quais informações seriam necessárias para
média renda. Ao mesmo tempo, doenças crônicas
calcular a carga de doença de HIV/AIDS para
tornaram-se mais proeminentes, devido ao desen-
um país específico, em um único ano? Inven-
volvimento social e econômico e ao consumo asso-
te um conjunto hipotético de números para
ciado de tabaco, álcool e alimentos ricos em açúcar
HIV/AIDS para um país africano e compute
e gorduras. Essas doenças colocam uma carga ain-
a carga como AVAIs em cada população de
da maior sobre os recursos de saúde e infraestru-
mil pessoas por ano. O Dr. Neal Nathanson,
tura nesses países que, agora, precisam lidar com
da Universidade da Pensilvânia, forneceu essa
uma carga tripla de doença. Também há evidências
questão de estudo e um conjunto de dados
de uma carga tripla de doença, conhecida como
para HIV/AIDS para Botswana no ano 2000.
doença transmissível, doença não transmissível
Os dados necessários para essa tabela são (1)
e doença sociocomportamental ou o aumento da
a distribuição etária da população para o ano
incidência de lesões, particularmente de acidentes
2000, (2) a incidência específica para a idade
de trânsito. Pandemias do tipo influenza têm o po-
de infecções por HIV, (3) a EV após a infecção
tencial de infligir mortalidade catastrófica e custos
por HIV e o peso para cada ano vivido com
econômicos no mundo todo, especialmente nos
HIV/AIDS (estimativas conjecturais arbitrá-
países mais pobres, com recursos limitados para
rias) e (4) a EV para a população saudável (a
vigilância, associados à deficiência da infraestrutu-
idade média de infecção com HIV é conside-
ra e do status de saúde.
rada ao redor dos 20 anos e uma EV saudável
Estamos em uma encruzilhada crítica na
de 65 anos aos 20 anos). A principal estimativa
saúde global em que os esforços para reformar os
conjectural necessária é a conversão da preva-
sistemas de saúde e controlar os fatores de risco
lência específica para a idade de infecções por
exigirão o comprometimento e a coordenação de
HIV, pois não havia medidas diretas da inci-
legisladores, gestores, pesquisadores, ministros da
dência de HIV disponíveis em Botswana.
saúde, OMS, Banco Mundial, doadores privados e
organizações não governamentais para melhorar 4. Cientistas tentaram estimar os impactos da
a saúde de todos os cidadãos ao redor do mundo. mudança climática na saúde. Que tipo de
As medidas sumárias de saúde populacional, como desfechos de saúde ou doenças estariam asso-
AVAIs, ainda precisam provar seu valor em afetar ciados à mudança climática? Que lacunas do
as mudanças na política de saúde e alocação de re- conhecimento deveriam ser abordadas para
cursos no mundo todo, especialmente nas regiões melhorar as avaliações futuras? (Veja http://
mais pobres. Essas medidas sumárias também de- www.who.int/globalchange/publications/cli-
vem ser sensíveis a mudanças no status de saúde matechangechap7.pdf)
atual e a mudanças nos fatores de risco por inter-
venções particulares. Não obstante, a maioria dos REFERÊNCIAS
especialistas acredita e defende melhores dados de
saúde e vigilância de doenças como primeiro passo 1. Murray CJL, Salomon J, Mathers C. A critical exa-
mination of summary measures of population
para melhorar o status de saúde e reduzir as desi- health. http://www.who.int/healthinfo/paper02.pdf.
gualdades na saúde.

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50 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

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tributable to 67 risk factors and risk factor clusters other/su6001.pdf.

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Epidemiologia,

3
bioestatística
e vigilância

Christopher Martin

saúde pública. Portanto, alguma familiaridade com


OBJETIVOS DE APRENDIZADO métodos epidemiológicos é essencial para a com-
preensão da saúde pública e global. A abordagem
• Compreender as importantes contribuições de saúde pública pode ser ilustrada pela tríade epi-
do acaso, do viés e do confundimento como demiológica, como aplicada à malária (Figura 3-1).
fontes potenciais de falsas associações epi- De acordo com esse modelo, a doença surge
demiológicas e aplicar métodos para con- por meio de interações entre um hospedeiro, o
trolar esses fatores
meio ambiente e agente. No caso de muitas doen-
• Descrever as medidas comumente utiliza- ças infecciosas, um vetor, por meio do qual o agen-
das de morbidade e mortalidade como são te é transmitido, também é relevante. Esse modelo
usadas no contexto global permite oportunidade para esclarecimento da in-
• Discutir os vários tipos de desenhos de es- terrupção da transmissão da doença. Por exemplo,
tudo epidemiológico juntamente com seus no caso da malária, as oportunidades podem in-
relativos pontos fortes e fracos, assim como cluir o uso de mosquiteiros tratados com insetici-
as medidas de associação que fornecem das para o hospedeiro, a redução de áreas de água
• Interpretar os resultados de testes no con- parada no meio ambiente, a destruição do vetor, o
texto do rastreamento e da vigilância com mosquito Anopheles, com o uso de pesticidas e a
atenção à sensibilidade, à especificidade e quimioprofilaxia orientada para o plasmódio.
ao valor preditivo Observe que o modelo de saúde pública as-
• Aplicar métodos epidemiológicos ao contro- sume uma visão muito ampla do que constitui um
le de doenças infecciosas fator de risco de doença. Enquanto um paradigma
• Distinguir os dois tipos de vigilância e des- biomédico tradicional tende a se concentrar em
crever os componentes de um programa um pequeno número de causas para uma doença,
útil de vigilância como um microrganismo específico, a saúde públi-
ca considera fatores sociais, econômicos e ambien-
tais mais diversos como participantes com um pa-
pel potencialmente causal no desenvolvimento de
EPIDEMIOLOGIA E ABORDAGEM doenças, cada um oferecendo uma oportunidade
DE SAÚDE PÚBLICA de intervenção.
Potencialmente, há um número infinito de
Epidemiologia relaciona-se com a identificação, fatores causais, cada um atuando em vários pon-
medição e análise de fatores que possam estar as- tos ao longo da linha do tempo, conforme mostra-
sociados às diferenças no status de saúde de popu- do na Figura 3-2, que retrata dois desses fatores,
lações. O objetivo dessas investigações é modificar para simplicidade. Para cada fator, há um período
esses fatores para melhorar o status de saúde dos de indução entre quando o fator atua e quando a
indivíduos. A epidemiologia clássica tem o enfoque doença se inicia. Depois do início da doença, se-
nas populações, procura identificar os fatores de gue um período latente, correspondente a uma fase
risco e tem sido descrita como a “ciência básica” da pré-clínica, antes que a doença seja reconhecida.

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52 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

Hospedeiro

Vetor

Agente Meio ambiente

 Figura 3-1 Tríade epidemiológica para a malária.

As estratégias preventivas podem ser posicionadas tica tem uma ênfase relativamente maior na coleta
em três grupos, com base nessa cronologia. A abor- e análise de dados. Em consequência, esse campo
dagem preferida é sempre a prevenção primária, oferece uma variedade de medidas usadas para
pois as intervenções são feitas antes do início da quantificar os desfechos da doença (morbidade)
doença, como a vacinação para conferir imunidade e morte (mortalidade). Além disso, a bioestatísti-
ao sarampo. O rastreamento é, por definição, uma ca oportuniza métodos para examinar as relações
forma de prevenção secundária, pois tenta identifi- entre as variáveis, especialmente se essas relações
car indivíduos assintomáticos com doença, com a poderiam ter surgido apenas como resultado do
intenção de melhorar os desfechos do tratamento acaso, um procedimento conhecido como inferên-
com uma intervenção precoce. Por último, a pre- cia estatística.
venção terciária não altera a manifestação completa
de uma doença, mas busca limitar as sequelas de
longo prazo. Essas medidas podem incluir terapia  Acaso, viés e confundimento
física e ocupacional após hemiplegia resultante de Antes de analisar os métodos de epidemiologia e
um acidente vascular encefálico (AVE). bioestatística, é necessária alguma compreensão
Embora a distinção entre epidemiologia e bio- das considerações sobre a determinação da valida-
estatística nem sempre seja aparente, a bioestatís- de e causalidade das associações. Uma associação

Prevenção secundária

Prevenção primária Período latente

Exposição 1 Manifestação
Período de da doença
indução para
exposição 2
Prevenção terciária
Exposição 2 Início da doença

 Figura 3-2 Linha do tempo da doença com níveis de prevenção.

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EPIDEMIOLOGIA, BIOESTATÍSTICA E VIGILÂNCIA CAPÍTULO 3 53

refere-se a uma relação na qual uma mudança na


frequência de uma variável está associada a uma Tabela 3-1 Critérios de Bradford Hill
mudança na frequência de outra. Por exemplo, x e
Força Associações maiores (grandes ra-
y podem ser descritos como associados se um au-
zões relativas de chance ou risco,
mento em x também resultar em um aumento em geralmente acima de 1,5) são
y. A causalidade é um tipo especial de associação observadas. Nesses casos, é menos
em que uma condição precede a outra e deve estar provável que outras influências,
presente para que o desfecho ocorra. como viés e confundimento, sejam
Embora todas as relações causais sejam for- responsáveis por uma associação.
mas de associações, o contrário não é verdadeiro; Consistência A mesma associação é observada
ou seja, há vários motivos adicionais que podem repetidamente. Observe que esse
ser responsáveis por qualquer associação obser- critério é útil apenas quando po-
vada. Para ilustrar a diferença, epidemiologistas pulações diferentes são estudadas
classicamente se referem ao exemplo de cegonhas e utilizando-se diversos desenhos
bebês. Pode-se demonstrar que, para muitas partes experimentais.
do mundo, as taxas de natalidade são maiores nas Especificidade Uma associação detalhada em vez
regiões com populações maiores de cegonhas. No de alegações de desfechos múl-
entanto, embora essas duas variáveis possam estar tiplos para uma intervenção. Por
associadas de maneira positiva, esta claramente esse critério, com frequência dis-
não é uma relação causal. A distinção é importan- pensamos os chamados remédios
te porque a estatística e a epidemiologia oferecem universais defendidos para uma
apenas insights sobre as associações. A determi- infinidade de doenças.
nação da causalidade de uma associação depende Temporalidade A causa deve preceder o efeito.
da aplicação de princípios não epidemiológicos. Esse é o único critério obrigatório
Os mais utilizados hoje são os critérios de Bradford para causalidade.
1
Hill. Os mais importantes deles estão relacionados Gradiente Observa-se uma relação de respos-
na Tabela 3-1. biológico ta à dose em que a associação se
Além da causalidade, as três fontes potenciais torna mais forte com aumentos na
mais importantes de uma associação falsa são o aca- quantidade do fator causal.
so, o viés e o confundimento. Para interpretar de ma-
Plausibilidade Pode-se avançar um mecanismo
neira crítica os estudos epidemiológicos, é essencial para explicar a associação.
abordar a contribuição potencial de cada um desses
três fatores. Se o acaso, o viés e o confundimento não Evidências ex- Outros tipos de investigações, como
forem considerados responsáveis por uma associa- perimentais estudos com animais, apoiam a
associação.
ção, os achados são considerados válidos.
Acaso se refere a uma associação de sorte. De Bradford Hill A. A Short Textbook of Medical Statistics. 11a ed.
Sempre que se coletam dados em um experimento, 1977 Londres: Hodder e Stoughton. (Reproduzida com permissão.)
resultados não usuais podem ser obtidos de ma-
neira randômica. Por exemplo, uma moeda pode
ser atirada quatro vezes e produzir coroa em todas ções independentes é explorado. Com frequência,
elas. Claramente, essas associações não usuais são essas associações não foram especificadas a priori
mais prováveis de ocorrer quando o tamanho da como hipóteses em estudo. Se 20 dessas compara-
amostra de um experimento for pequeno. O pa- ções foram feitas, em média, uma parecerá estatis-
pel do acaso é bem abordado pela bioestatística, ticamente significativa com o uso de um ponto de
que oferece informações sobre a probabilidade de corte de 5%, ou 1 em 20, para significância. Esses
qualquer associação observada ter surgido por aca- achados são mais bem descritos como ponto de cor-
so por meio de testes de significância estatística. te de hipóteses, pois exigem mais estudos, nos quais
Geralmente, um valor de 0,05 (5%) é considerado a hipótese específica é apresentada antes da coleta
um ponto de corte importante na determinação da dos dados para determinar se a associação é real.
existência ou não de uma associação. No entanto, um estudo negativo refere-se a
Mesmo quando resultados de estudo são re- nenhuma associação observada no estudo. Duas
latados como estatisticamente significativos, ainda explicações potenciais devem ser consideradas
devemos determinar se a associação é real. Em al- nesse cenário. O primeiro fator é o tamanho insu-
guns estudos, um número muito grande de associa- ficiente da amostra. Uma justificativa de tamanho

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54 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

de amostra deve ser incluída em qualquer estudo os investigadores querem estar confiantes da inclu-
que explicite as presunções subjacentes aos méto- são de um número suficiente de sujeitos para que,
dos por meio dos quais o número de participantes se houver, verdadeiramente, uma associação, esta
foi escolhido. Esse cálculo de tamanho de amostra possa ser detectada. Como pode ser observado na
depende da magnitude do efeito em estudo (efeitos Tabela 3-2, isso se refere à força estatística do estu-
menores exigem tamanhos maiores de amostra), do e é calculado como 1–b.
assim como informações sobre a frequência da ex- O que esses valores de alfa e beta realmente
posição e desfecho no estudo. significam? Oferecem distribuições que refletem
Quando um estudo é realizado, os investiga- os valores dos testes estatísticos se não houver re-
dores propõem a chamada hipótese nula, denotada lação entre duas variáveis, ou seja, sob a hipótese
como H0, que afirma não haver qualquer associa- nula. O processo de inferência estatística envolve o
ção entre o fator de risco e o desfecho estudado na cálculo de parâmetros como z, t ou estatística de
população da qual a amostra foi retirada. Depois qui-quadrado, que envolvem uma diferença entre
que os dados são coletados e analisados, a hipóte- os resultados observados e aqueles esperados sob a
se nula será aceita (os achados não são estatistica- hipótese nula. Conforme os resultados observados
mente significativos) ou rejeitada (os achados são se tornam mais distantes daqueles previstos sob a
estatisticamente significativos). Portanto, quatro hipótese nula, a probabilidade de atingir signifi-
situações podem surgir, como mostrado na Tabela cância estatística aumenta. Valores p inferiores cor-
3-2. Se a hipótese nula é aceita quando verdadeira, respondem às estatísticas de teste que caem perto
foi tomada a decisão correta. Se a hipótese nula é de uma extremidade dessa distribuição e, portanto,
aceita quando, na verdade, é falsa, cometeu-se um a achados improváveis de serem obtidos por acaso.
erro do tipo II, conhecido como beta. Beta é con- Deve-se ter sempre em mente que a escolha do va-
vencionalmente ajustado em 20% no cálculo do ta- lor p inferior a 0,05 como justificativa para signifi-
manho apropriado da amostra. cância estatística é totalmente arbitrária e histórica,
Por outro lado, se rejeitar a hipótese nula e com origens em publicações desde o início de 1900.
concluir que há uma relação estatisticamente signi- O confundimento ocorre quando há uma ter-
ficativa entre duas variáveis quando, na realidade, ceira variável independentemente associada ao fa-
a hipótese nula é verdadeira, comete-se um erro tor de risco e ao desfecho da doença em estudo. Por
tipo I, representado por alfa. Alfa é ajustado em exemplo, estudos epidemiológicos publicados há
5%, mais uma vez por convenção, e corresponde alguns anos relataram uma associação entre o con-
ao limiar em que os valores p calculados a partir sumo de café e o desenvolvimento de determina-
de testes estatísticos de significância serão compa- dos tipos de câncer. No entanto, subsequentemente
rados. Se o valor p calculado for inferior ao alfa, a se mostrou que os achados foram confundidos pela
hipótese nula é rejeitada. Finalmente, se a hipótese falha no controle do tabagismo. Os indivíduos que
nula é rejeitada quando, na verdade, é falsa, tomou- bebem café também apresentam maior probabili-
-se uma decisão correta. dade de fumar, e o tabagismo é um fator de risco
Observe que os erros tipo I e tipo II são con- independente para câncer. Embora os investiga-
trabalanços, pois são ações opostas. Portanto, uma dores acreditassem estar comparando grupos dife-
diminuição na probabilidade de um aumenta a rentes na quantidade de café consumido, na reali-
probabilidade do outro. Como geralmente se con- dade, estavam comparando grupos com números
sidera que os erros que envolvem rejeição incorreta diferentes de cigarros consumidos, e foi esse último
da hipótese nula são piores, o alfa é estabelecido em fator de risco que resultou na diferença observada
um nível inferior ao beta. Ao planejar um estudo, em câncer entre os grupos.

Tabela 3-2 Tipos de erro

H0 é verdadeira H0 é falsa

Não rejeite H0 Correto! Erro tipo II (b)


(não estatisticamente significativo)
Rejeite H0 (estatisticamente significativo) Erro tipo I (a) Correto!
Poder estatístico

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EPIDEMIOLOGIA, BIOESTATÍSTICA E VIGILÂNCIA CAPÍTULO 3 55

O confundimento pode ser tratado utilizando- neste capítulo. Os resultados válidos podem não se
-se uma variedade de abordagens, relacionadas na aplicar a populações além daquelas incluídas no
Tabela 3-3. Porém, para controlar um confundidor, estudo. Essa consideração está relacionada com a
deve-se ter conhecimento dele. O único método generalização dos achados.
disponível para controlar confundidores desconhe-
cidos é a randomização em um ensaio clínico. Com
a randomização apropriada, os grupos serão equi-
INDICADORES BÁSICOS DE SAÚDE
valentes com respeito a todas as variáveis incluindo Para estudar as causas de doença, é necessário
confundidores conhecidos e desconhecidos e dife- começar examinando os indicadores básicos de
rirão apenas com respeito à intervenção estudada. saúde, que incluem medidas de mortalidade e mor-
Finalmente, o viés é um erro sistemático que bidade. Apesar do uso disseminado desses indica-
afeta um grupo preferencialmente, em comparação dores, particularmente para comparar o status de
a outro. Por exemplo, o viés de memória refere-se à saúde dos diversos países, é importante reconhecer
observação que pessoas doentes tendem a se lem- que a saúde envolve muito mais do que se reflete
brar mais de quaisquer exposições, mesmo aquelas nas estatísticas. Em 1948, a Organização Mundial
que nada têm a ver com a doença. Existem vários de Saúde (OMS) definiu a saúde como “um esta-
tipos de viés; algumas das formas mais comuns es- do de bem-estar físico, mental e social e não me-
tão relacionadas na Tabela 3-4. Como é difícil quan- ramente a ausência de doença ou enfermidade.”
tificar ou medir o viés, ele não é facilmente tratado Embora essa definição tenha sido criticada como
com métodos estatísticos. Portanto, os esforços são utópica, enfatiza o conceito de que a boa saúde é
orientados para a minimização do viés no desenho uma noção muito mais complexa do que simples-
do estudo com o uso de ferramentas de avaliação mente não apresentar uma doença.
objetivas e padronizadas. Um ensaio clínico oferece Em um sentido geral, a maioria das medi-
um dos métodos mais poderosos para reduzir o viés das de morbidade e mortalidade consiste em um
por meio do cegamento. Como o nome sugere, com numerador como o número de casos ou mortes
essa técnica, uma pessoa (o sujeito ou investigador divididos por um denominador que representa
do estudo) não tem conhecimento da intervenção a população em risco. Para medir o tamanho da
(se houver uma) sendo alocada. população, a maioria dos países faz um censo pe-
Se o acaso, o viés e o confundimento não fo- riódico, geralmente a cada dez anos. Dados sobre
rem considerados responsáveis por uma associa- nascimentos e mortes são coletados de forma con-
ção, os achados são considerados válidos. No en- tínua e, junto com o estado civil, são chamados co-
tanto, vários outros fatores devem ser considerados letivamente de estatísticas vitais.
antes que se possa concluir que os resultados váli- Do ponto de vista prático, costuma ser mais
dos são causais e relevantes. Esses fatores são discu- difícil obter dados confiáveis para a população em
tidos na seção de desenho de estudo, mais adiante risco (denominador para as medidas) relativos

Tabela 3-3 Métodos para controlar o confundimento

Método Exemplo Limitação

Pareamento Para cada caso com doença, um controle é sele- Não permite qualquer medição da
cionado, com o mesmo nível de confundidor força do confundidor
Estratificação Divide os sujeitos em diferentes níveis de con- Praticável apenas para um pequeno
fundidor número de confundidores
Randomização Aloca randomicamente os sujeitos para receber a Exige controle da intervenção por
intervenção estudada parte do investigador
Análise multivariada Influência de controle de outras variáveis utilizan- Os métodos são complexos
do software estatístico para isolar e examinar o
efeito de uma delas
Restrição Um estudo de doença cardiovascular inclui ape- Reduz a generalização dos achados
nas homens do estudo

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56 WILLIAM H. MARKLE, MELANIE A. FISHER & RAYMOND A. SMEGO Jr.

A OMS fornece indicadores básicos de saúde,


Tabela 3-4 Formas de viés junto com estatísticas adicionais de saúde, para
todos os estados membros, no Relatório de Saúde
Tipo de viés Definição Mundial, produzido anualmente desde 1995 e dis-
Viés de seleção Erro em como os sujeitos são ponível em vários idiomas on-line, em http://www.
incluídos em um estudo. who.int/whr/.
O efeito do Populações que trabalham pa-
trabalhador sau- recem mais saudáveis quando  Medidas de morbidade
dável comparadas à população em ge-
ral devido à retirada de pessoas As duas principais medidas de frequência de
doentes da força de trabalho. doença são a prevalência e a incidência. Enquanto
a prevalência se refere ao número de casos existen-
Viés de volun- Sujeitos que concordam em
tes em qualquer momento, a incidência é restrita ao
tário participar de um estudo diferem
daqueles que recusam, geral-
número de novos casos que ocorrem em um pe-
mente por serem mais saudáveis. ríodo definido.
Os dois tipos de prevalência são a prevalên-
Viés de Berkson Pacientes que recebem tratamen- cia pontual e de período. A prevalência pontual é
to médico são diferentes daqueles
calculada como o número de casos existentes di-
na população em geral. Por exem-
plo, pacientes com condições
vidido pela população em risco ao mesmo tempo.
comórbidas podem apresentar Porém, obter essas informações instantâneas cos-
maior probabilidade de procurar tuma ser bastante difícil, especialmente para popu-
tratamento do que aqueles com lações maiores. Na prática pode exigir um período
um único diagnóstico, levando a prolongado de tempo simplesmente para avaliar a
falsas associações entre as duas população para o número de casos. Suponha que
doenças se apenas populações um levantamento tenha sido realizado em 2012 em
tratadas forem estudadas. uma província da Indonésia para determinar o nú-
Viés de infor- Erro em como os dados são mero de casos de tuberculose. O número de casos,
mação ou do reunidos sobre exposição ou dividido geralmente pela população em meados de
observador doença. 2012 da província, é uma prevalência por período.
Viés de memória Os sujeitos doentes se lembram Observe que, para qualquer tipo de prevalência,
mais de exposições passadas, não há unidades de tempo. Portanto, a prevalência
independentemente de qualquer não é uma taxa.
papel causal. A significativa limitação no uso da prevalên-
cia com respeito à compreensão das tendências na
Viés do entrevis- Os investigadores podem, pre-
tador ferencialmente, levantar infor- doença é que não reflete as diferenças no fato de
mações sobre a exposição ou os um caso ser diagnosticado recentemente ou diag-
desfechos se tiverem consciência nosticado em algum momento do passado. Por
do status do sujeito no estudo. esse motivo, em geral é preferível examinar o nú-
mero de casos novos determinando-se a incidência
Má classificação Erros na determinação do status
sistemática ou de exposição ou desfecho.
e não a prevalência.
diferencial O denominador para incidência costuma ser
expresso como pessoa-anos. Essa é uma métrica co-
Perda de segui- Erro introduzido se a perda do mum que permite que dados de observações sepa-
mento seguimento em um estudo esti-
radas sejam agrupados quando há seguimento va-
ver relacionada ao desfecho em
investigação.
riável de cada indivíduo. Para populações menores,
cada sujeito pode ser considerado separadamente,
e não presumindo que o seguimento seja unifor-
me. Nessas situações, utiliza-se uma densidade de
ao número de casos ou mortes (numerador). Por incidência quando há seguimento variável entre
exemplo, de acordo com a Divisão de Estatística os voluntários. Considere o exemplo mostrado na
das Nações Unidas, o último censo concluído na Figura 3-3. Apenas o sujeito A é seguido durante
nação da Somália foi em 1987. Essa falta de in- todo o estudo, contribuindo com 8 pessoa-anos
formação representa uma importante limitação à de tempo livre de doença. No entanto, cada um
compreensão do status de saúde desses países. dos outros pode ser adicionado, por um total de

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EPIDEMIOLOGIA, BIOESTATÍSTICA E VIGILÂNCIA CAPÍTULO 3 57

Pessoa-anos
de observação
A Vivos 8

B Doença 6

C Doença 5
30
D Doença 4

E Doença 1

F Seguimento perdido 6
0 1 2 3 4 5 6 7 8
Início do Tempo (anos) Fim do
estudo estudo

 Figura 3-3 Cálculo da taxa de incidência ou densidade em um estudo de oito anos de seis pessoas (A a F).

30 pessoa-anos. A taxa de incidência ou densidade respondente para o Brasil foi de 6,4 mortes em
de incidência é, então, calculada como quatro ca- cada mil pessoas.
sos divididos por 30 pessoa-anos, ou 0,13 caso por Obviamente esses valores não podem ser
ano-pessoa. comparados diretamente, pois muitas outras di-
Há uma clara relação entre a incidência e a ferenças entre esses dois países podem influenciar
prevalência, ou seja, a prevalência é igual à incidên- a mortalidade de maneira independente. Talvez
cia vezes a duração, P 5 I 3 D. Portanto, fatores mais importante, o Brasil tem uma população
que aumentam a duração da doença aumentam a mais velha do que Botswana, um confundidor
prevalência, independentemente de qualquer alte- que impede uma comparação direta significativa
ração na incidência. Os vários fatores que podem das taxas. Em outras palavras, a comparação das
influenciar a prevalência e a incidência, além de taxas brutas de morte pode, na realidade, subesti-
alterações na frequência de novos casos, são mos-
trados na Tabela 3-5.

Tabela 3-5 Fatores que podem aumentar a


 Medidas de mortalidade incidência e a prevalência, independentes de
As medidas de mortalidade oferecem a vantagem mudanças no número de novos casos
óbvia de serem baseadas em um desfecho objetivo
e facilmente reconhecido. Três medidas genéricas – Fatores que aumentam Fatores que
taxas, razões e proporções – costumam ser usadas a incidência e a aumentam apenas a
(Figura 3-4). Porém, o uso incorreto desses termos prevalência prevalência
(especialmente taxa) é muito comum na literatura Maior definição de caso Tratamento melhorado
de saúde. (não curativo)
A medida de morte mais simples é o que ge-
Métodos diagnósticos Emigração de pessoas
ralmente se chama de taxa bruta de morte que,
aprimorados saudáveis da população
por não conter unidade de tempo, não é, na
verdade, uma taxa. Como o número calculado Critérios mais liberais Imigração de pessoas
costuma ser muito pequeno, o valor é, conven- na definição de doença com doenças para a po-
cionalmente, expresso em cada mil pessoas. Por (exemplos: AIDS; limiares pulação
de índice de massa cor-
exemplo, a OMS relatou que a taxa bruta de mor-
poral para obesidade nos
te para Botswana foi 12,6 mortes em cada mil Estados Unidos)
pessoas em 2010. Em contraste, o número cor-

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O numerador está incluído


no denominador?

Sim Não

O tempo está incluído


no denominador?

Sim Não

Medida: Taxa Proporção Razão

Exemplo: Incidência Prevalência Razão de mortalidade materna

 Figura 3-4 Distinção entre taxas, proporções e razões.

mar a diferença real no status de saúde dessas duas a da cidade B. Porém, uma inspeção mais atenta
populações. Pode-se usar várias abordagens para da taxa em cada faixa etária mostra que todas são
lidar com essa limitação. Uma delas é comparar maiores na cidade A do que na cidade B. A ex-
as taxas de morte específicas para a idade (como plicação para esse paradoxo está na diferença da
mortes de pessoas entre 25 – 30 anos de idade) ou estrutura etária das duas cidades: há mais pessoas
taxas de morte de causa específica (como mortes nos grupos mais velhos na cidade B. Com a pa-
por pneumonia). dronização direta, a taxa de morte da cidade A
Outro método é a padronização, que pode é multiplicada pelo número de pessoas naquela
ser feita direta ou indiretamente. Os dois tipos faixa etária na cidade B. O número que resulta é
envolvem o mesmo cálculo, mas são feitos em di- o número de mortes devido à taxa de morte da
reções diferentes, conforme ilustrado utilizando- cidade A para o escalão etário, mas utilizando a
-se dados hipotéticos na Tabela 3-6. Observe que estrutura da população geral da cidade B. Essa é
a taxa bruta de morte da cidade A é menor do que a taxa de morte diretamente padronizada para a

Tabela 3-6 Dados para exemplo de padronização. (veja texto)

Cidade A Cidade B

Taxa de morte em Taxa de morte em


Idade População Mortes cada 1.000 População Mortes cada 1.000

1-14 500 2 4 400 1 2,5


15-29 2.000 8 4 300 1 3,3
30-44 2.000 12 6 1.000 5 5
45-59 1.000 10 10 2.000 18 9
60-74 500 20 40 2.000 70 35
751 100 15 150 400 50 125

Total 6.100 67 11,0 6.100 145 23,8

De Bradford Hill A. A Short Textbook of Medical Statistics. 11a ed. Londres: Hodder and Stoughton. (Modificada com permissão.)

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EPIDEMIOLOGIA, BIOESTATÍSTICA E VIGILÂNCIA CAPÍTULO 3 59

cidade A, utilizando a cidade B como padrão. Esse mortality ratio) é usada com frequência por exigir
valor é calculado da seguinte forma: somente dados de morte mais prontamente dis-
poníveis. A PMR é calculada como o número de
(4/1.000) 3 400 5 1,6 morte
mortes de uma causa específica dividido pelo nú-
(4/1.000) 3 300 5 1,2 morte
mero total de mortes na mesma população. Se há
(6/1.000) 3 1.000 5 6 mortes
um total de 4 mil mortes em uma população e 200
(10/1.000) 3 2.000 5 20 mortes
dessas são como o resultado de lesão, a PMR é 0,05
(40/1.000) 3 2.000 5 80 mortes
ou 5%. A desvantagem óbvia dessa medição é que
(150/1.000) 3 400 5 60 mortes
um declínio em uma causa significativa de morte
Total de 168,8 mortes em cada 6.100 5 27,7 deve elevar a PMR de outra, o que pode resultar
mortes em cada mil pessoas em impressões errôneas. Por exemplo, uma campa-
Esse valor agora é maior do que a taxa de 23,8 nha de sucesso para reduzir as taxas de lesões pode
na cidade B. A conclusão é que, quando corrigida aumentar a PMR de câncer apenas porque muitos
para a idade, a mortalidade é maior na cidade A indivíduos que anteriormente poderiam ter morri-
do que na B. Esse desaparecimento ou inversão do jovens por lesões podem, agora, estar vivendo
de uma diferença observada quando os dados são tempo suficiente para desenvolver uma causa alter-
estratificados e padronizados por meio de diferen- nativa de morte.
tes níveis de um confundidor ilustra um conceito Também é útil saber a taxa de fatalidade de
que os epidemiologistas chamam de paradoxo de caso, que é o número de pessoas diagnosticadas
Simpson. com uma doença que morrem dela. Por último, al-
Uma abordagem alternativa é tomar as taxas gumas taxas de fatalidade reprodutiva e perinatal
de morte da cidade B e aplicá-las à estrutura etá- são comumente utilizadas na saúde global, porque
ria da cidade A. As mortes para cada faixa etária esses indicadores são bastante sensíveis a perturba-
podem, então, ser somadas para produzir o núme- ções significativas que afetam o status de saúde de
ro de mortes “esperadas” se as pessoas na cidade populações e porque as mortes das pessoas muito
A estivessem morrendo na mesma frequência que jovens têm um enorme impacto sobre a saúde pú-
as pessoas na cidade B. O número observado de blica. A Figura 3-5 ilustra os oito períodos fetais e
mortes produz a razão de mortalidade padronizada infantis que se sobrepõem usados para calcular es-
(SMR, do inglês standardized mortality ratio). Nes- sas taxas de morte. Observe que, por motivos práti-
se caso, o cálculo é o seguinte: cos, o denominador usado é o número total de nas-
cidos vivos, não o número de gestações. Portanto,
(2,5/1.000) 3 500 5 1,25
uma mulher que morre durante o parto de gêmeos
(3,3/1.000) 3 2.000 5 6,6
nascidos vivos constituiria uma taxa de mortalida-
(5/1.000) 3 2.000 5 10
de materna de 50%.
(9/1.000) 3 1.000 5 9
(35/1.000) 3 500 5 17,5
(125/1.000) 3 100 5 12,5  Análise de sobrevida
Total 5 56,9
O conceito da taxa de fatalidade-caso é realmente
SMR 5 67/56,9 5 1,18
significativo apenas para períodos mais curtos
A SMR de 1,18 (às vezes multiplicada por 100 de observação, ou seja, para doenças agudas. Em
e expressa como 118) é uma razão indiretamente outras situações, é importante ter uma medição
padronizada para a cidade A, utilizando a cidade mais refinada que fatore quanto tempo cada pes-
B como padrão. Como esse valor é superior a 1 (ou soa viveu antes de morrer. A técnica usada é co-
100), fornece o mesmo resultado das taxas indire- nhecida como análise de sobrevida, que envolve o
tamente padronizadas: a mortalidade parece maior seguimento de um grupo de indivíduos por um
na cidade A do que B, quando corrigida para as período de tempo para determinar a experiência
diferentes estruturas etárias. No geral, a padroniza- de mortalidade.
ção indireta é usada quando as populações estuda- No sentido mais amplo, isso pode ser feito
das são menores. Além disso, a SMR oferece uma do nascimento até a morte. Porém, seria muito
comparação intuitiva em um valor, em vez de duas difícil obter esses dados devido à extensão e ao
taxas contrastantes. esforço do seguimento necessário. Como substi-
Como observado antes, uma vez que é difícil tuto, as populações em um tempo são divididas
obter dados do denominador, a razão de mortali- em grupos etários menores, para criar uma tábua
dade proporcional (PMR, do inglês proportional de vida. A OMS fornece tábuas de vida para to-

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Semanas
28 34 40 1 4 52

Natimorto Neonatal Neonatal


precoce tardio

Perinatal

Neonatal Pós-natal

Bebê

Intrauterino Extrauterino
Parto a termo

 Figura 3-5 Períodos sobrepostos para mortes infantis e fetais.

dos os países – membros em http://www.who.int/ quantos sobreviveram ao começo de cada inter-


countries/. Nesse tipo de análise de sobrevida, a valo, pode-se examinar uma população menor
população é dividida no intervalo menor do pri- e determinar a duração exata da sobrevida para
meiro ano de vida por causa da maior mortalida- cada membro do grupo. O procedimento é muito
de nesse grupo e, após, é dividida em intervalos parecido com o utilizado para calcular uma den-
de cinco anos. sidade de incidência, mostrado antes. Em vez do
A coluna ex é a expectativa de vida em uma nascimento, como usado em uma tábua de vida,
idade específica e o número citado com maior fre- o ponto inicial pode ser o momento do diagnós-
quência de uma tabela de vida. Esse é, claramente, tico de uma doença ou o momento em que um
um número hipotético, pois é extraído de uma se- tratamento foi administrado. Desfechos além da
ção transversal de pessoas nascidas em momentos morte também podem ser considerados e, nesse
diferentes e presume que as condições que afetam caso, usa-se a análise de tempo até o evento. Por
a mortalidade serão estáveis durante toda a vida exemplo, após o tratamento de câncer de mama
de uma pessoa. Se ex for tirado da primeira linha com mastectomia, a análise de tempo até o evento
de uma tábua de vida, representa a expectativa de pode ser usada como ponto final da recorrência
vida geral para alguém nascido naquele ano. Se ex do tumor.
for tirado das duas linhas inferiores de uma tábua Sempre que um grupo é seguido em análise de
de vida, o número deve ser somado ao grupo etário sobrevida, há aqueles que são perdidos durante o
para aquela fileira, para calcular a expectativa de seguimento, o que pode ocorrer se um voluntário é
vida geral. Por exemplo, a expectativa de vida adi- perdido antes do fim do estudo ou para voluntários
cional de uma pessoa de 50 anos (e50) pode ser rela- ainda vivos na conclusão do estudo. Em qualquer
cionada como 30,3 anos; isso significa que a expec- hipótese, não conhecemos o status desses indiví-
tativa geral de vida é 80,3 anos (50 1 30,3 anos). duos quando deixam de ser observados. Na aná-
Observe que, em cada faixa etária, sempre há um lise de sobrevida, esses indivíduos são conhecidos
período adicional de expectativa de vida, mesmo como censurados. No entanto, o refinamento da
na linha para aqueles com mais de 100 anos de ida- análise de sobrevida é que a contribuição do tem-
de. A expectativa de vida geral sempre aumenta, po de sobrevida antes da censura é conservada para
portanto, para cada categoria etária sucessiva e é cada indivíduo.
maior do que no nascimento, já que as causas de No exemplo da Tabela 3-7, 20 voluntários são
morte que podem afetar populações mais jovens, seguidos por dez dias. No dia 4, um voluntário
como as causas perinatais, não se aplicam mais a morre, no dia 6 um voluntário é perdido no segui-
populações mais velhas. mento, no dia 7 ocorrem mais duas mortes, no dia
Em vez de dividir uma grande população 8 outro se perde no seguimento, no dia 9 ocorrem
em intervalos de tempo arbitrários e examinar três mortes e no dia 10 ocorrem outras quatro mor-

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