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A longevidade das populações humanas

O termo longevidade pode ter significados diferentes em diferentes áreas de


estudo. Para a biologia humana, o termo longevidade é, geralmente, associado à
duração da vida da espécie ou à vida longa de uma pessoa singular. Para a demografia,
o termo longevidade é sinónimo de esperança de vida, que é a duração média da vida
das pessoas que fazem parte de uma população.
A esperança de vida, expectativa de vida ou esperança média de vida à
nascença, é um indicador demográfico da longevidade da população. A esperança de
vida refere-se ao número médio de anos que uma pessoa pode esperar viver quando
nasce. Refere-se sempre a uma população particular, num determinado período de
tempo particular porque a esperança de vida pode variar no tempo e no espaço
geográfico (Figura 1).

Figura 1. Variação da esperança média de vida na população portuguesa entre 1940 e 2010.

A esperança média de vida à nascença tem sofrido um aumento constante e gradual


nos últimos 100 anos, sobretudo nos países ditos desenvolvidos. O ritmo deste aumento foi
estimado em 2,5 anos por década ou em 6 horas por dia 9. A probabilidade de alcançar 100
anos de idade é agora 100 vezes maior do que no início do século XX 10. O progresso técnico-
científico foi o grande responsável por este aumento 4. A introdução de água canalizada e
saneamento básico, o uso de antibióticos e a adoção de dietas alimentares mais ricas em
calorias e em nutrientes essenciais permitiram diminuir a mortalidade causada pelas doenças
infeciosas e pela fome, sobretudo nos mais jovens. O desenvolvimento da medicina moderna
permitiu, por outro lado, o prolongamento da vida dos mais idosos através do tratamento das
doenças relacionadas com a idade.

A consequência imediata da redução da mortalidade foi o aumento do tamanho da


população. Porém, a redução da fertilidade que acompanhou o decréscimo da mortalidade
conduziram ao envelhecimento das populações nacionais e da população mundial, dado que
este processo, conhecido por Transição Demográfica, está em curso à escala global. O
envelhecimento da população a que assistimos atualmente não tem precedentes na história da
espécie humana e o século XXI assistirá a um processo de envelhecimento ainda mais rápido
do que o ocorrido no século passado 11. Espera-se que o número de pessoas com idades entre
80 e 89 anos quadruplique até ao fim do século e que o número de pessoas com 90 e mais
anos cresça dez vezes até 2100 12.

O envelhecimento da população fará crescer a procura de serviços de saúde primários


e de cuidados continuados, de uma força de trabalho especializada e de ambientes mais
amigos dos idosos. As sociedades que se adaptarem a esta mudança demográfica e que
invistam no envelhecimento saudável permitirão que as pessoas vivam mais anos com melhor
saúde13 .

O conceito de idoso

Nas sociedades modernas, a condição de ser “idoso” é definida pelo número de anos
de vida. A partir dos 65 anos, os humanos são considerados idosos. Porém, este critério não é
universal. Dado que o conceito de ciclo de vida é construído culturalmente observa-se uma
variação considerável no modo como a longevidade e a pessoa idosa são vistos e tratados 14.

O estudo comparativo do conceito de idoso em 60 sociedades tradicionais distintas,


efetuado por Glascock e Feinman em 1981 14, permitiu identificar 3 critérios básicos para a sua
definição: i) a mudança do papel social e económico; ii) a idade cronológica; e iii) a mudança
das características físicas. De acordo com este estudo, a mudança do papel social e económico
foi o marcador mais frequentemente utilizado. Os exemplos mais típicos de mudança de papel
social são o ser avô ou avó, ou seja, quando os filhos se tornam pais, e a alteração da atividade
produtiva, ou seja, quando se recebe dos outros mais recursos do que aqueles que é capaz de
dar. A alteração da capacidade física foi o critério menos utilizado porque, provavelmente, as
sociedades sob escrutínio aplicam a categoria “idoso” muito antes de surgirem os sinais mais
evidentes de deterioração física.

As diferenças de género também influenciam a definição do estado idoso. Para as


mulheres, a quarta ou a quinta década de vida, em associação com a menopausa,
providenciam um ponto de viragem nos campos social e biológico, que pode marcar o início da
condição de idosa. A comparação de sociedades com matriz cultural diferente revelou
diferenças importantes no modo como as mulheres vivenciam a menopausa e a longevidade.
Foi o caso de comunidades rurais da Grécia e do Sul do México cujo estudo comparativo
revelou diferenças interessantes no modo como as mulheres encararam o início de uma nova
fase das suas vidas, ditada pela menopausa 15. As mulheres de comunidades indígenas do Sul
do México, que se alimentaram mal, casaram cedo e ficaram grávidas muitas vezes e com
intervalos pequenos, encararam a menopausa como o início de uma fase das suas vidas com
mais liberdade e ascensão social. Pelo contrário, as mulheres gregas, que se alimentaram de
maneira mais equilibrada, que se casaram mais tarde e que tiveram poucas gravidezes, duas
em média, associaram a menopausa ao declínio do corpo e do curso da vida. Este estudo
sugere que, no caso das mulheres que vivem em sociedades não-industrializadas, a passagem
para a meia-idade é acompanhada por transformações sociais positivas que se refletem em
ganhos de poder e de estatuto.

A idade cronológica, apesar de ser usada pela Demografia como critério para classificar
as pessoas idosas, não é um marcador preciso das alterações biológicas que acompanham o
envelhecimento, podendo haver grandes variações quanto às condições de saúde e bem-estar
dentro da mesma classe etária. Há cerca de 40 anos foi desenvolvido o conceito de idade
biológica. Apesar de não ter ainda uma definição precisa e consensual, foi sugerido que o seu
valor expressa o verdadeiro estado de deterioração do organismo e, consequentemente, pode
ser usado como indicador da esperança média de vida de um organismo 16.

O impacto do envelhecimento biológico na saúde

O conceito de saúde não é fácil de definir. Tal como acontece com os conceitos de
envelhecimento e longevidade, a saúde tem múltiplas dimensões incluindo, a física, a social e a
psicológica 2. Frequentemente, a existência de uma determinada condição de saúde depende
do grau, e este, por sua vez, depende da escala de avaliação, se é objetiva ou subjetiva. De
acordo com a OMS (1981), a “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social
e não meramente a ausência de doenças ou enfermidades”. Ao nível da população, a
estimativa do estado de saúde dos seus habitantes é uma tarefa igualmente complexa que
requer a combinação de muitos indicadores tais como, a incidência e a prevalência de doenças,
nomeadamente doenças crónicas e degenerativas, a idade de aparecimento, os padrões de
disseminação, as suas causas (genéticas, ambientais, comportamentais ou estocásticas), e os
seus efeitos (físicos, psicológicos, económicos, sociais e demográficos) 2.

A idade é um dos principais fatores de risco para a perda de saúde devido ao


envelhecimento biológico. Os mecanismos responsáveis pelo envelhecimento não são ainda
conhecidos com clareza. Existem diversas teorias que explicam o processo com base no
conceito de deterioração: i) por acumulação de danos, segundo o qual a acumulação de danos
resultantes de vários processos bioquímicos podem provocar o mau funcionamento dos
sistemas biológicos; ou ii) pré-programada, segundo o qual mecanismos internos definidos
geneticamente conduzem ao envelhecimento do organismo. A consequência imediata de
qualquer um dos dois tipos de deterioração é o aparecimento das chamadas doenças
associadas à idade, tais como, o cancro, a diabetes e as doenças cardiovasculares e
neurodegenerativas. A presença destas doenças, juntamente com outros processos resultantes
da alteração da estrutura e função dos órgãos (ex: senescência celular), contribui para o
aumento da probabilidade de morrer à medida que a idade avança (Figura 2).

Figura 2. Representação gráfica do quociente de mortalidade por idade, que traduz a


probabilidade de morrer antes de completar mais um ano de vida. Dados referentes à
população portuguesa registados no triénio 2011-2013 8.
Partindo do pressuposto que o envelhecimento é um processo natural e irreversível
nos seres humanos, controlado pela idade cronológica, pela biologia e pelo estilo de vida, a
visão dominante da biomedicina sugere que a melhoria das condições de vida, a inclusão da
atividade física na rotina diária, comer moderadamente e não fumar têm um papel
fundamental na prevenção das doenças degenerativas e podem fazer com que os idosos de
amanhã sejam diferentes dos idosos de ontem 12. Porém, esta perspetiva não é consensual. O
modo como a biomedicina interpreta e trata o envelhecimento tem sido desafiado pelo
movimento anti-idade 17. Este movimento social considera que o envelhecimento é, por si só,
uma doença que deve ser tratada. Nos Estados Unidos da América, o movimento anti-idade
esteve na génese da Associação Americana da Medicina Anti-idade (American Academy of
Anti-Aging Medicine - A4M), fundada em 1991, que congrega médicos, cirurgiões plásticos,
nutricionistas e quiropráticos, entre outras especialidades. A Medicina anti-idade e a
Associação Americana de Medicina Anti-idade não são reconhecidas pela Associação dos
Médicos Americanos (American Medical Association) e as suas práticas terapêuticas, baseadas
no consumo de hormonas de crescimento, hormonas sexuais, suplementos e vitaminas em
doses elevadas são consideradas nocivas para a saúde 17.

A tendência para cada vez mais pessoas alcançarem idades avançadas em melhores
condições de saúde, observada em populações da Europa (Suécia, Reino Unido e Noruega) e
dos Estados Unidos da América, abriu uma nova linha de debate em torno dos mecanismos
que controlam o envelhecimento do organismo. Será a melhoria da saúde da população idosa
um sinal de abrandamento do ritmo de envelhecimento? Muitos estudiosos consideram que
não. Na perspetiva dos demógrafos, o ritmo de envelhecimento não pode ser diminuído,
5
somente adiado . Porém, não há dados biológicos que corroborem esta afirmação
permanecendo sem resposta a questão inicial designada por alguns autores “longevity riddle”
ou “enigma da longevidade” (tradução livre).

Conclusão

As populações humanas são entidades dinâmicas que se alteram ao longo do tempo


como consequência da interação dos indivíduos com o meio físico, social e cultural. Foi desta
interação que resultou o aumento da esperança média de vida à nascença e,
consequentemente, da longevidade. A tendência para viver vidas mais longas surgiu no registo
fóssil há cerca de 30 mil anos. Porém, foi no último século que a esperança média de vida mais
aumentou, em resultado da melhoria das condições de vida e dos avanços da medicina que
contribuíram para a redução da mortalidade das crianças e dos jovens adultos. Juntamente
com a redução da natalidade, que se verificou, sobretudo, nas áreas mais industrializadas do
planeta, as populações humanas começaram a envelhecer colocando um desafio às
sociedades, relativamente à sua estrutura e organização e à necessidade de os idosos viverem
com saúde e manterem-se ativos durante mais tempo.

Viver com saúde, contrariando os efeitos negativos do envelhecimento biológico, tem


sido o desafio da comunidade científica que procura compreender o como e o porquê da
longevidade humana. Relativamente ao “como”, continua o estudo dos mecanismos genéticos
e bioquímicos que conduzem à deterioração da estrutura e função dos órgãos. Relativamente
ao “porquê” discute-se a importância da longevidade para o aumento do sucesso reprodutivo
dos indivíduos e para a sobrevivência da espécie.

A jornada para descobrir os mecanismos que estão na origem do envelhecimento


biológico é, muito provavelmente, tão antiga quanto a própria humanidade. E, apesar de, na
atualidade, recorrer a métodos e técnicas cada vez mais sofisticados, mantém a mesma
motivação de sempre:

Every man desires to live long; but no man would be old.

Jonathan Swift, 1727,


Idade: 60
anos.

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