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MARCELA DE BARROS RICCIO

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA


PÚBLICA PARA O ESTADO DE MINAS GERAIS

TRÊS CORAÇÕES MG
2023
4 PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS

4.1.1 A oportunidade de se elaborar uma política estadual de PSA no estado de


Minas Gerais

Após a elucidação dos conceitos preliminares, em especial quanto à existência das


externalidades ambientais, à necessidade de se corrigir as falhas alocativas de mercado e
à existência de princípios e instrumentos jurídicos de proteção do meio ambiente,
podemos finalmente adentrar ao ponto central de nosso estudo, qual seja: o Pagamento
por Serviços Ambientais, comumente chamado pela sua sigla,
Em apertada síntese, podemos introduzir o PSA como uma espécie de instrumento
econômico que adota o princípio jurídico do protetor-recebedor e que busca conferir
benefícios aos responsáveis por proverem externalidades ambientais positivas,
contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
Atualmente, este instrumento vem sendo pauta de constantes discussões sobre suas
potencialidades e pela capacidade de melhorar os resultados de sustentabilidade no
planeta. Afinal, as estratégias de proteção ambiental até então adotadas de forma isolada,
como os instrumentos de comando e controle, não conseguem entregar os resultados de
sustentabilidade necessários. (WUNDER, 2005; NUSDEO, 2012).
Em meados dos anos 90, já se debatiam o fato da natureza prestar serviços
ambientais que garantem ganhos mensuráveis e imensuráveis à sociedade e ao mercado,
tendo se levantado, à época, valores que girariam em torno de 33 trilhões de dólares
(COSTANZA et al, 1997, apud NUSDEO, 2012).
A valoração (precificação) dos serviços prestados pela natureza é um ponto de
complexidade e atenção. Entretanto, precisamos estabelecer a premissa que a valoração
de tais serviços, mesmo que , é preferível, visto que pagamentos
pelo meio ambiente podem refletir resultados eficazes de preservação em áreas
estratégicas. Afinal, caso os agentes ignorem a valoração econômica das externalidades
ambientais positivas, podem decidir por implementar uma atividade de menor valor em
uma área de grande valia ambiental.
Assim, apesar da complexidade de se extrair um número exato e absoluto do que
representa monetariamente os serviços ambientais, devemos reconhecer o pressuposto
que a negação da valoração dos serviços ambientais em áreas preservadas pode tornar a
levar a sua degradação e à implantação de atividades de menor valor . (NUSDEO 2012)

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Em 2005, o pesquisador e economista Sven Wunder, buscou desmistificar e
sistematizar o instrumento PSA no artigo Payments for environmental services: Some
nuts and bolts um marco importante na conceituação do instrumento. Em
sua pesquisa, o cientista delimitou o estudo sobre PSAs (tendo utilizado o termo
que tratavam exclusivamente dos chamados serviços
ecossistêmicos sem se adentrar em outras possíveis modalidades de serviços ambientais.
Já a Professora e livre-docente da Universidade de São Paulo, Dra. Ana Maria de
Oliveira Nusdeo, discorreu sobre o tema PSA sob o enfoque da Sustentabilidade e
Disciplina Jurídica em sua tese de livre docência, tendo discutido elementos para uma
estruturação jurídica de uma política de pagamento por serviços ambientais no Brasil. Seu
trabalho foi publicado, na forma de livro, em 2012, tendo recebido o Prêmio Jabuti na
categoria Direito em 2013.
As discussões sobre o tema no Brasil e no mundo podem ser consideradas recentes,
principalmente quando comparadas a outras discussões jurídicas. Entretanto, já é possível
encontrar inúmeros artigos científicos e trabalhos que tratam sobre o tema.
Em 2021, a matéria foi regulamentada em nível federal pela publicação da Lei nº
14.119, de 13 de janeiro de 2021, a Política Nacional de Pagamento por Serviços
Ambientais (PNPSA), que teve por origem o Projeto de Lei nº 312/2015, depois
denominado Projeto de Lei nº 5.028/2019. A PNPSA se limitou a consolidar conceitos e
trazer normas gerais, havendo ainda a oportunidades de se implementarem políticas
públicas específicas sobre PSA nos estados da federação, adequando os instrumentos às
suas realidades ambientais, sociais e econômicas.
Neste contexto, Minas Gerais é um dos estados que ainda não possui
regulamentação legislativa sobre o tema.
Na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(SEMAD) de Minas Gerais foi criada, por meio do Decreto nº 47.787, de 13 de dezembro
de 2019, a Diretoria de Projetos Ambientais e Instrumentos Econômicos (DPAI), que tem

implementação de políticas públicas de pagamentos de serviços ambientais e


instrumentos econômicos no âmbito do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos - .
De forma a auxiliar os trabalhos desempenhados pelo Sisema, e na tentativa de
propor políticas públicas que incentivem instrumentos de PSA, a presente pesquisa,
realizada em sede de Mestrado Profissional, pretendeu subsidiar tecnicamente a

29
elaboração de
Estadual de . Ainda, o produto
tecnológico produzido concomitantemente à pesquisa, foi repassado aos gestores
ambientais responsáveis, para deliberação sobre a pertinência e oportunidade das
propostas.17
Ao longo deste capítulo apresentaremos os principais pontos estudados, os
subsídios técnicos e as análises dos programas estaduais e internacionais estudados, que
foram capazes de inspirar a elaboração do referido projeto de lei. Espera-se que tais
levantamentos sejam capazes de inspirar outros estados da federação a adotar lógica
semelhante, adaptando-a a suas respectivas realidades.

4.1.2 Serviços Ambientais: conceitos e delimitação das modalidades estudadas: os


serviços ambientais ecossistêmicos e os serviços ambientais urbanos.

As ciências ambientais reconhecem que a natureza, o meio ambiente, além de


fornecer bens, é provedora de complexos serviços à humanidade. Muitos deles, já
reconhecidos pela literatura, outros ainda não desvendados, tendo em vista a
complexidade das interações ecológicas (ALTMANN, 2009).
Conforme apontado por Bensusan (apud ALTMANN, 2009):

Observando à nossa volta, é fácil perceber que muitas coisas que desfrutamos
provêm da natureza: a madeira da mesa onde estamos trabalhando; o papel
onde escrevemos; o alimento que comemos; a roupa que vestimos; a recreação
nos parques, cachoeiras, praias e muitas coisas. Se observarmos, porém, com
mais atenção, percebemos um outro tipo de fatos essenciais para a nossa
sobrevivência e que nos são proporcionados pela natureza: regulação da
composição atmosférica, ciclagem de nutrientes, conservação dos solos,
qualidade da água, fotossíntese, decomposição de lixo etc. Esse segundo tipo
refere-se a processos de transferência da natureza para um processamento
humano posterior da matéria, energia e informação que proporcionam
condições para a manutenção de nossa espécie e são conhecidos como serviços
ambientais ou ecológicos. Esses serviços não possuem etiqueta de preço, mas
são extremamente valiosos e caros.18

17
Após a defesa do trabalho, a pesquisa foi utilizada como inspiração para o Projeto de Lei 4.041/2022,
recebido no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) , em 03 de novembro de 2022.
A integra do texto original do PL 4.041/2022 pode ser acessado em https://www.almg.gov.br/projetos-de-
lei/PL/4041/2022 Acesso em 01/04/2022. Maiores notícias sobre a audiência de entrega podem ser
obtidas na página do governo https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/elaborado-projeto-de-lei-
inedito-para-pagamento-por-servicos-ambientais Acesso em 01/04/2023.
18
Bensuan, N. Seria melhor mandar ladrilhar? Biodiversidade como, para que, por quê. Brasília: UnB;
Instituto Socioambiental, 2002. Fls.2.

30
O conceito de serviços ambientais, especialmente sob o aspecto da valoração, foi

capital Nature. O estudo se baseou em uma extensa pesquisa


realizada em 16 biomas do planeta, tendo se chegado em uma definição conceitual de que
serviço ambiental seria o fluxo de materiais, energia e informação que provêm dos
estoques de capital natural e são combinados ao capital de serviços humanos para produzir
bem-estar aos seres humanos . (COSTANZA et al, 1997, apud NUSDEO, 2012).
De forma pioneira, o trabalho propôs uma estimativa de valor para os serviços
ambientais, sob o aspecto econômico, tendo se chegado a um valor aproximado de 33
trilhões de dólares anuais, sendo que, à época, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial era
de 18 trilhões de dólares. (ALTMANN, 2009)
Nusdeo (2012), ao abordar a variedade e diversidade dos serviços e bens que a
natureza nos oferece, categoriza a expressão em duas vertentes.
Na primeira, encontram-se os produtos ambientais utilizados diretamente pelo ser
humano para consumo ou comercialização, como a água, frutos, produtos e subprodutos
florestais etc. Já na segunda categoria estão inseridos serviços indiretos, intangíveis, que
são relativos ao suporte da natureza, dos ecossistemas e da vida, em si.
Em sua pesquisa, a autora delimita o estudo para a segunda vertente e aborda,
essencialmente os serviços ecossistêmicos, que podem ser entendidos como aqueles
processos ecológicos por meio dos quais a natureza se reproduz e mantém
as condições ambientais que são a base de sustentação da vida no planeta e do bem-estar
19
das espécies nele existentes . (NUSDEO, 2012)
N
quando se discorre sobre
PSA. Entretanto, entendemos que há uma diferenciação destes termos, e parece-nos ser
mais acertado considerar que um é gênero , e outro espécie de serviço ambiental
(MURADIAN et al., 2010 apud BARBOSA et. al, 2018). Sobre essa diferenciação
abordaremos mais à frente.
Outro importante documento que auxiliou na compreensão do conceito sobre
serviços ambientais foi o Millennium

19
Nusdeo, A. M. O. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica São
Paulo: Atlas, 2012. págs. 17.

31
Ecosystem Assessment20 (2005). Trata-se de um estudo que contou com a contribuição de
mais de mil especialistas de diversas nacionalidades, tendo sido solicitado no ano 2000,
pelo então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan.
O referido relatório dedicou ao tema dos serviços ambientais ecossistêmicos uma
especial atenção, trazendo sua conceituação clássica. O objetivo principal da pesquisa foi
o de avaliar as consequências das ações antrópicas nos ecossistemas e seus impactos,
especialmente sobre o bem-estar humano, bem como o de estabelecer uma base científica
para incentivar o reconhecimento dos serviços prestados pela natureza e estimular as
ações necessárias para assegurar sua conservação e uso sustentável.
O Relatório da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, ao analisar diversos
ecossistemas dispostos no planeta, definiu o conceito de serviços ecossistêmicos como
sendo os benefícios que os seres humanos percebem dos ecossistemas podendo ser
abrangidos em algumas categorias, conforme resumido a seguir21:

i) serviços de provisão, os que fornecem bens ou produtos ambientais


utilizados pelo ser humano para consumo ou comercialização, tais como
água, alimentos, madeira, fibras e extratos, entre outros;
ii) serviços reguladores, os que concorrem para a manutenção da estabilidade
dos processos ecossistêmicos, tais como o sequestro de carbono, a
purificação do ar, a moderação de eventos climáticos extremos, a
manutenção do equilíbrio do ciclo hidrológico, a minimização de enchentes
e secas e o controle dos processos críticos de erosão e de deslizamento de
encostas;
iii) serviços culturais, os que constituem benefícios não materiais providos
pelos ecossistemas, por meio da recreação, do turismo, da identidade
cultural, de experiências espirituais e estéticas e do desenvolvimento
intelectual, entre outros; e
iv) serviços de suporte, que tem a propriedade de alterar a oferta dos demais
serviços, que são aqueles que oferecem suporte aos outros, os que mantêm
a perenidade da vida na Terra, tais como a ciclagem de nutrientes, a
decomposição de resíduos, a produção, a manutenção ou a renovação da
fertilidade do solo, a polinização, a dispersão de sementes, o controle de

20
Millennium Ecosystem Assessment, 2005. Ecosystems and Human Well-being: Synthesis. Island Press,
Washington, DC. Disponível em https://www.millenniumassessment.org/en/index.html
21
Fonte: Millennium Ecosystem Assessment, 2005, adaptado pela autora.

32
populações de potenciais pragas e de vetores potenciais de doenças
humanas, a proteção contra a radiação solar ultravioleta e a manutenção da
biodiversidade e do patrimônio genético.

Conforme resumido por Siqueira (2022), os serviços ecossistêmicos são benefícios

funções essas que, por sua vez, podem ser divididas em função de
regulação, suporte, produção e informação (valor estético, cultural) dos ecossistemas.
(SIQUEIRA, 2022)
De maneira semelhante, a PNPSA, Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, optou
por considerar os serviços ambientais como sinônimos dos serviços ecossistêmicos, tendo
chegado em redação similar a citada anteriormente, em seu art. 2º22.
Entretanto, parte da literatura, como Alice Libânia Dias (2021) e Barbosa et al.
(2018), considera a existência de outras modalidades de serviços ambientais, além dos
ecossistêmicos, visto que algumas ações realizadas por alguns agentes podem,
voluntariamente ou involuntariamente, preservar recursos naturais e condições
ecossistêmicas, como os serviços prestados, por exemplo, por catadores de material
ou
.
Em síntese, os serviços ambientais urbanos podem ser entendidos como os
benefícios relevantes para a sociedade gerados por ações e atividades realizadas no meio
urbano geradoras de externalidades ambientais positivas ou que minimizem
externalidades ambientais negativas, sob o aspecto da gestão dos recursos naturais, da

22
Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
II - serviços ecossistêmicos: benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos
de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais, nas seguintes modalidades:
a) serviços de provisão: os que fornecem bens ou produtos ambientais utilizados pelo ser humano para
consumo ou comercialização, tais como água, alimentos, madeira, fibras e extratos, entre outros;
b) serviços de suporte: os que mantêm a perenidade da vida na Terra, tais como a ciclagem de nutrientes, a
decomposição de resíduos, a produção, a manutenção ou a renovação da fertilidade do solo, a polinização,
a dispersão de sementes, o controle de populações de potenciais pragas e de vetores potenciais de doenças
humanas, a proteção contra a radiação solar ultravioleta e a manutenção da biodiversidade e do patrimônio
genético;
c) serviços de regulação: os que concorrem para a manutenção da estabilidade dos processos
ecossistêmicos, tais como o sequestro de carbono, a purificação do ar, a moderação de eventos climáticos
extremos, a manutenção do equilíbrio do ciclo hidrológico, a minimização de enchentes e secas e o controle
dos processos críticos de erosão e de deslizamento de encostas;
d) serviços culturais: os que constituem benefícios não materiais providos pelos ecossistemas, por meio da
recreação, do turismo, da identidade cultural, de experiências espirituais e estéticas e do desenvolvimento
intelectual, entre outros;

33
redução de riscos, ou da potencialização de serviços ecossistêmicos, relacionadas aos
serviços de saneamento em especial aos eixos resíduos sólidos urbanos, drenagem e
manejo das águas pluviais. (DIAS, 2022 e BARBOSA et. al, 2018, conceito adaptado
pela autora).
Sobre o tema, Alice Libânia Dias complementa:

Sayago; Oliveira e Serôa Da Motta (1998) destacam a importância dos


instrumentos econômicos orientados à reciclagem, uma vez que essa prática
evita tanto os custos ambientais intratemporais, relacionados à poluição,
decorrentes da disposição de RSU, quanto de custos intertemporais, associados
ao uso/esgotamento de recursos naturais exauríveis. Destacam ainda, que uma
parte dos custos associados à reutilização e reciclagem, como custos de coleta,
armazenamento e triagem, recaem sobre os municípios ou sobre agentes
privados, enquanto os benefícios decorrentes dessa prática são compartilhados
com toda a sociedade, o que gera uma falha de mercado.
Além disso, quanto maior o custo da matéria-prima virgem em relação ao custo
de sua substituição por resíduos, maior será o estímulo econômico necessário
para sua recuperação, e as possibilidades de absorver tais custos, como ocorre
para a comercialização de alumínio e aço (SAYAGO; OLIVEIRA E SERÔA
DA MOTTA, 1998), e não para o vidro.
(...)
A maioria dos Serviços Ambientais estão associados aos serviços
ecossistêmicos, muitos deles voltados ao uso do solo e seus efeitos sobre a
conservação da biodiversidade, captura de carbono, proteção de bacias
hidrográficas e beleza paisagística (SAYAGO; OLIVEIRA E SERÔA DA
MOTTA, 1998). Já os Serviços Ambientais Urbanos estão relacionados aos
serviços gerados no meio urbano que geram externalidades ambientais
positivas ou que minimizam externalidades ambientais negativas, sob o ponto
de vista da gestão de recursos naturais, da redução de riscos ou da
potencialização de serviços ecossistêmicos e assim corrijam, mesmo que
parcialmente, falhas de mercado, relacionadas ao meio ambiente (SAYAGO;
OLIVEIRA E SERÔA DA MOTTA, 1998). Muitos desses serviços ambientais
urbanos estão associados aos serviços de saneamento ambiental com ênfase
para os sistemas de abastecimento sanitário e esgotamento sanitário. Apenas
alguns autores como Massoud; El-Fadel; Abdel Malak (2003); Oosterveer
(2009); Revi; Dube (1999) citam Pagamentos por Serviços Ambientais
Urbanos (PSAU), com foco na gestão de RSU. 23

Na mesma linha de pensamento, e buscando dirimir dúvidas e diferenciar os dois


serviços, tem-se como pressuposto que o pagamento por serviço ambiental (gênero)
ocorre quando há ações de agentes econômicos que visam minimizar externalidades
ambientais negativas ou manter e incrementar externalidades ambientais positivas.
(WUNDER, 2005; MURADIAN et al. 2010 apud BARBOSA et. al, 2018)
Segundo Bonassi (2018):

Embora não configure um Serviço Ecossistêmico (SE), a indução à coleta e


comercialização de materiais recicláveis descartados incorretamente no meio
urbano pode ser considerada um Serviço Ambiental (SA). Isso é possível, pois

23
DIAS, A. L. S. 2022. Ob. Cit. págs.

34
essa indução resultaria em preservação indireta de recursos naturais por meio
da redução em sua extração com a utilização de recicláveis no processo
produtivo. Ainda, a disposição inadequada de materiais recicláveis causa
prejuízos a SEs urbanos, como os serviços de provisão, sobretudo de água
potável, e de serviços culturais como recreação e turismo. Tal SA é
quantificável por meio da mensuração da produtividade das Associações de
Catadores de Materiais Recicláveis em toneladas de materiais retirados
mensalmente do meio urbano. O benefício pago seria resultante da redução do
impacto desses recicláveis destinados incorretamente a aterros, o que significa
um ganho em vida útil destes.24

Considerando a importância dos serviços ambientais urbanos já retratados na


literatura, entendemos ser oportuno que uma política que trate sobre o tema reconheça,
expressamente, os dois serviços ambientais abordados até aqui, quais sejam: os serviços
ambientais ecossistêmicos e serviços ambientais urbanos.
Conforme mencionado, tais serviços ambientais são exemplos de dois importantes
programas de PSA implementados pelo poder executivo estadual de Minas Gerais: (i) o
Programa Bolsa Verde, instituído pela Lei nº 17.727/2008, voltado a remunerar os
serviços ecossistêmicos prestados nas propriedades rurais; e (ii) o Bolsa Reciclagem,
instituído pela Lei nº 19.823/2011, voltado a remunerar os serviços ambientais urbanos
prestados por catadores de resíduos sólidos urbanos.
Os referidos programas serão objeto de estudo em tópico próprio, mas neste ponto
faz-se importante compreender que os serviços ambientais até aqui abordados devem ser
economicamente valorados, precificados, para que seja possível transacioná-los entre
dois ou mais agentes. Sobre o desafio da valoração dos serviços ambientais, abordaremos
a seguir.

4.1.3 Valoração dos Serviços Ambientais

Quando se trata de bens ambientais de acesso livre, de consumo não rival, e da


produção de externalidades, os agentes tendem a permanecerem inertes. Neste contexto,
a ciência econômica percebeu, por meio dos crescentes estudos sobre economia
ambiental, que ao adicionar um valor ao meio ambiente, adicionar todos os coeficientes

24
BONASSI, G. M. Resíduos sólidos e políticas públicas para o desenvolvimento sustentável
[manuscrito]: os impactos do programa bolsa reciclagem sobre a coleta seletiva de vidro. Monografia de
conclusão de Curso (Graduação em Administração Pública) Fundação João Pinheiro, Escola de
Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, 2018. Disponível em:
http://monografias.fjp.mg.gov.br/handle/123456789/2524. Fls. 45

35
nas lógicas de mercado, poder-se-ia gerar riquezas de uma forma mais eficiente (melhores
resultados, com menor custo). (TIMM, SQUEFF, 2019)
Conforme alerta Maria Alexandra de Souza Aragão (2012)

compensem as consequências da perda da biodiversidade. Entretanto, não é razoável


permitir que atividades que provoquem grandes impactos ambientais não realizem algum
pagamento compensatório, sob a justificativa que o valor dos bens ambientais é
incalculável (ARAGÃO, 2012 apud SIQUEIRA, 2022). Sob a mesma lógica, em posição
inversa, não é razoável permitir que poucos tenham que arcar com os custos de
preservação, sem contraprestação.
Neste sentido, quando surge a necessidade e a oportunidade de se corrigir as falhas
mercadológicas causadas pelas externalidades positivas, nasce o complexo desafio de se
precificar os serviços ambientais, no sentido de estimar o valor monetário deste em
relação a outros bens e serviços que já são conhecidos e disponíveis nas relações de
mercado. (SIQUEIRA, 2022)
A doutrina discorre sobre algumas metodologias que valoram os serviços
ambientais, que vão variar conforme o caso. Neste trabalho, porém, mostra-se prudente
uma prévia análise das metodologias utilizadas o para realizar avaliações econômicas de
direitos, para então adentramos na valoração do serviço ambiental em si.
No Direito, em especial no âmbito do Direito Econômico, a corrente doutrinária
denominada nálise Econômica do Direito discorre sobre a complexidade de
valorar direitos, podendo existir fatos e elementos - como a existência de outros agentes
envolvidos - que podem levar a cenários diversos e resultados diferentes, o que demanda
o estabelecimento de diferentes estratégias.
Isto ocorre especialmente quando estamos tratando de direitos que envolvem bens
de acesso livre, principalmente quando precisamos de algum resultado significativo em
uma escala territorial maior, que envolva a tomada de decisão de diversos atores em
conjunto.
Um exemplo claro acontece quando pensamos no direito de emissão de gases de
efeito estufa. Sendo a atmosfera a mesma para todos, e havendo um extenso número de
países, soberanias, as decisões envolvendo o direito de emissão de vários atores devem
ser tomadas de forma conjunta, pois o resultado final importa a todos os envolvidos.
Entre as metodologias de avaliação econômica de direito existentes que podem ser
aplicadas na seara ambiental, as mais proeminentes são a Teoria da Escolha Racional e

36
a Teoria dos Jogos necessidade de se se regular direitos e a
conveniência de se atribuir valor aos serviços ambientais. Entretanto, estas teorias se
diferem quanto a forma de se valorizar os bens, especialmente quando houver muitos
atores envolvidos. Neste caso, diversas estratégias podem ser tomadas, o que pode levar
a resultados diferentes de proteção ao meio ambiente. (TIMM, SQUEFF, 2019).
Vejamos exemplos de como a quantidade de atores envolvidos pode impactar na
escolha da melhor metodologia.
Quando estamos diante de poucos atores para definir uma determinada estratégia,

circunstâncias
que vão condicionar o comportamento humano, sob o ponto de vista individual. Espera-
se que a pessoa, dotada de racionalidade, escolha pela opção mais lógica e vantajosa para
si, que a permita extrair maior benefício individual em uma determinada situação. Esta
teoria direciona a análise de oportunidades ao momento decisório de indivíduos, e o
raciocínio está no contraste dos prejuízos e ganhos das poucas partes envolvidas, sendo
que os ganhos devem sempre exceder aos prejuízos, gerando um custo-benefício positivo.
A análise da existência do custo-benefício permite compreender de antemão as possíveis

benefícios excedem os custos, há possibilidade de a iniciati


SQUEFF, 2019).
Pensemos num cenário hipotético de um agricultor familiar disponibilizar uma área
uma nascente e transacionando os serviços

a área para plantar determinada lavoura se os ganhos implementados pelo PSA forem
maiores para ele (indivíduo), sejam eles ganhos pecuniários diretos (o valor do pagamento
do PSA em si) ou os ganhos indiretos (o valor do pagamento do PSA mais o surgimento
de uma nascente, que melhora a disponibilidade hídrica, beneficiando seu negócio como
um todo). Ou seja, os ganhos individuais devem ser considerados, a transação do serviço
ambiental precisa ser vantajosa para todos os envolvidos.
Percebe-se que o negócio estabelecido no citado exemplo se baseia em uma escolha
racional que beneficia ambas as partes. Mas, e quando se tratar de negociações
complexas, envolvendo mais atores?
No caso em que os serviços ambientais transacionados dependerem da ação e da
decisão de muitos atores, em um contexto em que cada ação individual pode impactar no

37
resultado, adota-se outro tipo de metodologia que considera as escolhas de forma coletiva,
a . Tal teoria leva em consideração a conduta de outrem e eleva o
espectro da necessidade de cooperação social e antecipa as possíveis estratégias dos
outros atores envolvidos para a elaboração de uma estratégia (TIMM, SQUEFF, 2019).
Esta teoria é adotada, por exemplo, no âmbito das discussões das ações necessárias
para conter as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global. Neste exemplo, a
ação de poucos atores pode causar, por consequência, pouco impacto e resultado diverso
do necessário para reverter o cenário. O esforço excessivo de poucos agentes, ou apenas
um setor da economia, também não é capaz de reverter o cenário, sendo necessário um
esforço conjunto e coordenado de todos os atores envolvidos para se chegar a um
resultado satisfatório para todos, qual seja, mitigar os danos causados pelo excesso de
gases de efeito estufa na atmosfera.
No contexto de pluralidade de agentes, devemos compreender que as ações
individuais tomadas por cada um podem impactar no resultado. Sendo assim, parece-nos
acertada a proposição de uma regulamentação, em nível internacional, nacional ou
subnacional, coagindo todos os envolvidos a tomarem, pelo menos, o mínimo de
iniciativa para se atingir o resultado esperado.
Percebe-se que a melhor estratégia sobre valoração de direitos irá variar para cada
caso, levando em conta o número de atores envolvidos e os resultados almejados, e isto
ocorre inclusive quando se trata de estratégias que envolvam PSA.
Acompanhando tal raciocínio, pareceu-nos oportuno o reconhecimento normativo
expresso em uma política estadual que trate sobre PSA, que casos que envolvam
situações coletivas e resultados complexos, deve ser dada preferência pela metodologia
da Teoria dos Jogos, sendo oportuno a implementação de Programas Públicos ou
regulamentação de mercados. Neste caso, a valoração não deve ser objeto de negociação
direta das partes, mas deve ter critérios mínimos estabelecidos.
Entretanto, caso se trate de negociação de ganhos individualizados, provavelmente
a Teoria da Escolha Racional será a mais adequada e a valoração de um serviço ambiental
deva ser negociado entre as partes, acompanhando o interesse individual das partes
envolvidas e considerando as peculiaridades inerentes a cada serviço.
Superado este ponto, passemos à análise da metodologia da valoração do serviço
ambiental em si.
Podemos dizer que o ponto de maior complexidade no planejamento e na
implementação de um PSA é a dificuldade de estabelecer a valoração econômica, a

38
precificação do serviço ambiental que será transacionado no caso concreto. Por vezes, as
partes podem estabelecer um bom diálogo e chegar em um valor satisfatório para ambos.
Uma boa referência para se iniciar as tratativas é utilizar valores já utilizados em outras
transações. Nesse sentido Wunder aponta:

Ao contrário do senso comum, muitas vezes não é necessário, antes do


estabelecimento do PES, fazer uma valoração completa dos serviços
ecossistêmicos pelo pagador e pelo fornecedor. Em princípio, qualquer preço
que as duas partes negociem em conjunto pode ser "o preço certo" - tão certo
quanto o preço negociado pelo peixe no mercado. Para o sequestro de carbono,
já existe um preço referência de mercado (tonelada de carbono equivalente).
No entanto, se basear em valorações que já foram utilizados no mercado podem
servir de referencial e certamente ajudar cada lado a fortalecer suas posições
de negociação, ou mesmo a pré-determinar se um esquema de PSA é uma
opção realista ou não. (Tradução livre da autora). 25

De acordo com Maia et al. (2004), a valoração dos recursos ambientais pode se
pautar na abundância e disponibilidade dos recursos analisados, sem considerar o seu uso
presente ou futuro. São também consideradas na análise as questões culturais, morais,
éticas ou altruísticas, sendo chamada pelos autores como valores de não uso dos serviços
ambientais. Já os chamados valores de uso podem ser classificados da seguinte forma:
i) valor de uso direto, que visa a apropriação direta de recursos ambientais; ii) valor de
uso indireto, que visa obter os benefícios indiretos gerados pelas funções ecossistêmicas;
e iii) valor de opção, que visa a faculdade de consumo do bem ambiental no futuro,
podendo o uso ser direto ou indireto.
Segundo os referidos autores:

Ainda encontramos grande ineficiência na determinação de preços de mercado


para recursos naturais explorados direta ou indiretamente pelos agentes
econômicos. Os atuais preços correntes dos produtos naturais são quase todos
subavaliados, pois não incorporam os custos da extração de recursos
renováveis além de sua capacidade de regeneração. Como os preços de grande
parcela dos recursos naturais não costumam variar em função da escassez, se
o preço de extração diminuir por algum motivo, provavelmente a extração do
recurso aumentará e seu preço de mercado diminuirá (Alfieri, 1999). Estes
custos de depleção são danos ambientais causados por agentes econômicos que
não serão inseridos no sistema de preço caso não sejam internalizados. Da
mesma maneira, a poluição do ar, água ou terra provocada por agentes
econômicos afetará não só a qualidade como a quantidade dos ativos

25
Contrary to common belief, it is often not necessary
before PES establishment to do a full economic valuation of ecosystem services on the buyer side, and an
economic study of farming system returns on the provider side. In principle, any price the two parties jointly
just as right as the price I negotiated for the fish in the market. For
carbon sequestration, a referential market price already exists. However, some back-of-the-envelope
calculations can certainly help each side to strengthen their negotiating positions, or even to pre-determine

39
ambientais, e deve ser deduzida do agente poluidor como forma de internalizar
os prejuízos causados ao ambiente.
Se todos os danos ambientais pudessem ser inseridos nas funções de produção
das empresas, haveria também maior viabilidade econômica para atividades
sustentáveis como a agricultura orgânica e o manejo florestal. Embora evite
prejuízos maiores ao meio ambiente, grande parte destas atividades
sustentáveis ainda depende da conscientização ambiental da população
refletida em sua disposição a pagar , pois usualmente seus produtos
apresentam preços mais elevados no mercado.

Segundo Andrade e Romeiro (2013), existem dificuldades pertinentes a valoração


dos serviços ecossistêmicos que podem ser divididas em três pontos principais: i) o foco
na dimensão econômica dos valores dos serviços ecossistêmicos e a hipótese clara de que
as preferências são definidas de acordo com o poder econômico dos agentes; ii) as
especulações improcedentes sobre o comportamento dos agentes econômicos; iii) a
desconsideração ou ignorância sobre a complexidade dos processos ecológicos e suas
interdependências, o que confere um caráter reducionista da valoração.
A Agência Nacional das Águas ANA (2012), no Manual Operativo do
Programa Produtor de Água , se posiciona quanto à necessidade de valoração dos serviços
ecossistêmicos e sua potencialidade para orientar decisões das políticas públicas de
proteção ambiental, bem como orientar os produtores rurais sobre os custos de
oportunidade de se proteger o meio ambiente. Vejamos:

A valoração econômica de serviços ambientais é necessária para orientar as


decisões políticas quanto às prioridades para conservação e uso sustentável dos
recursos naturais. Os valores podem estar associados aos atributos ambientais,
sociais, culturais e econômicos de cada região. As dimensões de escassez ou
abundância de um bem, e a sua demanda, afetam o seu valor em determinado
momento. Muitos serviços ambientais, no entanto, não dispõem de mercado e,
portanto, requerem métodos próprios indiretos de estimação do valor,
monetário ou não, dos benefícios imediatos ou futuros gerados.
Em muitos casos, o valor dos serviços ambientais não é percebido pelos
potenciais provedores, que fazem uso alternativo dos ecossistemas para obter
benefícios econômicos imediatos. Há produtores rurais que desenvolvem
atividades agropecuária sem função de seus valores culturais e econômicos,
em detrimento da conservação da vegetação nativa, que lhes poderia oferecer
produtos extrativos (madeira, alimentos, resinas, óleos medicinais), água
limpa, absorção de carbono, dentre outros. Por outro lado, se o produtor rural
renunciara uma prática agropecuária, arcará com um custo, que é denominado
26

26
AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS (Brasil). Manual operativo: Programa Produtor de Água. 2. ed.
Brasília, DF: ANA, 2012. Págs. 21. Disponível em:
http://produtordeagua.ana.gov.br/Portals/0/DocsDNN6/documentos/Manual%20Operativo%20Vers%C3
%A3o%202012%20%2001_10_12.pdf. Acesso em: 06 de dezembro de 2020.

40
Segundo Maia et al. (2004), vários métodos (ou metodologias) podem ser utilizados
no processo de valoração, e a escolha do mais adequado irá depender das especificidades
da situação analisada. Não há como comprovar a eficiência de um método em relação ao
outro, mesmo porque não há como precisar o real valor de um recurso ambiental de forma
universal, ante a sua complexidade.
Para Nusdeo (2012), uma questão pertinente para a valoração dos serviços
ambientais seria a realização prévia de um estudo de disponibilidade das pessoas em pagar
por determinados serviços, que normalmente ocorre quando o pagamento implica em um
benefício em contrapartida.
Siqueira (2022), citando Ronaldo Seroa da Motta, afirma que o valor monetário do
bem ou serviço ambiental só pode ser alcançado por meio de comparações, vejamos:

Como não há mercados em que se possa comprar e vender unidades de


qualidade ambiental, recorre-se a meios indiretos. O valor monetário de um
bem ou serviço só pode ser alcançado através da comparação entre aquele bem
ou serviço objeto de avaliação com outros disponíveis. Em se tratando de bens
e serviços ambientais, a tarefa de valorá-los economicamente consiste, dentre
outras coisas, em determinar como a mudança na quantidade desses bens e
serviços afetam o bem-estar das pessoas, como bem destaca Ronaldo Serôa
Motta:

arcabouço teórico da microeconomia do bem-estar e são necessários na


determinação dos custos e benefícios sociais quando as decisões de
investimentos públicos afetam o consumo da população e, portanto, seu nível
de bem-estar.
(...)
Conforme procuramos demonstrar até agora, a tarefa de valorar
economicamente um recurso ambiental consiste em determinar quanto melhor
ou pior estará o bem-estar das pessoas devido a mudanças na quantidade de
bens e serviços ambientais, seja na apropriação por uso ou não.
Dessa forma, os métodos de valoração ambiental corresponderão a este
objetivo à medida que forem capazes de captar essas distintas parcelas de valor

(...)
Ronaldo Serôa da Motta subdivide os valores de uso em valor de uso direto
(VUD), valor de uso indireto (VUI) e valor de opção (VO)
(...)
Outro método de identificação do valor econômico ambiental, identificado
pela sigla VERA (Valoração Econômica de Recursos Ambientais) pode ser
decomposto em valor de uso (VU), valor de não-uso (VNU) e valor de
existência (VE), expressando-se pela seguinte fórmula: VERA = (VUD + VUI
+ VO) + VE. (...)27

No caso de uma valoração ambiental calculada no âmbito de uma reparação por


algum dano ambiental, logo produzido de forma ilícita, a lógica de valoração e a

27
SIQUEIRA, L. N. ob. Cit. 2022. Fls. 216 e 2017.

41
metodologia empregada pode ser a mesma que seria utilizada em uma valoração
decorrente de um ato lícito. Afinal, o objeto central da aplicação da metodologia da
valoração é o bem ambiental, a externalidade ambiental que ele produz, e não a forma
com que a valoração se dá. Entretanto, quando a valoração se relacionar com um ato
ilícito, as metodologias poderão ocorrer em várias esferas como a civil, administrativa
e/ou criminal, a depender do caso, o que não abordaremos neste trabalho.
Para entendermos a complexidade da valoração ambiental, veja-se o exemplo do
corte de árvores protegidas, com a supressão integral de alguns espécimes de árvores
Ficus Benjamina a maioria delas centenária e com 15 metros de envergadura - na Rua
Bernardo Monteiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Segundo reportagem veiculada na mídia em 201328, à época do evento, a Prefeitura
de Belo Horizonte justificou a supressão por conta de uma infestação de mosca-branca-
dos-fícus (Singhiella sp.) e do fungo Lasiodiplodia theobromae. Neste caso, qual o valor
da reparação e qual o valor ambiental e dos serviços ambientais dessas árvores?
Em um primeiro momento, questionou-se se a reparação da supressão se daria pela
exigência do plantio de árvore da mesma espécie. Entretanto houve perda de outros
serviços prestados pelas árvores, visto que estas davam sombra e tornavam mais
agradável o ambiente, sendo que o local em que se encontravam sediava uma tradicional
feira de antiguidades, que teve que alterar seu endereço depois do evento. Qual o real
valor atribuído ao bem ambiental no caso? Estimaria o valor baseado na madeira,
tomando por base o preço na indústria de móveis? Ou um percentual do valor médio dos
aluguéis pagos na área da feira? Não há regras fixas para delimitar o valor, sendo
necessário se pensar na melhor metodologia de se atribuir o real valor utilizando várias
hipóteses, como o custo para construir estrutura semelhante para criar sombra e abrigar o
evento, o custo de sequestro de carbono das árvores, sua importância para o microclima
urbano, dentre outras questões que envolvem o bem natural impactado.
Para auxiliar o entendimento de como se dá a valoração dos serviços ambientais na
prática, passemos a analisar três metodologias de valoração ambiental já trabalhadas pela
literatura: i) o método custo de reposição; ii) o método de custos evitados; e iii) o método
do custo de oportunidades.

28
Jornal Estado de Minas. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/02/19/interna_gerais,351359/praga-ameaca-mais-
arvores-na-avenida-bernardo-monteiro.shtml . Acesso em 25/07/2022

42
O método custo de reposição consiste em estimar o custo de repor ou restaurar o
recurso ambiental danificado, de maneira a restabelecer a qualidade ambiental inicial
(ORTIZ, 2003 apud COSTA, 2016). O bem ou o serviço ecossistêmico será calculado
considerando todos os gastos realizados para a reposição ou reparação depois de ter sido
degradado ou danificado. O ponto fundamental da lógica deste método consiste no
pressuposto de que os benefícios proporcionados pela reparação do ativo ambiental
devam ter, pelo menos, o mesmo valor gasto para a reposição ou recuperação para que
seja viável.
O método de custos evitados, segundo Costa (2016) considera todos os gastos
realizados pelo indivíduo para não permitir a redução de seu bem-estar, sendo que o que
incentiva tais gastos é a necessidade de substituição de insumos (ou melhoria dos insumos
existentes) devido a mudança na qualidade do recurso anteriormente utilizado no
processo. Um exemplo desta metodologia, seria o custo evitado de se contratar caminhões
pipas para abastecer determinado povoado, ou o custo evitado de tratamento de água para
abastecimento de determinado manancial.
Já a metodologia do custo de oportunidade considera as atividades econômicas
realizadas na área a ser analisada, bem como a pressão exercida pelos agentes econômicos
envolvidos. Por exemplo, em uma área em que a atividade predominante é a pecuária
leiteira, considera-se como paradigma o valor médio do leite produzido por hectare de
pasto, ou outro valor correspondente, como o valor de aluguel de pastagem, para se
atribuir valor a preservação de determinada área.
Conforme salientado por Siqueira (2022)
determinar o valor exato de um bem natural que não possui cotação no mercado
entende-se prudente adotar técnicas de avaliação com
multicritérios e abordagens deliberativas que envolvam ativamente as partes interessadas,
sempre que possível.
Sendo assim, considerando que não existe uma metodologia que se demonstre
universal para todos os casos, parece-nos razoável estabelecer o raciocínio de que as
normas que versam sobre PSA devem prever uma dinâmica menos engessada quanto a
adoção da metodologia de valoração, sempre que possível, permitindo que as partes
deliberem sobre os valores atribuídos para os serviços, a cada caso.
Ou seja, se o desejo do legislador for incentivar a implementação de esquemas de
PSA pelos agentes privados, entende-se razoável permitir que a definição de metodologia
de métrica de valoração do serviço ambiental prestado e a previsão de seu reajuste deva

43
ser realizada a cada caso, devendo considerar as particularidades inerentes a cada serviço,
respeitando-se as técnicas de negociação e possíveis definições previstas na legislação
ambiental.
Entretanto, parece-nos igualmente razoável estabelecer que, quando se trata de
recurso do Erário e o financiamento de programas públicos de PSA, que possuem,
portanto, um interesse público envolvido, o ideal é de utilizar a lógica da já
estabelecendo critérios mínimos de definição de métrica de valoração para os
agentes interessados. Conforme veremos, alguns programas estaduais executados nesse
sentido estabelecem a métrica de valoração e os interessados formalizam a transação de
PSA por meio de contrato de adesão.
No caso em que a valoração de um serviço ambiental se demonstre complexa, pela
pluralidade de atores envolvidos, faz-se importante inserir terceiros capazes de
estabelecer o diálogo entre as partes e que apresentem referências técnicas isentas sobre
os possíveis valores econômicos praticados (WUNDER, 2005).
Neste contexto, destacamos a importância dos chamados mediadores nas
transações de PSA, que além de serem estratégicos para realizar a mobilização nas áreas
e incentivar o diálogo entre os interessados, podem atuar como verdadeiros conciliadores
sobre as metodologias de valoração ambiental a serem adotadas. (WUNDER, 2005)
De todo modo, é imperioso destacar que os esquemas de PSA possuem
características complexas e alguns pressupostos de enquadramento, além da questão da
valoração do serviço ambiental, conforme veremos a seguir.

4.1.4 Pagamento por Serviços Ambientais: conceituação e pressupostos de


enquadramento

Ana Maria Nusdeo (2012), tratando apenas da modalidade de serviço


ecossistêmico, conceitua PSA como sendo
envolvendo a remuneração àqueles que promovem a conservação, recomposição,
incremento ou manejo de áreas de vegetação consideradas aptas a fornecer certos serviços
Para a autora, a remuneração, em espécie monetária ou por outros meios,
para agentes determinados, responsáveis pela preservação, recuperação ou

44
reflorestamento de áreas específicas ocorre com o objetivo de propiciar à natureza a
29
prestação de um determinado serviço .
Marcia Silva Stanton (2015), sob a mesma pauta dos serviços ecossistêmicos,
conceitua PSA como instrumento
de suas práticas de manejo recupera, mantém ou incrementa a produção de um serviço
30

Roldan Muradian et al (apud Siqueira, 2018), por sua vez, definem PSA como
transferência de recursos entre atores sociais, com o objetivo de criar
incentivos para alinhar decisões individuais e/ou coletivas sobre o uso do solo com o
31
. Já Pagiola (apud Siqueira,
2018) conceitua PSA
serviços ambientais indiretos, por meio do qual aqueles que prestam os serviços são pagos
e aqueles que se beneficiam tem o dever de pagar pela sua provisão, de modo que os
pagamentos sejam condicionados e o envolvimento entre as partes, voluntários .
Não obstante a relevância de todas as posições doutrinárias apontadas, a definição
de pagamento por serviços ambientais que nos parece mais abrangente e acertada é
aquela cunhada por Wunder (2005), que, ao definir formalmente o instrumento PSA
elencou alguns critérios básicos para sua definição: i) PSA é uma transação voluntária, o
que a diferencia das políticas de comando e controle; ii) o serviço ambiental que embasa
o instrumento deve ser bem definido, iii) PSA é uma transação realizada entre partes (um
ou mais pagadores e um ou mais fornecedores) e; iv) existe condicionalidade na transação,
no sentido de que o provedor (mantenedor) de serviço ambiental deve assegurar o
resultados das externalidades positivas, de forma a trazer os benefícios esperados pelos
pagadores destes serviços. (WUNDER, 2005)
Para o referido autor, a voluntariedade é um elemento essencial na definição do
PSA, por diferenciá-lo dos tradicionais instrumentos de comando e controle. Sendo assim,
há uma opção das partes na realização da transação.
Sendo uma transação voluntária, existem alguns instrumentos jurídicos que podem
subsidiar a transação, como contratos, convênios, termos ou instrumentos congêneres,
desde que observada a voluntariedade das partes em aderir a transação negociada.

29
NUSDEO, A. M. O. Ob. Cit. 2012 págs.18
30
STANTON, M. S. Pagamento por Serviços Ambientais. In: STANTON, Márcia (Org.) CAPPELLI,
Silva (Coord.). Manual de apoio à atuação do Ministério Público: pagamento por serviços ambientais.
Porto Alegre: Adrefc.com Assessoria e Consultoria em Projetos, 2015. Fls. 51
31

45
Nos contratos (ou outros instrumentos) que tratam sobre as cláusulas de negociação
sobre tal que será objeto
da operação, da transação entre fornecedores e pagadores. Ou seja, as externalidades
positivas devem ser de alguma forma mensuráveis, pela utilização da melhor metodologia
de valoração para cada caso, e devem estar expressas no instrumento que irá documentar
a transação, garantindo segurança jurídica para as partes. (WUNDER, 2005; ANA,
adaptado pela autora).
Conforme veremos adiante, os pagamentos podem ser realizados tanto por agentes
privados, usuários diretos dos serviços, ou pelo Poder Público, representando a
coletividade e o interesse público.
Importante salientar que as transações que envolvem PSA só ocorrerão quando as
partes entrarem em um consenso sobre o valor, a precificação dos serviços
transacionados, o que poderá ocorrer também meio da adesão voluntária em programas
que informem, de maneira clara e inequívoca, os valores ou outros benefícios que serão
concedidos aos fornecedores, bem como esclarecer as formas destes pagamentos.
A terminologia adotada no PSA, sob o aspecto de seu
significado, pode esclarecer bastante sobre suas características. Isto pois, a palavra

32
. O termo apresenta-se como a
expressão mais genérica e menos corrompível ideologicamente (politicamente), sendo
preferível do que utilizar outros
(WUNDER, 2005). A utilização da expressão deixa claro que a outra parte está de fato
prestando um serviço, e não recebendo uma doação.
Tal pagamento, ou transferência de benefício para o fornecedor do serviço
ambiental em questão, pode ser realizado por transferência pecuniária (em espécie
monetária) ou não, podendo se dar por outra forma de benefício ou vantagem. Este ponto
será abordado em tópico próprio.
Outro aspecto importante a ser discutido sobre PSA, que também será discorrido
em tópico próprio, é a existência de adicionalidade nas externalidades positivas,
no serviço ambiental prestado. Por adicionalidade, entende-se que o PSA deva ser

é controversa.

32
Fonte: dicionário eletrônico Michaelis disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-
portugues/busca/portugues-brasileiro/pagamento/ Acesso em 10 de novembro de 2021

46
Para Wunder (2005), é desejável que a adicionalidade ocorra em todos os esquemas
de PSA. Entretanto, parece-nos que o autor optou por tratar sobre a importância da
adicionalidade, sem, contudo, considerá-la como um pressuposto essencial de existência
de um PSA. Conforme veremos, esta questão passa a ser questionada, principalmente
entre estudiosos dos direitos, quando analisamos a possibilidade de estabelecimento de
PSA em áreas legalmente protegidas.

4.1.4.1 PSA e a questão da adicionalidade: a possibilidade de pagamentos por serviços


ambientais em áreas já protegidas pela legislação

Conforme vimos no tópico anterior, apesar de não ter elencado


como um pressuposto de uma transação de PSA, Wunder (2005) dispôs sobre a
importância de tal elemento
Mas o que é adicionalidade? Será ela de fato imprescindível em um PSA?
Para o referido autor, a adicionalidade é um fator suplementar, plus que é
percebido principalmente pós implementação de um PSA. Wunder (2005) ainda sugere
que seja realizado um exercício de suposição de cenários (hipóteses) envolvendo um PSA,
para se verificar como as externalidades ambientais irão se comportar.
Tal exercício pressupõe o estabelecimento de uma linha de base hipotética de
serviços ambientais produzidos em um local, em determinado tempo. Após a definição
dessa linha, realiza-se uma análise de possíveis resultados pós implementação de um
PSA. Há melhora do serviço ambiental prestado? Há manutenção dos serviços já
existentes? No caso de retirarmos o esquema de PSA estabelecido, os serviços ambientais
se mantêm? Diminuem? Existe uma pressão econômica na área que só um PSA
sustentaria o serviço ambiental prestado?
Havendo aumento de um serviço ambiental ou no caso de um esquema de PSA se
demonstrar absolutamente fundamental para a produção dos serviços ambientais naquela
área, dizemos que há adicionalidade.
Wunder (2007) tentou representar sua tese por meio de gráficos, representados na
figura a seguir:

47
Figura 1Figura 1. Representação sobre a questão da adicionalidade, elaborada por Sven Wunder, em 2007, para o
artigo "The Efficiency of Payments for Environmental Services in Tropical Conservation":

Fonte: Wunder, 2007

Seguindo a linha de raciocínio do autor, percebe-se que, quando há forte pressão de


mercado para uso de uma área que fornece serviços ambientais, um instrumento como
PSA é capaz de justificar a existência daquele serviço, havendo adicionalidade.
(WUNDER, 2005) Percebe-se, portanto, que a adicionalidade incentiva ou certifica a
produção de externalidades positivas, que não seriam alcançadas caso o PSA não fosse
implementado.
Entretanto, indagamos, seria a adicionalidade algo fundamental para os esquemas
de PSA? Considerando que o instrumento é uma materialização do princípio do protetor-
recebedor e busca corrigir falhas de mercado, não seria interessante reconhecer
pagamento mesmo em áreas que não sofrem pressões econômicas, por já serem
protegida?
Para responder tais questões, precisamos voltar às teorias econômicas e adotar a
premissa que o PSA atua para corrigir uma falha de mercado em virtude de uma produção
de externalidade positiva suportada por um (ou alguns) e percebidas por outrem. Sob este

48
enfoque, havendo ou não uma adicionalidade, a área é elegível para se implementar um
PSA.
Sendo assim o enfoque de um PSA deverá ser sempre buscar: i) a correção de
injustiças sociais decorrentes da alocação dos custos com a produção dos serviços
ambientais; ii) o fomento à adoção de comportamentos desejáveis, ou seja, de realização
de serviços ambientais por um amplo número de indivíduos; iii) a promoção de
externalidades positivas. (SIQUEIRA, 2018).
Considerando este raciocínio, a Organização Não Governamental (ONG) World
Wide Fund for Nature Brazil WWF Brasil, por meio do documento Diretrizes para a
Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais , sugeriu a inexigibilidade da
adicionalidade técnica nos esquemas de PSA, principalmente em Programas financiados
pelo Estado, adotando apenas diretrizes e critérios para priorização de áreas. (SIQUEIRA,
2018)
Seguindo tal lógica, uma área que já seria de proteção por uma obrigação legal,
como uma APP, ou uma Reserva Legal, ou uma Unidade de Conservação pode ser objeto
de um PSA, pois ela gera benefícios percebidos por um ou uma coletividade, suportados
por apenas um (ou alguns).
Apesar do raciocínio, este ponto é bastante sensível, especialmente para intérpretes
do direito. Afinal, paira a dúvida uma área que em que já há restrição de uso estabelecido
por normas, instrumentos de comando e controle, pode receber vantagens, no âmbito dos
instrumentos econômicos, com pagamentos provenientes de recursos públicos ?
A primeira norma que tratou por discorrer expressamente sobre a adicionalidade de
serviços ambientais em áreas já protegidas foi o Código Florestal, lei nº 12.651, de 25 de
maio de 2012, que previu, em seu art. 41 §4º, que s atividades de manutenção das Áreas
de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito são elegíveis para
quaisquer pagamentos ou incentivos por serviços ambientais, configurando
adicionalidade para fins de mercados nacionais e internacionais de reduções de emissões
certificadas de gases de efeito estufa .
Para dirimir ainda mais possíveis questionamentos a PNPSA, Lei nº 14.114/2021,
foi clara quanto a possibilidade de pagamentos em áreas já protegidas pela legislação.
A referida norma, que criou o Programa Federal de Pagamento por Serviços
Ambientais (PFPSA) elencou as áreas passíveis de receberem recursos financiados com
recursos públicos em seu art. 8º, e, em seu art. 9º, trouxe importantes previsões sobre as
áreas elegíveis de pagamento com recursos públicos em imóveis privados. Vejamos:

49
Art. 8º Podem ser objeto do PFPSA:
I - áreas cobertas com vegetação nativa;
II - áreas sujeitas a restauração ecossistêmica, a recuperação da cobertura
vegetal nativa ou a plantio agroflorestal;
III - unidades de conservação de proteção integral, reservas extrativistas e
reservas de desenvolvimento sustentável, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de
julho de 2000;
IV - terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas legitimamente
ocupadas por populações tradicionais, mediante consulta prévia, nos termos da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos
Indígenas e Tribais;
V - paisagens de grande beleza cênica, prioritariamente em áreas especiais de
interesse turístico;
VI - áreas de exclusão de pesca, assim consideradas aquelas interditadas ou de
reservas, onde o exercício da atividade pesqueira seja proibido transitória,
periódica ou permanentemente, por ato do poder público;
VII - áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, assim definidas
por ato do poder público.
§ 1º Os recursos decorrentes do pagamento por serviços ambientais pela
conservação de vegetação nativa em unidades de conservação serão aplicados
pelo órgão ambiental competente em atividades de regularização fundiária,
elaboração, atualização e implantação do plano de manejo, fiscalização e
monitoramento, manejo sustentável da biodiversidade e outras vinculadas à
própria unidade, consultado, no caso das unidades de conservação de uso
sustentável, o seu conselho deliberativo, o qual decidirá sobre a destinação
desses recursos. (Promulgação partes vetadas)
§ 2º Os recursos decorrentes do pagamento por serviços ambientais pela
conservação de vegetação nativa em terras indígenas serão aplicados em
conformidade com os planos de gestão territorial e ambiental de terras
indígenas, ou documentos equivalentes, elaborados pelos povos indígenas que
vivem em cada terra.
§ 3º Na contratação de pagamento por serviços ambientais em áreas de
exclusão de pesca, podem ser recebedores os membros de comunidades
tradicionais e os pescadores profissionais que, historicamente,
desempenhavam suas atividades no perímetro protegido e suas adjacências,
desde que atuem em conjunto com o órgão ambiental competente na
fiscalização da área.

Art. 9º Em relação aos imóveis privados, são elegíveis para provimento de


serviços ambientais:
I - os situados em zona rural inscritos no CAR, previsto na Lei nº 12.651, de
25 de maio de 2012, dispensada essa exigência para aqueles a que se refere o
inciso IV do caput do art. 8º desta Lei;
II - os situados em zona urbana que estejam em conformidade com o plano
diretor, de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal, e com a
legislação dele decorrente;
III - as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e as áreas das
zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos cobertas por vegetação
nativa, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
Parágrafo único. As Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e outras
sob limitação administrativa nos termos da legislação ambiental serão elegíveis
para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos,
conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas em bacias
hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água,
assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para
conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou
avançada fragmentação.

50
Observa-se que o legislador brasileiro, por meio da PNPSA, reconheceu o
pagamento em áreas que já possuem restrições administrativas de vedação de uso,
afastando a obrigatoriedade da adicionalidade. Sendo assim, no direito brasileiro,
percebe-se (2005), apesar de ser desejável, não
pode ser considerada como um pressuposto de existência do PSA.
Sob a análise, Raissa Pimentel Siqueira (2018) complementa:

Passando -se à análise da exigibilidade da adicionalidade comportamental, sob


lentes utilitarista poder-se-ia inferir: se um dos objetivos norteadores do
princípio do protetor-beneficiário é o fomento à adoção de comportamentos
socioambientalmente desejáveis) papel de direcionamento comportamental);
se um determinado comportamento é garantido, em razão da própria condição
do potencial prestador do serviço ambiental; e se os recursos destinados à
concessão dos benefícios aos prestadores de serviços ambientais são escassos;
então, ao pagar por comportamentos já garantidos, poderão faltar recursos para
o pagamento àqueles cujo comportamento não está garantido.
Sucede que, à luz do mandamento insculpido no princípio do protetor-
beneficiário, se o indivíduo, voluntariamente, realiza a ação ou omissão
socialmente relevante, de modo a produzir externalidades positivas, haveria
que se falar na necessidade de internalização destas. A não internalização das
externalidades poderia não somente desestimular tal indivíduo a repetir as
ações valoradas positivamente, mas estimular o fenômeno do free-rifing pelos
vizinhos. Não é, imagina-se, o que almeja o poder público33. (81)

A referida autora ainda sugere que o Poder Público pode estabelecer Programas de
PSA com formas de pagamento menos onerosas para o ente estatal, por meio de outros
benefícios, como fornecimento de insumos, assistência técnica especializada, ou mesmo
concessão de certificados e selos ambientais passíveis de utilização em peças publicitárias
ou outros propósitos.
Em suma, parece-nos acertada a posição do legislador brasileiro ao reconhecer a
possibilidade de pagamento por serviços ambientais em áreas já protegidas. Afinal, o
instrumento econômico PSA busca, em sua essência, conferir benefícios àqueles que
preservam, aplicando o princípio do protetor-recebedor, sem adentrar na questão da
obrigatoriedade da ação de preservação do recurso ambiental em si. O que ocorre no PSA
é uma realocação econômica das falhas de mercado proveniente das externalidades
ambientais produzidas por quem fornece serviços ambientais a terceiro(s), ou à
coletividade.
Entretanto, não devemos nos olvidar de duas questões. A primeira é que áreas
protegidas podem deixar de ser, em algum momento, como ocorre com unidades de
conservação extintas por meio de lei stricto sensu. Neste caso, um esquema de PSA

33
SIQUEIRA, R. P. S. Ob. Cit. 2018 págs. 81

51
poderia de fato garantir a existência de externalidade, de forma contratual. A segunda
questão versa entorno da oportunidade e conveniência da Administração Pública em criar
políticas públicas de fomento ao PSA, e programas estaduais que realizem pagamento
utilizando recursos do Erário em áreas já protegidas. No caso de a pauta do PSA não ser
uma prioridade financeira de governo, parece-nos mais acertado adotar outras formas de
pagamento, menos onerosas, conforme sugerido por Siqueira (2018).
Sendo assim, parece-nos acertado considerar que uma norma estadual que trate
sobre PSA deva prever, expressamente, a elegibilidade de áreas já protegidas em
esquemas de PSA, sejam estes públicos ou privados.
Quanto as formas de pagamento dos serviços prestados, trataremos de forma mais
aprofundada no próximo tópico.

4.1.4.2 Formas de pagamento

Em sua pesquisa, Wunder (2005) exemplificou diversas formas de se realizar o


pagamento pelos serviços ambientais prestados em um esquema de PSA, como
transferência pecuniária, concessão de vantagens tributárias, concessão de insumos e
assistência técnica. O referido autor preconiza que não existe um rol taxativo de
modalidades de pagamentos, sendo aconselhável que as partes deliberem sobre a melhor
solução de pagamentos para cada caso, inclusive, sobre a periodicidade de pagamentos,
caso sejam parcelados. (WUNDER, 2005)
Entretanto, verifica-se que as formas mais tradicionais de pagamento se dão por
meio da transferência de dinheiro associada com assistência técnica para implementação
de inovações ou recuperação de áreas vegetais. (WUNDER, 2005; SIQUEIRA, 2018)
Um curioso exemplo de modalidade não convencional de pagamento ocorreu na
região do rio Los Negros, na Bolívia, em que o benefício repassado foi por meio da
transferência de colmeias de abelhas combinada a prestação de assistência técnica para
empreendimento de apicultura, gerando fonte de renda sustentável para os fornecedores
de serviços ambientais. Este tipo de solução pode aumentar a renda das comunidades
envolvidas e contribuir para outros serviços ecossistêmicos, relacionados a polinização.
Tais benefícios podem ser realizados por meio do intermédio de mediadores, ou
diretamente. (WUNDER, 2005).

52
O exemplo acima exemplifica como um PSA pode ter um importante papel na renda
de determinada comunidade, e consequentemente na qualidade de vida das pessoas
envolvidas, sendo um instrumento potencial para distribuição de riquezas e melhoria
social.
Diante disto, sugere-se que políticas públicas de PSA prevejam um rol extenso de
modalidades pagamentos, permitindo inclusive soluções implementadas pelas partes
envolvidas na negociação. Com isso, espera-se que os agentes negociem com
antecedência e considerem suas próprias demandas e circunstâncias. (ROSA, KANDEL,
DIMAS, 2003 apud WUNDER, 2005)
Quando o pagamento for destinado a uma coletividade, como uma comunidade
tradicional, é razoável propor que os valores se revertam a bens e serviços coletivos e não
individualizáveis. Neste caso, um terceiro envolvido na operação poderá realizar um
levantamento sobre as necessidades da comunidade, analisando até a maturidade
econômica do local, de forma a apresentar as melhores soluções. Isto pois, os pagamentos
devem, preferencialmente, refletir um benefício a longo prazo, criando um senso de
responsabilidade conjunto em preservar os serviços ambientais fornecidos.
Para a realização do pagamento e transferência de benefícios é fundamental se
estabelecer um nexo de causalidade entre aquele que garante o serviço ambiental e recebe
os pagamentos. Os beneficiários devem garantir a conservação na extensão exigida ou
promover as ações de recuperações necessárias para fazer jus ao pagamento, no que tange
os serviços ecossistêmicos, ou realizar diretamente os serviços ambientais urbanos. Ou
seja, é necessário se observar uma real possibilidade de contribuição para o incremento
ou manutenção do serviço ambiental prestado, mesmo que por uma ação indireta.
(NUSDEO, 2012; SIQUEIRA, 2018; WUNDER, 2005)
Sobre a inclusão de assistência de um terceiro e outras formas de se garantir sucesso
na implementação de um PSA, a literatura sugere a necessidade de: i) construir a
confiança de todos os atores envolvidos; ii) realizar o monitoramento dos resultados, iii)
observar as regras acordadas entre os agentes envolvidos; iv) realizar os pagamentos nos
prazos e na forma estabelecida entre os atores; v) envolver um terceiro
(intermediário/mediador) quando houver um número elevado atores envolvidos ou
quando houver outras questões que podem dificultar a negociação entre pagadores e
fornecedores de serviços ambientais. (NUSDEO, 2012; SIQUEIRA, 2018; WUNDER,
2005)

53
Além da multiplicidade de formas de pagamentos, um esquema de PSA pode ter
outros rearranjos, a fonte pagadora pode ter natureza jurídica ou privada, os prestadores
podem ser particulares ou uma coletividade. Antes de adentrarmos no tópico sobre
pagadores e recebedores, oportuno realizarmos um estudo alguns casos clássicos que
tiveram o envolvimento do poder público, e outros que foram realizados com agentes
privados para entender tal multiplicidade de rearranjos.

4.1.4.3 Exemplos de Modelos de PSA público e privado. O caso da bacia de Catskill-


Delaware, no estado de Nova York, e o caso da água mineral Vittel, na
França

Existem no Brasil e no mundo bons exemplos de PSAs. Alguns deles são


financiados por agentes privados, como no caso da marca de água mineral francesa Vittel,
e outros financiados pelo poder público, como o caso do sistema da bacia hidrográfica de
Catskill-Delaware, no estado de Nova York, EUA. (SIMÕES, ANDRADE, 2017). No
Brasil também existem diversos programas públicos, como os programas mineiros que
iremos abortar posteriormente neste estudo.
O caso de Catskill-Delaware, no estado de Nova York, EUA, é reconhecido como
uma das primeiras experiencias de PSA que se tem notícia, realizado por meio do exitoso
Whole Farm Program .
Vejamos como ocorreu sua implementação.
No final do século XX, na cidade de Nova York, o sistema de aprovisionamento
hídrico abastecia mais de 8 milhões de pessoas que consumiam, em média 4,5 bilhões de
litros de água potável diariamente. A água consumida era proveniente de três grandes
reservatórios e sistemas de lagos, Catskill, Delaware e Croton, situados nas montanhas de
Catskill, cerca de 200 km à montante da cidade. A região de Catskill era pouco habitada
e as áreas protegidas representavam 77% da região, sendo que os 23% do restante da terra
ocupada era de pequenas propriedades com atividades pouco poluentes. (SIMÕES.
ANDRADE, 2017, SIQUEIRA, 2018)
No início dos anos 1980, iniciou-se uma ocupação mais intensa da área e com ela
um aumento do uso de agrotóxicos e a implementação de algumas atividades poluidoras,
provocadas tanto pela ocupação humana quanto por indústrias. Com a piora da quantidade
e qualidade da água, a primeira alternativa suscitada pelo município de Nova York foi a

54
implantação de uma sofisticada estação de tratamento, cujo valor de investimento, à
época, era de aproximados 4 bilhões de dólares, com valores de custeios anuais de 200
milhões. Tais custos seriam repassados a população. Foi aventada a possibilidade de
imposição de restrições de caráter normativo (comando e controle), que foi descartado,
ante a autonomia normativa dos estados em que os rios estavam inseridos, típico do
sistema federativo americano. (APPLETON, 2002 apud SIQUEIRA, 2018).
O então Diretor de Projetos Estratégicos do Departamento de Proteção Ambiental,
Sr. Albert Appleton, vislumbrou a alternativa de realizar uma transação voluntária com
os proprietários, por meio de um Pagamento pelas restrições de uso de agrotóxicos e do
u Nas palavras do próprio idealizador Instead of
paying to clean up the results of degrading the water environment, the city would invest
st

34
water . (APPLETON, 2002 apud SIQUEIRA, 2018).
Como era de se esperar, a ideia de soluções preventivas propostas por Appleton foi
descartada inicialmente, tendo sido necessário 18 meses de intenso debate para reverter a
resistência inicial. Após esse período, a prefeitura de Nova York lançou o exitoso
programa Whole Farm Program. Nele, um conselho de fazendeiros da região, o
Watershed Agricultural Council , como agente moderador, sendo capaz de
estabelecer um diálogo entre as partes. Técnicos isentos foram contratados para elaborar
planos de negócios individualizados. Aprovado o plano individual no programa, o
proprietário começava a receber incentivos pagos pela prefeitura de Nova York, que
contemplavam investimentos em equipamentos, modernização das tecnologias,
construção de infraestrutura de tratamento de efluentes, edificação de tanques de
estocagem de estrume e compostagem, além de outras vantagens. (APPLETON, 2002
apud SIQUEIRA, 2018)
Ainda, o Programa previa o pagamento de títulos para compensar as
desvalorizações das áreas, bem como a realização de contratos de restrição perpétua do
uso do imóvel, com objetivo de impedir a implementação das atividades que poderiam
comprometer a qualidade da água. Neste contexto, as propriedades poderiam ser

34

deveria investir na preservação do ambiente rural de Catskill, que estava fornecendo a melhor água
urbana do mundo. A filosofia da equipe era a que um meio ambiente de qualidade irá produzir água de

55
alienadas, mas as restrições eram reconhecidas como de natureza propter rem,
acompanhando o bem e sendo transmitidas ao próximo adquirente. Além dos pagamentos
iniciais, em pecúnia, o proprietário também fazia jus a abatimentos tributários, e de outros
valores, como se fossem aluguéis (APPLETON, 2002 apud SIQUEIRA, 2018).
A adesão, apesar de voluntária, foi um sucesso e, em apenas cinco anos de Programa
chegou a abranger 93% das propriedades da região. Até a confecção do estudo que
discorreu sobre o programa, em 2002, a cidade de Nova York ainda não possuía sistema
de tratamento de água, apenas filtragem. (APPLETON apud SIQUEIRA, 2018).
Já o caso da empresa francesa de água mineral Vittel ocorreu exclusivamente entre
agentes privados. Trata-se de uma marca de água comercializada pela empresa Nestlé
Waters, com um valor diferenciado do de mercado, por possuir baixo teor de nitritos e
nitratos.
Ocorre que no local de captação, começou se a observar uma ligeira queda de
qualidade da água, que provavelmente comprometeria a comercialização do produto. Isso
se deu devido a intensificação da atividade rural na região, sendo observado que
agrotóxicos ali utilizados e a falta de tratamento adequado dos resíduos seriam os
responsáveis pelo aumento da concentração de nitritos e nitrato. Comprar os terrenos de
influência da captação não era uma solução plausível, visto que na França havia normas
específicas vedando a alienação de propriedades agricultáveis para propósitos não
agrícolas. Ainda, a empresa não poderia impelir condutas aos agricultores, visto que os
proprietários rurais agiam dentro da legalidade. (SIQUEIRA, 2018)
Após intensos debates e negociações implementou-se um esquema de PSA na
região, e os agricultores voluntariamente alteraram suas práticas de manejo,
garantindo a qualidade necessária à água. A empresa investiu em equipamentos e
modernização da produção das propriedades que optassem por modificar suas técnicas
produtivas. (SIQUEIRA, 2018)
Com os exemplos apresentados, percebe-se que o que diferencia um modelo de PSA
público ou privado é justamente a natureza jurídica do pagador do serviço ambiental, se
é uma pessoa de direito público ou privado.
Parece-nos, em um primeiro momento, que não há predileção em qual modelo seria
o mais acertado, um modelo privado ou modelo público. O que importa é o interesse do
pagador em compensar os serviços ambientais prestados.
Neste ponto, passemos a analisar a figura do pagador de serviço ambiental e sua
importância para a perenidade de um esquema de PSA.

56
4.1.5 Pagadores (Compradores) de serviços ambientais

Para haver viabilidade em um esquema de PSA é imprescindível a mobilização de


uma pessoa, ou grupo de pessoas, ou entidade que se disponha a pagar pelo serviço
ambiental prestado. Por vezes, a remuneração do serviço ambiental surge em contextos
nos quais os beneficiários dos serviços percebem que não podem contar com eles de
forma gratuita. (NUSDEO, 2012)
Neste cenário, o interesse na produção e na perpetuação dos benefícios ambientais
constitui a principal motivação para que os beneficiários se tornem dispostos a pagar.
Os pagadores de serviços ambientais, podem ser pessoas físicas ou jurídicas, de
direito público ou privado, desde que sejam partes interessadas nas externalidades
positivas provenientes de um determinado serviço ambiental. A motivação quanto a
manutenção do serviço ambiental pode ser diversa, desde uma dependência produtiva a
determinado recursos naturais (como a água) até questões filantrópicas. Idealmente, as
fontes de recursos devem ter uma correlação entre o pagador e o fornecedor dos serviços,
entretanto, percebe-
que tem interesse na sustentabilidade é um potencial financiador de políticas de PSA e
não podem ser ignorados.
Sobre este tema, Ana Maria Nusdeo (2012) destaca:

O interesse em garantir o fornecimento do serviço constitui a principal


motivação para seus beneficiários transformarem-se em compradores. Em
alguns casos o pagamento é bastante vantajoso do ponto de vista financeiro em
comparação a soluções alternativas. É o que se dá no serviço de proteção a
bacias hidrográficas. Para que empresas fornecedoras de água, tanto públicas
quanto privadas, atuem no serviço público de abastecimento ou exerçam
atividade econômica de comercialização de água, esquemas de pagamento
costumam evitar ou retardar a necessidade de investimento em novas fontes.
Em outras situações, mesmo não se colocando a análise de alternativas, o
pagamento garante o acesso a um serviço ambiental necessário a atividade
econômica do comprador. Os serviços de acesso e licença para pesquisa de
bioprospecção e exploração turística relacionada à beleza cênica são
ilustrativos desse contexto. Em algumas circunstâncias, o interesse econômico
no serviço é indireto e diz respeito à imagem da empresa e à sua publicidade.
Mas os compradores podem entender que o pagamento pelos serviços
ambientais atende também a questões morais e seu pagamento pode
assemelhar-se à doação. Essa motivação pode ser identificada em arranjos
voltados à valorização do papel dos usuários de recursos naturais de baixa
renda, sejam ou não populações indígenas e tradicionais. Algumas vezes, esse
propósito será reforçado pela valorização do seu estilo de vida e de sua cultura.
Motivações morais podem ser encontradas, grosso modo, em projetos,

57
programas e políticas de pagamento por serviços ambientais nos quais os
objetivos relacionados à equidade tenham peso.35

Em relação aos serviços ambientais voltados à proteção da biodiversidade, a


referida autora ressalta que, por esses serviços gerarem benefícios que não se limitam a
fronteiras locais ou nacionais, a maior disposição de pagar é predominantemente
internacional. (NUSDEO, 2012)
Uma maneira de pagadores privados estabelecerem seus PSA é por meio da
chamada servidão ambienta , um instrumento jurídico firmado por meio de contrato
entre proprietários e terceiros interessados na conservação de uma área específica,
normalmente em um caráter perene, podendo ser temporários. O conceito da servidão
refere-se justamente ao direito de uso de uma propriedade sobre outra, tradicionalmente
associado ao direito de passagem. Sob a perspectiva ambiental, amplia-se os rearranjos e
a servidão ambiental se dá por interesses ecológicos, por exemplo, sendo entendido como
, a direito de supressão ou exploração da
vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área de vegetação permanent ,
devendo ser averbada em cartório de registro de imóveis, após anuência do órgão
ambiental competente, sendo vedada, durante sua vigência, a alteração da destinação da
área. A limitação se transfere junto com a propriedade, até seu término, quando
estabelecida em caráter temporário (NUSDEO, 2012)
Normalmente, quando o PSA envolve serviços ecossistêmicos ligados a provisão
de água, os pagadores podem ser pessoas públicas ou privadas, como empresas, governo,
ou concessionárias de abastecimento humano. Normalmente, modelos de PSA
relacionados à água são realizados em nível de microbacias ou bacias hidrográficas, sendo
que quando maior a bacia e maior a distância entre beneficiários e provedores, mais difícil
será o estabelecimento de diálogo quanto a uma estrutura de PSA, embora que arranjos
governamentais possam superar tal limitação. O ideal, neste caso, é reconhecer o
importante papel de intermediários, conhecidos como mediadores.
No que tange ao papel dos intermediários, Ana Maria Nusdeo (2012) destaca:

Em setores nos quais intermediários são protagonistas, ou naqueles onde


interagem com provedores de serviços de pequeno porte, a regulamentação das
transações deve garantir que os interesses e a pressão desses intermediários
não as desviem de seus objetivos principais, bem como que não se apropriem
de porcentagem desproporcionalmente excessiva em comparação à dos
provedores.

35
NUSDEO. A. M. 2012 ob. Cit. Págs. 56

58
Muitas vezes, os intermediários não têm finalidade lucrativa, como ocorre com
organizações não governamentais, cuja preocupação é cumprir seus objetivos
estatutários e ampliar sua atuação. A atuação dessas organizações costuma dar-
se em projetos cujos serviços ambientais transacionados envolvem
comunidades locais, tais como comercialização de produtos compatíveis com
a biodiversidade ou desenvolvimento de atividades de ecoturismo. Nesse
contexto, a intermediação será tanto mais positiva na medida em que essas
organizações respeitem as preocupações, valores e anseios da comunidade e
atuem de forma transparente para induzir a participação dos sujeitos locais. 36

Os esquemas de pagamentos privados parecem ser mais eficazes quando


implementados em locais delimitados envolvendo poucos agentes. Nestes casos, os
interessados em auferir benefícios provenientes das externalidades positivas podem
transacionar os serviços ambientais diretamente com os fornecedores ou por meio de
mediadores. Para se formar uma aliança de conservação resiliente e buscar sensibilizar o
maior número de agentes, pode-se envolver também o governo local. (WUNDER, 2005).
Podemos perceber essa sistemática em programas de PSA implementados pela Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) por meio do Programa Produtor de
Água.37
Nusdeo (2012) aponta pela oportunidade de se envolver causadores de danos e
impactos ambientais nas dinâmicas de PSA, aplicando o princípio do poluidor pagador,
reconhecendo a o sistema
de responsabilidade civil por danos ambientais, não é um empecilho a práticas e políticas
de pagamento por serviços ambientais 38
Afinal, há um espaço de compatibilização uma
vez que os fornecedores de serviços ambientais produzem externalidades positivas que
podem mitigar possíveis danos de terceiros, mesmo que estes tenham suas
responsabilidades civis. Não se trata de transferir responsabilidades, mas equalizar
externalidade e tentar fomentar um sistema que fomente boas condutas ambientais.
Neste sentido o Decreto nº 66.549, de 07 de março de 2022, que instituiu a Política
Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais PEPSA no estado de São Paulo traz
uma solução parecida com a suscitada pela autora. A referida norma previu a conversão
de multas administrativas como fonte de recursos para implementação de seus projetos
no âmbito do Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambiental também
instituído pelo Decreto. Parece-nos oportuno que tal iniciativa seja replicada por outros

36
NUSDEO. A. M. 2012. Ob. Cit. Págs. 58.
37
Maiores informações por meio do link: https://www.gov.br/ana/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-
programas/programa-produtor-de-agua
38
NUSDEO, A. M. O. Ob. Cit. 2012. Págs. 55

59
estados da federação. No caso, o financiamento teria natureza de verba pública, visto que
o recurso das multas administrativas pertence ao estado.
Conforme levantado, os agentes pagadores podem ser tanto entes privados como o
poder público. E os provedores dos serviços ambientais? Conforme veremos, os
provedores também podem ser entes públicos ou privados, pessoas físicas, jurídicas e até
outros rearranjos, quando se tratar de comunidades tradicionais, como povos quilombolas
e indígenas. Percebe-se com isso um caráter democrático do PSA e nesse mesmo sentido
faz-se necessário discorrer sobre sua potencialidade de redistribuição de riquezas,
fazendo com que este instrumento atue igualmente no bem-estar social dos beneficiários,
conforme veremos no próximo tópico.

4.1.6 Provedores de serviços ambientais e a questão da equidade

Embora os serviços ambientais ecossistêmicos sejam, a rigor, prestados pela


natureza, entendemos que o ser humano pode incorrer na prestação de tais serviços, seja
por meio da recuperação de uma determinada área, seja por meio da preservação de
vegetação, seja pela adoção de condutas ambientalmente desejáveis, ou outras ações que
produzam externalidades ambientais positivas, executadas de forma direta ou indireta.
No âmbito dos serviços ambientais urbanos, a ação humana é claramente
identificada por meio dos serviços que preservam indiretamente os bens naturais, como
no caso da catação de materiais recicláveis.
No contexto da prestação dos serviços ambientais, por vezes é possível perceber o
reflexo da realidade do país, visto que muitas das vezes os serviços são prestados por
comunidades tradicionais, quilombolas, pela agricultura familiar, e, no caso dos serviços
ambientais urbanos, por catadores de material reciclável, que compõem, normalmente,
uma parcela da população de maior vulnerabilidade social, composta por pessoas que não
possuem qualificação que as permita se inserir em outra atividade econômica.
No caso do Brasil, devemos compreender que o país é marcado pela desigualdade,
seja ela no âmbito da distribuição de renda, da oportunidade de trabalho, do acesso à
educação de qualidade, o que reflete na imensa desigualdade social da população. Um
exemplo disso é a distribuição de renda (familiar) nas diversas regiões do Brasil. Em
2020, o rendimento médio domiciliar per capita do brasileiro foi de R$ 1.349,00 sendo
que na região sudeste a média foi de R$ 1.623,00 e na região nordeste de R$ 891,00, ou

60
seja, o rendimento médio no Nordeste representa aproximadamente 54% do rendimento
médio aplicado a região sudeste. (IBGE, 2021)
Neste cenário, a falta de instrução dos provedores de serviços ambientais pode ser
considerada como ponto sensível no momento de negociação de um esquema de PSA,
visto que pode ensejar uma percepção diferente da realidade, principalmente sobre os
preços. Neste caso, os fornecedores podem insistir em uma supervalorização ou
promoverem uma desvalorização dos serviços prestados. Quando isto ocorre, é
fundamental integrar ao processo a figura do mediador, um terceiro, alheio aos interesses
das partes, que pode garantir o sucesso da negociação.
No âmbito dos serviços ecossistêmicos, existem uma infinidade de instrumentos,
ou títulos jurídicos, que podem estar relacionados à área (imóvel) em que o serviço
ambiental será produzido, quais sejam: registro da propriedade (matrícula), contratos de
posse, concessão sobre direito real de uso; ou outros instrumentos. Em países em
desenvolvimento, verifica-se um maior número de casos envolvendo a falta de títulos
formais sobre os imóveis objetos de esquemas de PSA, o que pode ocasionar dúvidas
sobre o destinatário do benefício, ou criar complexidades no caso de sucessão.
(NUSDEO, 2012)
Quanto a estrutura fundiária dos fornecedores de serviços ecossistêmicos, estas
podem ser diversas, desde propriedades sob administração de grandes proprietários,
passando por agricultores familiares, até comunidades tradicionais.
Para serviços ecossistêmicos de regulação, por exemplo, que envolvem o mercado
de carbono, tanto áreas públicas, como Unidades de Conservação, quanto áreas de
latifúndios ou áreas de agricultura familiar podem ser consideradas potenciais.
Quanto a pagamento destinados a grandes proprietários, Nusdeo (2012) salienta:

mento por serviços ambientais públicas podem envolver


grandes proprietários e, numa medida razoável, incentivos econômicos para
sua adaptação a novas exigências ambientais. A realização de desembolsos de
orçamentos públicos para remuneração pela conservação de grandes
propriedades deve se dar com base em critérios que levem em consideração
sua função socioambiental e mesmo o dever constitucional de preservação do
39

A referida autora aponta certa predileção para que políticas públicas de PSA,
especialmente as financiadas diretamente com recurso do Erário, procurem interiorizar as
potencialidades de soluções sociais agregadas, distribuindo renda para àqueles que

39
NUSDEO, A. M. O. Ob. Cit. 2012. Págs. 55

61
contribuem por determinados serviços, mas não são devidamente remunerados. Isto pois,
os pagamentos realizados podem aprimorar as condições de vida das populações mais
vulneráveis, como povos indígenas, comunidades tradicionais, pequenos proprietários, o
que tangencia a questão social pertinente ao desenvolvimento sustentável. (NUSDEO,
2012) Estendemos a mesma lógica para os catadores de resíduos.
Neste contexto, o Poder Público pode desempenhar um importante papel no
estabelecimento de políticas públicas socioambientais, que melhoram indicadores sociais
e de sustentabilidade de forma coordenada. Entretanto, quais as melhores estratégias para
o Poder Público desempenhar tal papel? Sobre este ponto, trataremos no próximo tópico.

4.1.6.1 A importância do Poder Público como agente normatizador e incentivador de


PSA no Brasil

Conforme abordado anteriormente, o Brasil é um país marcado por desigualdades


sociais.
Considerando que PSA pode promover uma melhoria socioambiental,
especialmente quando remunera prestadores de serviços em situação de maior
vulnerabilidade social, como povos indígenas, comunidades tradicionais, pequenos
proprietários rurais, associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis,
parece-nos razoável afirmar que o instrumento PSA pode e deve ser incentivada pelo ente
estatal. Mas como e onde o poder público pode estimular políticas de PSA?
Para responder tal questão, primeiramente devemos analisar o que a Constituição
Federal do Brasil de 1988(CF88) diz a respeito do tema.
odos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações -se deste mandamento a responsabilidade
solidária na matéria ambiental, sendo uma responsabilidade do poder público, e também
da coletividade.
Ainda, quando analisamos o artigo 170 do texto constitucional, percebe-se que o
inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração

62
Ainda, o artigo 174 da CF88 dispõe que, como agente normativo e regulador da atividade
econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor
privado .
Ou seja, o estado enquanto agente econômico, agente normativo ou exercendo sua
atividade de planejamento e incentivo, deverá sempre observar a defesa do meio
ambiente, podendo indicar e incentivar comportamentos ambientalmente desejáveis à
coletividade, que compartilha o mesmo múnus de preservar o meio ambiente equilibrado
para as presentes e futuras gerações.
Diante do dinamismo dos esquemas de PSA apresentado no discorrer desta pesquisa
e considerando os mandamentos constitucionais, entendemos razoável pressupor que o
Poder Público deva atuar sobre as seguintes frentes quando se trata de PSA:
i) como agente normativo, planejador e regulador, incentivando políticas
públicas de PSA, criando possíveis regulações sobre o tema e, sempre que
possível, criar demandas públicas para tornar o instrumento ainda mais
atraente para o mercado e para entes privados;
ii) como agente pagador de PSA, especialmente no âmbito de Programas
estaduais, federais e municipais que pagam pelos serviços ambientais
prestados;
iii) como recebedor de PSA, visto que o Poder Público também é titular de
diversas áreas que produzem externalidades positivas, obtendo ativos
estratégicos que podem ser revertidos para preservação, especialmente
diante o crescente interesse no cenário internacional, causado pela pauta das
mudanças climáticas.

Ana Maria Nusdeo (2012) ainda destaca outro grande potencial do Poder Público
para exercer o papel de indutor de transação de PSA entre particulares, por meio da
criação de uma plataforma de integração, e cadastros. Nas palavras da autora:

Atuando como agente catalisador, o poder público empresta credibilidade


àquela relação de PSA que pretende ver estabelecida, aproximando prestadores
e tomadores de serviços ambientais, sem, necessariamente, desprender
recursos públicos a título de pagamento ( pode o poder público, no entanto,
com intento de estimular o financiamento das ações dos prestadores, pelos
tomas tomadores de serviços ambientais, conceder a estes últimos algum título

63
de reconhecimento, como um selo ou certificado, bem como benesses
administrativas, como prioridade em tramitação processual, por exemplo. 40

Neste sentido, a PNPSA instituiu o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços


Ambientais (CNPSA), prevendo a obrigação de registro dos contratos de PSA, vejamos:

Art. 16. Fica instituído o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços


Ambientais (CNPSA), mantido pelo órgão gestor do PFPSA, que conterá, no
mínimo, os contratos de pagamento por serviços ambientais realizados que
envolvam agentes públicos e privados, as áreas potenciais e os respectivos
serviços ambientais prestados e as metodologias e os dados que
fundamentaram a valoração dos ativos ambientais, bem como as informações
sobre os planos, programas e projetos que integram o PFPSA. (Promulgação
partes vetadas)
§ 1º O CNPSA unificará, em banco de dados, as informações encaminhadas
pelos órgãos federais, estaduais e municipais competentes, pelos agentes
privados, pelas Oscip e por outras organizações não governamentais que
atuarem em projetos de pagamento por serviços ambientais.
§ 2º O CNPSA será acessível ao público e integrado ao Sistema Nacional de
Informações sobre Meio Ambiente (Sinima), ao Sistema de Informação sobre
a Biodiversidade Brasileira (Siba) e ao Sistema de Cadastro Ambiental Rural
(Iscar

Podemos compreender que a criação de cadastros e a sua devida publicidade é


realizado por meio da atuação do poder público enquanto agente planejador e
incentivador de políticas públicas de PSA.
Passemos a analisar outras frentes de atuação e outras possibilidades que podem
surgir ao Estado quando se trata de PSA.
No caso em que o Poder Público atue como agente normativo, planejador e
regulador, incentivando políticas públicas de PSA, criando possíveis regulações sobre o
tema e demandas públicas para tornar o instrumento ainda mais atraente para o mercado
e para entes privados, quais demandas seriam mais adequadas para serem criadas?
Uma hipótese que sugerimos ser estudada seria a de órgão ambiental admitir a
apresentação de contratos de PSA realizados entre particulares, ou instrumentos
congêneres lastreáveis, para fins de cumprimento de medidas mitigadoras ou
compensatórias previstas nos processos de intervenção ambiental, licenciamento,
outorga, ou regularização ambiental.
Neste caso, o PSA poderia ser, por exemplo, aceito expressamente como uma
condicionante de alguma atividade potencialmente poluidora, devendo o órgão ambiental
prever todas as hipóteses de cabimento.

40
NUSDEO, A. M. O. Ob. Cit. 2012. Págs. 96

64
Um exemplo hipotético seria o caso de o empreendedor pagar um PSA a outro
agente privado pela proteção de áreas de proteção permanente às margens de corpos
hídricos ou em nascentes próximas ao ponto de capitação, quando solicitar outorga do
direito de uso da água ao órgão ambiental competente. Ou ainda, apresentar um PSA no
mesmo sentido nos casos em que houver deposição de efluente, a depender da atividade,
nos processos de licenciamento. O PSA em questão seria capaz de melhorar a qualidade
da água e a medida poderia mitigar impactos do empreendimento?
Existem potencialidades a serem estudadas, a questão em cerne é: O estado pode
(ou deve) criar demandas para incentivar o instrumento PSA?
Na criação de políticas pública em que o estado crie programas estaduais de PSA
com pagamento realizado com recurso do Erário, faz-se necessário também prever uma
fonte de pagamento que torne o programa sustentável ao longo dos anos.
Conforme veremos no tópico que trata sobre o Programa Bolsa Verde, criado pela
Lei nº17.727/2008, uma das fontes de recurso foi a consignação dos recursos na Lei
Orçamentária Anual e o valor correspondente a 10% (dez por cento) dos recursos do
Fundo de Recuperação, Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável das Bacias
Hidrográficas do Estado de Minas Gerais FHIDRO, que por sua vez recebe outros
recursos como os de compensação financeira por áreas inundadas. Entretanto, como
veremos a seguir, o estabelecimento das fontes de recursos não impediu que houvesse
atrasos de pagamento do programa.
Sobre a sustentabilidade de uma transação de PSA e a perenidade de pagamentos,
sob o ponto de vista temporal, Wunder (2005) sugere a existência de uma troca de
benefício contínua entre as partes envolvidas, ou seja, benefícios mensuráveis sendo
concedidos por um ou mais compradores a pelo menos um provedor dos serviços
ambientais ao longo do tempo, de forma perene.
Entretanto, o autor aponta a existência de transações de PSA subsidiadas por
-
conforme abordado anteriormente, os esquemas de PSA também são utilizados como
distribuidores de renda em determinadas localidades, o que enseja um caráter social a este
instrumento atraindo a atuação de filantrópicos. Não podemos, desta forma, refutar a
conveniência dos recursos de doação para subsidiar os custos de programas públicos.
No que tange os serviços ambientais urbanos e sua ampla capacidade de melhorar
a situação de catadores e populações marginalizadas, Alice Libânia Dias aponta pela
necessidade de o Poder Público atuar fomentando este tipo de PSA, vejamos:

65
Conforme abordagem trazida por Buchholz, Marcus e Post (1992) mencionada
na revisão bibliográfica, as falhas de mercado se apresentam como barreiras
não só para a adoção de práticas ambientais, mas para mudanças de
comportamento de forma geral. Nesse sentido fica clara a necessidade de
intervenção do governo para atuar sobre essas falhas uma vez o mercado por
si só não é capaz de superar tais barreiras. Assim, a adoção de instrumentos
econômicos adequados a realidade brasileira, como o Bolsa Reciclagem, pode
favorecer a ampliação da quantidade de resíduos encaminhados para
recuperação/reciclagem, contribuindo, em alguma medida, para a correção das
falhas de mercado existentes para alguns tipos de materiais. Entretanto, a
análise conjunta dos resultados obtidos nos capítulos 2 e 3, indicaram que a
adoção pura e simples de instrumentos econômicos, a exemplo do Bolsa
Reciclagem, não serão suficientes para superação dessas barreiras, sendo
absolutamente necessária a implementação de um conjunto de ações para
potencializar os efeitos positivos desses tipos de instrumentos. Citam-se como
exemplos dessas ações, a necessidade de maiores investimentos no
aprimoramento profissional dos trabalhadores que atuam no setor da
reciclagem, abordando os aspectos de formalização e gestão das organizações
de catadores de materiais recicláveis, além da criação de fundos de
investimentos concebidos especificamente para este público-alvo, para a
expansão da estrutura físicas das unidades de triagem, recuperação e
reciclagem de materiais.41

Sendo assim, verifica-se que o Poder Público de fato possui uma função estratégica
podendo figurar diversas funções, todas extremamente importantes para melhoria dos
resultados ambientais e de bem-estar social.
Quanto a atuação do estado como criador de programas específicos de PSA,
merecem destaque algumas experiências no estado de Minas Gerais. Neste ponto,
debruçaremos sob dois exemplos de programas implementados pelo poder executivo
mineiro, o Bolsa Verde e o Bolsa Reciclagem.

4.1.7 Programas estaduais de Minas Gerais: Bolsa Verde e Bolsa Reciclagem

4.1.7.1 Bolsa Verde

O Programa Bolsa Verde foi instituído pela Lei nº 17.727, de 13 de agosto de 2008,
e regulamentado pelo Decreto nº 45.113, de 05 de junho de 2009, com objetivo de
conceder incentivos financeiros aos proprietários e posseiros rurais pela conservação da
cobertura vegetal nativa em Minas Gerais, voltados para aqueles que já preservam ou que
se comprometam a recuperar a vegetação nativa em suas propriedades ou posse.

41
Dias, Alice Libânia. Ob. Cit. págs. 150

66
Os serviços ambientais elegíveis para serem remunerados por meio do Bolsa Verde
foram aqueles prestados por áreas de formações ciliares e de recarga de aquíferos e áreas
estratégicas para proteção da biodiversidade e de ecossistemas especialmente sensíveis.
Segundo relatórios42 apresentado pelo Instituto Estadual de Florestas IEF, a
origem do Bolsa Verde se deu na execução de outro Programa, denominado Programa
de Proteção da Mata Atlântica de Minas Gerais (Promata), em que foram celebrados
convênios com a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
que conservassem e recuperassem a
cobertura vegetal nativa no entorno no Parque Estadual do Ibitipoca. Após o sucesso da
primeira etapa do Promata, houve uma extensão de atuação para o entorno de outras
importantes UCs: como os Parques Estaduais do Itacolomi, do Rio doce e da Serra do
Papagaio, dando outra dimensão ao programa. (IEF, 2014)
A metodologia de valoração ambiental utilizada na fase de esboço do programa
utilizou o método do custo de oportunidade de uso da área, tendo sido escolhido o valor
:

Com a iminência da aprovação de legislação específica sobre um programa


que visaria ao pagamento por serviços ambientais no médio prazo, o Promata
manteve até o ano de 2010 o repasse dos recursos às entidades parceiras e
orientou-os para trabalharem na mobilização dos beneficiados com vistas a,
posteriormente, buscarem ser contemplados pela iniciativa que viria a ser
implantada.
(...)
Os primeiros esboços do programa foram realizados, em caráter informal,
entre representantes do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e da Universidade
Federal de Lavras (UFLA), e visavam, inicialmente, a implementação do
incentivo econômico aos proprietários rurais que possuíssem áreas de
preservação permanentes (APPs) cercadas e conservadas e desde que
estivessem em consonância com as exigências previstas pelo Código
Florestal, Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (BRASIL, 1965).
De acordo com a versão incipiente do Programa Bolsa Verde, o valor a ser
repassado aos beneficiados corresponderia a 65% (sessenta e cinco por cento)
do preço do litro de leite por hectare por dia. A referência para a sugestão desse
montante foi a mesma utilizada para o arrendamento de terras nas áreas em que
a atividade econômica rural predominante era a pecuária de leite. À época, o
ano de 2007, o valor médio do litro de leite pago ao produtor era de R$ 0,45, o
que levaria o preço do arrendamento a R$ 176,46 (cento e setenta e seis reais
e quarenta e seis centavos) por hectare por ano.
Desde a proposta inicial elaborada pelas duas instituições, consta a vigência de
cinco anos para o recebimento do benefício do Programa e, de acordo com os
números apresentados logo acima, a previsão de um orçamento aproximado de

42
Instituto Estadual de Florestas (MG), Bolsa verde: relatório anual de atividades 2010/2011e /Diretoria
de Desenvolvimento e Conservação Florestal. Belo Horizonte: Instituto Estadual de Florestas. Disponível
em:http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/bolsaverde/2014/relatorio%20atividades%20bolsa%20verde
%2013%2014.pdf e
http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/bolsaverde/2012/Dezembro/relatrio%20anual%20de%20ativida
des%20do%20programa%20bolsa%20verde%202010%202011.pdf

67
R$ 2,7 mil por ano, totalizando R$ 21,3 mi ao longo de 10 anos de
cadastramento de proprietários rurais, manutenção e monitoramento. Esse
montante de recursos seria suficiente para o pagamento pela conservação de
5.000 hectares (ha) por ano, alcançando 25.000 ha ao final da vigência do
Programa. 43

Quanto ao trâmite legislativo que levou à criação do Programa, o IEF informou que
a partir do Projeto de Lei nº 952/2007 apresentado pelo Deputado Roberto Carvalho,
iniciou-se várias reuniões parlamentares, foram apresentados pareceres de Comissões da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais - ALMG, com apresentação de substitutivos,
tendo o PL seguido para discussões em plenário, apresentadas emendas e seguiu apensado
a alguns outros projetos com tema semelhante. Ao final, com parecer favorável do IEF, o
PL que foi convertido à Proposição de Lei nº 18.642 se converteu na Lei nº 17.727/2008,
que instituiu o programa.
A título de curiosidade, verificou-se que a
concebida na ALMG, sob o argumento deste nome estar em consonância com outros
programas socioambientais, substituindo a primeira sugestão

Quanto a escolha do nome oficial do Programa, entendemos que o


pressupõe a existência de uma ajuda financeira sem contrapartidas, não sendo o mais
adequado para o Programa. Afinal, no programa de PSA mineiro há uma transação, uma
remuneração por serviços ecossistêmicos sendo prestados sob a existência de diversos
pressupostos que permitem sua configuração como um pagamento e não uma
bolsa/auxílio
O valor utilizado para pagamento dos serviços ecossistêmicos prestados no
programa foi estabelecido no montante de R$ 200,00 por hectares de área conservada,
por ano, conforme descrito no Manual de Princípios, Critérios e Procedimentos para a
implementação da Lei 17.727/2008 (IEF, 2010). Segundo o manual, tal valor
correspondia ao rendimento médio alcançado pelos proprietários e posseiros rurais que
exploravam suas áreas em algumas atividades agropecuárias, e não só a produção de leite
como feito no primeiro momento do Promata.
Apesar do Decreto nº 45.113/2009 prever um rol de prioridades de cadastro de
beneficiários do programa, em seu art. 2º, apresentando um componente de inclusão
social e econômica no programa, puderam também ser beneficiados quaisquer

43
Instituto Estadual de Florestas (MG), Bolsa verde: relatório anual de atividades 2010/2011e /Diretoria
de Desenvolvimento e Conservação Florestal. Belo Horizonte: Instituto Estadual de Florestas.

68
proprietários ou posseiros rurais que atendessem aos requisitos estabelecidos em edital,
desde que observadas as disponibilidades orçamentária e financeira do Estado.
Seu caráter universal, que foi amplamente acessível, resultou em áreas
contempladas distribuídas de forma pulverizada pelo estado44.. Segundo informações
obtidas em 2022, em entrevista com a analista ambiental Manuela Cardoso Stein45, da
Gerência de Recuperação Ambiental e Planejamento da Conservação de Ecossistemas,
do IEF, e reiteradas no relatório publicado pelo
instituto em 2022, a pulverização das áreas contempladas atrelados a falta de definição
de indicadores para o serviço ambiental contratado, que também não foi claramente
definido, dificultou a mensuração dos ganhos ambientais, que são apenas presumíveis.
(IEF, 2022)
Segundo o IEF, foram abertos dois editais para cadastro no Programa, um no ano
de 2010, e outro no ano de 2011. Na abertura para recebimento das propostas em 2010,
2.587 propostas foram recebidas, 1.051 foram aprovadas, correspondendo a uma área de
36.518,9428 ha e um pagamento anual de R$ 7.303.788,56. Já na abertura para
recebimento das propostas em 2011, 3.500 propostas foram recebidas, 1.953 foram
aprovadas, correspondendo a uma área de 62.458,8066 ha e um pagamento anual de R$
12.491.761,30. Após uma revisão final da documentação que compunham os processos,
chegou-se ao número de 984 beneficiários cadastrados em 2010, com área conservada de
34.699,9497 hectares e pagamento anual de R$ 6.939.989,94, e ao número de 1.717
beneficiários cadastrados em 2011, com área conservada de 56.916,7198 hectares e
pagamento anual de R$ 11.383.343,96. (IEF,2022)
Segundo o IEF, desde o início de sua implementação, o Bolsa Verde beneficiou
2.701 beneficiários, que se comprometeram a manter conservados 91.616,6695 hectares
de cobertura vegetal, envolvendo um pagamento total de R$ 91.616.669,50 nos 5 anos de
vigência do termo.46 (IEF, 2022)
Percebe-se que o Programa foi capaz de beneficiar diversas pessoas, tendo
envolvidos diversos agentes para este sucesso, tanto na fase de divulgação e cadastro, que

44
As áreas contempladas podem ser observadas na Infraestrutura de Dados Espaciais do Sisema IDE
Sisema por meio do link: https://idesisema.meioambiente.mg.gov.br/webgis - Camada Instrumentos e
Projetos Territoriais- Instrumentos Econômicos - Pagamento por Serviços Ambientais - Bolsa verde
45
E-mail para contato da servidora entrevistada, analista ambiental do IEF:
manuela.stein@meioambiente.mg.gov.br
46
Instituto Estadual de Florestas (MG), Bolsa verde: Lições Aprendidas. Belo Horizonte. 2022
Disponível em:
http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/2023/BOLSA_VERDE/Lições_Aprendidas_BOLSA_VERDE_-
_FINAL.pdf Acesso em: 01/04/2023

69
contou com a colaboração de parceiros para vencer a desconfiança inicial por parte dos
beneficiários . Para viabilizar a participação formal dos
parceiros, o IEF publicou a Portaria IEF nº 132 de 16 de julho de 2010, que estabelecia
critérios para formalização das parcerias por meio da celebração de Termos de
Cooperação Técnica.
Segundo informações o IEF, apesar da Lei nº 17.727/08 prever diversas fontes
financiadoras para o Programa, apenas os 10% do Fundo de Recuperação, Proteção e
Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais
(Fhidro) foram utilizados para pagamento do Programa. (IEF, 2022)
O Instituto levantou, ainda, que houve uma grande dificuldade em manter os
pagamentos em dia com os beneficiários cadastrados. Mesmo havendo outros recursos
previstos na norma como fonte pagadora, e um Fundo específico para repasse, houve
dependência quanto à descentralização financeira do órgão central, a Secretaria de Estado
da Fazenda, para sua utilização. (IEF, 2022)
Levanta-se a hipótese de ter havido contingenciamento de recursos ao longo da
execução do programa, alheio à vontade do IEF, que pode ter sido agravado pós
publicação do Decreto Estadual nº 46.289, de 31 de agosto de 2013, que estabeleceu
diretrizes para a contenção de despesas no âmbito das autarquias, podendo ter
possivelmente causado impactos no fluxo de pagamento do Bolsa Verde. Segundo o IEF,
o repasse financeiro para pagamento do Programa em 2014 foi mínimo, disponibilizado
para quitar restos a pagar inscritos em 2012, e nenhum recurso foi disponibilizado em
2015 e em 2016. (IEF, 2022)
Como consequência, observou-se que em 2022 ainda existe um passivo de
aproximadamente 25 milhões de reais com os beneficiários inscritos, o que compromete
a abertura de novos editais até que os débitos sejam devidamente regularizados. (IEF,
2022).
Uma alternativa interessante para aplicação em um próximo programa estadual, que
poderia reduzir os custos dispendidos pelo estado, é o estabelecimento de critérios de
priorização de áreas elegíveis para recebimento de recursos, podendo ser utilizadas
metodologias já implantadas, como o Mapa de Áreas Prioritárias para Conservação e

Biodiversidade e Ecossistemas de Minas Gerais .


47

47
Informação obtida diretamente com o IEF com a servidora entrevistada. O referido estudo está em fase
de validação interna para posterior disponibilização e publicização no site do instituto.

70
Outra metodologia de priorização que vale ser estudar, para verificar sua
compatibilidade com novos programas de PSA é a Metodologia Mineira de
Caracterização Socioeconômica e Ambiental de Sub-bacias Hidrográficas, denominada
Zoneamento Ambiental Produtivo (ZAP), instituída pelo Decreto Estadual nº
46.650/2014, que tem o objetivo de disponibilizar uma base de dados e informações para
subsidiar o aprimoramento da gestão ambiental por sub-bacia hidrográfica no estado.
Segundo informações do IEF, como o programa Bolsa Verde definiu um valor
único, de forma padronizada e pulverizada no estado, ele não foi capaz de refletir as
realidades regionais distintas e custos de oportunidades diversos do território mineiro, o
que aparentemente pode ter tornado o Programa atraente para algumas regiões e outras
não. (IEF, 2022)
Sendo assim, sugere-se que um novo Programa de serviços ecossistêmicos traga os
critérios mínimos de definição de métrica de valoração dos serviços ambientais que
devem ser fundamentados a cada caso, permitindo certa autonomia para escolha dos
melhores valores, em cada região.
Outra sugestão para se otimizar futuros programas públicos de PSA em Minas
Gerais é de se atrelar a outros programas estaduais ou nacionais, como exemplo o
Programa de Regularização Ambiental PRA, previso no Código Florestal, Lei Federal
nº 12.651, de 25 de maio de 2012, regulamentado em Minas Gerais por meio do Decreto
nº 48.127, em 26 de janeiro de 2021. Analisando a citada legislação vislumbra-se a
potencialidade de estabelecer parcerias nos programas, podendo-se incentivar PSA de
recuperação de áreas degradadas, e incentivando a produção de serviços ambientais na
regularização das propriedades rurais passiveis de adesão ao PRA.
Ou seja, há na conjugação destas políticas públicas uma boa oportunidade que o
poder público apoie pequenos proprietários/posseiros rurais na regularização ambiental
de suas propriedades, como por exemplo com o fornecimento de insumos e apoio técnico,
e realize PSA com a recuperação da área. Ainda, os pagamentos poderiam ser realizados
pelo fornecimento de insumos necessários e apoio técnico para o reflorestamento e
recuperação de APPs degradadas. (IEF, 2022)
Outro ponto que poderia representar melhoria em novos programas tange ao
monitoramento. Atualmente, existem tecnologias que permitem um monitoramento
geográfico eficiente de forma remota, com utilização de imagens de satélites. A utilização
de sistemas como o MapBiomas e a divulgação das áreas na Infraestrutura de Dados

71
Espaciais do Sisema IDE Sisema podem também auxiliar para uma maior publicidade,
transparência e efetividade de divulgação dos dados e resultados.
Segundo o IEF, um resultado interessante do Programa Bolsa Verde foi que, mesmo
com atraso de pagamentos, se observaram baixas taxas de intervenção, desistência ou
venda das propostas cadastradas. Até o final de 2022, o programa perdeu apenas
8.717,5872 hectares, o que corresponderia à 9,51% da área cadastrada. (IEF,2022)
Apesar da baixa evasão do Programa, acreditamos que o Poder Público deve se
precaver e ampliar o rol de fonte de recursos para um próximo programa de PSA estadual,
a fim de se evitar problemas nos pagamentos e desestímulos a adesões futuras.

4.1.7.2 Bolsa Reciclagem

O P
novembro de 2011, tendo sido regulamentado pelo Decreto nº 45.975, de 4 de junho de
2012 e pela Deliberação FEAM nº 1, de 19 de fevereiro de 2019.
A referida lei, em seu artigo 1º, prevê que o estado concederá
às cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis, sob a denominação

, papelão, cartonados,
plásticos, metais, vidros, ou outros resíduos pós consumo, conforme for definido por
regulamento .
O objetivo do programa é o de reintroduzir materiais recicláveis em processos
produtivos, coadunando com os princípios da economia circular e contribuindo com a
economia reversa, com vistas à redução da utilização de recursos naturais e insumos
energéticos, com inclusão social de catadores de materiais recicláveis. A finalidade de
minimizar o acúmulo do volume de rejeitos e pressão sobre o meio ambiente, coaduna
com as diretrizes da Política Estadual de Resíduos Sólidos, disciplinada pela Lei n 18.031,
de 12 de janeiro de 2009.
O benefício do Bolsa Reciclagem é concedido trimestralmente, na forma de auxílio
pecuniário, transferidos à cooperativa ou associação, sendo que 90%, no mínimo, devem
ser repassados aos catadores cooperados ou associados, admitida a utilização do restante
dos recursos em custeio de despesas administrativas, investimento em infraestrutura,
capacitação e formação de estoque de material reciclável.

72
Alice Libânia Dias (2022) ressaltou a importância do programa em sua tese de
doutorado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais, salientando que se tratou
do primeiro Programa de Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos voltado para a
gestão de resíduos sólidos no Brasil.
O decreto regulamentador do programa traz a previsão de uma diferenciação do
incentivo a catação de cada material reciclado, de acordo com o grau de relevância do
incentivo à segregação, o enfardamento e sua comercialização. Neste contexto, a
diferenciação de tratamento é desejável para incentivar a coleta de um determinado
material, tornando o mais atrativo que o outro.
Esta estratégia demonstra este PSA urbano. Isto pois, materiais
recicláveis possuem procura diferentes, por possuírem valores de mercado distintos. Por
exemplo, o índice de reciclagem de latas de alumínio no brasil é considerado alto48,
relacionado ao elevado valor deste resíduo. Ao criar incentivos para a catação de outros
produtos, o Bolsa Reciclagem agrega valor aos resíduos de menor valor, que
possivelmente seriam desprezados pelos catadores, reinserindo-os na cadeia da
reciclagem, preservando os recursos naturais que lhe dariam origem e diminuindo a
externalidade negativa que sua poluição geraria para o meio ambiente.
Segundo Ribeiro e Reis (2019, apud DIAS, 2022), o modelo escolhido para o PSA
Bolsa Reciclagem foi o de
categorização sugerida por Mota et al (2010), que permite considerar não apenas a

resíduos com menor preferência entre os catadores, seja por sua dificuldade operacional,
49

A forma de apuração contendo os referidos cálculos consta ANEXO do Decreto


Estadual nº 45.975, de 04 de junho de 2012. (MINAS GERAIS, 2012):

TRD = (Kpapel x Tpapel) + (Kplástico x Tplástico) + (Kmetal x Tmetal) +


(Kvidro x Tvidro) + ... + (KN x TN) (3.1)
Onde:
TRD = total dos recursos disponibilizados para cada trimestre (valor a ser
repassado);
Kpapel = coeficiente de grau de relevância de papel, papelão e cartonados.
Tpapel = quantidade de papel, papelão e cartonados segregados, enfardados e
comercializados
Kplástico = coeficiente de grau de relevância de plásticos

48
Informação disponível em https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2022/09/09/entenda-porque-a-
cadeia-do-aluminio-estampa-a-invejosa-marca-de-98percent.ghtml
49
DIAS, A. L. S. 2022. Ob. Cit. págs. 73.

73
Tplástico = quantidade de plásticos segregados, enfardados e comercializados
Kmetal = coeficiente de grau de relevância de metais
Tmetal = quantidade de metais segregados, preparados e comercializados
Kvidro = coeficiente de grau de relevância de vidros
Tvidro = quantidade de vidros segregados, preparados e comercializados
KN = coeficiente de grau de relevância de outros resíduos pós consumo
Tvidro = quantidade de outros resíduos pós consumo segregados, preparados e
comercializados.

definido pelo Comitê Gestor do Bolsa Reciclagem. Em sua pesquisa, Dias (2022)
esclarece que, em 2012, o então Comitê Gestor, estabeleceu e aprovou a metodologia para
proposição dos referidos coeficientes por tipo de material reciclável para composição da
fórmula de cálculo, a partir dos seguintes critérios:

I Incentivo para a catação: indicando a constatação de que os materiais de


fácil comercialização e de maior valor no mercado, por si só, já possuem
incentivo a serem recuperados da massa de resíduos. Assim, aqueles materiais
com pouco valor de mercado devem ser incentivados para que tenham, através
do Bolsa Reciclagem, um valor competitivo para a catação. Seus valores são

II Volume ocupado: Indicando a densidade ou peso específico do material


que implica inversamente no volume ocupado pela tonelada de resíduo. Isso
incentivará a coleta de resíduos que por apresentarem menor peso por metro
cúbico possam não ser coletados, uma vez que o Bolsa Reciclagem é calculado
de forma proporcional a tonelada de resíduo. Seus valores são números

III Impacto negativo ao ambiente: indicando aspectos negativos ambientais


conforme sua periculosidade e prazo de degradabilidade do resíduo no
ambiente. Seus valores são números inteiros, entre 1 e
50

Em seu trabalho, Dias (2022) também elucida que a metodologia utilizada no Bolsa
Reciclagem é acertada ao gerar um índice, um peso, proporcional ao incentivo a catação
de determinados materiais, ao volume ocupado e ao impacto negativo ao meio ambiente,
conforme disposto na Tabela 1:

Tabela 1 Pesos para cálculo do incentivo financeiro bolsa reciclagem citados por Dias 2022
Material Incentivo para Volume Impacto negativo Total Peso
catação ocupado ao meio ambiente
Papel 1 2 2 5 0,14706
Plástico 4 4 5 13 0,38235
Metal 2 1 3 6 0,17647
Vidro 5 3 2 10 0,29412

50
DIAS, A. L. S. 2022. Ob. Cit. págs. 73.

74
TOTAL 34 1
Fonte: Dias, 2022

A partir do cálculo dos pesos estabelecidos por tipo de material é então realizado o
cálculo dos coeficientes de cada tipo de material reciclável, que será posteriormente
utilizado na fórmula de cálculo do benefício:

Kpapel = 0,147 x Trd total (3.2)


Tonelada total de papel
Kplástico = 0,382 x Trd total (3.3)
Tonelada total de plástico
Kmetal = 0,177 x Trd total (3.4)
Tonelada total de metal
Kvidro = 0,294 x Trd total (3.5)
Tonelada total de vidro
Onde:

o material vidro coletado no período. Trd


total = o recurso financeiro total a ser repassado no trimestre O valor total
distribuído pela Bolsa Reciclagem para o Trimestre (Trdtotal) corresponde à
soma do valor distribuído à cada organização, ou seja:

(3.6)
Cada Organização participante do Bolsa Reciclagem terá o seu Trd calculado
da seguinte forma:

Alguns autores, como Barbosa et al. (2018) salientam que nem a lei que instituiu o
Bolsa Reciclagem, nem o decreto apresentaram claramente os fundamentos
metodológicos do esquema de pagamento pelos serviços ambientais prestados, visto que
não explicitam como estimar os coeficientes dos materiais coletados, que influenciam nos
valores totais dos recursos disponibilizados às associações e cooperativas
trimestralmente. Para os autores, há uma aleatoriedade nos quantitativos das variáveis
consideradas no Programa, sendo necessário que o pagamento seja condizente com a
adicionalidade gerada, com a provisão do serviço ambiental.
Entretanto, conforme esclarecido por Dias (2022) a metodologia foi proposta por
um Comitê Gestor que em geral tem participação de membros da SEMAD, da Fundação

75
Estadual do Meio Ambiente (FEAM), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG),
e por alguns representantes de cooperativas e associações de catadores. Sendo assim, tal
metodologia foi elaborada por equipes técnicas qualificada, resguardado os interesses da
coletividade pela participação do MPMG e das cooperativas e associações.
Buscando diferenciar o Bolsa Reciclagem de outros programas que incentivam a
catação, Barbosa et al. (2018) discorre sobre o Programa Goiânia Coleta Seletiva , do
município de Goiânia/GO, instituído pelo Decreto nº 754/2008.
No âmbito do referido Programa também há incentivo da inclusão dos catadores de
material reciclável reunidos em cooperativas e associações. Entretanto, não há um PSA
estabelecido, como no Programa Bolsa Reciclagem, sendo que no caso goiano se restringe
ao repasse de R$ 3.000,00 (três mil reais) por mês para cada cooperativa para fazer frente
às despesas operacionais, de investimento e cobrir custos. Neste sentido, os autores
esclarecem:
As cooperativas goianienses enfrentam muitos desafios, entre eles, destacam-
se os baixos preços dos resíduos comercializados pagos pelos grandes
intermediários, que geralmente fazem a intermediação entre as cooperativas e
a indústria da reciclagem. Todavia, conforme enfatizado, estas cooperativas
estão entre as mais eficientes do Brasil e continuam contribuindo para a gestão
adequando de RSU e, assim, gerando um conjunto de serviços ambientais.
(...)
Embora as transferências da prefeitura às cooperativas tenham relevância, esta
iniciativa não permite identificar esforços no sentido de propor um esquema
de pagamento por serviços ambientais alicerçado na teoria econômica
neoclássica. Assim sendo, não é possível afirmar que se tem um esquema que
se vise promover pagamentos por externalidades positivas geradas pelos
catadores.
O simples desembolso de recursos públicos para cooperativas de catadores,
sem relação alguma com a geração de serviços ambientais e sem considerar os
fundamentos de um instrumento econômico de política ambiental, não
representa um esquema de pagamento por serviços ambientais.51

Sendo assim, parece-nos importante reconhecer que no caso mineiro, ao contrário


do caso de Goiás, os pressupostos de existência de um esquema de PSA são de fácil
verificação, havendo uma contrapartida financeira proporcional ao serviço ambiental
prestado, que excede a função social do Programa.
Dutra e Minéu (2018) salientam que, de acordo com o Movimento Nacional dos
Catadores de Recicláveis (MNCR) a renda média dos catadores é baixa em comparação
com o valor real dos serviços prestados, e tal renda ainda sofre com a instabilidade dos
valores pelos materiais, frente às oscilações de mercado.

51
BARBOSA, C. J.; RIBEIRO, F. L.; QUEIROZ, A. M. de; SOUZA, E. S. de. Pagamento por serviços
ambientais e os catadores de material reciclável: oportunidades e desafios. Curitiba. CRV. 2018. Págs.
134- 135

76
Para que a cooperativa ou associação de catadores possam receber os valores por
seus serviços ambientais prestados no Programa Bolsa reciclagem, é necessário antes se
cadastrar, devendo apresentar trimestralmente notas fiscais ou outro comprovante de
venda discriminando o tipo de resíduo comercializado, o quantitativo em quilogramas
(kg) e o valor da venda em reais, além de documentos relativos à regularidade fiscal da
instituição.
As fontes orçamentárias elencadas para custear o programa, relacionadas no art. 6º
da Lei nº 19.823/2011, perfazem um rol não taxativo: I consignação na Lei
Orçamentária Anual e de créditos adicionais; II- doações, contribuições ou legados de
pessoas físicas e jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; III dotações
de recursos de outras origens.
A legislação do Programa estabelece uma série de exigências para o
credenciamento das associações ou cooperativas para receberem os recursos, dentre as
quais destacamos: estar legalmente constituída há mais de um ano; ter como cooperados
ou associados somente pessoas capazes e que estejam no efetivo exercício da atividade;
quando os cooperados ou associados tiverem filhos em idade escolar, devem comprovar
que estes estão regularmente matriculados e frequentes em instituição de ensino.
Percebe-se que as exigências da legislação também auxiliam a formalização e
organização administrativa das entidades, contribuindo com melhores condições de
trabalho, melhor autoestima e remuneração dos trabalhadores. (DUTRA, MINÉU, 2018)
Entretanto, indagamos neste ponto se tal burocracia pode dificultar ampla participação no
programa, visto que algumas associações carecem de capacitação técnica administrativa.
Algumas notícias veiculadas na internet52 noticiam que o governo de Minas Gerais
atrasou por algumas vezes o repasse de pagamento, assim como ocorreu com o Programa
Bolsa Verde. No mesmo sentido, entendemos que tal situação é grave, principalmente por
afetar parcela da população que já se encontra em estado de vulnerabilidade, sendo
importante que o Poder Público amplie as fontes de recursos utilizadas para o pagamento
dos serviços.
Conforme lições apontadas por Alice Libânia Dias:

52
https://www.redesolmg.org.br/2017/11/atraso-no-pagamento-da-bolsa-reciclagem.html ;
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/17/interna_gerais,1139771/governo-de-minas-
reconhece-que-tem-repasses-atrasados-com-catadores.shtml ;
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/16/interna_gerais,1139452/mp-pede-que-governo-
destine-r-6-milhoes-para-apoiar-catadores.shtml

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Pôde-se perceber que a forma de implementação do instrumento Bolsa
Reciclagem conjuga a realidade brasileira com a necessidade em se avançar
nas políticas públicas que favorecem a cadeia da reciclagem, em detrimento a
outras formas de destinação de resíduos como a incineração e disposição de
resíduos em aterros sanitários. Conforme destacou Mota et al (2010), este
instrumento de PSAU reconhece o papel ambiental dos catadores como
agentes ecológicos na redução das externalidades negativas urbanas associadas
aos resíduos.
Entretanto, considerando que a regulamentação do Bolsa Reciclagem impõe
que 90% dos recursos repassados às organizações de catadores de materiais
recicláveis sejam distribuídos entre os cooperados, percebe-se que o
instrumento não possibilita o investimento na própria cooperativa (ou
associação). Faz-se, portanto, necessário aprimoramento visando o
investimento na própria cooperativa (ou associação), o que poderia ser feito a
partir da criação de um fundo direcionado ao investimento na infraestrutura
das organizações; em seu capital de giro, com o objetivo de elevar a capacidade
de processamento dos materiais; a capitalização; e profissionalização das
organizações, como sugeriu Mota et al (2010).
Sugere-se ainda o fortalecimento das organizações de catadores por meio de
redes colaborativas locais que busquem soluções mais adequadas ao contexto
local. (...)
Considerando que o Bolsa Reciclagem já possui 8 anos de série histórica de
operação, tais valores poderiam ser obtidos pelo próprio histórico do
instrumento, adequando mais a realidade das organizações de catadores de
Minas Gerias. (...), considerando que um dos objetivos do instrumento é a
inserção social dos catadores de materiais recicláveis, há que se ter uma
abordagem específica para essas organizações que não conseguem, sequer,
acessar o Bolsa Reciclagem. Por fim, recomenda-se um aprimoramento na
forma de arranjo dos recursos para custear o instrumento Bolsa Reciclagem.
Tendo em vista os pressupostos de um PSAU baseados nos princípios do
poluidor/pagador, que no caso em tela está sendo tratado como toda a
sociedade, e diante das obrigações impostas aos fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, implicados na responsabilidade compartilhada
pelo ciclo de vida dos produtos comercializados em embalagens de plástico,
papel/papelão, metais e vidro, nos termos da PNRS, sugere-se que seja
avaliada a possibilidade da expansão do custeio do instrumento a partir da
alocação de recursos financeiros por esses agentes. Neste cenário, os recursos
provenientes dos atores responsáveis pela implementação da logística reversa
de embalagens em geral no Brasil, poderiam ser direcionados, tanto para o
investimento em infraestrutura, capitalização e profissionalização das
organizações de catadores, quanto para prestação dos serviços de recolhimento
e comercialização desses materiais.
(...)
Pode-se dizer que o instrumento Bolsa Reciclagem foi eficiente para correção
da falha de mercado verificada especialmente para o material vidro, uma vez
que no início da série dos dados analisadas, o valor pago pelo Bolsa
Reciclagem pela tonelada de vidro comercializado ficou muito acima do valor
de mercado deste material, que por si só não consegue refletir os benefícios
ambientais e sociais da reciclagem do vidro. Ao longo do período analisado, o
valor do repasse proporcional do Bolsa Reciclagem em relação ao valor
comercializado diminuiu devido ao ingresso de mais organizações de catadores
que passaram a comercializar o vidro, porém sem ter sido observado um
aumento no valor de mercado deste material. Resta, portanto, comprovada a
importância em se agregar receitas assessórias ao valor de comercialização de
materiais que possuem baixo valor de mercado, como o vidro, com o objetivo
de ampliar a reciclagem destes materiais, corrigindo-se a falha de mercado
existente.
Foi possível identificar que a forma de implementação do instrumento Bolsa
Reciclagem conjuga a realidade brasileira com a necessidade em se avançar
nas políticas públicas que favorecem a cadeia da reciclagem, em detrimento a

78
outras formas de destinação de resíduos como a incineração e disposição de
resíduos em aterros sanitários. Conforme destacou Mota et al (2010), este
instrumento de PSAU reconhece o papel ambiental dos catadores como
agentes ecológicos na redução das externalidades negativas urbanas associadas
aos resíduos. 53

Pelas lições apontadas, verifica-se a premente necessidade de se ampliar o rol de


recursos utilizados para os pagamentos realizados no Bolsa Reciclagem, para que os
pagamentos se tornem mais competitivos, visto que transcendem a questão ambiental e
adentram na garantia da qualidade de vida dos prestadores deste serviço, proporcionando
um bem-estar associado às comunidades.
Apesar dos atrasos e valores utilizados, percebe-se a enorme importância do
Programa Bolsa Reciclagem, tanto sob o aspecto do serviço ambiental urbano prestado,
quanto sob o aspecto social, devendo o programa ser garantido pelo estado de Minas
Gerais e replicado por outros entes da federação.

53
DIAS, A. L. S. 2022. Ob. Cit. págs. 74
.

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