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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS


PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE ESTRUTURAS

ANÁLISE NÃO-LINEAR DE ESTRUTURAS - NOTAS DE AULAS

Apresentação

Sergio Persival Baroncini Proença

Prof.Titular

São Carlos, fevereiro de 2012.


Análise não-linear de estruturas – Apresentação
Autor: Sergio P.B. Proença

A simulação teórica do comportamento dos sólidos e das estruturas tem


por base a formulação de modelos matemáticos e sua resolução em forma
analítica ou numérica. Os pilares mestres para a construção dessa modelagem
são a Mecânica do Contínuo e os Métodos Numéricos.
A Mecânica do Contínuo fornece os princípios gerais para a formulação
de modelos teóricos capazes de representar com maior ou menor rigor o
comportamento real, sempre se admitindo a hipótese fundamental de
continuidade do meio material. Os métodos numéricos, por sua vez, decorrem
do desenvolvimento de estratégias consistentes e eficientes de busca de solução
suficientemente aproximada dos modelos matemáticos formulados.
Grosso modo, o resultado da modelagem conduzida pode estar
representando um comportamento linear ou não-linear do sólido ou estrutura.
Esse comportamento pode ser identificado globalmente, por exemplo, por uma
curva de resposta força aplicada contra deslocamento de um ponto de interesse.
A resposta linear caracteriza-se, então, pela proporcionalidade direta entre força
e deslocamento (o gráfico correspondente é uma reta).
Tal tipo de resposta decorre de restrições ao modelo matemático impostas
sobre as condições de equilíbrio, compatibilidade entre deslocamentos e
deformações, relações constitutivas entre tensões e deformações e condições de
contorno (em forças e/ou deslocamentos). Assim, exprimir as condições de
equilíbrio tomando-se, como referência, a configuração inicial do sólido ou
estrutura implica em admitir que o conjunto de deslocamentos dos pontos do
sólido é pequeno (globalmente, fala-se em pequenos deslocamentos lineares e
rotações de seções ou direções de referência). De forma consistente com essa
hipótese, variações lineares e angulares associadas às deformações dos
elementos de volume do sólido podem também ser descritas adotando-se
Análise não-linear de estruturas – Apresentação
Autor: Sergio P.B. Proença

simplificações de natureza geométrica, como aquelas que permitem confundir


os ângulos com seus arcos e que determinam as variações de dimensões lineares
por projeções sobre a configuração inicial. Além dessas, admitir que a resposta
do material seja definida por uma relação de proporcionalidade entre tensões e
deformações, e que as condições de contorno sejam invariáveis durante o
processo de deformação, completa o conjunto de restrições suficientes para se
obter uma resposta estrutural linear.
Ao contrário, para que se manifeste o regime de comportamento não-
linear dos sólidos e estruturas basta que apenas uma das restrições ao regime
linear não se verifique. Portanto, para a manifestação daquele regime podem
contribuir, isoladamente ou simultaneamente, os efeitos da resposta do material,
das mudanças de geometria e das condições de contorno em força e/ou
deslocamento. Por exemplo, em relação às mudanças de geometria, consideram-
se aquelas proporcionadas por deslocamentos lineares e/ou angulares que
inviabilizam o emprego de simplificações globais de natureza geométrica, e/ou
que exigem a consideração de um regime de grandes deformações para a
descrição das variações de forma e de volume dos elementos do sólido.
É claro que, sob um ponto de vista geral, mais de um fator indutor do
comportamento não-linear pode ocorrer simultaneamente. Entretanto, em
primeiro lugar, por razões didáticas, neste texto cada um dos fatores será tratado
separadamente, sempre seguindo uma mesma metodologia que consiste em
admitir que os outros fatores verifiquem as restrições de linearidade. Assim, por
exemplo, na chamada não-linearidade geométrica pressupõe-se que a resposta
do material seja linear e que haja invariabilidade nas condições de contorno(*).

(*)
Entenda-se melhor: as condições de contorno não variam com os deslocamentos sofridos pelo meio.
Análise não-linear de estruturas – Apresentação
Autor: Sergio P.B. Proença

Outra justificativa para o tratamento em separado de cada fator de não-


linearidade está no fato que existem várias situações de interesse prático em que
claramente um deles prepondera sobre os outros e, portanto, uma análise
combinada mais complexa pode ser desprezada.
Observa-se que a abordagem dos casos de não-linearidade combinada não
pode ser feita por sobreposição de cada um dos efeitos considerados
separadamente. Entretanto, para os casos combinados estende-se o mesmo
tratamento dado aos casos independentes, tanto em relação à formulação em
forma fraca do modelo matemático (fundamentada no Princípio dos Trabalhos
Virtuais) quanto à sua resolução.
Neste ponto é importante destacar alguns aspectos conceituais
complementares associados a cada um dos fatores de não-linearidade quando
tratados independentemente.
Na chamada não-linearidade física, procura-se levar em conta a resposta
que certo meio possa apresentar para além dos limites do regime elástico-linear
idealizado. A depender do tipo de material, em tal nível de resposta podem, ou
não, aparecer deformações permanentes, com ou sem dependência do tempo.
Além disso, fisicamente podem ocorrer processos de microfissuração evolutiva
e, na seqüência, instabilidades de resposta material que se manifestam na forma
de regimes de deformações localizadas, ou de formação de descontinuidades
fortes. Tais processos físicos de dano e plastificação inicialmente difusos e
depois seguidos por plastificação concentrada ou fissuração discreta, também
podem ser modelados matematicamente, com maior ou menor precisão, à luz da
Mecânica do Contínuo.
As variações de geometria que ocorrem na estrutura carregada,
comparando-se a posição inicial com a equilibrada, podem implicar na
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Autor: Sergio P.B. Proença

necessidade de se formular a condição de equilíbrio considerando-se a sua


configuração deformada. Neste caso, relaxa-se a hipótese comumente adotada
de se confundir a posição equilibrada com a configuração inicial da estrutura e a
abordagem é dita não-linear geométrica. A descrição da geometria deslocada
pode exigir ou não a consideração dos regimes de grandes deslocamentos e
deformações.
De fato, cabe observar que grandes deslocamentos lineares ou, de modo
mais geral, grandes deformações, não são hipóteses que precisam ser assumidas
à partida para a descrição de um comportamento não-linear geométrico. Há
situações particulares, como as associadas às estruturas esbeltas abatidas, em
que mesmo com pequenos deslocamentos lineares e regimes de pequenas
deformações, as parcelas de rigidez adicionais movimentadas quando da
mudança de geometria, e que precisam ser levadas em conta para a conveniente
consideração dos fenômenos de instabilidade estrutural, decorrem somente da
correta descrição das rotações globais.
Já a não-linearidade do comportamento global decorrente de alterações
nas condições de contorno pode se manifestar durante o processo de
carregamento e deformação da estrutura e de duas maneiras, fundamentalmente.
Por um lado, vínculos inicialmente inexistentes podem passar a existir, ou
então, vínculos inicialmente existentes, que impõem restrição unilateral(*),
podem se tornar inativos: são os chamados problemas de contato. Por outro
lado, forças inicialmente prescritas, externamente aplicadas ao contorno, podem
ter sua ação alterada em função do processo de deformação do sólido ou
estrutura: são os chamados problemas não-conservativos em forças.

(*)
Vínculo unilateral opõe restrição ao deslocamento somente num sentido; o bilateral, mais usual, impõe nos
dois sentidos.
Análise não-linear de estruturas – Apresentação
Autor: Sergio P.B. Proença

Mesmo a partir dos comentários gerais até aqui feitos, facilmente se


conclui que o tema das não-linearidades constitui um âmbito de estudos e
investigação muito amplo e geral, o qual não pode ser contido num único curso
semestral. Assim sendo, cada um dos fatores de não-linearidade descritos será
apresentado dentro de limites conceituais e de aplicação compatíveis com as
limitações de tempo para um curso semestral (e conhecimento por parte do
autor, naturalmente!). Em comum a todos está a aplicação do Princípio dos
Trabalhos Virtuais (P.T.V.) para a apresentação do modelo matemático em
forma fraca do problema de valor de contorno correspondente.
Portanto, em conformidade com as limitações estabelecidas, no que se
refere à não-linearidade física, a abordagem descrita nestas notas é
essencialmente fenomenológica. Nessas condições, os modelos constitutivos, ou
as relações tensão-deformação, são formulados sem recorrer a uma análise mais
minuciosa dos fenômenos físicos que ocorrem na micro-estrutura e que são
responsáveis pela resposta não-linear macroscópica idealizada. Por uma questão
de limitação do conteúdo, apresentam-se com maior destaque as teorias
constitutivas que se aplicam aos materiais dúcteis, como a elasto
(visco)plasticidade. Entretanto, alguma menção é feita às teorias fundamentadas
nas Mecânicas do Dano e da Fratura, mais apropriadas para os meios quase-
frágeis ou frágeis.
A não-linearidade geométrica é apresentada no âmbito das pequenas
deformações, explorando-se consistentemente o Princípio dos Trabalhos
Virtuais para a descrição geral da condição de equilíbrio na posição deslocada.
Nesse sentido, conceituam-se, em particular, as chamadas descrições
lagrangiana total e atualizada do equilíbrio, destacando-se, oportunamente, as
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Autor: Sergio P.B. Proença

vantagens de uma ou outra possibilidade de descrição. Em relação às aplicações,


o texto se limita às estruturas de barras.
A não-linearidade de contato é apresentada somente para os problemas de
contato sem atrito e conservativos em forças. Coloca-se em destaque a
caracterização conceitual das condições de impenetrabilidade e de consistência,
bem como uma breve descrição das estratégias de sua verificação, construídas
com o recurso aos multiplicadores de Lagrange ou aos procedimentos de
penalização inseridos no P.T.V.
Para além dos aspectos de formulação dos modelos matemáticos,
abordam-se, com algum nível de detalhe, técnicas numéricas de resolução dos
problemas não-lineares de valor de contorno expressos em forma fraca. Nesse
particular, destacam-se os procedimentos incrementais e iterativos baseados no
Método de Newton, bem como sua associação ao Método dos Elementos
Finitos. A combinação desses procedimentos com algoritmos de integração no
tempo, portanto, no âmbito da Dinâmica Não-linear, é brevemente apresentada
para problemas unidimensionais.
Quando necessário as deduções são desenvolvidas empregando-se o
cálculo tensorial como ferramenta algébrica. Entretanto, é importante observar
que o detalhamento das operações algébricas que aparecem ao longo do texto
têm o sentido exclusivo de esclarecer a origem de determinadas expressões,
sendo sempre considerados como absolutamente prioritários em relação a ele os
aspectos conceituais.
Finalmente, observa-se que o conjunto de notas de aulas tem como
objetivo principal servir de diretriz aos estudos complementares dos alunos da
disciplina ‘Análise Não-linear de Estruturas’, oferecida no programa de pós-
graduação em Engenharia de Estruturas da EESC/USP. Como o texto foi
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Autor: Sergio P.B. Proença

elaborado a partir de síntese de consultas a diversas referências arroladas na


seqüência desta apresentação, o seu conteúdo é naturalmente incompleto.

A edição atual contém modificações e complementações em relação a


edições anteriores.

São Carlos, fevereiro de 2012.

O autor
Análise não-linear de estruturas – Apresentação
Autor: Sergio P.B. Proença

Bibliografia sugerida:

BATHE, K.J. Finite element procedures in engineering analysis. Prentice Hall,


1982.
BAZANT, Z.P., CEDOLIN, L. Stability of structures. Oxford University Press,
1991.
BELYTSCHKO, T., LIU, W.K., MORAN, B. Nonlinear finite elements for
continua and structures. John Wiley & Sons, Ltd., 2000.
BONET, J.B., WOOD, R.D. Nonlinear continuum mechanics for finite element
analysis. Cambridge University Press, 1997.
CRISFIELD, M.A. Non-linear finite element analysis of solids and structures.
New York, John Wiley&Sons, 1991. 2v.
HINTON, E. Introduction to nonlinear finite element. NAFEMS, Glasgow,
UK, 1993.
HUGHES, T.J.R. The finite element method: linear static and dynamic finite
element analysis. Prentice-Hall, 1987.
ODEN, J.T. Finite elements of non-linear continua. Dover Publications, New
York, 2006.
OWEN, D.R.J.; HINTON, E. Finite elements in plasticity: theory and practice.
Pineridge Press, 1980.
PROENÇA, S.P.B. Introdução aos Métodos Numéricos. São Carlos, EESC-
USP, 2009. (Notas de aula).
PROENÇA, S.P.B. Sobre modelos matemáticos do comportamento não-linear
do concreto: análise crítica e contribuições. São Carlos, 1988. Tese
(Doutorado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
REDDY, J.N. An introduction to nonlinear finite element analysis. Oxford
University Press, 2004.
SIMO, J.C., HUGHES, T.J.R. Computational inelasticity. Prentice-Hall, 1998.
SOUZA NETO, E.A., PERIC, D., OWEN, D.R.J. Computational Methods for
Plasticity: theory and applications. John Wiley & Sons Ltd., 2008.
WRIGGERS, P. Computational contact mechanics. Springer Verlag, 2006.
ZIENKIEWICZ, O.C., TAYLOR, R.L. The finite element method. McGraw-
Hill, 4.ed., vols.1,2, 1994.

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