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Design Social: A importância atual de Pierre Bourdieu e Victor

Papanek para quebras das estruturas sociais


Fernanda Galvão Sklovsky

“Desenvolvimento é o processo permanente de ampliação das


liberdades substantivas dos seres humanos.” Amartya Sen

Resumo

Este artigo explora o território do design sob a luz da responsabilidade social.


Mais especificamente, traz à reflexão a responsabilidade do designer como
indivíduo inserido em uma sociedade desigual e, da Academia, como a
estrutura educadora da nova geração de profissionais.

Utilizando-se de pesquisa exploratória e uma revisão das literaturas de dois


autores de campos distintos, porém complementares, Pierre Bourdieu e Victor
Papanek, consegue-se claramente interligar os conceitos do primeiro às idéias
do segundo, no intuito de apresentar o design como plataforma de ação que
possibilita a mudança social.

Palavras-chave: Design Social, Estrutura Social, Mecanismos de


Conservação,

INTRODUÇÃO

Viver no Antropoceno é assumir que a crise generalizada em que o planeta


terra e todos os seus habitantes, humanos e não humanos, se encontram hoje,
foi causada pelas próprias relações do homem com ele mesmo, com o outro e
com o planeta. A reflexão proposta neste artigo foi motivada pelo desconforto e
angústia de uma designer e pesquisadora em relação à sua própria atuação
profissional.
No meu caminhar acadêmico, tive a oportunidade de conhecer as filosofias e
teorias do Sociólogo e autor Pierre Bourdieu. Suas ideias e conceitos, que
explicam as Estruturas De Poder, são de uma clareza arrebatadora. Nelas
pude começar a esclarecer algumas das minhas inquietações, a partir do
momento em que, com ele, vi e compreendi o quanto o design tem contribuido
para a permanência de estruturas que impedem que a diminuição da extrema
desigualdade social existente aconteça.

O design é uma poderosa ferramenta que vem sendo usada de forma


excludente e com pouca contribuição ao ambiente social. O que denota um
subaproveitamento do que poderia ser na realidade um elemento propulsor em
termos de movimentos de maior inclusão, humanização e desenvolvimento
social. Na minha visão, o design hoje deveria assumir seu papel transformador
e se organizar em larga escala, para contribuir com o desenvolvimento humano
em termos da construção de valores éticos, virtudes e sabedoria, para a quebra
de paradigmas, e assim avançar em direção a um mundo mais humanizado,
justo, equilibrado e sustentável.

Os conceitos apresentados por Bourdieu sobre como a Estrutura Social é


formada, e como os agentes que a produzem ao mesmo tempo a legitimam e a
reproduzem, nos revelam muito sobre a sensação de que por mais que existam
diversos movimentos direcionados para a diminuição da extrema desigualdade
social, estas mudanças na prática não se solidificam na sociedade como um
todo.

Entendendo estas estruturas desvendadas pelo autor é possível refletir sobre


práticas e modos de fazer design que sejam genuinamente engajados e
eficientes na contribuição para a quebra destes paradigmas. O design poderia
ser usado como agente de transformação e quebra da estrutura de poder ao
invés de seguir contribuindo para a produção, legitimação e reprodução destas
estruturas ad eternum.

Outra contribuição do autor, que tem uma relação direta com ideias que
pretendo desenvolver na minha pesquisa, diz respeito aos Mecanismos De
Conservação Das Estruturas De Poder. Para Bourdieu, o Sistema De Ensino é
um dos principais mecanismos através dos quais as Estruturas De Poder se
perpetuam. Para a sociedade moderna, o sistema de ensino tem uma
influência muito grande na preservação das Estruturas De Poder.

Mais diretamente à área do design, correlacionando com as propostas do


sociólogo apresentado, trago a referência à Victor Papanek, arquiteto e
designer de extrema importância em caráter mundial. Suas ideias estão
atualmente mais confirmadas do que nunca: ele foi o primeiro designer a
criticar e denunciar as diversas consequências negativas que a atividade de
design estava gerando para a sociedade americana e o mundo. No prefácio da
primeira edição de seu livro, Design For The Real World, lançado em 1971, ele
diz:

Existem algumas profissões mais prejudiciais do que o design


industrial, mas apenas poucas. Possivelmente apenas uma profissão
é mais falsa, impostora. O design de publicidade, ao persuadir
pessoas à comprarem coisas que elas não precisam, com dinheiro
que elas não possuem, para impressionar pessoas que não se
importam com elas, é provavelmente o campo mais falso e impostor.
(tradução nossa)

Papanek coloca luz no debate sobre a responsabilidade do design e do


designer, e questiona sobre nossos deveres éticos e morais para com a
sociedade e o mundo. Até então, ninguém havia se posicionado desta forma
crítica no campo do design.

Bourdieu nasceu em 1930 e Papanek em 1923, logo contemporâneos.


Algumas semelhanças na história de vida de ambos autores chama a atenção
e será relacionada no texto. Bourdieu nasceu em uma família de camponeses
no interior da França e foi estudar em Paris, onde era visto como um forasteiro
e automaticamente discriminado pelos seus modos de ser, seus “habitus”,
termo cunhado pelo próprio autor anos mais tarde. O mesmo aconteceu com
Papanek, porém em outro contexto. Aos 15 anos, o jovem Victor, fugiu do
nazismo em Viena com sua mãe recém viúva, e migrou como refugiado para os
USA. Essas experiências marcaram a vida de ambos, fazendo com que
tivessem uma empatia natural com os socialmente excluídos e os que estão à
margem da sociedade, afetando os interesses de pesquisa e posições
ideológicas de ambos os autores.

Este artigo valida os aspectos da responsabilidade social na atividade do


design e como a mudança social pode ser promovida por meio dele. Espera-se
contribuir com os estudos acerca do design social trazendo-o do campo das
idéias, do abstrato, para gerar conceitos, projetos e aplicação efetiva.

1 PIERRE BOURDIEU: HISTÓRIA DE VIDA

Pierre Bourdieu é um dos maiores pensadores das ciências humanas do século


XX. Nasceu em 1930 em Béarn, uma área rural do sudoeste da França. Deixou
sua região por recomendação de um professor do ensino médio para seguir um
currículo acadêmico de elite em Paris. Formou-se em Filosofia, na renomada
École Normale Supérieure, então no ápice da vida acadêmica e intelectual
francesa.

A vocação de Bourdieu na filosofia mudou abruptamente para as ciências


sociais após a sua convocação para o exército francês, quando foi enviado
para a Argélia no auge da Guerra de Libertação (1956-1962), como punição a
seu comportamento rebelde. Lá, voltou-se para a investigação empírica,
realizando estudos etnográficos e estatísticos da transformação colonial, além
de absorver o estruturalismo de Claude Lévi-Strauss.

Ao retornar à França, completou sua conversão à sociologia e reuniu uma


equipe de pesquisa com foco no poder simbólico e na desigualdade social em
suas manifestações mais amplas. Após a década de 1970 Bourdieu abordou
um conjunto cada vez mais diversificado de tópicos empíricos abrangendo arte,
ritual, parentesco, religião, ciência, linguagem, classes sociais e instituições
políticas, entre outros, enquanto desenvolvia seu próprio paradigma, buscando
um caminho a oposição entre objetivismo estruturalista e subjetivismo
construtivista.

Aprimorou sua tríade conceitual distinta de habitus, capital e campo, e sua


pesquisa se expandiu para abranger o Estado, a dominação de gênero, os
fundamentos sociais da economia e a vivência do sofrimento social na
sociedade contemporânea.

Escritor prolixo, com mais de 30 obras publicadas, tornou-se uma figura pública
de liderança na mobilização global contra o neoliberalismo, enquanto seu
trabalho ganhou influência internacional nas ciências sociais e humanas.

2 OS CONCEITOS DE PIERRE BOURDIEU

Pierre Bourdieu tornou-se referência na Antropologia e na Sociologia com a


publicação de obras sobre educação, cultura, literatura, arte, mídia, linguística
e política. Suas reflexões transitavam em autores de diferentes correntes
teóricas, englobando desde as esferas de Max Weber até as classes de Karl
Marx.

Adotando a nomenclatura de construtivismo estruturalista ou de estruturalismo


construtivista, Bourdieu acreditava que existem estruturas objetivas no mundo
social que podem impelir os indivíduos a agir. No entanto, essas estruturas são
socialmente construídas. Sob outra perspectiva, Pierre Bourdieu rejeitava a
dicotomia subjetivismo/objetivismo nas ciências humanas, argumentando que
as relações sociais são dialéticas.

Uma das questões mais importantes levantadas no pensamento de Pierre


Bourdieu é a análise de como o indivíduo se incorpora na estrutura social, a
legitima e a reproduz.
O mundo social para ele é baseado em três conceitos: campo, habitus e
capital. O primeiro representa um espaço simbólico em que o confronto legitima
a representação. É o poder simbólico que categoriza os símbolos de acordo
com a presença ou ausência de códigos de valor. O conceito de habitus discute
a capacidade dos sentimentos, pensamentos e ações de um indivíduo, de se
encaixarem em uma determinada estrutura social. O capital, por outro lado,
representa a acumulação de poder que um indivíduo pode alcançar no campo
e é dividido nos subconceitos de capital social, capital cultural, capital
econômico e capital simbólico.

2.1 PODER SIMBÓLICO E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

O poder simbólico, para Bourdieu, é um poder oculto. Ao contrário do conceito


de poder que está diretamente relacionado ao Estado ou a algum aparelho de
repressão definido e reconhecido como tal. O poder simbólico é aquele que
não aparece, não se evidencia como um poder, não aparenta ser um meio
coercitivo. É uma força sobre a qual o indivíduo não tem consciência e/ou
percepção que está sendo dominado.

Em seu livro, O Poder Simbólico, no capítulo 1, Bourdieu define o poder


simbólico como “esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo
que o exercem” (BOURDIEU, 1989: 7).

No mesmo livro, Bourdieu apresenta a análise estrutural das formas simbólicas.


Em um exercício de dialética, ele elaborou duas sínteses. A primeira diz:

Os „sistemas simbólicos‟, como instrumentos de conhecimento e de


comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são
estruturados. O poder Simbólico é um poder de construção da
realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o
sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe
aquilo que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, „uma
concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa,
que torna possível a concordância entre as inteligências.
(BOURDIEU, 1989: 9)

Bourdieu quer demonstrar que uma estrutura só pode ser estruturante porque é
estruturada. Um bom exemplo é a mídia, que procura estruturar a sociedade
conforme sua própria estrutura, ou seja, quando ela transmite uma ideia à
sociedade, está estruturando e na grande maioria das vezes, de acordo com a
ideologia dominante, que consequentemente é a ideologia da classe
dominante.

Portanto a primeira síntese se traduz na compreensão que os sistemas


simbólicos exercem poder através de estruturas estruturantes estruturadas.

Em sua segunda síntese, Bourdieu argumenta que essas estruturas impõem


uma ideologia à classe dominada atuando como instrumentos de dominação: a
violência simbólica exercida pelo poder simbólico.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de


comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos
cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de
legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o
reforço da sua própria força às relações de força que as
fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber,
para a „domesticação dos dominados‟ (BOURDIEU, 1989: 11).

Os sistemas simbólicos atuam como meios de dominação. A ideologia é


comunicada à sociedade por meio da dominação simbólica, transmitida como
imparcial, ou seja, como se não fosse uma ideologia ou um instrumento de
dominação, quando na verdade é em benefício da classe produtora desta
ideologia, a classe dominante.

Esta classe não detém o poder simplesmente porque é “dona” do Estado ou


utiliza legitimamente a violência física (pela polícia, forças armadas, etc.), mas
também porque tem o monopólio da violência simbólica. A ideologia dominante
é tida como certa. Os dominados desconhecem que são vítimas de "violência
simbólica".

As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente


apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar
como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura
dominante contribui para a integração real da classe dominante
(assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus
membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração
fictícia da sociedade conjunto, portanto, à desmobilização (falsa
consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem
estabelecida por meio do estabelecimento das distinções
(hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. (BOURDIEU,
1989: 10)

Essa cultura dominante é tida por naturalizada pelos dominados através do que
Bourdieu chama de habitus.

2.2 HABITUS

Para Bourdieu, o habitus é a combinação das estruturas sociais em um


determinado indivíduo ou grupo. Este habitus é adquirido segundo a posição
social do indivíduo, com o campo em que está incorporado, permitindo que ele
se posicione sobre diversos aspectos da sociedade.

Isso é o que determina o gosto individual. Esse “gosto” por algo, como por
exemplo, um quadro, uma música, um livro, é percebido pelo indivíduo como
puramente pessoal, inteiramente subjetivo. No entanto, esse "gosto" é de fato
formado pelo habitus, é adquirido por um indivíduo pertencente a um
determinado campo, sem que este tenha consciência disso.

De acordo com Bourdieu, “o habitus é esse princípio gerador e unificador que


retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um
estilo de vida unívoco, isto é, em conjunto unívoco de escolhas, de bens, de
práticas.” (BOURDIEU, 1996: 21)
O habitus estabelece o vínculo entre a sociedade e o indivíduo, onde se unem
as condições objetivas e subjetivas. O habitus é adquirido cedo, primeiramente
dentro do âmbito da estrutura familiar, onde se reproduz as condições de
classe desta família.

A escola e a igreja também são estruturas onde o indivíduo adquire habitus


específicos, que ditarão seu lugar no mundo e o modo de vê-lo. O habitus
contudo não é imutável, podendo ser alterado a partir de novas experiências
obtidas pelo sujeito.

O habitus também é um meio de reprodução da existência das classes,


segundo o próprio Bourdieu,

Estrutura estruturante que organiza as práticas e a percepção das


práticas, o habitus é também estrutura estruturada: o princípio de
divisão em classes lógicas que organiza a percepção do mundo
social é, por sua vez, o produto da incorporação da divisão em
classes sociais. (BOURDIEU, 2007: 196)

Face ao conceito de habitus, Bourdieu faz uma crítica ao estruturalismo que


não leva em consideração certa autonomia dos agentes envolvidos.

Segundo o conceito de Bourdieu, os campos são estruturas próprias e com


lógicas próprias, comparáveis à um jogo em que o índivíduo está inserido
conhecendo as regras do mesmo, reconhecendo que vale a pena ser jogado e
que o é interessante, porque o jogador está estruturado a reconhecê-lo como
tal, através de estruturas que são externas a ele, o seu habitus adquirido.
Então, o habitus serve como um conceito restaurador do papel do indivíduo na
história.

2.3 CAMPO
Parafraseando Bourdieu, os campos seriam “microcosmos relativamente
autônomos.” (BOURDIEU, 2004: 18)

Com a noção de Campo, Bordieu queria fugir dos dois tipos recorrentes de
explicações: as internalistas, que defendem, por exemplo, que para se
entender um texto ou um livro bastaria lê-los ou que para se enteder um quadro
bastaria conhecer os aspectos expressos na própria arte; e as externalistas,
que afirmam que para se entender uma obra literária ou uma obra de arte faz-
se necessário conhecer os aspectos externos, o meio em que foi produzido, a
classe social do autor e os aspectos econômicos que influenciaram sua
produção.

O conceito de campo surge como um contraponto entre esses dois polos. São
os “campos literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual
estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou
difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social
como os outros, mas obedece a leis próprias” (BOURDIEU, 2004: 20).

Em cada campo está em jogo um capital específico, um capital que só faz


sentido para quem está no jogo, quem conhece as regras, para quem tem um
habitus ajustado a esse campo.

Cada campo impõe um preço de entrada tácito: „Que não entre aqui
quem não for geômetra‟, isto é, que ninguém entre aqui se não estiver
pronto a morrer por um teorema. Se tivesse de resumir por meio de
uma imagem tudo o que acabo de dizer sobre a noção de campo e
sobre a illusio, que é tanto condição quanto produto do
funcionamento do campo, evocaria uma escultura que se encontra na
catedral de Auch, em Gers, sob os assentos do capítulo, e que
representa dois monges lutando pelo bastão de prior. Em um mundo
como o universo religioso, e sobretudo o universo monástico, que é o
lugar por excelência do Ausserweltlich, do supramundano, do
desinteresse no sentido ingênuo do termo, encontramos pessoas que
lutam por um bastão que só tem valor para quem está no jogo, preso
ao jogo. (BOURDIEU, 1996: 141)
O grau de autonomia em um campo está relacionado à sua capacidade de
refratar, em outras palavras, a capacidade do campo retraduzir de forma
específica as pressões ou as demandas externas (BOURDIEU, 2004: 22). E
quando os fatores externos, como econômicos e políticos, transparecem dentro
de um campo, e onde os interesses do campo estão ligados a interesses
externos, é onde o campo é mais dependente.

2.4 CAPITAL

Bourdieu entende o capital não somente como capital financeiro. É um capital


simbólico, que tem valor em um determinado campo, e é um ganho para quem
faz parte deste, podendo ser convertido ou não em capital econômico. É um
capital acumulado por um indivíduo, não sendo necessariamente um capital
financeiro. O capital simbólico pode ser um capital social cultural, intelectual,
etc.

Bourdieu definiu o conceito de capital social como “o conjunto de recursos


atuais e potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações
mais ou menos institucionalizadas de inter conhecimento e inter
reconhecimento” (MATOS, 2009, p. 35).

O capital social são os contatos adquiridos, as pessoas que conhecem e que


reconhecem o indivíduo como importante no jogo. Contatos estes que podem
ser revertidos, ou que podem ajudar a adquirir outro tipo de capital simbólico.

O capital cultural está ligado à cultura que o indivíduo possui, e serve


principalmente para distinguir sua origem social: se o indivíduo possui o capital
da cultura erudita ou da cultura das classes sociais. Serve como meio de
distinção para o indivíduo ser classificado perante a sociedade.

Capital cultural, nas palavras de Bourdieu, pode ser assim definido:


[…] conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de inter conhecimento e de inter reconhecimento
ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de
agentes que não somente são dotados de propriedades comuns
(passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por
eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e
úteis (BOURDIEU, 1998, p. 28).

O capital intelectual está ligado ao conhecimento que cada um possui. E esse


conhecimento pode ser adquirido por estudos próprios ou por meios
institucionais, que são as escolas, faculdades, cursos. É um ritual social, onde
o indivíduo demonstra para a sociedade por meios institucionais que é apto
para realizar determinada tarefa. Bourdieu chama isso de “rito de investidura.”
(BOURDIEU, 2001: 298)

O capital simbólico faz com que os outros reconheçam o indivíduo como


importante, como bom jogador. Em seu livro Razões Pascalinas, Bourdieu
afirma que todo o tipo de capital funciona como capital simbólico, sendo este
um bem pessoal e subjetivo, mas apenas existindo pelo reconhecimento que o
outro dá a ele, pelo valor social que ele tem, seja este institucionalizado ou não.
É esse capital que “nos livra da insignificância, como ausência de importância e
de sentido” (BOURDIEU, 2001: 296). O grau de autonomia que o sujeito tem
em relação ao campo depende de quais e em que quantidade os possui.

3 VICTOR PAPANEK E O DESIGN SOCIAL

Victor Josef Papanek nasceu em Viena, na Austria, em 1923. Um dos mais


importantes designers da história, tornou-se um forte defensor do design social
e ecologicamente responsável.

Aos 15 anos de idade foi obrigado a fugir do nazismo que se instalava em


Viena. Junto com sua mãe, recém viúva (Papanek perdeu seu pai na guerra)
emigraram como refugiados nos Estados Unidos. Ao visitarmos sua biografia é
possível perceber a influência que o trauma de suas vivências excerceu nos
seus interesses de atuação no design, com foco na desigualdade social e em
populações marginalizadas. O jovem Papanek se viu “arrancado” de uma vida
confortável e segura em Viena para se tornar um refugiado, vivendo em uma
simples comunidade de judeus da classe trabalhadora de Manhatan, Nova
Iorque. A sua entrada em uma metrópole como Nova Iorque e sua nova
identidade como um refugiado judeu, como ele era descrito nos papéis de
imigração, fez com que ele estivesse no lugar e passase a enxergar o mundo a
partir da perspectiva dos excluidos e marginalizados.

Victor Papanek defendia a ideia que o designer tem o dever de melhorar a


qualidade de vida do homem. Para ele o status e glamour alcançados pelo
design até então, ofuscava as suas potencialidades, sua essência, colocando
em segundo plano o sentido de projetos para a melhora das reais
necessidades humanas.

“Designers ativos que somos, sabemos hoje que fazer


unicamente aquilo que nos pedem - ou seja, obedecer ao
cliente sem debater as questões morais e éticas inerentes ao
que criamos - é a recusa última das responsabilidades do ser
humano” (PAPANEK, 1993. p. 227)

"Design for the Real World", publicado originalmente em 1971 e traduzido para
mais de 24 idiomas, teve um impacto internacional imediato, sendo
considerado, até hoje, o livro best seller de design no mundo. É uma
abordagem que traz consigo o embrião do design social, sendo encarado como
um manifesto:

Existem algumas profissões mais prejudiciais do que o design


industrial, mas apenas poucas. Possivelmente apenas uma profissão é mais
falsa, impostora. O design de publicidade, ao persuadir pessoas à comprarem
coisas que elas não precisam, com dinheiro que elas não possuem, para
impressionar pessoas que não se importam com elas, é provavelmente o
campo mais falso e impostor. (PAPANEK, 1985, p. ix)
O livro foi um claro chamado para uma nova geração de designers começar a
se engajar com questões éticas e sociais, ao invés de usar seu pontencial
criativo e projetual na criação de milhares de produtos dispensáveis e que
apenas contribuem para a manutenção do modo consumista capitalista e
insustentável que o mundo se encontra, ainda assim, até hoje. No final da
década de 60 e início da década de 70, o paradigma de que o design voltava-
se para o mercado, o consumo e a obsolescência planejada, foi quebradado e
novos projetos desenvolviam um design ecológico e social. Papanek também
incentivava aos designers conhecerem outras culturas e países, sobretudo os
subdesenvolvidos, para aperfeiçoarem os produtos a fim de realmente
satisfazerem as necessidades locais.

Na época, iniciou-se um movimento dualista, por um lado havia a massificação


do consumo, o uso de novos materiais sintéticos e, por outro, uma rejeição
ampla do consumismo moderno, através de estilos de vida alternativos e o
surgimento de grupos ambientalistas como WWF, Friends of the Earth,
Greenpeace. No entando, foi a partir da crise do petróleo que apareceram
pesquisas por fontes de energia alternativas, buscando educar e conscientizar
o consumidor sobre a importancia da cultura ambiental, além de clamarem aos
fabricantes o desenvolvimento de novos produtos e processos que não fossem
prejudiciais ao meio-ambiente.

Para o autor, o Design era uma ferramenta politica que deveria ser usada longe
das grandes corporações e devolvida para as mãos das pessoas. Suas ideias
permanecem atuais meio século após escritas. Trazendo para o debate as
práticas elitistas e excludentes praticadas pelos designers, ele promoveu uma
abertura para outras vertentes do design, preocupadas com o bem estar das
minorias, das comunidades e de toda população menos privilegiada, com
responsabilidade social e ecológica. A partir destas ideias nasceram diversas
vertentes do design voltadas para o social.

Victor Papanek foi pioneiro também na questão ambiental e em 1995 publicou


“Green Imperative”, um livro que instiga o designer ao questionamento: “qual o
impacto ambiental e social do meu trabalho?”. Para Papanek o designer é
diretamente responsável pelo impacto ambiental dos produtos projetados.

O autor diz que nesta era de produção em massa, onde tudo é planejado e
projetado, o design se tornou a mais poderosa ferramenta com a qual o homem
constrói suas próprias ferramentas e seu ambiente, e por extensão constrói a si
mesmo.

CONCLUSÃO

Ao revisitarmos os conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu a partir da


perspectiva do design, é possível vislumbrarmos novos caminhos a serem
percorridos por nós, designers genuinamente engajados na transformação da
sociedade global contemporânea. O entendimento das estrutuas sociais e
mecanismos de poder nos fornecem pistas e ferramentas para criarmos
estratégias e avançarmos rumo à um cenário onde uma possível diminuição da
extrema desigualdade social possa se tornar realidade. Porém, este futuro
desejável, só será possível através da educação e do sistema de ensino, na
formação dos novos designers e na transformação dos já atuantes,
comprometidos a partir de então com estes princípios e valores.

Papanek, em seu chamado feito há mais de meio século, já anunciava que


estavamos míopes há muito tempo. Já era hora de o design utilizar os
conhecimentos adquiridos para o desenvolvimento de produtos e serviços com
outros propósitos, com foco mais relevante para a sociedade: problemas de
saúde pública, educação, transportes, preservação da natureza e tantas outras.

Para Ricardo Abramovay, a melhor definição de desenvolvimento foi dada


pelo filósofo e economista prêmio Nobel de economia de 1988, Amartya Sen
que diz que “desenvolvimento é o processo permanente de ampliação das
liberdades substantivas dos seres humanos.”
Bourdieu nos propicia uma série de questões que podem servir como
elementos indispensáveis para a construção de indicativos novos para a
compreensão da realidade social e para a produção do conhecimento crítico,
para que se possa entender e tentar mudar as estruturas estruturantes
estruturadas. Por outro lado, Papanek convoca a uma mudança, a
conscientização da responsabilidade social e ambiental no universo do
design, que nada mais é que a tentativa de quebra dessas estruturas, o
rompimento com o poder simbólico.

Hoje existem diversas vertentes de atuação social dentro do Design, assim


como cresce o número de designers genuinamente engajados e cientes de
sua responsabilidade ética. Em vários discursos nota-se a esperança de uma
alternativa para o Design, uma nova cultura de produtos e possibilidades nas
economias planificadas. Vislumbra-se uma sociedade que poderia
desenvolver uma outra cultura material dentro de um mundo de consumo,
porém não de consumismo. É necessário analisar, revisitar e refletir sobre os
conceitos básicos da convivência do ser humano para então projetar a partir
desta visão.

A apresentação dos aspectos da teoria social de Pierre Bourdieu sobre a


escola não ser uma instituição neutra, pois ela contribui para produzir e
reproduzir as estruturas sociais, nos convida à necessidade de repensar a
função e o funcionamento do sistema de ensino sob o ponto de vista crítico,
para além da reprodução, ou seja, encontrar elementos para ampliar o capital
cultural dos indivíduos e fomentar um novo habitus.

Além disso, o consumo desenfreado, fomentado pelo excesso de produtos


que inunda os mercados mundiais agregado à mídia que fomenta esse
consumismo, inevitavelmente nos direciona a uma análise crítica à sociedade
de consumo. Porém, esta é uma relfexão para um próximo artigo.

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REFERÊNCIAS

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de Pierre Bourdieu. Blog Café com Sociologia. jan. 2010. Disponível
em:< https://cafecomsociologia.com/importancia-do-capital-cultural/> Acessado
em 30 de janeiro de 2022.

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2007.
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___________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989.

___________. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo


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FARRAN, Michele Queiroz; FRANÇA, Ana Paula. “Design gráfico e


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contemporâneo no Brasil”. P. 5593-5594 In: Anais do 12º Congresso Brasileiro
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ISSN 2178-244X, nº 7, Jan./Jun., 2014, p. 139-151.

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