Jacqueline O. Moreira - 22247

TRAJETÓRIAS ADOLESCENTES
contribuições da Psicanálise e Sociologia
ADOLESCENT TRAJECTORIES
contributions from Psychoanalysis and Sociology
Andréa Maris Campos Guerra

Bráulio Figueiredo Alves da Silva
Frederico Couto Marinho
Jacqueline de Oliveira Moreira
Marcelo Ricardo Pereira
Organizadores/Organizers
Jacqueline O. Moreira - 22247.indd 1 04/08/2020 09:00:06

(Organizadores)
TRAJETÓRIAS ADOLESCENTES:
contribuições da psicanálise e sociologia
ADOLESCENT TRAJECTORIES:
contributions from Psychoanalysis
and Sociology
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2020

Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV
Imagens de Capa: sakkmesterke/Shutterstock
Tradução: introdução: Rodrigo Goes e Lima; capítulo 3:
Gabriel Lima Souza Queiroz Teixeira; capítulo 5: Rodrigo Goes e Lima,
Juliana Morganti; demais capítulos: Pedro Madeira Rincon
Revisão: Analista de Línguas CRV
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária Responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
T768
Trajetórias adolescentes: contribuições da psicanálise e sociologia – Adolescent trajectories:

contributions from Psychoanalysis and Sociology / Andréa Maris Campos Guerra, Bráulio
Figueiredo Alves da Silva, Frederico Couto Marinho, Jacqueline de Oliveira Moreira, Marcelo
Ricardo Pereira (organizadores) – Curitiba : CRV, 2020.
348 p.
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-5578-273-8
ISBN Físico 978-65-5578-274-5
DOI 10.24824/978655578274.5
1. Psicanálise 2. Adolescentes I. Guerra, Andréa Maris Campos. org. II. Silva, Bráulio
Figueiredo Alves da. org. III. Marinho, Frederico Couto. org. IV. Moreira, Jacqueline de
Oliveira. org. V. Pereira, Marcelo Ricardo. org. VI. Adolescent trajectories: contributions from
Psychoanalysis and Sociology VII. Série.
CDU 159.964-2 CDD 150.1952

Índice para catálogo sistemático
1. Psicanálise – adolescentes 150.1952
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2020
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) André Luis de Carvalho (UFRRJ)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Angelo Aparecido Priori (UEM)
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Três de Febrero – Argentina) (Universitat de Barcelona, UB, Espanha)
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Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO�� 11
PRESENTATION�� 13
CAPÍTULO 1
JUVENTUDE E VIOLÊNCIAS NO BRASIL:
breve contextualização�� 15
Gabriela Gomes Cardoso
Camila Anunciação Matos
CHAPTER 1
YOUTH AND VIOLENCE IN BRAZIL:
a brief contextualization�� 31
CAPÍTULO 2
SOBRE A METODOLOGIA TRANSDISCIPLINAR EM NARRATIVAS
E TRAJETÓRIAS DE ADOLESCENTES AUTORES
DE ATO INFRACIONAL�� 47
Andrea Máris Campos Guerra
Amanda Lessa Malta
Bianca Ferreira Rocha
Cláudia Serra Wermelinger Silva
CHAPTER 2
ON TRANSDISCIPLINARY METHODOLOGY IN NARRATIVES
AND TRAJECTORIES OF ADOLESCENTS
WHO COMMITTED INFRACTIONS�� 67
Amanda Lessa Malta

CAPÍTULO 3
MAPAS, METODOLOGIA E A PESQUISA TRAJETÓRIA
E NARRATIVA�� 87
Lucas Caetano Pereira de Oliveira
Christiane Odete de Matozinho Cardoso
Camila Luiza de Sena
CHAPTER 3
MAPS, METHODOLOGY AND THE NARRATIVE
AND TRAJECTORY RESEARCH��111
CAPÍTULO 4
A ENTRADA NO CRIME NÃO É CASUAL: o delito adolescente�� 133
Ramón Eduardo Lara Mogollon
CHAPTER 4
ENTRY INTO CRIME IS NOT CASUAL: teen offense�� 149
CAPÍTULO 5
A DESISTÊNCIA COMO PROCESSO: contribuições das
narrativas memorialísticas para se pensar o desenlace
de jovens com a criminalidade�� 165
Juliana Morganti
Rodrigo Goes e Lima
Ana Luiza Xavier Lelles
Mara Alice Avelar Saraiva Horta
CHAPTER 5
DESISTANCE AS A PROCESS: contributions of the narrative memoirs
to the understanding of desistance from crime by brazilian adolescents�� 179
Juliana Morganti
Rodrigo Goes e Lima

CAPÍTULO 6
“MAS... AQUI MINHA VIDA É ESSA MESMO”:
o caso H e a permanência na criminalidade�� 191
Ana Carolina Dias Silva
Júlia Dainez da Costa
CHAPTER 6
“SAY... THIS IS REALLY MY LIFE”: The H. case
and the permanence in criminality�� 209
CAPÍTULO 7
A POSIÇÃO FEMININA E O SEU (NÃO) ENVOLVIMENTO COM A
CRIMINALIDADE: o caso de Lilith�� 227
Bianca Ferreira Rodrigues
Maria Luiza Margotti dos Santos
Guilherme Henrique Rodrigues
CHAPTER 7
THE FEMALE POSITION AND THEIR (NON) INVOLVEMENT
WITH CRIME: Lilith’s case�� 243
CAPÍTULO 8
TRAJETÓRIAS SOCIAIS E IMPLICAÇÕES INCONSCIENTES:
escutando mães de jovens infratores�� 259
Ana Cláudia Castello Branco Rena
Camila Gabriel Meireles Amorim
Fernando Luiz Salgado da Silva
CHAPTER 8
SOCIAL TRAJECTORIES AND UNCONSCIOUS IMPLICATIONS:
listening to mothers of young offenders�� 281

CONCLUSÃO�� 303
CONCLUSION�� 315
Braulio Figueiredo Alves da Silva
ÍNDICE REMISSIVO�� 327
INDEX�� 331
SOBRE OS AUTORES�� 335
ABOUT THE AUTHORS�� 341

APRESENTAÇÃO
Os índices de genocídio da população negra de homens jovens, somados à
criminalização da raça, produzem o encarceramento seletivo brasileiro iniciado
já no cumprimento por adolescentes de medidas socioeducativas. Esses dados
exigem investigação e construção de resposta pública. O presente livro condensa
um percurso de pesquisas do grupo “Curso de Vida e Trajetória Delinquencial:
um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vul-
nerabilidade social”. O grupo é integrante do Programa Grupo de Pesquisa do
Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da Universidade Federal de
Minas Gerais (IEAT/UFMG), e no período de 2017 a 2019 pôs em marcha um
projeto em parceria entre o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública (CRISP – UFMG), o Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Laço Social no
Contemporâneo (PSILACS – UFMG), o Programa de Pós-Graduação em Psico-
logia da PUC Minas e o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG.
O objetivo do projeto foi conduzir um estudo exploratório dos eventos que
possam explicar a entrada, a permanência e/ou não permanência e a desistência
e/ou não desistência de adolescentes em situação de trajetória infracional. O livro
apresenta uma discussão inovadora, no contexto brasileiro, que se refere à articula-
ção entre a categoria de trajetória delinquencial da Sociologia e a proposta de Nar-
rativas Memorialísticas da Psicanálise. Assim, oferecemos reflexões conceituais
e metodológicas sobre o tema dos adolescentes envolvido com a criminalidade.
Optamos por organizar um livro bilíngue no sentido de ampliar o horizonte de
discussão sobre o tema do adolescente brasileiro que responde por ato infracional.
Suas principais contribuições teóricas são: a apresentação de um modelo
explicativo transdisciplinar (Sociologia, Psicanálise, Educação e Saber Popu-
lar) para identificar eventos e pontos de virada em diferentes trajetórias, a
partir de narrativas que singularizam a experiência coletiva, dotando-a de valor
significativo. E sinaliza a precocidade, a importância da migração interna nas
periferias e a lógica processual das famílias quanto à criminalidade. Meto-
dologicamente, permitiu a integração de dados quanti e qualitativos, com a
identificação dos eventos que exercem força que influencia direção e sentido,
capaz de modular o desenrolar diacrônico da narrativa e da história de vida.
Conjuga, assim, curso de vida, inscrição psíquica e sua representação parcial
a partir da linguagem, inaugurando modelo inédito.
Esperamos que esse livro possa abarcar diversos setores de produção
acadêmica de conhecimento científico – nacional e internacionalmente –,
agentes das políticas públicas que abarcam juventudes em situação de vul-
nerabilidades, bem como diversos/as interessados/as na temática, colocando
em cena a transdisciplinaridade proposta pela pesquisa.

PRESENTATION
The statistics related to the genocide of the young, black and male popu-
lation in Brazil, combined with the criminalization of race in the country,
produce the mass incarceration of a discriminated cohort of the Brazilian
society, in a process that begins early, with the juvenile justice system. The
data associated with this situation requires proper investigation as well as
the elaboration of a public response that addresses the issue. This book is
a report of the research activity developed by the group “Life course and
criminal trajectory: an exploratory study of the events and narratives of youth
under socially vulnerable situations”. The group, which is part of the Institute
of Advanced Transdisciplinary Studies” of the Federal University of Minas
Gerais (IEAT/UFMG), conducted, between 2017 and 2019, a research project
in partnership with the Center for the Studies of Criminality and Public Safety
(CRISP-UFMG), the Nucleus Psychoanalysis and Social Bond in the Con-
temporary (PSILACS), the Graduate Program in Psychology of PUC-Minas
and the Graduate Program in Education of UFMG.
The goal of the project was to develop an exploratory study of the events
that may explain the onset of the involvement, the permanence and the desis-
tance (or the lack thereof) of adolescents in relation to criminal activities. This
book presents an innovative discussion in the Brazilian context through the
articulation of the sociological category of criminal trajectory and the psycho-
analytic conceptual proposal of the Narrative Memoir. Thus, we offer theoreti-
cal and methodological insights concerning the issue of juvenile offending.
The decision to bring together a bilingual edition intended to amplify the
horizon of discussion that concerns the theme of the Brazilian youth involved
with the criminal justice system.
The main theoretical contribution here proposed is the introduction of a
transdisciplinary framework (encompassing Sociology, Psychoanalysis, Edu-
cation and “folk knowledge”) that allows for the identification of events and
turning points in different adolescent trajectories, through the use of narratives
that singularize the collective experience, imbuing it with significative value.
Our investigation also highlights factors such as precocity, the importance of
internal migration within peripheral communities, and the processual logic
adopted by families vis-à-vis criminality. Methodologically, it allowed for the
integration of quantitative and qualitative data, through the identification of
events that influence meaning and direction of the diachronic development
of the narrative and of life history. The methodology, thus, inaugurates a

14
groundbreaking model that combines life course, psychical inscription and

its partial representation through language.
We hope that this book may be relevant to a number of areas of academic
production and scientific knowledge – nationally and internationally –, to
public policy workers who deal with socially vulnerable youth populations,
as well as to others who share an interest in this theme, bringing to life the
transdisciplinary proposal of this research.

CAPÍTULO 1
JUVENTUDE E VIOLÊNCIAS NO
BRASIL: breve contextualização
1. Juventude e violências como problema social e público
As últimas três décadas assistiram um crescimento dramático dos crimes

violentos e da violência estatal no Brasil (HRW, 2009; UNODC, 2013; IPEA;
FBSP, 2019).
Temos nos destacado como um dos mais violentos países na América
Latina, que por sua vez é das mais violentas regiões do mundo (UN, 2018).
Algumas de nossas cidades posicionam-se no topo das zonas mais vulneráveis
à violência letal.
A complexidade das violências nos territórios urbanos do país é demons-
trada pela magnitude dos registros de homicídio, de tentativa de homicídio,
do impacto das drogas ilegais, da letalidade policial e do encarceramento em
massa de jovens e adolescentes.
Em termos gerais, os fenômenos mais estreitamente associados a mag-
nitude dos crimes violentos e a repressão estatal são: a juventude e a segre-
gação urbana. A rigor, podemos dizer que os autores e as vítimas dos crimes
violentos e da política securitária estatal (letalidade policial e encarceramento
maciço) são jovens e adolescentes confinados em territórios urbanos segre-
gados das cidades brasileiras. Estes territórios concentram um conjunto de
desvantagens sociais, econômicas, de moradia, educacional e de acesso aos
equipamentos públicos.
No Brasil, entre 1979 e 2017, foram registrados 1.467.780 (um milhão
quatrocentos e sessenta e sete mil e setecentos e oitenta) homicídios. Isto
significou um crescimento de três vezes na taxa de homicídios por cem mil
habitantes, de 10 (1979) para 30 em 2016. Em 2016, foram registrados 65.602
homicídios, o que equivale a 5.466 homicídios por mês e 182 homicídios
por dia. O impacto dos homicídios na população brasileira é ainda maior em

16
função da combinação do viés de gênero (masculino), de idade (jovens) e de

raça (negra e parda). É fundamental considerarmos também os registros de
tentativas de homicídios no país, em 2017 foram 48.072 casos. Cerca de 40%
desse total foram registrados no Sudeste. São Paulo e Minas Gerais represen-
tam 63% dos registros da região sudeste (FBSP, 2018).
Não existem dados nacionais sobre os homicídios provocados pelas dis-
putas nas transações do tráfico de drogas ilegais, ou cometidos por pessoas
sob influência de drogas ilegais ou para comprar drogas ilegais. Os poucos
dados disponíveis sobre os impactos das drogas ilegais mostram o aumento
da prevalência do uso de drogas na população brasileira e o aumento do
encarceramento de adultos e adolescentes.
As mortes em decorrência de intervenção policial em 2017 alcança-
ram 5.144 pessoas, o que equivale a 14 civis mortos por dia ou 1 cidadão
morto pela polícia a cada 100 mil habitantes. A maioria das mortes ocorreu
no horário de serviço (84%) e tem como autores policiais militares (88%).
O Sudeste responde por 55% e o estado de São Paulo por 33% da letalidade
policial no país. As mortes provocadas pela polícia de São Paulo representa-
ram 13,4% dos homicídios dolosos no estado em 2012. A comparação inter-
nacional1 dimensiona a magnitude da letalidade policial no Brasil. No período
de cinco anos, entre 2009 e 2013, 11.197 pessoas morreram em decorrência
de intervenção policial no Brasil. Nos Estados Unidos foram necessários 30
anos (1983 a 2012) para 11.090 pessoas morrerem em decorrência da ação da
polícia. O número de pessoas mortas pela polícia em relação ao número de
policiais mortos em serviço mostra que no México são mortos 2,2 civis para
cada policial assassinado em serviço, na República Dominicana, a relação
é de 4,3 civis mortos por policial morto, no Brasil são 11 civis mortos pela
polícia para cada policial morto em serviço (CANO, 1997; LOCHE, 2010).
A política de encarceramento em massa brasileira recai sobre um per-
fil populacional específico. O sistema penal contava em 2017 com 726.712
presos, sendo que mais da metade, 55%, eram jovens (18 a 29 anos) e negros
(64%) sem o Ensino Médio completo (75%) e presos por tráfico de drogas
(28%). O número de presos por tráfico de drogas saltou de 32.849 (2005)
para 203.479 (2017), um crescimento superior a 500%, eles representavam 9%
da população prisional do país e agora correspondem a 28% (BRASIL, 2019).
1 Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Defesa Social; SINESPJC; FBI; Independent Police
Complaints Commission (IPCC); Police Memorial; Statistiques Canada; Procuradoria Geral da República
do México; Anistia Internacional; Independent Police Investigative Directorate; Cuerpo de Investigaciones
Científicas, Penales y Criminalisticas (CICPC); Banco Mundial; UNODC Crime Statistics; Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. http://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/507/423.

TRAJETÓRIAS ADOLESCENTES: contribuições da psicanálise e sociologia
ADOLESCENT TRAJECTORIES: contributions from Psychoanalysis and Sociology 17
Os diversos levantamentos epidemiológicos nacionais2 (BRASIL, 2009;

BRASIL, 2010), fornecem dados do consumo de drogas ilegais em diferentes
populações. Na pesquisa domiciliar (que inclui pessoas de 12 a 65 anos) o uso
de drogas ilegais é o mais baixo (6,9% maconha, 2,3% cocaína, 0,8% crack).
No levantamento entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio o uso
aumenta (7,6% maconha, 2,0% cocaína, 1,2% crack). No levantamento entre
universitários o uso é ainda maior (26,1% maconha, 7,7% cocaína, 4,9% crack).
Finalmente, entre os grupos mais vulneráveis e expostos à violência (crianças
e adolescentes em situação de rua [40,4% maconha, 24,5% cocaína, 9,7%
crack] e adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação [89%
maconha, 43,0% cocaína, 21% crack]) o uso de drogas ilegais é muito elevado.
Neste cenário, os homicídios são hoje a principal causa de morte entre
jovens no Brasil e atingem especialmente jovens pobres e negros, do sexo mas-
culino, moradores das periferias de áreas metropolitanas dos grandes centros
urbanos. No Atlas da Violência (IPEA; FBSP, 2019) é destacado o aumento da
mortalidade entre negros na população jovem brasileira, comparada à mortali-
dade entre jovens brancos, realidade que se mantém ao longo dos anos. O Brasil
figurava em terceiro lugar no ranking mundial de assassinato de crianças e jovens,
precedido somente por México e El Salvador, sendo que “De 1980 a 2014, a
taxa de homicídio da população na faixa de 0 a 19 anos de idade passou de 3,1
por 100 mil habitantes para 18,1 – um salto de 483,9%” (WAISELFISZ, 2017, p.
5-6). Porém, se faz importante pontuar que esta taxa flutua dependendo da idade
da vítima, revelando um número relativamente alto de violência no primeiro
ano de vida (3,7 por 100 mil), vindo a ser expressiva novamente a partir dos 12
anos, momento em que se observa um crescimento acentuado que chega ao pico
com 16 e 17 anos. Como aponta o autor no relatório específico de homicídios
de crianças e adolescentes no Brasil: “Com 16 anos de idade, em 2014, foram
vitimados 1.686 adolescentes: 4,6 por dia. Já as vítimas adolescentes com 17
anos de idade somaram 2.267: 6,2 por dia” (WAISELFISZ, 2017, p. 7).
Belo Horizonte, capital do estado brasileiro de Minas Gerais, município
do qual nossa análise parte, contava com uma população jovem, de 15 a 29
anos, correspondente à 26,7% da população segundo dados do Censo 2010
do IBGE. A taxa de mortalidade geral no município em 2017, para 100 mil
habitantes foi de 20,6, tendo havido 428 mortes por arma de fogo no mesmo
ano. Entretanto, se considerarmos a faixa etária citada anteriormente, de 15
a 29 anos, encontramos uma taxa de homicídios de 91,1 por 100 mil habitantes.
Sendo importante destacar que, somados pardos e pretos, 76% dos homicídios
são contra negros (BELO HORIZONTE, 2018). Ainda encontramos que:
2 Os critérios de dependência usados (prevalência de uso de drogas na vida, no ano e no mês) nas pesquisas
do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) / Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas (SENAD) são do SAMHSA – Substance Abuse and Mental Health Services Administration,
dos Estados Unidos. Mais informações: http://www.cebrid.epm.br/index.php.

18
pela análise dos dados de homicídios ocorridos no período de 2011 a 2013

constatou-se o registro de 563 homicídios de adolescentes e jovens de 12
a 21 anos e que destes cerca de 90% eram do sexo masculino, 70% pos-
suíam entre 18 e 21 e que a maior parte tinha passagem pelo Sistema de
Justiça Criminal (BELO HORIZONTE, 2018, p. 57).
Vários determinantes estão associados ao crescimento e à magnitude dos

homicídios e da violência nas cidades brasileiras: concentração de desvanta-
gens e vulnerabilidades social, econômica e de acesso a bens e serviços nos
territórios, a invisibilidade social e política das vítimas de homicídios, a baixa
mobilização/participação da sociedade civil, a capacitação insuficiente dos ges-
tores e profissionais da segurança pública e justiça criminal, a frouxa articulação
das organizações de repressão e prevenção, a fragilidade dos mecanismos de
gestão, das bases de dados e de informação do sistema de segurança pública e
justiça criminal, a ausência de monitoramento e avaliação das políticas públicas
na redução e prevenção dos homicídios e o desconhecimento das experiências
internacionais bem sucedidas na prevenção e redução dos homicídios.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o
crime perpetrado por um adolescente é qualificado como infração, dada a
inimputabilidade do menor de 18 anos. O ato infracional é equivalente ao
crime, em correspondência ao Código Penal, sendo a pena remetida e subs-
tituída por medida socioeducativa. Segundo relatório da Prefeitura de Belo
Horizonte (2013), o perfil do jovem atendido pelo Centro Integrado de Aten-
dimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH), concentra-se na
faixa entre 14 e 17 anos (87,6%), raças parda e negra (68,8%) e escolaridade
entre a 5ª e a 7ª série (50,8%). Além disso, apenas cinco atos infracionais
responderam por 75% das apreensões de adolescentes no período de 2005
a 2008: tráfico (22,6%), roubo (19,9%), furto (12%), posse ou porte de arma
(11,7%) e uso de drogas (9,3%) (BELO HORIZONTE, 2013).
Esses dados acompanham o da população carcerária. Segundo relatório do
Sistema Integrado de Informação Penitenciária (InfoPen), os jovens de até 29
anos representam 55% da população carcerária brasileira (BRASIL, 2019).
Em relação aos dados sobre cor/raça, extraídos do Mapa do Encarceramento
(BRASIL, 2015), verifica-se que, em todo o período analisado (2005 a 2012),
existiam mais negros presos no Brasil do que brancos.
Em números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos,

ou seja, considerando-se a parcela da população carcerária para a qual havia
informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242
negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era
negra. Constata-se, assim, que quanto mais cresce a população prisional no
país, mais cresce o número de negros encarcerados (BRASIL, 2015, p. 33).

Frente ao diagnóstico da violência como problema social (magnitude e inci-

dência dos homicídios e crimes violentos) e como problema público (respostas do
Estado às essas violências através do aumento do encarceramento e da letalidade
policial) é crucial questionar quais as contribuições das abordagens sociológi-
cas sobre a juventude atravessada pela infração, pela segregação urbana e pelo
encarceramento. Quais as contribuições conceituais e empíricas para esclarecer
suas causas, suas trajetórias temporais, seu processo de interrupção e desistência
e, sobretudo, sobre as políticas públicas eficazes para sua prevenção e redução?
A teoria do curso de vida é uma teoria da ação social. Ela considera as ações
dos adolescentes e jovens como condutas orientadas e compreensíveis. Ao mesmo
tempo ela privilegia a temporalidade, as continuidades e mudanças da trajetória
familiar, escolar, comunitária, infracional e institucional dos jovens e adolescentes.
Vamos nos limitar a apresentar uma teoria e extrair algumas contribui-
ções modestas desta teoria e suas pesquisas sobre a juventude e violência,
compreendida como um problema social e um objeto sociológico.
2. Juventude e violência como problema sociológico
A tradição da sociologia do desvio está ligada à constituição da própria

sociologia, representando “um verdadeiro motor teórico e metodológico para
a sociologia no seu conjunto” (LAHIRE, 1993, p. 44). As relações entre a
ordem social e ordem legal ocupam o centro da agenda teórica e empírica da
macrossociologia e a construção social do desvio o centro das investigações
da microssociologia. Temáticas como a reação social pública a atos e atores,
a seletividade das organizações de implementação da lei, a concentração de
desvantagens sociais, econômicas e comunitárias, ou ainda a capacidade das
organizações de interromper e alterar a trajetória desviante, pautam, ainda
hoje, a sociologia do desvio.
No Brasil, apesar da extensa bibliografia sobre juventude e violência,
são poucos os estudos que têm como interesse específico a investigação dos
processos envolvidos na continuidade e no rompimento da atividade criminal
ao longo do ciclo de vida. Essa carência na produção acadêmica contrasta
com a dimensão da nossa realidade encarceradora3. Nossa produção4 privilegia
3 O número de adolescentes encarcerados no Brasil em 2010 era de 17.703, com uma taxa de 10 internados
para cada 100 mil adolescentes, segundo dados compilados pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
da Presidência da República. No ranking de mais de 20 países da Europa e da América do Norte, segundo
dados do International Centre for Prison Studies (www.prisonstudies.org/info/worldbrief), este número coloca
o Brasil no 2º lugar em termos de população total e em 8º lugar em relação a taxa de encarceramento de
adolescentes por 100 mil habitantes.
4 Podemos destacar, de forma não exaustiva (mas quase), os seguintes estudos e pesquisas nas quais se
encontram interfaces das ciências sociais com a questão da trajetória infracional: ADORNO, S.; BORDINI, E.
Estimativa da reincidência criminal: variações segundo estratos ocupacionais e categorias criminais. Revista

20
o enfoque da reincidência prisional e esgota-se em poucos títulos, que se

caracterizam por estudos sincrônicos e estáticos.
A opção pela abordagem teórica e metodológica do curso de vida permite
compreender não apenas os fatores causais que explicam a entrada na atividade
criminal, mas também, a sua permanência e a dificuldade de desistência, uma
vez nela envolvida. Violência familiar, trajetória de vida na rua, encarcera-
mento, educação interrompida e drogas são constrangimentos que demandam
esforços e tempo adicionais para aqueles adolescentes que desejam escapar do
processo de maior engajamento na atividade criminal, e que aumentam o custo
para se adotar um estilo de vida alternativo. Ela é integrativa no sentido de
que articula os eventos, transições e rupturas das várias trajetórias no curso de
vida dos adolescentes, como a trajetória biográfica, infracional e institucional.
O referencial conceitual e metodológico da pesquisa que nos embasa parte
das contribuições da criminologia do curso de vida (SAMPSON; LAUB, 1993;
THORNBERRY; KROHN, 2001). Esses estudos propõem explicar os fatores
que influenciam o início, a persistência e a interrupção da atividade infracional
ao longo do curso de vida dos indivíduos. Têm como pressupostos centrais:
I. as mudanças com a idade na delinquência apresentam sequências

e padrões estruturados;
II. a dependência do desenvolvimento da delinquência em relação ao
desenvolvimento da trajetória biográfica e institucional dos indi-
víduos ao longo do seu curso de vida (como aquelas relativas à
família, à escola, à fatores de risco, ao contato com a justiça crimi-
nal). Suas análises focam os fatores determinantes da entrada, da
continuidade e da desistência da atividade infracional e permitem
analisar as mudanças e as continuidades desta ao longo do tempo,
pois considera o ordenamento temporal e as mudanças nos fatores
determinantes com a idade.
As contribuições teóricas consistem em identificar os caminhos per-

corridos pelos indivíduos ou grupos através da observação de mudanças e
continuidades ao longo do ciclo de vida. Uma das principais vantagens teó-
ricas é o fato de possibilitarem construir um mapa dos eventos, transições e
Temas IMESC, vol. 2, no 1, p. 11-29, 1985. ADORNO, S; BORDINI, E. Reincidência e Reincidentes Penitenciá-
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de crime e das condições de prisão na reincidência criminal. Sociologias, jul/dec. 2002.

rupturas centrais no curso de vida dos indivíduos, demonstrando as formas

como padrões de comportamento mudam ou se mantém, e as relações entre
a dinâmica do comportamento e os demais elementos contextuais.
Essas discussões se apoiam sobre uma longa tradição na criminologia que
fora antecipada por Quételet (1842) nos seus trabalhos sobre a relação entre
idade e a atividade criminal e encontrou seu método empírico nos trabalhos
longitudinais desenvolvidos pelos Glueck (1930, 1950), que acompanharam
as trajetórias de dois grupos de adolescentes, formado por 500 infratores e 500
não infratores. Na década de 1970 essa abordagem foi retomada por Wolfgang
(WOLFGANG; FIGLIO; SELIN, 1972) com o Philadelphia Birth Cohort Stu-
dies, onde foram acompanhadas as trajetórias criminais de 10 mil indivíduos
com idade entre 10 e 17 anos com enfoque nas dinâmicas de especialização
criminal. Na década de 1980, sob coordenação de Blumstein (BLUMSTEIN
et al., 1986; BLUMSTEIN; FARRINGTON; MOITRA, 1985) foi criado o
Painel sobre Carreiras Criminais fundado pelo Instituto Nacional de Justiça
e pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Nas pesquisas
desenvolvidas no Painel, o conceito de “carreira criminal” passou a ser um
objeto central de pesquisa empírica e teorização. Blumstein e seus colaboradores
(BLUMSTEIN et al., 1986) definiram a “carreira criminal” como composta de
um grupo de parâmetros descritivos: a participação na delinquência, a frequência
dos delitos e sua gravidade. Eles acrescentaram parâmetros de delimitação: a
idade de início, a duração e a idade de encerramento da “carreira criminosa”.
Este conceito passou a englobar as noções de reincidência, de estilo de vida
delinquente e dos processos de estabilização da atividade criminosa. Ao mesmo
tempo, especificaram que os estudos da carreira criminal devem se apoiar sobre
a análise das relações entre quatro parâmetros: a precocidade, o polimorfismo,
a frequência dos crimes e a gravidade das penas.
A partir disso, um grande volume de pesquisas tem sido produzido5, como
a investigação de MacCord (1992), em Cambridge-Sommerville Project, cujo
objetivo é compreender a permanência e as mudanças na delinquência juvenil;
o estudo de Farrington e Ttofi (2011) com o Cambridge Study in Delinquent
Development, estudo longitudinal sobre os processos infracionais com 411
adolescentes do sexo masculino; de Elliot (1994) com a análise do National
Youth Survey, investigação longitudinal sobre a trajetória delinquente e o
uso de drogas; e as pesquisas de Le Blanc (1998) em Montreal, o Sample of
Adjudicated Youths, onde analisa a idade de início, a frequência e idade de
desistência da atividade criminal.
5 Ver: Pathways to Desistance: http://www.pathwaysstudy.pitt.edu/ e Rochester Youth Development Study (M.

Thornberry).

22
A criminologia do curso de vida integra a perspectiva da “carreira cri-

minal” ao considerar os mesmos parâmetros descritivos e de delimitação.
Entretanto, ela a ultrapassa por não se limitar apenas às atividades criminais,
mas por levar em consideração o conjunto das formas de comportamento
desviante e das interações entre eles ao longo do tempo. A teoria do curso de
vida, portanto, parte dos mesmos descritores da atividade criminal e intro-
duz a existência de mecanismos do ciclo das atividades desviantes na vida
dos indivíduos. Ao adotar essa perspectiva, se distingue também por sua
estratégia de pesquisa utilizando-se de estudos longitudinais, enquanto que
a maioria dos trabalhos em criminologia são estudos transversais. Assim,
permitem reconhecer os fatores que são estatisticamente associados ao com-
portamento criminoso e as interações entre eles em um momento específico
na vida dos indivíduos.
Não obstante, a teoria do curso de vida não compara ou tampouco ordena
os fatores específicos ao longo do curso de vida6 dos indivíduos como os ele-
mentos de entrada, da permanência e do término da atividade criminal. Este
paradigma propõe, assim, dois campos específicos de pesquisa. Primeiro,
trata-se de analisar a dinâmica do comportamento delinquente a partir da infân-
cia até a adolescência. Segundo, trata-se de distinguir os fatores explicativos
que precedem, acompanham ou que seguem as mudanças do comportamento
criminal ao longo do tempo, ou seja, a sequência das causas e consequências
biográficas, infracionais e institucionais.
Para o entendimento desta perspectiva, dois conceitos são centrais: traje-
tórias e transições (ELDER, 1985). O conceito de trajetória pode ser descrito
como “um caminho ou uma linha de desenvolvimento ao longo do tempo de
vida” (LAUB; SAMPSON, 1993, p. 8) ocorridos em um espaço e em um
contexto determinado e marcados por transições, que constituem mudanças de
estado mais ou menos abruptas. As transições tanto podem ser mudanças em
uma mesma trajetória, quanto marcar o início ou fim dessa trajetória. Neste
último caso são chamados “turning points” ou pontos de virada.
Nesse sentido, partiremos do conceito de trajetória uma vez que seu uso
nos oferece uma oportunidade de avaliar empiricamente o desenvolvimento
dos indivíduos ao longo do seu curso de vida. Em termos metodológicos, o
conceito de trajetória possibilita estruturar a sequência temporal de eventos,
transições e rupturas biográficos, infracionais e institucionais a partir dos
dados nos processos judiciais. A trilha a ser mapeada no estudo das trajetó-
rias é um caminho que sempre leva a algum lugar, e este “lugar” pode ser
a permanência ou a interrupção da atividade criminal, a continuidade ou
6 Ver conceitos de “onset” e “desistance” como variáveis distintas, com seus próprios determinantes.

descontinuidade dos processos de integração social, ou a entrada e saída das

instituições socioeducativas.
Eventos, fatores de risco e transições podem ser significativos no ciclo
de vida dos indivíduos, tais como: relacionamento e ruptura familiar, relacio-
namento com pares, interrupção ou abandono escolar, contato com a justiça
criminal, filhos, trajetória de vida na rua, uso de drogas lícitas e ilícitas. Desta
forma, a trajetória infracional deve ser examinada em contraste com o pano de
fundo das trajetórias biográficas e institucionais. As mudanças maiores e mais
sensíveis, é que devem ser analisadas. Quando um indivíduo experimenta um
evento, fator de risco ou transição, trajetórias podem ser alteradas. Portanto,
eventos, fatores de risco e transições são elementos chave no curso de vida
dos indivíduos (ex.: casamento, ter filhos, abandonar a escola, ter contato com
a justiça criminal) que podem alterar papéis sociais, laços sociais, atitudes e
comportamentos. De um ponto de vista criminológico, a significância desses
eventos, fatores de risco e transições implica em tomá-los como pontos de
virada que alteram padrões de longo prazo.
Identificar e mensurar as trajetórias dos adolescentes processados na jus-
tiça juvenil consiste em fazer emergir fatores e elementos explicativos sobre
as múltiplas reiterações dos atos infracionais ocorridos em um determinado
período de tempo. A dinâmica dos atos infracionais, tais como das respostas
fornecidas pela justiça juvenil não podem ser isolados das intervenções pas-
sadas e das respectivas consequências engendradas. Assim, a compreensão
da trajetória infracional dos adolescentes não faz sentido sem a relação com
sua trajetória biográfica e institucional.
3. Contribuições metodológicas e empíricas à

pesquisa sobre juventude e violência
A pesquisa se constituiu como um estudo exploratório, de abordagem

quantitativa e qualitativa, buscando qualificar melhor os eventos, transições e
rupturas que marcam as trajetórias dos jovens e adolescentes ao longo do seu
ciclo de vida, desvelando seus nexos, movimentos e fatores de risco. Em um
primeiro momento, a pesquisa buscou informações sobre a trajetória de vida
e delinquencial dos jovens nos documentos oficiais, especificamente no Plano
Individual de Atendimento (PIA). Essa etapa consistiu no levantamento de
informações quantitativas e qualitativas através de análise documental de 373
PIAs, entre novembro e dezembro de 2016, em parceria com o CIA/BH.
Podemos classificar as informações contidas nesse documento em duas
vertentes. As informações quantitativas reunidas no PIA contemplam variá-
veis como sexo, raça, idade, local de residência, escolaridade, passagens por

24
instituições da rede de assistência social, uso de drogas; informações relativas

a trajetória infracional – como tipo de ato infracional, data de cometimento e
medida socioeducativa aplicada; além de informações relativas à composição
familiar como número de membros, idade, renda, escolaridade e ocupação de
cada membro da família.
As informações qualitativas são constituídas de relatórios em que os
técnicos do socioeducativo tecem uma narrativa que descreve e reconstrói as
diferentes trajetórias de cada um dos 373 adolescentes, da infância até aquela
passagem pelo Sistema de Justiça Juvenil, seguindo os eixos determinados pela
Lei do SINASE (BRASIL, 2012), são eles: ato e trajetória infracional; família;
escolarização; profissionalização e trabalho; cultura, esporte e lazer; saúde.
A natureza desse material permite a realização de um estudo longitudinal
retrospectivo e prospectivo, apoiado na combinação de técnicas qualitativas
e quantitativas de análise. A fase retrospectiva será destinada à compreen-
são dos fatores associados à entrada e permanência na trajetória infracional.
Buscaremos analisar as estatísticas descritivas relacionadas ao perfil socioe-
conômico do adolescente e sua família e o conteúdo dos relatórios técnicos
do socioeducativo.
Na fase prospectiva, buscaremos verificar os efeitos dos fatores associa-
dos à entrada e permanência na trajetória infracional neste grupo populacio-
nal ao longo do tempo, além de investigar os fatores ligados ao processo de
desistência. Isso será feito através da checagem dos registros oficiais em busca
de novos atos ou possíveis óbitos, e da seleção de uma sub-amostra para a
realização de entrevistas em profundidade. Esses procedimentos serão realiza-
dos usando as mesmas técnicas qualitativas e quantitativas já descritas acima.
Os 373 jovens que compõem essa amostra nasceram entre 1994 e 2003.
Os adolescentes do sexo masculino correspondem à 88,5% e os pretos e par-
dos representam 80% do total. Cerca de 52,5% dos jovens residiam apenas
com a mãe, sendo que 55,2% delas tinham escolaridade inferior a nove anos
de estudo. Desse modo, grande parte das mães trabalhavam em ocupações
de baixo status socioeconômico como domésticas, faxineiras ou auxiliares
de serviços gerais. Não há informações sobre 71,6% dos pais, sendo que os
poucos sobre os quais há dados estatísticos verifica-se mesma tendência que
a observada entre as mães: baixa escolaridade e ocupações manuais precárias.
Talvez a situação socioeconômica dessas famílias tenha impacto sobre a rea-
lidade de evasão escolar que caracteriza o público da Justiça Juvenil: 77,1%
dos jovens estavam em situação de defasagem idade-série.
Além disso, 42,9% admitiram usar drogas lícitas e 59% admitiram o uso
de drogas ilícitas. Cerca de 38,7% dos adolescentes estavam cumprindo medida
socioeducativa por roubo, 25,1% por tráfico de drogas e 10,9% por furto.

Assim, somente esses três atos infracionais são responsáveis por 74,7% das
infrações respondidas por esses jovens naquele momento, sendo que 40% dos
adolescentes já haviam passado anteriormente pelo Sistema de Justiça Juvenil.
Assim, chegamos à uma lista de jovens que tiveram uma ou mais passa-
gens registradas em função do cometimento de ato infracional. Essa lista serviu
de base para a execução da segunda etapa da pesquisa. Passou-se, assim, à
proposta de registro das Narrativas Memorialísticas7 (GUERRA et al., 2017)
dos jovens que compunham o universo da pesquisa documental. Uma vez
que a maioria dos PIAs analisados possuía apenas referências territoriais,
sem apresentar outros contatos, decidiu-se pela busca ativa desses jovens, a
partir dos endereços dispostos nos Planos Individuais de Atendimento, a fim
de alcançarmos nossa população de pesquisa.
Uma equipe de pesquisadores/as do campo da Psicanálise, Sociologia
e da Educação, composta por professores/as e alunos/as da graduação e pós-
-graduação, organizou um plano de trabalho de campo que envolvia desde o
mapeamento oficial das regionais que organizavam os endereços dispostos,
bem como dos equipamentos das políticas públicas de saúde, serviço social
e segurança pública, até agenda de reuniões com tais instituições para pla-
nejamento da aproximação territorial do grupo. A depender da configuração
mapeada em termos de levantamento de ocorrência de conflitos no território,
uma dupla de pesquisadores – eventualmente acompanhada da presença de
um representante de dispositivos da rede de políticas públicas – direciona-
va-se até o endereço que dispunha a partir da análise documental, em busca
do jovem referido por nome próprio e nome da mãe, e não necessariamente
pela passagem no sistema infracional.
Tratou-se de estratégia metodológica imprescindível, tendo em vista que
a proposta das Narrativas Memorialísticas (GUERRA et al., 2017) convida
o sujeito a apresentar sua história de vida de forma a construir sua ficção
subjetiva do ponto de onde os circuitos pulsionais e suas representações o
convocam. A história de vida também revela como o sujeito se relaciona
com o contexto exterior, as crenças e formas de alteridades, uma vez que,
a formação da identidade (ou autoimagem) dos sujeitos e o desempenho de
papéis sociais é um processo relacional entre os indivíduos, os grupos e as
instituições (GOFFMAN, 2007).
Assim, ao referenciar apenas o nome do jovem, entendemos a abertura à
construção de sua apresentação sem necessariamente apreendê-lo em um tecido
discursivo pré-conceituado, relacionado a sua passagem pelo Sistema Socioe-
ducativo. Essa etapa em território também abarcava a aplicação de um survey
7 Trata-se de estratégia de pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais, que comporta as ficções, fixações
e fantasias que perpassam os processos inconscientes atravessados por elementos sociopolíticos.

26
(BABBIE, 1999), instrumento que foi desenvolvido no contexto das reuniões

do grupo de pesquisa, e que foi avaliado em etapa de pré-teste que consistiu na
aplicação do instrumento em adolescentes de escola pública da região metro-
politana de Belo Horizonte e adolescentes, fora do escopo da pesquisa, que se
encontravam internados em instituição socioeducativa na mesma capital.
Na seleção dos jovens para a construção das narrativas de vida e aplicação
do questionário se considerou apenas os adolescentes residentes no município
de Belo Horizonte. Tendo em vista o tempo de execução da pesquisa (2017-
2019), bem como as especificidades das incursões territoriais da amostra
inicial de 373 jovens, realizamos um mapeamento de 109 nomes espalhados
em 6 regionais do município de Belo Horizonte. Pontuamos ainda que com
o auxílio do levantamento de dados da Secretaria de Estado de Administra-
ção Prisional8, 67 jovens que compunham a amostra inicial encontravam-se
ligados ao sistema prisional. Também identificamos 16 óbitos tomando como
referência a amostra inicial, conforme levantamento realizado pelo Instituto
Médico Legal de Belo Horizonte9.
Partindo dessa lista com 109 nomes que estiveram inseridos em espaços
de atendimento socioeducativo, buscamos a oportunidade de analisar aspectos
biográficos que influenciam a trajetória infracional e institucional. Desses,
registramos as narrativas e procedemos a aplicação do questionário com 6
jovens. A razão entre o número inicial de nomes e o número final de entre-
vistas, é um indicativo das dificuldades que encontramos em campo. Além
das experiências com a institucionalização/aprisionamento e a vitimização
por homicídios, constatamos que muitos jovens haviam se mudado e que
muitos outros se negaram a participar da pesquisa, assumindo uma posição
de suspeição em relação aos investigadores.
Como tentamos mostrar, o trabalho transdisciplinar proposto pelo grupo
de pesquisas do IEAT possibilitou um levantamento de informações muito
extenso, sendo a amostra de aplicação de questionário e registro de Narrativa
Memorialística bastante significativa considerando o universo novo que se
delineia com essa proposta investigativa.
8 Os dados foram levantados com a colaboração direta da 23ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes – Área Infracional e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias
Criminais, Execução Penal, Tribunal do Júri e Auditoria Militar (CAOCRIM), representados pelos Promoto-
res de Justiça, Dr. Márcio Rogério de Oliveira e Dr. Henrique Nogueira Macedo, respectivamente, a quem
agradecemos pela disponibilidade e parceria.
9 Também aqui agradecemos aos Promotores de Justiça acima mencionados, bem como ao Diretor do Instituto
Médico Legal de Belo Horizonte, Dr. Thales Bittencourt de Barcellos, pela disponibilização dos dados oficiais.

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CHAPTER 1
YOUTH AND VIOLENCE IN
BRAZIL: a brief contextualization
1. Youth and violence as a social and public problem

The last three decades have seen a dramatic growth in violent crime and
state violence in Brazil (HRW, 2009; UNODC, 2013; IPEA; FBSP, 2019).
Brazil has stood out as one of the most violent countries in Latin America,
which in turn is one of the most violent regions in the world (UN, 2018). Some
Brazilian cities are at the top of the most vulnerable areas to lethal violence.
The complexity of violence in the urban territories of the country is
demonstrated by large figures in records of homicide, attempted murder,
the impact of illegal drugs, police lethality and mass incarceration of youth
and adolescents.
In general terms, the phenomena most closely associated with the mag-
nitude of violent crime and state repression are youth and urban segregation.
Strictly speaking, we can say that the perpetrators and victims of violent crime
and state security policy (police lethality and mass incarceration) are young
people and adolescents confined in segregated urban territories of Brazilian
cities. These territories concentrate a set of social, econ.omic, housing and
educational disadvantages in addition to a lack of access to public facilities.
In Brazil – between 1979 and 2017 – 1,467,780 homicides were regis-
tered (One million four hundred sixty-seven thousand seven hundred eighty).
This meant a threefold increase in the homicide rate per 100,000 inhabitants
from 10 (1979) to 30 in 2016. There were 65,602 homicide records in 2016,
which is equivalent to 5,466 homicides per month and 182 homicides per day.
The impact of homicides on the Brazilian population is even greater due to
the combination of gender (male), age (young) and race (black and Brazilian
pardo) bias. It is also important to consider records of attempted homicides
in the country, in 2017 there were 48,072 cases. About 40% of this total was
registered in the Southeast region. São Paulo and Minas Gerais represent 63%
of the records in the Southeast region (FBSP, 2018).

32
There is no data in Brazil on homicides caused by disputes in illegal

drug trafficking transactions or committed by people under the influence of
illegal drugs or in order to buy illegal drugs. The limited data available on
the impacts of illegal drugs show increased prevalence of drug use in the
Brazilian population and increasing incarceration of adults and adolescents.
In 2017, deaths due to police intervention reached 5,144 people, which
is equivalent to 14 civilians killed per day or 1 citizen killed by the police
per 100,000 inhabitants. Most of the deaths occurred during service hours
(84%) and are caused by military police (88%). The Southeast region accounts
for 55% of police lethality in the country and the state of São Paulo for 33%.
Deaths caused by São Paulo police accounted for 13.4% of the state’s mur-
ders in 2012. International comparison1 highlights the magnitude of police
lethality in Brazil. In the five-year period between 2009 and 2013, 11,197
people died as a result of police intervention in Brazil. In the United States
it took 30 years (1983 to 2012) for 11,090 people to die as a result of police
action. The number of people killed by the police in relation to the number
of police officers killed in the line of duty shows that, in Mexico, 2.2 civil-
ians die for each police officer killed in the line of duty, in the Dominican
Republic, the ratio is of 4.3 civilians deaths for each police officer death, in
Brazil, there are 11 civilians deaths per police officer killed in the line of duty
(CANO, 1997; LOCHE, 2010).
The Brazilian mass incarceration policy falls heavily upon a specific
population profile. In 2017, the penal system had 726,712 prisoners, of which
more than half, 55%, were young (18-29 years old) and black (64%) who
did not graduate high school (75%) and were arrested for drug trafficking
(28%). The number of prisoners for drug trafficking jumped from 32,849
(2005) to 203,479 (2017), a growth of over 500%. They represented 9% of
the country’s prison population and now correspond to 28% (BRASIL, 2019).
The various national epidemiological surveys (BRASIL, 2009; BRA-
SIL, 2010) provide data on illegal drug use in different populations2. In the
household survey (which includes people aged 12 to 65), illegal drug use is
1 Source: Brazilian State Secretariats of Public Security and Social Defense (Secretarias Estaduais de Segu-
rança Pública e Defesa Social); SINESPJC; FBI; Independent Police Complaints Commission (IPCC); Police
Memorial; Statistiques Canada; Attorney General’s Office of the Republic of Mexico; Amnesty International;
Independent Police Investigative Directorate; Scientific, Cuerpo de Investigaciones Científicas, Penales y
Criminalisticas (CICPC); World Bank; UNODC Crime Statistics; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
http://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/507/423.
2 The dependency criteria used (prevalence of drug use in life, year and month) in surveys of the Brazilian
Center for Psychotropic Drug Information (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas –
CEBRID) / National Secretariat of Drug Policy (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD)
are from SAMHSA – Substance Abuse and Mental Health Services Administration, United States.. More
information: http://www.cebrid.epm.br/index.php.

the lowest (6.9% marijuana, 2.3% cocaine, 0.8% crack). In the survey with
elementary and high school students the use increases (7.6% marijuana, 2.0%
cocaine, 1.2% crack). In the survey with college students the use is even higher
(26.1% marijuana, 7.7% cocaine, 4.9% crack). Finally, among the groups
most vulnerable and exposed to violence (homeless children and adolescents
[40.4% marijuana, 24.5% cocaine, 9.7% crack] and adolescents undergoing
socio-educational measures of interment [89% marijuana, 43% cocaine, 21%
crack]), the use of illegal drugs is very high.
In this scenario, homicides are currently the leading cause of death among
young people in Brazil and especially affect poor and black young men, resi-
dents of the outskirts of metropolitan areas of large urban centers. The Atlas
of Violence (IPEA; FBSP, 2019) highlights the increase in mortality among
blacks in the young Brazilian population, compared to mortality among young
whites, a reality that has persisted over the years. Brazil was ranked third
in the world ranking of child and youth murder, preceded only by Mexico
and El Salvador. “From 1980 to 2014, the homicide rate of the population
aged 0-19 years went from 3.1 per 100 thousand inhabitants to 18.1 – a
jump of 483.9%” (WAISELFISZ, 2017, p. 5-6). However, it is important to
highlight the fact that this rate fluctuates depending on the age of the victim,
revealing a relatively high number of violence in the first year of life (3.7
per 100 thousand), becoming expressive again after they are 12, when there
is marked growth that peaks at 16 and 17 years of age. As the author points
out in the specific report on homicides of children and adolescents in Brazil:
“At the age of 16, in 2014, there were 1,686 adolescent victims: 4.6 per day.
Concurrently, the 17-year-old teenagers added to 2,267 victims: 6.2 per day”
(WAISELFISZ, 2017, p. 7).
Belo Horizonte, capital of the Brazilian state of Minas Gerais, from which
our analysis departs, had a young population, from 15 to 29 years old, cor-
responding to 26.7% of the population according to data from the 2010 IBGE
(Brazilian Institute of Geography and Statistics) Census. The overall mortal-
ity rate in the municipality in 2017 for 100 thousand inhabitants was 20.6,
with 428 firearm-related deaths in the same year. However, if we consider the
age group mentioned above, from 15 to 29 years old, we find a homicide rate
of 91.1 per 100 thousand inhabitants. It is important to highlight that, when
brazilian pardos (brown-skinned) and blacks are combined, 76% of homicides
are against these groups (BELO HORIZONTE, 2018). We also find that:
Based on the analysis of homicide data from 2011 to 2013, 563 homi-
cides of adolescents and young people aged 12 to 21 were recorded, of
which about 90% were male, 70% were between 18 and 21 years old.
and most of them had records with the Criminal Justice System (BELO
HORIZONTE, 2018, p. 57).

34
Several determinants are associated with the growth and magnitude of

homicides and violence in Brazilian cities: a concentration of disadvantages
and vulnerabilities of social and economic order, and a lack of access to goods
and services in the territories; social and political invisibility of homicide
victims; low mobilization/civil society participation; insufficient training of
public security and criminal justice managers and practitioners; loose coor-
dination of repression and prevention organizations; fragility of management
mechanisms, databases and information of the public security and criminal
justice systems; lack of monitoring and assessment of public policies in the
reduction and prevention of homicides; and the lack of knowledge of success-
ful international experiences in the prevention and reduction of homicides.
According to the Child and Adolescent Statute (BRASIL, 1990), a crime
perpetrated by an adolescent is classified as an infraction, given the unaccount-
ability of the individual under the age of 18. An infractional act is equivalent
to crime, in accordance with the Penal Code, and the penalty is replaced by a
socio-educational measure. According to a report by the Belo Horizonte City
Hall (BELO HORIZONTE, 2013), the profile of young people assisted by the
Integrated Center for Care of Adolescents Authors of Infractional Act (Centro
Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA/
BH) is concentrated in the range between 14 and 17 years of age (87.6%),
Brazilian pardos and blacks (68.8%) and education up to a point between
the 5th and 7th grade (50.8%). In addition, only five infractional acts accounted
for 75% of adolescent arrests from 2005 to 2008: trafficking (22.6%), theft
(19.9%), robbery (12%), possessing or carrying a gun (11.7%) and drug use
(9.3%) (BELO HORIZONTE, 2013).
These data follow that of the prison population. According to the report
of the Integrated Penitentiary Information System (Sistema Integrado de
Informação Penitenciário – InfoPen), young people up to 29 years old repre-
sent 55% of Brazilian inmates (BRASIL, 2019). Regarding data on color/race,
extracted from the Map of Incarceration (Mapa do Encarceramento – BRA-
SIL, 2015), it appears that, throughout the analyzed period (2005 to 2012),
there were more black prisoners in Brazil than whites.
In absolute numbers: in 2005 there were 92,052 blacks in prison and 62,569
whites, that is, considering the portion of the prison population for
which color information was available, 58.4% were black. In 2012 there
were 292,242 black prisoners and 175,536 whites, which means 60.8% of
the prison population was black. Thus, the more the prison population in
the country grows, the more the number of black prisoners grows (BRA-
SIL, 2015, p. 33).

Given the diagnosis of violence as a social problem (magnitude and

incidence of homicides and violent crimes) and as a public problem (state
responses to such violence through increased incarceration and police lethal-
ity), it is crucial to question the contributions of sociological approaches to
youth afflicted by infractions, urban segregation and incarceration. What are
the conceptual and empirical contributions to clarify its causes, its temporal
trajectories, its process of interruption and withdrawal and, above all, about
the effective public policies for its prevention and reduction?
Life course theory is a theory of social action. It considers the actions of
adolescents and young people as oriented and understandable conduct. At the
same time it privileges temporality, continuities and changes in the trajecto-
ries of young people and adolescents in terms of family, school, community,
infractions and institutions.
We will limit ourselves to presenting a theory and extracting some modest
contributions from this theory and its research on youth and violence, which
is understood as a social problem and a sociological object.
2. Youth and violence as a sociological problem
The tradition of sociology of deviance is linked to the constitution of

sociology itself, representing “a true theoretical and methodological engine
for sociology as a whole” (LAHIRE, 1993, p. 44). The relations between
the social order and the legal order occupy the center of the theoretical and
empirical agenda of macrosociology, and the social construction of deviation
the center of microsociology investigations. Issues such as the public social
reaction to acts and actors; the selectivity of law enforcement organizations;
the concentration of social, economic and community disadvantages; or the
ability of organizations to interrupt and change the deviant trajectory, still
guide sociology of deviance to this day.
In Brazil, despite extensive literature on youth and violence, there are few
studies whose specific interest is the investigation of the processes involved in
the continuity and disruption of criminal activity throughout the life cycle. This
lack of academic production contrasts with the dimension of our incarcerating
reality3. Our production favors the focus on prison recurrence and is depleted
in a few titles, which are characterized by synchronous and static studies4.
3 In the ranking of over 20 countries in Europe and North America, according to data from the International Center
for Prison Studies (www.prisonstudies.org/info/worldbrief), this number places Brazil in 2nd place in terms of
total population and 8th place in relation to the incarceration rate of adolescents per 100 thousand inhabitants.
4 We can highlight, not exhaustively (but almost), the following studies and research in which social science
interfaces are found with the question of the infringement trajectory: ADORNO, S.; BORDINI, E. Estimativa
da reincidência criminal: variações segundo estratos ocupacionais e categorias criminais. Revista Temas

36
Opting for the theoretical and methodological Life Course approach

allows us to understand not only the causal factors that explain their entry
into criminal activity, but also its permanence and the difficulty of giving up
once involved. Family violence, trajectory in street life, incarceration, dis-
rupted education and drugs are constraints that demand additional effort and
time for those teens who wish to escape the process of greater involvement
in criminal activity, and increase the cost of adopting an alternative lifestyle.
It is integrative in that it articulates the events, transitions and ruptures of the
various trajectories in the adolescents’ life course, such as the biographical,
infractional and institutional trajectory.
The conceptual and methodological framework of the research that
underlies this work is based on contributions from life course criminology
(SAMPSON; LAUB, 1993; THORNBERRY; KROHN, 2001). These studies
seek to explain the factors that influence the onset, persistence and interruption
of infractional activity throughout the individuals’ life course. Their central
assumptions are: i) changes regarding age in delinquency have structured
sequences and patterns; ii) the dependence of the development of delinquency
on the development of biographical and institutional trajectory of individuals
throughout their life course (as in relating to family, school, risk factors, and
contact with criminal justice). Their analyzes focus on the factors that deter-
mine the entry, continuity and withdrawal from offending activity and allow
us to analyze changes and continuities in the offending trajectory over time,
as it considers temporal ordering and changes in determining factors with age.
Theoretical contributions consist in identifying the paths taken by indi-
viduals or groups through observation of changes and continuities throughout
the life cycle. One of the main theoretical advantages is that they enable the
construction of a map of the events, transitions and central disruptions in the
life course of individuals, demonstrating the ways in which behavior patterns
change or remain, and the relationships between behavioral dynamics and
other contextual elements.
These discussions are based on a long tradition in criminology that Qué-
telet (1842), had anticipated in his work on the relation between age and
criminal activity and found his empirical method in the longitudinal works
developed by the Glueck (1930, 1950) that accompanied the trajectories of
IMESC, v. 2, n. 1, p. 11-29, 1985. ADORNO, S; BORDINI, E. Reincidência e Reincidentes Penitenciários

em São Paulo: 1974-1985. Revista Brasileira de Ciência Sociais, v. 3, n. 9, p. 70-94, 1989. ADORNO, S.;
BORDINI, E. A prisão sob a ótica de seus protagonistas: Itinerário de uma pesquisa. Revista Sociologia da
USP: Tempo Social, p. 7-40, 1991. LEMGRUBER, J. Reincidência e Reincidentes Penitenciários no Sistema
Penal do Estado do Rio de Janeiro. Revista da Escola de Serviço Penitenciário do Rio Grande do Sul,
v. 1, n. 2, p. 45-76, 1990. FANDINO, M. J. M. Análise comparada dos efeitos da base socioeconômica, dos
tipos de crime e das condições de prisão na reincidência criminal. Sociologias, jul./dec 2002.

two groups of adolescents, consisting of 500 offenders and 500 non-offend-

ers. In the 1970s, this approach was taken up by Wolfgang (WOLFGANG;
FIGLIO; SELIN, 1972), with the Philadelphia Birth Cohort Studies, where
the criminal trajectories of 10,000 individuals aged 10 to 17 were followed
with a focus on the dynamics of criminal specialization. In the 1980s, under
the coordination of Blumstein (BLUMSTEIN et al., 1986; BLUMSTEIN;
FARRINGTON; MOITRA, 1985), the Criminal Careers Panel was founded
by the National Institute of Justice and the US National Academy of Sci-
ences. In research conducted at the Panel, the concept of “criminal career”
became a central object of empirical research and theorizing. Blumstein and
his collaborators (BLUMSTEIN et al., 1986) defined the “criminal career” as
composed of a group of descriptive parameters: participation in delinquency,
frequency of offenses and their severity. They added delimitation parameters:
the age of onset, the duration and the age of closure of the “criminal career”.
This concept has come to encompass the notions of recidivism, delinquent
lifestyle and processes of stabilization of criminal activity. At the same time,
they specified that criminal career studies should be based on the analysis of
the relations between four parameters: precocity, polymorphism, frequency
of crimes and severity of penalties.
From this point on, a great deal of research has been produced, such as
MacCord’s (1992) research at the Cambridge-Sommerville Project, which
aims to understand permanence and changes in juvenile delinquency; Far-
rington and Ttofi’s (2011) research with the Cambridge Study in Delinquent
Development, a longitudinal study on infractional proceedings with 411 male
adolescents; Elliot’s (1994) analysis of the National Youth Survey, longitudinal
investigation into delinquent trajectory and drug use; and Le Blanc’s (1998)
research in Montreal, the Sample of Adjudicated Youths, which analyzes age
of onset, frequency. and age of dropout.5
Life course criminology integrates the “criminal career” perspective by
considering the same descriptive and delimiting parameters. However, it goes
beyond it for a number of reasons, not only by not limiting itself to criminal
activity, but by taking into account all forms of deviant behavior and their
interactions over time. Life course theory, therefore, starts from the same
descriptors of criminal activity and introduces the existence of mechanisms
from the cycle of deviant activities in the lives of individuals. In adopting this
perspective, it is also distinguished by its research strategy using longitudinal
studies, while most work in criminology is composed of cross-sectional stud-
ies. Thus, they allow the recognition of factors that are statistically associated
5 See: Pathways to Desistance: http://www.pathwaysstudy.pitt.edu/ and Rochester Youth Development Study

(M. Thornberry).

38
with criminal behavior and the interactions between them at a specific time
in an individual’s life.
Nevertheless, life course theory does not compare nor ranks specific
factors along the life course6 of individuals as the elements of entry, per-
manence and termination of criminal activity. This paradigm thus proposes
two specific fields of research. First, it is about analyzing the dynamics of
delinquent behavior from childhood to adolescence. Second, it is a matter of
distinguishing the explanatory factors that precede, accompany, or follow
changes in criminal behavior over time, that is, the sequence of biographical,
infractional, and institutional causes and consequences.
To understand this perspective, two concepts are central: trajectories and
transitions (ELDER, 1985). The concept of trajectory can be described as “a
path or a line of development over a lifetime” (LAUB; SAMPSON, 1993,
p. 8) occurring in a given space and context and marked by transitions that
constitute more or less abrupt state changes. Transitions can either be changed
in the same trajectory or mark the beginning and end of that trajectory, in the
latter case they are called turning points.
In this sense, we start from the concept of trajectory since its use offers
us an opportunity to empirically evaluate the development of individuals
throughout their life course. In methodological terms, the concept of tra-
jectory makes it possible to structure the temporal sequence of events; and
biographical, infractional and institutional transitions and ruptures from the
data in judicial processes. The trail to be mapped in the study of trajectories is
a path that always leads somewhere, and this “place” can be the permanence
or interruption of criminal activity, the continuity or discontinuity of social
integration processes, or the entry and exit of socioeducational institutions.
Events, risk factors, and transitions can be significant in an individual’s
life cycle, such as: family relationship and rupture, peer relationship, dropping
out of school, contact with criminal justice, children, street life trajectory,
and use of licit and illicit drugs. Thus, the infractional trajectory should be
examined in contrast to the background of the biographical and institutional
trajectories. The biggest and most sensitive changes must be analyzed. When
an individual experiences an event, risk factor, or transition, trajectories may
change. Therefore, events, risk factors, and transitions are key elements in an
individual’s life course (e.g. marriage, having children, dropping out of school,
having contact with criminal justice) that can alter social roles, social ties,
attitudes and behaviors. From a criminological point of view, the significance
of these events, risk factors and transitions implies taking them as turning
points that alter long-term patterns.
6 See concepts of “onset” and “desistance” as distinct variables with their own determinants.

Identifying and measuring the trajectories of adolescents prosecuted in

juvenile justice consists in giving rise to explanatory factors and elements
about the multiple reiterations of infractions occurring in a given period of
time. The dynamics of infractions, as well as the responses provided by juve-
nile justice, cannot be isolated from past interventions and their respective con-
sequences. Thus, understanding the adolescents’ infractional trajectory makes
no sense without its relation with their biographical and institutional trajectory.
3. Methodological and empirical contributions

to youth and violence research
The research was constituted as an exploratory study, with quantitative

and qualitative approach, seeking to better qualify the events, transitions and
ruptures that mark the trajectories of young people and adolescents throughout
their life cycle, revealing their connections, movements and risk factors. Ini-
tially, the research sought information about the life and delinquency trajectory
of young people in official documents, specifically in the Individual Care Plan
(Plano Individual de Atendimento – PIA). This step consisted of gathering
quantitative and qualitative information through documental analysis of 373
PIAs, between November and December 2016, in partnership with CIA/BH.
We can classify the information contained in this document in two
strands. Quantitative information gathered in the PIA includes variables such
as gender, race, age, place of residence, education, time spent in social care
institutions, drug use; information related to infractional trajectory – such as
type of infraction, date of the act and socio-educational measure applied; as
well as information on family composition such as number of members, age,
income, education and occupation of each family member.
The qualitative information is made up of reports in which socio-educa-
tional technicians weave a narrative that describes and reconstructs the different
trajectories of each of the 373 adolescents, from childhood to that time through
the Juvenile Justice System, following the axes determined by SINASE law
(BRASIL, 2012), which are: act and infractional trajectory; family; schooling;
professionalization and work; culture, sport and leisure; and health.
The nature of this material allows for a retrospective and prospective
longitudinal study, supported by the combination of qualitative and quanti-
tative analysis techniques. The retrospective phase will be aimed at under-
standing the factors associated with entry and permanence in the infractional
trajectory. We will analyze descriptive statistics related to the socioeconomic
profile of adolescents and their families, and the content of socio-educational
technical reports.

40
In the prospective phase, we will seek to verify the effects of factors

associated with entry and permanence in the infractional trajectory in this
population group over time, and investigate the factors linked to the process
of withdrawal. This will be done by checking official records for new acts
or possible deaths, and selecting a subsample for in-depth interviews. These
procedures will be performed using the same qualitative and quantitative
techniques already described above.
The 373 young people in this sample were born between 1994 and 2003.
Male adolescents correspond to 88.5% and blacks and Brazilian pardos repre-
sent 80% of the total. About 52.5% of the young people lived only with their
mothers, and 55.2% of the mothers had less than nine years of schooling. Thus,
most of the mothers worked in low socioeconomic status occupations such as
housekeepers, janitors or general service assistants. There is no information
on 71.6% of parents, and the few on which there are statistical data follow the
same trend as that observed among mothers: low education and precarious
manual occupations. Perhaps the socioeconomic situation of these families
has an impact on the reality of school dropout that characterizes the Juvenile
Justice public: 77.1% of the young people were in a situation of age-grade lag.
In addition, 42.9% admitted to licit drugs and 59% admitted to illicit drug
use. About 38.7% of the adolescents were complying with socio-educational
measures for robbery, 25.1% for drug trafficking and 10.9% for theft. Thus,
only these three infractional acts are responsible for 74.7% of the infractions
these young people had to answer for at that time, and 40% of the adolescents
had previously been through the Juvenile Justice System.
Thus, we come to a list of young people who had one or more passages
recorded due to an infractional act. This list was the basis for the execution
of the second stage of the research. This led to the proposal of recording the
Narrative Memoir (GUERRA et al., 2017) of the young people who made
up the universe of documental research.7 Since most of the analyzed PIAs
had only territorial references, without any other contacts, it was decided to
actively search for these young people, from the addresses provided in the
Individual Care Plans, in order to reach our research population.
A team of researchers from the field of Psychoanalysis, Sociology and
Education, – composed of teachers, undergraduate students and graduate
students – organized a field work plan which involved many aspects: from
the official mapping of the regions in which the arranged addresses were
organized; the equipment of public policies of health, social work and public
7 A strategy of psychoanalytic research of social phenomena, which includes the fictions, fixations and fantasies
that permeate the unconscious processes crossed by socio-political elements.

safety; to a schedule of meetings with such institutions to plan the territorial

approach of the group. Depending on the configuration mapped in terms of
surveying the occurrence of conflicts in the territory, a pair of researchers –
possibly accompanied by the presence of a representative of devices from the
public policy network – went to the address they had from the documental
analysis, in search of the young one referred by their own name and their
mother’s name, and not necessarily by a register the infractional system.
It was an indispensable methodological strategy, given that the proposal
of Narrative Memoir (GUERRA et al., 2017) invites the subject to present
their life story in order to build their subjective fiction from the point where
their drive circuits and their representations summon him. The life story also
reveals how the subject relates itself to the external context, beliefs and forms
of otherness, since the formation of the identity (or self-image) of the subjects
and the performance of social roles is a relational process between individuals,
groups and institutions (GOFFMAN, 2007).
Thus, by referring only to the young one’s name, we understand the
opening to the construction of their presentation without necessarily appre-
hending them in a pre-conceptualized discursive fabric, relating their passage
through the Socio-educational System. This territory stage also included the
application of a survey (BABBIE, 1999), an instrument that was developed
in the context of the research group meetings, and which was evaluated in a
pretest stage that consisted of the application of the instrument in adolescents
of public schools from the Belo Horizonte metropolitan region and adolescents
– outside the scope of the research – who were interned in a socio-educational
institution in the same city.
In the selection of young people for the construction of life narratives
and application of the questionnaire, only adolescents living in the city of
Belo Horizonte were considered. Considering the research execution time
(2017-2019), as well as the specificities of the territorial incursions of the
initial sample of 373 youngsters, we performed a mapping of 109 names
spread throughout 6 administrative regions of Belo Horizonte. We also pointed
out that with the help of data collection from the State Secretariat of Prison
Administration8 (Secretaria de Estado de Administração Prisional), 67 young
people who made up the initial sample were linked to the prison system. We
also identified 16 deaths based on the initial sample, according to a survey
8 The data was collected with the direct collaboration of the 23ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes – Área Infracional e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias
Criminais, Execução Penal, Tribunal do Júri e Auditoria Militar (CAOCRIM), represented by the Prosecutors,
Dr. Márcio Rogério de Oliveira and Dr. Henrique Nogueira Macedo, respectively, whom we thank for their
availability and partnership.

42
conducted by the Legal Medical Institute of Belo Horizonte (Instituto Médico

Legal de Belo Horizonte).9
From this list of 109 names that were inserted in spaces of socio-edu-
cational care, we sought the opportunity to analyze biographical aspects that
influence the infractional and institutional trajectory. Of these, we recorded
the narratives and proceeded to apply the questionnaire with 6 youngsters.
The ratio between the initial number of names and the final number of inter-
views is indicative of the difficulties we encounter in the field. In addition
to experiences with institutionalization / imprisonment and victimization by
homicides, we found that many young people had moved and many others
refused to participate in the research, assuming a position of suspicion towards
the investigators.
As we have tried to show, the transdisciplinary work proposed by the
IEAT research group made it possible to gather very extensive information,
and the sample of questionnaire application and Narrative Memoir record-
ing is very significant considering the new universe that is outlined with this
investigative proposal.
9 We also thank the aforementioned Prosecutors, as well as the Director of the Forensic Medical Institute of
Belo Horizonte, Dr. Thales Bittencourt de Barcellos, for making official data available

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CAPÍTULO 2
SOBRE A METODOLOGIA
TRANSDISCIPLINAR EM NARRATIVAS
E TRAJETÓRIAS DE ADOLESCENTES
AUTORES DE ATO INFRACIONAL
Amanda Lessa Malta
Aplicada no contexto de investigação transdisciplinar entre a sociologia

e a psicanálise, a metodologia a seguir descrita compôs a pesquisa “Curso de
vida e trajetória delinquencial” (IEAT, 2017). Realizada entre os anos de 2017
a 2019, a investigação buscou analisar “o curso de vida de jovens em vulnera-
bilidade, acolhidos pelo sistema socioeducativo, a fim de identificar eventos
que expliquem a entrada, permanência e/ou não permanência, desistência e/ou
não desistência, específicos da experiência adolescente com a delinquência”
(IEAT, 2017, p. 6). Uma de suas colaborações foi a inovação de tecnologia
social e científica de pesquisa, aqui desenvolvida.
Podemos dizer que há ao menos quatro saberes em jogo nessa investi-
gação: psicanálise, sociologia, o saber do jovem, e o mosaico dos saberes do
campo socioeducativo, colhidos através de PIA’s.1 Eles interagem com vistas
à construção de um modelo analítico e operacional que inclui as noções de
adolescência e infração, a fim de investigar a entrada, permanência e desis-
tência da criminalidade. Para esse fim, partimos das noções de curso de vida,
eventos, trajetórias e narrativas de adolescentes autores de ato infracional.
Os quatro questionamentos que originalmente orientaram e animaram
a pesquisa foram:
1. Concretamente, como se desenvolveram e se relacionam as traje-

tórias (biográfica, infracional e institucional) no curso de vida dos
adolescentes e jovens reincidentes no ato infracional?
1 PIAS são Planos Individuais de Atendimento, documentos utilizados pelas medidas socioeducativas que têm
objetivo de prever, registrar e gerir as atividades que serão desenvolvidas com os adolescentes durante o
cumprimento da medida, conforme prevê a Lei nº 12.594/12, que institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE) (BRASIL, 2012).

48
2. Como se dá a combinação de diferentes eventos, fatores de risco

e transições das trajetórias ao longo do curso de vida desses
adolescentes e jovens?
3. Podemos considerar a passagem adolescente, entre a infância
e a adultez, como fator decisivo para o estabelecimento de um
vínculo com o objeto criminogênico?
4. A trajetória institucional incapacita ou empodera os adoles-
centes e jovens envolvidos com roubo? Em que medida essa
trajetória amplia sua trajetória biográfica? Qual é seu efeito
em interromper ou reforçar sua trajetória infracional?
A pesquisa se deteve nas três primeiras perguntas, não tendo se dedi-

cado à analisar especialmente a situação de jovens envolvidos apenas com
o roubo, mas com qualquer conduta infracional. As noções de trajetória e
de narrativa foram o ponto de partida para a investigação e para a organi-
zação da coleta e da análise de dados. Três trajetórias foram priorizadas
no início da pesquisa para respondermos as suas hipóteses: a biográfica, a
infracional e a institucional, conforme nos ilustra a figura abaixo. Note-se
que as distinções entre estas trajetórias são distinções analíticas, ou seja,
na realidade e em cada história de vida dos adolescentes, cada trajetória
é sempre entrelaçada pelas demais. É a análise das influências recíprocas
entre as diferentes trajetórias que nos interessa.
Figura 1 – Articulação entre trajetórias
Trajetória Trajetória Trajetória

Reincidência
biográfica infracional ins�tucional
Trajetória Trajetória Trajetória

biográfica infracional ins�tucional
• Idade de início (precocidade)
• Número de membros • Tipo de ato infracional • Abrigamento na infância
• Posição na família • Gravidade • Medidas prote�vas
• Relações familiares violentas • Frequência • Medidas socioeduca�vas
• Trajetória de vida na rua • Diversificação • Frequência
• Déficit/abandono escolar • Idade de prevalência • Severidade
• Inserção profissional • Co-delinquência • Cumpriu / Duração
• Consumo de drogas • Gradação • Abandonou
lícitas/ilícitas • Duração • Incidentes
Fonte: Elaboração própria�

A figura acima, proposta originalmente no projeto desta investigação,

engloba os eventos que marcaram as trajetórias dos indivíduos analisados
a partir da perspectiva do Curso de Vida. Trata-se de uma abordagem
sociológica que se refere à sequência de estágios etários e papéis sociais
que os indivíduos experimentam ao longo de suas vidas (BENSON, 2013),
e da qual nos valemos como diretriz nessa pesquisa. As trajetórias podem
ser definidas como as sequências de estados concatenados que os indi-
víduos experimentam num determinado domínio de comportamento ou
experiência (maternidade, crime, escola, profissão etc.). Nesse sentido,
o curso de vida se define, segundo Elder (1985), como um conjunto de
trajetórias que um indivíduo acumula conforme amadurece. Dentro do
curso de vida ocorrem eventos e transições que consolidam, modificam
ou interrompem certas trajetórias.
A teoria do curso de vida permite compreender não apenas os fatores
causais que explicam a entrada na atividade criminal, mas também, sua
permanência e os constrangimentos da desistência. Ela é integrativa no
sentido de que articula eventos, transições e rupturas das várias trajetórias
no curso de vida dos adolescentes, como a trajetória biográfica, familiar,
comunitária, infracional e institucional. Têm como pressupostos centrais:

víduos ao longo do seu curso de vida (p. ex.: relativas à família,
à escola, à fatores de risco, ao contato com a justiça criminal).
Suas análises focam os fatores determinantes da entrada, da con-
tinuidade e da desistência da atividade infracional e permitem
analisar as mudanças e as continuidades na atividade infracional
ao longo do tempo, pois considera o ordenamento temporal e as
mudanças nos fatores determinantes com a idade.
A contribuição teórica sobre trajetórias possibilita a construção de

um modelo explicativo Transdisciplinar (Sociologia, Psicanálise e Saber
do jovem, coletado através de metodologia intitulada Narrativas Memo-
rislísticas (GUERRA et al., 2017)) para identificar eventos (sua natureza,
frequência, sequência, qualidade e interações) de diferentes trajetórias
(afetivo-sexual, familiar, comunitária, escolar, socioeconômica, infra-
cional, institucional) e seus impactos concretos e simbólicos na entrada,

50
persistência e desistência na criminalidade dos adolescentes em situações de

vulnerabilidade. A metodologia adotada2, por sua vez, permite a integração
de dados quantitativos, (número de eventos, natureza, sequência, intera-
ções), com dados qualitativos colhidos através das narrativas (percepções
dos adolescentes em cumprimento e/ou pós-cumprimento das medidas
socioeducativas – MSE – sobre suas trajetórias). A noção de narrativa
memorialística será explicada mais adiante.
O desafio em compreender as interações entre vários eventos com-
plexos e dinâmicos e seus desdobramentos e impactos nas trajetórias e
narrativas dos adolescentes em situações de vulnerabilidade, exige uma
abordagem engenhosa e inovadora, teórica e metodologicamente, capaz
de descrever o conjunto das narrativas colhidas, em sua singularidade e
generalidade, e das trajetórias, articuladas nos planos biográfico, infracio-
nal e judiciário-socioeducativo, compará-las e identificar seus principais
turning points (pontos de virada) e constraints (coerções) no curso de
vida dos adolescentes. Busca-se assim apreender as variantes de ordem
inconsciente e simbólicas, objetivas e sociológicas, capazes de explicar a
reincidência do jovem no ato infracional. Visamos construir um dispositivo
conceitual, analítico e operacional preciso que alcançasse essa finalidade,
introduzindo invariantes que pudessem ser aplicados na análise de outros
casos através de equipes multiprofissionais.
Tomando essa premissa, norteados pelas perguntas acima citadas,
tendo bem delimitado o objeto e objetivos da pesquisa, assim como os
saberes operantes nessa investigação, ainda era preciso delimitar a meto-
dologia que seria adotada, assim como estruturar os processos de coleta e
análise de dados de maneira transdisciplinar. Deteremo-nos em explanar
como se deu essa construção metodológica dividindo-a em três fases e
contando com a elucidação ilustrativa de quadros e figuras.
2 A metodologia adotada ao longo da investigação Curso de Vida e Trajetória Delinquencial será melhor
elucidada nas páginas seguintes.

Figura 2 – Metodologia geral da pesquisa
QUADRO DA METODOLOGIA
CAMPO DOS SABERES
JOVEM
SOCIOLOGIA PSICANÁLISE
SOCIOEDUCAÇÃO/DIREITO/SAÚ-
DE/EDUCAÇÃO
FASE 1 - ELABORAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA
CONCEITOS INSTRUMENTOS COEP
FASE 2 - IDA A CAMPO
MAPAS
NARRATIVAS
QUESTIONÁRIOS
MEMORIALÍSTICAS
AUSÊNCIAS
FASE 3 - ANÁLISE DE DADOS
PIAS NARRATIVAS
CASOS
CATEGORIAS
MAPAS objeto
objeto construído
objetoreconstruído
construído QUESTIONÁRIOS
DISPOSITIVO ANALÍTICO
TRANSDISCIPLINAR
Fonte: Elaboração própria.

52
1. Fase 1 : Elaboração conceitual e metodológica
No primeiro tempo, os seminários internos realizados em encontros

quinzenais com a equipe, versavam sobre a apresentação teórica de cada
disciplina sobre o objeto de estudo, a saber, adolescência e infração, confi-
gurando uma lógica antes inter do que transdisciplinar, inicialmente. Cada
campo disciplinar reuniu os principais conceitos adotados em seu campo,
apresentando aos demais o estado da arte sobre o tema. Podemos resumir
essa fase no quadro abaixo:
Quadro 1 – Elaboração conceitual pesquisa Curso

de Vida e Trajetória Delinquencial
REFERÊNCIAS
DISCIPLINA CONCEITOS CATEGORIAS
BIBLIOGRÁFICAS
• Curso de vida
• Trajetória
(dimensão e categoria) • Elder
SOCIOLOGIA • Turning Points
• Transições • Sampson e Laub
• Eventos
• Controle social
• Criminalidade
• Sujeito-Outro
• Agressividade e
• Objeto a
Violência • Freud
PSICANÁLISE • Sintoma
• Adolescência • Lacan
• Trauma
• Narrativas
• Repetição
• Corpo-Outro-História
Como se vê, enquanto a sociologia trabalha com teorias especialmente

desenvolvidas sobre a temática da pesquisa, a psicanálise opera com conceitos
clássicos fundamentais aplicados, no caso, à criminalidade e à adolescência.
De saída, portanto, deparamo-nos com modos lógicos distintos de abordagem
do sujeito/objeto de nossa investigação. Enquanto a sociologia detinha um
saber generalizado sobre o crime a partir de pesquisas longitudinais, a psica-
nálise oferecia matriz lógica conceitual para extrair o modo singular com que a
experiência criminal incidia no quadro societário. Em ambos os casos, faltava
a especificidade da experiência adolescente em sua relação com a infração
ser definida, conhecida e passível de ser manejada. Era preciso trabalhar a
interdisciplinaridade para dar um passo além e considerar o saber do jovem
na sua relação com a infração.

2. Fase 2: Construção dos instrumentos de coleta de dados

Figura 3 – Processo de coleta de dados
MAPAS
NARRATIVAS
QUESTIONÁRIOS
MEMORIALÍSTICAS
AUSÊNCIA
S
Às apresentações teórico-conceituais, as reuniões seguiram visando a

construção dos instrumentos de coleta de dados (questionários e entrevistas),
tendo-se definido rapidamente que as entrevistas seguiriam a metodologia das
Narrativas Memorialísticas, a partir de encontros individuais com os jovens,
mediados por uma dupla de pesquisadores, preferencialmente composta por
um pesquisador do campo da sociologia e outro do campo de estudos da
psicanálise. Nesse encontro, o convite de fala ao jovem inaugurou-se a partir
do pedido: “conte-nos sua história de vida”, para que, assim, através de livre-
associação, conceito caro ao trabalho psicanalítico, fosse possível narrar sua
história de vida. Ao pesquisador, nessa metodologia, cabe o lugar de mediador
simbólico (GUERRA et al., 2017), na medida em que perguntas e intervenções
são feitas apenas para estimular a fala ou esclarecer alguma dúvida emergente
do discurso do jovem, sem acrescentar novos elementos a sua fala.
Cabe ressaltar que a metodologia das Narrativas Memorialísticas foi
adotada anteriormente em uma pesquisa intitulada “Adolescências e Leis”
(FAPEMIG, 2017), desenvolvida ao longo dos anos de 2017 e 2018 pelo
Núcleo PSILACS – Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo da Uni-
versidade Federal de Minas Gerais. Porém, diferentemente da estruturação
metodológica adotada nesta investigação, a pesquisa “Adolescências e Leis”
contou com um segundo tempo no qual as narrativas compostas por jovens,
envolvidos ou não com a criminalidade, foram transformadas em obras de
arte por artistas convidados pelo Núcleo.
A perspectiva teórica das narrativas parte dos estudos de campos cone-
xos da literatura, saúde e história, que utilizam essa ferramenta conceitual,
dialogando, principalmente, com os modelos hermenêuticos de investigação

54
científica, reorientados aqui pela psicanálise de orientação freudo-lacaniana.

Adotamos a ideia de narrativa a partir das noções psicanalíticas de incons-
ciente e memória. Como o inconsciente é atemporal (FREUD, 1915/1996),
a memória se escreve a partir de traços que fixam formas reiteradas de satis-
fação e de desprazer, na relação entre desejo e gozo (LACAN, 1964/2009),
concorrendo para uma composição memorialística de fixão/ficção narrativa.
Em seu texto O artudito, Lacan (1972/2003) aponta para a diferença entre
fixão e ficção, localizando os termos como contrapostos na medida em que
a fixão ancora o sujeito ao real, contrapondo-se às ficções, aos impasses da
lógica singular com que o sujeito escreve sua história (LACAN, 1972/2003).
Nesse sentido, as narrativas consideram a linguagem a partir de sua possi-
bilidade de comunicação, mas também inclui a palavra como aparelho de
gozo (MILLER, 2012) que movimenta o corpo, incidindo sobre sua forma
de participação social.
Explora-se, a partir da narrativa, a rememoração: o que se diz sobre
aquilo que se lembra, e o que se lembra nem sempre condiz com a verdade
factual em si. Para além de um trabalho de rememoração, portanto, narrar uma
história de vida implica também na construção e no reconhecimento de uma
identidade, de um conhecimento sobre si, por um lado. E, por outro, lança
o sujeito na desconstrução de seus processos identificatórios e na disjunção
que a palavra introduz ao escapar à toda possibilidade de constituição de uma
representação final do sujeito sobre si mesmo.
A metodologia das Narrativas Memorialísticas, voltada para a investi-
gação de fenômenos sociais, ganha vida através da linguagem e, conforme
sustenta a teoria psicanalítica lacaniana, o campo da linguagem comporta
sempre a dimensão do Outro/outros. O Outro, com letra maiúscula, é visto
como tesouro de significantes, alteridade radical responsável pela inserção do
sujeito no campo da linguagem, de acordo com Lacan (1968, 1969/2008), e
os outros, desta vez com letra minúscula, referem-se à dimensão que marca a
relação êxtima identificatória do sujeito com seus semelhantes, representados
nas narrativas como seus interlocutores, aqueles aos quais elas se endereçam,
ou ainda, os tantos outros sujeitos/personagens que atravessam e compõem a
história de vida e as narrativas dos jovens. Nota-se assim, que o estilo narrativo
memorialístico é capaz de abarcar a dimensão do Outro/dos outros, trazen-
do-os à cena na coleta e na análise de dados e considerando sua importância
nos processos de constituição subjetiva do sujeito.
Tanto a Sociologia quanto a Psicanálise, tratando-se de pesquisa, podem
tomar os sujeitos como objetos. Em contrapartida, o uso das narrativas como
fonte de compreensão das trajetórias e suas elaborações posteriores aponta para

o potencial de construção de saberes que incluem o do indivíduo estudado,

como sujeito coadjuvante da pesquisa. Ao centro da cena, seja da investigação
“Adolescências e Leis” ou da pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquen-
cial”, temos jovens, negros, envolvidos com a criminalidade, moradores de
periferias urbanas, representantes das mais altas taxas de homicídio do país,
sujeitos esquecidos pelas engrenagens de poder e pela ordem social vigentes.
Convidá-los a narrar suas histórias de vida, a rememorá-las, constituiu-se,
para além de uma estratégia metodológica, um ato político, uma forma de
fazer frente ao abismo do esquecimento que os apaga da cena social. Os
inúmeros efeitos e possibilidades inaugurados a partir da adoção na pesquisa
“Adolescências e Leis” da metodologia das Narrativas Memorialísticas, como
topologia horizontal de pesquisa e transmissão de conhecimento, foi o que
fez com os pesquisadores apostassem, uma vez mais, em sua implementação,
agora sob uma investigação de caráter transdisciplinar.
Além das narrativas que trariam as singulares histórias de vida ficciona-
das/fixadas pelos adolescentes e contadas nos encontros com os pesquisadores,
também aplicamos questionários que trataram de maneira mais exaustiva os
dados que considerávamos, de saída, indispensáveis à compreensão da relação
dos adolescentes com o campo infracional, servindo assim como instrumento
quanti-qualitativo que poderia ampliar as informações, qualificar e quantificar os
eventos, bem como investigar aspectos considerados cruciais nas trajetórias de
vida dos jovens e adolescentes que poderiam não ser mencionados pelos mesmos
nas entrevistas, já que estas seriam livres, marcadas pelo roteiro do próprio jovem.
Assim, foram realizadas por cerca de um semestre reuniões de elaboração
do questionário fechado, com 118 perguntas divididas nas seguintes áreas de
concentração: perfil do jovem, perguntas relacionadas à atribuição e origem de
seu nome, sobrenome e apelido, trajetória familiar, trajetória escolar, trajetória
de pares, trajetória de trabalho, trajetória comunitária, trajetória infracional.
Além de englobar questões relacionadas à autoimagem (lida do jovem com
seu corpo), a virtualidade (uso dos jovens das redes sociais), a dimensão dos
afetos e a dimensão comportamental, que buscavam tangenciar a conduta e
envolvimento dos jovens em determinadas situações de risco.
O questionário foi aplicado em modo piloto em um centro provisório de
internação para jovens em cumprimento de medida socioeducativa, no Centro
Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA-BH
– e em uma escola da rede estadual da cidade de Belo Horizonte. Após essa
fase de pré-teste, algumas alterações no instrumento foram feitas até que se
chegasse a sua versão final utilizada em campo.

56
3. Fase 3: Encontro com o campo, coleta e análise de dados

Figura 4 – O dispositivo analítico transdisciplinar
FASE 3 - ANÁLISE DE DADOS
PIAS NARRATIVAS
CASOS
CATEGORIAS
MAPAS objeto
objeto construído
objetoreconstruído
construído QUESTIONÁRIOS
DISPOSITIVO ANALÍTICO
TRANSDISCIPLINAR
Elaborados os instrumentos, inaugurou-se a fase da coleta de dados partindo

de informações obtidas de fonte documental oficial representada por 373 proces-
sos judiciais, junto à Vara Infracional da Infância e Juventude de MG, que foram
analisados em perspectiva quantitativa pelo grupo de pesquisas “Curso de Vida
e Trajetória Delinquencial” do CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e
Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais no ano de 2015. A
partir dos endereços contidos em cada PIA (Plano Individual de Atendimento),
foi-se em busca dos jovens de forma ativa dirigindo-se até o território onde esses,
supostamente, habitavam.
A ida a campo, porém, apresentou diferentes e inesperadas dificuldades.
A primeira delas foi a da organização das duplas e sua distribuição pelo espaço
geográfico em busca dos sujeitos adolescentes. Tendo-se decidido por respeitar as
regionais do município de Belo Horizonte como critério geofísico, notava-se que
os endereços buscados, na grande maioria das vezes, localizavam-se em locais e
regiões distantes daquelas frequentadas e habitadas pelos pesquisadores e o acesso
via meio de transporte público levava longas horas e exigia sucessivas baldeações.
Em algumas regiões de fato não era possível aceder sem longas caminhadas a pé,
o que introduziu os jovens pesquisadores num novo universo concreto e simbólico,
em que a alteridade manifestava sua diferença real.

Entretanto, a ida a campo nos mostrou também outro nível de dificuldades.

Podemos enumerá-las como sendo: dificuldade de encontrar o jovem (circulação
no território, informação desatualizada ou ausente de seus endereços e referências
nos serviços públicos), adolescentes mortos, presos ou em outro endereço, difi-
culdade em aceder ao território (usamos serviços, pontos de comércio e agentes
locais como meio de entrada), ausência de pessoas nas casas, informações trun-
cadas de vizinhos, suspeita, recusa e desinteresse do adolescente em responder.
Alguns capítulos deste livro estão reservados a um desdobramento mais detalhado
acerca destas dificuldades, por ora, nos interessa apenas citá-las para que nosso
leitor possa compreender com quais tipos de atravessamentos foi preciso lidar ao
elencarmos a busca ativa como metodologia de coleta de dados.
Deste modo, visando otimizar o trabalho de ida a campo face a essas difi-
culdades, buscou-se parcerias com CRAS (Centro de Referência da Assistência
Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social)
regionais3, a fim de buscar orientações que facilitassem o acesso aos endereços
contidos nos PIA’s. Porém, sem condição de nos auxiliar de perto nesse processo
de busca, seja pela sobrecarga de trabalho de seus agentes ou por impedimentos
devido à dificuldade de sua capilaridade nos territórios, uma vez que esses dispo-
sitivos muitas vezes não abrangem as regiões como um todo, a coordenação de
serviços nos apresentou um valiosíssimo instrumento online de geoprocessamento,
acessível a todos os cidadãos, intitulado GEOSUAS. Este mapeamento indica
a distribuição dos serviços de assistência social no território de Belo Horizonte,
sendo dividido, primeiramente, por regionais urbanas e depois subdividido pelas
áreas de cobertura de cada serviço.
O mapeamento GEOSUAS permitia também a busca por endereços e loca-
lidades específicas, o que auxiliou, em grande medida, o encontro com os jovens.
Deste modo, se fazia possível localizar os endereços em relação à divisão regional
do território urbano, assim como identificar equipamentos e instituições de ser-
viço comunitário, vizinhos às localidades procuradas. Esse cuidadoso trabalho
de mapeamento, porém, não nos eximia dos impedimentos e dificuldades de
circulação territorial. Sendo assim, fez-se contato com o programa de prevenção
social à criminalidade Fica Vivo, cujo objetivo é controlar e prevenir a ocorrên-
cia de homicídios dolosos em áreas com altos índices de criminalidade violenta,
buscando um entendimento maior sobre a circulação nos territórios. Gentilmente,
em algumas regiões onde o programa nos apontou significativas dificuldades de
livre circulação, devido aos altos índices de criminalidade violenta, alguns de
seus oficineiros acompanharam nossas duplas de pesquisadores em campo. O
processo de criação e desenvolvimento do mapeamento em questão nos serviu,
não só como uma valiosa ferramenta metodológica, mas como convite a pensar os
3 CRAS e CREAS são equipamentos da política de assistência social, de base territorial, que oferecem serviços
socioassistenciais de proteção básica e especializada, respectivamente, para famílias e indivíduos.

58
enlaces entre os jovens, seus corpos e territórios. Este seria o processo intitulado
como “mapeamento” na figura que inaugura a seção: Fase 2.
O quadro abaixo sintetiza a busca pelos jovens e as situações encontradas
em quatro meses de investigação em campo, esboçando assim as dificuldades
acima citadas, reflexo de uma significativa defasagem entre o número de buscas
e o número de entrevistas e questionários realizados. A defasagem entre o número
de entrevistas e o número de questionários também é expressiva. Tudo isso sem
considerarmos o universo original de 373 adolescentes. A dinâmica de coleta de
dados previa um intervalo entre os tempos de coleta das narrativas e de aplicação
dos questionários, com vistas a não sobrecarregar os jovens participantes. Neste
intervalo, a partir do número de questionários aplicados, nota-se dificuldade de
manter contato com os jovens, seja por dificuldade de localizá-los, uma vez mais,
em seus territórios, ou por questões que envolvem o vínculo transferencial, sobre
o qual é difícil fazer previsões acerca dos possíveis incômodos em jogo, uma vez
que não conseguimos escutar os jovens novamente.
Quadro 2 – Situação final da ida a campo (Pesquisa

Curso de Vida e Trajetória Deliquencial)
Nº de participantes
Nº de entrevistas Nº de questionários
Nº de buscas: com entrevista
realizadas aplicados
e questionário
119 134 6 6
3.1 Análise de dados
Paralelamente, à continuação da busca pelos 373 adolescentes, tal qual

previsto originalmente no projeto, iniciou-se fase de análise dos dados. Para
esse fim, foram retomados os conceitos originais e as categorias do projeto,
com vistas a análise dos seis casos nos quais as narrativas e os questionários
foram aplicados e, somados ao PIA, permitiram a construção do caso. Nesse
momento, novos desafios se apresentaram.
Enquanto a sociologia busca categorias universais e generalizáveis, a
psicanálise opera com a singularidade do caso único. Assim, o primeiro movi-
mento, realmente transdisciplinar da investigação, no qual as fronteiras de cada
disciplina cederam face à imposição do saber do jovem sobre a relação com a
criminalidade, deu-se diante da tentativa de construção do modelo analítico. O
primeiro movimento realizado buscou constituir as trajetórias a partir das três
4 A esse número acrescentam-se outras 3 narrativas, concebidas por familiares dos jovens que demonstraram
interesse em conversar com nossos pesquisadores.

linhas dos cursos de vida que tínhamos em mãos: a do percurso do processo

judicial, a do registro nos PIA’s e a do roteiro subjetivo colhido livremente nas
Narrativas Memorialísticas e complementado pelos questionários fechados.
Na construção dos casos o grupo de pesquisadores se dividiu para analisar
o material coletado, buscando um entendimento singular de cada narrativa, bem
como das generalizações possíveis a partir dos pressupostos sociológicos. O
impasse se constituiu, nesse momento, em torno da dificuldade do que considerar
relevante ou significativo nas narrativas, pois não se tinha, em comum, esta-
belecidas as noções de trauma, significante e escuta flutuante que permitiriam
extrair os pontos simbólicos (escritos) e traumáticos (não escritos) das trajetórias
narradas. Também faltava encontrar o modo como cada trajetória, biográfica,
institucional e infracional, se conectava, já que o texto processual, o texto socioe-
ducativo e o texto do adolescente não coincidiam nem encontravam equivalên-
cia. Assim, tínhamos de um lado os fatos concretos extraídos dos documentos
oficiais e os fatos subjetivamente vivenciados pelos jovens que não faziam
conexão, nem permitiam daquela maneira uma abordagem transdisciplinar.
Cada caso foi analisado por meio de três instrumentos: o PIA, o questioná-
rio e a narrativa, e desta análise procurava-se extrair os principais turning points
(pontos de virada) e constraints (coerções) que tiveram impacto nas trajetórias
infracionais dos jovens, sobre seus enlaces e desenlaces ao crime. A leitura
psicanalítica centralizou-se em torno da narrativa, do caráter de ficção e das
fixões que ela comporta (LACAN, 1972/2003), explorando assim os equívocos
da linguagem, pontos de repetição e formas de satisfação pulsional. Tomava-se
cada narrativa e os eventos vividos pelos jovens como únicos e singulares, mas
sem deixar de lado um olhar atento ao que se tornava particular ao grupo.
A construção de cada um dos seis casos foi compartilhada em reunião
com a equipe da pesquisa. Para que o trabalho transdisciplinar pudesse se
consolidar, a discussão foi realizada levando em consideração os diferentes
saberes em jogo. Nesta dinâmica, o saber da psicanálise e da sociologia se
guiaram pelo saber do jovem conferindo um caráter transdisciplinar a pesquisa,
uma vez que sua construção conceitual e analítica ultrapassou os limites das
duas teorias e do saber informal e popular de seu sujeito.
4. A construção do modelo analítico transdisciplinar

Ainda considerando o processo de análise de dados, podemos dizer que
o primeiro esforço analítico nasceu da tentativa de composição de um quadro
comum para abordagem das trajetórias, no qual os eventos, em quatro dimensões
(infância, adolescência, juventude/adultez e adultez), podiam ser considerados em
diferentes categorias (família, comunidade, escola, trabalho, lazer, pares, igreja,
associações profissionais etc.), conforme os vetores idade e quantidade de eventos
significativos se tornasse identificáveis, conforme demonstra a figura abaixo:

60
Figura 5 – Quadro analítico das trajetórias
Infância
Adolescência Jovem - Adulto Adulto Dimensão
(1ª, 2ª, etc)
Quantidade de eventos
Família Família Família Família

Comunidade Comunidade Comunidade
Escola Escola Escola
Categoria
Trabalho Trabalho
Lazer Lazer
Pares Pares
Igreja
Associações Profissionais
Etc...
Idade
Nesse momento, consolidou-se uma definição transdisciplinar dos con-

ceitos-chave da investigação, caracterizando eventos como ações situadas
na vida dos sujeitos que, apesar de poderem ser gerais para todos os grupos
sociais (ou coortes – faixas etárias), são particulares e significativas em suas
consequências para os sujeitos. Neste sentido, eventos ocorrem dentro das
trajetórias, e podem tanto reforçar padrões emergentes de comportamento,
modificar significações de contextos de vida ou colocar o sujeito diante de
uma indeterminação, alterando ou redirecionando uma trajetória processual.
Quando os eventos desencadeiam uma descontinuidade em transições, traje-
tórias ou no curso de vida como um todo, são denominados turning-points.
Estes apresentam seus efeitos a posteriori (nachträglich) e podem constituir
significados em torno do qual o sujeito recorre constantemente para justificar
suas ações, exercendo uma força gravitacional que modula sua narrativa.
O elemento da indeterminação, não apreendido pelo campo do signi-
ficado e, por vezes, nem mesmo pelo campo da linguagem, restou como
impasse conceitual para o coletivo transdisciplinar, evidenciando uma questão
de difícil compreensão, definição, tradução e mensuração. Em psicanálise, ele
diz respeito, não à cadeia de significantes que gera significados e condensa
significações, mas ao corpo vazio e lógico que aloja modos de satisfação,
denominados de gozo. A palavra como o que veicula sentido também porta,
portanto, uma forma de prazer em si mesma, que não se transmite, não se
reconhece, nem é partilhável.

A impossibilidade de se chegar a um ponto comum quanto a essa dimen-

são, real, da experiência humana, evidenciou uma questão metodológica
quanto ao esforço de transdisciplinarização da produção científica de seus
resultados dessa investigação. Pudemos preliminarmente estabelecer que
o sentido ou o significado radica e tenta tratar esse impossível de dizer ou
significar, sendo o pólo repulsivo/atrativo (ou organizador) de toda narrativa
esse ponto vazio.
Assim, o tratamento transdisciplinar das narrativas se constituiu efetiva-
mente quando, pela invenção de um instrumento nascido da ideia, proposta por
uma doutoranda e atualmente desenvolvida em sua tese (RODRIGUES, 2019),
de valência e empuxo da física, tornou-se possível uma análise que, desfa-
zendo os saberes psicanalítico, sociológico e socioeducativo, centralizou-se
na Narrativa Memorialística adolescente, no saber do jovem, retornando às
categorias originais da pesquisa, agora diluídas naquilo que emergia como
vazio, capaz de ser ocupado pelos pólos atrativo ou repulsivo dos eventos,
por seus pontos de virada e por suas coerções.
Nesse sentido, ao conjugar universal-singular, através das perspectivas
macro-micro, e individual-genérico, através das categorias subjetivo-objetivo,
foi possível desenvolver um instrumento para composição de modo de leitura
das Narrativas Memorialísticas. Apresentaremos, a seguir, material inédito
de tese doutoral, em curso no Programa de Pós-Graduação de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, de autoria de Bianca
Ferreira Rodrigues, cedido aqui para o propósito de apresentação do modelo
transdisciplinar de análise dos dados da pesquisa em questão. Seguindo os
pressupostos desenvolvidos por Rodrigues (2019), a demonstração da intera-
ção dos aspectos envolvidos no processo de entrada e saída da criminalidade:
micro, macro, objetivo e subjetivo, pôde ser assim compreendida:
• Micro: conhecimento acerca da história singular e irrepetível

daquele sujeito;
• Macro: busca pelas intervenções possíveis com o ambiente em que
o adolescente está inserido, considerando redes formais e informais,
instituições, territórios etc.;
• Objetivo: localização dos eventos que sejam mais significativos na
história de vida do adolescente;
• Subjetivo: análise de qual(is) eventos têm a capacidade de influen-
ciar as construções simbólicas e/ou determinar os atos desse sujeito
(RODRIGUES, 2019);
Sendo sempre importante apostar no trabalho que está sendo realizado

e no adolescente enquanto potência de mudança e transformação.

62
Assim, ao cotejarmos a teoria do curso de vida, mais próxima do empi-

rismo, com a localização de eventos da realidade na linha do tempo de vida
dos indivíduos e tentativa de estabelecimento de causalidade, com a teoria
psicanalítica do inconsciente, exposta a problemática freudiana da primeira
tópica, a saber: a realidade é inscrita no psiquismo e isso acontece a nível
individual. Pudemos concluir que:
• O importante não é o evento, mas sua inscrição psíquica.

• O evento só é parcialmente acessível pela linguagem, mas determina
o campo de forças ao seu redor (RODRIGUES, 2019).
Figura 6 – Construindo a análise de dados: modelo gravitacional

t
F1
F2
Fonte: https://www.google.com/imghp?hl=pt-BR, 2019.
O sujeito, enquanto uma estrutura que não possui bordas, é influenciada

pelo ambiente externo, mas permanece sempre em movimento a partir do
vazio que a constitui.
• O caminho (vetor) representa o discurso e seu desenrolar diacrônico.

• O corpo central representa o evento, que não se insere no campo
do discurso, mas exerce uma força sobre ele.
Estamos lidando, então, com duas dimensões:
1. A narrativa enquanto algo que se desenrola no tempo (por isso

um vetor).

2. O evento enquanto força que determina a direção e o sentido da

narrativa (por isso um movimento).
Por se encontrarem em dimensões diferentes um pode exercer a influência

no outro. Todos os elementos discursivos da narrativa podem ser categoriza-
dos (Família, Escola, Trabalho etc.) e analisados a partir da sua posição de
proximidade, ou não, com os eventos não discursivos (RODRIGUES, 2019).
5. Apontamentos finais
Podemos dizer que a pesquisa atravessou três momentos quanto à dinâ-

mica dos saberes, conforme a figura abaixo:
Figura 7 – Percurso do saber entre as disciplinas da

pesquisa Curso de Vida e Trajetória Deliquencial
FASE 1 – ELABORAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA

MULTIDISCIPLINAR
FASE 2 – IDA A CAMPO

INTERDISCIPLINAR
FASE 3 – ANÁLISE DE DADOS

TRANSDISCIPLINAR
Os diferentes momentos que fizeram parte da construção dessa pesquisa

resultaram no trabalho transdisciplinar de criação de seus conceitos-chave.
Inicialmente as construções se basearam na multidisciplinaridade que se deu
na discussão e apresentação dos conceitos. Os conceitos do campo da psica-
nálise e da sociologia foram apresentados e discutidos pela equipe para dar
curso a metodologia que, visando as especificidades de cada saber presente,
teve o foco de trabalhar aspectos singulares e do curso de vida na história
de cada adolescente. A ida a campo coloca os saberes em jogo e aponta a
necessidade do trabalho interdisciplinar através dos desafios do campo e do

64
manejo com os instrumentos de coleta de dados. A transdisciplinaridade se

efetiva somente na análise de dados quando foi possível, a partir do saber dos
jovens, pensar em conceitos que ultrapassassem as delimitações dos saberes
conceituais e em um método analítico transdisciplinar que contemplasse um
novo objeto-sujeito.
O resultado final, trabalhado em capítulo deste livro, foi a recomposi-
ção do quadro analítico face ao binômio problema-encaminhamento, em três
aspectos: a precocidade na entrada na criminalidade, as famílias processuais
(GUERRA et al., 2019) e seus efeitos na transmissão e instituição da filiação e
finalmente a migração territorial que produz a adesão ou a desfiliação através
de elementos expulsivos e/ou impulsionadores de pertencimento.

REFERÊNCIAS
BENSON, M. Crime and the Life Course: An Introduction. 2nd Edition.
New York, NY: Routledge, 2013.
BRASIL. Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Lei do Sistema Nacional

de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Brasília: Presidência da Repú-
blica, 2012.
ELDER JR.; G. H. Perspectives on life course. Ithaca, New York: Cornell

University Press, 1985.
FAPEMIG. Adolescências e Leis: um estudo psicanalítico sobre a desistência

do crime na adolescência. Projeto apresentado ao edital 1/2017- Demanda
universal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, 2017
FREUD, S. O inconsciente. In: FREUD, S. Edição Standard das Obras

Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XIV.
GUERRA, A. M. C. et al. A família processual: Pensando a filiação e a trans-

missão na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 9, n.
1, p. 206-222, 2019.

1253, 2017.
IEAT. Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos

eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade. Projeto apre-
sentado ao edital 2017 do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2017.
LACAN, J. O aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro:

Zahar, 2003.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da

psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

66
LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um outro ao Outro. Rio de Janeiro:

Zahar, 2008.
MILLER, J.-A. O escrito na fala. Opção lacaniana on-line nova série, v. 3,

n. 8, jul. 2012.
RODRIGUES, B. F. A fala e seus meandros: análise topológica de Narrati-

vas Memorialísticas a partir da perspectiva psicanalítica. Tese em andamento
(Doutorado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Minas Gerais, 2019.

CHAPTER 2
ON TRANSDISCIPLINARY
METHODOLOGY IN NARRATIVES AND
TRAJECTORIES OF ADOLESCENTS
WHO COMMITTED INFRACTIONS
Amanda Lessa Malta
The following methodology – applied in the context of transdisciplinary

research between sociology and psychoanalysis – composed the research “Life
course and delinquency trajectory” (IEAT, 2017). The investigation, conducted
between 2017 and 2019, sought to analyze “the life course of vulnerable young
people, assisted by the socio-educational system, in order to identify events
that explain the entry, permanence and/or non-permanence, exit and/or non-
exit, all specific to the adolescent experience with delinquency” (IEAT, 2017,
p. 6). One of its collaborations was the technological innovation in social and
scientific research areas, herein developed.
We can say that there are at least four knowledge areas at stake in this
investigation: psychoanalysis, sociology, youth’s knowledge, and the mosaic
of knowledge of the socio-educational field, collected through PIAs (Indi-
vidual Assistance Plans).1 They interact with a vision of building an analytical
and operational model that includes the notions of adolescence and infraction
in order to investigate the entry into, permanence in and exit from crime. To
this end, we start from the notions of life course, events, trajectories and nar-
ratives of adolescents who committed an infraction.
The four questions that originally guided the research were:
1. Concretely, how did the trajectories (biographical, infractional and

institutional) in the course of life of adolescents and young people
who recur in the infraction take place?
1 PIAS (Planos Individuais de Atendimento) are Individual Assistance Plans, documents used with socioeduca-
tional measures that aim to predict, record and manage the activities that will be developed with adolescents
during the compliance with the socio-educational measure as provided by Brazilian Law nº 12.594/12, which
establishes the National System of Social and Educational Care (SINASE) (BRASIL, 2012).

68
2. How does the combination of different events, risk factors, and tra-
jectory transitions occur along the life course of these adolescents
and young people?
3. Can we consider the adolescent moment between childhood and
adulthood as a decisive factor for establishing a link with the crimi-
nogenic object?
4. Does the institutional trajectory incapacitate or empower adoles-
cents and young people involved with theft? To what extent does this
trajectory broaden its biographical trajectory? What is its effect on
interrupting or reinforcing your infractional trajectory?
The research focused on the first three questions and did not engage spe-
cifically on the situation of young people involved solely with theft, but with
those related to any infraction. The notions of trajectory and narrative were
the starting point for the investigation and organization of data collection and
analysis. Three trajectories were prioritized at the beginning of the research
to answer their hypotheses: biographical, infractional and institutional, as
illustrated in the table below. Note that the distinctions between these trajec-
tories are analytical distinctions, that is, in reality and in each adolescent’s
life story, each trajectory is always intertwined by the others. What interests
us is the analysis of reciprocal influences between the different trajectories.
Figure 1 – Articulation between paths
Biographical Infrac�onal Ins�tu�onal

Recidivism
Trajectory Trajectory Trajectory
Biographical Infrac�onal Infrac�onal

Trajectory Trajectory Trajectory
• Age of onset (earliness)
• Number of Members • Type of infrac�on • Childhood shelter
• Family Posi�on • Severity • Protec�ve measures
• Violent Family Rela�ons • Frequency • Socio-educa�onal
• Street life trajectory • Diversifica�on measures: Frequency
• Deficit/dropout • Age of prevalence • Severity
• Professional Inser�on • Co-delinquency • Fulfilled/Dura�on
• Use of licit/illicit drugs • Grada�on • Abandonment
• Dura�on • Incidents
Source: Own elaboration�

The table above, originally proposed in the project of this investigation,

encompasses the events that marked the trajectories of the individuals analyzed
from the perspective of Life Course theory. It is a sociological approach that
refers to the sequence of age stages and social roles that individuals experience
throughout their lives (BENSON, 2013), and which we use as a guideline in
this research. Trajectories can be defined as sequences of concatenated states
that individuals experience in a particular domain of behavior or experience
(motherhood, crime, school, profession etc.). In this sense, the course of life
is defined, according to Elder (1985), as a set of trajectories that an individual
accumulates as he matures. Within the course of life, there are events and
transitions that consolidate, modify, or interrupt certain trajectories.
Life course theory allows us to understand not only the causal factors
that explain entry into criminal activity, but also permanence in it and the
embarrassment of giving it up. It is integrative in that it articulates events,
transitions and ruptures of the various trajectories in the adolescents’ life
course, such as the biographical, infractional and institutional trajectory. Its
central assumptions are:
I. age-related changes in delinquency have structured sequences

and patterns;
II. the development of delinquency depends on the development of the
biographical and institutional trajectory of individuals throughout
their life course (as in relating to family, school, risk factors, and
contact with criminal justice). Its analyzes focus on the factors that
determine entry, continuity and exit from infractional activity and
allow us to analyze changes and continuities in the infractional tra-
jectory over time, as it considers temporal ordering and age-related
changes in determining factors.
The theoretical contribution on trajectories enables the construction

of a Transdisciplinary explanatory model (Sociology, Psychoanalysis and
youth’s knowledge, collected through a methodology called Narrative Memoir
(GUERRA, et al., 2017)) to identify events (their nature, frequency, sequence,
quality and interactions) of different trajectories (affective-sexual, family,
community, school, socioeconomic, infractional, institutional) and their con-
crete and symbolic impacts on the entry into, persistence in and exit from
adolescent crime in vulnerable situations. The adopted methodology2, in turn,
allows the integration of quantitative data (number of events, nature, sequence,
2 The methodology adopted throughout the investigation Course of Life and Delinquency Trajectory will be
better explained in the following pages.

70
interactions) with qualitative data collected through narratives (adolescents’

perceptions – undergoing and/or after socio-educational measures – MSE –
about their trajectories).
The challenge of understanding the interactions between various complex
and dynamic events and their consequences and impacts on the trajectories
and narratives of adolescents in situations of vulnerability requires an inge-
nious and innovative approach, theoretically and methodologically capable
of describing the set of collected narratives in their singularity and generality,
and the trajectories articulated in the biographical, infractional and judicial/
social/educational planes, comparing them and identifying their main turning
points and constraints in the adolescents’ life course. Thus, we seek to grasp
the variants (subjective and symbolic, objective and sociological) capable of
explaining the infractional recidivism of the youth. We aim to build a precise
conceptual, analytical and operational device that would achieve this purpose
by introducing invariant elements that could be applied to the analysis of other
cases with multiprofessional teams.
Under this premise, guided by the questions mentioned above and having
delimited the object and objectives of the research, as well as the working
knowledge in this investigation, it was still necessary to delimit the methodol-
ogy that would be adopted, as well as to structure the processes of data col-
lection and analysis in transdisciplinary manner. We will focus on explaining
how this methodological construction took place, dividing it into three phases
and relying on the illustrative elucidation of pictures and tables.
Figure 2 – General research methodology framework
Metodology Framework
Knowledge Field
Young person
Sociology Psychoanalysis
Socioeducation/Law/
Health/Education
Phase 1 - Conceptual and Methodological Elabora on
Concepts Instruments COEP
continues...
Phase 2 - Fieldwork
Maps
Narrative Memoir
Jacqueline O. Moreira - 22247.indd 70 Questionnaires 04/08/2020 09:00:19
Phase 1 - Conceptual and Methodological Elabora on
TRAJETÓRIAS ADOLESCENTES: contribuições

Concepts da psicanálise e sociologia
Instruments COEP
continued
Phase 2 - Fieldwork
Maps
Narrative Memoir Questionnaires
Absences
Phase 3 - Data Analysis

PIAs Narratives
Cases
SOCIOLOGY PSYCHOANALYSIS
Categories
Maps objeto
objetoconstruído
Reconstructed object
construído Questionnaires
Transdiciplinary Analytical
Dispositive
Source: Own elaboration�
1. Phase 1: Conceptual and methodological elaboration
In the first moment, the internal seminars held in biweekly meetings

with the team were about the theoretical presentation of each course about the
object of study, namely adolescence and infraction, configuring a logic rather
inter than transdisciplinary initially. Each disciplinary field brought together
the main concepts adopted in its field, presenting to others the state of the art
on the subject. We can summarize this phase in the table below:

72
Frame 1 – Conceptual elaboration – Course of Life

and Delinquency Trajectory research
COURSE CONCEPTS CATEGORIES REFERENCES
• Life course (dimension • Professional

and category) background Elder
SOCIOLOGY
• Transitions • Turning Points Sampson & Laub
• Social Control • Events
• Crime
• Subject-Other
• Aggressiveness
• Object to
and Violence Freud
PSYCHOANALYSIS • Symptom
• Adolescence Lacan
• Trauma
• Narratives
• Repetition
• Body-Other-History
Source: Own elaboration.
As can be seen, while sociology works with specially developed theories

on the research theme, psychoanalysis operates with fundamental classical con-
cepts applied, in this case, to crime and adolescence. From the outset, therefore,
we come across distinct logical modes of approaching the subject/object of our
investigation. While sociology held a widespread knowledge of crime obtained
from longitudinal research, psychoanalysis offered a conceptual logical matrix
for extracting the unique way in which criminal experience acted on the soci-
etal framework. In both cases, there was a lack of specificity in the adolescent
experience regarding its relationship with the infraction being defined, known
and manageable. It was necessary to work on the interdisciplinarity to take it
a step further and consider the youth’s knowledge in relation to the infraction.
2) Phase 2: Construction of data collection instruments

Figure 3 – Data collection process
Maps
Narra�ve Memoir Ques�onnaires
Absences

The theoretical-conceptual presentations were followed by meetings for

the construction of data collection instruments (questionnaires and interviews),
and it was quickly defined that the interviews would follow the Narrative
Memoir methodology, based on individual meetings with the young people,
mediated by a pair of researchers preferably composed of a researcher from
the field of sociology and another from the field of psychoanalysis. In this
meeting, the invitation to speak directed at the young person was inaugurated
with a request: “tell us your life story”, so that, through free association – a
concept dear to psychoanalytic work – they were able to narrate their story
of life. The researcher, in this methodology, fits the role of symbolic media-
tor (GUERRA et al., 2017), as questions and interventions are made only to
stimulate speech or clarify any emerging doubts in the discourse of the young
person without adding new elements to their speech.
It is noteworthy that the methodology of Narrative Memoir was previ-
ously adopted in a research entitled Adolescências e Leis (FAPEMIG, 2017
– Adolescences and Laws), developed over the years 2017 and 2018 by the
PSILACS Center – Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo (Psycho-
analysis and Social Bond in Contemporary Context) of the Federal University
of Minas Gerais. However, unlike the methodological framework adopted in
this investigation, the research Adolescências e Leis had a second moment in
which the narratives of the young people, involved or not with crime, were
transformed into works of art by artists invited by the Center.
The theoretical perspective of the narratives comes from studies of
related fields in literature, health and history, which use this conceptual tool,
in dialogue, mainly, with the hermeneutic models of scientific investigation,
reoriented here by Freudo-Lacanian psychoanalysis. We adopt the idea of
narrative from the psychoanalytical notions of the unconscious and memory.
Since the unconscious is timeless (FREUD, 1915/1996), memory is writ-
ten from traits that fix repeated forms of satisfaction and displeasure in the
relationship between desire and enjoyment (LACAN, 1964/2009), contrib-
uting to a memorialistic composition of narrative fixation/fiction. In his text
L’Étourdit (1972/2003), Lacan points to the difference between fixation and
fiction, locating the terms as opposite as the fixation anchors the subject to
the real, in opposition to the fictions, the impasses of singular logic with
which the subject writes his story (LACAN, 1972/2003). In this sense, the
narratives consider language from its possibility of communication, but also
include the word as a device of enjoyment (MILLER, 2012) that moves the
body, focusing on its form of social participation.
We explore recollection from the narrative: what one says about what one
remembers, and what one remembers does not always match the factual truth itself.
Beyond a work of remembrance, therefore, narrating a life story also implies the

74
construction and recognition of an identity, a knowledge about oneself, on one

hand. And, on the other hand, it throws the subject into the deconstruction of its
identifying processes and the disjunction that the word introduces in escaping the
possibility of constituting a final representation of the subject about itself.
The methodology of Narrative Memoir, focused on the investigation
of social phenomena, comes to life through language and – as the Lacanian
psychoanalytic theory maintains – the field of language always includes the
dimension of the Other/others. The Other, with a capital letter, is seen as a
treasure of signifiers, a radical alterity responsible for the insertion of the
subject in the language field, according to Lacan (1968, 1969/2008), and the
others, this time in lowercase, refer to the dimension that marks the subject’s
identificative extimus relationship with their peers, represented in the narra-
tives as their interlocutors, those to whom they address, or even the many other
subjects/characters that cross and compose the life story and narratives of the
young people. Thus, it is noted that the Narrative Memoir style is capable of
encompassing the dimension of the Other / others, bringing them to the scene
in the collection and analysis of data and considering its importance in the
processes of subjective constitution of the subject.
Both sociology and psychoanalysis can take the subjects as objects for
research. By contrast, the use of narratives as a source of comprehension of
the trajectories and their subsequent elaborations points to the potential of
knowledge construction that includes that of the studied individual, as a sup-
porting subject of the research. At the center of the scene, whether from the
Adolescências e Leis investigation or the “Life course and delinquency trajec-
tory” research, we have young black people involved in crime, people who live
in poor peripheral areas, representatives of the highest homicide rates in the
country, subjects forgotten by the prevailing gears of power and social order.
Inviting them to recount and remember their life stories, was not only a meth-
odological strategy, but also a political act, a way of facing the forsaking abyss
that erases them from the social scene. The innumerable effects and possibili-
ties inaugurated from the adoption of the methodology of Narrative Memoir
in the Adolescências e Leis research, as a horizontal topology of research and
knowledge transmission, was what made the researchers bet once again on its
implementation, now under investigation with a transdisciplinary trait.
In addition to the narratives that would bring about the singular life stories
fictionalized/fixed by the adolescents and recounted in the meetings with the
researchers, we also applied questionnaires that dealt more exhaustively with
the data that we considered, from the outset, indispensable to the understanding
of the adolescents’ relationship with the infractional field. Thus, the question-
naires served as a quantitative and qualitative instrument that could broaden
the information, qualify and quantify the events, as well as investigate aspects
considered crucial in the life trajectories of young people and adolescents that

may have not been mentioned in the interviews, since these would be free of
guidance, limited only by the narration of the young person.
Then, for about 6 months, we held meetings to elaborate the question-
naire, with 118 questions divided into the following areas of concentration:
the young individual’s profile, questions related to the attribution and origin
of his/her name, surname and nickname, family history, school history, peer
trajectory, work trajectory, community trajectory, infractional trajectory. In
addition to encompassing issues related to self-image (how the person dealt
with their body), to virtuality (their use of social networks), and to the dimen-
sions of affections and behaviors, which sought to circumscribe the conduct
and involvement of young people in certain situations of risk.
The questionnaire was applied as a pilot test in a provisional detention
center for young people undergoing socio-educational measures, Centro Inte-
grado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA-BH
(Integrated Center of Assistance for the Infractional Adolescent) and in a state
public school in the city of Belo Horizonte. After this pretest phase, some
changes to the instrument were made until the final field version was completed.
3. Phase 3: Field work, data collection and analysis

Figure 4 – The transdisciplinary analytical device
Phase 3 - Data Analysis
PIAs Narra�ves
Cases
Sociology Psychoanalysis
Categories
Maps objeto
objetoconstruído
Reconstructed object
construído Ques�onnaires
Transdiciplinary Analy�cal
Disposi�ve

76
After elaborating the instruments, the data collection phase was inau-
gurated based on information obtained from an official documentary source
represented by 373 lawsuits with Vara Infracional da Infância e Juventude
de Minas Gerais (Infrational Court of Childhood and Youth of Minas Gerais),
which were analyzed in a quantitative perspective by the research group
“Life Course and delinquency trajectory” of CRISP – Centro de Estudos de
Criminalidade e Segurança Pública (Center for Studies of Crime and Pub-
lic Security) of the Federal University of Minas Gerais in 2015. Using the
addresses contained in each PIA (Individual Assistance Plan), we actively
searched for the young individuals by heading to the territory where they
supposedly lived.
The field trip, however, presented different and unexpected difficul-
ties. The first of these was the organization of pairs and their distribution
throughout the geographical space in search of adolescent subjects. Having
decided to respect the regions of the city of Belo Horizonte as a geophysi-
cal criterion, it was noted that the addresses sought, most of the time, were
located in places and regions distant from those frequented and inhabited
by the researchers and access via public transportation took long hours and
required successive transfers. It was not possible to access some regions
without long walks, which introduced the young researchers to a new concrete
and symbolic universe, in which otherness manifested its real difference.
However, going to the field also showed us another level of difficulties.
We can list them as: difficulty finding the young people (movement in the ter-
ritory, outdated or missing information from their addresses and references in
public services), adolescents who were dead, imprisoned or living elsewhere,
difficulty in accessing the territory (we used services, commercial areas and
local agents as means of entry), absence of people in homes, conflicting
information from neighbors, suspicion, refusal and unwillingness to respond.
Some chapters of this book are reserved for a more detailed unfolding about
these difficulties, for now, we are only interested in mentioning them so that
our reader can understand what kind of obstacles we had to deal with when
we chose active search as a data collection methodology.
Thus, in order to optimize the field work in face of these difficulties,
partnerships were sought with regional CRAS (Centro de Referência da
Assistência Social – Reference Center of Social Assistance) and CREAS
(Centro de Referência Especializado da Assistência Social – Specialized
Reference Center of Social Assistance)3 in order to seek guidance that would
3 CRAS and CREAS are territorial based social assistance policy organizations that provide social assistance
services of basic and specialized protection, respectively, to families and individuals.

facilitate access to the addresses contained in the PIA’s. However, since

they were not able to closely assist us in this search process, either due
to the workload of their agents or impediments due to the difficulty of
their capillarity in the territories, since these devices often do not cover the
regions as a whole, the service coordination presented us with a valuable
online geoprocessing tool, accessible to all citizens, called GEOSUAS. This
mapping tool indicates the distribution of social assistance services in the
territory of Belo Horizonte, being firstly divided by urban regions and then
subdivided by the coverage areas of each service.
The GEOSUAS mapping also allowed the search for specific addresses
and locations, which greatly helped us in meeting the young individuals. In
this way, it was possible to locate addresses in relation to the regional divi-
sion of the urban territory, as well as to identify institutions of community
service near the sought places. This careful mapping work, however, did not
exempt us from the impediments and difficulties of territorial circulation.
Thus, we contacted the social crime prevention program Fica Vivo (Stay
Alive) – which aims to control and prevent the occurrence of murder in areas
with high levels of violent crime – seeking a greater understanding of the
circulation in the territories. The program showed us that in some regions
there are significant difficulties in free circulation due to the high rates of
violent crime and some of its workers kindly accompanied our pairs of field
researchers. The process of creating and developing the mapping tool in
question has served us not only as a valuable methodological item, but as
an invitation to think about the links between young people, their bodies
and territories. This would be the process titled “mapping” in the picture
that opens the section: Phase 2.
The table below summarizes the search for the young people and the
situations found in four months of field research, thus outlining the difficul-
ties mentioned above and reflecting a significant gap between the number of
searches and the number of interviews and questionnaires. The gap between
the number of interviews and the number of questionnaires is also significant.
All without considering the original universe of 373 adolescents. The data
collection dynamics predicted an interval between the narrative collection
times and the application of the questionnaires in order not to overload the
young participants. In this interval, based on the number of questionnaires
applied, it is difficult to maintain contact with the young people, either due
to the difficulty of locating them once again in their territories or by issues
involving the transference bond. It is difficult to make predictions about
possible nuisances as we cannot ever hear from the young people again.

78
Frame 2 – Final situation of the field trip (Life Course

and Delinquency Trajectory Research)
No. of No. of participants

No. of interviews
No. of searches: questionnaires with interview and
conducted
applied questionnaire
119 134 6 6
3.1 Data Analysis
Parallel to the continued search for the 373 adolescents and as originally
planned in the project, the data analysis phase began. For this purpose, we
used the original concepts and categories of the project, in order to analyze
the six cases in which the narratives and questionnaires were applied and
allowed us to build the case after being added to the PIA. At this time, new
challenges presented themselves.
While sociology seeks universal and general categories, psychoanalysis
operates with the uniqueness of a single case. Thus, the first really transdisci-
plinary research movement, in which the boundaries of each discipline fell in
face of the imposition of the youth’s knowledge about the relationship with
crime, took place in the attempt to construct the analytical model. The first
movement sought to constitute the trajectories from the three lines of life
courses we had in hand: the course of the judicial process, the registration in
the PIA’s and the subjective script freely collected in the Narrative Memoir
and complemented by the closed questionnaires.
In the construction of the cases, the group of researchers was divided to
analyze the collected material, seeking a singular understanding of each nar-
rative, as well as the possible generalizations based on sociological assump-
tions. At this moment, the impasse was constituted around the difficulty of
what was considered relevant or significant in the narratives, since the notions
of trauma, signifier and floating listener had not been established, in order to
extract the symbolic (written) and traumatic points (unwritten) of the narrated
trajectories. The way in which each trajectory – biographical, institutional and
infractional – was connected was also missing, since the procedural text, the
socio-educational text and the adolescent’s text did not match or find equiva-
lence. We had on the one hand the concrete facts extracted from the official
documents and the subjectively experienced facts told by the young people.
Thus, these did not connect or allow a transdisciplinary approach in that way.
4 There are 3 other narratives added to this number, made by family members of young people who showed
interest in talking with our researchers.

Each case was analyzed using three instruments: the PIA, the question-
naire and the narrative. From this analysis we sought to extract the main turn-
ing points and constraints that had an impact on the youngsters’ infractional
trajectories on their bonds to crime and their outcomes. Our psychoanalytic
reading focused on the narrative, the character of fiction and the fixations they
hold (LACAN, 1972/2003), thus exploring the misconceptions of language,
repetition points and forms of drive satisfaction. Each narrative and the events
experienced by the young individuals were taken as unique and singular, but
without neglecting a close look at what became particular to the group.
The construction of each of the six cases was shared in a meeting with the
research team. In order to consolidate the transdisciplinary work, the discussion
was held taking into consideration the different types of knowledge at stake. In
this dynamic, the knowledge of psychoanalysis and sociology was guided by
the knowledge of the young individuals conferring a transdisciplinary charac-
ter to research, since its conceptual and analytical construction surpassed the
limits of both theories and the informal and popular knowledge of their subject.
4. The construction of the transdisciplinary analytical model

Still considering the process of data analysis, we can say that the first
analytical effort was born from the attempt to compose a common framework
to approach the trajectories, in which the events – in four dimensions (child-
hood, adolescence, early adulthood and adulthood) – could be considered in
different categories (family, community, school, work, leisure, peers, church,
professional associations etc.) as the vectors of age and amount of significant
events became identifiable, as shown in the figure below:
Figure 5 – Analytical chart of the trajectories
Childhood Adolescence Early Adulthood Dimension

Adulthood
Family Family Family Family

Community Community Community
Number of events
School School School

Category
Work Work
Leisure Leisure
Peers Peers
Church
Professional Organiza�ons
Etc...
Age

80
At this moment, a transdisciplinary definition of the key concepts of

the investigation was consolidated, characterizing events as actions situated
in the lives of the subjects that, although they may be general for all social
groups (or cohorts – age groups), are particular and significant in its conse-
quences for the subjects. In this sense, events occur within trajectories and
may either reinforce emerging patterns of behavior, modify meanings of life
contexts or place the subject in the face of indeterminacy, altering or redirect-
ing a procedural trajectory. When events trigger a discontinuity in transitions,
trajectories, or in the entire life course, they are called turning-points. These
present their effects a posteriori (nachträglich) and may constitute meanings
to which the subject constantly resorts in order to justify his actions, exerting
a gravitational force that modulates their narrative.
The element of indetermination, not grasped by the field of meaning
and sometimes not even the field of language, remained as a conceptual
impasse for the transdisciplinary collective, highlighting a question of difficult
understanding, definition, translation and measurement. In psychoanalysis, it
concerns, not the chain of signifiers that generates meanings and condenses
meanings, but the empty and logical body that houses modes of satisfaction,
called jouissance. The word that conveys meaning also carries, therefore, a
form of pleasure in itself that is not transmitted, recognized, or sharable.
The impossibility of reaching a common point regarding this real dimen-
sion of human experience evidenced a methodological question regarding the
effort of transdisciplinarization of the scientific production of its results in this
investigation. We could preliminarily establish that the meaning grounds and
tries to treat what is impossible to say or mean, that empty point that is the
repulsive/attractive (or organizing) pole of every narrative.
Thus, the transdisciplinary treatment of narratives was effectively con-
stituted when, by the invention of an instrument born of the idea of valence
and physics thrust proposed by a doctoral student, and currently developed
in his thesis (RODRIGUES, 2019), it became possible to make an analysis
that, undoing the psychoanalytic, sociological and socio-educational knowl-
edge, focused on the adolescent Narrative Memoir, on the youth’s knowledge,
returning to the original categories of research, now diluted in what emerged
as emptiness, capable of being occupied by the attractive or repulsive poles
of events, their turning points and their constraints.
In this sense, by combining universal-singular with macro-micro and
individual-generic perspectives through subjective-objective categories, it
was possible to develop an instrument to compose a reading mode of Narra-
tive Memoir. The following is an unprecedented material of doctoral thesis,
ongoing in the Graduate Program in Psychology at the Pontifical Catholic
University of Minas Gerais, authored by Bianca Ferreira Rodrigues, provided
here for the purpose of presenting the model transdisciplinary analysis of the

research data in question. Following the assumptions developed by Rodrigues

(2019), the demonstration of the interaction of the aspects involved in the
process of entry into and exit from crime: micro, macro, objective and sub-
jective, could be understood as follows:
• Micro: knowledge about the singular and unrepeatable history of

that subject;
• Macro: search for possible interventions with the environment in
which the adolescent is inserted, considering formal and informal
networks, institutions, territories etc.;
• Objective: location of the events that are most significant in the
adolescent’s life story;
• Subjective: analysis of which event(s) have the ability to influence
symbolic constructions and/or determine the actions of this subject
(RODRIGUES, 2019).
It is always important to trust the work being done and the adolescent
as capable of change and transformation.
Hence, when comparing the theory of the life course, closer to empiri-
cism, with the localization of real events in the individual’s life timeline and
the attempt to establish causality with the psychoanalytic theory of the uncon-
scious, we exposed the Freudian problem of the first topic: reality is inscribed
in the psyche and this happens on an individual level. We could conclude that:
• What is important is not the event, but it’s psychic inscription.

• The event is only partially accessible by language, but determines
the force field around it (RODRIGUES, 2019).
Figure 6 – Constructing data analysis: gravitational model

t
F1
F2
Source: https://www.google.com/imghp?hl=pt-BR, 2019.

82
The subject, as a structure that has no borders, is therefore influenced by

the external environment, but always remains in motion from the void that
constitutes it.
• The path (vector) represents the speech and its diachronic unfolding.
• The central body represents the event, which does not fall within
the field of discourse, but exerts a force on it.
Thus, we are dealing with two dimensions:
1. The narrative as something that develops in time (hence a vector).

2. The event as a force that determines the direction and meaning of
the narrative (hence a movement).
Because they are in different dimensions one can exert influence on the
other. All discursive elements of the narrative can be categorized (Family,
School, Work etc.) and analyzed from their position of proximity, or distance,
with non-discursive events (RODRIGUES, 2019).
5. Final notes
We can say that the research went through three moments regarding the
dynamics of knowledge, as shown in the figure below:
Figure 7 – Path of knowledge between the courses relative to

the Life Course and Deliquential Trajectory Research
PHASE 1: CONCEPTUAL AND METHODOLOGICAL ELABORATION

MULTIDISCIPLINARY
PHASE 2 – FIELDWORK
INTERDISCIPLINARY
PHASE 3 – DATA ANALYSIS

TRANSDISCIPLINARY

The different moments that were part of the construction of this research
resulted in the transdisciplinary work of creating its key concepts. Initially
the constructions were based on the multidisciplinarity that occurred in the
discussion and presentation of the concepts. The concepts of the field of
psychoanalysis and sociology were presented and discussed by the team to
give course to the methodology that, aiming at the specificities of each pres-
ent knowledge, focused on working singular aspects and the life course in
the history of each adolescent. The field trip puts our knowledge at stake and
points to the need for interdisciplinary work through the challenges of the
field and the management of data collection instruments. Transdisciplinarity
only happened in data analysis when it was possible, from the knowledge of
young people, to think of concepts that surpassed the boundaries of concep-
tual knowledge and a transdisciplinary analytical method that contemplated
a new subject-object.
The final result, presented in a chapter of this book, was the recomposi-
tion of the analytical framework in relation to the problem-referral binomial,
in three aspects: the early entry into crime, the procedural families (GUERRA
et al., 2019) and their effects on the transmission and institution of affiliation
and finally the territorial migration which produces adoption or disaffiliation
through expulsive elements and/or drivers of belonging.

84
REFERENCES
BRASIL. Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Lei do Sistema Nacio-

nal de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Brasília: Presidência da
República, 2012.
ELDER Jr., G. H. Perspectives on life course. Ithaca, New York: Cornell

University Press, 1985.
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universal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, 2017
FREUD, S. O inconsciente. In FREUD, S. Edição Standard das Obras

Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GUERRA, A. M. C. et al. A família processual: Pensando a filiação e a trans-

missão na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 9, n.
1, p. 206-222, 2019.

1253, 2017.
IEAT. Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos

eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade. Projeto apre-
sentado ao edital 2017 do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
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LACAN, J. O aturdito. In LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro:

Zahar, 2003.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da


LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um outro ao Outro. Rio de Janeiro:

Zahar, 2008.
MILLER, J.-A. O escrito na fala. Opção lacaniana online nova série, v. 3,

n. 8, Julho 2012.
RODRIGUES, B. F. A fala e seus meandros: análise topológica de Nar-

rativas Memorialísticas a partir da perspectiva psicanalítica. 2019. Tese
em andamento (Doutorado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais.

CAPÍTULO 3
MAPAS, METODOLOGIA E A PESQUISA
TRAJETÓRIA E NARRATIVA
1. Introdução
A pesquisa foi possibilitada em grande medida porque a Lei do Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) instituiu a obrigatoriedade
da elaboração de um Plano Individual de Atendimento (PIA) para todos os ado-
lescentes que passam pelo Sistema de Justiça Juvenil. O PIA é elaborado a partir
do atendimento técnico realizado geralmente por profissionais da psicologia ou
da assistência social nas instituições responsáveis pela execução das medidas
socioeducativas e tem o objetivo de orientar a realização de um diagnóstico
interdisciplinar, a partir das trajetórias infracional, familiar, escolar, laboral,
comunitária e médica dos adolescentes, servindo primordialmente como guia
para as decisões judiciais sobre o encerramento da medida. As informações
reunidas no PIA contemplam variáveis como sexo, raça, idade, endereço, esco-
laridade, passagens por instituições da rede de assistência social, informações
relativas a trajetória infracional; além de informações relativas à composição
familiar. A essas informações somam-se relatórios em que os técnicos do socioe-
ducativo tecem uma narrativa que descreve a trajetória dos adolescentes aten-
didos do nascimento até o momento daquela passagem pelo Sistema de Justiça
Juvenil. Entre os meses de novembro e dezembro de 2016, coletamos 373 PIAS
no Setor de Atendimento das Medidas Restritivas de Liberdade (SAMRE) que
funciona dentro do CIA-BH e é responsável por direcionar ao arquivamento os
processos finalizados na Vara Infracional da Infância e Juventude.
A situação em que um adolescente autor de ato infracional encontra
um técnico do socioeducativo para a elaboração desse instrumento pode
ser marcada por uma série de suspeições por parte deste último, como por
exemplo, a suspeita que o envolvimento com as drogas e/ou a ausência de
supervisão familiar são possíveis causas da infração pela qual o jovem deve
se responsabilizar. Essa lógica de suspeição pode modular o relato feito pelo

88
adolescente e pelos seus familiares. Dessa forma, é preciso considerar que

simultaneamente a essas relações de saber-poder, são desenvolvidas estraté-
gias de resistência, como a troca de informações entre os adolescentes sobre
o que precisa ser dito, a dissimulação de comportamentos e a manipulação
da identidade por parte dos adolescentes e familiares (ALMEIDA, 2017).
Cientes disto, os técnicos procuram confirmar as informações entrevistando
adolescentes e familiares separadamente e entrando em contato com institui-
ções pelas quais o jovem eventualmente possa ter passado.
Desse modo, o objetivo do PIA é elaborar descrições convincentes do
que aconteceu para justificar as ações da equipe técnica, funcionando como
uma espécie de accountability institucional, uma vez que, servem como ins-
trumento mobilizado pelos juízes para avaliar e fiscalizar o trabalho realizado
(ALMEIDA, 2017). Através deste instrumento percebemos a mobilização da
rede administrativa do Estado e mais especificamente da assistência social,
com o intuito de induzir uma transformação subjetiva dos jovens com base na
noção de responsabilização para evitar a reincidência. Assim, emprega-se uma
‘grade analítica’ fundada em uma série de suspeitas que permite identificar
os riscos e o grau de vulnerabilidade em que esses sujeitos se encontram para
fomentar as intervenções julgadas necessárias.
O território e as relações desenvolvidas nele podem se configurar como
uma fonte de riscos e influenciar no cometimento de um ato infracional ou
ainda serem responsáveis por situações de ameaça contra a vida dos jovens
sob intervenção socioeducativa. Nesse sentido, o operador público se interessa
em averiguar a relação do jovem com o território a fim de verificar as coor-
denadas que podem determinar o cometimento do ato infracional ou apontar
estratégias de prevenção. Isso pode ser observado nos excertos abaixo:
O adolescente e a família tem bom relacionamento com seus vizinhos e

dentro da comunidade, não apresentando intercorrências relacionadas
às relações sociais e comunitárias que a família desenvolve (H., Regional
Noroeste, Tinha 17 anos na ocasião da elaboração do PIA).
O adolescente conta ainda que outros parentes são envolvidos com o trá-
fico, sendo que traficava para um primo, que atualmente encontra-se preso.
Relata que dois irmãos mais velhos foram mortos pelo tráfico da região. O
primeiro teria sido morto por comparsas e a segunda por delatar um trafi-
cante. [...] José não relata contato com instituições da rede socioassistencial
de sua região, tendo apenas o acompanhamento anterior do LA Barreiro e
do CAPUT. Sobre este último a mãe relata que não gostou do atendimento
recebido na instituição, pois sentiu que o médico estava lhe responsabilizando
pelos comportamentos e uso de drogas de José (José, Regional Barreiro,
Tinha 15 anos na ocasião da elaboração do PIA).

Apesar da riqueza das informações contidas nos PIA’s, eles não nos
ofereciam o olhar do jovem sobre sua história, apenas o olhar do aparato
judiciário, com seus marcadores legais. Nesse sentido, decidimos buscar o
saber do jovem sobre sua própria história, suas trajetórias e sua relação com
a criminalidade e sistema de justiça.
No presente texto, pretendemos reconstruir o processo de criação, em
um ato inventivo, de uma metodologia de acesso aos sujeitos da pesquisa.
Iremos narrar no “a posteriori” nossas movimentações, por vezes livres e
outras planejadas pela comunidades, na busca de escutar a história de alguns
destes jovens.
2. O início da nossa pesquisa ou mudança de foco
A oportunidade de conhecer um pouco sobre a percepção dos próprios

jovens nos foi dada através da parceria entre o CRISP e o PSILACS para a
formação do grupo Curso de Vida e Trajetória Delinquencial sob a chancela
do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). Durante um
ano, nos concentramos em desenvolver um corpo teórico e uma estratégia
metodológica para encontrar os jovens da pesquisa anterior, através da busca
nos endereços constantes nos PIAS.
Diante do encontro com o jovem, a estratégia metodológica elaborada
pela equipe transdisciplinar foi pensada em dois tempos. No primeiro, pedía-
mos para que o jovem nos contasse sua história de maneira livre, seguindo a
metodologia de narrativas memorialísticas (vide cap. 2). Não tínhamos per-
guntas programadas e a orientação é que as possíveis perguntas feitas teriam
como fim incentivar a fala ou elucidar pontos levantados que permaneceram
obscuros. Já no segundo tempo, a conversa foi guiada por uma entrevista
fechada no formato survey, na qual buscamos atualizar e checar informações
presentes no PIA e conseguir novas informações sobre a vida e as trajetórias
de nossos entrevistados.
As visitas foram realizadas em dupla e com raras exceções em trio, sendo
os pesquisadores identificados por meio de coletes que na frente trazem a
logomarca da UFMG e na parte de trás a marca do CRISP. A abordagem do
jovem era feita no endereço indicado pelo PIA. Caso encontrássemos o jovem,
dizíamos que havíamos chegamos até ele por meio de um banco de dados,
conseguido através do CIA-BH sem fazer maiores menções que remetesse à
trajetória infracional, o convidávamos para participar de uma pesquisa sobre
a história de vida de jovens que vivem na cidade de Belo Horizonte. Essa
forma de apresentação da pesquisa foi pensada com o intuito de minimi-
zar o estigma de infrator desses jovens e também de evitar que eles só nos

90
contassem histórias relacionadas à criminalidade. Por fim, definida a meto-

dologia, cabia a nós enquanto equipe praticá-la e, para tanto, precisaríamos
localizar este jovem.
2.1 Do PIA ao Território
No primeiro contato com o campo, as equipes perceberam que localizar

centenas de jovens espalhados na cidade, tendo como única referência de loca-
lização o endereço datado de alguns anos atrás, seria um desafio à pesquisa.
Quando procurávamos o endereço destes jovens, percebemos em muitos casos
que não havia consenso entre o nome formal e o informal de determinados
endereços. Para além desse problema não encontrávamos determinadas ruas,
seja na cartografia física ou através das ferramentas virtuais. Percebemos que
naquela região, oficialmente para a cidade vista de cima, não havia nenhum
endereço. Isso é capturado pelo trecho do diário de campo abaixo:
Na busca pelo endereço de J topamos com uma obra da prefeitura que

interditou o trânsito em alguns trecho do bairro. Somado a isso, obser-
vamos que a numeração das ruas era confusa, com números saltando
enormemente entre uma casa e outra. Em algumas ruas observamos que
algumas casas apresentavam dois números, um deles sinalizado como
novo ou antigo. Isso sugere um processo recente de adequação postal
desses endereços. Também chamou nossa atenção, o fato de algumas
ruas receberam nomes genéricos como por exemplo a própria rua em
que o adolescente residia: Rua C (Nota de campo, Pesquisador 1, Regio-
nal Barreiro).
Este primeiro desafio encontrado pela pesquisa, apontava para a existên-

cia de todo um território fantasma, uma cidade encoberta paralela à cidade
oficial, chamado de vazio cartográfico. Segundo Nuwer (2014), os vazios
cartográficos são regiões nos mapas que se apresentam como vastos espaços
internos em branco, sem nenhuma informação gráfica sobre ruas e aveni-
das, sugerindo portanto que naquela área existam terrenos não urbanizados,
desabitados ou sem construções. Esse fenômeno refere-se a uma falta de
correspondência entre a cidade oficial retratada em seus objetos topográficos
como os mapas oficiais, e a cidade real, esta que se alonga cotidianamente
pelos territórios. O Brasil tem, de acordo com dados do IBGE (2013), 6.329
favelas, sendo que grande parte destes territórios encontram-se excluídos das
representações cartográficas, incluindo aqui as ferramentas do Google Maps.
Mesmo os mapas digitais, entretanto, tendem a ser mais precisos nas
áreas que interessam mais aos usuários. Comunidades pobres, como a favela

Orangi em Karachi, no Paquistão, ou a favela Neza-Chalco-Itza, na Cidade

do México, estão mal representadas nos mapas. Sobre outras, a que se tem
pouco acesso, como a Coréia do Norte e alguns países de guerra, não se possui
quase nenhuma informação (NUWER, 2014. p. 1).
Há, portanto, uma dimensão política implicada na representação geo-
gráfica oficial de uma cidade, na medida em que entendemos que os vazios
cartográficos não se referem a apenas regiões geográficas não detalhadas em
mapa, mas toda uma população, moradores destas regiões, que são invisibili-
zadas por estes instrumentos. Assim, o que percebemos nesse desafio inicial
da pesquisa é que havia um descompasso oficializado entre a representação
da cidade formal e a cidade informal, marcando no seu vazio cartográfico o
espaço de segregação simbólica, já dada de saída pelo mapa.
Inicialmente, fomos a campo ignorando ou tratando de forma lateral essas
questões, uma vez que os pesquisadores se movimentavam entre os endereços
aleatoriamente, selecionando os lugares de acordo com uma maior comodi-
dade para as duplas. Percebemos, depois de algumas visitas, que esse método
apresentava alguns problemas, uma vez que, como muitos desses territórios
eram desconhecidos pelos pesquisadores, possuíamos uma leitura limitada
sobre as coordenadas sociais particulares a cada comunidade, bem como das
dinâmicas de violência nos lugares visitados. Transitamos pelos territórios
inicialmente como um carteiro novato mais dedicado ao flanêurismo do que
à entrega das cartas. Desse modo, logo percebemos que essa movimentação
errática era no mínimo ingênua, pois desconsiderava as articulações entre os
sujeitos que procurávamos, a comunidade, o território e a forma como estes
poderiam receber os pesquisadores.
Para que a pesquisa pudesse considerar toda a trama política tecida geo-
graficamente nesses territórios que escapavam às malhas oficiais, era neces-
sário que repensássemos o método de abordagem do território. Ao invés de
escolher os endereços por conveniência proximal, passamos a mapear os
endereços e direcionar as visitas em função das regionais da cidade de Belo
Horizonte. Dividimos todos os jovens entre as regionais: Oeste, Leste, Nor-
deste, Norte, Centro-Sul, Venda Nova, Pampulha, Noroeste, Barreiro. Assim,
circunscrevendo os jovens da pesquisa por regionais, poderíamos nos apoiar
em uma rede de serviços territoriais para nos auxiliar a entender melhor o
território e a localizar com maior sucesso os jovens.
Selecionamos a princípio a regional Oeste por ela concentrar grande
número de jovens da pesquisa. A partir disso, decidimos por entrar em contato
com o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) da região e, assim,
obter maiores informações sobre a região que nos garantisse uma circulação
segura, bem como a localização dos endereços dos jovens. A escolha do CRAS

92
justificou-se na própria natureza desse serviço, enquanto um equipamento

primário e territorial de assistência social, que tem a “busca ativa” como uma
das principais estratégias do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS). Trata-se de uma estratégia para o conhecimento das condições
de vida das famílias no território, bem como para localizá-las e contatá-las,
seja através de visitas domiciliares ou de entrevistas marcadas no CRAS. Ao
sair do equipamento público e se deslocar para o território, o que a política
pública nos apresenta é uma inflexão no papel e postura do Estado, que passa
de uma posição passiva, receptora, a um estado propositivo, movimentando-se
em direção ao cidadão (CAMOLESI; TEIXEIRA, 2015).
A nossa estratégica de encontro com os jovens se assemelhava bastante à
estratégia da busca ativa da Assistência Social, respondendo inclusive a alguns
critérios necessários para essa modalidade de abordagem, como nos aponta o
caderno Orientações Técnicas do CRAS (BRASIL, 2009), que diz que a busca
ativa deve ser realizada através do deslocamento da equipe de referência para
conhecimento do território; que deve haver contatos com atores sociais locais
(líderes comunitários, associações de bairro) e que se deve obter informações
e dados provenientes de outros serviços socioassistenciais e setoriais.
O encontro com estes equipamentos regionais, nos apontou uma limitação
de cobertura do território de abrangência e uma dificuldade de nos apoiar nessa
política naquele momento e naquele território, já que os mesmos também não
tinham um conhecimento muito claro dos territórios em que estavam inseridos,
e em alguns casos não cobriam esses territórios na totalidade de sua extensão.
No entanto, ainda que o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social)
não pudesse ajudar na circulação, a coordenadora do serviço nos apresentou
uma ferramento que seria de extrema importância para o campo: o GEOSUAS.
Trata- se de um Sistema de Georreferenciamento e Geoprocessamento do
SUAS, voltado tanto aos gestores e trabalhadores das políticas do SUAS
(Sistema Único de Assistência Social), quanto à população, através de uma
coleção de mapas disponibilizada em uma plataforma na Internet. Esse sistema
foi desenvolvido em 2015, pela equipe de Estudos Territoriais e Geoproces-
samento da Gerência de Informação, Monitoramento e Avaliação (GEIMA),
da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social de Belo Horizonte
(SMAAS), com o intuito de dar subsídio à construção de decisões estratégicas
no processo de gestão da Política Nacional de Assistência Social. Trata-se
de uma plataforma onde um mapa interativo e personalizável que faz uso do
Google Maps identifica os contornos do território municipal e suas divisões
administrativas, a localização de endereços, reúne informações referentes à
localização de equipamentos da rede socioassistencial, como centros de saúde,
escolas e Centro de Referência de Assistência Social e também de políticas

de interface. Esta ferramenta, além de possibilitar o acesso e o cruzamento de

informações de todo o município, tem a capacidade de construir indicadores
conforme a necessidade do território de atuação, e por isso ela desde o início
se apresentou como uma ferramenta muito útil à nossa pesquisa.
Fazendo uso dessa ferramenta, através de sua interfaces “Cidadão”, lan-
çamos todos os endereços dos jovens da pesquisa nesse mapa. Dessa forma,
conseguimos, além de informações orientadoras sobre o território, selecionar
os jovens por sua relação de proximidade, para que durante a ida a campo, as
duplas conseguissem fazer um maior número possível de visitas. Escolhido
os endereços a serem visitados, localizamos no mapa quais os equipamentos
públicos próximos que poderiam servir de suporte na tentativa de maiores
informações sobre o jovem ou sobre o território. Conseguimos, assim, pensar
com mais estratégia e organização nossa presença no campo.
Mesmo com maior planejamento, percebemos que muitos endereços
não conseguiam sequer serem lançados na plataforma, já que os endereços
oficiais não batiam com o nome de ruas e becos, esbarrando novamente no
muro da cidade informal. Havia um vazio cartográfico, que nem mesmo a
ferramenta do GEOSUAS conseguia contornar. Sendo assim, percebemos que
era imprescindível que encontrássemos algum equipamento de base local e
territorial capaz de nos traduzir o território, preenchendo com um saber próprio
o vazio cartográfico encontrado nos nossos instrumentos.
Nesse sentido, decidimos entrar em contato com os Núcleos de Prevenção
à Criminalidade dos Territórios visitados a fim de que, junto ao “Programa
de Controle de Homicídios: Fica Vivo!”, pudéssemos, além de encontrar os
endereços sub identificados no mapa, entender minimamente as dinâmicas
de violência daquele território, a fim de assegurar a circulação responsável
das equipes pelo espaço. Não se trata de uma exotização do campo, mas uma
forma de antecipação e minimização de algumas situações de risco, como a
inserção de pesquisadores em territórios com conflitos ativos.
Antes mesmo de ir a campo, possuíamos alguns dados novos: sabíamos
quais as regionais tinham uma concentração maior ou menor de jovens na
pesquisa e quais os equipamentos públicos que cobriam os territórios em que
os jovens viviam. Tínhamos uma noção das dinâmicas sociais, política e de
violência que atravessam as coordenadas daqueles espaços. Havíamos então
transposto uma lógica de entendimento da cidade formalmente geográfica,
para uma lógica do território, tal como nos apresenta Santos e Silveira (2004)
que, ao utilizar o termo “território vivo”, revisa a concepção tradicional da
geografia. Para o autor o território, mais que um traçado geográfico, mapeável,
é um organismo vivo e dinâmico que reflete e é refletido pela realidade que
sobre ele incide. O território “seria formado pelo conjunto indissociável do

94
substrato físico, natural ou artificial, e mais o seu uso, ou, em outras palavras,
a base técnica e mais as práticas sociais, isto é, uma combinação de técnica
e política” (SANTOS, 2002, p. 87).
Douville (2009) nos apresenta um território que extrapola sua significação
geográfica, acrescentado de camadas simbólicas que ancoram esse sujeito na
lógica tanto da cidade, quanto da filiação:
Ela será não apenas disposição geográfica, como também topos onde se
abrigam as memórias dos tempos, das cronologias, das filiações. Tradução
da experiência imediata, orgânica, em narrativas, memórias e passados
reencontrados como moradas, depois, em futuros esperados como oásis
humanos que um dia advirão (DOUVILLE, 2009, p. 332).
A cidade, assim, adquire valor simbólico ao ser sobre ela que se deslinda
a lógica de filiação que engendra o adolescente, bem como os conflitos urbanos
que performatizam o drama do jovem.
O encontro com a política de prevenção nos deu a segurança e o suporte
necessários para que fechássemos uma metodologia de ida a campo:
• Filtrar a lista de adolescentes por regional administrativa;

• Escolher a regional e lançar os jovens, através de seus respectivos
endereços, nos mapas baixados do GEOSUAS, localizando os equi-
pamentos de apoio próximo a estes endereços;
• Selecionar as duplas de pesquisadores que iriam a campo naquela
regional e dividir entre eles os endereços;
• Entrar em contato com o Fica Vivo!1 para localizar possíveis ende-
reços não encontrados e para que eles possam traduzir o território e
sua dinâmica, a fim de que executássemos uma circulação orientada
e segura;
• Ida a campo pelas duplas para encontrar os jovens e propor a pri-
meira parte da pesquisa – a narrativa memorialística;
• Retorno a campo em data previamente combinada com o jovem para
executar a segunda parte da pesquisa – o questionário.
Ficamos em campo entre setembro de 2018 e fevereiro de 2019 e visi-

tamos 109 endereços na cidade de Belo Horizonte. Uma das nossas grandes
dificuldades, ao longo de todo esse percurso – espacial e temporal –, foi a
1 O Programa Fica Vivo! é um programa de prevenção social à criminalidade que possui foco na prevenção
e na redução de homicídios dolosos de adolescentes e jovens, atuando em áreas que registram maior
concentração de homicídios. O programa Fica Vivo! articula dois eixos de atuação: Proteção Social e
Intervenção Estratégica.

localização dos jovens: depois de aproximadamente três anos da elaboração

do PIA, muitos mudaram de endereço. Na busca ativa por estes sujeitos, mui-
tas vezes não o localizamos, seja porque havia mudado, ou porque naquele
endereço não havia quem o conhecesse, já que os vizinhos não souberam
informar se ali residiu em algum momento a pessoa com aquele nome, ou por
situações de desencontro entre os pesquisadores e os jovens, uma vez que as
visitas aconteciam em dias úteis, em horário comercial.
Depois de 6 meses de trabalho, encerramos o campo após realizar
somente 13 entrevistas, sendo que destas, somente 6 jovens responderam
também o questionário, ou seja, cumprindo os dois tempos de nossa estraté-
gia metodológica. Para além dos dados colhidos no campo, fizemos também
levantamentos externos realizados pela equipe da pesquisa, que indicaram que
dos 373 jovens da amostra inicial, 16 haviam sido assassinados e 69 estavam
aprisionados no sistema adulto.
3. Do território ao jovem: um ajuste de lentes
As diversas escalas de nossa movimentação pelo território nos permitiram

pensar que nosso olhar sobre os jovens era apresentado a partir de diferentes
tipos de lentes. O GEOSUAS funciona como uma Grande Lente Angular que
reproduz o modelo de paisagem e produz distorção de perspectiva, pois apro-
xima os planos sem considerar os detalhes e as diferenças. Os equipamentos
dos territórios, CRAS e Fica Vivo, se assemelha a uma Lente Normal que
oferece a posição de retrato, localiza o sujeito, mas perde suas idiossincrasias.
O pesquisador que circula pelo território pode se aproximar da ideia de uma
Lente Teleobjetiva, pois localiza os detalhes e singularidade de cada cena. Mas,
o olhar privilegiado se encontra no próprio olho do jovem, a lente humana que
produz um encontro entre as sensações, percepções, memórias, pensamentos
e histórias. Talvez, a narrativa que o jovem nos oferece se assemelhe a uma
selfie, um retrato datado de si. Todavia, não podemos esquecer que todas estas
lentes coexistem simultaneamente.
3.1 A lente do Estado
Apesar da nossa intenção de conhecer a perspectiva dos próprios jovens,

nossos movimentos iniciais de pesquisa se deram no sentido de conhecer as
lentes que o Estado usa para dar visibilidade aos indivíduos que vivem sobre
sua soberania. A primeira lente, representada pelo Estado de maneira ampla
e pelo Sistema de Justiça Criminal, nos apresenta um foco bem definido
em uma população e em determinados tipos de crime. Nesta visualização,

96
os dispositivos de controle social mobilizam uma série de estereótipos para

construir uma suspeição generalizada sobre os indivíduos que possuam atri-
butos próximos ou afins daqueles que normalmente são incriminados pelas
agências do Sistema de Justiça Criminal. É nesse processo que a representação
do sujeito criminoso acaba extrapolando o próprio sujeito, e transborda para
famílias inteiras, ruas, comunidades, bem como para outros traços distintivos
de classe, gênero, idade e raça (MISSE, 2008).
3.2 A lentes das Políticas Públicas Territoriais
A segunda lente está representada na execução das políticas públicas

de assistência social, prevenção à criminalidade e saúde. Estas, ao definirem
áreas de atuação territorializadas, em tese seriam capazes de capilarizar uma
série de normativas para o seio das comunidades e famílias através da instru-
mentalização de formas de saber-poder capazes de produzir e controlar indiví-
duos e populações orientadas a um ideal de vida saudável e de produtividade
econômica (FOUCAULT, 2008; MALVASI, 2012; DONZELOT, 1986). No
entanto, quando buscamos os jovens focalizados pela primeira lente através
dessa segunda, encontramos uma série de espaços vazios e zonas de penum-
bra, que atestam os desencontros das políticas em torno indivíduo. Tomando
o espaço da cidade como conjuntos, as políticas desenham seus domínios,
fazendo excepcionalmente interseções, deixando assim o sujeito e o território
fora de suas lentes. As políticas se espalham pelo espaço, mas não capturam
a imagem do território na medida em que não sincronizam as coordenadas
do Estado sobre aquele plano. As políticas de assistência desconhecem as
políticas de saúde, os limites de abrangência se diferem e não conversam sobre
as microrregiões, fazendo com que a mera presença física dos equipamentos
públicos no espaço, não franqueie uma aproximação do Estado à população.
Nas próximas duas seções do texto, descreveremos nossa tentativa de
capturar dimensões particulares invisibilizadas pelas duas lentes do Estado.
Apresentaremos a leitura dos pesquisadores sobre as características dos terri-
tórios visitados e sobre as situações de interação com os sujeitos de pesquisa
e outros interlocutores. Em seguida, iremos explorar o olhar e as percepções
dos nossos sujeitos de pesquisa sobre os lugares onde vivem.
3.3 O pesquisador: sua lente teleobjetiva
Para Sanjek (1990), voltamos do campo com dois tipos de nota: notas
de campo e notas de cabeça. As notas de cabeça são aspectos que trazemos
na memória sobre as experiências que vivemos. No entanto, sabemos que
a medida que o tempo passa nossa percepção pode mudar e vários detalhes

podem ser esquecidos ou sobrepostos. Por outro lado, as notas de campo são
documentos que demonstram de maneira concreta que o exercício de escrita
também é um exercício de observação e reflexividade sobre as situações, os
sujeitos de pesquisa e sobre o próprio papel de pesquisador. O ato de transfor-
mar notas de cabeça em notas de campo é uma forma de preservar uma série
de detalhes capturados pela lente do pesquisador em um dado momento. Uma
vez escritas, essas impressões tornam-se estáticas e podem ser confrontadas
com impressões posteriores e mais distanciadas, fornecendo material para a
construção de uma narrativa de inspiração etnográfica.
Neste tipo de narrativa, o olhar do pesquisador tem fundamental impor-
tância na construção dos resultados da pesquisa. Em primeiro lugar, isso ocorre
por conta da própria biografia do pesquisador (BOURDIEU, 2017), que em
campo é obrigado a “enfrentar seus limites de homem de uma cultura ou de
uma classe, segmento ou grupo social”, de modo que, “sua visão de mundo
estará marcada e de alguma maneira comprometida” (VELHO, 1980, p. 17).
Além disso, deve-se levar em consideração quais são as teorias que nor-
teiam a visão do pesquisador. Isso porque a preparação para uma investigação
empírica envolve uma focalização transformadora sobre aquilo que dirigimos
nosso olhar (CARDOSO, 1998). É nesse sentido que o pesquisador pode
passar a estranhar aspectos corriqueiros e que até então pareciam naturais.
Contudo, é importante ressaltar que a teoria não se compara à prática, uma vez
que as situações encontradas “em campo” nem sempre podem ser antecipadas
ou contornadas somente com base no treinamento do pesquisador. Por mais
que estejamos preparados, o campo pode e irá nos surpreender.
Sendo assim, buscamos percorrer as regiões da cidade de Belo Horizonte
atentos às características dos territórios e às interações sociais estabelecidas
com nossos interlocutores. Abaixo estão ilustradas as observações feitas pelos
pesquisadores de campo, que demonstram a capacidade de perceber e capturar
detalhes e singularidades.
Na reconstrução de uma das pesquisadoras, a região leste da cidade de
Belo Horizonte é uma região que engloba vários bairros tradicionais, sendo
que a grande maioria das residências se encontra em bairros atendidos por
serviços públicos como linhas de ônibus, ruas asfaltadas, iluminação pública,
saneamento básico. Em um dos endereços buscados em um desses bairros
tradicionais, notamos que todas as casas da rua possuíam câmeras de segu-
rança e cerca elétrica. No final de semana em que fomos a campo também
presenciamos nas praças, atividades físicas sendo realizadas ao ar livre em
grupos. Por outro lado, nos bairros mais desfavorecidos dessa regional nota-
mos que os endereços que localizamos são em sua grande maioria situados
em aglomerados e favelas onde as ruas ou becos são estreitos e comportam

98
a circulação de um carro por vez. Foi verificada também a falta de serviços

básicos, sendo um indicador importante a quantidade de lixo acumulado nas
ruas. Em uma das comunidades desta regional, não chegamos a visitar todos
os endereços do território, pois fomos informados pelo Fica Vivo que estaria
ocorrendo um conflito por disputa de pontos do tráfico de drogas.
A região nordeste da cidade de Belo Horizonte também apresenta hete-
rogeneidades territoriais, sendo os bairros mais desfavorecidos localizados
na área de divisa com a cidade de Sabará. Nesse território constatamos a
existência de várias unidades do Programa Minha Casa Minha Vida, numa
das quais uma pesquisadora capturou a seguinte cena:
Localizamos o endereço. Trata-se de um aglomerado de prédios residen-

ciais. Em frente aos prédios há um Centro de Saúde. As ruas eram um
pouco sujas e no momento havia 2 (duas) viaturas policiais na rua. Um
policial militar estava armado no portão que dava acesso aos prédios.
Parece-me que estaria ocorrendo buscas em outro bloco (Nota de campo,
Pesquisadora 2, Regional Nordeste).
O período que estávamos em campo coincidiu com a realização de uma

série de intervenções urbanísticas, realizadas pela prefeitura em várias regio-
nais da cidade. Na regional Noroeste conseguimos capturar alguns efeitos
dessas intervenções sobre o quotidiano das comunidades locais.
Tivemos dificuldades em localizar o primeiro endereço por conta da nume-

ração confusa e da intervenção urbanística que estava ocorrendo no local.
Paramos para perguntar em um bar e a dona, que mora na região há 18
anos, nos informou que vários moradores foram desalojados e várias
casas foram destruídas em função da intervenção. No meio dessa estava
uma das casas que procurávamos. No entanto, segundo a dona do bar, o
jovem estava preso e sua família havia sido expulsa do lugar, antes mesmo
da intervenção urbana. A rua recém aberta na frente do bar começava
a ser asfaltada naquele momento. Em outra casa, encontramos a avó
(Gigi) de um adolescente que procurávamos. Gigi disse que a intervenção
urbanística fez com que os pontos de venda de droga diminuíssem e que a
presença da polícia no local fosse menor e menos truculenta do que fora
em outros momentos. Ela relatou que anteriormente, quando a polícia
fazia operações na região, os jovens que ficavam na boca costumavam
subir as vielas correndo buscando refúgio em qualquer porta que estivesse
aberta. Em uma dessa situações, Gigi nos disse que um policial chegou
a entrar em sua casa e forçar a entrada dando chutes na porta (Nota de
campo, Pesquisador 1, Regional Noroeste).

A intervenção da prefeitura vem no sentido de integrar certos territórios

à cidade formal, fornecendo tardiamente o acesso a serviços básicos como o
asfaltamento de vias e aumentando a visibilidade desses lugares para as lentes
estatais, principalmente para a polícia.
No que tange às interações entre os pesquisadores e os interlocutores
que encontramos em campo, é importante pontuar a colaboração dos mora-
dores dos territórios visitados, uma vez que, uma grande parte dos jovens que
procurávamos não morava mais nos endereços que tivemos acesso. Também
é interessante pontuar que em algumas situações, nem mesmo os vizinhos
sabiam dizer se alguém com o nome que procurávamos havia residido por
ali. Os relatos de campo, fornecem indícios de que a mudança residencial
dos jovens e suas famílias pode ter relação com a dinâmica da criminalidade
nos territórios.
Conversamos com uma vizinha de frente, que nos relatou que a A. se

mudou com a família a pouco mais de 5 (cinco) meses, não sabendo
informar sobre o paradeiro desta. A vizinha, que pediu para não ser
identificada, aparentava estar receosa e com medo, disse que a família se
mudou por causa do jovem, V., dizendo que em um episódio, um amigo do
V. foi morto em seu lugar. Contou que no dia dos fatos, chegaram vários
motoqueiros encapuzados no local procurando por V., que seu amigo se
assustou e correu, momento em que os motoqueiros efetuaram vários
disparos de arma de fogo, alvejando o rapaz. Passadas poucas semanas
deste ocorrido, levantou de manhã na sua residência e viu um caminhão
de mudança parado na porta da casa da A. Desde então perderam total-
mente o contato. Afirmou ainda que o V. é envolvido com a criminalidade
(Nota de campo, Pesquisadora 2, Regional Nordeste).
Mesmo com os pesquisadores identificados, houve situações em que os

vizinhos se mostravam reticentes a dar algumas informações sobre o jovem
que procurávamos, demonstrando a existência de algum tabu ou deferência
com relação ao jovem ou seus familiares.
Procuramos pelo endereço, mas a numeração da rua variava de maneira

esquizofrênica de modo que não conseguimos achar o endereço que pro-
curávamos. Batemos em uma casa e fomos atendidos por uma senhora
que disse conhecer a mãe do jovem. Quando perguntamos sobre W., a
vizinha logo desconversou e disse que seria melhor que perguntásse-
mos diretamente para Eliane (Nota de campo, Pesquisador 1, Regio-
nal Oeste).

100
As situações em que localizamos o endereço da família, mas o jovem se

encontrava preso, nos deram a oportunidade de capturar alguns aspectos da
intimidade, dos dramas familiares e das trajetórias dos pais ou responsáveis.
A casa ficava para baixo do nível da rua. Havia uma escada de metal que
caia direto no espaço dedicado ao mesmo tempo a sala e a cozinha. A casa
parecia ter mais dois cômodos, sendo um deles o quarto de Eliane, com
uma cama de casal. As paredes da sala, ainda no reboco, estavam repletas
de fotos. Dissemos para Eliane que estávamos procurando seu filho por
conta de uma pesquisa e ela respondeu pesarosamente que ele e o irmão
estavam presos, mas que ela poderia contar sua história. Ela nos contou
que tinha sete irmãos e morou doze anos na rua com sua família, que se
mantinha com reciclagem. Disse que teve muita dificuldade para estudar
porque ajudava sua mãe com o trabalho, mas que apesar de ter vivido na
rua nunca se envolveu com prostituição e nem com tráfico de drogas [...].
Ela está desempregada e não tem condições de visitar periodicamente os
filhos, nem de levar chinelos e outros itens de higiene básicos que não são
fornecidos nas prisões. Para ela, W. está perdendo a melhor parte da vida
de seu filho. “Vale a pena tudo isso, W.?” – perguntava Eliane chorando
(Nota de campo, Pesquisador 1, Regional Oeste).
Quando encontrávamos a residência da família, mas o jovem estava tra-

balhando ou estava fora por algum outro motivo, deixávamos uma carta con-
vite. Um dado interessante do campo foi que mesmo deixando a carta convite
em muitas residências, nunca tivemos o retorno positivo. Encontrar o jovem
também não era garantia de que iríamos conseguir obter sua colaboração.
Narrar sua própria vida é algo delicado, sendo perfeitamente compreensível
um sujeito negar abrir-se para um estranho que bate à sua porta. Além disso,
alguns jovens podem ter se recusado a participar da pesquisa por suspeitarem
que os pesquisadores integrassem o sistema socioeducativo. Um traço dessa
atitude de suspeição e a posterior recusa foi capturada na seguinte nota:
Ela não nos recepcionou muito bem, mas depois da explicação quanto à
pesquisa e, principalmente, depois da carta convite entregue, houve uma
mudança de postura (quebra-gelo). Retornamos por quatro vezes ao local
e não conseguimos encontrar o jovem para participar da pesquisa (Nota
de campo, Pesquisadora 2, Regional Nordeste).
O trânsito dos pesquisadores pelos territórios visitados obviamente não

passou despercebido e em alguns momentos recebeu olhares de desconfiança
das pessoas associadas ao tráfico de drogas no local.

Quando chegamos a um ponto da Pedreira Prado Lopes, chovia muito

na hora, localizamos o endereço, não fomos bem recepcionados. Havia
na rua 2 homens vigiando a esquina e de frente a residência havia uma
entrada para um beco e ali também havia uma olheiro que fumava crack,
era por volta das 14h. Nesse tempo apareceu outro homem na rua que foi
conduzido por este olheiro ao interior do beco. Em outra busca de ende-
reço, um senhor encontrava-se sentado na escada do beco, nos informou
o número da casa que procurávamos e disse que não conhecia o jovem
buscado, mas com muito bom humor nos informou também que era o
olheiro da região (Nota de campo, Pesquisadora 2, Regional Noroeste).
A lente dos pesquisadores em campo capturou a articulação entre a cidade

formal e informal, visualizada pelas intervenções urbanísticas que convivem
vários ilegalismos. Também foi possível observar a vida pulsante na movi-
mentação de diversos atores e de suas agências dentro do território. Por fim,
foi possível perceber que os jovens podem instrumentalizar a invisibilidade
marcada pelo Estado, como estratégia de proteção e resistência dentro de
seus próprios territórios, na medida em que escapam ao foco das políticas,
da segurança pública, ou, nesse caso, dos pesquisadores. As riquezas dessa
lente teleobjetiva ainda não esgotam a particularidade da lente do sujeito,
abordado pela pesquisa.
3.4 A Quarta Lente – Sujeito
No contexto de uma pesquisa guiada pelo ideal da transdisciplinaridade,

temos a intenção de adentrar num campo de escuta e diálogo entre diferentes
saberes sobre a natureza complexa dos fenômenos que atravessam a vida
humana e os diferentes dilemas vivenciados por aqueles que estão expostos
a eles (CLIFFORD, 1998). Dessa forma, além do que as lentes estatais e
acadêmicas são capazes de ver, devemos também reconhecer a validade dos
saberes constituídos através da experiência quotidiana pelos nossos interlo-
cutores (NICOLESCU, 1999).
Os jovens que aceitaram participar da pesquisa, nos ofereceram diferentes
olhares sobre os lugares onde vivem e sobre a inserção desses lugares no seu
próprio curso de vida. Dos 6 jovens que participaram dos dois momentos da
pesquisa, 5 nasceram na cidade de Belo Horizonte, sendo que destes, apenas
dois (H. e Francisco) não se mudaram dos territórios onde nasceram.
A dinâmica de migração desses jovens pode ser dividida entre duas
categorias. Em primeiro lugar está a migração entre bairros da cidade, que
pode ser observada no caso de Charles, que mudou-se do São Gabriel para o

102
Jardim Vitória aos 15 anos e de José que mudou-se de bairro aos 8 anos em
função do assassinato do irmão que era envolvido no tráfico.
Pra trazer esses atos infracionais que eu cometi, tudo tem um motivo.
Começou quando eu morava em Nova Cintra, foi 2005, dia 25 de março.
Tudo começou com o falecimento, da morte do meu irmão. Aí eu vim pra
cá, região Vila Formosa que é onde que eu moro, fiquei um pouco afas-
tado. Isso me corroía, machucava muito [...] Morava com a minha mãe,
com minhas irmãs e meu irmão, porque foi falecido lá. Aí nós morava
lá e depois nós foi... nós mudou pra cá, pra já, pra mim não... por causa
deu não envolver lá, né? Querendo ou não eu vi a morte do meu irmão,
querendo ou não abala. Aí você... (José, Regional Barreiro, 20 anos).
Na fala de José, a mudança de bairro aparece como uma atitude da famí-

lia para evitar que o jovem começasse uma trajetória infracional alimentada,
ao mesmo tempo, pelo desejo e pelo imperativo de vingar a morte do irmão.
O segundo tipo de dinâmica migratória envolve a mudança para outra
cidade, situação observada no caso do Poeta, que nasceu em Belo Horizonte
e mudou-se de cidade por duas vezes, uma aos 16 e outra aos 18 anos; e na
narrativa de Cecília:
Ai (pausa) eu me chamo Cecília, tenho 21 anos, sou do interior de Minas,

nasci em Itambacuri Minas Gerais que é bem próximo a Teófilo Otoni,
vivi lá durante meus... até os meus 11 anos. Com 11 anos de idade os meus
pais resolveram mudar pro Acre, então saímos do interior e fomos direta-
mente pro Acre pra casa de uma tia minha que estava com problemas no
casamento. Chegando no Acre minha mãe não se adaptou ao clima porque
lá faz muito calor, então foi (pausa) 8 meses morando no Acre. Do Acre
viemos direto pra cá, pro Horto, moramos aqui desde 2012, desde 2012
a gente tá aqui.” [...] Eu era muito nova e a gente nunca se adaptou em
nenhum lugar desde pequena. Foi muito difícil pra mim porque eu nunca
tive um melhor amigo de infância, por exemplo. Eu não sei, coisas que
as pessoas tem...uma amizade prolongada. Eu sempre estava mudando.
Mas depois que nós viemos pra Belo Horizonte as coisas melhoraram um
pouco, sabe? Eu tenho amigos desde que eu mudei pra cá e assim eu sigo
(Cecília, Regional Leste, 21 anos).
Cecília pontua, de maneira muito clara, as consequências das migrações

de sua família sobre suas oportunidades de estabelecer laços sociais fortes e
duradouros. É possível conjecturar que o início de sua trajetória infracional
esteja relacionado a processos de aceitação em grupos, como substituto a uma

lógica comunitária. Um indício dessa afirmação encontra-se no fato de que,

em sua narrativa, seu ato infracional não aparece.
Há também, no discurso dos jovens, uma relação ambivalente no que
tange ao pertencimento ao território. Alguns apontam uma insatisfação com
o território e uma falta de articulação comunitária, culminando, em muitas
narrativas, em um desejo de se mudar. Respondendo ao survey, Poeta, H
e Francisco manifestaram o desejo de se mudarem. Paradoxalmente, esses
jovens também relataram gostar da convivência em seus bairros, ainda que
interpretem que as relações estavam atravessadas por inveja e interesse.
Por outro lado, o questionário também traz a percepção dos jovens sobre
a falta de serviços básicos e opções de lazer. Cecília, que não tem desejo de
se mudar de seu bairro e se diz satisfeita com a localização e a facilidade do
acesso ao serviço de transporte público em seu bairro, diz-se insatisfeita com
opções de lazer para sua filha.
Constata-se, por meio do questionário, uma certa naturalização da violên-
cia, seja na paisagem do território, ou na incidência desta nas trajetórias destes
jovens. José, Charles e H afirmaram no survey ver com pessoas vendendo
drogas e portando armas de fogo no território onde vivem. As narrativas cor-
roboram com os questionários na medida em que também retratam episódios
de instrumentalização e até banalização da violência.
Tinha umas biqueira que os policial era muito covarde, né? De madru-
gada quando eles pegavam nós lá, eles regassava nóis sem dó. Um dia
lá, um menino conseguiu correr e eu e mais um não conseguiu não. Foi e
começou a pegar nóis mandou nóis sentar com a mão pra trás de frente
pra parede. Ai foi e começou a dar chutão em nóis [...] Dando soco na
barriga na costela [...] Isso é covardia que ele fez, mas é o trabalho deles
(Charles, Regional Oeste, 18 anos).
Tipo eles me pego, ué. Eles já me conhecia, que eu vendia droga antes,
né? Ai eles me pegou e queria que eu andasse com eles ai. Eu falei que
não ia e nós começou a brigar na mão, ai eu fui preso por desacato [...]
A justiça sempre é maior que todos os favelados. Favelado é foda. Pra
eles todo mundo é bandido, não importa se mudou, se quer mudar. Pra
eles, eles tem que catar e prender, bater. Porque aqui a polícia não tem
regra com ninguém não. Eles chegam, dá tapa na cara, chute. Dá tapa
na cara da mãe dos outros, dá tapa na cara de qualquer um. Eles não
querem saber de nada não. Para eles todo mundo é bandido. Quem não é
bandido, acoita [esconde] bandido. Pra eles é isso ai mesmo (H., Regional
Noroeste, 22 anos).

104
O encontro desses jovens com as lentes do Estado nem sempre se pro-

cessa dentro da legalidade. Nesses territórios, as relações entre o formal, o
informal, o legal e o ilegal são turvas, de modo que as fronteiras entre Estado
de Direito e Estado de Exceção se encontram em constante tensão (DAS;
POOLE, 2004). Nessa zona de tensão, tanto os jovens como os agentes de
segurança pública são sujeitos a uma dinâmica relacional de polarização espe-
cular da identidade, mas que comungam da instrumentalização de formas
extralegais de resolução de conflitos.
A grande lente angular do Estado, com seu foco genérico de paisagem,
acaba lendo todos os moradores de determinados lugares como pertencentes
a um tipo social específico: sujeitos essencialmente criminosos, ainda que a
maioria não esteja envolvida com práticas criminosas. Esse tratamento indis-
tinto da polícia com aqueles que habitam esses territórios fomenta descrença
sobre a legitimidade da ação estatal, ao mesmo tempo que fortalece e legitima
ordens locais próprias.
Aqui é tranquilo. Aqui é grande. É só um cara mesmo que manda em

tudo aqui. No momento ele está preso, mas isso aí não muda em nada
não. Aqui tem as partes, né? Cada… Aí tem muito cara também. Muita
gente envolvida, tem umas 5, 6 bocas aqui. Os caras não deixam, porque
eles olham muito os moradores. A palavra dos moradores é que vale.
Lá na outra boca lá de cima, [inaudível], não pode fumar não. Lá não
pode fumar na rua inteira. Essa rua inteira lá pra cima não pode fumar
maconha. Antes podia, mas os moradores começaram a reclamar que tava
fumando na porta da casa deles e essas coisas e os caras proibiram. Não
pode fumar maconha lá não [...] Não adianta nós aqui querer discutir com
eles e querer nada com eles não. Porque a voz maior é a deles. Porque
também nós discutir com eles, nós fica sem apoio aqui, né? Porque tem
vez, igual assim... Tem gente que não está trabalhando no dia na boca,
tá tranquilo na rua e chega [a polícia] batendo. Aí os moradores também
ajudam, porque aqui ninguém trata mal morador e essas coisas. Morador
também ajuda, mas não é todos também não. Tem morador que... Mas aí
nós nem olha pra eles também não. Não incomoda ninguém, que é melhor
(H., Regional Noroeste, 22 anos).
Toda essa complexidade apresentada através do próprio olho do ado-

lescente nos apresenta uma lógica de mobilidade que se dá muitas vezes em
um curto circuito, em que os jovens se deslocam do território por dinâmicas
econômicas ou de violência e retornam a ele também nessa coordenada. Ao
longo de seus relatos, o que percebemos é que esses jovens deslizam, em um
vai e volta, pelos territórios, que não exercem sobre ele tanta pregnância. Há
uma lógica de domínio, mas não de identidade destes jovens com o espaço

urbano, que pode ser observado como efeito do fenômeno das migrações entre
esses jovens e suas famílias. Segundo Douville (2002),
Para muitos adolescentes, uma representação da rua, de acordo com o

modelo habitual que faz dela uma passagem entre dois lugares, não existe
ou, pelo menos, isso não remete ao modelo geométrico de uma delimitação
espacial unindo as pontas de dois espaços heterogêneos. A rua nem sempre
é um limiar, uma passagem, ela pode aparecer e ser vivenciada como um
abismo catastrófico, o espaço não é, então, uma simples extensão, ele é
feito de camadas mal ligadas entre si, unidas por espaços que são, eles
próprios, não sólidos. Além da esquina da rua, está o desconhecido, às
vezes, o perigo. Além do familiar, está o não-território, lá onde se vive
numa ausência total de segurança e de amor. Por essa razão, a rua pode
se tornar não um lugar entremeio, mas um puro entre, o próprio lugar,
aquele que é afetado pelos objetos que ele contém e pelos objetos que o
atravessam (DOUVILLE, 2002, p. 82).
Em cada relato, percebemos a construção própria de uma cartografia sub-

jetiva, em que o jovem faz marcar suas microgeografias, construídas a partir
de seus deslocamento e de suas permanências. Nestas cartografias, o território
se apresenta de forma contraditória em muitos casos, sendo entendido como
um espaço acolhedor, outras vezes hostil, onde o jovem quer permanecer, mas
ao mesmo tempo quer partir. Essa ambivalência aponta o esforço adolescente
em encontrar balizas norteadoras para essa época de sua vida, que irrompe
tantas rupturas com o instituído. A casa dos pais não mais é a referência, a
autoridade e o saber deles é substituído, o encontro com o Outro exige desse
sujeito uma reconstrução e afirmação de sua identidade; resta ao jovem se
localizar política e socialmente a partir de um confronto violento naturalizado
entre vários atores e, especialmente, contra os operadores do Estado.
Frente a forma de presença do Estado em determinados locais, que não
viabiliza o reconhecimento, resta aos jovens a mobilização de escassos recur-
sos próprios na tentativa de privadamente de se inscrever no pacto social.
Deslizar da trajetória dos pais para uma própria, fazer existir a autoria de
um mapa a despeito da migração compulsória. Todas essas transformações
desmapeiam o sujeito e sua organização, exigindo dele um novo esforço de
contorno subjetivo. Essa tarefa de contorno, muitas vezes ganha palco na
cidade, como uma extensão do conflito juvenil, onde a rua “traduz o jovem”
na medida em que ela é traduzida por ele, assim como o são o bairro e, mais
adiante, a cidade (DOUVILLE, 2002). Esse imbricamento entre o jovem e a
polis nos indica que é preciso interpretar a paisagem em sua relação com o
jovem, já que é sobre ela que o sujeito estabelece relação com suas marcas,
com seus dizeres, com seus semelhantes.

106
4. Consideração final
Revisitando o pensamento de Simmel, Urry (1999) define o olhar como

uma realização sociológica, isto é, olhar para um outro estabelece conexões
e interações entre indivíduos, proporcionando o sentimento de reciprocidade.
Esse olhar também permite a posse e a propriedade, uma vez que a visão
permite que pessoas e objetos sejam controlados à distância, unindo distancia-
mento e domínio. No entanto, adventos da modernidade, como a invenção da
fotografia, o panóptico e o progresso da cartografia, permitiram a quebra dessa
reciprocidade que outrora caracterizava o olhar, ao permitir que pudéssemos
observar os outros sem sermos vistos. Para Urry (1999), essa separação entre
o observador e aquilo/aquele que foi observado institui uma ética particular,
propriamente moderna, capaz de incluir e excluir ao mesmo tempo. Isso nos
leva a pensar a agência através do conceito de híbrido, ou seja, como ação
atingida na formação e reformação de correntes e redes entre humanos e não
humanos. Busca-se assim, compreender os objetos como partes cruciais na
extensão da capacidade da agência humana.
A proliferação desses híbridos permitiu um maior controle sobre o mundo
físico e material, proporcionando um incremento de noções como claridade e
transparência. Assim, a visualidade torna-se essencial no exame e no controle
da natureza, dos indivíduos e da sociedade. Os mapas e fotografias produzi-
ram modos de mobilidade corporal que reforçaram uma visão ocidental de
mundo e permitiram a operação do poder e de outras formas de organização
e articulação do controle ou domínio sobre aquilo que é visto. O híbrido
mapa-indivíduo produz uma visão dominante ao mesmo tempo que esconde
a forma como essa visão foi de fato construída.
Capturando a distribuição espacial, os mapas permitem o controle sobre
os ambientes, pois transformam a natureza, a cidade e os seres humanos em
objetos visuais, sendo instrumentos essenciais no estabelecimento e manu-
tenção da soberania e na gestão populacional por parte do Estado. Para Urry
(1999), uma das faces da modernidade é essa tendência à automatização
da percepção, que envolve distanciamento, domínio, objetificação e con-
trole. Nesse contexto, podemos destacar a tradição de estudos sobre Ecologia
Humana, pioneira na associação entre crime e espaço, que contribuiu para
organização da gestão governamental – muitas vezes – sem problematizar as
relações entre o poder e as práticas governamentais (HIRATA, 2010).
A perspectiva da Ecologia Humana, inspirada no reformismo social do
início do século XX, partia da ideia de uma ordem urbana baseada no princí-
pio de civilidade, e tinha como objetivo intervir em lugares da cidade vistos
como “desordeiros” ou “vulneráveis”. A cidade entendida como lugar de

tensões abertas e instabilidades permanentes é encarada como laboratório de

análise e campo de intervenção. Assim, a elaboração de mapas baseados em
dados oficiais sobre a ocorrência de crimes permitiu o estabelecimento da
noção de que este é um fenômeno que ocorre predominantemente em espaços
circunscritos. Desse modo, as solidariedades locais devem ser o centro de
processos de intervenção levados a cabo pelo Estado e pela Sociedade Civil,
na tentativa de promover condutas consideradas adequadas à ordem urbana
(HIRATA, 2010).
Por outro lado, Urry (1999) destaca que a proliferação de alguns híbridos
teve papel na democratização de vários tipos de experiência humana. Um
deles é o híbrido câmera-indivíduo. A facilidade na reprodução de uma mesma
imagem fez com que a fotografia tornasse notável aquilo que retrata. Dessa
maneira, Urry (1999) sugere que a modernidade deve ser conhecida através
da mobilidade entre os olhares, e não apenas pelo olhar fixo das instituições
estatais. Essa reflexão nos coloca questões sobre a possibilidade de se fazer
uma utilização de mapas que não se encerre apenas em uma visão dominante,
mas que consiga levar em conta olhares de múltiplos sujeitos. De que modo
um mapa pode nos ajudar a transitar por múltiplas perspectivas? Do ponto de
vista de uma pesquisa que se propõe transdisciplinar, essas perguntas colocam
o importante questionamento sobre a capacidade da representação cartográfica
de incluir a lógica do terceiro.
Tendo em vista esse desafio, procuramos construir uma chave de leitura
territorial através do trânsito entre diferentes escalas. Nesse sentido, são con-
jugadas imagens aéreas com descrições do campo feita pelos pesquisadores
e narrativas memorialísticas dos sujeitos. As narrativas ocupam um lugar
especial, pois permitiram que os sujeitos relatassem suas impressões sobre os
territórios, suas linhas de fragmentação, seu cotidiano, suas vulnerabilidades,
as possibilidades de transformação e sua articulação com outros territórios.

108
REFERÊNCIAS
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CHAPTER 3
MAPS, METHODOLOGY
AND THE NARRATIVE AND
TRAJECTORY RESEARCH
1. Introduction
The research was made possible to a large extent because the law of the
National System of Socio-Educational Care (SINASE) instituted the obliga-
tion to draw up an Individual Care Plan (PIA) for all adolescents who go
through the Juvenile Justice System. The PIA is elaborated from the technical
assistance usually performed by psychology or social assistance profession-
als in the institutions responsible for the execution of the socio-educational
measures, and its purpose is to guide an interdisciplinary diagnosis, based on
the infractional, family, educational, occupational, communitary and medi-
cal care, serving primarily as a guide for court decisions on termination of
the measure. The information gathered in the PIA includes variables such as
gender, race, age, address, education level, visits to institutions of the social
assistance network, information related to infractional trajectory; as well as
information on family composition. To this information are added reports in
which the technicians of the social educative weave a narrative that describes
the trajectory of the adolescents attended from birth until the moment of their
passage through the Juvenile Justice System. Between November and Decem-
ber 2016, we collected 373 PIAs from the SAMRE (Freedom Restrictive
Measures) Service Sector that operates within the CIA-BH and is responsible
for directing the filing of the processes completed at the Child and Youth
Infrational Court.
The situation in which an adolescent offender encounters a socio-edu-
cational technician for the elaboration of this instrument may be marked by
a series of suspicions on the part of the latter, such as the suspicion that drug
involvement and/or absence of family supervision are possible causes of the

112
offense for which the young person should be held responsible. This logic of
suspicion may modulate the report made by adolescents and their families.
Thus, it is necessary to consider that, simultaneously with these knowledge-
power relations, strategies of resistance are developed, such as the exchange
of information among adolescents about what needs to be said, the conceal-
ment of behaviors and the manipulation of identity by adolescents and family
members (ALMEIDA, 2017). Aware of this, the coaches seek to confirm the
information by interviewing adolescents and family members separately and
contacting institutions through which the youth may eventually have gone.
Thus, the purpose of the PIA is to produce convincing descriptions of what
happened to justify the actions of the technical team, acting as a kind of insti-
tutional accountability, since they serve as an instrument mobilized by judges
to evaluate and supervise the work performed (ALMEIDA, 2017). Through
this instrument, we realize the mobilization of the administrative network of
the State and more specifically of social assistance, in order to induce a sub-
jective transformation of young people based on the notion of accountability
to prevent recidivism. Thus, an “analytical grid” is used based on a series of
suspicions that allow us to identify the risks and the degree of vulnerability
that these subjects are in to foster the interventions deemed necessary.
The territory and the relationships developed in it can be configured
as a source of risks and influence the commission of an offense or may be
responsible for situations of threat to the lives of young people under socio-
educational intervention. In this sense, the public operator is interested in
investigating the relationship of the youth with the territory in order to verify
the coordinates that can determine the commission of the offense or point out
prevention strategies. This can be seen in the excerpts below:
The adolescent and his family have a good relationship with their neigh-
bors and within the community, not presenting complications related to
social and community relations that the family develops (H., Northwest
Regional, 17 years old at the time of the PIA).
The teenager also says that other relatives are involved in the trafficking,
trafficking to a cousin, who is currently in prison. He reports that two
older brothers were killed by local trafficking. The first was allegedly
killed by his cronies and the second for reporting a trafficker. [...] José
does not report contact with institutions of the social assistance network
of his region, having only the previous monitoring of LA Barreiro and
CAPUT. About the latter, the mother reports that she did not like the
care she received at the institution, because she felt that the doctor was
holding her responsible for José’s behavior and drug use (José, Barreiro
Regional, 15 years old at the time of the elaboration of the PIA).

Despite the wealth of information contained in the PIAS, they did not
offer us the young man’s look at his story, only the look of the judiciary, with
its legal markers. In this sense, we decided to seek young people’s knowledge
about their own story, their trajectories and their relationship with crime and
the justice system.
In the present text, we intend to reconstruct the process of creating,
in an inventive act, a methodology of access to the research subjects. We
will recount in “a posteriori” our movements, sometimes free and some-
times planned by the communities, seeking to hear the story of some of these
young people.
2. The beginning of our research or change of focus
The opportunity to know a little about the perception of young people

themselves was given to us through the partnership between CRISP and PSI-
LACS for the formation of the group Course of Life and Delinquency Trajec-
tory under the seal of the Institute for Transdisciplinary Advanced Studies
(IEAT). For a year, we focused on developing a theoretical body and method-
ological strategy for finding young people from previous research by searching
the addresses in the PIAS.
Given the meeting with the young man, the methodological strategy
elaborated by the transdisciplinary team was thought in two stages. In the first,
we asked the young man to tell us his story freely, following the methodology
of memorialistic narratives (see chap. 2). We had no programmed questions
and the guideline was that the possible questions asked would be intended
to encourage speech or to elucidate raised points that remained obscure. In
the second half, the conversation was guided by a closed interview in survey
format, in which we sought to update and check information present in the PIA
and get new information about the life and trajectories of our interviewees.
The visits were made in pairs and with rare exceptions in trio, and the
researchers were identified by vests that bore the UFMG logo on the front and
the CRISP mark on the back. The approach at the young man was made at the
address indicated by the PIA. If we met the young man, we said that we had
come to him through a database, obtained through the CIA-BH. Without further
mentioning the offensive trajectory, we invited him to participate in a research
about the life story of young people who live in the city of Belo Horizonte.
This form of research presentation was designed to minimize the stigma of
offenders of these young people, and also to prevent them from telling us only
stories related to crime. Finally, once the methodology was defined, it was up
to us as a team to practice it, and we would need to locate this young man.

114
2.1 From PIA to the territory
In the first contact with the field, the teams realized that locating hundreds
of young people scattered in the city, having as their sole reference of loca-
tion the address dated a few years ago, would be a challenge to the research.
While looking for the addresses of these young people, we found in many
cases that there was no consensus between the formal and informal names
of particular addresses. Apart from this problem, we could not find certain
streets, either in physical cartography or through virtual tools. We noticed that
in that region, officially from above, there was no address. This is captured
by the field diary excerpt below:
In the search for the address of J, we came across a work of the city
hall that blocked traffic in some parts of the neighborhood. In addition,
we noted that the numbering of the streets was confusing, with numbers
bouncing enormously between one house and another. In some streets
we observed that some houses had two numbers, one of them flagged as
new or old. This suggests a recent process of postal matching of these
addresses. Also striking was the fact that some streets were given generic
names such as the street where the teenager lived: C Street (Field Note,
Researcher 1, Regional Barreiro).
This first challenge found by the research pointed to the existence of an

entire ghost territory, a hidden city parallel to the official city, called a car-
tographic void. According to Nuwer (2014), cartographic voids are regions
in the maps that appear as vast blank internal spaces, without any graphic
information about streets and avenues, thus suggesting that in that area there
are undeveloped, uninhabited or unbuilt land. This phenomenon refers to a
mismatch between the official city portrayed on its topographic objects such
as the official maps, and the real city, which stretches daily across territories.
According to IBGE data, Brazil has 6,329 favelas, and most of these terri-
tories are excluded from cartographic representations, including the Google
Maps tools.
Even digital maps, however, tend to be more accurate in areas that matter
most to users. Poor communities, such as the Orangi slum in Karachi, Paki-
stan, or the Neza-Chalco-Itza slum in Mexico City, are poorly represented
on maps. For others, with little access, such as North Korea and some war
countries, there is almost no information available (NUWER, 2014. p. 1).
Therefore, there is a political dimension involved in the official geo-

graphical representation of a city, as we understand that the cartographic voids

do not refer only to non-mapped geographical regions, but to a population of

these regions which is invisible to these instruments. Thus, what we perceive
in this initial research challenge is that there was an official mismatch between
the representation of the formal city and the informal city, marking, in its car-
tographic void, the space of symbolic segregation, already given by the map.
Initially, we went into the field ignoring or laterally addressing these
issues, as the researchers randomly moved between addresses, selecting places
according to the convenience of the pairs. We realized after a few visits that
this method presented some problems, since, as many of these territories
were unknown to the researchers, we had a limited reading about the social
coordinates particular to each community, as well as the dynamics of violence
in the places visited. We moved through the territories initially as a novice
postman more dedicated to flânerie than delivering letters. Thus, we soon
realized that this erratic movement was at least naive, because it disregarded
the articulations between the subjects we were looking for, the community,
the territory and how they could receive the researchers.
In order for the research to consider the entire political fabric woven geo-
graphically in those territories that escaped official networks, we had to rethink
the method of approaching the territory. Instead of choosing the addresses
for proximal convenience, we started mapping the addresses and directing
visits according to the regions of the city of Belo Horizonte. We divided all
the young people between the regions: West, East, Northeast, North, Center-
South, Venda Nova, Pampulha, Northwest, Barreiro. Thus, by circumscribing
young people from regional research, we could rely on a network of territo-
rial services to help us better understand the territory and more successfully
locate young people.
At first we selected the regional west because it concentrates a large
number of young people from the research. From this, we decided to contact
the region’s Reference Center for Social Assistance (CRAS) and thus obtain
more information about the region to ensure safe movement as well as the
location of the young people’s addresses. The choice of CRAS was justified
by the very nature of this service, as a primary and territorial social assistance
equipment, which has “active search” as one of the main strategies of the
Ministry of Social Development and Hunger Alleviation (MDS). It is based
on a strategy for the knowledge of the living conditions of families in the ter-
ritory, as well as for locating and contacting them, either through home visits
or interviews with CRAS. When leaving the public equipment and moving
to the territory, what the public policy presents us is an inflection in the role
and posture of the state, which goes from a passive, receptive position, to a
proactive state, moving towards the citizen (CAMOLESI; TEIXEIRA, 2015).

116
Our strategy of meeting with young people was very similar to the
strategy of actively seeking Social Assistance, even meeting some of the
necessary criteria for this approach, as pointed out in the CRAS Techni-
cal Guidelines (BRASIL, 2009), which states that the active search must be
performed by relocating the reference team to learn about the territory; that
there should be contacts with local social actors (community leaders, neigh-
borhood associations) and information and data from other social assistance
and sectoral services.
The encounter with these regional facilities pointed us to a limited
coverage of the area and a difficulty to support us in this policy at that time
and in that territory, since they also did not have a very clear knowledge of
the territories in which they were inserted, and in some cases they did not
cover these territories to their full extent. However, even though the CRAS
could not help circulation, the service coordinator presented us with a tool
that would be extremely important for the field: GEOSUAS. This is a SUAS
Georeferencing and Geoprocessing System, aimed at both the managers and
workers of the SUAS (Unified Social Assistance System) policies, as well as
the population, through a collection of maps made available on a platform on
the internet. This system was developed in 2015 by the Territorial Studies and
Geoprocessing team of the Information, Monitoring and Evaluation Manage-
ment (GEIMA), of the Assistant Municipal Secretary of Social Assistance
of Belo Horizonte (SMAAS), in order to support decision-making strategies
in the management process of the National Social Assistance Policy. It is
a platform where an interactive and customizable map using Google Maps
identifies the contours of the municipal territory and its administrative divi-
sions, the location of addresses, it gathers information regarding the location
of equipment of the social care network, such as health centers, schools and
Social Welfare Reference Center and also interface policies. This tool, in
addition to enabling access and cross-checking of information throughout
the city, has the ability to build indicators according to the need of the ter-
ritory of operation, and therefore from the outset presented itself as a very
useful tool for our research.
Making use of this tool, through its “Citizen” interface, we launch all
the addresses of the survey youths on this map. Thus, in addition to guiding
information about the territory, we were able to select young people by their
proximity relationship, so that during the field trip, the pairs could make as
many visits as possible. By choosing the addresses to be visited, we located
on the map which nearby public facilities could be used to support further
information about the youth or the territory. We were able to think with more
strategy and organization our presence in the field.

Even with more planning, we realized that many addresses could not even
be launched on the platform, as official addresses did not match the names
of streets and alleys, bumping into the informal city wall again. There was a
cartographic void that even the GEOSUAS tool could not get around. Thus,
we realized that it was essential that they found some equipment of local
and territorial basis capable of translating the territory, filling with a proper
knowledge the cartographic void found in our instruments.
In this sense, we decided to contact the Criminal Prevention Centers
of the Territories visited so that, together with the “Homicide Control Pro-
gram: Fica Vivo”1 we could, in addition to finding the addresses identified
on the map, understand minimally the dynamics of violence in that territory,
in order to ensure the responsible circulation of teams across space. This is
not an exoticization of the field, but a way of anticipating and minimizing
some risk situations, such as the insertion of researchers in territories with
active conflicts.
Before we even went to the field, we had some new data: we knew which
regions had a higher or lower concentration of young people in the survey,
and what public facilities covered the territories in which the youth lived.
We had a sense of the social, political and violence dynamics that cross the
coordinates of those spaces. We had then transposed a logic of understanding
the formally geographical city into a logic of territory, as presented by Milton
Santos (2002) who, using the term “living territory”, revises the traditional
conception of geography. For the author, territory, rather than a mappable
geographical outline, is a living and dynamic organism that reflects and is
reflected by the reality that affects it. The territory “would be formed by the
inseparable set of the physical, natural or artificial substrate, plus its use, or,
in other words, the technical basis and the social practices, that is, a combina-
tion of technique and politics” (SANTOS, 2002, p. 87).
Douville (2009) presents us with a territory that goes beyond its geo-
graphical significance, added by symbolic layers that anchor the subject in
the logic of both the city and its affiliation:
It will be not only geographical layout, but also tops where memories of
the times, chronologies, affiliations are housed. Translation of immediate,
organic experience into narratives, memories, and pasts rediscovered as
housings, then into expected futures as human oases that will one day
come (DOUVILLE, 2009, p. 332).
1 The Program Fica Vivo! is a social crime prevention program that focuses on the prevention and reduction
of intentional homicides of adolescents and young people, working in areas with the highest concentration
of homicides. The program articulates two areas of action: Social Protection and Strategic Intervention.

118
The city thus acquires symbolic value by being within it that the logic
of affiliation that engenders the adolescent, as well as the urban conflicts that
performatize the drama of the youth.
Meeting the prevention policy gave us the security and support needed
to close a field-based methodology:
• Filter the list of adolescents by administrative region;

• Choose the regional and launch the youth, through their respective
addresses, on the downloaded maps of GEOSUAS, locating the
support equipment near these addresses;
• Select the pairs of researchers who would go to the field in that
region and divide the addresses between them;
• Get in touch with Fica Vivo! to locate possible addresses not found
and so that they can translate the territory and its dynamics so that
we can perform a targeted and safe circulation;
• Going in pairs to meet young people and propose the first part of
the research – the memorialist narrative;
• Return to the field at a date previously agreed with the young person
to perform the second part of the survey – the questionnaire.
We stayed in the field between September 2018 and February 2019 and
visited 109 addresses in the city of Belo Horizonte. One of our greatest dif-
ficulties along this whole path – spatial and temporal – was the location of the
young people: after approximately three years of the elaboration of the PIA,
many moved. In the active search for these subjects, we often did not find
them, either because they had moved, or because at that address there was
no one who knew them, since the neighbors could not tell if the person with
that name resided there, or by mismatch situations between researchers and
young people, since the visits took place on weekdays, during business hours.
After 6 months of work, we closed the field work after conducting only 13
interviews, and of these, only 6 young people answered the questionnaire,
that is, fulfilling both steps of our methodological strategy. In addition to data
collected in the field, we also conducted external surveys done by the research
team, which indicated that of the 373 young people in the initial sample, 16
had been murdered and 69 were trapped in the adult system.
3. From territory to the young men: a lens adjustment
The various scales of our movement through the territory allowed us

to think that our look at young people was presented from different types of
lenses. GEOSUAS acts as a Wide Angle Lens that reproduces the landscape

model and produces perspective distortion by bringing planes together with-

out considering details and differences. The territory’s equipment, CRAS and
Fica Vivo, resemble a Normal Lens that offers the portrait position, locates
the subject, but loses its idiosyncrasies. The researcher who travels around the
territory can approach the idea of a Telephoto Lens, as it locates the details
and uniqueness of each scene. But the privileged look is in the young people’s
own eye, the human lens that produces a meeting between sensations, percep-
tions, memories, thoughts and stories. Perhaps the narrative the young man
offers us resembles a selfie, a dated portrait of himself. However, we must
not forget that all these lenses coexist simultaneously.
3.1 The State’s lens
Despite our intention to know the perspective of young people them-

selves, our initial research movements were to know the lens that the state
uses to give visibility to individuals living on their sovereignty. The first lens,
broadly represented by the state and the Criminal Justice System, gives us a
well-defined focus on a population and on certain types of crime. In this view,
social control devices mobilize a series of stereotypes to build widespread
suspicion about individuals who have attributes close to or similar to those
that are usually incriminated by agencies of the Criminal Justice System.
It is in this process that the representation of the criminal subject ends up
extrapolating the subject himself and overflowing to whole families, streets,
communities, as well as to other distinctive traits of class, gender, age and
race (MISSE, 2008).
3.2 The lens of Territorial Public Policy
The second lens is represented in the implementation of public policies

on social assistance, crime prevention and health. By defining territorialized
areas of action, these would theoretically be able to capillarize a series of
norms within communities and families through the instrumentalization of
forms of power-knowledge capable of producing and controlling individu-
als and populations oriented towards a healthy ideal of life and economic
productivity (FOUCAULT, 2008; MALVASI, 2012; DONZELOT, 1986).
However, when we seek young people focused in the first lens through this
second lens, we find a series of empty spaces and dim areas, which attest to
the mismatches of policies around the individual. Taking the space of the city
as sets, the policies draw their domains, making exceptionally intersections,
thus leaving subject and territory out of their lens. Policies spread across
space, but they do not capture the image of territory as they do not synchronize

120
state coordinates over that plane. Health care policies are unaware of health
policies, the limits of coverage differ and do not talk about microregions, so
that the mere physical presence of public facilities in space does not allow an
approximation of the state to the population.
In the next two sections of the text, we will describe our attempt to
capture particular dimensions invisible through the two lenses of the state.
We will present the reading of the researchers about the characteristics of the
territories visited and the situations of interaction with the research subjects
and other interlocutors. Next, we will explore the look and perceptions of our
research subjects about where they live.
3.3 The researcher: his telephoto lens
For Sanjek (1990), we return from the field with two types of notes: field
notes and head notes. The head notes are aspects we bring to mind about the
experiences we live. However, we know that, as time goes by, our percep-
tion may change and various details may be forgotten or overlapped. On the
other hand, field notes are documents that concretely demonstrate that the
writing exercise is also an observation and a reflexivity exercise about the
situations, the research subjects and about the researcher’s own role. Turning
head notes into field notes is a way of preserving a series of details captured
by the researcher’s lens at any given time. Once written, these impressions
become static and can be confronted with later and more distant impressions,
providing material for the construction of an ethnographic-inspired narrative.
In this type of narrative, the researcher’s view is of fundamental impor-
tance in the construction of research results. Firstly, this is due to the research-
er’s own biography (BOURDIEU, 2017), who, in the field, is obliged to
“face his limits as a man of a culture or of a class, segment or social group”,
so that “his own worldview will be marked and somehow compromised”
(VELHO, 1980 p. 17).
In addition, one must take into consideration the theories that guide
the researcher’s view. This is because preparing for an empirical investiga-
tion involves a transformative focus on what we direct our gaze on (CAR-
DOSO, 1998). It is in this sense that the researcher may start to find strange
aspects that until then seemed natural. However, it is important to emphasize
that the theory does not compare with practice, since the situations found
“in the field” cannot always be anticipated or avoided only based on the
researcher’s training. No matter how prepared we are, the course can and
will surprise us.

Thus, we seek to go through the regions of the city of Belo Horizonte

paying attention to the characteristics of the territories and the social interac-
tions established with our interlocutors. Below are the observations made by
field researchers that demonstrate the ability to perceive and capture details
and singularities.
In the reconstruction of one of the researchers, the east region of the city
of Belo Horizonte is a region that encompasses several traditional neighbor-
hoods, and the vast majority of residences are in neighborhoods served by
public services such as bus lines, paved streets, street lighting, basic sanitation.
In one of the addresses searched in one of these traditional neighborhoods,
we noticed that all the houses on the street had security cameras and electric
fences. On the weekend we went to the field we also witnessed in the public
squares, physical activities being performed outdoors in groups. On the other
hand, in the most disadvantaged neighborhoods of this region we note that the
addresses we locate are mostly located in clusters and slums where the streets
or alleys are narrow and allow one car to travel at a time. There was also a
lack of basic services, an important indicator being the amount of garbage
accumulated on the streets. In one of the communities in this region we did
not get to visit all the addresses of the territory, as we were informed by Fica
Vivo that there was a conflict over points of drug trafficking.
The northeast region of the city of Belo Horizonte also has territorial
heterogeneities, being the most disadvantaged neighborhoods located in the
border area with the city of Sabará. In this territory we found the existence of
several units of the Minha Casa Minha Vida Program, in which one researcher
captured the following scene:
We found the address. It is a cluster of residential buildings. In front of the

buildings there is a Health Center. The streets were a bit dirty and at the
moment there were two (2) police vehicles on the street. A military police-
man was armed at the gate that gave access to the buildings. It seemed
to me that searches would be taking place in another block (Field Note,
Researcher 2, Northeast Region).
The period we were in the field coincided with the realization of a series
of urban interventions, carried out by the city hall in various regions of the
city. In the Northwest region we managed to capture some effects of these
interventions on the daily lives of local communities.
We had difficulty locating the first address because of the confusing num-
bering and urban intervention that was taking place there. We stopped to
ask at a bar and the owner, who has lived in the area for 18 years, informed

122
us that several residents were evicted and several houses were destroyed
due to the intervention. In the middle of this, was one of the houses we
were looking for. However, according to the owner of the bar, the young
man was in prison and his family had been expelled from the place, even
before the urban intervention. The newly opened street in front of the bar
was now being paved. In another house, we found the grandmother (Gigi)
of a teenager we were looking for. Gigi said the urban intervention had
made drug outlets shrink and police presence on the scene was smaller
and less truculent than at other times. She reported that earlier, when
police conducted operations in the area, young people who were in the
drug dens used to run up the alleys running for refuge in any open door.
In one of these situations, Gigi told us that a police officer even came into
her house and forced in by kicking the door (Field Note, Researcher 1,
Northwest Region).
The intervention of the city hall is to integrate certain territories into the
formal city, providing late access to basic services such as paving roads and
increasing the visibility of these places for state lenses, especially the police.
Regarding the interactions between the researchers and the interlocu-
tors we met in the field, it is important to point out the collaboration of the
residents of the visited territories, since a large part of the young people we
were looking for no longer lived in the addresses we had access to. It is also
interesting to point out that in some situations, even the neighbors could not
tell if anyone with the name we were looking for had resided there. Field
reports provide evidence that residential change for young people and their
families may be related to the dynamics of crime in the territories.
We talked to a neighbor from the front, who told us that A. moved with
her family a little over five (5) months ago, not knowing how to inform
her whereabouts. The neighbor, who asked not to be named, appeared to
be afraid, said the family moved because of the young man V., saying that
in one episode, a friend of V. was killed in his place. He said that on the
day of the event, several hooded bikers arrived at the scene looking for
V., that his friend was scared and ran, the moment when the bikers took
several firearm shots, targeting the boy. Within a few weeks from this situ-
ation, he got up in the morning at his residence and saw a moving truck
parked outside A’s house. Since then, they have completely lost touch.
She further stated that V. is involved in crime (Field Note, Researcher 2,
Northeast Region).
Even with the researchers identified, there were situations in which neigh-
bors were reluctant to give some information about the young person we were

looking for, demonstrating the existence of some taboo or deference towards

the young person or their relatives.
We searched for the address, but the street numbering varied in a schizo-
phrenic way, so we couldn’t find the address we were looking for. We
knocked on a house and were met by a lady who said she knew the
young person’s mother. When we asked about W., the neighbor soon dis-
suaded and said it would be best if we asked Eliane directly (Field Note,
Researcher 1, West Region).
The situations in which we located the family address, but the young
person was in prison, gave us the opportunity to capture some aspects of
intimacy, family dramas, and trajectories of parents or guardians.
The house was below street level. There was a metal staircase that fell
straight into the space dedicated to both the living room and the kitchen.
The house seemed to have two more rooms, one of them being Eliane’s
room, with a double bed. The walls of the room, still in plaster, were full
of photos. We told Eliane that we were looking for her son for a survey
and she said ruefully that he and his brother were under arrest, but that
she could tell her story. She told us that she had seven siblings and lived
on the street for twelve years with her family, sustaining themselves with
recycling. She said that she had a hard time studying because she helped
her mother with her work, but that, despite having lived on the street,
she never became involved in prostitution or drug trafficking [...]. She
is unemployed and unable to visit her children periodically, nor to bring
slippers and other basic hygiene items that are not provided in prisons. For
her, W. is losing the best part of his life. “Is this all worth it, W.? – asked
Eliane, crying (Field Note, Researcher 1, West Region).
If we found the family residence but the young person was working or
was away due to some other reason, we would leave an invitation letter. An
interesting fact of the field was that even leaving the letter of invitation in
many homes, we never had the positive feedback. Meeting the young man
was no guarantee that we would be able to get their cooperation. Narrating
one’s own life is a tricky thing, and it is perfectly understandable for a subject
to deny opening himself to a stranger who knocks on their door. In addition,
some young people may have refused to participate in the survey because
they suspected that researchers were part of the socio-educational system. A
trace of this attitude of suspicion and subsequent refusal was captured in the
following note:

124
She did not welcome us very well, but after the explanation of the research
and especially after the invitation letter was delivered, there was a change
of posture (icebreaker). We returned four times to the site and could not
find the young person to participate in the survey (Field Note, Resear-
cher 2, Northeast Region).
The movement of the researchers through the visited territories obviously

did not go unnoticed and, at times, received suspicious glances from people
associated with drug trafficking in the area.
When we got to a point in Pedreira Prado Lopes, it was raining a lot

at the time we found the address, and we were not well received. There
were two (2) men on the street guarding the corner, and in front of the
residence there was an entrance to an alley and there was also a scout
who smoked crack, it was around 14h. At that time another man appeared
on the street that was led by this scout into the alley. In another address
search, a gentleman sitting on the alley stairs told us the house number
we were looking for and said he did not know the wanted young person,
but in a good mood he also informed us that he was the local scout (Field
Note, Researcher 2, Northwest Region).
The researchers’ lens at the field captured the articulation between the
formal and informal city, visualized by urbanistic interventions that coexist
with various illegalities. It was also possible to observe the pulsating life in the
movement of various actors and their agencies within the territory. Finally, it
was possible to realize that young people can instrumentalize the invisibility
marked by the State, as a strategy of protection and resistance within their
own territories, as they escape the focus of policies, public security, or, in this
case, researchers. The richness of this telephoto lens does not yet exhaust the
particularity of the subject’s lens, addressed by the research.
3.4 The fourth lens – the subject
In the context of a research guided by the ideal of transdisciplinarity, we

intend to enter a field of listening and dialogue between different knowledges
regarding the complex nature of the phenomena that cross human life and the
different dilemmas experienced by those who are exposed to them (CLIF-
FORD, 1998). Thus, in addition to what state and academic lenses are able to
see, we must also recognize the validity of the knowledge constituted through
everyday experience by our interlocutors (NICOLESCU, 1999).
The young people who accepted to participate in the research offered us
different perspectives on the places where they live and on the insertion of

these places in their own life course. Of the 6 young people who participated
in the two moments of the research, 5 were born in the city of Belo Horizonte,
and of these, only two (H. and Francisco) did not move from the territories
where they were born.
The migration dynamics of these young people can be divided into two
categories. First is the migration between neighborhoods of the city, which can
be observed in the case of Charles, who moved from São Gabriel to Jardim
Vitória at the age of 15, and José, who moved from his neighborhood at 8
years old due to the murder of his brother whom was involved in trafficking.
To bring in these infringing acts that I committed, everything has a rea-

son. It started when I lived in Nova Cintra, it was 2005, March 25th. It
all started with a deceasing, my brother’s death. Then I came here, Vila
Formosa region which is where I live, I was a little away. It corroded me,
hurt a lot. [...]. I lived with my mother, my sisters and my brother, because
he was deceased there. Then we used to live there and then we went...
we moved here, for now, not for me... because I didn’t get involved there,
right? Whether I want or not I saw my brother’s death, whether you want
it or not, it shakes you. Then you...(José, Region Barreiro, 20 years old).
In José’s speech, the moving of neighborhood appears as a family attitude

to prevent the young man from starting an offensive trajectory fed at the same
time by the desire and the imperative to avenge his brother’s death.
The second type of migratory dynamics involves moving to another
city, a situation observed in the case of the Poet, who was born in Belo
Horizonte and moved from the city twice, once at 16 and another at 18; in
Cecilia’s narrative:
So (pause) my name is Cecilia, I’m 21 years old, I’m from Minas Gerais,
I was born in Itambacuri Minas Gerais which is very close to Teófilo
Otoni, I lived there during my... until I was 11 years old. At the age of 11,
my parents decided to move to Acre, so we left the countryside and went
straight to Acre to the house of an aunt of mine who was having a marriage
problem. Arriving in Acre, my mother did not adapt to the weather because
it is very hot there, so it was (break) 8 months living in Acre. From Acre
we came straight here, to Horto, we live here since 2012, since 2012 we
are here [...]. I was very young and we have never adapted anywhere since
I was little. It was very difficult for me because I never had a childhood
best friend, for example. I don’t know, things that people have... a long
friendship. I was always moving. But after we came to Belo Horizonte
things got a little better, you know? I have friends since I moved here and
so I keep going (Cecilia, East Region, 21 years old).

126
Cecilia points out very clearly the consequences of her family’s migra-
tions on her opportunities to establish strong and lasting social bonds. It is
possible to conjecture that the beginning of her infractionary trajectory is
related to processes of acceptance in groups, as a substitute for a community
logic. An indication of this statement lies in the fact that in her narrative her
infractional act does not appear.
There is also, in the discourse of young people, an ambivalent relation-
ship regarding belonging to the territory. Some point to a dissatisfaction with
the territory and a lack of community articulation, culminating, in many narra-
tives, in a desire to move out. Responding to the survey, Poet, H and Francisco
expressed a desire to move. Paradoxically, these young people also reported
enjoying the coexistence in their neighborhoods, although they interpret that
the relationships were crossed by envy and interest.
On the other hand, the questionnaire also brings the perception of young
people about the lack of basic services and leisure options. Cecilia, who has
no desire to move from her neighborhood and says she is satisfied with the
location and ease of access to public transportation in her neighborhood, says
she is dissatisfied with leisure options for her daughter.
The questionnaire shows a certain naturalization of violence, either in
the landscape of the territory or its incidence in the trajectories of these young
people. José, Charles and H stated in the survey that people were selling
drugs and carrying firearms in their territory. The narratives corroborate the
questionnaires as they also portray episodes of instrumentalization and even
trivialization of violence.
There were some drug houses in which the cops were very coward, right?
At dawn when they got us there, they would beat us without pity. One
day there, a boy was able to run and I and one could not. He went and
picked us up and told us to sit with our hands in our backs facing the
wall. Then they went and started kicking us [...] Punching our belly, in
the ribs [...] That’s cowardice what they did, but it’s their job (Charles,
West Regional, 18).
Like, they caught me, right. They already knew me, that I sold drugs before,
right? Then they got me and wanted me to walk with them there. I said I
wouldn’t go and we started fighting hand by hand, then I was arrested for
contempt [...] Justice is always bigger than every favelado. Favelado is
fucked up. For them everyone is a thug, no matter if they changed, if they
want to change. For them, they have to catch and arrest, beat up. Because
here the police don’t have according with no one. They arrive, slap you in
the face, kick. Slap the face of someone else’s mother, slap anybody’s faces.

They don’t care about anything. To them everyone is a thug. Whoever is

not a thug, shelter [hide] a thug. For them that’s how it is.
The meeting of these young people with the lens of the state does not
always proceed within the legality. In these territories, the relations between
the formal, the informal, the legal and the illegal are blurred, so that the
boundaries between the Rule of Law and the State of Exception are in constant
tension (DAS; POOLE, 2004). Young people, as well as public security agents,
are subject to a relational dynamic of specular polarization of identity, but
they share the instrumentalization of extra-legal forms of conflict resolution.
The state’s wide-angle lens, with its generic landscape focus, ends up
reading all residents of certain places as belonging to a specific social type:
essentially criminal subjects, even though most are not involved in criminal
practices. This indistinct treatment of the police with those who inhabit these
territories, fosters disbelief about the legitimacy of state action while strength-
ening and legitimizing local orders of their own.
It’s cool here. It’s big here. It’s just a guy who rules everything here. At
the moment he is in jail, but that doesn’t change anything. Here are the
parts, right? Every... There are many dudes also. A lot of people involved,
there are about 5, 6 drughouses here.
The dudes don’t let it, because they take the residents too much into
account. The locals’ word is what counts. In the other drughouse up there,
[inaudible], you can’t smoke. There you cannot smoke through the whole
street. This whole street until up there you can’t smoke weed. Before you
could, but the locals started complaining that people were smoking on
their doorstep and stuff and the guys forbade it. You can’t smoke weed
there. [...]. It is not worth it for us wanting to discuss with them and want-
ing something from them. They have a lot of voice. There is no point in
wanting to argue with them, we would be left without support. Because
the biggest voice is theirs. Because we argue with them, we get no support
here, right? Because there are times, just like... There are people who are
not working some day in the drughouse, the streets are quiet and they
[the police] arrive knocking. Then the residents also help, because here
nobody treats residents bad and these things. Residents also help, but it’s
not everyone either. There are residents who... But then we don’t even
look at them either. Nobody gets bothered, which is better (H., Regional
Noroeste, 22 anos).
All this complexity presented through the adolescent’s own eye presents
us with a logic of mobility that often occurs in a short circuit, where young

128
people move from the territory due to economic dynamics or violence and
return to it also within this coordinate. Throughout their reports, what we real-
ize is that these young people glide back and forth through the territories that
do not exert such pregnancy on them. There is a logic of domain, but not of
identity of these young people with the urban space, which can be observed
as an effect of the phenomenon of migration between these young people and
their families. According to Douville (2002),
For many adolescents, a representation of the street, according to the usual

model that makes it a passage between two places, does not exist or at least
does not refer to the geometric model of a spatial delimitation joining the
ends of two heterogeneous spaces. The street is not always a threshold, a
passage, it can appear and be experienced as a catastrophic abyss, space is
not, then, a simple extension, it is made up of layers that are badly linked
together, united by spaces that are themselves not solid. Beyond the street
corner is the unknown, sometimes the danger. Beyond the familiar is the
non-territory, where you live in total absence of security and love. For this
reason, the street may become not an interspersed place, but a pure one
between the place itself, the one that is affected by the objects it contains
and the objects that cross it (DOUVILLE, 2002, p. 82)
In each report we perceive the proper construction of a subjective car-

tography, where the young people mark their micro geographies built from
their displacement and their permanence. In these cartographies, the terri-
tory is contradictory in many cases, being understood as a welcoming space,
sometimes hostile, where the young person wants to stay, but at the same time
wants to leave. This ambivalence points to the adolescent effort to find guid-
ing beacons for this time of his life, which breaks so many ruptures with the
already instituted. The house of the parents is no longer their reference, their
authority and knowledge is replaced, the encounter with the Other demands
from this subject a reconstruction and affirmation of his identity, it is left to
the young people to locate themselves politically and socially from a violent
confrontation between various actors and especially against State operators.
Given the State’s presence in certain places, which do not make recog-
nition possible, young people have to mobilize their own scarce resources
in an attempt to privately enroll in the social pact. To slip from the parents’
trajectory to one of their own, to make the authorship of a map exist, despite
compulsory migration. All these transformations unmap the subject and his
organization, demanding from him a new effort of subjective contouring. This
task of contouring often takes place in the city, as an extension of the young
people’s conflict, where the street “translates the young” as it is translated by

them, as are the neighborhood and, later, the city (DOUVILLE, 2002). This
intertwining between young people and the polis indicates that the landscape
needs to be interpreted in its relationship with the young, since it is about it
that the subject establishes a relationship with his marks, his sayings, and his
fellow men.
4. Final consideration
Revisiting Simmel’s thinking, Urry (1999) defines the outlook as a socio-

logical achievement, that is, looking at one another establishes connections
and interactions between individuals, providing the feeling of reciprocity. This
outlook also allows for ownership and property, as vision allows people and
objects to be controlled remotely, uniting distance and domain. However, the
advent of modernity such as the invention of photography, the panopticon,
and the progress of cartography allowed the breakdown of this reciprocity that
once characterized the gaze by allowing us to observe others without being
seen. For Urry (1999), this separation between the observer and that which was
observed institutes a particular, properly modern ethic, capable of including
and excluding at the same time. This leads us to think of the agency through
the concept of hybrid, that is, as action taken in the formation and reformation
of currents and networks between humans and non-humans. Thus, we seek to
understand objects as crucial parts in extending the capacity of human agency.
The proliferation of these hybrids allowed greater control over the physi-
cal and material world, providing an increase of notions such as clarity and
transparency. Thus, vision becomes essential in the examination and control
of nature, individuals and society. Maps and photographs produced modes of
bodily mobility that reinforced a Western worldview and allowed the opera-
tion of power and other forms of organization and articulation of control or
domain over what is seen. The map-individual hybrid produces a dominant
view while concealing how that view was actually constructed.
By capturing spatial distribution, maps allow control over environments,
since they transform nature, cities and human beings into visual objects, being
essential instruments in the establishment and maintenance of sovereignty
and population management by the State. For Urry (1999), one of the faces
of modernity is this tendency to automate perception, which involves distanc-
ing, domain, objectification and control. In this context, we can highlight the
tradition of studies on Human Ecology, a pioneer in the association between
crime and space, which contributed to the organization of government man-
agement – often – without problematizing the relationship between power
and government practices (HIRATA, 2010).

130
The perspective of Human Ecology, inspired by the social reformism of

the early twentieth century, started from the idea of an urban order based on
the principle of civility and aimed to intervene in places in the city seen as
“disorderly” or “vulnerable”. The city, understood as a place of open tensions
and permanent instabilities, is seen as an analysis laboratory and intervention
field. Thus, the elaboration of maps based on official data on the occurrence
of crimes allowed the establishment of the notion that this is a phenomenon
that occurs predominantly in circumscribed spaces. Thus, local solidarity
should be the center of intervention processes carried out by the State and
Civil Society, in an attempt to promote conducts considered appropriate to
the urban order (HIRATA, 2010).
On the other hand, Urry (1999) points out that the proliferation of some
hybrids played a role in the democratization of various types of human expe-
rience. One is the camera-individual hybrid. The ease of reproduction of the
same image made the photograph remarkable regarding what it portrays. Thus,
Urry (1999) suggests that modernity should be known through the mobility
between the eyes and not only by the fixed gaze of state institutions. This
reflection raises questions about the possibility of making use of maps that
do not end only in a dominant view, but that can take into account the eyes of
multiple subjects. How can a map help us move through multiple perspectives?
From the point of view of a research that proposes itself transdisciplinary,
these reflections raise the important question about the capacity of cartographic
representation to include the logic of the third.
In view of this challenge, we seek to build a territorial reading key
through the transit between different scales. In this sense, aerial images are
combined with descriptions of the field made by the researchers and memori-
alist narratives of the subjects. The narratives occupy a special place because
they allowed the subjects to report their impressions about the territories, their
fragmentation lines, their daily lives, their vulnerabilities, the possibilities of
transformation and their articulation with other territories.

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CAPÍTULO 4
A ENTRADA NO CRIME NÃO É
CASUAL: o delito adolescente
O momento de transição adolescente e mesmo de jovens adultos de nos-

sas sociedades ocidentais, ao longo do século XX até os nossos dias, tem sido
uma operação complexa, tanto do ponto de vista subjetivo quanto do ponto
de vista social. A começar pelo não lugar ou o lugar entre dois que nossos
jovens ocupam, sem necessariamente pertencer a nenhum deles: nem à infân-
cia, muitas vezes idealizada, contada e protegida, ainda que não raramente
ameaçada ou maltratada; nem à adultez, que lhes garantiria alguma autonomia
para responder e se responsabilizar pelos seus próprios atos, sejam eles econô-
micos, jurídicos, sociais e sexuais. Desse modo, a adolescência confirmaria a
hipótese freudiana de ser uma resultante ambígua e opaca de lugares bastante
polarizados, como “um túnel escavado através de uma montanha a partir de
ambos os lados” (FREUD, 1905/1980a, p. 213).
Sabemos que o inventor da psicanálise reconhece a “puberdade” –
termo com o qual trata a adolescência no início de seus trabalhos – como um
momento delicado por ser uma espécie de efeito Nachträglichkeit (a posteriori)
da sexualidade infantil. Como esclarecemos em outra obra (PEREIRA, 2019,
p. 36), a adolescência seria, assim, tanto o retorno da sexualidade infantil
quanto seu desenlace rumo à sexualidade adulta. O sujeito nesse momento de
vida se vê mediante alguns destinos inevitáveis e intimamente ligados entre si:
1. o desligamento ou a desidentificação em relação aos pais ou aos

objetos primordiais de amor;
2. o declínio do autoerotismo ou das formas narcísicas de investimento
em tais objetos;
3. a afirmação de seus ideais societários, como grupos, parceiros, for-
mação, profissão, conjugalidade etc. e,
4. a inscrição social de sua própria sexualidade, confrontando-se com
a diferença dos sexos e com a angústia da castração, ao contrariar
a polimorfia perversa de sua condição infantil.

134
Não é de se estranhar que, mediante esses embaraçosos destinos, o ado-

lescente de hoje busque resoluções que desemboquem muito frequentemente
em ambivalências, em conflitos, em curtos-circuitos malsucedidos de enve-
lopamento ou recobrimento de seu túnel precariamente escavado.
No âmbito subjetivo, se a criança pode contar com um psiquismo mais
elástico e continuamente aberto a novas inscrições, o adolescente, até mesmo
pelos imperativos corporais e sociais de nosso entorno, tenta direcionar, genita-
lizar e objetalizar sua libido (FREUD, 1905/1980a). Isso pode levá-lo amiúde
a sucessivas crises pessoais justamente pelo curto-circuito causado por essa
tentativa de direcionamento da libido em pulsões objetais, estando, ainda,
bastante suscetível à sua própria condição infantil. Percebe-se, então, o quanto
o adolescente tende a desorganizar-se em contínuos ensaios de envelopamento
de seu psiquismo, na tentativa de resolver os impasses desse curto-circuito
com quase nenhuma chance de êxito. Muito comumente, saídas sintomáticas
podem vir em decorrência disso. Mesmo mal compreendidas por boa parte
da sociedade, o adolescente inconscientemente lança mão de tais saídas para
lidar com os efeitos de vazio que seus ensaios de envelopamento psíquico
não conseguem recobrir.
Consideramos, não obstante, que uma das possibilidades reais de tal
envelopamento venha a ser o sintoma da delinquência e da criminalidade
– tanto quanto podem ser aqueles relativos a desordens psicopatológicas,
a passagens ao ato, a comportamentos de risco, a suicídios etc. A atividade
delituosa haveria de ser, em tese, uma tentativa sintomática de certos sujeitos
repararem os efeitos que o curto-circuito pulsional e societário causaram em
sua organização psíquica.
Já no âmbito social, por sua vez, a própria experiência de exclusão, de
crítica dos valores convencionais, de declínio das tradições, da queda de ideais
institucionais e de certos modelos de autoridade simbólica, bem como a expe-
riência de culto aos excessos e às formas de gozo menos recalcadas – como o
hiperconsumo, a hipertecnologia, o voyeurismo, o sectarismo, a sobrevaloração
da intimidade etc. – têm levado boa parte dos adolescentes a uma espécie de
deriva desbussolada em que seus referentes – os adultos – perdem a tonici-
dade e os deixam à sua própria sorte. Não há “gente grande” quando todos,
à maneira fáustica, querem se rejuvenescer, deixando vazias tanto a adultez
outrora referente quanto a própria diferença intergeracional. Tal fato pode
expor muitos adolescentes à captura tirânica por parte de ideais sociais e de
autoridades imaginárias capazes de exigir formas bastante incondicionais de
submissão. Há que se notar isso nos diversos modos de sujeição desses mesmos
adolescentes a redes sociais, a gangues e tribos, a certas doutrinas religiosas
e mesmo a muitas formas de iniciação no crime e em outros atos delitivos.

Talvez isso advenha da necessidade de tais sujeitos impingirem a si algum

resíduo suplente de ritos societários de passagem, hoje quase ausentes. Essa
suplência de ritos lhes permitiria, minimamente, recobrir o vazio provocado
pela ausência de uma eficácia simbólica capaz de lhes servir como referencial
societário, que os fizesse se situar como parceiros ativos no âmbito de seus
laços sociais. Mas o que se vê são solicitações simbólicas de morte na busca
de limites ou de diques, como tentativas desajeitadas e dolorosas de se colo-
carem no mundo, de ritualizarem a passagem à idade adulta, de remarcarem
o momento em que o ato leva vantagem sobre a dimensão do sentido. Como
defende Lacadée (2011), essas seriam “condutas de risco”, que visariam asse-
gurar o valor da existência, afastar o medo da inconsistência e da insignificân-
cia. Seriam, antes, tentativas de existir, mais que de morrer ou fazer morrer.
A violência e a delinquência são perfeitamente normais naqueles que não

foram reconhecidos simbolicamente. A única maneira que essas pessoas
têm para serem reconhecidas é a passagem ao ato, já que a palavra ou a lin-
guagem recusam-se a reconhecê-las. [Assim] o adolescente está exposto a
ser tornar delinquente e a poder ser violento [...] (MELMAN, 2000, p. 33).
Não é incomum que um adolescente que delinque se perceba à margem

do direito de participar da realidade social como ela se dá. Sua relação com o
saber é bastante alterada, uma vez constatando que aqueles nos quais confiava
na infância – em geral, os pais – se acham agora incapazes de lidar com a sua
“crise”, de tratá-la suficientemente ou de reconhecer a sua condição sexual.
Justamente por isso, o sujeito pode ficar bastante vulnerável aos saberes con-
siderados marginais. Não é de se estranhar que, sob tais circunstâncias, esse
adolescente se achará mais exposto e capturável à influência dos fora da lei,
dos tiranos, dos fundamentalistas ou, dito de outro modo, do perverso, como
a psicanálise os concebe.
[...] O perverso é aquele que se constitui e pratica a perversão, ou seja, a

versão da lei por si mesmo ou a partir de si mesmo (versionem de per si ou
per versionem), recusando a lei do outro, transgredindo-a em benefício de
seu gozo, como também em benefício do gozo de quem o seguir. Ele, ao
contrário da sociedade em geral, se interessa pelo adolescente, reconhece
imaginariamente sua pulsão sexual e oferta condições reais para que seus
modos de gozo se efetivem à revelia da lei (PEREIRA, 2019, p. 43).
Mas isso tem um custo: o perverso exige a sujeição incondicional como

moeda de troca. O adolescente pode até gozar com o aval do perverso,

136
o que muito invariavelmente ocorrerá, desde que seja servil e obediente

à sua tirania, pois o gozo de todo perverso é fazer do outro – no caso, o
adolescente – seu objeto sexual, isto é, o objeto com o qual ele goza e, ao
mesmo tempo, faz gozar. Como emblema, basta mencionar os adolescentes
que são “soldados” do tráfico de drogas, que são membros de gangues de
rua conduzidas por genuínos tiranos, ou que se submetem a religiosos ou
a políticos fundamentalistas, que amiúde o fazem com base em arranjos
socialmente perversos.
Mediante uma sociedade que simbolicamente não reconhece o adoles-
cente, que não lhe oferece ideais societários capazes de nomear o real puber-
tário que lhe acomete, tampouco o enigma da sexualidade que essa mesma
sociedade insiste em fazê-lo recalcar, é de se esperar que esse sujeito em
transição agarre e se fixe às possibilidades de satisfação pulsional que os
perversos lhe concedem, ainda que o sujeitem. A condição de margem em
que se encontra um perverso serve como leitmotiv para a identificação do
adolescente com ele, pois, como num espelho, a marginalidade de ambos se
reflete e se reconhece.
A escuta do adolescente sob tais circunstâncias não pode desconhecer
essa estrutura de fixidez de gozo sob a pena de não conseguir demovê-lo
daquilo que tanto o sujeita quanto o escraviza.
Importa ressaltar – e aqui reside nossa aposta – que a iniciação criminal
de um adolescente não se dá ao acaso. Mais do que supor que as condições
sociais lhe imprimem gatilhos ou turning points para que ele se converta
a fortiori em criminoso, passamos a considerar o quanto o seu “túnel” subje-
tivo, ou seja, o mal envelopamento de seu curto-circuito pulsional e corporal,
pode igualmente contribuir para que o crime seja a saída sintomática possível
para um ser que não encontra nem diques simbólicos que lhes sirvam de
ponto de basta, nem um outro cujo desejo pelo adolescente não se evada e
não seja anônimo.
Há muito conhecemos os possíveis gatilhos sociais para que um jovem
venha a se sucumbir ao universo do delito: pobreza, violências, famílias desor-
ganizadas, escolas excludentes e precárias, invisibilidade e estigmatização
social, tóxicas redes virtuais e de amizades, sujeição à tirania, fácil acesso à
contravenção e a ganhos em razão dela etc.; mas, por outro lado, conhecemos
muito pouco acerca da mirada subjetiva que pode levar tais gatilhos a ganha-
rem consistência e efetividade. Nosso trabalho para o presente capítulo recai
justamente sobre essa mirada, em especial, sobre a entrada de adolescentes no
mundo do crime do ponto de vista psíquico ou subjetivo. Eis o que constituirá
a matéria de nosso passo seguinte.

1. Pensar por caso
Guiados pela sociologia e pela psicanálise, conhecemos de perto 14

jovens, de um universo pré-selecionado de 300, para uma pesquisa transdis-
ciplinar e multicêntrica1. Ao longo de suas adolescências, todos praticaram
alguma forma de ato infracional e, em razão disso, cumpriram medidas judi-
ciais no Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte, sendo,
hoje, egressos de tal Sistema. Selecionamos aqui, como mirada de análise
do tema do presente capítulo, a trajetória de entrada no crime de 5 desses
sujeitos. Fizemos uso, como caixa de ferramentas, dos Planos Individuais de
Atendimento (PIA), que permitiram acessar dados biográficos dos sujeitos
pesquisados, inclusive o histórico de seus atos infracionais; de Questionário
sobre a Trajetória de vida e delinquencial de cada um, com mais de 70 per-
guntas; e de Narrativa Memorialística, como entrevista não dirigida para que
cada jovem contasse livremente sobre a história de sua própria vida.
Portanto, com base nessas ferramentas e com a leitura psicanalítica,
buscamos esboçar as trajetórias de cada sujeito no que diz respeito às entradas
na criminalidade, bem como a possíveis permanências e saídas dela. Para
efeito de análise, demos ênfase às regularidades discursivas, que são aspectos
comuns em tais trajetórias, permitindo-nos criar categorias analíticas mais
amplas, mas sem deixar de escandir as tantas singularidades discursivas,
que haveriam de ser os modos únicos de como cada um – tratado, doravante,
como “caso” – inscreve sua própria subjetividade no ato infracional em causa.
“[...] A subjetividade que faz caso implica a associação contraditória, ou ao
menos desconcertante de princípios ou de dados, que são capazes de deses-
tabilizar a consciência de uma convicção. Essa singularidade rompe o fio de
generalização para provocar uma reflexão” (RODRÍGUEZ, 2018, p. 124,
tradução nossa).
Para todos os casos, buscamos seguir a indicação freudiana referente
ao seu próprio trabalho de investigação clínica de conotação arqueológica,
segundo a qual:
[...] Ante o caráter incompleto de meus resultados analíticos, não me res-

tou senão seguir o exemplo daqueles descobridores que têm a felicidade
de trazer à luz do dia, após longo sepultamento, as inestimáveis embora
mutiladas relíquias da antiguidade. Restaurei o que faltava segundo os
melhores modelos que me eram conhecidos de outras análises, mas,
como um arqueólogo consciencioso, não deixei de assinalar em cada
1 Projeto: Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens
em situação de vulnerabilidade (2017-2019), pesquisa transdisciplinar entre Sociologia, Psicanálise e Edu-
cação, de universidades de MG e RS, parcialmente financiada pelo IEAT-UFMG.

138
caso o ponto onde minha construção se superpõe ao que é autêntico

(FREUD, 1905/1980b, p. 10).
Pensemos por caso. Vamos apresentar a seguir a reflexão primeira acerca

da iniciação no crime de cinco jovens que compõem o universo de sujeitos
da pesquisa em referência. A análise de suas trajetórias permitiu-nos destacar
pontos que se tangenciam e que também se distanciam em relação às razões
e ao momento do começo criminal de cada um. Escolhemos os codinomes
de Luís, Aron, Carlos, Vinicius e José, com processos no Sistema de Atendi-
mento Socioeducativo de Belo Horizonte, para pensarmos por caso e fazermos
emergir algum detalhe de suas próprias singularidades subjetivas a fim de
[...] alcançar por essa via outras inteligibilidades capazes de comoverem

as consistências de certas convicções tanto micro quanto macropolíticas
em tempos de magmas homogeneizantes e sobre os duros sedimentos
de práticas que não se preocupam com o que se subjetiva (RODRÍ-
GUEZ, 2018, p. 137; tradução nossa).
1. Luís – “foi uma coisa de amigos”: “Entrei no crime com 14 anos,

comecei a vender drogas. Aí foi. As primeiras vezes estava suave,
depois comecei a rodar, passei no CIA2 e [fui apreendido no] mesmo
dia. Depois que saí, voltei no mesmo lugar para vender drogas.
Com o tempo fui preso de novo”. Luís começa sua trajetória infra-
cional na adolescência por meio do comércio de drogas e, como
ele mesmo aponta, foi um crime atrás de outro. Ele era constante-
mente pego pela polícia, mas, ainda assim, voltava a vender drogas.
Perante a pergunta sobre como foi a entrada no crime, a resposta
veio clara: “foi uma coisa de amigos”. A “boca de fumo” conhecida
como “Biqueira” era o espaço físico onde ocorria o crime e onde
se encontrava com os amigos. Muitas vezes, foi também o lugar
de conselhos e de diques simbólicos. Uma vez em que fugiu da
instituição de semiliberdade, foram seus amigos da Biqueira que
falaram para ele voltar e cumprir a Medida Socioeducativa, levan-
do-o de volta à instituição. Notamos que na Biqueira há encontro,
trabalho, partilha e significação da vida, uma espécie de lugar de
suplência de ideais societários. Lá, o jovem pode se endereçar a
um outro sempre presente. Se comumente a escola se apresentaria
como espaço privilegiado para tal endereçamento, no caso de Luís,
que não se encontrava matriculado em nenhuma, ele transferiu esse
espaço de referência à Biqueira.
2 Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte – CIA-BH.

Desde seus 13 anos de idade, foi o lugar onde encontrava amigos,

relação com o tráfico, tomada de consciência e também violência
policial. “Vendi drogas, apanhei da polícia, tive que correr, não tem
paz não, nesse mundo aí não tem não. Aí, rodei de novo, fiquei 8
meses na semiliberdade, mas isso aí foi bom para mim, tô de bem,
tô de maior”. Sua adolescência surge como curto-circuito psíquico
cujo tempo era próprio para “rodar”, para ser pego pela polícia e
não ter paz entre um crime e outro. “Eu tive 11 passagens no CIA, 5
por tráfico, a última vez que rodei foi tipo 7, foi roubar o carro, eu
e mais um”. Sua entrada no crime tem elementos que se destacam,
mas nenhum deles serve de bússola para explicar por si só o começo
da trajetória infracional: mudança de moradia, dois amigos mortos
por armas de fogo e a perda de alguém da família em situação de
violência. No entanto, o que se demonstra patente é o quanto seus
crimes estão relacionados aos seus amigos: com eles rouba, com
eles vive, com eles significa a vida.
2. Aron – “porque me deixaram só”: em nossas intervenções, o jovem

repete constantemente que está só, que foi deixado só. A falta do
outro parece oferecer consistência à sua narrativa: primeiramente da
mãe, depois, de seus irmãos. Há uma dinâmica contínua de separa-
ção que, para Aron, explica sua entrada no crime. Frente à pergunta
sobre história de vida, e após um longo silêncio, ele parece se perder
em seu túnel subjetivo e propõe alguma possível autointerpretação:
o começo “na vida louca”, ou seja, o começo no crime, deu-se em
seguida à separação dos pais e, mais especialmente, à agressão que
sofria do pai.
Meu pai, por po po por [ele se atrapalha na fala] pouca coisa antes, quando
a gente era criança, agredia a gente por bobeira. Agredia assim, na forma
dele, era correção. Só que isso em mim gerava um ódio de tal forma, que
pensava que eles vão pagar isso de alguma forma um dia. E aí comecei
a fazer coisas para tentar chamar a atenção deles. Essas coisas no caso
seriam as mais bizarras que eu poderia fazer, que estavam ao meu alcance
fazer, até para eu mesmo não morrer (Aron).
Aron parece envelopar sua história com certa linearidade, como uma
relação causa e efeito, a partir da agressão do pai. Houve uma decisão pelo
crime, mas não diretamente. Foi, antes, para chamar a atenção dos pais, para
os fazerem “pagar”, “ferrar eles”. “Comecei a roubar no supermercado, uma

140
balinha, um chocolate. [silêncio] Aí, eu lembro que com 8 anos de idade nessa
situação que estava da separação levei um revólver para a escola... Sem porquê,
nem para quê. Comecei demonstrando meus sentimentos nessas ações [...]”,
contra algo que ele parece reconhecer como “me deixaram só”. Seu início
no crime aconteceu aos 8 anos com atos infracionais mais simples, até que,
paulatinamente, foram se tornando mais perigosos. Isso se reflete na própria
trajetória escolar em que aparece, primeiramente, a agressão, o uso de arma,
para depois chegar à degradação do patrimônio e às consequentes mudanças
de instituição. Sua delinquência demonstra estar muito atrelada à instituição
educativa. Quando perguntado sobre o que acha que os professores pensam
dele, responde de maneira aparentemente resignada: “decepção”.
3. Carlos – “a entrada tem um motivo, a morte do meu irmão”: nota-

mos que o jovem inicia sua narrativa dando nomes e explicações
ao que aconteceu consigo, pois “tudo tem um motivo”, diz ele. E
a razão maior para explicar seu envolvimento com o crime foi o
assassinato de seu irmão. Esse evento é apresentado por Carlos
como o pivô de sua vida mesma. Tudo se passou em consequência
disso: sua mudança de bairro, de escola, de relações e sua própria
iniciação no crime. “Foi 2009, dia 5 de maio3, tudo começou com a
influência da morte do meu irmão. Ao vir para cá, que a gente era
de Vila F..., um pouco afastada, como isso me machucava muito!
Aí, com as más influências, comecei tomar, comecei criar maldade,
comecei querer fazer gracinha, planejar [...]”. Utilizando-se de seu
precioso cacoete de língua, “querendo ou não”, ele se desimplica.
Não seria ele aquele que quereria cometer atos infracionais, mas
seria a própria sociedade, o julgando e o influenciando a cometê-
-lo. De alguma forma, a fixação na morte do irmão requer outras
fixações para continuar justificando e alimentando suas ações. “Aí,
eu fui cometendo atos infracionais, tudo começou com briga e dis-
córdia, aí, tava indo mal porque no meio da sociedade, que às vezes
você tem um ato infracional ou crime, não precisa te julgar que
você é criminoso ou aquilo, isso acaba influenciando nos atos que
você comete”. Carlos não fala em primeira pessoa. Seu discurso é
o de um outro fantasístico que sofre, que brinca e que se justifica.
Suspeitamos de que sua entrada no crime foi sua saída de cena, sua
desimplicação de si consigo mesmo. Entregue ao álcool e às drogas,
Carlos parece ter se apagado naquele 5 de maio. Depois disso, veio
o jovem com uma trajetória de vida comum:
3 Data alterada em razão da ética na pesquisa, para que o sujeito tenha sua identidade preservada.

[...] mas na trajetória de vida é totalmente diferente, uma pessoa comum

gosta de brincar, gosta de zoar, não é somente isso que muitos acham
que um jovem que comete atos infracionais, que só comete crime. Ele
também zoa, brinca, o que ele faz aí não atinge as pessoas que estão ao
redor dele. Igual, cada um tem sua história, para começar. O que foi a
marca na infância, ou alguma coisa que aconteceu [...]. Porque, querendo
ou não, nós somos todos jovens comuns em meio da sociedade (Carlos).
Esse cacoete – “querendo ou não” – surgiria como a marca significante

do esquecimento, da desaparição e da opacidade do próprio Carlos? Não
sabemos. O certo, para ele, é que “[...] só alguns que precisam de ajuda,
uns que não querem sair. Eu vi, fiquei nisso daí [Medidas Socioeducativas],
fiquei preso umas 30 vezes, peraí, que eu sei, porque se você tiver puxado os
atos, você vê o tamanho da capivara”. Porém, não foram 30 passagens pelas
Medidas. É claramente um exagero, que pode estar mais relacionado ao peso
das passagens, ao ponto de basta ou, da mesma forma, ao tipo de crime que
o forçou a permanecer no atendimento socioeducativo, tendo que elaborar
constantemente os tráficos de droga e um furto que cometeu. Presumimos
que Carlos se vê impelido a elaborar não o seu crime, mas aquele que tirou
a vida do seu irmão, lugar onde ele provavelmente se encontra fixado: “isso
aí foi uma fase, muitas vezes é por emoção, para mostrar para os outros,
para mostrar que é aquilo [...], querendo ou não eu vi a morte do meu irmão,
querendo ou não abala”. Curiosamente, abalar significa também sacudir,
movimentar, expulsar do espaço, fazer tremer, tirar a segurança. Isso parece
garantir o envelopamento psíquico (malsucedido) de Carlos no que se refere
ao evento de assassinato que fundamenta a sua vida. Como um gatilho ou um
turning point, que foi disparado com seus 8 anos de idade, ele levará mais 10
anos para elaborá-lo, mesmo que precariamente, no contexto de vários cum-
primentos de medidas no sistema de atendimento socioeducativo da cidade.
Porque “querendo ou não [...] ninguém vai para o buraco sem querer”.
4. Vinicius – a morte do primo e o desejo da moto:
Não sei, sério mesmo... Não sei o que falar não... [tosse] A vida do crime foi
bobagem à toa, um trem assim, lero-lero, usuário. Por isso, nós entrou foi
no CIA, umas duas, três vezes, eu acho. Uns trens assim lero-lero, 1554...
Tipo isso aí quando era mais novo. Agora já tenho tipo uns 21 anos. Isso
4 Art. 155, Lei nº 2.848, de 7/12/1940, do Código Penal Brasileiro: “Subtrair, para si ou para outrem,
coisa alheia móvel. Furto de coisa comum. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa”
(detalhado em 7 parágrafos). Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10619836/
artigo-155-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940?ref=serp-featured

142
aí é quando era mais novo, uns 15, 13 anos, gostava de andar de moto
e ver os outros andando. Agora já tá de boas já. Trabalhei já, comprei
minha moto. Agora nem estou mais não, estou de boas. Minha moto está
ali parada ali fora, aquela verde que está ali (Vinícius).
O crime na vida do Vinícius está profundamente ligado à moto. Aquela

que ele deseja e pela qual morreu seu primo. Essa morte funcionará como
gatilho para sua entrada no crime.
Agora é eu, faço só entrega mesmo de lanche. Ainda não tenho carteira,
não. Tô querendo tirar. Trenzinho à toa, sô Trem de crime é foda, ilusão!
Tinha um amigo. Ele foi lá, tinha uma moto, ele foi lá e perdeu a moto,
ele estava cabritando. Aí, os homens foram lá e levaram a moto dele. Aí,
eu achei que ele ia comprar outra moto. Ele foi lá e caçou roubada. No
primeiro dia morreu. Amigo mesmo. Primo, eu chamo ele de primo. Meu
amigo não, amigo é... É isso. Gosto nem de falar não [fala com nó na
garganta e se cala] (Vinícius).
A entrada no crime não é apresentada por Vinícius como resultado de um

curto-circuito pulsional, ou mesmo do ato desbussolado como se espera de
um adolescente, mas uma mera contingência – que desconfiamos não ser tão
contingente assim. Ele revela ter sido algo pouco decidido e pouco desejado,
simplesmente se percebendo no ato mesmo do crime. Porém, essa percepção
surge apenas em razão da morte do primo, envolvido em um roubo de moto. O
crime, já existia a priori, como “lero-lero” desdobrado do crime e da morte do
primo. Seria uma tentativa de elaborá-los? Hoje, ele tem a sua própria moto,
trabalha e conseguiu comprá-la, fez valer o desejo do primo que, suspeitamos,
lhe serviu como outro referente. Afinal, o desejo é sempre desejo de desejo
(LACAN, 1964/1988), e o dele pareceu-nos ser o desejo de moto do primo,
tomado como seu. Mas um resto de si não trai uma marca inicial de ambos: o
crime. O primo morreu por isso e ele, mesmo com a moto, segue ilegal sem
a carteira de habilitação: “trenzinho à toa, sô”.
5. José – “meu pai que não olha para mim”:
O que mais me deixou assim, mas traumatizado não, [me deixou] sen-
tido, foi ter crescido sem meu pai. A questão não é ter crescido sem ele.
Foda-se! Mas sendo rejeitado por ele. Minha mãe, ela era muito nova
e teve problemas no relacionamento deles. Aí, isso acabou me afetando.
Ela não olhou mais para meu lado, olhou mais para o lado deles dois.
Aí, isso acabou me afetando um pouco [...] (José).

José parece narrar, de saída, um duplo lugar entre dois que experimenta
em sua biografia: o lugar da adolescência, entre a infância e a adultez, pró-
prio desse momento da vida em nossas sociedade ocidentais, e o lugar que
(não) ocupa entre o pai e a mãe, relativo à ausência do olhar de ambos sobre
si mesmo. Mas é o “não olhar” do pai que o comove de fato, pois o da mãe
parece se dar em consequência do não olhar do pai, de apenas preocupar-se
com o marido. Em outros termos: ambos, mãe e filho, demonstram ser reféns
de um mesmo ponto gravitacional: o pai. Presumimos o quanto deve ser difícil,
e soa até retórico, o momento de José dizer “foda-se!” a esse túnel subjetivo,
buraco mal recoberto pelo não olhar do outro. Constatar tal buraco pode ter
servido como gatilho para a vida infracional do jovem, iniciada com a “direção
perigosa”, mantendo hoje o “consumo de drogas”. Quando perguntado sobre
o principal sentimento que o crime produz em si, a resposta não haveria de ser
outra: “conflito”. O termo parece dar nome à sua trajetória, pois demonstra ser
o que demarca sua relação com o pai e com a delinquência. Notamos que, no
contexto infracional, a polícia o agride, mas é a agressão do pai que o marca:
Teve um problema na escola, a menina que eu namorava passou em casa

do meu pai e falou um tanto de coisa lá...realmente eu tinha arma, mas
ela aumentou muito as coisas... Meu pai sem saber de nada, das coisas
que ela tinha aumentado, aí, meu pai chegou sem saber nada tentando
me agredir, agredir a minha mãe, aí, isso deu polícia...ultimamente está
assim, ele lá e eu aqui, a gente nem se fala mais (José).
Em razão da “direção perigosa”, pela qual foi pego, cumpriu Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comuni-
dade aos 16 anos como infração isolada em sua história de vida. Hoje revela
consumir drogas. “Tive passagem no lugar esse que você falou por causa de
moto, esses trem. Desde criança sempre gostei de moto, de adrenalina...Aí,
com 16 anos tive passagem no CIA por causa de direção perigosa, paguei com
serviço comunitário aqui no Posto de Saúde. Mas depois disso não tive mais
problemas com a justiça”. Indagamo-nos o quanto a infração de José seria
uma tentativa de envelopamento psíquico da falta do olhar paterno, pois ele
produz um “crime” (direção perigosa) relacionado precisamente à profissão
do pai, motorista de ônibus. O próprio José revela desejo de tornar-se mecâ-
nico – profissão no mínimo emblemática para se garantir o olhar do motorista.
Resta que essa esquize só está lá ainda representando a esquize mais

profunda, a ser situada entre o que se refere o sujeito na maquinaria do
sonho, a imagem da criança que se aproxima com o olhar cheio de repro-
ches e, por outro lado, o que o cause e no que ele fracassa, invocação, voz

144
da criança, solicitação do olhar – Pai não vês... [que estou queimando]

(LACAN, 1964/1988, p. 72).
2. O que podemos depreender da não casualidade da entrada
Os casos dos jovens abordados aqui, como base em suas singularidades

discursivas ou modo único de se subjetivarem, permitem-nos destacar algumas
regularidades no que concerne à entrada de cada um no crime ou em outros
atos infracionais. Pensar o detalhe do caso, numa perspectiva micropolítica,
não nos exime de também criar reflexões macropolíticas sem necessariamente
nos render à miopia das generalizações. Luís, Aron, Carlos, Vinicius e José,
cada um a seu modo, comunicam-nos significantes comuns e não casuais sobre
suas vidas e experiências de iniciação que podem melhor orientar nossos atos,
intervenções e quiçá nossas políticas para a juventude.
A primeira regularidade a se ressaltar na narrativa desses jovens é a expe-
riência precoce de morte de um ente querido em circunstâncias problemáticas
ou a experiência de agressão por parte de alguém próximo, de quem ideal-
mente não se espera. De caráter traumático, ou seja, sem que tenham recursos
simbólicos suficientes para recobrir ou explicar tais eventos, a experiência
demonstra fixar esses sujeitos aos desígnios funestos da pulsão de morte, sem
que possuam condição de criar suplência significante, ideais societários ou
ponto de basta ao impulso destrutivo que permeia suas vidas. Ainda assim,
os jovens parecem assumir a morte do outro ou a agressão por parte de um
familiar, por exemplo, buscando interpretá-las com os significantes que estão
precariamente à mão, entre eles o do crime, como confirmação do desígnio
pulsional, e o da própria medida socioeducativa, como tentativa de recobri-
mento ou reparação de tal desígnio.
Outra regularidade possível de se inferir, e que está intrinsecamente
ligada à experiência precoce de morte e de agressão, diz respeito à vivência
de abandono. Todos, de um modo ou de outro, parecem ter sido deixados
desde cedo à sua própria sorte. O lugar entre dois a que foram relegados na
condição de adolescentes demonstra ser exponencialmente potencializado
pela sensação de abandono social que vivenciam. Isso pode invariavelmente
contribuir para que seus “túneis” subjetivos, escavados a partir de ambos
os lados – como elucubra Freud (1905/1980a) –, sejam buracos muito mal
recobertos e igualmente malsucedidos no que se relacionam à passagem de
um lado a outro: de uma infância frequentemente abandonada a uma adultez
quase sempre rechaçada. Uma espécie de desbussolamento parece vir em
decorrência disso, levando-os em regra à experiência de desborde, de trans-
gressão e de confronto com a sociedade.

Também ressaltamos o quanto a experiência de entrada nos atos delitivos

pode ter influência dos pares, sejam eles colegas, amigos, gangues, irmãos,
primos etc. Nossa pequena amostra não nos permite tomar tal inferência como
regularidade, já que apenas Luís foi explícito quanto a isso. Mas percebemos
que a maioria relata alguma forma de influência de seus próximos, ora de
maneira mais sutil, ora de maneira mais aparente. O fato é que o ato infracio-
nal surge como passagem e vivência comuns relacionadas às circunstâncias
desses jovens de periferia, com precoces e destrutivas experiências, e congre-
gando-se em pares para, quem sabe, suportá-las de modo mais brando. Nos
lugares onde vivem, o crime compõe o cotidiano e, num primeiro momento,
nenhum deles refere ao seu ato de delinquir como crime. Eles começam com
atos menos expressivos e, paulatinamente, vão se enganchando no mundo
da contravenção. Às vezes, foi necessário um evento inesperado para que
tomassem consciência de si e de onde estavam metidos, como a morte de
alguém, por exemplo, gerando alguma reflexão sobre suas permanências ou
não nesse mundo.
Por fim, a regularidade discursiva mais substancial, quando se considera
a orientação psicanalítica como forma de leitura dos casos em pauta, foi a
presença ou a ausência do outro e a própria experiência de alteridade pela
qual passam esses jovens. A maioria deles conheceu, não ao acaso, os exces-
sos desse outro em registros muito diversos: maus-tratos, abusos, agressões,
mortes, abandonos. Os problemas relacionais, afetivos, sexuais e adaptativos
tornam-se, na verdade, problemas de regulação simbólica ou societária que,
como tal, não parece contar com um outro como referente para balizá-la.
A ausência dessa regulação (e desse outro que a sustente) não cria na vida
desses jovens diques societários efetivos contra o curto-circuito pulsional e
o desbussolamento libidinal a que estão sujeitos.
Em Privação e delinquência, Winnicott (1984/2002) dirá que há uma
relação inerente entre a tendência antissocial e a própria privação do jovem. É
como se ele reconhecesse que o outro lhe deve algo, que o ambiente em que
está esse outro o privou de algo muito fundamental para que ele se constitua
como sujeito. E de qual privação se diz? Em nossos termos: de um desejo não
anônimo desse outro em relação ao jovem. Uma vez privado disso, se derivaria
uma agressividade arcaica que, não sendo externalizada, pode destruir o pró-
prio jovem e seus laços sociais. Porém, justamente por dirigi-la para fora do
Eu sob a forma de crime, o ato de quem o pratica pode “atuar” nele, inclusive
o penalizando, sem que haja aparentemente um mal-estar em razão disso.
Dito de outro modo: seja tanto externalizado quanto internalizado, o
crime não deixa de chancelar ao jovem um destino funesto.

146
A razão de tal chancela pode estar, entre outros motivos, na necessidade

desse mesmo jovem de significar a falta do outro – em geral, um adulto
referente de quem se vê privado de seu desejo. Logo, suspeitamos de que,
para alguns jovens, o ato infracional pode significar uma forma de eles se
apresentarem ao outro, convocado como tal para tomar partido no aparelho
jurídico do Estado. A própria instituição socioeducativa pode servir-lhes de
veículo para tal apresentação, para se colocarem em cena e para ressignifica-
rem a falta do outro. Mas, sabemos: dificilmente nossas instituições jurídicas,
policiais, assistenciais e mesmo socioeducativas – precárias e politicamente
desinvestidas como são – estarão aptas a cumprirem essa demanda de se ofer-
tarem como genuína alteridade portadora tanto de diques simbólicos quanto
do desejo implicado por esses jovens.
Assim, entende-se bem porque eles, hipoteticamente, ficam muito vulne-
ráveis à captura dos perversos sociais, como discorremos inicialmente, ainda
que nossa pequena amostra dos 5 jovens não tenha confirmado tal hipótese.
Eles não demonstram ter sido capturados, mas sabemos bem como os per-
versos estão sempre à espreita!
A exposição ao crime, à possibilidade de se machucar ou morrer, de ferir
o outro ou exterminá-lo, de tomar para si algo dele, de comprometer seu futuro
pessoal ou de se pôr em perigo não deixam de alterar substancialmente as
probabilidades de laço social desses jovens. Utilizando-se do ato infracional
como sintoma, justamente em defesa de se fazer parte do laço com o outro,
o desfecho resulta no contrário do que se mirou: a desinserção social. Cada
jovem sob essa circunstância se vê estigmatizado e segregado precisamente
por tentar se integrar, por tentar pertencer e fazer os dois furos de seu túnel se
encontrarem. Mas não. A segregação gera mais segregação. E, como já tivemos
a oportunidade de refletir (PEREIRA, 2019), muitos não hesitam em adotar
a delinquência como modo sintomático que testemunha sua falta a ser, seu
sofrimento, seu escárnio, sua necessidade interior de afrontar o mundo para,
quem sabe, sedar a angústia de viver e o vazio simbólico de sua existência.
Ora, como todo sintoma, teríamos aqui, mais uma vez, um pedido de ajuda
a ser por nós escutado.
Sabemos que nós, os operadores sociais, não podemos ajudar muito
os adolescentes nessa travessia, a não ser sobrevivendo incólumes, sem nos
alterar, sem abandonar qualquer princípio que implique nosso desejo e a
própria política. Pensamos então ser fundamental manter a responsabilidade
de acompanhá-los, sem jamais deixá-los à deriva ou abdicando-se deles, para
que consigam civilizar um pouco o impulso de morte de cada um na difícil
conquista de seu lugar social.

REFERÊNCIAS
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FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980b. v. 7.
FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: FREUD, S. Edi-

ção Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980a. v. 7.
LACADÉE, P. O despertar e o exílio – ensinamentos psicanalíticos da mais

delicada das transições: a adolescência. Rio de Janeiro: Contracapa, 2011.
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da

MELMAN, C. O que é um adolescente? In: O Adolescente e a moderni-

dade. Congresso Internacional de Psicanálise e suas conexões. Tomo II. Rio
de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.
PEREIRA, M. R. O adolescente que a psicanálise escuta no atendimento

socioeducativo e em condições de adversidade social. In: GURSKI, R.;
PEREIRA, M. R. Quando a psicanálise escuta a socioeducação. Belo Hori-
zonte: Fino Traço, 2019.
RODRÍGUEZ, C. Aportes para pensar por caso: una cuestión de detalles. In:
FRIGERIO, G.; KORINFELD, D.; RODRÍGUEZ, C. (org.) Trabajar en
instituciones: los oficios del lazo. Buenos Aires: Novoeduc, 2018 (Colección
Ensayos y Experiencias, Tomo 109).
WINNICOTT, D. Privação e delinquência. 3. ed. São Paulo: Martins Fon-

tes, 2002.

CHAPTER 4
ENTRY INTO CRIME
IS NOT CASUAL: teen offense
The moment of adolescent transition, and even that of young adults, in

our Western societies, from the twentieth century to the present day, has been a
complex operation from both the subjective and social points of view. Starting
with the non-place or the place between two that our young people occupy
without necessarily belonging to either of them: neither to the childhood, often
idealized, told and protected, though not infrequently threatened or abused;
nor to the adulthood that would grant them some autonomy to answer and
be responsible for their own acts, be they economic, legal, social and sexual.
In this way, adolescence would confirm the Freudian hypothesis of being an
ambiguous and opaque result of very polarized places, such as “a tunnel dug
through a mountain from both sides” (FREUD, 1905/1980a, p. 213).
We know that the inventor of psychoanalysis recognizes “puberty” – a
term with which adolescence is dealt with early in his work – as a delicate
moment because it is a kind of Nachträglichkeit (a posteriori) effect of child
sexuality. As we have explained in another work (PEREIRA, 2019, p. 36),
adolescence would thus be both the return of infant sexuality and its out-
come towards adult sexuality. The subject at this moment of life finds himself
through some inevitable and closely intertwined destinies:
1. the detachment or disidentification from the parents or the primor-

dial objects of love;
2. the decline of autoeroticism or narcissistic forms of investment in
such objects;
3. the affirmation of their societal ideals, such as groups, partners,
formation, profession, conjugality etc. and,
4. the social inscription of their own sexuality, confronting the differ-
ence between the sexes and the anguish of castration, in contradic-
tion to the perverse polymorphy of their infant condition.
It is not surprising that, facing these embarrassing fates, the presen-

t-day teenager seeks resolutions that often lead to ambivalence, conflict,

150
unsuccessful enveloping short-circuits or covering once again their preca-

riously excavated tunnel.
On the subjective level, if the child can count on a more elastic psyche
and continually open to new inscriptions, the adolescent – even by the bodily
and social imperatives of our surroundings – tries to direct, genitalize and
objectify their libido (FREUD, 1905/1980a). This can often lead him to suc-
cessive personal crises precisely because of the short circuit caused by this
attempt to direct libido into object drives while being, still, quite susceptible
to their own infant condition. One then realizes how much the adolescent
tends to disorganize himself in continual enveloping trials of his psyche in
an attempt to resolve the impasses of this short circuit with little chance of
success. Most commonly, symptomatic outputs may come as a result. Even
misunderstood by a large part of society, the adolescent unconsciously uses
such exits to deal with the effects of emptiness that his psychic enveloping
attempts cannot cover.
We consider, however, that one of the real possibilities of such envel-
oping will be the symptom of delinquency and criminality – as far as they
may be related to psychopathological disorders, infractions, risky behavior,
suicide etc. The criminal activity would, in theory, be a symptomatic attempt
by certain subjects to repair the effects that the short circuit in their drives
and social arrangements had on their psychic organization.
In regards to the social sphere, the very experience of exclusion, criticism
of conventional values, decline of traditions, the fall of institutional ideals and
certain models of symbolic authority, as well as the experience of worship
of excesses and uninhibited forms of pleasure – such as hyperconsumption,
hypertechnology, voyeurism, sectarianism, overvaluation of intimacy, and
so on – have led most of the teenagers to a kind of straying drift in which
their referents – the adults – lose their tonicity and leave them to their own
devices. There are no “grown ups” when everyone, in a Faustic manner, wants
to rejuvenate themselves, leaving empty both the once-referenced adulthood
and the intergenerational difference itself. This may expose many adolescents
to the tyrannical capture of social ideals and imaginary authorities capable of
demanding rather unconditional forms of submission. This should be noted
in the various ways in which these same adolescents are subjected to social
networks, gangs and tribes, to certain religious doctrines and even to many
forms of initiation into crime and other delinquent acts.
Perhaps this stems from the need of these subjects to foist upon them-
selves any residue which may replace societal rites of passage, which are
now almost absent. This substitution of rites would allow them to minimally
cover the emptiness caused by the absence of a symbolic efficacy capable of

serving them as societal reference which would allow them to situate them-
selves as active partners within their social ties. But what we see are symbolic
requests for death in search of limits as awkward and painful attempts to place
themselves in the world, to ritualize the passage to adulthood, to re-mark the
moment when the act has an advantage over the dimension of meaning. As
Lacadée (2011) claims, these would be “risky conducts”, aimed at ensuring the
value of existence and removing the fear of inconsistency and insignificance.
Rather, they would be attempts to exist rather than to die or to kill.
Violence and delinquency are perfectly normal in those who have not been
symbolically recognized. The only way these people can be recognized is
by the act, since the word or the language refuses to recognize them. [So]
the teenager is exposed to the possibility of delinquency and becoming
violent [...] (MELMAN, 2000, p. 33, our translation).
It is not uncommon for a delinquent adolescent to perceive himself as

marginal to the right of participating in social reality. Their relationship to
knowledge is greatly altered once they find that those whom they trusted in
childhood – generally parents – are now unable to cope with their “crisis”,
to sufficiently treat it or to recognize their sexual condition. For this reason,
precisely, the subject can be very vulnerable to what is considered marginal
knowledge. It is not surprising that under such circumstances this adolescent
will find himself exposed and subject to the influence of outlaws, tyrants, fun-
damentalists or, in other words, the perverse, as psychoanalysis conceives it.
[...] The perverse is the one who constitutes and practices perversion,
that is, the version of the law by itself or from itself (versionem de per si
or per versionem), refusing the law of the other, transgressing it for their
own enjoyment, as well as for the enjoyment of those who follow him.
The perverse, unlike society in general, is interested in the adolescent,
imaginatively recognizes his sexual drive, and offers real conditions for
his modes of enjoyment to take effect outside the law (PEREIRA, 2019,
p. 43, our translation).
But this has a cost: the perverse demands unconditional subjection as

a bargaining currency. The adolescent may even enjoy the endorsement of
the perverse, which will very invariably occur, provided he is servile and
obedient to his tyranny, because the enjoyment of every perverse is to make
the other – in this case, the adolescent – his sexual object, that is, the object
which he enjoys and at the same time brings enjoyment to. As an emblem,
it is enough to mention teenagers who are “soldiers” of drug trafficking,
who are members of street gangs led by genuine tyrants or who submit to

152
fundamentalist religious leaders or politicians who often do so on the basis

of socially perverse arrangements.
In a society that symbolically does not recognize the adolescent, does not
offer him societal ideals capable of naming the pubertal real that affects him,
neither can the enigma of sexuality that the same society insists on making
him repress, it is to be expected that this subject in grasping and clinging to
the possibilities of instinctual satisfaction that the perverse gives them, even
if they are subject to it. The marginal condition in which a perverse person is
found serves as a leitmotif for the adolescent’s identification with them, since,
as in a mirror, the marginality of both is reflected and recognized.
The process of hearing this adolescent under such circumstances cannot
ignore this structure of enjoyment fixity, under penalty of not being able to
remove them from what subjects and enslaves them.
It is important to emphasize – and here lies our wager – that the criminal
initiation of a teenager does not happen by chance. Rather than suppose that
social conditions give him triggers or turning points to make him a criminal a
fortiori, we come to consider how much their subjective “tunnel”, that is, the
poor envelopment of his short circuit for drive and body can also contribute
to the fact that crime may be the possible symptomatic exit for a being who
finds neither symbolic barriers to serve as a sufficient point, nor an other whose
desire for the adolescent is not evaded and not anonymous.
We have long known the possible social triggers for a young person
to succumb to the world of crime: poverty, violence, disorganized families,
precarious and exclusionary schools, toxic social and friendship networks,
subjection to tyranny, easy access to misdemeanor and gains due to it etc.;
but, on the other hand, we know very little about the subjective gaze that can
lead such triggers to gain consistency and effectiveness. Our work for this
chapter rests precisely on this gaze, in particular, on the entry of adolescents
into the world of crime from a psychic or subjective point of view. This is
what will be the subject of our next step.
1. Thinking by case
Guided by sociology and psychoanalysis, we met 14 young people from a

pre-selected universe of 300 for a transdisciplinary and multicenter research1.
Throughout their teenage years, all of them committed some form of infraction
and, as a result, complied with judicial measures in the Socio-Educational
1 Project: Life course and criminal trajectory: an exploratory study of the events and narratives of vulnerable
young people (2017-2019), transdisciplinary research between Sociology, Psychoanalysis and Education,
from universities of Minas Gerais and Rio Grande do Sul, partially funded by IEAT-UFMG.

Assistance System of Belo Horizonte, and are now egresses of such system.
We select here, as a gaze on the theme of this chapter, the trajectory of entry
into crime of 5 of these subjects. We made use of the Individual Assistance
Plans (Planos Individuais de Atendimento – PIA) as a toolbox, which allowed
access to biographical data of the research subjects, including the history of
their infractions; as a questionnaire about the life and criminal trajectory of
each one of them, with more than 70 questions; and as Narrative Memoir,
an undirected interview so that each youngster could freely tell the story of
their own life.
Therefore, based on these tools and with a psychoanalytic reading, we
seek to outline the trajectories of each subject in regard to the entry into crime,
as well as the possible permanence and exit out of crime. For the sake of the
analysis, we have emphasized discursive regularities, which are common
features in such trajectories, allowing us to create broader analytic categories,
while still scandalizing the many discursive singularities that would be the
unique ways in which each one – treated, henceforth, as a “case” – inscribes
its own subjectivity in the concerned infraction. “[...] The subjectivity that
makes the case implies contradictory, or at least disconcerting, association of
principles or data, which are capable of destabilizing the consciousness of a
belief. This singularity breaks the generalization thread to provoke a reflec-
tion” (RODRÍGUEZ, 2018, p. 124, our translation).
In all cases, we seek to follow the Freudian statement concerning his
own clinical research work of archaeological connotation, according to which:
[...] Given the incompleteness of my analytical results, I could only follow

the example of those discoverers who are fortunate enough to bring to
light – after a long burial – the priceless but mutilated relics of antiquity.
I restored what was missing according to the best models known to me
from other analyzes, but, as a conscientious archaeologist, I did not fail
to point out in each case the point where my construction overlaps with
what is authentic (FREUD, 1905/1980b, p. 10, our translation).
Let us think by case. We will present the first reflection about the initia-
tion in crime of five young people who make up the universe of the research
subjects in reference. The analysis of their trajectories allowed us to highlight
points that are tangential and that also differ in relation to the reasons and the
moment of the criminal origins of each one. We chose the codenames Luís,
Aron, Carlos, Vinicius and José, with processes in the Belo Horizonte Socio-
Educational Service System (Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo
Horizonte), to think on a case by case basis and to make some detail of their
own subjective singularities emerge in order to “[...] reach other intelligibilities

154
capable of touching certain micro and macropolitical convictions in times of

homogenizing magmas and about the hard sediments of practices that do not
care about what is subjective” (RODRÍGUEZ, 2018, p. 137, our translation).
1. Luís – “It was a friends’ thing”: “I got into crime at 14, I started
selling drugs. Then that was it. The first few times it was smooth,
then I started to ride, I passed through the CIA2 and [I was arrested]
the same day. After I left, I returned to the same place to sell drugs.
Over time, I was arrested again”. Luís begins his teenage infrac-
tional trajectory through drug trade and, as he points out, it was
one crime after another. He was constantly caught by the police,
but even so, would still sell drugs again. Faced with the question of
how he went into crime, the answer came clearly: “it was a friends’
thing”. The “boca de fumo” (the spot where the drugs were sold)
known as “Biqueira” was the physical space where crime occurred
and where he met friends. Often it was also the place of advice and
symbolic barriers. Once he fled the restricted freedom institution,
it was his friends from Biqueira who told him to return and comply
with the socio-educational measure, taking him back to the institu-
tion. We note that in Biqueira there is congregation, work, sharing
and significance of life, a kind of place that supersedes societal
ideals. There, the youngster can address an even present other one.
If the school would usually present itself as a privileged space for
such addressing, in the case of Luis, who was not enrolled in any,
he transferred this reference space to Biqueira.
Since he was 13 years old, it was the place where he found friends, a
relationship with trafficking, awareness and also police violence. “I
sold drugs, I got beat by the police, I had to run, there is no peace,
in this world there is not. Then I rode again, I spent 8 months in
restricted freedom, but that was good for me, I’m fine, I’m not a
minor anymore.” His adolescence arises as a psychic short circuit
whose time was adequate to “run”, to be caught by the police and
to have no peace between one crime and another. “I had 11 CIA
records, 5 for trafficking, the last time I rode it was type 7, it was
for stealing a car, I and another one”. His entry into the crime has
elements that stand out, but none of them serves as a compass to
explain by itself the beginning of the infractional trajectory: reloca-
tion, two friends killed with guns and the loss of a family member
2 Integrated Center for Adolescent Care Author of Infrational Act of Belo Horizonte – (Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte – CIA-BH).

in a violent situation. However, what is evident is how much his

crimes are related to his friends: with them he steals, with them he
lives, with them the young means life.
2. Aron – “Because they left me alone”: In our interventions, the young

man constantly repeats that he is alone, that he has been left alone.
The lack of the other seems to offer consistency to his narrative:
first his mother, then his brothers. There is a continuous dynamic
of separation that, for Aron, explains his entry into crime. Faced
with the question of life story, and after a long silence, he seems
to be lost in his subjective tunnel and proposes some possible self-
interpretation: the beginning in “vida louca,” (literally “crazy life”, a
term that means living on the edge, often related to criminal activity)
that is, the beginning in crime, followed his parents separation and,
especially, the aggression he suffered from his father.
My father, for fo fo for [he stutters in his speech] small things, before,
when we were children, used to beat us for small things. I mean the beat-
ing, in his way, was a correction. But it generated such hatred in me that
I thought they would pay for it somehow some day. And then I started
doing things to try to get their attention. These things in this case would
be the most bizarre I could do, that were at my reach, because I didn’t
want to die (Aron).
Aron seems to wrap his story with some linearity, as a cause and effect
relationship, from the point of his father’s aggression. There was a decision
for crime, but not directly. It was rather to get the attention of parents, to make
them “pay”, to “screw them”. “I started stealing the supermarket, a candy,
a chocolate. [silence] Then, I remember that when I was 8 years old, in that
situation of separation, I took a gun to school...No reason, no purpose. I
started showing my feelings in these actions [...]”, against something that he
seems to recognize as “they left me alone”. His onset of crime came at age
eight with simpler infractions until they gradually became more dangerous.
This is reflected in the very school trajectory in which aggression appears first,
then the use of a gun, and then property damage and the consequent changes
in institution. His delinquency appears to be closely tied to the educational
institution. When asked what he thinks teachers think about himself, he then
responds in a seemingly resigned way: “disappointment”.
3. Carlos – “The entry has a reason, the death of my brother”: we

note that the young man begins his narrative by giving names and

156
explanations to what happened to him, because “everything has a

reason”, he says. And the biggest reason for explaining his involve-
ment with crime was the murder of his brother. This event is pre-
sented by Carlos as the pivot of his life. It all happened as a result
of this: his change of neighborhood, school, relationships, and his
own initiation into crime. “It was 2009, May 5th, it all started with
the influence of my brother’s death3. When we came here, we were
from Vila F..., a little far, that hurt me a lot! Then, with the bad influ-
ences, I started taking, I started doing evil, I started shenanigans,
planning [...]”. Using his precious language tic, “whether I wanted
or not”, he makes himself uninvolved. It would not be him who
wanted to commit infractional acts, but it would be society itself,
judging and influencing him to do so. Somehow, the fixation on the
brother’s death requires other fixations to continue justifying and
nurturing his actions. “Then, I kept doing infractions, it all started
with fighting and discord, so it was going wrong because in society,
when sometimes you have an infraction or crime, they don’t have
to judge you as a criminal or something, that ends up influencing
your acts”. Carlos does not speak in the first person. His speech
is that of a fantasy other who suffers, who plays and who is justi-
fied. We suspect his entry into crime was his exit from the scene,
his uninvolvement with himself. Left to alcohol and drugs, Carlos
seems to have erased himself that May 5th. After that, there was
the young man with a common life trajectory:
[...] but in the life trajectory it is totally different, an ordinary person likes
to play, likes to tease, that’s not only that which many think that a young
person who commits infractional acts, which only commits crime. He also
jokes, makes fun, what he does there doesn’t reach the people around him.
Likewise, each has their own story, to begin with. What was the mark in
childhood, or something that happened [...]. Because whether we want it
or not, we are all ordinary young people among society (Carlos).
Would this tic – “whether we want it or not” – appear as the significant

mark of Carlos’ own oblivion, disappearance and opacity? We do not know.
What is right for him is that “[...] only some need help, some who do not want
to leave. I saw it, I got it from there [Socio-Educational Measures], I got
arrested about 30 times, wait, that I know of, because if you have checked the
list of acts, you’ll see the size of the capybara”. However, there were not 30
3 Date changed due to research ethics, so that the subject has their identity preserved.

records with the Measures. It is clearly an exaggeration, which may be more

related to the weight of the records, a quilting point or, similarly, the type
of crime that forced him to remain under socio-educational care, having to
constantly elaborate drug trafficking and a theft he committed. We assume
that Carlos is impelled to elaborate not his crime, but the one who took his
brother’s life, where he is probably fixated at: “that was a phase, many times it
is because of emotion, to show everyone else, to show what is that [...] whether
I wanted it or not I saw the death of my brother, whether I wanted it or not, it
impacts”. Interestingly, the word he used (abalar – translated as impacts) also
means shaking, moving, throwing out of space, trembling, removing safety.
This seems to guarantee Carlos’ (unsuccessful) psychic envelopment in regard
to the murder event that underlies his life. Like a trigger or a turning point,
that was fired at the age of eight, it will take him another 10 years to elaborate
it, even if precariously, in the context of various compliance measures in the
socio-educational care system of the city. Because “whether I want it or not
[...] nobody goes down the hole unintentionally”.
4. Vinícius – the cousin’s death and the wish of a motorcycle:
I don’t know, really... I don’t know what to say... [cough] The life in crime
was a silly thing, stuff like that, foolishness, drug user. Because of that,
we went into the CIA a couple of times, three times, I think. Some stuff
like that, foolishness, 1554... Stuff like this when I was younger. Now I’m
about 21 years old. That’s when I was younger, about 15, 13 years old,
I used to like riding a motorcycle and watching other people ride. Now
it’s all good. I’ve already worked, bought my bike. Now I’m not in that
anymore, I’m good. My motorcycle is standing there, that green one that
is there (Vinícius).
The crime in Vinícius’s life is deeply linked to the motorcycle. The one
he wishes for and for which his cousin died. This death will act as a trigger
for his entry into crime.
It’s me now, I only deliver meals. I don’t have a license yet. I want to get
it. Pointless stuff, man. This crime stuff is a fucking illusion! There was a
friend. He went there, he used to have a motorbike, he went there and lost
the bike, he was doing a wheelie. Then the police went there and took his
bike. Then I thought he was going to buy another bike. He went there and
4 Art. 155, Law nº 2.848, of nº 12.7.1940, of the Brazilian Penal Code: “Subtrair, para si ou para
outrem, coisa alheia móvel. Furto de coisa comum. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e
multa” (detailed in 7 paragraphs). Available at: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10619836/
artigo-155-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940?ref=serp-featured

158
looked for trouble. On the first day, he died. A real friend. Cousin, I call
him cousin. My friend no, a friend is... That’s it. I don’t even like to talk
about it [he speaks emotionally and goes silent] (Vinícius).
The entry into crime is not presented by Vinícius as a result of a drive

short circuit, or even the aimless act expected of a teenager, but a mere con-
tingency – which we suspect is not so contingent. He reveals that it was
something with almost not thought or desire, he simply realized he was at the
very act of the crime. However, this perception arises only from the death of
his cousin, involved in motorcycle theft. The crime already existed a priori,
as “foolishness” unfolded from crime and his cousin’s death. Would it be an
attempt to elaborate them? Currently, he has his own motorcycle, he works and
managed to buy it, making his cousin’s wish worthwhile, which we suspect
served him as another referent. After all, desire is always a desire for desire
(LACAN, [1964]/1988), and his seemed to us to be his cousin’s motorcycle
desire, taken as his own. But part of himself does not betray the initial mark
of both: crime. The cousin died for this and he, even with the motorcycle, is
still illegal without the driver’s license: “Pointless stuff, man”.
5. José – “My father who does not look at me”:
What left me like this – but not traumatized, [it made me] sad, was mostly
growing up without my father. The point is not to have grown up without
him. Fuck it! But being rejected by him. My mother, she was very young
and had problems in their relationship. Then it ended up affecting me.
She was no longer looking to my side, but to those two. Then it ended up
affecting me a little [...] (José).
José seems to narrate, from the outset, a double place between two that
he experiences in his biography: the place of adolescence between childhood
and adulthood, proper to this moment of life in our western societies; and the
place that he occupies (not) between the father and the mother, relative to the
absence of their look towards himself. But it is the “not looking” of the father
which really moves him, since that his mother’s seems to be a consequence
of his father’s, as if she just worried about her husband. In other words, both
mother and child indicate they are hostages of the same gravitational point:
the father. We assume how difficult it must be, and it even sounds rhetorical,
when José says, “Fuck it!” to this subjective tunnel, a hole barely covered
by the not looking of the other. Finding such a hole may have served as a
trigger for the infractional life of the young man, initiated with “dangerous
driving”, and maintaining it today with “drug use”. When asked about the

main sentiment that crime produces in him, the answer could be no other:
“conflict”. The term seems to give his trajectory its name, as it proves to be
what demarcates his relationship with his father and delinquency. We note
that in the infractional context, the police assaults him, but it is his father’s
aggression that marks him: “There was a problem at school, the girl I was
dating passed by my father’s house and said a lot of things there...I actually
had a gun, but she exaggerated... My father not knowing anything about the
things she had exaggerated about, then, my father came, not knowing any-
thing, trying to beat me, to beat my mother, then there was police... lately it’s
like this, he is there and I am here, we don’t even talk anymore”. Due to the
“dangerous driving” by which he was caught, he complied with the Socio-
Educational Measure of Assisted Freedom and Community Service at age 16
as an isolated infraction in his life history. Today he reveals that he uses drugs.
I’ve been to the place that you said because of the motorcycle, that stuff.
Since I was a kid, I always liked motorcycles, adrenaline... Then, when I
was 16 years old, I had a record at the CIA because of dangerous driving,
I paid with community service here at the Health Center. But after that I
had no more problems with the justice (José).
We wonder how José’s infraction would be an attempt to psychically

envelop the lack of paternal gaze, as he produces a “crime” (dangerous driv-
ing) precisely related to his father’s profession: bus driver. José himself reveals
a desire to become a mechanic – a profession at least emblematic to guarantee
the driver’s gaze.
This schism is only there representing the deepest schism, situated between
what the subject refers to in the machinery of the dream, the image of the
child approaching with a gaze full of reproach and, on the other hand,
what causes it and what it fails at, invocation, child’s voice, solicitation
of the gaze – Father, can’t you see... [I’m burning] (LACAN, 1964/1988,
p. 72, our translation).
2. What can we infer from the non-causality of entry

The cases of young people addressed here, based on their discursive
singularities or unique ways of subjectivizing themselves, allow us to high-
light some regularities regarding their entry into crime or other infractions.
Thinking about the detail of the case, from a micropolitical perspective, does
not exempt us from also creating macropolitical reflections without neces-
sarily yielding to the myopia of generalizations. Luís, Aron, Carlos, Vinícius

160
and José, each in their own way, communicate to us common and non-casual
signifiers about their lives and initiation experiences that can best guide our
actions, interventions and perhaps our policies for youth.
The first regularity to highlight in the narrative of these young people is
the early experience of a loved one’s death in troubled circumstances or the
experience of aggression by someone close to them, from whom one would
not ideally expect. Without having sufficient symbolic resources to cover or
explain such events, traumatic experience demonstrates that it fixes these
subjects to the deadly designs of the death drive, without being able to create
meaningful substitution, societal ideals, or a quilting point to the destructive
impulse that permeates their lives. Still, young people seem to accept the death
of the other or the aggression by a family member, for example, by trying to
interpret them with the signifiers that are precariously at hand, among them
that of crime, as confirmation of the drive design, and of the socio-educational
measure itself, as an attempt to cover or repair such design.
Another regularity that can be inferred, and which is intrinsically linked
to the early experience of death and aggression, concerns the experience of
abandonment. Everyone, in a way or another, seems to have been left to their
own devices early on. The place between two to which they were relegated
as teenagers proves to be exponentially potentiated by their sense of social
abandonment. This can invariably contribute to the fact that their subjective
“tunnels”, excavated from both sides – as Freud (1905/1980a) elucidates – are
very poorly covered and equally unsuccessful in terms of moving from side
to side: from a childhood often abandoned to an almost always rejected adult-
hood. A kind of aimlessness seems to come as a result of this, leading them as
a rule to the experience of excess, transgression, and confrontation with society.
We also emphasize how much the experience of entry into crime can
influence peers, whether they are colleagues, friends, gangs, brothers, cousins
etc. Our small sample does not allow us to take such inference as regularity,
since only Luís was explicit about it. But we notice that most of them report
some form of influence from their neighbors, sometimes more subtly, some-
times more visibly. The fact is that the infractional act emerges as a common
passage and experience related to the circumstances of these young people
from the peripheral neighborhoods, with early and destructive experiences,
and coming together in pairs to perhaps support them more mild. In the places
where they live, crime makes up their daily lives and none of them refers, at
first, to their act of delinquency as a crime. They begin with less expressive
acts and gradually become hooked into the world of misdemeanor. At times,
it took an unexpected event for them to become aware of themselves and

where they were in, such as someone’s death, for example, generating some
reflection on their permanence (or not) in this world.
Finally, the most substantial discursive regularity, when considering
psychoanalytic orientation as a way of reading the cases under consideration,
was the presence or absence of the other and the very experience of other-
ness these young people go through. Most of them knew, not by chance, the
excesses of this other in very diverse records: abuse, aggression, death, aban-
donment. Relational, affective, sexual, and adaptive problems become, in fact,
problems of symbolic or societal regulation that, as such, do not seem to rely
on an other as a reference to guide it. The absence of this regulation (and of
the other which sustains it) does not create in the life of these young effective
societal barriers against the drive short circuit and the libidinal aimlessness
to which they are subjected.
In Deprivation and Delinquency, Winnicott (1984/2002) will say that
there is an inherent relationship between the antisocial tendency and the
youngster’s own deprivation. It is as if he recognizes that the other owes them
something, that the environment in which this other is, deprived themselves
of something very fundamental for them to constitute themselves as a subject.
And what deprivation do you say? In our terms: of an unnamed desire of this
other towards the youngster. Once deprived of this, an archaic aggressiveness
would derive, which, if not externalized, could destroy the youngster himself
and his social ties. However, precisely by directing it out of the Self in the
form of crime, the act of the perpetrator can “act” on him, even penalizing
him, apparently without causing discomfort in virtue of this.
To put it another way: either externalized or internalized, crime does not
fail to sanction a disastrous fate to the youngster.
The reason for such a sanction may lie, among other reasons, in the need
for that same youngster to signify the lack of the other – usually a referent
adult who is deprived of their desire. Therefore, we suspect that for some
young people, the infraction may mean a way for them to present themselves
to one another, convened as such to take sides in the state legal apparatus. The
socio-educational institution itself can serve as a vehicle for such a presenta-
tion, so that they put themselves on the scene and resignify the lack of the
other. But we know that our legal, police, welfare and even socio-educational
institutions – precarious and politically disinvested as they are – are hardly
able to meet this demand to be offered as genuine otherness carrying both
symbolic barriers and the desire implied by these young people.
Thus, it is well understood why they are hypothetically very vulnerable
to the capture of the social perverse, as we initially discussed, even though
our small sample of 5 young people did not confirm such a hypothesis. They

162
do not indicate having been caught, but we know how the perverse are always
on the prowl!
Exposure to crime, the possibility of injury or death, of hurting or exter-
minating the other, of taking for themselves something that belongs to an
other, of compromising one’s personal future or of endangering themselves,
all of these substantially alter the probabilities of social ties of these young
people. Using the infractional act as a symptom, precisely in defense of being
part of the bond with the other, the outcome results in the opposite of what
was aimed at: social detachment. Each young person under this circumstance
is stigmatized and segregated precisely by trying to integrate, by trying to
belong and to make the two holes in their tunnel meet. But no. Segregation
generates more segregation. And, as we have already had the opportunity
to reflect (PEREIRA, 2019), many do not hesitate to adopt delinquency as
a symptomatic way that testifies to their lack of being, their suffering, their
derision, their inner need to confront the world for – who knows, perhaps –
sedating the anguish of living and the symbolic emptiness of their existence.
Now, like every symptom, we would once again have a request for help to
be heard by us.
We know that we, the social operators, cannot help teenagers very much
in this journey, except by surviving unscathed, without changing ourselves,
without abandoning any principle that implies our desire and our own policy.
Therefore, we think it is essential to keep the responsibility of accompanying
them, never letting them drift or abdicating them, so that they can civilize the
death impulse of each one a little in the difficult conquest of their social place.

REFERENCES
FREUD, S. Fragmento da análise de uma caso de histeria – “Dora”. In:
FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud. Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1980b.
FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: FREUD, S. Edição

Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1980a.
LACADÉE, P. O despertar e o exílio – ensinamentos psicanalíticos da mais

delicada das transições: a adolescência. Rio de Janeiro: Contracapa, 2011.
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da

MELMAN, C. O que é um adolescente? In: O Adolescente e a modernidade

– Congresso Internacional de Psicanálise e suas conexões. Tomo II. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud, 2000.
PEREIRA, M. R. O adolescente que a psicanálise escuta no atendimento socio-

educativo e em condições de adversidade social. In: GURSKI, R.; PEREIRA,
M.R. Quando a psicanálise escuta a socioeducação. Belo Horizonte: Fino
Traço, 2019.
RODRÍGUEZ, C. Aportes para pensar por caso: una cuestión de detalles. In:
FRIGERIO, G; KORINFELD, D.; RODRÍGUEZ, C (Orgs.). Trabajar en
instituciones: los oficios del lazo. Buenos Aires: Novoeduc, 2018 (Colección
Ensayos y Experiencias, Tomo 109).
WINNICOTT, D. Privação e delinquência. 3. ed. São Paulo: Martins Fon-

tes, 2002.

CAPÍTULO 5
A DESISTÊNCIA COMO PROCESSO:
contribuições das narrativas
memorialísticas para se pensar o desenlace
de jovens com a criminalidade
Juliana Morganti
Rodrigo Goes e Lima
“A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só

se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do
gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma
escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o
verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha
condição. A desistência é uma revelação” (LISPECTOR, 1998, p. 133).
1. Introdução
A proposta investigativa sustentada pela pesquisa “Curso de vida e tra-

jetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de
jovens em situação de vulnerabilidade” se ancora sobre diferentes camadas de
complexidade, que refletem bem o caráter multifacetado do objeto de estudo
que aborda. Em primeiro lugar, lida com a consideração de uma pluralidade
de saberes tomados em primeiro plano no curso da atividade de pesquisa,
levando em conta, em particular, os saberes do jovem, dos campos da psica-
nálise, da sociologia e das ciências humanas, que dialogam com o projeto.
Em segundo, propõe uma compreensão abrangente da noção de trajetória de
vida, a partir das perspectivas biográfica, infracional e institucional através
dos diferentes instrumentos de investigação adotados (narrativa, questioná-
rio e Plano Individual de Atendimento). E, finalmente, sustenta a aspiração,
entre outros objetivos, de elucidar eventos e turning points determinantes
de entrada, assim como também de permanência e de desistência de uma

166
trajetória delinquencial adolescente (SILVA; GUERRA, 2017). A ramificação

de tais aspectos investigativos aponta para a clara dificuldade de se apreender
o fenômeno da criminalidade na trajetória juvenil no contexto brasileiro e a
respectiva importância de se estabelecer esforços de pesquisa que rompam
com as barreiras disciplinares, na tentativa de abarcar tal objeto de forma mais
integrada e comprometida com a complexidade do cenário real estudado.
2. A desistência enquanto desafio de pesquisa
Como se não fosse suficiente o desafio de equilibrar uma variedade

tão grande de desdobramentos e enfoques em seu escopo investigativo, o
estudo do fenômeno da desistência, em específico, ergue impasses e provo-
cações muito particulares à atividade de pesquisa. Como bem documentado
no detalhado trabalho “Understanding Desistance from Crime” de John Laub
e Robert Sampson (2001), a pesquisa sobre desistência enfrenta uma série
de problemas de ordens “conceitual, de definição e de mensuração” (LAUB;
SAMPSON, 2001, p. 10, tradução nossa)1, relacionados à questão da “defi-
nição de estabilidade e mudança ao longo de um curso de vida” (LAUB;
SAMPSON, 2001, p. 7, tradução nossa)2. Afinal, diferente do cometimento
de um ato ilícito, ocorrência que tem hora, lugar e uma certa materialidade, a
desistência “não é um evento que acontece, mas sim a contínua ausência de
um certo tipo de evento (nesse caso, o crime)” (MARUNA, 2001, p. 17 apud
LAUB; SAMPSON, 2001, p. 5, tradução nossa)3. De tal constatação, deriva-
-se um número extenso de questões que denunciam a imprecisão conceitual
em torno de tal campo de estudo. Afinal, “Como distinguir uma desistência
‘genuína’ de uma ‘falsa’?” (LAUB; SAMPSON, 2001, p. 6, tradução nos-
sa)4. Ou ainda, do ponto de vista da mensuração, “qual o período de duração
necessário para se estabelecer uma desistência?” (LAUB; SAMPSON, 2001,
p. 6, tradução nossa)5. Uma primeira tentativa de delimitação da natureza
do fenômeno é apresentada pelos autores através da importante distinção
entre o processo de desistência e o evento de “terminação”, diferenciação
sobre a qual afirmam que, enquanto pelo primeiro se entenderia o “processo
causal que daria suporte à terminação da transgressão”, o segundo diria res-
peito ao “momento no qual a atividade criminosa se interrompe” (LAUB;
1 “[...] conceptual, definitional and measurement concerns”.

2 “[...] a conception of stability and change over life course”.
3 “[...] is not an event that happens, but rather it is the sustained absence of a certain type of event (in this
case, crime)”.
4 “How can ‘genuine desistance’ be distinguished from ‘false desistance’?”.
5 “How long a follow-up period is needed to establish desistance?”.

SAMPSON, 2001, p. 11, tradução nossa)6-7, constituindo assim, respectiva-

mente, causa e efeito. Em outras palavras, a constituição de um processo de
desistência sustentaria, eventualmente, a cessação (terminação) da atividade
criminosa. O entendimento da desistência enquanto processo representa um
passo importante para a endereçar o desafio conceitual que gira ao redor do
tema (LAUB; SAMPSON, 2001), e como veremos ao longo deste capítulo,
nos servirá de importante chave de leitura na análise de um caso extraído da
pesquisa de campo.
Tal entendimento acerca do caráter processual da desistência parece ir
ao encontro também de constatações de pesquisas anteriores, que propõe uma
abordagem psicanalítica do fim do envolvimento com a criminalidade por
parte de jovens. Partindo da hipótese de que o laço com o crime nasce como
resposta à travessia adolescente e como tratamento do corpo na puberdade a
partir da adesão a um saber-fazer rígido da criminalidade que confere um lugar
ao jovem no laço social, Guerra (2014; no prelo) argumenta que o eventual
movimento de desligamento do crime pode se dar por duas vias. A primeira
“de rompimento brusco, que é muito raro e em geral marcado pela irrupção
de um acontecimento com valor de corte ou de estabilização, que instaura
um antes e um depois, e que só a posteriori pode ser assumido pelo sujeito
como algo novo” (GUERRA, no prelo). A segunda, em oposição à última e
mais frequente, segundo a autora, consiste em:
uma desistência gradual, processual, com idas e vindas, laços e desenlaces

com o crime. Quando tal movimento se processa de forma gradual, vai
reordenando as coordenadas simbólicas do sujeito, através de um trabalho
de elaboração subjetiva. Do ponto de repetição ao qual ele retorna, ele
pode lançar uma nova perspectiva, reordenar seus elementos de comando
significante (GUERRA, no prelo).
Tal abordagem reconhece as fluidas e intermitentes relações de conti-

nuidade e descontinuidade que caracterizam o envolvimento do jovem com o
crime, dando especial ênfase aos atravessamentos subjetivos e inconscientes
que marcam a adesão à criminalidade, ressaltando os pontos de trauma, de
repetição, e as possibilidades de elaboração subjetiva presentes na história
de um adolescente. Mesmo que partindo de um ponto diferente, essa pers-
pectiva parece corroborar a ideia da desistência como um processo, como
se encontra na literatura sociológica (LAUB; SAMPSON, 2001), além de
introduzir todo um arcabouço clínico, subjetivo e político que permite uma
6 “[...] the causal process that supports the termination of offending”.

7 “[...] the time at which criminal activity stops”.

168
interpretação mais particular do ponto de decisão de um adolescente, próprio

do campo psicanalítico.
Assim, Laub e Sampson (2001) nos apresentam em sua revisão de litera-
tura uma categorização dos diferentes modelos teóricos acerca da desistência
do crime, organizada em cinco categorias, a saber:
1. Maturação e envelhecimento;
2. Desenvolvimentista;
3. Curso de vida;
4. Escolha racional; e
5. Aprendizagem social (LAUB; SAMPSON, 2001)8, parece-nos ser
interessante abordar a questão da desistência a partir do que nos
permite o método das narrativas memorialísticas. Nosso intuito,
portanto, é buscar entender como o método narrativo nos concede
acesso à construção de um processo singular de desistência por
parte de um jovem. Como, diante do arcabouço teórico que temos
sobre desistência, podemos voltar nosso olhar para a narrativa de
um jovem às voltas com o envolvimento com o crime?
Consideramos pertinente ressaltar que não é nossa intenção enquadrar as

narrativas memorialísticas como um modelo teórico alternativo à tradicional
teorização sobre desistência, uma vez que tratamos de um método. Também
não pretendemos desprezar as importantes contribuições dadas pelos teóricos
que nos precederam. Nosso interesse se reflete na pergunta sobre como conju-
gar saberes, apontando para uma possibilidade de se pensar a desistência em
contextos diversos, considerando a transversalidade do instrumento narrativo.
Este, por sua vez, sendo tributário da literatura, estando em conformidade com
os pressupostos psicanalíticos, e permitindo uma inserção no campo socioló-
gico, parece nos apresentar um novo dispositivo de escuta que leva em conta
o saber do jovem, sendo capaz de apreender respostas subjetivas particulares
e localizar arranjos discursivos que ancoram a posição do sujeito no mundo.
Ao propormos tal questão, devemos também levar em conta que inves-
tigações sobre desistência exigem estudos longitudinais, e que considerando
particularmente o contexto e a população de nossa pesquisa, a adolescência
é uma passagem, uma experiência transitória, o que faz com que seja virtual-
mente impossível asseverar ou mesmo analisar adequadamente um processo
8 (1) maturation and aging accounts of desistance; (2) developmental accounts of desistance; (3) a life-cou-
rse account of desistance; (4) rational choice accounts of desistance; and (5) social learning accounts of
desistance.

de desistência nessa fase da vida. Podemos, no entanto, como mencionamos

acima, examinar como nosso método pode contribuir para nossa reflexão
acerca desse processo.
Dessa forma, traremos, em seguida, uma breve apresentação de Charles,
jovem entrevistado no âmbito de nossa proposta de pesquisa, para então con-
duzirmos uma reflexão acerca do recurso narrativo na construção da trajetória
deste jovem.
Antes de prosseguirmos à exposição da narrativa de Charles, apresenta-
mos brevemente a estratégia utilizada para coleta das narrativas dos jovens
entrevistados. Duplas compostas preferencialmente por um pesquisador com
formação em sociologia e outro em psicologia visitaram territórios e residên-
cias de jovens previamente selecionados e, mediante consentimento à recep-
ção dos pesquisadores, faziam o seguinte convite: “conte-nos sua história de
vida”. Tal convite à fala livre, sem estrutura predefinida e com o mínimo de
interferência por parte dos entrevistadores, fundamenta-se sobre a aposta no
uso de narrativas memorialísticas como estratégia de pesquisa de fenômenos
sociais (GUERRA et al., 2017). Proposta que pretende conceder ao sujeito um
espaço propício à rememoração, em que se possa deslizar “através da palavra
escrevendo sua própria história, em uma dimensão que comporta o Outro,
suas ficções e suas fixações” (GUERRA et al. 2017, p. 1250). Guerra et al.
(2017) nos esclarecem que essa estratégia de acesso à história dos sujeitos
permite a análise da ficção narrativa pelo viés da apreensão dos pontos nodais,
de caráter pulsional, que enlaçam o sujeito e o corpo em sua história.
3. Resumo do caso e proposta de análise
Charles é um jovem negro, de 19 anos, que começa sua narrativa dizendo

de sua entrada no crime aos 14 anos através do tráfico de drogas, porque
“queria dinheiro”. Em 29 minutos e 33 segundos de exposição oral, ele nos
conta sobre sua trajetória infracional, fala sobre apreensões policiais, medidas
socioeducativas, violência, amizades e perspectivas de maneira não linear,
com riqueza de detalhes, em cenas que parecem ter sido cinematograficamente
editadas para impressionar a um público mais pela crueza dos fatos em si, do
que pelo conteúdo reflexivo apresentado.
O Plano Individual de Atendimento (PIA) de Charles informa que ele
teve quatro passagens pela Vara Infracional, todas pelo cometimento de ato
infracional análogo ao crime de tráfico de drogas. No entanto, o relato do
jovem diz de mais de 11 passagens por instituições socioeducativas, revelando,
em um vai-e-volta narrativo, dificuldades no cumprimento das medidas e
insistentes retornos ao tráfico de drogas.

170
A narrativa do nosso “cineasta” é recheada de eventos como roubo,

agressões, fugas e enfrentamento a autoridades familiares e policiais, que
conduzem o fio narrativo pelo qual o jovem se apresenta. Entendemos que,
na composição de sua história, tais eventos nos colocam diante da relação do
jovem com a criminalidade.
Dessa forma, faz-se mister esclarecer que, no contexto da pesquisa apre-
sentada, entendemos o conceito de evento como ações situadas na vida dos
sujeitos, que apesar de poderem ser gerais para todos os grupos sociais (ou
coortes – faixas etárias) são particulares/significativas em suas consequências
para os sujeitos. Neste sentido, eventos ocorrem dentro das trajetórias, e podem
tanto reforçar padrões emergentes de comportamento, modificar significações
de contextos de vida ou colocar o sujeito diante de uma indeterminação, alterar
ou redirecionar uma trajetória processual. Quando os eventos desencadeiam
uma descontinuidade em transições, trajetórias ou no curso de vida como
um todo, são denominados turning-points. Estes apresentam seus efeitos a
posteriori (nachträglich) e podem constituir significados em torno do qual
o sujeito recorre constantemente para justificar suas ações, exercendo uma
força gravitacional que modula sua narrativa.9
São esses eventos que dão materialidade à composição narrativa de Char-
les, que, em alguns momentos, se apresenta como autor de atos infracionais,
relatando acontecimentos que privilegiam os fatos em si, utilizando-se de
linguagem descritiva, direta e rápida, como flashes de uma esquete que é
encenada em sua oralidade, como se pode perceber no trecho a seguir.
A última vez que rodei, rodei 157, fui rouba o carro, eu e mais um, aí foi
o cara levou nóis de carro, aí na hora que ele levou nóis, aí nóis pediu
pra ele esperar nóis lá na Praça C, foi e não esperou, não. Na hora que
nóis foi rouba o carro, a muié saiu acelerando o carro rapidão, aí foi, a
bolsa dela foi caiu no chão que tava encostada na perna dela e na porta,
na hora eu abri a porta a bolsa caiu no chão, aí foi ela saiu acelerando o
carro em cima do passeio, aí foi nós saiu correndo, eu fui pegar a bolsa
e nóis saiu correndo, eu e ele até lá no cara que levou nóis (Charles).10
Em outros momentos, com o mesmo nível de detalhamento e utilizando-

-se de recursos linguísticos semelhantes, Charles coloca-se como como alvo
de violência, num esforço de elaboração quase catártico:
9 Definição proposta de forma coletiva no âmbito das reuniões da pesquisa “Curso de vida e trajetória delinquen-
cial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade”, realizadas
entre 2017 e 2019.
10 Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte, em 25 set. 2018.

Na hora que eu olhei pra trás a polícia já estava vindo, aí só abaixei atrás
do carro, dispensei tudo... mas mesmo assim eles veio e pegou nóis. Já
passou de mim, já foi até ele, já pegou ele primeiro, eu já ia dar meia volta
pra correr, aí já falou “volta, volta, deita, senão vou te matar você”. Ia
dá um tiro na minha cabeça, aí eu já deitei, já foi e começou a espancar
nóis, bater em nóis, chutar minha cara, algemou nóis pra trás, de barriga
pra cima, mão pra trás, dando tapa na nossa cara, perguntando quem
que enquadrou o carro, aí não era eu e ele também falava que não era
ele, aí o policial falava “então, foi eu então, né”. Falava “não senhor,
não”. E ele só batendo ni nóis, aí foi ro... aí foi nóis foi preso (Charles).11
É nos moldes discursivos exemplificados acima que Charles dá forma

à sua narrativa, seguindo na composição de cenas que apontam mais para
uma performance do que para uma narração de si. Dessa forma, a escolha
do caso Charles para ilustrar as reflexões aqui propostas sobre a desistência
da criminalidade por parte de adolescentes em conflito com a lei nos coloca
diante da singularidade do caso, que nos convida a pensar a narrativa do jovem
para além de sua performance, como um trabalho de memória que deve, como
tal, nos permitir acesso à experiência do sujeito e ao trabalho de elaboração e
apropriação empreendidos na composição e expressão de sua história.
Em “Recordar, repetir e elaborar”, Freud (1914/1980), ao utilizar a
expressão “trabalho de memória”, nos leva a considerar a necessidade de
um espaço para que esta última seja evocada não apenas na perspectiva da
repetição, mas, sobretudo, na dimensão da elaboração. Nesse sentido, elaborar
seria utilizar a memória como um instrumento para a construção de saídas, de
rotas várias já que neste trabalho estão implicados tanto o relembrar quanto o
não esquecer, duas instâncias que remetem a um trabalho psíquico.
No que diz respeito à narrativa, evocamos a pesquisa de Pimentel Paulon
(2017), que em revisão acerca do método, reúne a perspectiva de diferentes
pesquisadores para apontar a importância da experiência de memória inerente
à tal processo. Segundo Pimentel Paulon (2017):
Reis e Lopes (2011) ainda continuam, em seu dicionário de narratologia,

afirmando que a narrativa é “um método de recapitulação da experiência
passada que consiste em fazer corresponder a uma sequência de eventos
(supostamente) reais, uma sequência idêntica de proposições verbais”
(LABOV, 1978 apud REIS; LOPES, 2011, p. 271), apresentando esse
método como uma estrutura geral da narrativa (REIS; LOPES apud PAU-
LON, 2017, p. 33, grifos da autora).

172
Paulon (2017) esclarece ainda que:
Essa definição de Labov nos é importante justamente porque associa a

concepção de “narrativa” com a experiência de rememoração, um dos
princípios fundamentais da clínica psicanalítica: a narrativa é, então, um
método de recapitulação da experiência, e essa recapitulação ocorre a
partir da associação de uma sequência de eventos que seja idêntica à de
proposições verbais (PAULON, 2017, p. 33, grifo da autora).
A forma como Charles se utiliza do recurso da narrativa como espaço

de evocação de memória, trazendo para seu trabalho de elaboração cenas de
um passado no qual o enlace com a criminalidade parece ser um ponto focal
de seu discurso, denota um cuidado em não esquecer eventos significativos
de sua história. O jovem resgata memórias e as organiza por meio de uma
linguagem hiperbólica e impactante no ato narrativo, imprimindo à história
contada sua singularidade como mensagem. Temos acesso às experiências
dispostas e decompostas em tempos cronológicos e subjetivos, conforme a
premissa de que o tempo da narrativa é permeado por uma poética, como
aponta Bakhtin (2000). É o filósofo russo quem chama nossa atenção para o
fato de que as significações marcam o tempo poético por imagens, palavras e
símbolos não estanques e que, portanto, a memória, como instância temporal,
se aproxima de uma composição poética, justamente por se desvencilhar de
amarras cronológicas em detrimento de privilegiar o tempo subjetivo e as
imagens a que o sujeito se apega para dizer de si (BAKHTIN, 2000).
A poética da narrativa de Charles, dessa forma, convoca a uma postura
reflexiva de escuta que nos remete a Aristóteles, para quem a história se
refere a fatos que já aconteceram, enquanto a narrativa e a poesia se referem
àquilo que poderia vir a acontecer (ARISTÓTELES, 2000). Nesse sentido, a
descrição detalhada de cenas nas quais o jovem protagoniza atos infracionais
e episódios de violência não apenas dá notoriedade a eventos que compõem a
história de Charles, como vai além, apontando, em sua singularidade narrativa,
para devires e possibilidades.
Acreditamos que ao narrar a si mesmo como personagem de cenas que
dizem do seu enlace com a criminalidade, Charles coloca em perspectiva seus
atos, revisita memórias e sentimentos em relação a situações de violência e
infração, e cria condições de enviar a si mesmo uma mensagem de intenção em
relação à desistência. Ainda que não nos seja possível dizer com precisão de
sua condição de desistente, a narrativa de Charles acena para a perspectiva de
mudança de uma posição subjetiva em relação ao crime. Por meio da descrição
de seus atos infracionais em um espaço de escuta favorável não só à rememora-
ção e à repetição, mas também à elaboração, o narrador-personagem recupera
seu passado e aponta para possibilidades (emprego, cumprimento da lei).

É que eu vou começar a trabalhar, né. O meu tio vai... meu tio já me pôs
pra trabalhar, meu tio é policial... militar, aí foi e... foi e matou um cara aí,
aí acho que ele tá de li... tá afastado, tá sem represália. Aí foi pôs eu pra...,
pôs meus tio pra trabalhar, os irmão dele, aí foi tava implorando pra ele
me pô também, né. Porque antes eu não conversava com ele, não, porque
eu tava no crime e ele era policial [...] aí hoje, eu tive essa oportunidade
com ele não, aí hoje eu tô tendo a segunda chance com ele (Charles).12
De forma quase que contraditória, parece ser justamente a lembrança

de eventos do crime nos moldes da narrativa que permite o vislumbre de
uma perspectiva fora dele, sustentada pelas condições que a própria estrutura
narrativa cria para o sujeito apropriar-se de sua história. Apropriação essa,
materializada, no caso em questão, pelas vias da repetição como entendida
em psicanálise.
A narrativa permite que sejam evidenciados pontos de embaraço, repe-
tição, hiatos de sentido, possíveis índices de resistência, a partir dos quais
surgem também possibilidades simbólicas de elaboração. Portanto, a resistên-
cia surge como obstáculo na presença de qualquer tentativa de tornar cons-
ciente algum conteúdo inconsciente e recalcado do sujeito. Ao mesmo tempo,
entretanto, a resistência torna-se uma função essencial da análise, uma força
motriz para o processo analítico (FREUD, 1914/1980) e, em um contexto
de pesquisa, matéria sobre a qual devemos nos debruçar a fim de alcançar a
experiência do sujeito. Nas palavras de Freud ([1916-17]/1996): “Na verdade,
chegamos a compreender, finalmente, que a superação dessas resistências
constitui função essencial da análise. [...] A luta contra esta resistência faz
parte de toda análise” (FREUD, [1916-17]/1996, p. 298).
Na medida em que os eventos na vida de um sujeito aparecem na narra-
tiva obedecendo a uma certa lógica subjetiva, sem que ele esteja consciente
disso, é possível perceber o movimento desse sujeito, em sua performance
narrativa, de orbitar ao redor de um mesmo ponto, ainda que sob uma rou-
pagem diferente. Daí depreendemos que a repetição produz uma diferença
fundamental para a elaboração. Logo, os fatos aparentemente aleatórios e
constantemente exagerados que sucedem na vida de Charles, no decorrer da
narrativa, revelam pontos nodais que se repetem nos mais diferentes eventos
que ele faz questão de narrar, conduzindo a uma formalização da repetição
pela via do ato de palavra.
Assim, o caso de Charles, nos fornece elementos para pensarmos a
desistência do crime em seus aspectos subjetivos, considerando-se o trabalho
psíquico empreendido pelo sujeito na sustentação de um processo que não

174
prescinde de esforços de elaboração e apropriação de recursos simbólicos.

Seguindo a trilha de Seligmann-Silva (2008, p. 69), que esclarece que a narra-
tiva é o espaço por excelência da representação e da simbolização e que “deve
gerar uma retemporalização do fato antes embalsamado”, encontramos nas
possibilidades da narrativa de Charles, elementos que sustentam simbolica-
mente seu processo de desistência da criminalidade. Ao dizer de seu passado
em repetições, imagens e figuras de linguagem, o jovem trabalha no sentido
de conferir nova roupagem a fatos consolidados. A dimensão inventiva da
linguagem e a possibilidade de ficcionalização, recursos de que nosso jovem
parece lançar mão para conferir a seu discurso um caráter sensacional e colo-
cá-lo no lugar de protagonista de sua história, apresentam-se como solução
diante do embaraço de narrar fatos crus, ásperos e até mesmo insuportáveis.
4. Considerações finais
Por fim, vale reunirmos alguns pontos principais depreendidos do exercí-

cio de tomarmos o caso Charles como base para entendermos de que forma o
recurso do método das narrativas memorialísticas nos auxilia na interpretação
de um possível processo de desistência de um jovem. Em primeiro lugar,
mesmo estando cientes da natureza transitória e instável da passagem adoles-
cente, assim como da dificuldade metodológica de se dizer de um processo de
desistência nessa fase da vida, constatamos o privilégio do método narrativo
em permitir com que elementos distintivos da singularidade do caso surjam
como material de pesquisa. No caso específico de Charles, a reconstrução
narrativa parece se constituir como um importante recurso simbólico para
a sustentação de uma trajetória que aponte para novos caminhos, incluindo,
entre eles, a possibilidade de desistência do crime. Tal afirmação ancora-se
na observação da maneira como a insistência do jovem em reproduzir cenas
do crime de forma detalhada e espetacular aponta para um ponto de repe-
tição para o qual o jovem sempre retorna em seu discurso. Ao reconstituir
sua história sempre a partir da cena de um espetáculo narrativo que pretende
privilegiar os aspectos descritivos e quase teatrais de cada evento no crime,
o jovem permite com que se depure, de seu enunciado, algo da verdade de
sua posição subjetiva, ainda que nem toda dita.
É justamente a performance discursiva no fazer narrativo que enuncia
uma determinada posição diante do crime, e aponta, no caso em questão,
como a desistência enquanto processo se materializa na linguagem, na
ordenação dos fatos escolhidos, e encontra alguma sustentação simbólica
no ato de narrar. Charles parece nos demonstrar assim, como no reencontro
com sua própria história de vida a partir da composição de uma ficção de sua

história pessoal, em um trabalho de memória, organização, seleção de eventos,

escolha de modalidade discursiva etc., ele se depara com a desistência como
possibilidade. É na reconstituição e na repetição narrativa dos eventos do crime
em que o jovem parece ancorar, simbolicamente, o fundamento do processo
de desistência por ele anunciado. Se, como vimos acima com Aristóteles
(2000), a história trata dos fatos que já aconteceram, enquanto a narrativa e
a poesia apontam para o que poderia vir a acontecer, temos na narrativa de
Charles o amparo linguístico como esteira de um processo de re-situação sub-
jetiva relativo à posição diante do crime, que pode desembocar na desistência.
Acreditamos que, ao permitir tal esteio simbólico ao relato de uma história de
vida, a narrativa serve de importante instrumento de análise da constituição
particular do envolvimento (ou não) com o objeto criminogênico.

176
REFERÊNCIAS
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ção de vulnerabilidade. Projeto submetido ao Edital do Instituto de Estudos
Avançados Transdisciplinares da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2017.

CHAPTER 5
DESISTANCE AS A PROCESS: contributions
of the narrative memoirs to the understanding of
desistance from crime by brazilian adolescents
Juliana Morganti
Rodrigo Goes e Lima
“Insistence is our effort, desistance is the prize. One gets the prize
when she has experienced the power of building and, in spite
of the taste of power, prefers desistance. Desistance has to be a
choice. To desist is a life’s most sacred choice. To desist is the true
human moment. And it alone is the glory proper to my condition.
Desistance is a revelation” (LISPECTOR, 1964/(1988), p. 170).
1. Introduction
The investigative proposal offered by the research “Life-course and crimi-

nal trajectory: an exploratory study of narratives and events of young people
in situations of vulnerability” is based on different layers of complexity, that
reflect well the multidimensional nature of the object it intends to study. First,
the research chooses to consider a variety of “knowledges” at the forefront
of the research activity, namely, the knowledge that comes from the youth,
as well as from the fields of psychoanalysis, sociology and human sciences,
which are all related to the project. Secondly, the research proposes a broad
comprehension of the notion of “life trajectory”, by considering the biographi-
cal, criminal and institutional perspectives, through the different instruments
of investigation adopted (narrative, questionnaire, and Individual Plan of
Assistance). Finally, among other objectives, it aims to elucidate events and
turning points that determine the involvement, the persistence, and the desis-
tance of young people from crime (SILVA; GUERRA, 2017). The branching
of such investigative aspects indicates the obvious difficulty that is inherent
to the apprehension of the phenomenon of criminality in the life course of
Brazilian adolescents. It also highlights the importance of establishing research

180
efforts that seek to go beyond disciplinary barriers, in an attempt to approach

the object of study in a more integrated manner, that is also pertinent to the
complexity of the real-life scenario.
2. Desistance as a research challenge
Besides the difficulty of juggling a wide variety of perspectives within the

investigative scope of the present research, the study of desistance, in particu-
lar, presents a whole new set of challenges to the research activity. As well doc-
umented in the comprehensive work “Understanding Desistance from Crime”
by John Laub and Robert Sampson (2001), the research on desistance faces
a number of “conceptual, definitional and measurement concerns” (LAUB;
SAMPSON, 2001, p. 10), which rise questions that are ultimately related
to “a conception of stability and change over life course” (LAUB; SAMP-
SON, 2001, p. 7). After all, as opposed to the commitment of a crime, which
consists of an occurrence with a given date, place, and a certain materiality,
desistance “is not an event that happens, but rather it is the sustained absence
of a certain type of event (in this case, crime)” (MARUNA, 2001, p. 17 apud
LAUB; SAMPSON, 2001, p. 5). Such assertion allows for the emergence of a
large number of questions that reveal the multiplicity of understandings around
this field of study. “How can ‘genuine desistance’ be distinguished from ‘false
desistance’?” (LAUB; SAMPSON, 2001, p. 6). Or “How long a follow-up
period is needed to establish desistance?” (LAUB; SAMPSON, 2001, p. 6).
An important attempt to demarcate the nature of such phenomenon is pre-
sented by the authors through the establishment of the difference between
the process of desistance and the event of termination. While the first refers
to “the causal process that supports the termination of offending” (p. 11), the
latter indicates “the time at which criminal activity stops” (p. 11), consisting
of, therefore, cause and outcome, respectively (LAUB; SAMPSON, 2001,
p. 11). The understanding of desistance as a process represents an important
step when it comes to addressing the conceptual challenge around the issue
(LAUB; SAMPSON, 2001), and as we will see in the course of this chapter,
it will be key to the analysis of a narrative collected from the field research.
The comprehension regarding the processual nature of desistance seems
to be in accordance with previous researches that offer a psychoanalytic
perspective on the subject, through the work with youths in Brazil. Guerra
(2014; in press), proposes the hypothesis that the involvement with crime
begins as a response to the crossing of adolescence, and as a way to deal with
the body in puberty, through the adherence to a strict savoir-faire enforced by
criminality, which offers a place for the youth in the social bond. The author

argues that there are basically two paths that one can take when breaking
up with a trajectory in crime. The first one consists of an “abrupt break-up,
which is rare, and is in general caused by the irruption of a happening that,
by causing either disruption or stabilization, becomes a turning point, and
that only a posteriori can be interpreted by the person as something new”
(GUERRA, in press, freely translated). The second way, as opposed to the
first one, is a lot more frequent, according to the author, and consists of a
gradual and processual desistance, with comings and goings, and is char-
acterized by attachments and detachments in relation to crime. When this
movement occurs gradually, it reorients the subject’s symbolic coordinates,
in a subjective process of working-through. From the point of repetition to
which the subject returns, he may reach a new perspective, reorder his signi-
fier elements (GUERRA, in press).
This approach acknowledges the fluid and intermittent relations of con-
tinuity and discontinuity that characterize the involvement of young people
in crime in Brazil, giving special emphasis to the subjective and unconscious
elements that may lead to an adherence to crime, while also highlighting
aspects related to trauma, to repetition, and to possibilities of subjective
working-through that are present in the history of an adolescent. Although
this perspective comes from a different theoretical foundation, it seems to
corroborate the notion of desistance as a process, as found in the sociological
literature (LAUB; SAMPSON, 2001). Besides, it also contributes with a clini-
cal, subjective and political perspective to the understanding of desistance,
which allows for a more individual interpretation of an adolescent’s subjective
responses, which is characteristic to the psychoanalytic field.
Thus, Laub and Sampson (2001) present us with a categorization of the
different “frameworks for understanding the desistance process” (LAUB;
SAMPSON, 2001, p. 38) organized in five categories, namely:
1. maturation and aging accounts of desistance;

2. developmental accounts of desistance;
3. a life-course account of desistance;
4. rational choice accounts of desistance, and;
5. social learning accounts of desistance, it could be interesting for
the purposes of this chapter to approach the matter of desistance
considering the method of the narrative memoir, used in the present
research. It is our goal, therefore, to try to understand the ways in
which the narrative method could give us access to the development
of a personal and distinctive desistance process by a young person.
Given the theoretical structure and frameworks that are available

182
on desistance, how may we turn our attention to the narrative of a

young person involved in crime?
We consider it pertinent to stress that it is not our intention to frame the

narrative memoir as an alternative theoretical model to the traditional theory
on desistance, once it consists of a method. We also do not intend to disregard
any of the important contributions made by the researchers who preceded us
in this field. Our interest could be reflected on the question of how we could
combine knowledges, looking for the possibility to think about desistance in
different contexts, considering the transversal nature of the narrative method.
Such method, by deriving from Literature, by being in conformity with the
psychoanalytic postulations, and by allowing for a certain integration to the
field of Sociology, seems to present us with an important “listening device”,
which allows for the consideration of youth’s knowledge, while also enabling
the possibility to apprehend individual subjective responses, and to locate
discursive arrangements that attach the subject’s position to the world.
When proposing such inquiry, we must also acknowledge that investiga-
tions on desistance call for longitudinal studies, and that particularly consider-
ing the context and the population of our research, adolescence is a “crossing”,
a transitional experience, which makes it virtually impossible to ascertain
and to properly analyze a process of desistance at such a young age. We may
however, as mentioned before, examine how our method may contribute to
reflecting on this process.
Hence, we shall see next a brief presentation of the case “Charles”, an
adolescent interviewed during the research, in order to then proceed to a
reflection concerning the narrative resource in the construction of this ado-
lescent’s trajectory.
Before we proceed to summarize the main points extracted from the nar-
rative given by Charles (pseudonym), we will briefly expose the strategy used
for the gathering of the narratives with the adolescents who were interviewed.
A pair of researchers preferably composed of a psychologist and a sociolo-
gist (including students and professionals) visited residential areas where the
young people who had been previously selected to be possible participants
lived. After obtaining consent from the residents and from the interviewee,
the researchers invited the youth to begin a narrative through the following
request: “tell us your life history”. Such a call for a spontaneous speech, free
of any previously defined structure, and with as little interference as possible
by the researchers, is based upon the method of the narrative memoir as a
strategy for the research of social phenomena (GUERRA et al., 2017). Such
proposal intends to grant the subject a setting that is suitable for the act of

remembrance, in which he may slide “through the word, writing his own his-
tory, in a dimension that comprises the other, his fictions, and his fixations”
(GUERRA et al., 2017, p. 1250). Guerra et al. (2017) also claim that the use
of this strategy to approach the life history of subjects allows for the analysis
of the narrative fiction through the apprehension of the drive-related nodal
elements that bind the subject and his body to his own history.
3. Summary of the case and analysis proposal
Charles is a 19-year-old black male who starts his narrative giving an

account of his involvement with drug trafficking when he was 14, because
he “wanted money”. In the 29 minutes and 33 seconds of his oral exposition,
he tells the researchers about his criminal history, going into details about the
times when he was arrested, committed crimes, and served his sentence, in a
non-chronological manner. The scenes described by the adolescent are rich
in details and seem to have been carefully edited in a cinematographic way,
in order to amaze the listener with the nudity of the facts and experiences
that he went through.
Charles’ “Individual Plan of Assistance”, which is elaborated by the
professional responsible for overseeing his sentence, reports that he has been
arrested four times for drug trafficking. The adolescent’s account, however,
presents over eleven occurrences in which he had been taken to a socio-
educational facility, which reveals, through an entwined narrative thread,
his difficulties in complying with the sentences he had been given, and his
unrelenting returns to the criminal activity.
The narrative of our “movie director” is filled with events such as theft,
assault, escapes and defiance to both law enforcement and family authorities,
which lead the narrative thread through which Charles chooses to present
himself. We understand that, in compiling his story, such events bring us
before the adolescent’s particular relation to criminality.
Thus, it is important to elucidate that, in the context of the present
research, we have reached a consensus to understand the concept of event as
actions that take place in the life of subjects, that despite being potentially
general to every social group (or cohorts – age groups), are particular/sig-
nificant to certain subjects, when it comes to their respective consequences.
Thus, events occur within trajectories, and may reinforce emerging behavior
patterns, modify the meaning of life contexts, present an indetermination to
the subject, or yet, may alter or reorient a processual trajectory. When events
provoke a discontinuity in certain transitions, trajectories or life-courses in
general, they are called turning-points. The effects of these events occur a

184
posteriori (nachtäglich), and may constitute meanings around which the sub-
ject constantly recurs to in order to justify his actions, exerting a gravitational
force that modulates his narrative1. These are the events that provide a mate-
riality to Charles’ narrative composition. The adolescent, in given moments,
presents himself as an offender, narrating happenings that highlight the facts
behind his doings, making use of a descriptive, witty and dynamic language,
like flashes of a sketch that is orally performed, as we may notice in the fol-
lowing excerpt from his narrative:
The last time I got caught, 1572, I was going to rob a car, me and another
guy. The guy took us by car, and we had asked him to wait for us at Square
C., but he did not wait for us. When we were robbing her, the woman
started to accelerate the car very fast, so her purse fell in between her leg
and the car’s door. When I opened the door, the purse fell on the ground
and she accelerated, driving on the sidewalk. Then we ran away, I went
to get the purse, and then ran, he and I, towards the guy who took us
there (Charles)3.
In other moments, with the same level of details, and making use of
similar language resources, Charles paints himself as a victim, in an almost
cathartic effort of working-through:
When I looked behind me, the police were coming, so I ducked behind
the car, and threw it all away... But even then, they came and got us. The
officer went by me, caught him first, and when I was going to turn around
and run, he said: “come back, come back and lie down, or else I will kill
you”. He was going to shoot me in the head, so I got down and they started
to beat us up, to kick my face. He handcuffed me behind my back, lying
on my back, and he kept slapping my face, asking who had robbed the
car, so then I told him it wasn’t us, and he would say: “oh, I did it then,
right?”. I would say: “no sir, you didn’t”, and he kept hitting us. So then
we got arrested (Charles)4.
It is in the discursive molds exemplified above that Charles gives con-

tours to his narrative, going forward with the composition of scenes that
point more to a performance than to a narration of himself. Thus, the choice
1 This definition was developed collectively during the meetings that happened over the course of the research
“Life-course and criminal trajectory: an exploratory study of narratives and events of young people in situations
of vulnerability”, which took place between 2017 and 2019.
2 “157” is a reference to the article in the Brazilian penal code concerning armed robbery.
3 Field research conducted in Belo Horizonte, MG, Brazil, in Sept. 25th, 2018
4 Field research conducted in Belo Horizonte, MG, Brazil, in Sept. 25th, 2018

of Charles’s case to illustrate the reflections about the abandonment of crime

by adolescents in conflict with the law proposed here, situates us before the
singularity of the case, which invites us to think about the narrative of the
young man beyond his performance, as a work of memory that should, as
such, allow us the access to the experience of the subject and the work of
elaboration and appropriation undertaken in the composition and expression
of its history.
In “Remembering, repeating and working-through”, Freud (1914/2011),
using the expression “work of remembering” (p. 2504), leads us to consider
the need for a space in which the memory can be evoked not only from the
perspective of repetition, but especially in the dimension of elaboration. In this
sense, elaborating would be to use memory as an instrument for the construc-
tion of exits, of various routes, since this work involves both remembering
and not forgetting, two instances that refer to a psychic work.
Regarding the narrative, we evoke Pimentel Paulon’s work (2017),
that, in a review of the method, brings together the perspectives of different
researchers to point out the importance of the memory experience inherent
in such a process. According to Pimentel Paulon (2017):
Reis and Lopes (2011) still continue, in their dictionary of narratology,

stating that narrative is “a method of recapitulation of experience that
consists in making correspond to a sequence of (supposedly) real events,
an identical sequence of verbal propositions” (LABOV, 1978 apud REIS
and LOPES, 2011, p. 271), presenting this method as a general structure
of the narrative (REIS and LOPES apud PAULON, 2017, p. 33, emphasis
added by the author, translation ours).
Paulon (2017) clarifies that:
This definition of Labov is important to us precisely because it associates

the conception of “narrative” with the experience of remembrance, one
of the fundamental principles of psychoanalytic clinic: narrative is then,
a method of recapitulation of experience, and this recapitulation occurs
from association of a sequence of events that is identical to that of ver-
bal propositions (PAULON, 2017, p. 33, emphasis added by the author,
translation ours).
The way Charles uses the narrative resource as a memory evocation

space, bringing to his work of elaboration some scenes from a past in which
the link with crime seems to be a focal point of his discourse, denotes a cau-
tion in not forgetting significant events of his history. The young man retrieves
memories and organizes them through a hyperbolic and striking language

186
in the narrative act, giving the story its uniqueness as a message. We have
access to experiences arranged and decomposed in chronological and sub-
jective times, according to the premise that the narrative time is permeated
by a poetic, as Bakhtin (2000) points out. It is the Russian philosopher who
draws our attention to the fact that the meanings mark the poetic time by
non-watertight images, words and symbols, and that memory, as a temporal
instance, approaches a poetic composition, precisely because disentangles
itself from chronological ties in order to privilege the subjective time and the
images to which the subject clings to say about himself (BAKHTIN, 2000).
The poetry of Charles’s narrative, thus, calls for a reflective listening
posture that brings us back to Aristotle, for whom history refers to facts that
have already happened, while narrative and poetry refer to what might hap-
pen (ARISTOTLE, 2000). In this sense, the detailed description of scenes
in which the young man stars in offenses and episodes of violence, not only
gives prominence to events that make up Charles’s history, but goes beyond,
pointing, in his narrative uniqueness, to “becomings” and possibilities.
We believe that by narrating himself as a character in scenes that show
his connection with crime, Charles puts his actions into perspective, revisits
memories and feelings about situations of violence and infringement and cre-
ates conditions for sending himself a message of intent regarding the desistance.
Although we cannot accurately affirm his status as a crime desistant, Charles’s
narrative points to the prospect of changing the subjective position in relation
to crime. By describing his offenses in a favourable listening space, not only to
the remembering and repetition, but also to elaboration, the narrator-character
recovers his past and points to possibilities (employment, law enforcement).
It’s just that, I’ll start work, right. My uncle is going... my uncle has already
put me to work, my uncle is a police officer... a military one, so he... he
killed a guy, so I think he is... he on leave, away without reprisal. So, he
put me to..., put my uncles to work, his brothers, then I was begging him
to put me too, right. Because before I didn’t talk to him, because I was in
crime and he was a police officer [...] then today, I had this opportunity
with him, today I’m having the second chance with him (Charles).5
In an almost contradictory way, it seems to be precisely the remember-

ing of crime events along the lines of the narrative that allows a glimpse of
a perspective outside of them, supported by the conditions that the narrative
structure itself creates for the subject to appropriate his own history. This
appropriation materialized, in this case, by the ways of repetition as under-
stood in psychoanalysis.
5 Field research conducted in Belo Horizonte, MG, Brazil, in Sept. 25th, 2018.

The narrative allows us to highlight points of embarrassment, repeti-

tion, meaning gaps, possible indices of resistance, from which symbolic
possibilities of elaboration also emerge. Therefore, resistance appears as an
obstacle in the presence of any attempt to make conscious any unconscious
and repressed content of the subject. At the same time, however, resistance
becomes an essential function of analysis, a driving force for the analytical
process (FREUD, 1914/1911) and, in a research context, a matter to address
in order to reach the subject’s experience. In the words of Freud ([1916-
17]/2011): “Indeed we come finally to understand that the overcoming of these
resistances is the essential function of analysis […] the struggle against which
accompanies every analysis” (FREUD, [1916-17]/2011, p. 3366).
As the events in a subject’s life appear in the narrative, following a
certain subjective logic, without the awareness of it, it is possible to perceive
the movement of that subject, in his narrative performance, orbiting around
the same point, even under a different guise. Hence, we find that repetition
makes a fundamental difference to elaboration. Thus, the seemingly random
and constantly exaggerated facts that follow Charles’s life throughout the nar-
rative reveal nodal points that are repeated in the most different events he is
keen to narrate, leading to a formalization of repetition via the act of the word.
Thus, Charles’s case provides us with elements to think about crime
desistance in its subjective aspects, considering the psychic work undertaken
by the subject in sustaining a process that does not dispense with efforts to
elaborate and appropriate symbolic resources. Following the path of Selig-
mann-Silva (2008), who clarifies that the narrative is the par excellence space
of representation and symbolization and that “it must generate a retemporal-
ization of the previously embalmed fact” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 69,
own translation), we find in the possibilities of Charles’s narrative, elements
that symbolically support his process of crime desistance. Speaking of his
past in repetitions, images and figures of speech, the young man works to
give a new guise to consolidated facts. The inventive dimension of language
and the possibility of fictionalization, resources that our young man seems to
use to give his speech a sensational character and put him in the place of the
protagonist of his history, are presented as a solution to the embarrassment
of narrating raw, rough and even unbearable facts.
4. Final considerations
Finally, it is worth gathering some key points from the exercise of taking
Charles’s case as a basis for understanding how the resource of the narrative
memoir method helps us in the interpretation of a possible process of crime
desistance of a young person.

188
First, even being aware of the transitory and unstable nature of the adoles-
cent passage, as well as the methodological difficulty of speaking of a process
of desistance at this stage of life, we could note the privilege of the narrative
method in allowing the emergence of distinctive elements of the uniqueness
of the case as a research material. In the specific case of Charles, the narrative
reconstruction seems to constitute itself as an important symbolic resource
for sustaining a trajectory that points to new paths, including the possibility
of desistance from crime. This statement is anchored in the observation of
how the young man’s insistence on reproducing crime scenes in a detailed
and spectacular way points to a point of repetition to which the young man
always returns in his speech. By reconstituting his story always from the
scene of a narrative of a spectacle that intends to privilege the descriptive
and almost theatrical aspects of each event in crime, the young man allows
to debug, from his statement, something of the truth of his subjective position
from, even though it is not all said.
It is precisely the discursive performance in the narrative making that
enunciates a certain position in the face of crime, and points out, in this case,
how the desistance as a process materializes itself in the language, in the
ordering of the chosen facts, and finds some symbolic support in the act of
narrating. Charles seems to demonstrate us, thus, how in the re-union with
his own life story from the composition of a fiction of his personal history,
in a work of memory, organization, selection of events, choice of discursive
mode etc., he faces desistance as a possibility. It is in the reconstitution and
in the narrative repetition of the events of crime that the young man seems to
anchor, symbolically, the foundation of the process of desistance announced
by him. If, as we saw above with Aristotle (2000), history deals with the facts
that have already happened, while narrative and poetry point to what might
happen, we have in Charles’s narrative the linguistic support as the wake of a
process of subjective re-situation, relative to the position towards the crime,
which can lead to desistance. We believe that, by allowing such a symbolic
support to the account of a life story, the narrative serves as an important
instrument for analysing the particular constitution of involvement (or not)
with the criminogenic object.

REFERENCES
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péia, 2000.
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cial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação
de vulnerabilidade. 2017. Projeto submetido ao Edital do Instituto de Estudos
Avançados Transdisciplinares da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2017.

CAPÍTULO 6
“MAS... AQUI MINHA VIDA
É ESSA MESMO”: o caso H e a
permanência na criminalidade
“A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para

nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e
tarefas impossíveis” (FREUD, 1930/1996, p. 83).
1. Introdução
Este texto apresenta uma discussão que faz parte dos resultados parciais
do grupo de pesquisas do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
da Universidade Federal de Minas Gerais (IEAT/UFMG), intitulado: “Curso
de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e nar-
rativas de jovens em situação de vulnerabilidade”.
Neste trabalho, que tem como objetivo uma articulação transdiscipli-
nar entre os campos da Sociologia, da Psicanálise e da Educação, no que se
refere aos estudos que articulam as temáticas da criminalidade e juventude,
entendemos que, “fundando-se no paradoxo da condição humana, o conflito
entre determinações estruturais e autonomia subjetiva não pode encontrar
uma saída fácil, situada em uma das extremidades, fazendo-se necessário
sustentar a condição de oscilação e conflito permanente entre os dois pólos”
(MOREIRA; GUERRA; COSTA, 2012, p. 400-401).
É neste contexto que iniciamos a discussão a respeito do caso de um
jovem que participou do escopo desta pesquisa, cujo envolvimento com a
criminalidade no período da adolescência persistiu até a entrada na vida
adulta, configurando uma forma de permanência da conduta infracional na
cena urbana do tráfico de drogas. Nesse contexto, tematizamos a questão
da permanência na criminalidade em relação à juventude. Sabemos que os

192
estudos sobre a desistência são bastante desenvolvidos no campo da crimi-

nologia (SAMPSON; LAUB, 1993, 2005)1, e fazem avançar importantes
discussões acerca da oferta de políticas públicas à juventude e seus alcances.
No entanto, ao nos depararmos com um caso que aponta para a permanência,
este também nos coloca uma importante reflexão acerca da manutenção de
situações de alto risco.
No que se refere à conjuntura que atravessa a condição de permanência
no caso aqui analisado, concordamos com Moreira, Guerra e Costa (2012)
ao sinalizarem que “o mercado informal e ilegal da droga alimenta-se de
valores pós-modernos, os quais fundam a sociedade de consumo, sustentan-
do-se na busca pelo prazer (BAUMAN, 1998), pela fuga da realidade (HAR-
VEY, 1992)”2 (MOREIRA; GUERRA; COSTA, 2012, p. 404), e também na
valorização de modos de vida intensos (MALVASI, 2012). Assim, o tráfico
de drogas, enquanto mercado ilegal, caracteriza-se como um meio de inclusão
no mercado de consumo alinhado aos valores pós-modernos, pela capacidade
de aquisição de bens materiais.
Segundo Neiva (2015), a realidade social cotidiana da maioria dos ado-
lescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil é permeada
por diversos fatores que contribuem para a permanência no mundo infra-
cional, como a pobreza, exclusão social, fragilidade de vínculos familiares,
ausência ou baixa frequência escolar, dentre outros, que se configuram como
propulsores de situações de risco para esses sujeitos. Desta forma, a inibição
da reincidência criminal está ligada ao fortalecimento de vínculos sociais e à
inserção em instituições, como mercado de trabalho formal, escola, religião.
Para Neiva (2015) e Rolim (2018), a concepção da “perspectiva de curso
de vida” (life-course perspective), sustentada por Sampson e Laub (1995),
proporciona uma abordagem mais confiável para a compreensão dos proces-
sos de desistência. Essa permite a conexão entre os níveis macroestruturais e
microestruturais e o controle social informal a partir da análise da trajetória de
vida do sujeito. Eles defendem que “o processo de desistência criminal não é,
como regra, decorrência exclusiva da agência individual” (ROLIM, 2018, p.
837), emergindo na relação entre o sujeito e a comunidade. Conforme LeBel et
al. (2008 apud NEIVA, 2015, p. 346) torna-se necessário compreender também
as mudanças subjetivas, juntamente às sociais e políticas que contribuem e
mantém o afastamento de adolescentes da trajetória infracional.
1 Para uma revisão mais ampla conferir em Neiva (2015) e Rolim (2018).
2 As referências apontadas nesta citação são: BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998; HARVEY, D. Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
São Paulo: Loyola, 1992.

Neiva (2015) apresenta diversos estudos da teoria da criminologia que

destacam a correlação entre idade e envolvimento infracional, pontuando que
o indivíduo, conforme amadurece, cria vínculos sociais (casamento, filhos,
emprego) e tende a abandonar a atuação infracional. Rolim (2018), por sua
vez, apresenta outros estudos, como o de Farrington, sobre o controle social
informal (social bond theory), destacando a importância dos vínculos fami-
liares, educacionais e de emprego entre os jovens adultos como variáveis
que poderiam explicar melhor a desistência criminal. Segundo o autor, o
conjunto de evidências atualmente disponíveis não deixa dúvidas sobre a
correlação entre desistência criminal e emprego, escolaridade, casamento e
a paternidade/maternidade, sustentando que “vínculos sociais fortes podem
explicar a desistência do crime entre adultos, apesar do histórico de persistente
comportamento delituoso” (ROLIM, 2018, p. 836).
Assim, podemos pensar a permanência a partir de fatores objetivos e sub-
jetivos, considerando sempre a importância do impacto dos fatores objetivos
sobre o sujeito e sobre a sua economia psíquica. A força de atração do ambiente
social (a história da comunidade local na sua relação com a criminalidade);
o estigma social da sujeição criminal (MISSE, 2010), reatualizado pela ação
policial; a dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho e a fluidez
da presença familiar como força de transmissão de valores sociais hegemôni-
cos podem ser localizados como fatores objetivos. De outro lado, precisamos
refletir sobre as relações do sujeito reincidente com o objeto criminal, suas
trocas, ganhos e a construção de uma imagem intrinsecamente articulada
com a vivência criminal. Nesse sentido que apresentaremos a história de H.
2. Uma história de quem não tem muito a contar…
H. é um jovem de 22 anos à época do encontro com os pesquisadores,

que foi procurado pela equipe por suas passagens pelo sistema socioeduca-
tivo, identificadas no Plano Individual de Atendimento (PIA) relativo ao ano
de 2015, recuperado do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente
Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA/BH).
O documento apresenta um jovem com três passagens pelo sistema judi-
cial: aos 15 e aos 16 anos, onde não consta a atividade infracional e foi apli-
cada medida socioeducativa de Advertência; em seguida, aos 17 anos, uma
passagem por porte de drogas, pelo qual recebeu medida socioeducativa de
Prestação de Serviço à Comunidade. Parece-nos relevante ressaltar que, em
relação aos demais jovens da pesquisa, H. é um jovem que recebeu medidas
menos gravosas, apesar do envolvimento explícito com a atividade infracional
pelo tráfico de drogas.

194
Morador de um bairro periférico, o jovem foi abordado após contato da

equipe com a mãe, a partir do endereço indicado no levantamento documental
que conduziu a pesquisa. Foi convidado a ceder-nos sua história de vida em
um primeiro momento, e em seguida responder a um questionário. O jovem
titubeia. A equipe se surpreende com o explícito movimento local de venda de
drogas e logo percebe que o jovem se encontrava envolvido nessa dinâmica.
H. então consente em participar da pesquisa e propõe que a narrativa
fosse registrada no centro do território, à vista de todos. Duas pesquisadoras
sentam-se na calçada com o jovem e pedem que conte sua história de vida. H.
inicia afirmando que não teria história para contar, e logo em seguida aponta
sua desvinculação da escola e entrada na criminalidade por volta dos 14/15
anos de idade, afirmando que “o crime não precisa de escola”. Também indica
que sua aproximação e envolvimento com a criminalidade tiveram como
propulsores o envolvimento de primos com quem convivia e a necessidade de
ter dinheiro e bens materiais. Apresenta um episódio de afastamento do crime
aos 18 anos, após ingressar no mercado de trabalho formal, tendo retornado
ao contexto da criminalidade pouco tempo depois após ser dispensado do
serviço de servente de pedreiro.
H. discorre sobre a dificuldade da infância, por sua mãe “não ter condi-
ções”, o abandono do pai logo ao saber da gravidez da companheira aos 19
anos de idade, e o contato constante com a criminalidade do território. A
reflexão crítica a respeito do território e das dinâmicas que subjazem a con-
figuração do tráfico são características marcantes no discurso desse jovem,
tanto do ponto de vista das relações de tensão com a polícia e da circunscri-
ção espacial decorrente principalmente dessas, quanto do ponto de vista das
relações internas ao movimento do tráfico, como a mudança paradigmática da
precocidade do envolvimento nas gerações posteriores à sua e a significativa
participação dos moradores nas decisões relativas ao movimento, em função
da proteção que provêm aos jovens envolvidos.
Sua percepção do sistema socioeducativo, na narrativa, é inabalável,
sem vacilação: “Falação na cabeça da gente. Falando pra gente abandonar
essas coisas... Precisa disso, não... A gente já nasceu vendo isso aqui, ó!
Nasceu nisso”.
O enraizamento na criminalidade o antecede e o deixa quase sem
saída. Em contrapartida, um traço marcante do relatório técnico do PIA é a
ênfase na direção dos movimentos para enlaçamento institucional escolar e
ingresso no mercado de trabalho, bem como afirmação quanto à desistência
do envolvimento com a criminalidade em função de episódio de morte de um
amigo próximo. De acordo com o documento, como vimos, havia registros
apenas de medidas socioeducativas de advertência e prestação de serviços à

comunidade. Esse fato chama atenção, se pensarmos como a narrativa e o

questionário apresentam uma trajetória infracional extensa e bem marcada. O
que as artimanhas de um sujeito tão sagaz – que sabe movimentar-se no campo
da criminalidade e apresenta uma narrativa tão realista – nos apontavam no
que se refere às dinâmicas que escapariam ao campo racional? Nos termos da
psicanálise, o que diz respeito a esse sujeito atravessado pelo campo afetivo/
pulsional que revela ambivalências? Vejamos o que podemos encontrar no
não contável de H.
3. A escuta psicanalítica e o ato infracional:

H. e uma história de rupturas
Para Lacan (1950/1998), os efeitos das fantasias inconscientes no ato

criminoso são iminentes a ponto de indicar que o sujeito não pode confessar
aquilo que ele não sabe. O psicanalista está discutindo os efeitos da busca pela
verdade no que se refere à penalogia, mas podemos pensar, a partir do relato
de H. – que afirma continuamente não ter o que contar e ao mesmo tempo nos
apresenta um discurso organizado, coerente e linear sobre sua trajetória de
vida – que esse sujeito não sabe dos atravessamentos inconscientes que uma
história marcada por diversas rupturas apresenta. A seguir, apresentaremos
alguns tópicos que nos permitem refletir sobre tais rupturas.
3.1 Família
A primeira dessas rupturas se processa no campo familiar. Como mencio-

namos anteriormente, o pai de H abandonou sua mãe quando ela ainda estava
grávida. H relata que no passado seu genitor frequentava a comunidade, mas
que eles nunca tinham tido qualquer relação. Diante da ausência da figura
paterna, um tio, ex-marido de sua tia materna biológica, ocupou esse lugar.
H. narra a história de uma família extensa e de laços processuais, ou seja,
contínuos e descontínuos, com parentes não consanguíneos.
Tem meu tio ali em cima. Meu tio é igual um pai. Ele é tipo um pai pra
mim. Era marido da minha tia. Lá é o lote, né? Com a família inteira, as
irmãs da minha mãe tudo. Acho que é quatro irmãs. Antes era cinco. Eu
tenho uma tia que faleceu.
Encontramos ainda, no campo das rupturas dessa história, a tentativa de

transmissão da mãe, que apesar de aparecer de maneira incisiva, não tem uma
força resolutiva na história de envolvimento com a criminalidade:

196
H: Nós morava lá, minha mãe num deixava passar nem daqui. Pra rua.
Mas, a gente aprontava do mesmo jeito. Com a escola, aprontava mais
ainda. Apanhava quase todo dia (riso).
[...]
Pesquisadora: Sua mãe era brava?
H: Nossa senhora, bota brava nisso!
Pesquisadora: É mesmo? E aí como é que foi depois que cê entrou
mesmo... como é que ela ficou?
H: Bão... no começo ela ficou triste, né? Falava de o que acontecesse ela
num ia deserdar, num ia ir atrás... essas coisa, se eu fosse preso, ela num
tava nem aí. No começo foi assim. Num queria dinheiro de nada disso.
Pessoa trabalhadora assim, num gosta muito dessas coisas errada, não.
A mãe da gente também num criou a gente pra ver a gente nisso não, né?
A afirmação de H. a respeito da inicial tristeza da mãe, pode nos levar

a pensar que, em um segundo momento, ela não se contrapõe à atividade do
jovem com o crime. Isso poderia articular-se com o fato de a mãe possuir
um trabalho precarizado. Segundo o PIA, a mãe de H trabalhava de auxiliar
de serviços gerais e recebia um salário de 788 reais – correspondente a um
salário mínimo em 2014 – mais um benefício de 190 reais. Nestas condições
de pressão financeira, H nos revela:
Sofrido, porque a gente começa a ficar adolescente e quer comprar as

próprias coisas da gente. Quer ter um tênis de marca, uma roupa de
marca. A família da gente não tem condições. Igual minha mãe tinha eu,
minha irmã, tinha que comprar material de escola. Tem isso de... os pais
da gente abandonou a gente quando minha mãe quando engravidou. Aí
é só minha mãe. Tem tudo isso.
Acrescenta-se a isso o encontro casual das pesquisadoras com a mãe

de H., que se apresentava de maneira desorganizada, sem cuidados pessoais,
em estado confusional e apática. Este encontro nos leva a hipotetizar uma
dimensão de contradição na vida de H., na medida em que essa mãe que as
pesquisadoras conheceram – uma figura desagregada – não coincide com
aquela na narrativa do jovem – a mãe rigorosa.
Explorando as construções narrativas do jovem H. em relação a sua mãe,
ressaltamos uma possível contradição entre o desenvolvimento de uma traje-
tória infracional e uma suposta vigilância. De outro lado, a possível influência
sobre o jovem do envolvimento de outros membros da família no tráfico de
drogas, atividade ilegal que como qualquer outra, depende de um processo de
aprendizado. Durante esse processo, as definições favoráveis ao cometimento

de delitos, bem como as técnicas e métodos de atuação são apreendidas a

partir das interações sociais. Para Sutherland (1940), quanto maior a partici-
pação em grupos desviantes, maior o incentivo para o desenvolvimento de
uma trajetória desviante. Neste sentido, destaca-se na narrativa de H., o fato
do envolvimento da maioria de seus primos na criminalidade e sua falta de
legitimidade para aconselhar o primo que havia iniciado o uso de maconha.
Ali no lote, a maioria dos meus primos também, todo mundo igual eu. A
mesma história. Entrou no crime também, todo mundo... Só um que não.
E tem um novo, que agora também tá fumando maconha. Não adianta
dar conselho. A gente está errado e ainda tenta falar pra não entrar no
errado. Quer entrar do mesmo jeito. Acha que é bom, mas... é bom na
parte do dinheiro, mas nem tanto.
3.2 Pares, instituições, criminalidade e sociedade
Na relação com os pares, vemos o discurso apresentar uma dissonância

entre o que é declarado no PIA e o que é declarado na narrativa. Naquele ins-
trumento, H afirma que semanalmente “joga bola com os colegas no bairro”.
Por outro lado, na ocasião da entrevista, H deixa entrever uma ruptura signi-
ficativa na construção de uma rede afetiva quando afirma que não é amigo de
ninguém, porque: “vem num sei quem, te pede: ‘paga uma cerveja!’, cê paga
uma cerveja... Aí vai, quem cê tá pagando uma cerveja, quer te ver caído,
quer te ver morto, preso…”.
É possível supor que esses jovens disputam posições dentro do tráfico
de drogas, o que acaba por tensionar as relações entre eles.
No campo institucional, H. indica duas principais vias de ruptura: o
abandono escolar aos 15 anos, por já estar envolvido com a criminalidade e
por ter sido reprovado; e o desligamento de um emprego como servente de
pedreiro, fato que motiva seu retorno ao universo da criminalidade.
No campo político-social, o jovem é atravessado pela permanente falta
de oportunidade e de condições financeiras. Segundo Merton (1968), a socie-
dade prescreve metas culturais aos indivíduos bem como os meios legítimos
de alcançá-las. Embora os fins, como o acesso ao consumo e a posse de
um determinado status, sejam potencialmente compartilhados de maneira
universal, os meios institucionalizados para alcançar esses fins não estão
igualmente disponíveis a todos. Nessa situação, os indivíduos podem usar de
meios transgressores para atingir os fins culturalmente valorizados.

198
A maioria da minha vida foi isso, moça. Não tenho muita coisa pra falar
não. A maioria da vida de todo mundo aí é isso. Igual eu falei com vocês
que eu comecei com quinze anos, quatorze, eu acho. Nem lembro muito.
Tem gente que começou até mais novo. Com dez, doze. Antes os caras não
admitiam não, mas depois eles viu que não tinha jeito. Eles mandavam nós
embora da boca, direto. Nós, mais novo também fazia corre pra eles de
rango e essas coisas. Eles davam nós dinheiro. Ai você vai vendo aquele
bolo de dinheiro, você quer ter também. Não quer trabalhar pra ganhar
pouco. Mas é melhor trabalhar do que isso... mas infelizmente, todo mundo
quer isso. É fácil, que num dia você ganha mil. Trabalhando é um mês, o
dia todo. Dependendo você nem ganha mil trabalhando num mês.
No campo da criminalidade, seu discurso é estruturado em torno de uma

posição realística e coerente: “É bom na parte do dinheiro, mas nem tanto é
bom, não. É muitos problemas que acontece com a gente aqui. Os desacerto
que acontece, dívidas... Muita coisa”.
Mas vale ressaltar que as consequências da atividade criminal levam-
-no a um episódio de apreensão pelo sistema penal de adultos. Observamos
que, a partir da pergunta da pesquisadora sobre tal experiência, aparece um
desconforto que se traduz numa quebra ou evitação revelada no seguinte
trecho: “[suspiro] Ah... lá num é aconselhável pra ninguém, não, né? [...] E
não é brincadeira”.
Lacan (1950/1998), ao discorrer sobre as relações e, fundamentalmente,
sobre as divergências entre a contribuição da psicanálise à criminologia e o
debate conduzido pela penalogia, indica que o crime traz consigo a possi-
bilidade de chegar a uma configuração estrutural do ato em relação às fan-
tasias inconscientes, entendendo que a verdade da alienação da realidade
do criminoso é diferente da justificativa do contexto social. Dessa maneira,
não há crime absoluto, sendo tal experiência irredutivelmente subjetiva. No
entanto, Lacan (1950/1998) nos adverte que “nem o crime, nem o crimi-
noso são objetos que se possam conceber fora de sua referência sociológica”
(LACAN, 1950/1998, p. 128). Assim é que se torna essencial localizar nos
discursos que atravessam o sujeito e que são produzidos por ele – num movi-
mento dialético – os elementos relacionados às fantasias inconscientes eminen-
temente atravessadas por questões sociais, políticas, econômicas e culturais.
A partir desse contexto de rupturas, trabalharemos nas próximas seções
como se articulam alguns elementos em relação ao “favelado” – no Brasil,
jovem negro morador de periferias urbanas – no que se refere ao que nos
apresenta H sobre os atravessamentos subjetivo-políticos de sua existência, a
partir de dois pontos centrais de sua narrativa, a saber: polícia e comunidade;
ofertas precarizadas.

4. O problema da ordem nas margens
Após considerar os impactos das rupturas afetivas (familiares, de pares e

institucionais) para a entrada e permanência no crime, cabe-nos refletir sobre
a força do espaço social em que H. se insere como elemento de manutenção
da trajetória infracional, associado à dinâmica da atuação policial no território
onde o jovem reside.
A comunidade onde vive o jovem fica localizada no encontro de uma
rodovia com uma grande avenida da cidade de Belo Horizonte. Trata-se de um
território segregado do restante da malha urbana e que em função da rodovia
federal apresenta uma alta rotatividade de cargas e veículos, facilitando a
logística do mercado ilegal. Logo na entrada de uma das poucas ruas que dá
acesso à comunidade havia uma geladeira que fechava o trânsito. No fim desta
mesma rua, operários à serviço da prefeitura, trabalhavam na abertura de uma
rotatória em meio às casas, algumas recém derrubadas por conta das obras.
Essa obra fazia parte do programa Orçamento Participativo da Prefeitura,
que no período da pesquisa realizava intervenções em várias comunidades
do município. “Diz eles que vão fazer uma rotatória aí. Você sobe ali e desce
por aqui. Diz eles que vai ficar ruim pra nós, mas não vai ficar não, porque
vai ficar fechado aí do mesmo jeito. Vai continuar a mesma coisa. Vai ser
ruim é pra eles mesmos”.
Na fala de H., ele se expressa enquanto um sujeito coletivo represen-
tado pelo uso do pronome “nós”. Esse “nós” refere-se ao empreendimento
de tráfico de drogas instalado na comunidade, que movimenta um grande
volume de entorpecentes e dinheiro. Na fala do jovem, podemos perceber
que existe uma estruturação dos ilegalismos locais, uma vez que os postos
de venda de entorpecentes pertencem a um mesmo indivíduo e que mesmo
na sua ausência o negócio permanece funcionando sem muitos percalços
(BEATO; ZILLI, 2012).
Aqui é tranquilo. Aqui é grande. É só um cara mesmo que manda em

tudo aqui. No momento ele está preso, mas isso aí não muda em nada
não. Aqui tem as partes, né? Cada... Aí tem muito cara também. Muita
gente envolvida, tem umas 5, 6 bocas aqui. Aí cada um tem seu dia. Cada
um tem seu dia de ficar aqui. Não pode vir em outro dia. Não pode nada
disso, se não gera briga, gera problema. Aí vai trazer problema pro cara.
Beato e Zilli (2012) argumentam que essa estruturação é fruto de um

processo que se daria seguindo um roteiro com três atos. No primeiro ato
temos o crime desorganizado e o conflito entre grupos locais. Esse se carac-
teriza por uma baixa complexidade das atividades ilícitas, pouca articulação

200
entre agentes e grupos delinquentes e os primeiros germens de esquemas de

corrupção e violência policial. Nesse contexto, os grupos desenvolvem suas
atividades em pequenas frações dos aglomerados, funcionando numa lógica
mais societária que econômica e sem ter necessariamente articulação siste-
mática com grupos de outras comunidades. Na ausência de meios públicos
de resolução de conflitos, a violência nesses contextos se dá muitas vezes por
causas banais, podendo resultar em infindáveis sequências de enfrentamentos
e vinganças (ROCHA, 2015). Nesse ato, o comércio de drogas ocupa um lugar
intermediário entre a causa e o meio de manutenção desses ciclos disruptivos
de violência.
O segundo ato seria o da competição e tentativa de monopolização do
mercado, em que alguns grupos podem tentar se impor pela força sobre os
outros, instaurando ciclos de enfrentamento marcados pela disputa violenta
racionalmente operada. Nessa etapa, a crescente penetração de uma lógica
econômica e o aumento da complexidade na ação dos grupos, são propicia-
dos pela articulação entre os grupos que atuam nas comunidades e os grupos
organizados dentro do sistema prisional. A fala de H. dá pistas de um processo
semelhante que aconteceu em sua comunidade, no qual a divergência entre
os atores levou à expulsão de alguns deles do território.
Pesquisadora: Tem muita guerra aqui?
H: Não, não tem não. Tem mais umas tretinha com os caras que foi embora
aqui da favela. Fez umas coisas erradas que os caras não aceitou. Pegou
e foi embora. Mas ninguém passa aqui dando tiro, não. Aqui é tranquilo,
graças a Deus.
A suposta tranquilidade existente no território e reiterada algumas vezes

na fala de H., pode ser fruto dessa articulação favorecida pela política de
hiperencarceramento, que possibilitou a formação de facções criminosas. O
surgimento de grupos como esses acabam por orientar a atuação e os modos de
organização da criminalidade, além de aumentar a capacidade de aliciamento,
enfrentamento e negociação com as forças policiais.
No terceiro e último ato, há uma tentativa de gerenciar os conflitos
entre grupos seja por meio da articulação política, táticas conciliatórias ou a
instrumentalização da visibilidade de suas ações (FELTRAN, 2008; MAL-
VASI, 2012). Desse modo, a facção funciona como uma espécie de mediador
de conflitos do mundo do crime, procurando pacificar o mercado através de
uma maior institucionalização de uma lógica econômica. Na fala abaixo, H.
dá pistas sobre a estruturação das atividades locais e as formas através das
quais a manutenção da ordem é negociada com os agentes estatais e como as

restrições “voluntárias” na circulação territorial são uma maneira de evitar

custos e imprevistos.
Pesquisadora: Circular, você não circula muito, fica mais aqui mesmo?
H: Não. Quase ninguém circula muito não, porque tem os caras que
saíram daqui, né? Que já é um problema pra gente. A qualquer momento
pode acontecer o inesperado com a gente. A polícia pode pegar e pedir
arma, pedir esses trem. Porque a polícia pega a gente sem nada e quer
arma, quer droga, quer tudo e infelizmente tem que pagar. Ou você paga
ou você vai preso. Eles mesmos tem a droga deles pra te levar preso.
Você paga ou você vai preso. Mas é bom que os caras aqui é tranquilo,
se não tiver o dinheiro para pagar eles pagam pra gente. Mas também
não é muito valorizando a gente não. É mais valorizando a favela deles,
pra polícia não vir aqui caçar a gente. Ficar devendo a polícia e eles
não virem caçar a gente. Aí os caras pagam e depois a gente paga eles.
Podemos observar pela fala de H. o terceiro ato de organização, em que

os empréstimos representam um gerenciamento econômico dos possíveis
problemas, perpetuando um sistema de dívidas.
Acompanhando Das e Pole (2004), podemos afirmar que muito mais que
imposta, a ordem é algo produzido pela constante barganha entre os agentes
em situações concretas e específicas. Nessas condições, multiplicam-se os
poderes de soberania e os agentes lançam mão de vias legais e ilegais para
negociar as regras, limites, protocolos, de tal modo que as próprias margens
do Estado se encontram em constante delineamento (DAS; POLE, 2004). A
fala de H. revela que o tráfico no local possui algum poder de soberania, que é
expresso pela determinação de uma fronteira clara dos limites de seu território
e pela força normativa que proíbe determinados tipos de conduta em certos
locais da comunidade e interdita a venda de drogas como o crack e inalantes.
H: Tem muito problemas que acontecem com a gente aqui. Muito desa-
certo que acontecem, dívidas. Muita coisa. Mas aqui é bom de morar.
Aqui é gostoso de morar. Todo mundo respeita trabalhador, todo mundo
pode ir, entrar, sair. Mesmo que tenha a barreira aqui, todo mundo pode...
isso ai é só para a polícia não entrar mesmo.
Pesquisadora: E vocês que colocaram?
H: É! Só para a polícia não entrar. Mas todo mundo que quiser entrar
é só arredar... com tranquilidade. Aqui é bom de morar. Todo mundo
respeita todo mundo. Sabe seu lugar.

202
[...]
A palavra dos moradores é que vale. Lá na outra boca lá de cima, [inau-
dível], não pode fumar não. Lá não pode fumar na rua inteira. Essa rua
inteira lá pra cima não pode fumar maconha. Antes podia, mas os mora-
dores começaram a reclamar que tava fumando na porta da casa deles
e essas coisas e os caras proibiram. Não pode fumar maconha lá não.
A multiplicação dos poderes de soberania e a consequente necessidade

de negociar constantemente a ordem, também se verifica nas relações entre
policiais e traficantes que são baseadas na extorsão, na ameaça e na chanta-
gem, pagas em dinheiro, armas e outros itens; e na ação policial nas margens,
que acusa e incrimina até mesmo indivíduos que não estão envolvidos com
a criminalidade (TELLES, 2010). Uma consulta rápida sobre as notícias de
jornal que envolvem a comunidade revela uma trama de relações tensas entre
a polícia, os traficantes de drogas e a comunidade local. Assim, em oposição
a esse “nós” mobilizado por H. em sua narrativa, há um “eles” que representa
as diferentes agências do Estado e principalmente a polícia. Nesse aspecto,
é interessante pontuar as diferentes formas de policiamento utilizadas em
territórios literalmente próximos.
Do outro lado da Avenida que dá acesso à comunidade, geralmente
encontra-se uma base móvel da Polícia Militar estacionada à frente de um
grande estabelecimento comercial. Essa base faz parte de um plano da polícia
de oferecer um serviço mais próximo à população e tem como missão institu-
cional identificar, analisar e responder aos problemas de segurança pública e
melhorar a qualidade de vida da comunidade local. No relato de H., a atuação
da polícia em sua comunidade parece se afastar diametralmente da orientação
seguida para lidar com a comunidade existente do outro lado da avenida.
Eles que chegou em mim querendo que eu andasse com eles dentro da
favela. Chegou me enforcando. Eu não vou abaixar pra ninguém não. Ai
aconteceu esse caso. A justiça sempre é maior que todo favelado. Fave-
lado é foda. Pra eles todo mundo é bandido, não importa se mudou, se
quer mudar. Pra eles, eles tem que catar e prender, bater. Porque aqui a
polícia não tem regra com ninguém não. Eles chegam, dá tapa na cara,
chute. Dá tapa na cara da mãe dos outros, dá tapa na cara de qualquer
um. Eles não querem saber de nada não. Para eles todo mundo é bandido.
Quem não é bandido, acoita [esconde] bandido. Pra eles é isso aí mesmo.
Na narrativa de H, a atuação da polícia além de truculenta parece não

distinguir os moradores dos traficantes. Michel Misse (2010) define sujeição
criminal como o processo socialmente estabelecido em que previamente se
rotulam determinados sujeitos com um “tipo social” propenso ao cometimento

de um crime. Trata-se de sujeitos “demarcados (e acusados) socialmente pela

pobreza, pela cor e pelo estilo de vida” (MISSE, 2010, p. 18). Constitui-se,
assim, como um processo de criminação de sujeitos que não necessariamente
se articulam com o ato. O estigma da sujeição criminal é uma construção social
que resulta em um processo de consolidação do status social dos criminosos,
em que determinada categoria social de indivíduos se torna objeto preferen-
cial da ação dos órgãos de repressão penal. A constituição e representação,
portanto, dos sujeitos criminais, é produzida em contextos sócio-históricos
determinados, resultando em uma “cultura” associada a esses sujeitos, em que
a ambientação social busca a legitimação da violência contra eles. A sujeição
criminal é um conceito que “engloba processos de estigmatização, rotulação
e tipificação numa única identidade social” (MISSE, 2010, p. 23), e que é
constantemente reatualizado pela ação policial.
Nesse sentido, o autor aponta para o fato de que não há uma relação
necessária entre drogas ilícitas e montante da violência, a não ser quando o
tráfico se territorializa e opera com jovens pobres, submetidos ao sistema do
mercado ilegal. Assim, a sujeição criminal também se “territorializa, ganha
contornos espaciais e amplifica-se nos sujeitos locais e mesmo nas crianças e
adolescentes cuja sujeição é esperada” (MISSE, 2010, p. 21), já que há domí-
nio da identidade degradada (rótulo “bandido”) sobre todos os demais papéis
sociais do indivíduo, restando pouco ou nenhum espaço para negociá-la.
A concentração social e espacial da violência policial pode corroer a legi-
timidade do Sistema de Justiça Criminal e das demais agências do Estado, uma
vez que, a generalização dessa experiência em certos lugares pode fomentar o
surgimento de uma solidariedade entre as vítimas e de um sistema de normas,
valores e atitudes divergente da normatividade estatal (WILDEMAN, 2014).
Isso se verifica na narrativa de H., na medida em que o tráfico e os moradores
mantêm relações de deferência e até mesmo de cumplicidade.
[Os moradores] Têm bastante voz. Não adianta nós aqui querer discutir
com eles e querer nada com eles não. Porque a voz maior é a deles. Porque
também nós discutir com eles, nós fica sem apoio aqui, né? Porque tem
vez, igual assim... Tem gente que não está trabalhando no dia na boca,
tá tranquilo na rua e chega [a polícia] batendo. Aí os moradores também
ajudam, porque aqui ninguém trata mal morador e essas coisas. Morador
também ajuda, mas não é todos também não. Tem morador que... Mas aí
nós nem olha pra eles também não. Não incomoda ninguém, que é melhor.
Acreditamos existir uma confluência de forças que nos parece fomentar

um processo de persistência na trajetória infracional: a questão da estrutu-
ração das atividades criminosas no local e a força estigmatizante da polícia.

204
Destacamos a seguir a força da conjuntura do mercado ilegal como fonte de

ofertas e oportunidades de ganhos econômicos em contraposição a inserções
precárias no mercado formal de trabalho.
5. Ofertas precarizadas
Hélio Pellegrino (1983) pontua como o trabalho se instaura como media-

dor fundamental da vida adulta na inserção da vida social. Segundo o autor,
“no pacto social, através do trabalho, pede-se ao ser humano que confirme
sua renúncia primígena, através da aceitação do princípio da realidade”
(s/p.). Nessa passagem, Pellegrino (1983) faz referência à idéia freudiana de
que a fundação da civilização humana exige uma renúncia da sexualidade e
da agressividade.
Mas qualquer pacto implica a instauração de direitos e deveres. Para o
autor, há ruptura do pacto social quando não há garantia de direitos: “se o
pacto social tem mão única, se os direitos do trabalho são desrespeitados e
aviltados, ele pode romper-se, implicando esta ruptura gravíssimas conse-
quências” (PELLEGRINO, 1983, s/p.).
Pesquisadora: Você falou que trabalhar para os outros é muito ruim...
H: Trabalhar para os outros... Porque você aguenta muita coisa, né?

Você aguenta os outros te xingando falando alto com você e aqui não
tem nada disso não. Aqui ninguém fala alto com ninguém não. Ninguém
é mais do que ninguém aqui. Tem quem é mais, mas quem é mais sabe
respeitar a gente.
Como nos indica H., a precarização da integridade e da possibilidade de

dignidade social com o trabalho formal implicam outra ruptura em sua história
de vida. H. interrompe o envolvimento com a criminalidade aos 18 anos, e
vai trabalhar como servente de pedreiro, em uma obra na comunidade. Per-
manece nesse ofício por um ano, e em seguida desliga-se do trabalho formal,
voltando à ocupação ilícita: “Ah, eu... ficou pouco tempo. Eu fiquei pouco
tempo no serviço, aí fiquei muito tempo sem trabalhar, sem fazer nada, sem
oportunidades; peguei e voltei pra onde que eu tinha vindo mesmo”.
É curioso notar que o lugar de abjeto que a segregação social produz,
para esse jovem, não parece estar associada à condição de ruptura do pacto
social, mas sim está ligada à inevitabilidade do destino, como demonstra ao
afirmar “voltei pra onde que eu tinha vindo mesmo”. Tal segregação, para
Pellegrino (1983), se traduz no lugar social a que o pobre é designado: “o
pobre absoluto não tem porque manter o pacto social com uma sociedade que

o reduz a uma condição de detrito” (s/p.). As possibilidades de inserção no

mercado de trabalho para um jovem de baixa escolaridade e sem qualificação
se caracterizam por opções precárias e subalternizadas. Com o trabalho no
tráfico de drogas H. também permanece em uma situação precarizada, na
medida em que é permanentemente atravessado pela ameaça da violência
policial e possui uma rotina de trabalho exaustiva: “Mas... aqui minha vida é
essa mesmo. Eu acordo todo dia de manhã, venho pra cá 08 horas da manhã,
quando é meu dia, vou embora 10 da noite”.
Todavia, é importante ressaltar que o trabalho no tráfico possibilita uma
posição de status, poder e dinheiro, se traduzindo numa visibilidade social
no interior da comunidade. Percebemos, assim, as complicações e diversas
implicações da relação de H. com o mercado formal ilegal. Se de um lado,
reproduz precarização e de outro, reflete a possibilidade de inserção no mer-
cado de consumo, por outro ainda, H. reconhece os riscos dessa atividade
ilícita e faz planejamentos de empreendedorismo.
Importante enfatizar que a gestão do trabalho no tráfico exige disciplina
similar a uma aposta de um empreendedor: alguém que faz certo número de
apostas, define uma série de comportamentos econômicos para incrementar
seu capital (MALVASI, 2012). Acreditamos que esse elemento do empreen-
dedorismo presente no terceiro ato da estruturação das atividades ilícitas pode
ter influenciado H. a construir uma fantasia de alternativa à permanência na
criminalidade e que não o coloque em posição de subalternidade.
Pesquisadora: Você tem planos?
H: Planos é mudar de vida, né? Sair daqui, pra outro lugar, viver tran-
quilo. Que essa vida que a gente vive num é tranquila, não. A gente mesmo
nem sai da favela não. Fica só aqui. Todo dia, o dia inteiro. Sai, sai de
noite, vai em boate gastar mais dinheiro, uma ilusão danada.
[...]
Pesquisadora: E você não tem vontade de estudar, trabalhar?
H: Tenho vontade, mas... Inclusive eu tô juntando um dinheiro, mas traba-

lhar para os outros é ruim, sô! Eu to juntando um dinheiro para mim abrir
meu próprio negócio, ver se dá certo. Se Deus abençoar vai dar certo.
Pesquisadora: Aqui mesmo?
H: Em qualquer lugar que vir tá bão. De começo a gente começa aqui.

A gente é daqui, paga um aluguelzinho barato.

206
Pesquisadora: Você tava querendo trabalhar com que?
H: Com roupa. Uma loja de roupa.
É interessante notar como seu sonho como alternativa à criminalidade,

embora pautado em uma ação inovadora, não se desliga de sua comunidade,
que, como vimos, constitui-se como elemento de força gravitacional que faz
com que continue orbitando em torno de relações que produzem e reproduzem
estigma e segregação.
Assim, fazendo uma articulação entre a literatura sobre a desistência e a
narrativa de H, percebemos que os eventos considerados como cruciais para
o processo de desistência, como a paternidade, conversão religiosa, inserção
efetiva e estável no mercado de trabalho formal, não se apresentam na histó-
ria de vida desse jovem. De outro lado, a precarização do trabalho, a evasão
escolar, a sujeição criminal, o enraizamento em um território segregado, as
influências dos laços familiares, parecem caracterizar-se como elementos que
sustentam a permanência na trajetória infracional.

REFERÊNCIAS
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208
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WILDEMAN, C. Parental incarceration, child homelessness, and the invisible

consequences of mass imprisonment. The Annals of the American Academy
of Political and Social, 2014.

CHAPTER 6
“SAY... THIS IS REALLY MY LIFE”: The
H. case and the permanence in criminality
“Life, as we find it, is too hard for us; it brings us too many pains,
disappointments and impossible tasks” (FREUD, 1930/1962, p. 22).
1. Introduction
This paper presents a discussion that is part of the partial results of the
research group of the Institute of Transdisciplinary Advanced Studies of the
Federal University of Minas Gerais (IEAT/UFMG), entitled: “Life course
and delinquency trajectory: an exploratory study of events and narratives of
young people in situation of vulnerability”.
In this paper, which aims at a transdisciplinary articulation between the
fields of Sociology, Psychoanalysis and Education in what refers to the studies
that articulate the themes of crime and youth, we understand that “based on
the paradox of the human condition, the conflict between structural determi-
nations and subjective autonomy cannot find an easy way out, situated at one
extreme, making it necessary to sustain the condition of permanent oscillation
and conflict between the two poles” (MOREIRA; GUERRA; COSTA, 2012,
p. 400-401).
It is in this context that we begin the discussion regarding the case of a
young man who participated in the scope of this research, whose involvement
with criminality in adolescence persisted until adulthood, configuring a form
of permanence of offensive conduct in the urban scene of drug trafficking.
In this context, we address the issue of permanence in crime in relation to
youth. We know that studies concerning desistance are well developed in the
field of criminology (SAMPSON; LAUB, 1993, 2005)1, and make progress
1 To a broader reference check Neiva (2015) and Rolim (2018).

210
in important discussions about the promoting of public policies to youth,

and their scope. However, when we are faced with a case that points to per-
manence, it also gives us an important reflection on the maintenance of high
risk situations.
In what refer to the conjuncture that goes through the condition of per-
manence in the case analyzed here, we agree with Moreira, Guerra and Costa
(2012) in pointing out that “the informal and illegal drug market is fed by post-
modern values, which are the basis of consumer society, based on the pursuit
of pleasure (BAUMAN, 1998), the escape from reality (HARVEY, 1992)”2
(p. 404), and also the appreciation of intense lifestyles (MALVASI, 2012).
Thus, drug trafficking, as an illegal market, is characterized as a means of
inclusion in the consumer market aligned with postmodern values, by the
ability to acquire material goods.
According to Neiva (2015), the daily social reality of most adolescents
complying with socio-educational measures in Brazil is permeated by several
factors that contribute to their permanence in the infractional world, such
as poverty, social exclusion, fragility of family ties, absence or low school
attendance, among others, which are configured as drivers of risk situations
for these subjects. In this way, the inhibition of criminal recidivism is con-
nected to the strengthening of social bonds and insertion in institutions such
as formal labor market, school, religion.
For Neiva (2015) and Rolim (2018), the conception of the “life-course
perspective”, supported by Sampson and Laub (1995), provides a more reli-
able approach to the understanding of desistance processes. This allows the
connection between the macrostructural and microstructural levels and the
informal social control from the analysis of the subject’s life trajectory. They,
as well as other authors argue that “the process of criminal desistance is not,
as a rule, an exclusive consequence of the individual agency” (ROLIM, 2018,
p. 837), emerging in the relationship between the subject and the individual
community. According to LeBel et al. (2008, apud NEIVA, 2015, p. 346) it
is necessary to also understand the subjective changes, along with the social
and political changes that contribute and maintain the distance of adolescents
from the criminal trajectory.
Neiva (2015) presents several studies of criminology theory that highlight
the correlation between age and offence involvement, pointing out that as the
individual matures, they create social bonds (marriage, children, employment)
and tend to abandon infractional activity. Rolim (2018), in turn, presents
2 The references pointed above are: BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar,
1998; HARVEY, D. Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Loyola, 1992.

other studies, such as Farrington’s, on informal social control (social bond

theory), highlighting the importance of family, educational and employment
bonds among young adults as variables that could better explain the criminal
desistance. According to the author, the body of evidence currently available
leaves no doubt about the correlation between criminal desistance and employ-
ment, schooling, marriage, and parenthood, arguing that “strong social bonds
may explain dropout among adults, despite the history of persistent criminal
behavior” (ROLIM, 2018, p. 836).
Thus, we can think of permanence from objective and subjective factors,
always considering the importance of the impact of objective factors on the
subject and on his psychic economy. The attractiveness of the social environ-
ment (the history of the local community in its relationship to criminality);
the social stigma of criminal subjection (MISSE, 2010), renewed by police
action; the difficulty of insertion in the formal labor market and the fluidity
of family presence as a transmission force of hegemonic social values can
be located as objective factors. On the other hand, we need to reflect on the
relationship of the recidivist with the criminal object, its exchanges, gains
and the construction of an image intrinsically articulated with the criminal
experience. In this sense we will present the history of H.
2. A story of those who have not much to tell …
H. is a 22-year-old young adult at the time of the meeting with the

researchers, who was approached by the team due to his passages through
the socio-educational system, identified in the Individual Care Plan (PIA)
for 2015, recovered from the Integrated Care Center of the Adolescent Author
of an Infractional Act of Belo Horizonte (CIA / BH).
The document presents a young man with three passages in the judicial
system: at 15 and 16 years old, where the offense is not listed and a warning
social-educational measure was applied; then, at age 17, a ticket for drug pos-
session, for which she received a socio-educational measure of Provision of
Service to the Community. It seems relevant to point out that in relation to the
other young people in the research, H. is a young man who received less severe
measures, despite his explicit involvement with the drug trafficking offense.
Resident of a peripheral neighborhood, the young man was approached
after the team’s contact with his mother, from the address indicated in the
documentary survey that conducted the research. He was asked to give us his
life story at first, and then answer a questionnaire. The young man hesitates.
The team is surprised by the explicit local drug sales movement and soon
realizes that the young man was involved in this dynamic.

212
H. then consents to participate in the research and proposes that the nar-
rative be recorded in the center of the territory, in plain sight. Two researchers
sit on the sidewalk with the young man and ask him to tell his life story. H.
begins by stating that he had no story to tell, and shortly after points out his
detachment from school and entrance into crime at around 14/15 years old,
stating that “crime needs no school”. He also indicates that his approach and
involvement with crime was driven by the relationship of cousins with whom
he lived and the necessity to have money and material goods. He presents
an episode of departing from crime when he was 18 years old, after entering
the formal labor market, having returned to the context of crime shortly after
being discharged from the service of a bricklayer’s help, a hodman.
H. discusses the difficulty of childhood, for his mother “not being able
to,” the abandonment of his father when he learned of his partner’s pregnancy
at 19 years of age, and the constant contact with the criminality within the
territory. The critical reflection concerning the territory and the dynamics that
underlie the configuration of trafficking are striking features in the discourse
of this young man, both from the point of view of the relations of tension with
the police and the spatial circumscription mainly arising from them, and from
the point of view of internal relations in trafficking, such as the paradigmatic
change in the precocity of involvement in the generations after their own and
the significant participation of residents in decisions related to the movement,
due to the protection they provide to the young people involved.
His perception of the socio-educational system in the narrative is unshak-
able, without hesitation: “Too much talking in people’s heads. Telling us to
abandon these things... Don’t need this... We were born seeing this here, see!
Born into it”. Rooting in crime precedes it and leaves it almost with a dead
end. On the other hand, a striking feature of the PIA’s technical report is its
emphasis on the direction of movements for institutional school entanglement
and entrance into the labor market, as well as a statement on the withdrawal
of involvement with crime due to a close friend’s death episode. According to
the document, as we have seen, there were only records of socio-educational
warning measures and services of provision to the community. This fact draws
attention if we think about how the narrative and the questionnaire present
an extensive and well-marked offense trajectory. What the cunning of such a
shrewd subject – who knows how to move around in the field of crime and
present such a realistic narrative – point us in what refer to the dynamics that
would escape the rational field? In terms of psychoanalysis, what concerns
this crossed subject regarding the affect/drive field that reveals ambivalences?
Let’s look at what we can find in the non-narrable of H.

3. Psychoanalytic hearing and the criminal

offence: H and a history of ruptures
For Lacan (1950/1998), the effects of unconscious fantasies on the crimi-

nal act are imminent to the point of indicating that the subject cannot confess
what he does not know. The psychoanalyst is discussing the effects of the
search for truth with regard to penalogy, but we can think, from the account
of H. – who continually claims to have nothing to tell and at the same time
presents us with an organized, coherent and linear discourse about his life
trajectory – that this subject does not know about the unconscious crossings
that a history marked by several ruptures presents. Following are some topics
that allow us to reflect on such disruptions.
3.1 Family
The first of these breaks occurs in the family field. As we mentioned, H’s
father abandoned his mother when she was still pregnant. H. reports that in the
past his father frequented the community, but they had never had any relation-
ship. In the absence of a father figure, an uncle, the ex-husband of his bio-
logical maternal aunt, took this place. H. tells the story of a broad family and
procedural ties, i.e. continuous and discontinuous, with non-blood relatives.
There’s my uncle up there. My uncle is just like a father. He’s like a father
to me. He was my aunt’s husband. There is the house, right? With the
whole family, my mother’s sisters and all. I think it’s four sisters. Before
it was five. I have an aunt who passed away.
We also find, in the area of ruptures within this history, the attempt of
some possible transmission from his mother, which despite appearing in an
incisive manner, does not have a decisive force in the history of involvement
with crime:
H: We used to live there, my mother wouldn’t let us go anywhere. To the

street. But we messed around just the same. In school, we messed around
even more. I got beaten up almost every day (laugh) [...]
Researcher: Was your mother angry?
H: Goddamn, put angry in that!
Researcher: Really? So how did it go after you entered... how was she?

214
H: Well... at first she was sad, right? I was talking about what happened,
she was going to disinherit, she wasn’t going to come after me... these
things, if I got arrested, she couldn’t care less. In the beginning it was
like this. She didn’t want money from any of that. Working person like
that, doesn’t like these wrong things, no. Our mother also didn’t raise us
to see us in this, right?
H.’s statement about his mother’s initial sadness may lead us to think that
in a second moment she does not oppose the young man’s activity with crime.
This could be linked to the fact that the mother has a precarious job. Accord-
ing to the PIA, H’s mother worked as a general service assistant and received
a salary of 788 reais – corresponding to a minimum wage in 2014 – plus a
benefit of 190 reais. Under these conditions of financial pressure, H tells us:
We suffered, because we start becoming teenagers and want to buy our own
stuff. You want to have branded sneakers, branded clothes. Our family has
no conditions. Just, like, my mother had me, my sister, had to buy school
supplies. And there’s this... our father abandoned us when my mother got
pregnant. And it’s just my mother. There’s all of this.
Added to this is the researchers’ casual encounter with H.’s mother, who
was disorganized, with disregard for personal care, in a confused and apathetic
state. This encounter leads us to hypothesize a dimension of contradiction in
H.’s life, inasmuch as this mother whom the researchers met – a disaggre-
gated figure – does not coincide with that in the young man’s narrative – the
strict mother.
Exploring the narrative constructions of young H in relation to his mother,
we highlight a possible contradiction between the development of an offending
trajectory and a supposed vigilance. On the other hand, the possible influence
on the young man of the involvement of other family members in drug traf-
ficking, an illegal activity that, like any other, depends on a learning process.
During this process, the definitions favorable to the committing of crimes,
as well as the techniques and methods of action are apprehended from social
interactions. For Sutherland (1940), the greater the participation in deviant
groups, the greater the incentive to develop a deviant trajectory. In this regard,
it is noteworthy in H.’s narrative the involvement of most of his cousins in
criminality and his lack of legitimacy to advise his cousin who had begun
using marijuana.
There in the house, most of my cousins too, everyone just like me. The
same story. Entered in crime too, everyone... Just one didn’t. And there’s
a new one, who’s smoking marijuana now too. No use giving advice. We

are wrong and still try to tell them not to go wrong. They want to go in
just the same. You think it’s good, but... it’s good on the money part, but
not so much.
3.2 Peers, institutions, criminality and society
In relation to peers, we see the discourse presenting a dissonance between

what is stated in the PIA and what is stated in the narrative. In that instrument,
H states that weekly he “plays ball with colleagues in the neighborhood”. On
the other hand, at the occasion of the interview, H. reveals a significant break
in the construction of an affective network when he says that he is not a friend
of anybody, because “some guy comes and asks you: ‘buy me a beer!’, you
pay him a beer... Then you realize, the guy you’re paying the beer to wants to
see you down, wants to see you dead, arrested…”. It is possible to assume that
these young people dispute positions within drug trafficking, which eventually
tensions their relations.
In the institutional field, H indicates two main roads of rupture: school
dropout at age 15, for being already involved in crime and having failed
grades; and the dismissal of a job as a hodman, a fact that motivates his return
to the universe of criminality.
In the political and social field, young people are confronted with a
permanent lack of opportunity and financial conditions. According to Merton
(1968), society prescribes cultural goals for individuals as well as legitimate
means of achieving them. While objectives, such as access to consumption
and possession of a certain status, are potentially universally shared, the insti-
tutionalized means to achieve these ends are not equally available to all. In
this situation, individuals may use transgressive means to achieve culturally
valued ends.
Most of my life was that, miss. I don’t have much to say. Most of everyone’s
life here is this way. Just like I told you, I started at fifteen, fourteen, I think.
I don’t even remember much. There are people who started even younger.
At ten, twelve. Before, the guys would not admit, but then they saw that
there was no way. They sent us out of the drug house, straight. We, the
younger ones also ran for them for food and stuff. They gave us money.
Then you see that money cake, you want to have it too. You don’t want to
work to earn little. But it’s better to work than that... but unfortunately,
everyone wants it. It’s easy, in one day you earn a thousand. Working is a
month, all day long. Depending, you don’t even earn a thousand working
in a month.

216
In the field of crime, his speech is structured around a realistic and coher-
ent position: “It’s good on the money side, but not so good, no. It’s a lot of
problems that happens to us here. The mistakes that happen, debts... A lot”.
But it is noteworthy that the consequences of criminal activity lead to an
episode of apprehension by the adult criminal system. We observe that, from
the researcher’s inquiry about such an experience, there appears a discomfort
that translates into a break or avoidance revealed in the following excerpt:
“(sigh) Ah... over there is not advisable for anyone, no, right? [...] And it’s
not a joke”.
Lacan (1950/1998), when discussing the relations and, fundamentally,
the divergences between the contribution of psychoanalysis to criminology
and the debate conducted by penalogy, indicates that crime brings with itself
the possibility of reaching a structural configuration of the act in relation to
unconscious fantasies, understanding that the truth of the alienation of the
criminal’s reality is different from the justification of the social context. Thus,
there is no absolute crime, such an experience being irreducibly subjective.
However, Lacan (1950/1998) warns us that “neither the crime nor the crimi-
nal are objects that can be conceived outside their sociological reference”
(LACAN, 1950/1998, p. 128). Thus it is essential to locate in the discourses
that cross the subject and which are produced by him – in a dialectical move-
ment – the elements related to unconscious fantasies eminently crossed by
social, political, economic and cultural issues.
From this context of ruptures, we will work in the next sections how
some elements are articulated in relation to the “favelado” – in Brazil, a young
black urban periphery resident – in what refer to what H. presents us about
the subjective-political crossings of his existence, from two central points of
his narrative, namely: police and community; precarious offers.
4. The problem of order in the margins
After considering the impacts of affective (family, peer and institutional)

disruptions on the entrance and permanence in criminality, it is up to us to
reflect on the strength of the social space in which H. is inserted as an ele-
ment of maintaining the offending trajectory, associated with the dynamics
of police action in the territory where the young man lives.
The community where the young man lives is located at the intersection
of a highway with a large avenue in the city of Belo Horizonte. It is a territory
segregated from the rest of the urban network and due to the federal highway
presents a high movement of cargo and vehicles, facilitating the logistics of
the illegal market. At the entrance of one of the few streets that gives access

to the community there was a refrigerator that closed traffic. At the end of this
same street, workers at the service of the city, worked to open a roundabout
in the middle of the houses, some recently demolished by the construction
works. This was part of the City Participatory Budget program, which during
the research period carried out interventions in various communities in the
municipality. “They say they’re going to make a roundabout there. You go up
there and down here. They say it will be bad for us, but it will not, because
it will be closed the same way. It will continue the same thing. It will be bad
for themselves”.
In H’s speech, he expresses himself as a collective subject represented
by the use of the pronoun “us”. This “us” refers to the community-based drug
trafficking venture that moves a large volume of drugs and money. In the
young man’s speech, we can see that there is a structure of local illegalities,
since the drug houses belong to the same individual and that even in their
absence the business continues to operate without many mishaps (BEATO;
ZILLI, 2012).
It’s cool here. It’s big here. It’s just a guy who rules everything here. At
the moment he is in jail, but that doesn’t change nothing. Here are the
parts, right? Every... There are many dudes also. A lot of people involved,
there are about 5, 6 drughouses here. Then each one has their day. Each
has their day of staying here. You can’t come another day. You can’t do
that, otherwise it causes a fight, it’s a problem. Then it will bring trouble
to the guy.
Beato and Zilli (2012) argue that this structuring is the result of a process
that would happen following a three-act script. In the first act we have the
disorganized crime and the conflict between local groups. This is characterized
by a low complexity of illicit activities, poor articulation between offenders
and criminal groups, and the first germs of police violence and corruption
schemes. In this context, the groups develop their activities in small fractions
of the clusters, operating in a more societal than economic logic and without
necessarily having systematic articulation with groups from other communi-
ties. In the absence of public means of conflict resolution, violence in these
contexts is often for banal causes and may result in endless sequences of con-
frontation and revenge (ROCHA, 2015). In this act, the drug trade occupies
an intermediate place between the cause and the means of maintaining these
disruptive cycles of violence.
The second act would be that of competition and attempt to monopolize
the market, in which some groups may try to impose themselves by force on
others, establishing cycles of confrontation marked by rationally operated

218
violent dispute. At this stage, the increasing penetration of an economic logic

and the increased complexity in the action of groups are provided by the
articulation between the groups that act in the communities and the organized
groups within the prison system. H’s speech gives clues to a similar process
that took place in his community, in which the disagreement between the
actors led to the expulsion of some of them from the territory.
Researcher: Is there a lot of war here?
H: No, there is not. There are some problems with the guys that left the
favela. They did some wrong things that the guys didn’t accept. They went
and left. But no one comes here shooting, no. It’s cool here, thank God.
The supposed tranquility existing in the territory and reiterated some-

times in the speech of H., may be the result of this articulation favored by the
policy of hyperincarceration, which made possible the formation of criminal
factions. The emergence of groups such as these ends up guiding criminal
activity and ways of organizing it, as well as increasing the ability to engage,
confront and negotiate with police forces.
In the third and final act, there is an attempt to manage conflicts between
groups either through political articulation, conciliatory tactics, or by instru-
mentalizing the visibility of their actions (FELTRAN, 2008; MALVASI, 2012).
In this way, the faction acts as a kind of mediator of conflicts in the criminal
world, seeking to pacify the market through greater institutionalization of an
economic logic. In the speech below, H. gives clues about the structuring of
local activities and the ways in which the maintenance of the order is negoti-
ated with state agents and how “voluntary” restrictions on territorial circulation
are a way of avoiding costs and unforeseen events.
Researcher: Walk around, you don’t walk around much, you stay
here mostly?
H: No. Almost no one goes around a lot, because there are the guys who
left here, right? Which is already a problem for us. At any moment the
unexpected can happen to us. Police come up and order a gun, order these
things. Because the police catch us with nothing and want a gun, want a
drug, want everything and unfortunately you have to pay. Either you pay
or you go to jail. They themselves have the drugs to get you arrested. You
pay or you go to jail. But it’s good that the guys here are cool, if you don’t
have the money to pay they pay for us. But it is not much appreciating us
either. It’s more valuing their slum, so the police don’t come here to hunt
us. Owing the police and not coming to hunt us. Then the guys pay and
then we pay them.

We can see from H’s speech the third act of organization, in which lend-
ings represent an economic management of potential problems, perpetuating
a system of debt.
Accompanying Das and Pole (2004), we can say that much more than
imposed, order is something produced by the constant bargaining between
agents within concrete and specific situations. Under these conditions, the
powers of sovereignty multiply and agents use legal and illegal ways to nego-
tiate rules, limits, protocols, so that the state’s own margins are constantly
delineated (DAS; POLE, 2004). H’s speech reveals that local trafficking has
some sovereign power, which is expressed by the determination of a clear
boundary of the limits of its territory and the normative force that prohibits
certain types of conduct in certain places in the community and prohibits the
sale of drugs like crack and inhalants.
H: There are a lot of problems that happen to us here. Very uncertain

things happening, debts. A lot of things. But here is nice to live. It’s nice
to live here. Everyone respects workers, everyone can come, get in, get
out. Even if there is a barrier here, everyone can... that’s just for the
police not to enter.
Researcher: You guys placed it?
H: Yeah! Just for the police not to enter. But everyone who wants to get in
is push it aside... easily. It’s good to live here. Everyone respects everyone.
They know they place [...]. The locals word is what counts. In the other
drughouse up there, [inaudible], you can’t smoke. There you cannot smoke
through the whole street. This whole street until up there you can’t smoke
weed. Before you could, but the locals started complaining that people
were smoking on their doorstep and stuff and the guys forbade it. You
can’t smoke weed there.
The multiplication of sovereign powers and the consequent need to con-

stantly negotiate order is also found in the relations between police and traf-
fickers based on extortion, threat and blackmail, payments in cash, weapons
and other items; and the police action on the margins, which accuses and even
incriminates individuals who are not involved with crime (TELLES, 2010). A
quick look at community news stories reveals a web of tense relations between
police, drug dealers and the local community. Thus, in opposition to this “us”
mobilized by H. in his narrative, there is a “they” that represents the different
state agencies and especially the police. In this aspect, it is interesting to point
out the different forms of policing used in nearby territories.

220
Across the avenue giving access to the community, there is usually a

mobile Military Police base stationed in front of a large commercial estab-
lishment. This base is part of a police plan to provide a service closer to the
population and its institutional mission is to identify, analyze and respond to
public security issues and improve the quality of life of the local community.
In H’s account, police action in his community seems to deviate diametrically
from the orientation given to deal with the community across the avenue.
They came at me wanting me to walk with them inside the slum. They
came choking me. I won’t back down to no one. Then this thing happened.
Justice is always bigger than every favelado. Favelado is fucked up. For
them everyone is a thug, no matter if they changed, if they want to change.
For them, they have to catch and arrest, beat up. Because here the police
doesn’t have according with no one. They arrive, slap you in the face, kick.
Slap the face of someone else’s mother, slap anybody’s faces. They don’t
care about anything. To them everyone is a thug. Whoever is not a thug,
shelter [hide] a thug. For them that’s how it is.
In H’s narrative, police action, in addition to being truculent does not

seem to distinguish residents from traffickers. Michel Misse (2010) defines
criminal subjection as the socially established process in which certain indi-
viduals are previously labeled with a “social type” prone to committing a
crime. These are subjects “socially marked (and accused) of poverty, color
and lifestyle” (MISSE, 2010, p. 18). Thus, it is constituted as a process of
criminalization of subjects that do not necessarily articulate with the act.
The stigma of criminal subjection is a social construction that results in a
process of consolidation of the social status of criminals, in which a given
social category of individuals becomes the preferred object of the action of
criminal repression agencies. The constitution and representation, therefore,
of criminal subjects, is produced in determined socio-historical contexts,
resulting in a “culture” associated with these subjects, in which the social set-
ting seeks the legitimation of violence against them. Criminal subjection is a
concept that “encompasses stigmatization, labeling and typification processes
in a single social identity” (MISSE, 2010, p. 23), and is constantly renewed
by police action.
In this way, the author points to the fact that there is no necessary rela-
tionship between illicit drugs and the amount of violence, except when traf-
ficking is territorialized and operates with poor young people subjected to the
illegal market system. Thus, criminal subjection also “territorializes, gains
spatial contours and amplifies itself in local subjects and even in children and
adolescents whose subjection is expected” (MISSE, 2010, p. 21), since there

is a domain of degraded identity (“thug” label) over all the other social roles
of the individual, leaving little or no space left to negotiate it.
The social and spatial concentration of police violence can undermine the
legitimacy of the Criminal Justice System and other state agencies, since the
widespread use of this experience in certain places can foster the emergence
of solidarity between victims, and a system of norms, values, and attitudes
diverging from state normativity (WILDEMAN, 2014). This is true in H’s
narrative, as trafficking and residents maintain deference and even complicity
relations amongst themselves.
[The residents] They have a lot of voice. It’s no use for us here wanting
to argue with them and wanting nothing to do with them. Because the
biggest voice is theirs. Because we argue with them, we get no support
here, right? Because there are times, just like... There are people who are
not working some day in the drughouse, the streets are quiet and they
[the police] arrive knocking. Then the residents also help, because here
nobody treats residents bad and these things. Residents also help, but it’s
not everyone either. There are residents who... But then we don’t even look
at them either. Nobody gets bothered, which is better.
We believe there is a confluence of forces that seems to us to foster a

process of persistence in the criminal trajectory: the question of the structuring
of criminal activities on the location and the stigmatizing force of the police.
We highlight below the strength of the illegal market environment as a source
of offers and opportunities for economic gain as opposed to precarious inser-
tions in the formal labor market.
5. Precarious offers
Hélio Pellegrino (1983) points out how labor is established as a funda-

mental mediator of adult life in the insertion of social life. According to the
author, “in the social pact, through work, the human being is asked to confirm
his original renunciation, by accepting the principle of reality” (s/p.). In this
passage, Pellegrino (1983) refers to the Freudian idea that the foundation of
human civilization requires a renunciation of sexuality and aggression.
But any pact implies the establishment of rights and duties. For the
author, there is a rupture of the social pact when there is no guarantee of
rights: “if the social pact has only one way, if labor rights are disrespected and
debased, it can be broken, implying this rupture very serious consequences”
(PELLEGRINO, 1983, s/p.).

222
Researcher: You said that working for others is very bad.
H: Working for others... Because you can handle too much, right? You can
stand others cursing you by talking loudly to you and here there is none
of that. Here no one talks loud to anyone. No one is better than anyone
here. There are those who are better, but who is know how to respect us.
As H. indicates, the precariousness of integrity and the possibility of

social dignity with formal labor imply another rupture in their life history. H.
interrupts his involvement with crime at the age of 18, and goes to labor as a
bricklayer’s help on a community site. He remains in this position for a year,
and then leaves formal labor, returning to an illicit occupation:
Ah, I... stayed for a short time. I spent little time on the job, then I spent
a lot of time without work, doing nothing, without opportunities; I went
and headed back to where I had come from.” It is curious to note that the
abject place that social segregation produces for this young man does not
seem to be associated with the rupture condition of the social pact, but
is linked to the inevitability of fate, as he demonstrates by saying “I went
and headed back to where I had come from.
Such segregation, for Pellegrino (1983), translates itself into the social
place to which the poor are designated: “the absolute poor need not maintain
the social pact with a society that reduces it to a condition of waste” (s/p.).
The possibilities of insertion in the labor market for a young person with low
education and without qualification is characterized by precarious and lesser
options. With work in drug trafficking H. also remains in a precarious situa-
tion, as he is permanently crossed by the threat of police violence and has an
exhausting work routine: “But... here is my life. I wake up every morning, I
come here at 8 am, when it’s my day, I’m leaving at 10 pm”.
However, it is important to emphasize that working in trafficking enables
a position of status, power and money, translating into social visibility within
the community. We thus perceive the complications and various implications
of H.’s relationship with the illegal formal market. If, on the one hand, it repro-
duces precariousness and on the other, it reflects the possibility of insertion
in the consumer market, in still another side, H. recognizes the risks of this
illicit activity and makes entrepreneurship planning.
It is important to emphasize that managing work in trafficking requires
discipline similar to an entrepreneur’s bet: someone who makes a certain
number of bets defines a series of economic behaviors to increase their capital
(MALVASI, 2012). We believe that this element of entrepreneurship pres-
ent in the third act of structuring illicit activities may have influenced H. to

construct a fantasy as an alternative to staying in crime that do not place him

in a position of subordination.
Researcher: Do you have any plans?
H: Plans is to change my life, right? Get out of here, somewhere else, live
quiet. This life we live in is not quiet. We don’t even get out of the favela.
It is just here. Every day, all day long. Go out, go out at night, go to the
club spend more money, a damned illusion [...].
Researcher: And you don’t feel like studying, working?
H: I feel like it, but... I’m even raising some money, but working for others
is bad, man! I’m raising money so I can start my own business, see if it
works. If God bless, it will work
Researcher: Right here?
H: Anywhere is fine. In the beginning we start here. We are from here,

pay a cheap rent.
Researcher: What were you trying to work with?
H: With clothes. A clothing store.
It is interesting to note how his dream as an alternative to criminal-

ity, although grounded in innovative action, is not detached from his com-
munity, which, as we have seen, is an element of gravitational force that
keeps him orbiting around relationships that produce and reproduce stigma
and segregation.
Thus, making an articulation between the literature on desistance and
the narrative of H., we realize that events considered as crucial to the process
of desistance, such as fatherhood, religious conversion, effective and stable
insertion in the formal labor market, do not present themselves in this young
man’s life story. On the other hand, the precariousness of work, school drop-
out, criminal subjection, rooting in a segregated territory, the influences of
family ties, seem to be characterized as elements that sustain permanence in
the criminal trajectory.

224
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CAPÍTULO 7
A POSIÇÃO FEMININA E O SEU
(NÃO) ENVOLVIMENTO COM A
CRIMINALIDADE: o caso de Lilith
1. Introdução
Este trabalho dá continuidade às reflexões e análises dos resultados da

pesquisa “Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório
dos eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade”, financiada
pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinar (IEAT) da Universidade
Federal de Minas Gerais. Esta pesquisa, como o próprio nome já indica, teve
como objetivo a investigação, a partir da transdisciplinaridade entre Socio-
logia, Psicanálise, Direito, Educação e Saúde, o curso de vida de jovens em
vulnerabilidade, acolhidos pelo sistema socioeducativo, a fim de identificar
eventos que estejam relacionados com a entrada, permanência e/ou desistência,
específicos da experiência adolescente com a delinquência. Para tanto, foram
utilizados três instrumentos principais: o Plano Individual de Atendimento
(PIA) do adolescente, a Narrativa Memorialística (GUERRA; MOREIRA;
OLIVEIRA; LIMA, 2017) e um survey elaborado pela própria equipe.
Nesse sentido, não nos interessa aqui uma apresentação minuciosa da
pesquisa, o que pode ser verificado nos capítulos iniciais do presente livro,
mas refletir acerca do envolvimento feminino com a criminalidade, conside-
rando especialmente o período da adolescência, a partir do estudo de um caso
que faz parte do escopo dos resultados encontrados no trabalho de campo.
Assim, se faz importante pontuar, desde já, que, dos PIAs que foram utilizados
na pesquisa, apenas 12% eram de jovens do sexo feminino e, dentre os 109
endereços que tentamos localizar territorialmente, foi possível encontrar e
colher a narrativa de duas jovens mulheres.
Entre os pontos de convergência de suas trajetórias, vemos que se tratam
de jovens que não situam o crime como um ponto central de suas narrativas,
estabelecendo com ele uma ligação de difícil análise devido à sua presença

228
enquanto uma ausência, um vazio. De fato, nenhuma das jovens cita seu
envolvimento com o crime durante a narrativa e vemos registrado em seus
respectivos PIAs atos que nos fazem questionar a gravidade das sanções que
receberam, quando comparadas às dos meninos. Diante disso, nos pergunta-
mos acerca do lugar da criminalidade na economia psíquica dessas meninas
e das particularidades a que são submetidas socialmente por pertencerem ao
gênero feminino.
Notadamente, iremos tratar do caso de Lilith, uma jovem parda, pobre,
moradora de periferia urbana e sujeita a todas as implicações que essas carac-
terísticas trazem, como marginalização, preconceito, precocidade, falta de
oportunidades e de perspectivas. Porém, como especificidade, temos que Lilith
residiu com a avó materna, em uma cidade do interior de Minas Gerais, dos 4
aos 12 anos de idade, momento em que realiza uma visita à mãe e decide
morar com ela a partir de então. Das diferenças essenciais entre a convivência
com a mãe e a avó, temos que esta última é apontada pela adolescente como
sendo muito rígida, obrigando-a a ir à escola e a cumprir com seus deveres,
enquanto a primeira passa a maior parte do tempo trabalhando e não consegue
acompanhar seu dia-a-dia de maneira próxima. Além disso, Lilith não mantém
contato com o pai e cuida das duas irmãs menores enquanto a mãe trabalha.
A fim de pensarmos acerca de sua história de vida e dos eventos vin-
culados à sua relação com a criminalidade, faremos um percurso a partir do
relato do caso de Lilith e do que o diferencia dos demais, focando em como
o universal se singulariza e dá origem a um sujeito, individualidade que não
penetra a experiência coletiva. Depois, discorreremos acerca do que há de
mais compartilhado em sua experiência, as condições estruturais de pobreza
e marginalização, as diferenças marcantes entre o envolvimento de homens
e mulheres no crime, concomitantemente ao controle social exercido sobre
as mulheres a partir das instituições, como a família, a escola e o sistema
judiciário. Por fim, a partir da perspectiva da psicanálise freudiana/lacaniana,
iremos refletir sobre as particularidades do feminino e o possível impacto
do seu caráter de não todo – expresso em uma de suas principais facetas, a
histeria – na forma como essas mulheres se inserem no crime.
2. O relato do caso e sua posição enquanto sujeito
Lilith é uma adolescente que reside numa região periférica de Belo Hori-
zonte com sua mãe e outras duas irmãs. Inicia seu relato contando à equipe
que, apesar de ter nascido em Belo Horizonte, passou a maior parte de sua
infância – dos 4 aos 12 anos – na Bahia com a avó materna. Seu pai, que
nessa época residia na mesma cidade, chegou a cuidar dela por três meses, até
que, após um desentendimento, esta acabou retornando à casa da avó. Lilith

nos conta que o pai nunca lhe deu atenção e que seus cuidados sempre foram
desempenhados pela mãe e a avó. Nos conta ainda que sua mãe tinha dezesseis
anos quando ela nasceu e que quatro anos depois essa mãe mudou-se para
Belo Horizonte, deixando-a com a avó, que se sentia muito apegada à neta.
Conta que no outro estado morava no interior e que sua rotina era com-
pletamente diferente da que manteve e mantém na capital mineira. Na “roça”,
como nomeia, tinha que acordar muito cedo, às quatro horas da manhã, para
ir à escola. Já em Belo Horizonte, diz ter se acostumado a acordar tarde, sem
horários fixos para as atividades, o que culminou em duas reprovações na
escola e na posterior alteração de seu período de estudos da manhã para a
noite: “eu não conseguia acordar cedo para ir para a escola de jeito nenhum”
(sic). Estudando à noite, salienta que consegue cuidar das irmãs durante o dia,
enquanto a mãe trabalha, e frequentar a escola ao mesmo tempo. É interes-
sante observar que, para esta mudança de rotina e consequentes reprovações
na escola, ela parece responsabilizar sua mãe, dizendo que se ainda morasse
com sua avó já estaria formada: “eu não estudo igual eu estudava, porque
minha avó fazia eu estudar, me obrigava”.
A adolescente diz ter tido dificuldade para se adaptar à transição cultural,
apontando que sofreu algumas vexatórias por falar “estranho”, com sota-
que. Localiza ainda outras diferenças que aponta como importantes entre seu
passado no meio rural e o presente na cidade: “lá eu não saía, não conhecia
baile funk” (sic) e nos faz pensar sobre a centralidade adquirida pelo processo
de socialização quando se muda para BH e entra na adolescência. Conta de
diversas brigas que teve com a mãe por ela lhe impedir de sair e frequentar
bailes funks, afirmando que já a agrediu várias vezes. Nessa época, chegava
a ficar fora de casa por alguns dias sendo, inclusive, expulsa pela mãe e aco-
lhida por amigos. Essa situação se transformou em constantes movimentos
de expulsão e retorno à casa da mãe, sempre atravessados pelo impedimento
materno às saídas da filha que, para driblar isso, era expulsa e se expulsava
de casa. Ainda nesse período, recebia a incumbência de cuidar da irmã mais
nova enquanto a mãe trabalhava, mas afirma que isso não era empecilho,
pois levava a irmã para as festas. Nesse ponto, seu discurso parece se retificar
ao apontar que deixava a irmã, muito pequena nessa época, com fome: “eu
saía pra rua sem levar nada e a minha irmã com fome” (sic), mas ao mesmo
tempo, ri da situação, e seu tom de voz parece não acompanhar o arrependi-
mento que relata. Nessa época começou a beber e fumar – cigarro, acrescenta.
Conta orgulhosa que nunca usou drogas, lembrando de um tio viciado em
crack que foi assassinado pela parceira, também viciada. Em sua família tem
um “tiquinho de tudo” (sic), desde “viciado” (sic) até “traficante” (sic) e por
esse motivo “sabe um tiquinho de tudo” (sic), o que a fez não ter vontade de
experimentar drogas.

230
Relaciona os momentos em que as brigas com sua mãe diminuíram com

o momento em que começa a sair com amigos que se tornaram “mais amigos
de sua mãe do que dela”, uma vez que ela confiava neles. Relata que é uma
pessoa muito tranquila, que tem facilidade em se relacionar com as pessoas
e que é bem quista por todos. Entretanto, além dos relatos sobre as brigas
com a mãe, conta de relações complicadas também na escola, em que brigava
quando se sentia zombada ou quando sua “paciência acabava” (sic). Em um
desses casos, diz que chegaram ao ponto de levar uma faca para lhe agredir,
mas que a ação foi impedida por outros colegas. Em outra situação, diz ter
agredido uma colega de classe que, segundo a adolescente, costumava fazer
intrigas entre suas amigas. Salienta que essa menina era bem maior do que
ela e ri quando relata que deu uns “tapas na cara dela” (sic). Logo acrescenta
que hoje em dia não briga mais, tem “preguiça” (sic) e “falta de fôlego” (sic),
pois é fumante. Sobre o cigarro, diz que é a única coisa que ainda não con-
seguiu mudar em sua vida, mas que diminuiu muito o uso do tabaco desde
que começou a namorar, pois ele tem feito esse “controle” (sic). Agora fuma
apenas “três vezes por semana” (sic), repetindo que “não faz mais nada de
errado” (sic).
Lilith finaliza seu relato dizendo “um pouquinho grande a minha histó-
ria, né, mas eu já aprontei demais... hoje em dia eu não faço isso mais não”.
O teor dessa afirmação parece estar presente durante todo o relato. Diz que
se arrepende de ter agredido fisicamente sua mãe, de não tê-la escutado em
situações em que pôde verificar, posteriormente, que ela tinha razão e de ter
deixado de cuidar e alimentar sua irmã. Hoje em dia, se descreve como “outra
pessoa”, fazendo tarefas que antes não realizava por “preguiça” (sic), como,
por exemplo, alimentar as irmãs e cozinhar. Além disso, completa que não
tem mais vontade de sair, preferindo ficar em casa com o atual namorado.
Relacionando-se com ele a cerca de seis meses, diz que tem a aprovação da
mãe e que isso tem tornado a relação entre elas mais fácil. Com isso, parece
marcar, durante todo o relato, um “antes” e um “depois” de ter aceitado o
lugar que sua mãe lhe destinava. Neste momento de conformação, as brigas
se amenizam.
Em momento algum, durante todo o relato, é feito qualquer menção ao
ato infracional por parte da adolescente. Quando pedimos para que ela contasse
sobre a sua história de vida, não houve a inclusão do ato infracional como
um momento marcante ou, possivelmente, um ponto de virada. Isso nos traz
diversas questões sobre a relação feminina com a criminalidade que serão
discutidas mais adiante. Quais são os modos femininos de estar no crime? O
crime tem uma centralidade ou acontece paralelamente ao curso de vida? A
criminalidade representa um ponto de traumático ou se trata de apenas mais
um acontecimento secundário?

Diante disso, não aparecendo na fala da adolescente, recorremos ao pro-

cesso do PIA, a fim de verificar sua trajetória e relação com o ato infracional.
Ela conta, através de seu depoimento ao técnico de referência do Socioedu-
cativo que o marcou em seu registro, que se viu envolvida no ato infracional
através de seus amigos. Diz que havia feito alguns novos amigos e que estes
pediram para usar sua casa como ponto de comercialização varejista de drogas
durante a tarde, período em que sua mãe trabalhava. Com o intuito de “ter
conceito com as pessoas” (sic) acabou por permitir. Durante uma perseguição
policial, um desses amigos entra na casa para se esconder e a polícia encon-
tra-o com drogas. Todos da casa são detidos e encaminhados à delegacia. Lilith
diz ainda que não tinha nenhum envolvimento com o comércio varejista de
drogas, que apenas oferecia a casa, e diz se arrepender muito do ocorrido, uma
vez que a situação balançou sua relação com o namorado, que a repreendeu.
3. A socialização feminina e sua relação com o crime
O primeiro ponto que precisamos nos debruçar ao dizermos do envol-

vimento do gênero feminino com a criminalidade é o seu número reduzido,
em comparação ao universo masculino, e as consequências advindas direta
ou indiretamente deste fato, como políticas públicas quase inexistentes para
essa população e a escassez de trabalhos que se relacionam com esse tema. Se
cruzarmos os dados mais recentes do Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (Infopen), que agrega toda a população carcerária do Brasil,
com os dados do Infopen específico da população feminina, temos que as
mulheres representam 5,83% do total de presos no país. Considerando a taxa
de aprisionamento, temos um valor global de 352,6 pessoas presas a cada 100
mil habitantes, em comparação à uma taxa de 40,6 mulheres presas a cada
grupo de 100 mil mulheres (BRASIL, 2017a; BRASIL, 2017b).
Entretanto, não podemos desconsiderar, como apresentado no próprio
Infopen Mulheres (BRASIL, 2017b), que se tratam de dados subnotificados,
uma vez que algumas informações disponibilizadas pelos estabelecimentos
de custódia não apresentam recorte de gênero. Ainda assim, chama a atenção
o alto crescimento do encarceramento feminino nos últimos anos:
Em junho de 2016, a população prisional feminina atingiu a marca de 42

mil mulheres privadas de liberdade, o que representa um aumento de 656%
em relação ao total registrado no início dos anos 2000, quando menos
de 6 mil mulheres se encontravam no sistema prisional [...]. No mesmo
período, a população prisional masculina cresceu 293%, passando de 169
mil homens encarcerados em 2000 para 665 mil homens em 2016 (BRA-
SIL, 2017b, p. 14-15).

232
Ou seja, apesar de ainda se constituir como uma fatia pequena da popu-

lação carcerária nacional, a taxa de aumento da presença feminina nesses
espaços, muito superior à masculina, nos convida a refletir acerca das especi-
ficidades dessa participação. Nesse sentido, podemos observar o compartilha-
mento de algumas características entre os homens e as mulheres presas, como
o perfil estatisticamente mais presente, que se constitui de pessoas jovens,
negras ou pardas, com baixa renda e baixa escolaridade. Entretanto, vemos um
envolvimento maior feminino com o tráfico de drogas, responsável pela prisão
de 3 a cada 5 mulheres (62%), e uma taxa bem menor de encarceramento
por homicídio simples ou qualificado (6%). Entre os homens, temos 26%
de aprisionamento por tráfico e 11% por homicídio. Um dado interessante,
apontado no Infopen Mulheres de 2014 é que a maior parte dessas mulheres
[...] possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas

não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria
dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando
serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias,
sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico (BRA-
SIL, 2014, p. 5).
Muitas mulheres cumprem pena em instituições mistas, mas que foram

construídas a partir das características do público masculino e, diante disso,
são incapazes de observar as necessidades de espaços e serviços destinados
às mulheres. Assim, vemos que apenas 55 unidades em todo o país declara-
ram apresentar cela ou dormitório para gestantes, 14% possuem berçário e/
ou centro de referência materno infantil, para bebês com até 2 anos de idade,
e 3% contam com espaço de creche, apresentando a capacidade para receber,
no máximo, um total de 72 crianças acima de 2 anos (BRASIL, 2017b).
No campo teórico se apresenta uma situação similar à encontrada nos
estabelecimentos penais, com a maior parte das teorias pensadas e desen-
volvidas a partir do envolvimento masculino com a criminalidade. Como
explicitado por Matos e Machado (2012), temos, por um lado, a invisibilidade
das mulheres nos estudos criminológicos, seja como agressora ou vítima, e,
por outro lado, a sua presença desajustada, distorcida a partir dos estereóti-
pos dominantes. Começando a partir das teorias de Lombroso, que veem a
delinquência a partir de um caráter de anormalidade e patologia, até o enfoque
da estrutura social, que dava ao criminoso um status de resistente à ordem
vigente, temos uma ausência de mulheres, tanto no processo de construção,
quanto no conteúdo discutido dessas teorias (ASSIS; CONSTANTINO, 2001).
Surgem, então, contestações, interesses e movimentos iniciais de pers-
pectivas feministas no âmbito da criminologia, tecendo críticas aos discursos

sobre a mulher que comete crimes de forma irracional e heterodeterminada,

ao mesmo tempo em que destacam a sua vitimização, especialmente a sexual
(MATOS; MACHADO, 2012). Como reforça Barcinski (2012), “a ênfase
quase que exclusiva na criminalidade feminina como decorrente de suas rela-
ções afetivas retira o protagonismo e reforça a invisibilidade feminina na
prática de crimes violentos e atividades ilícitas” (p. 53). Entretanto, tal posicio-
namento gera um paradoxo, uma vez que, ao contribuírem para a construção
de uma mulher forte, resistente, consciente de si mesma e autodeterminada,
as teorias feministas parecem colaborar para o incremento de regimes mais
punitivos (MATOS; MACHADO, 2012).
Nesse sentido, temos a noção defendida por alguns autores de que a
mulher seria duplamente desviante e, consequentemente, duplamente estig-
matizada, uma vez que a prática criminal seria uma traição do feminino,
cuja “natureza” é referenciada à domesticidade e à maternidade (COR-
DEIRO, 2017). Ou seja, as mulheres criminosas seriam transgressoras não
somente das leis, ficando em dívida com o aparato jurídico, mas também
iriam contra o seu papel “natural” de mãe, filha e/ou esposa dócil, imposto
pela sociedade patriarcal. Como descrevem Matos e Machado (2012):
[...] por um lado, é socialmente menos esperado que uma mulher cometa
crimes, o que poderá ter como consequência a maior punição de uma
mulher que comete o mesmo tipo de crime que um homem. Por outro
lado, se uma mulher transgride a lei, mas assegura os papéis de gênero
que lhe são convencionalmente exigidos, como a maternidade, pode ser
menos punida do que uma mulher que não o faça (p. 38).
Assim, se faz possível observar como o aparato social impõe às mulhe-

res uma forma de ser e se relacionar no mundo, que acaba sendo introjetada
psiquicamente desde muito cedo e influencia fortemente a visão que têm de
si mesmas. Como exemplo, contamos com a pesquisa de Cordeiro (2017), na
qual uma única presa, de todas as que foram entrevistadas, disse não sentir
vergonha e arrependimento pelos seus crimes, uma vez que havia assassinado
um companheiro violento e abusador. Paralelamente, podemos citar a disser-
tação de Otto (2017), que apresenta que, mesmo quando há o cometimento de
atos infracionais violentos por parte das meninas, estes assumem uma signifi-
cação que não vai contra os papéis tradicionais de gênero. Isto é, as posições
assumidas pelas adolescentes infratoras em situações de prática de violência
são percebidas como legítimas e coerentes com a feminilidade. Segundo a
autora, as meninas se colocam como profissionais do tráfico, responsáveis
por tomadas de decisões violentas; rivais ou esposas na manutenção de rela-
ções heterossexuais monogâmicas; e como sobreviventes, por necessidade,
autodefesa ou proteção de terceiros (OTTO, 2017).

234
Posicionamentos que já apresentam como pano de fundo um contexto

marcado pela pobreza e pela violência. São meninas que estão sujeitas a três
principais formas de discriminação: “gênero, raça e classe social” (ASSIS;
CONSTANTINO, 2001, p. 10) – cujo entrelaçamento dá origem a trajetórias
marcadas por uma vitimização intensa e precoce. “A ocorrência de gravi-
dez na adolescência, uso de drogas, problemas financeiros, abuso sexual e
físico, assim como falta de apoio familiar e falta de perspectiva acadêmica”
(DELL’AGLIO et al., 2005, p. 127), são alguns fatores de risco comumente
presentes nas narrativas de meninas infratoras. Além disso, destaca-se a insta-
bilidade familiar ao longo de suas vidas, predominando o abandono, a rejeição
e a substituição ou ausência de uma ou ambas figuras cuidadoras, o que facilita
a opção pela rua e traz consigo a evasão escolar, a prostituição e o desemprego
(ASSIS; CONSTANTINO, 2001; DELL’AGLIO et al., 2005).
Segundo estudo de Almeida (2006), a violência é um fenômeno recor-
rente na história de vida da mulher presidiária e afeta a construção de sua sub-
jetividade. Paralelamente, em estudo com adolescentes infratoras, Dell’Aglio
et al. (2005) apontam que, apesar dos dados oficiais indicarem um índice de
ocorrência de estupro em apenas 6% das participantes, as entrevistas demons-
traram que esse número pode chegar a um índice de 34% de abuso sexual,
incluindo-se os casos de exploração sexual, gravidez antes dos 14 anos, ser
tocada sexualmente contra a vontade e o estupro propriamente dito. Ou seja,
podemos afirmar que a exposição à violência é um dos fatores determinantes
na relação das meninas e mulheres com o crime, assim como o abandono,
mencionado anteriormente, o padrão de socialização recebido, além da influên-
cia das drogas e de pessoas afetivamente importantes, como os parceiros,
familiares e amigos.
Entretanto, Assis e Constantino (2001) afirmam que o controle social
exercido sobre as mulheres, seu padrão de socialização, é o que melhor explica
o baixo índice de criminalidade feminina e seu distinto perfil. Tal controle
social advém, de maneira mais ampla, a âmbito institucional, a partir de dis-
positivos como a justiça e a mídia, e, mais intimamente, parte também das
relações mais próximas, como no interior da família, da escola e dos grupos
de amigos. Como consequência, haveria uma divisão de esferas, cabendo ao
homem o espaço público e à mulher uma restrição à privação do lar. E, por
trás de toda essa separação de esferas, “está a figura masculina avaliando a
reputação feminina e seu espectro de ação, ao lado da voz feminina, com-
pactuando com a visão dominante” (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 32).
Assim, podemos observar uma dinâmica na qual o homem adulto repre-
senta o primeiro lugar na cadeia de comando e dominação, local que não é
alcançado pelas mulheres, mas estas ainda possuem algum grau de poder, sendo

exercido, além do lar, na comunidade local e em trabalhos de assistência social

e bem-estar. Sua principal atividade ainda é a de cuidadora, de crianças, idosos e
doentes. Atividade e posição social que é transmitida às meninas ainda em tenra
idade, que são obrigadas a reproduzir tarefas doméstico-familiares e a maternar
irmãos, sobrinhos, priminhos. É o que podemos observar no caso de Lilith, aqui
apresentado, no qual esta, desde muito cedo, foi cobrada a ocupar um lugar de
mãe, que cuida, alimenta e tem responsabilidades para com os filhos. Na visão
das autoras: “a obtenção da conformidade feminina é o resultado do processo
de uma educação alienante, que prepara a mulher para perceber o desejo dos
outros e não o seu próprio; que a treina para o casamento, a maternidade e a
dependência” (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 54).
Entretanto, o que as autoras observaram nas adolescentes infratoras, e
que também podemos observar no caso aqui apresentado, foi uma insurreição
contra o papel feminino socialmente estabelecido e, consequentemente, contra
a figura da mãe, que realizava a sua transmissão. Observou-se que as relações
mãe-filha eram calcadas no distanciamento ou no conflito direto, com preva-
lência de sentimentos ambivalentes e pouco diálogo, especialmente de ordem
sexual. A entrada da menina na adolescência marca um momento de ensaios
juvenis, a busca por conquistas no plano ético, intelectual e afetivo-sexual
que mobilizam mães, a partir dos próprios fracassos, e filhas, por não conse-
guirem cumprir com as expectativas maternas. Como resultado, os conflitos
advêm das tentativas de fuga da enorme responsabilidade doméstica que as
mães depositam nas adolescentes, ressaltando-se a recusa destas em assumir
o papel de mãe para os irmãos mais novos (ASSIS; CONSTANTINO, 2001).
Os destinos encontrados para sair desse impasse são dois, ou elas procu-
ram a rua, ou se voltam para a construção de suas próprias casas, nos mesmos
parâmetros da materna. Nas palavras das autoras:
Pode-se constatar que as jovens entrevistadas procuraram, com maior
ou menor intensidade, libertar-se de alguma forma do peso da socialização à
qual estavam sendo submetidas. Entretanto, por não terem respaldo no meio
social nem na dinâmica familiar que lhes possibilitasse esse salto, sem saída
nem opção, elas acabam por incorporar o papel feminino: adotam os antigos
valores e limites, o trabalho, a submissão, introjetam uma baixa autoestima
e vivem os conflitos psicológicos típicos do gênero. A mulher que cada uma
desejaria ser apenas se configura no âmbito da idealização, assim como é
retratada quando se referem à mãe (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 58-59).
Ou seja, temos um processo no qual os limites sociais impostos às mulhe-
res são testados, mas reafirmados diante da escassez de recursos internos e
externos das mães e de suas filhas. Assim como é reafirmada a posição de
dominação masculina, o que podemos perceber a partir do estudo de Cordeiro

236
(2017), que discorre acerca das vantagens de se ter um companheiro fixo

no ambiente de uma prisão feminina. Segundo a autora, além de diminuir a
solidão e a carência emocional, ter um homem ao seu lado dá direito a celas
individuais, tratamento mais respeitoso das outras presas e dos agentes e, até
mesmo, protege contra assédios das detentas mais masculinizadas.
Idealização e apelo ao masculino que começa já na adolescência, com o
próprio desenvolvimento da sexualidade feminina. Para Assis e Constantino
(2001), sonhar com grandes amores muitas vezes se apresenta como uma prio-
ridade para essas meninas, que veem na relação afetiva o ideal de suas vidas,
reafirmando a ausência de planos profissionais ou intelectuais, que integram
trajetórias de afastamentos e defasagens escolares. Assim, consolidam-se
histórias cíclicas, de mães muito jovens, sem recursos suficientes, que veem
suas filhas depositarem suas esperanças no casamento e na maternidade, mas
que logo se veem também sem recursos e sem perspectivas de como encerrar
esse ciclo.
4. A posição feminina e a face da histeria
Para trazer as contribuições da psicanálise para esta discussão será neces-

sário explanar brevemente sobre as diferentes concepções do masculino e
feminino em Freud e Lacan, para então elucidar a hipótese sobre a maneira
particular através da qual as mulheres, em sua maioria, se inserem no crime.
A dificuldade em se utilizar o termo masculino ou feminino sempre
foi uma realidade dentro da psicanálise. Para Freud, o falo é o norteador
da sexualidade, posição que foi, e ainda é duramente criticada por reduzir
a estruturação da sexualidade a uma questão anatômica predeterminada. O
autor pontua que as diferenças emergem na saída do complexo de Édipo que,
na menina, não se dá pelo medo da castração, como acontece com o menino,
e sim a partir da inveja do pênis e do predomínio narcisista. Assim sendo,
a menina tem como consequência a constituição de um supereu “mediano”,
menos fortalecido devido à sua formação, o que explicaria o seu menor des-
taque cultural e dependência em relação aos homens.
Freud também tentou explicar a distinção entre masculino e feminino a
partir do atrelamento a uma posição ativa ou passiva, respectivamente. Isso
foi responsável por inserir a pergunta “o que quer uma mulher?”, a que Freud
responde dizendo que ela quer ser desejada.
Lacan se insere nesta discussão trazendo a dimensão da linguagem. Assim
sendo, faz uma leitura do falo como significante que, muito além de um órgão
sexual, seria o marcador de uma falta, referente do desejo. Desse modo, Lacan
designará a castração simbólica, indicando que há um furo na linguagem, há

falta de ao menos um significante, falta necessária para que a significação —

e, portanto, o desejo — possa se produzir (POLI, 2007).
Lacan elucida a distinção entre os sexos como uma produção sintomática
da neurose que visa encobrir um furo estrutural. Promove, assim, o descola-
mento entre anatomia e significante, possibilitando uma releitura do complexo
de Édipo como estrutura. O feminino e masculino passam, portanto, a fun-
ções que se encarregam de organizar essa estrutura como suportes psíquicos
necessários à constituição dos sujeitos (POLI, 2007).
Para Lacan, está no ato de enunciação do sujeito como homem ou mulher
a sua determinação sexual, ou seja, longe de uma limitação anatômica ou
biológica, a sexualidade está na forma como cada um se reconhece, em um
posicionamento via linguagem. Essa “escolha” por se localizar como homem
ou como mulher se dá a partir dos respectivos tipos de gozos envolvidos em
cada posição.
O gozo masculino é organizado por uma gramática entre regra e exce-
ção. Para se fazer grupo, é necessário que uma exceção perpetue a regra. No
caso do gozo masculino, a exceção à regra da castração seria o pai da horda
primeva, de Freud (1913/1990). Ele é o único que tem acesso ao gozo com
todas as mulheres. Assim sendo, é a identificação com o grupo, do seu reco-
nhecimento como homem perante uma unidade, que permite a cada um deles
fazer gozo. Gozo este que será sempre fálico, limitado pela falta.
Por outro lado, no caso da sexuação feminina, a castração, a função
fálica, incide para todos; não há a exceção para formar a regra, para constituir
o universal. Essa não exceção a uma regra, o que implica na não formação
de grupo, faz com que as mulheres só existam no um a um, se colocando de
uma maneira não toda na ordem simbólica, não toda na função fálica. O gozo
feminino trará, portanto, algo do indizível, um gozo a mais, suplementar, mais
além do gozo fálico.
A forma como a mulher irá lidar com esse gozo a mais, muitas vezes
marcada por uma identificação excessiva com o gozo fálico e consequente
recusa do gozo feminino, poderá dar origem a uma posição histérica. Esta
posição identificada com a falta, com algo que não existe, leva a histérica ao
recalque da castração e à procura constante por um outro não castrado. Para
manter a ilusão de um outro não castrado, a histérica se mantém na missão
de tamponar a falta estrutural, elevando um Outro ao estatuto de mestre, não
castrado, para posteriormente desbancá-lo, apontando sua falta. Antes que
isso gere angústia ou insatisfação, ela logo se volta à construção de um novo
Outro não castrado. Mantém, portanto, um ciclo de insatisfação.
De acordo com Lacan, por não existir um significante que represente o
feminino, tal como há um modo de simbolização do sexo masculino, a Mulher,

238
como grupo universal, não existe. A mulher encontra apenas uma ausência e,
assim, em sua busca por alguém que detenha este significante fálico, na ilusão
de que isto lhe faça Mulher, coloca o seu desejo intimamente relacionado
ao desejo do Outro: “o desejo da histérica não é desejo de um objeto, mas o
desejo de um desejo, um esforço de se manter em frente ao ponto no qual ela
convoca seu desejo, o ponto onde está o desejo do Outro” (LACAN, 1957-
1958/1999). Na busca de satisfazer o desejo do Outro, renunciando seu próprio
desejo, como um sacrifício, a histérica se coloca em um estado de constante
insatisfação, o que implica em uma intensa rede de queixas. Ocupa o lugar
de vítima,
[...] objeto de humilhações, traições, incompreensões e ingratidões, ela

é a bela alma, depositária imerecida de sevícias e desgraças. Oferece-se
como objeto ao olhar e à escuta do Outro, “Olhe ao que me vejo redu-
zida”. “Ouça, se é que pode suportar, o relato de minhas desventuras”
(BRAUNSTEIN, 2007, apud SAMPAIO, 2014, p. 79).
A histérica se priva do gozo feminino, se mantendo em um gozo limitado,

criando uma versão própria do gozo fálico, o que Lacan chamou de gozo da
privação, o gozo de gozar pouco demais. Mantém, com isto, seu desejo insa-
tisfeito e encontra o gozo nesta insatisfação. Para se assegurar de manter seu
desejo insatisfeito e se afastar do gozo feminino, que poderia ser avassalador,
constrói um Outro onipotente e proibidor (NASIO, 1991).
Outro aspecto importante na histeria é sua relação com a mãe. Lacan
chama de devastação o momento em que a menina, decepcionada pelo fato
da mãe não poder lhe dar o que ela deseja, por também faltar a ela, direciona
ao pai sua demanda de falo. Para que isto ocorra, a menina deve se deslocar
do lugar de objeto da mãe que, para isso, deve ser não toda mãe, se dividindo
ao ser mulher. Entretanto, lembrando que o gozo feminino tem sempre um
aspecto suplementar ao gozo fálico, sempre haverá uma parte do desejo da
mãe que não poderá ser significada, um gozo feminino da mãe – desconhecido
– que, ao ser apresentado à menina, causará devastação. Desse modo, tendo a
mulher este gozo a mais, indizível, além da norma fálica, a devastação seria
um ponto inevitável para todo ser feminino.
Ao nos propormos pensar acerca do envolvimento feminino com a cri-

minalidade, partimos do caso de Lilith, uma adolescente que congrega em
sua história, e em sua narrativa, elementos específicos do ser mulher e do
ser criminosa que reverberam na literatura e na perspectiva psicanalítica. A

começar pela forma como o crime se apresenta em sua história de vida de

maneira indireta, nem mesmo sendo mencionado durante a narrativa. Este
foi o ponto de partida das teorias criminais acerca da participação feminina,
discorrendo acerca de uma posição irracional ou heterodeterminada. Porém,
se pensarmos a partir da psicanálise, vemos que a ausência da Mulher, daquela
não castrada capaz de formar um grupo por não ser submetida à norma, faz
com que as mulheres não sejam tão seduzidas pelos significantes mestres que
supostamente lhe trariam poder e status, pois já reconhecem, de antemão, sua
posição enquanto castradas.
No caso de Lilith, percebemos que realmente não se faz presente o apelo
a estes significantes, mas uma luta pela saída do espaço doméstico, uma ten-
tativa a todo custo para retirar-se de casa, ir aos bailes funks, ganhar a rua.
Nesse sentido, o tipo de socialização feminina se constitui como um fator
determinante para essa luta, uma vez que se volta para a transmissão dos
valores de cuidado, obediência e docilidade, com a casa, os irmãos, os idosos
e os doentes. O que não deixa de ocorrer com Lilith, que prefere morar com a
mãe a continuar com a avó numa zona rural, mas, para alcançar esse espaço,
precisa maternar as irmãs mais novas. Diante disso, sabota essa posição ao
deixar as irmãs com fome e reclama seu direito ao espaço público, chegando
até a agredir a mãe fisicamente.
A relação mãe-filha, especialmente no período da adolescência, é comu-
mente marcada por conflitos, pois a primeira precisa rever seus próprios fracas-
sos a vista dos ensaios da filha e, esta última, se sente culpada por não alcançar
as expectativas maternas, mesmo que não tenha recebido o suporte necessário.
Assim como demonstra a psicanálise, a busca pelo falo passa por demandá-lo à
mãe, que não pode dar o que não possui e acaba, dessa forma, apresentando à
filha um gozo não fálico, causador de devastação. Pensando no caso de Lilith,
nos perguntamos acerca das limitações de sua mãe, que parece ter tido também
um movimento de recusa à maternidade ao lhe deixar com a avó e que se vê
às voltas agora com as demandas da filha, mas que não é capaz de atender.
O que nos leva às saídas possíveis dos conflitos maternos, do tipo de
socialização recebida, do tornar-se mulher, e nos deparamos com o apelo ao
masculino, ao Outro onipotente e privador. É o que nos remete o final da nar-
rativa de Lilith, que aponta como a presença do namorado a fez não ter tanto
desejo pela rua e como melhorou a sua relação com a mãe e com as irmãs, já
que agora não se ressente tanto de ter que cuidar delas. Isto é, podemos pensar
que, a partir da estrutura histérica, temos um gozo que advém da privação, do
manter-se insatisfeita. Talvez a peça final para um ciclo de tornar-se mulher
que recomeça com cada menina.

240
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CHAPTER 7
THE FEMALE POSITION AND
THEIR (NON) INVOLVEMENT
WITH CRIME: Lilith’s case
1. Introduction
This paper continues the reflections and analysis of the results of the
research “Life course and delinquency trajectory: an exploratory study of the
events and narratives of vulnerable young people”, funded by the Institute of
Transdisciplinary Advanced Studies of the Federal University of Minas Gerais
(Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinar da Universidade Federal
de Minas Gerais, IEAT/UFMG). This research, as its name implies, aimed to
investigate, from the transdisciplinarity between Sociology, Psychoanalysis,
Law, Education and Health, the life course of young people in vulnerability,
welcomed by the socio-educational system, in order to identify events that
are related to entry, stay and/or dropout, specific to the adolescent experience
with delinquency. For this, three main instruments were used: the Adolescent
Individual Care Plan (Plano Individual de Atendimento, PIA), the Narrative
Memoir method (GUERRA et al., 2017) and a survey prepared by the team.
In this sense, we are not interested in a thorough presentation of the
research, which can be verified in the opening chapters of this book, but reflect
on the female involvement with crime, especially considering the period of
adolescence, from a case study that it`s part of the scope of the results found
in the fieldwork. Thus, it is important to point out that, out of the PIAs that
were used in the research, only 12% were young female and, among the 109
addresses we tried to locate, it was only possible to find and collect the nar-
rative of two young women.
Among the points of convergence of their trajectories, we see that they
are young people who do not situate crime as a central point of their narratives,
establishing a connection that is difficult to analyze due to their presence as
an absence, a void. In fact, none of the young women cite their involvement

244
with the crime during the narrative and we see in their respective PIAs acts
that make us question the severity of the sanctions they received when com-
pared to the boys. Given this, we ask about the place of crime in the psychic
economy of these girls and the particularities to which they are socially sub-
jected because they belong to the female gender.
Notably, we will deal with the case of Lilith, a black, poor, urban dweller
who is subject to all the implications these characteristics bring, such as
marginalization, prejudice, precocity, lack of opportunities and perspectives.
However, as specificity, we have that Lilith lived from 4 to 12 years old with
her maternal grandmother, in a city in the interior of Minas Gerais, eventu-
ally she visits her mother and decides to live with her from then on. Of the
essential differences between living with mother and grandmother, we have
that the latter is pointed out by the teenager as being very rigid, forcing her
to go to school and to perform her duties, while the former spends most of
her time working and can’t follow your day to day closely. In addition, Lilith
does not maintain contact with her father and takes care of the two younger
sisters while her mother works.
In order to think about her life story, and the events linked to her relation-
ship with criminality, we will walk from the account of Lilith’s case and what
differentiates it from others, focusing on how the universal is singularized and
gives origin to a subject, individuality that does not penetrate the collective
experience. We will then discuss what is most shared in his experience, the
structural conditions of poverty and marginalization, the striking differences
between the involvement of men and women in crime, concurrently with
the social control exercised over women from institutions such as family,
school and the judiciary. Finally, from the perspective of Freudian/Lacanian
psychoanalysis, we will reflect on the particularities of the feminine and the
possible impact of her not-all character – expressed in one of its main facets,
hysteria – in the way these women fit in with crime.
2. The case report and its position as subject
Lilith is a teenager who lives in a peripheral region of Belo Horizonte

with her mother and two other sisters. She begins her report by telling the team
that despite being born in Belo Horizonte, she spent most of her childhood –
from 4 to 12 years – in Bahia with her maternal grandmother. Her father, who
at that time resided in the same city, took care of her for three months, until
after a disagreement, she eventually returned to her grandmother’s house.
Lilith tells us that her father never paid her attention and that her care was
always performed by her mother and grandmother. She also tells us that her

mother was sixteen when she was born and that four years later this mother
moved to Belo Horizonte, leaving her with her grandmother, who was very
attached to her granddaughter.
She says that in the other state she lived in the countryside and that her
routine was completely different from the one she kept and maintains in the
capital. In “the farm”, as she calls it, she had to get up very early, at four in
the morning to go to school. In Belo Horizonte, she says she was used to wak-
ing up late, without fixed hours for the activities, which culminated in two
failures in school and the subsequent change of her morning study period:
“I could not wake up early to go to school, no way”. Studying at night, she
points out that she can take care of her sisters during the day while her mother
works and attend school at the same time. It is interesting to note that, for
this routine change and consequent failures in school, she seems to blame her
mother, saying that if she still lived with her grandmother, she would have
already graduated: “I don’t study like I did, because my grandmother made
me study, obliged”.
The teenager says she had difficulty adapting to the cultural transition,
pointing out that she suffered some vexation for speaking “strange”, with
an accent. She also finds other differences that she points out as important
between her past in the countryside and the present in the city: “there I didn’t
go out, I didn’t know baile funk” and makes us think about the centrality
acquired by the process of socialization when moving to BH and entering
adolescence. She tells of several fights she had with her mother for preventing
her from going out and attending bailes funks, claiming that she has assaulted
her several times. At that time, she was even away from home for a few days
and was even expelled by her mother and welcomed by friends. This situation
became constant movements of expulsion and return to the mother’s house,
always crossed by the maternal impediment to the exits of the daughter who,
to circumvent this, was expelled and expelled herself from home. Still during
this period, she was charged with taking care of her younger sister while her
mother worked, but states that this was no obstacle, as she took her sister to
the parties. At this point, her speech seems to be rectified by pointing out that
she was leaving her very young sister hungry at the time: “I went out without
taking anything and my sister hungry”, but at the same time, laughs at the
situation, and her tone does not seem to accompany the regret she reports.
At that time she started drinking and smoking – cigarettes, she adds. She is
proud to say she never used drugs, remembering a crack addict uncle who
was murdered by his addicted partner. In her family she has a “little bit of
everything”, from “addicted” to “drug dealer” and for this reason “knows a
little bit of everything”, which made her unwilling to try drugs.

246
She lists the times when fights with her mother have lessened with the
moment she start hanging out with friends who have become “more friends
with her mother than with herself” since she trusted them. She reports that
she is a very quiet person, who has an easy relationship with people and who
is well liked by all. However, in addition to reports of fights with her mother,
she also reports complicated relationships at school, where she fought when
she felt mocked or when her “patience was over”. In one of these cases, she
says that they have reached the point of carrying a knife to beat her, but the
action has been prevented by other colleagues. In another situation, she says
she assaulted a classmate who, according to the teenager, used to intrigue
among her friends. She points out that this girl was much bigger than her and
laughs when she reports that she slapped her in the face. She adds that nowa-
days she no longer fights, she has “laziness” and “breathlessness”, because
she is a smoker. About smoking, she says that is the only thing that has not
managed to change in her life, but has greatly reduced the use of tobacco since
she began dating, because he has made this “control”. Now she only smokes
“three times a week”, repeating that “she does nothing wrong”.
Lilith concludes her story by saying “My story is a bit long, right, but
I’ve already done too much... nowadays I don’t do that anymore”. The content
of this statement seems to be present throughout the report. She says that she
regrets having physically assaulted her mother, not having listened to her in
situations in which she could later find out that she was right, and having failed
to care for and feed her sister. Nowadays, she describes herself as “someone
else”, doing chores she previously did not perform as “laziness”, such as feed-
ing her sisters and cooking. In addition, she adds that she no longer wants to
go out, preferring to stay home with her current boyfriend. Relating to him
about six months ago, she says he has her mother’s approval and that has made
their relationship easier. With that, it seems to mark, throughout the story, a
“before” and “after” having accepted the place her mother intended for her.
In this moment of conformation, the fights soften.
At no time throughout the report is any mention made of the offending
act by the adolescent. When we asked her to tell about her life story, there was
no inclusion of the offense as a landmark moment or possibly a turning point.
This brings us to several questions about the female relationship to crime that
will be discussed later. What are the female ways of being in crime? Does
crime have a centrality or does it happen in parallel to the course of life?
Does crime represent a traumatic point or is it just another secondary event?
Therefore, not appearing in the adolescent’s speech, we resorted to
the PIA process in order to verify her trajectory and relationship with the
offense. She tells, through her testimony to the reference technician of the

Socio-educational who marked it in her record, that she was involved in the
infraction through her friends. She says she had made some new friends and
asked them to use her home as a retail drug dealer during the afternoon when
her mother worked. In order to “have concept with people” eventually allowed.
During a police chase, one of these friends enters the house to hide and the
police found him with drugs. Everyone in the house was detained and sent to
the police station. Lilith also says that she had no involvement with the sale of
illegal drugs, which only offered the house, and says she regrets a lot because
the situation shook her relationship with her boyfriend, who scolded her.
3. Female socialization and its relationship to crime
The first point we need to address when it comes to the involvement of

women with crime is their reduced number compared to the male universe,
and the consequences arising directly or indirectly from this fact, as almost
nonexistent public policies for this population and scarcity of works that
relate to this theme. If we compare the most recent data from the National
Survey of Penitentiary Information (Levantamento Nacional de Informa-
ções Penitenciárias, Infopen), which aggregates the entire prison population
in Brazil, with the Infopen data specific to the female population, we have
women representing 5.83% of the total prisoners in the country. Considering
the arrest rate, we have an overall figure of 352.6 people arrested per 100,000
inhabitants, compared to a rate of 40.6 women arrested per 100,000 women
(BRASIL, 2017a; BRASIL, 2017b).
However, we cannot disregard, as presented in Infopen Mulheres itself
(BRASIL, 2017b), that these are underreported data, since some information
provided by the custodial establishments does not have gender focus. Still, the
high growth of female incarceration in recent years draws attention:
In June 2016, the female prison population reached 42,000 women

deprived of their liberty, an increase of 656% over the total recorded in the
early 2000s, when fewer than 6,000 women were in prison [...]. In the same
period, the male prison population grew by 293%, from 169,000 incarcer-
ated men in 2000 to 665,000 men in 2016 (BRASIL, 2017b, p. 14-15).
In other words, although it is still a small part of the national prison

population, the rate of increase of female presence in these spaces, much
higher than male, invites us to reflect on the specificities of this participation.
In this sense, we can observe the sharing of some characteristics between
imprisoned men and women, such as the most statistically present profile,
which consists of young people, black or brown, with low income and low

248
education. However, we see greater female involvement with drug trafficking,

which is responsible for the arrest of 3 out of 5 women (62%), and a much
lower rate of incarceration for simple or qualified homicide (6%). Among
men, we have 26% imprisonment for trafficking and 11% for murder. An
interesting finding from Infopen Mulheres 2014 is that most of these women
[...] are criminally bound for involvement in drug trafficking unrelated to

the largest networks of criminal organizations. Most of these women play
a supporting role in crime, carrying out drug transport services and small
businesses; many are users, with few engaged in trafficking management
activities (BRASIL, 2014, p. 5).
Many women serve sentences in mixed institutions, but they are built
on the characteristics of the male audience and are unable to meet the needs
of spaces and services for women. Thus, we see that only 55 units across the
country reported having a cell or dormitory for pregnant women, 14% have
a nursery and/or maternal referral center for babies up to 2 years old, and 3%
have daycare space, presenting the capacity to receive a maximum of 72
children over 2 years old (BRASIL, 2017b).
The theoretical field presents a similar situation to that found in penal
establishments, with most of the theories thought and developed from the male
involvement with crime. As explained by Matos and Machado (2012), we have,
on the one hand, the invisibility of women in criminological studies, whether as
an aggressor or victim, and, on the other, their maladjusted presence, distorted
from the dominant stereotypes. Starting from Lombroso’s theories, which see
delinquency from a character of abnormality and pathology, to the focus on
social structure, which gave the criminal a resistant status to the prevailing
order, we have an absence of women both in the construction process and in
the content discussed of these theories (ASSIS; CONSTANTINO, 2001).
In this way, there are initial contests, interests and movements of femi-
nist perspectives in the field of criminology, criticizing the discourses about
women who commit crimes in an irrational and heterodeterminate manner,
while highlighting their victimization, especially sexual (MATOS; MACH-
ADO, 2012). As Barcinski (2012, p. 53) reinforce, “[…] the almost exclusively
emphasis on female crime as a result of their affective relationships removes
the protagonism and reinforces female invisibility in the practice of violent
crime and illicit activities”.
However, such a position generates a paradox, since, by contributing
to the construction of a strong, resilient, self-conscious and self-determined
woman, feminist theories seem to contribute to the increase of more punitive
regimes (MATOS; MACHADO, 2012).

In this sense, we have the notion defended by some authors that women
would be doubly deviant and, consequently, doubly stigmatized, since the
criminal practice would be a betrayal of the feminine, whose “nature” is ref-
erenced to domesticity and motherhood (CORDEIRO, 2017). That is, criminal
women would not only be transgressors of the laws, beholden to the legal
apparatus, but would also go against their “natural” role as a docile mother,
daughter and/or wife imposed by patriarchal society. As described by Matos
and Machado (2012):
[...] on the one hand, a woman is less socially expected to commit crimes,
which may result in greater punishment of a woman who commits the same
type of crime as a man. On the other hand, if a woman violates the law but
assures the conventionally required gender roles such as motherhood, she
may be less punished than a woman who does not (p. 38).
Thus, it is possible to observe how the social apparatus imposes on

women a way of being and relating in the world, which ends up being psy-
chically introjected from an early age and strongly influences their view of
themselves. As an example, we rely on the research by Cordeiro (2017),
in which a single female prisoner of all those interviewed said she was not
ashamed and regretful of her crimes, since she had murdered a violent and
abusive companion. At the same time, we can mention Otto’s dissertation
(2017), which presents that even when girls commit violent offenses, they
assume a meaning that does not go against traditional gender roles. That is,
the positions taken by the offending adolescents in situations of violence are
perceived as legitimate and consistent with femininity. According to the author,
girls place themselves as trafficking professionals, responsible for violent
decision-making; rivals or wives in maintaining monogamous heterosexual
relationships; and as survivors, out of necessity, self-defense or protection of
others (OTTO, 2017).
Positions that already present as a backdrop a context marked by poverty
and violence. They are girls who are subject to three main forms of discrimi-
nation: “gender, race and social class” (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p.
10) – whose intertwining gives rise to trajectories marked by intense and
early victimization. “The occurrence of teenage pregnancy, drug use, financial
problems, sexual and physical abuse, as well as lack of family support and
lack of academic perspective” (DELL’AGLIO et al., 2005, p. 127), are some
factors commonly present in the narratives of offending girls. In addition,
there is family instability throughout their lives, predominating abandon-
ment, rejection and substitution or absence of one or both caregiving figures,
which facilitates the option for the street and brings about school dropout,

250
prostitution and unemployment (DELL’AGLIO et al., 2005; ASSIS; CON-

STANTINO, 2001).
According to a study by Almeida (2006), violence is a recurring phe-
nomenon in the life history of female prisoners and affects the construc-
tion of their subjectivity. In parallel, in a study with offending adolescents,
Dell’Aglio et al. (2005) point out that while official data indicate a rate of
rape occurrence in only 6% of participants, interviews have shown that this
number can reach a rate of 34% of sexual abuse, including cases of sexual
exploitation, pregnancy before age 14, being sexually touched against will
and rape itself. That is, we can state that exposure to violence is one of the
determining factors in the relationship of girls and women with crime, as well
as the abandonment, mentioned above, the pattern of socialization received,
in addition to the influence of drugs and affectionately important people, as
partners, family and friends.
However, Assis and Constantino (2001) state that the social control exer-
cised over women, their pattern of socialization, is what best explains the low
rate of female crime and its distinct profile. Such social control comes more
broadly from the institutional level, through devices such as justice and the
media, and, more intimately, also part of closer relationships, such as within
the family, school and groups of friends. As a consequence, there would be
a division of spheres, with the public space being the man, and the woman a
restriction on the deprivation of the home. And behind all this separation of
spheres, “is the male figure evaluating the female reputation and its spectrum
of action, alongside the female voice, condoning the dominant view” (ASSIS;
CONSTANTINO, 2001, p. 32).
Thus, we can observe a dynamic in which the adult man represents the
first place in the chain of command and domination, a place that is not reached
by women, but they still have some degree of power, being exerted, besides
the home, in the local community, in welfare and welfare work. Her main
activity is still that of caregiver, children, elderly and sick ones. Activity and
social position that is transmitted to girls at an early age, who are required to
reproduce household tasks and maternal brothers, nephews, cousins. This is
what we can observe in the case of Lilith, presented here, who, from an early
age, was charged with taking a mother’s place, who cares, feeds, and has
responsibilities to her children. According to the authors, “achieving female
conformity is the result of the process of an alienating education that prepares
women to realize the desire of others and not their own; that trains her for mar-
riage, motherhood and dependence” (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 54).
However, what the authors observed in the offending adolescents, and
which we can also observe in the case presented here, was an insurrection

against the socially established female role and, consequently, against the
mother figure, who performed its transmission. It was observed that mother-
daughter relations were based on distance or direct conflict, with a prevalence
of ambivalent feelings and little dialogue, especially of a sexual nature. The
entry of the girl in adolescence marks a moment of youth rehearsals, the search
for achievements on the ethical, intellectual and affective-sexual level that
mobilize mothers, from their own failures, and daughters, for failing to meet
maternal expectations. As a result, the conflicts stem from attempts to escape
the enormous domestic responsibility that mothers place on adolescents, high-
lighting their refusal to assume the role of mother to younger siblings (ASSIS;
CONSTANTINO, 2001).
The destinations found to break this impasse are two, either they seek
the street, or turn to building their own homes, in the same parameters as the
maternal. In the words of the authors:
It can be seen that the interviewed young women sought, to a greater or

lesser extent, to free themselves in some way from the weight of sociali-
zation to which they were being subjected. However, because they have
no support in the social environment or family dynamics that would allow
them to make this leap, with no way out or option, they eventually incor-
porate the feminine role: they adopt the old values and limits, work, sub-
mission, introject a low self-esteem and live the psychological conflicts
typical of the genre. The woman that each one would like to be is only
within the scope of idealization, as portrayed when referring to the mother
(ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 58-59).
That is, we have a process in which the social limits imposed on women
are tested, but reaffirmed in the face of the scarcity of internal and external
resources of mothers and their daughters. As the position of male domination
is reaffirmed, what can be seen from the study by Cordeiro (2017), which
discusses the advantages of having a steady partner in the environment of a
female prison. According to the author, in addition to reducing loneliness and
emotional neediness, having a man by your side entitles you to individual cells,
more respectful treatment of other prisoners and agents, and even protects
against harassment of the most masculine detainees.
Idealization and appeal to the male that begins in adolescence, with the
very development of female sexuality. For Assis and Constantino (2001),
dreaming of great love is often presented as a priority for these girls, who see
in the affective relationship the ideal of their lives, reaffirming the absence of
professional or intellectual plans that integrate trajectories of distances and
lags school. Thus, cyclical stories are consolidated, of very young mothers,

252
without sufficient resources, who see their daughters placing their hopes in
marriage and motherhood, but who soon see themselves also without resources
and with no prospects for how to end this cycle.
4. The feminine position and the face of the hysteria
To bring the contributions of psychoanalysis to this discussion it will

be necessary to briefly explain about the different conceptions of masculine
and feminine in Freud and Lacan, so as to elucidate the hypothesis about the
particular way in which women, for the most part, insert themselves in crime.
The difficulty in using the term masculine or feminine has always been a real-
ity within psychoanalysis. For Freud, the phallus is the guiding principle of
sexuality, a position that has been, and still is, heavily criticized for reducing
the structuring of sexuality to a predetermined anatomical issue. The author
points out that differences emerge from the Oedipus complex, which, in the girl,
is not due to the fear of castration, as happens to the boy, but from the envy of
the penis and the narcissistic dominance. Thus, the girl has the consequence of
the constitution of a “medium” super ego, less fortified due to her formation,
which would explain her lower cultural prominence and dependence on men.
Freud also attempted to explain the distinction between masculine and
feminine by attaching to an active or passive position, respectively. This was
responsible for inserting the question “what does a woman want?”, which
Freud answers by saying that she wants to be desired.
Lacan is inserted in this discussion bringing the dimension of language.
Thus, it makes a reading of the phallus as significant that, far beyond a sexual
organ, would be the marker of a lack, referent of desire. Thus, Lacan will
designate symbolic castration, indicating that there is a hole in language, there
is a lack of at least one signifier, a necessary lack for meaning – and therefore
desire – to be produced (POLI, 2007).
Lacan elucidates the distinction between the sexes as a symptomatic
production of neurosis that seeks to cover a structural hole. It thus promotes
the detachment between anatomy and signifier, enabling a re-reading of the
Oedipus complex as a structure. The feminine and masculine, therefore, go to
the functions that are in charge of organizing this structure as psychic supports
necessary for the constitution of the subjects (POLI, 2007).
For Lacan, it is in the act of enunciation of the subject as male or female
his sexual determination, that is, far from an anatomical or biological limita-
tion, sexuality is in the way each one recognizes himself, in a position via
language. This “choice” for locating as a man or a woman comes from the
respective types of jouissance involved in each position.

Male jouissance is organized by a grammar between rule and exception.

To make a group, an exception must perpetuate the rule. In the case of male
jouissance, the exception to the castration rule would be Freud’s (1913/1990)
father of the primeval horde. He is the one who has access to jouissance with
all women. Thus, it is the identification with the group of its recognition as a
man before a unity that allows each one of them to the jouissance. Jouissance
that will always be phallic, limited by lack.
On the other hand, in the case of female sexuation, castration, the phallic
function, affects everyone; there is no exception to form the rule, to constitute
the universal. This non-exception to a rule, which implies non-group forma-
tion, causes women to exist only in one by one, placing themselves not entirely
in the symbolic order, not all in the phallic function. Feminine jouissance will
therefore bring something of the unspeakable, an additional, supplementary
jouissance, beyond the phallic jouissance.
How a woman will deal with this extra jouissance, often marked by
overidentification with phallic jouissance and the consequent refusal of female
jouissance, may give rise to a hysterical position. This position identified with
the lack, with something that does not exist, leads the hysteric to the repres-
sion of castration and the constant search for another uncastrated. In order
to maintain the illusion of an uncastrated other, the hysteric remains on the
mission of buffering the structural fault, elevating an Other to the status of
an uncastrated master, and then overthrowing it, pointing out its lack. Before
this generates distress or dissatisfaction, she soon turns to building a new
uncastrated Other. It therefore maintains a cycle of dissatisfaction.
According to Lacan, because there is no signifier that represents the
feminine, just as there is a mode of symbolization of the male, the Woman, as
a universal group, does not exist. Woman finds only an absence, and thus, in
her search for someone who holds this phallic signifier, in the illusion that this
makes her Woman, puts her desire closely related to the desire of the Other:
“the desire of the hysterical is not the desire of an object, but the desire for
a desire, an effort to stand in front of the point at which it calls its desire, the
point where the desire of the Other is” (LACAN, 1957-1958/1999). In seek-
ing to satisfy the Other’s desire, renouncing her own desire as a sacrifice, the
hysteric puts herself in a state of constant dissatisfaction, which implies an
intense network of complaints. She occupies the place of victim,
[...] object of humiliation, betrayal, misunderstanding and ingratitude,

she is the beautiful soul, undeserved depository of mischief and misfor-
tune. It offers itself as an object when looking and listening to the Other,
“Look at what I see reduced”. “Listen, if you can bear it, the account of
my misfortunes” (BRAUNSTEIN, 2007 apud SAMPAIO, 2014, p.79).

254
The hysteric deprives herself of female enjoyment, keeping to a limited

enjoyment, creating a version of phallic enjoyment of her own, which Lacan
called the enjoyment of privation, the enjoyment of enjoying too little. With
this, she maintains her unfulfilled desire and finds joy in this dissatisfaction.
To be sure to keep her desire unfulfilled and to move away from overwhelm-
ing feminine enjoyment, she builds an omnipotent and forbidding Other
(NASIO, 1991).
Another important aspect in hysteria is its relationship with the mother.
Lacan calls devastation the moment when the girl, disappointed that her
mother cannot give her what she wants, because she also lacks it, directs for
her father the demand for phallus. For this to happen, the girl must move from
the place of object of the mother who, for this, must be not all mother, dividing
when being a woman. However, remembering that feminine jouissance always
has a supplementary aspect to phallic jouissance, there will always be a part
of the mother’s desire that cannot be signified, a feminine jouissance of the
mother – unknown – which, when presented to the girl, will cause devasta-
tion. Thus, having the woman this extra, unspeakable jouissance beyond the
phallic norm, devastation would be an inevitable point for every female being.
5. Final remarks
In proposing to think about women’s involvement with crime, we start

from the case of Lilith, a teenager who brings together in her story and narra-
tive specific elements of being a woman and a criminal being that reverberate
in literature and the psychoanalytic perspective. Starting with the way crime
presents itself in her life story indirectly, not even being mentioned during
the narrative. This was the starting point of criminal theories about female
participation, discussing an irrational or heterodetermined position. However,
if we think from psychoanalysis, we see that the absence of the Woman, the
non-castrated woman who can form a group because she is not subjected
to the norm, makes women not so seduced by the significant masters who
would supposedly bring her power and status, since they already recognize
her position while castrated.
In the case of Lilith, we realize that the appeal to these signifiers is not
really present, but a struggle to get out of the domestic space, an all-out attempt
to leave home, go to the bailes funks, to win the street. In this sense, the type
of female socialization constitutes a determining factor for this struggle, since
it turns to the transmission of the values of care, obedience and docility, with
the house, the brothers, the elderly and the sick ones. This is true of Lilith,
who prefers to live with her mother rather than stay with her grandmother in a

rural area, but to reach that space, she needs to mother the younger sisters. As
a result, she sabotages this position by making her sisters hungry and claims
her right to public space, even physically assaulting her mother.
The mother-daughter relationship, especially in adolescence, is often
marked by conflict, as the former needs to review its own failures in view
of the daughter’s essays, and the latter feels guilty for not meeting maternal
expectations, even if she does not received the necessary support. As psy-
choanalysis demonstrates, the pursuit of the phallus involves demanding it
from the mother, who cannot give what she does not have, and thus presents
her daughter with a non-phallic jouissance that causes devastation. Think-
ing about Lilith’s case, we wonder about the limitations of her mother, who
seems to have also had a movement to refuse motherhood leaving her with
her grandmother and is now grappling with the demands of her daughter, but
is not able to answer.
Which leads us to the possible ways out of maternal conflicts, the kind
of socialization they have received, of becoming a woman, and we are faced
with the appeal to the masculine, the omnipotent and depriving Other. This is
what brings us to the end of Lilith’s narrative, which points out how her boy-
friend’s presence made her not so keen for the street and how her relationship
with her mother and sisters improved, as she doesn’t resent so much now to
take care of them. That is, we may think that from the hysterical structure we
have a joy that comes from deprivation, from being dissatisfied. Perhaps the
final piece to a cycle of becoming a woman that starts over with every girl.

256
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CAPÍTULO 8
TRAJETÓRIAS SOCIAIS E
IMPLICAÇÕES INCONSCIENTES:
escutando mães de jovens infratores
1. Introdução
Esse estudo foi desenvolvido a partir de narrativas de mulheres mães de

jovens com um longo percurso no sistema socioeducativo. Jovens que inicia-
ram alguma atividade infracional ainda na pré-adolescência e hoje cumprem
pena no sistema prisional por reincidirem no circuito de crimes, consolidando
carreira criminal. Buscamos, por meio dessas narrativas, estabelecer uma
discussão que considere o relato dessas mulheres como eixo central demons-
trando como essa experiência da criminalidade e seus atravessamentos impac-
tam suas vidas e a vida familiar, bem como suscita questões que concernem
a divisão mãe/mulher.
Assim, buscamos problematizar alguns desses desafios enfrentados por
essas famílias tanto da ordem da realidade objetiva com apontamentos da
sociologia quanto de ordem subjetiva por meio da psicanálise. Essas duas
áreas do conhecimento se colocaram a trabalho de forma transdisciplinar
no desenvolvimento da pesquisa “Curso de vida e trajetória delinquencial:
um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de
vulnerabilidade”1 e nesse artigo fazemos um recorte delimitado pelo desejo
de algumas mães de serem ouvidas. Essa demanda se apresentou por ocasião
da execução de coleta de narrativas na fase de campo de pesquisa. Em visita
às suas casas e diante da impossibilidade de acesso aos jovens por estarem
reclusos, são suas mães que demandam ser ouvidas: “Eu também gostaria de
falar” (sic).
1 IEAT/UFMG (2017). Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas
de jovens em situação de vulnerabilidade. Belo Horizonte, Edital 2017 do Instituto de Estudos Avançados
Transdisciplinares Universidade Federal de Minas Gerais, IEAT/UFMG.

260
De certo que não havíamos planejado ouvir os familiares ou mães dos

jovens envolvidos na pesquisa, no entanto, fomos interpelados por elas. O
acaso se colocou para o grupo de pesquisa, que poderia tê-lo recusado, mas
face à importância da contingência na metodologia de pesquisa orientada
pela psicanálise, sempre determinada pela experiência do inconsciente, nessa
interface com a sociologia não havia motivos para recuar diante da demanda
desses sujeitos. Dessa maneira, alguns pesquisadores aceitaram escutar essas
mães a partir de algumas questões articuladas ao binômio proteção/desprote-
ção. Aqui destacamos, especialmente, a premissa do Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990) – ECA – em relação às famílias e às condições
que podem, ou não, oferecer aos seus filhos em relação a essa fórmula da
proteção/desproteção.
Em quais condições reconhecemos ações, situações, narrativas e cená-
rios de proteção ou desproteção da juventude? Para além da convocação
das políticas públicas de atenção a esse público, como a mãe, com todas as
implicações subjetivas, estaria em posição de responder ao apelo da proteção a
esses jovens como propõe a política estatal? De quem essas mulheres querem
de fato falar quando pedem a palavra?
Considerando estas questões, trabalhamos com duas narrativas de mulhe-
res, mães de jovens em conflito com a lei, orientando nossa escuta para reco-
lher, nos fragmentos das narrativas, os gestos, ações, palavras ou a ausência de
toda expressão dessas mães em direção a seus filhos. As narrativas não serão
reproduzidas aqui em sua íntegra porque priorizamos as discussões e o debate
essencial que aborda o reconhecimento das singularidades – campo psi – em
relação com as políticas públicas, de caráter universal, assim como a situação
objetiva de vulnerabilidade na qual, em geral, essas famílias se encontram.
No entanto, em todas as análises desenvolvidas aqui estas mulheres se farão
presentes, bem como suas famílias em relação com o campo social.
A família é vista pelas políticas públicas como vetor e garantia de conti-
nuidade das ações do estado que visam a população infanto-juvenil. As políti-
cas públicas desenvolvidas dentro da lógica do Estado para atender crianças e
adolescentes têm na família, invariavelmente, uma parceira inexorável, afinal,
ainda é a família a principal garantidora de proteção e desenvolvimento das
crianças em termos de saúde e afeto. Portanto, é por meio da família que as
políticas de qualquer setor acessam as crianças e alcançam seus objetivos.
Nos documentos oficiais como o ECA ou no Sistema Nacional de Aten-
dimento Socioeducativo – SINASE (BRASIL, 2006), que nesse trabalho nos
interessam particularmente, a família ou os “pais ou responsáveis” são citados
inúmeras vezes. Sempre na perspectiva do direito do adolescente de ter ao
seu lado uma referência familiar durante o desenrolar de todo o processo.

No entanto, constatamos a partir da experiência profissional e de pesquisas

realizadas pelos autores desse artigo que, quando lemos “famílias” nos textos
oficiais, na prática, compreendemos que se trata de uma referência às mães.
São as mães (avós, madrinhas, tias e irmãs) que, geralmente, respondem à con-
vocação da justiça e se alinham ao projeto socioeducativo dos adolescentes que
chegam na barra da lei. Raramente os homens, pais ou similares, são vistos nos
corredores dos órgãos de justiça ou nos equipamentos da Assistência Social2.
Esse apelo que as sociedades patriarcais fazem à maternagem, e que
corresponde ao exercício do cuidado e do acolhimento sempre tão associados
ao estereótipo feminino, nem sempre se sustenta. Existem situações e casos
em que a função materna não coincide com a figura da mãe. Na realidade, há
mesmo situações em que ela assume ares de devastação denunciando o vazio
que essas mulheres buscam disfarçar em relação a suas próprias vivências
femininas. Afinal, a experiência da maternidade é sempre atravessada por
algum discurso paralelo a ela mesma, tal como o discurso religioso, o científico
(biomédico ou psicológico), o jurídico ou outro. Por isso mesmo, enfrenta
resistência por parte do discurso hegemônico, contrário à ideia de produções
singulares de maternidades.
Atualmente, ser mãe também significa responder a um discurso técni-
co-jurídico que produz reverberações sociais que vão desde a culpabilização
pela produção da criminalidade e violência na sociedade ao envolvimento
compulsório dessas mulheres em processos de controle social, que “é delegado
a essas famílias e é reconhecido como controle social informal, caracteri-
zado, particularmente, pela internalização dos valores e normas decorrente
do processo de socialização” (AMORIM; CASTRO, 2018, p. 9). A seguir
tentaremos estabelecer um pouco das coordenadas sociológicas que, com
alguma frequência, constituem o contexto dessas famílias e as articulações
com as políticas públicas.
2. A mãe nas políticas sociais
No Brasil, a questão social como questão pública só foi discutida pelo

Estado a partir da primeira década do século XX, e mais tarde, como direitos
garantidos enquanto política pública na década de 80 com a Constituição
Federal que trouxe novo redimensionamento às políticas públicas através da
Seguridade Social, composta pelo tripé previdência social, assistência social
e saúde.
2 Sistema Único de Assistência Social – SUAS, responde pela execução das medidas socioeducativas, em
alguns estados brasileiros apenas pelo meio aberto.

262
De lá para cá, a centralidade da mulher nas políticas sociais torna-se

mais evidente através da política pública de assistência social, organizada
pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) promulgada em 2004,
bem como pelos programas de transferência de renda, substancialmente, o
Programa Bolsa Família (PBF) que integra as ações do Ministério da Cida-
dania através da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social e tem como
objetivo a diminuição da pobreza e da extrema pobreza no Brasil.
Segundo o Ministério da Cidadania, em 2015, 98% da titularidade dos
benefícios eram de mulheres, sendo que 68% desse percentual eram de mulheres
negras. Esse dado aponta para três direções: o aumento do número de mulheres
chefes de família no Brasil (CAVENAGHI; ALVES, 2018); a possibilidade de
garantir a autonomia da mulher através do acesso à renda; e o Estado que reforça
o papel histórico de cuidadora da mulher, colocando-a como mediadora entre o
Estado e a família (BARTHOLO; PASSOS; FONTOURA, 2017).
Um forte indicador das cobranças instituídas pelo Estado, podem ser
representadas pelas condicionalidades relacionadas à saúde e à educação,
exigidas notadamente as mulheres, pois além de forma de regulação, está
posto aí, a ação política que se incumbe de mobilizar as mulheres para o
cumprimento de suas obrigações.
Aqui reconhecemos o risco da institucionalização das cobranças dirigidas
às mulheres. Em alguns casos é possível perceber a inversão dos objetivos
das políticas que se destinam a amparar as famílias em aparelhos de controle
das mesmas pelo Estado. Assim, alguns profissionais das políticas sociais
utilizam-se de análises moralistas para condenar as mulheres diante do não
cumprimento ou não participação em atividades promovidas por equipamentos
sociais executores de políticas sociais.
Assim, considerar autonomia o fato das mulheres receberem benefí-
cios, padece de maiores reflexões, uma vez que, a possibilidade de maior
autonomia, abre precedentes para maiores cobranças de responsabilidades
das mulheres no âmbito familiar pelo Estado. Além disso, os programas que
compõem as políticas sociais esperam que estas sejam “boas mulheres”, mere-
cendo ser castigadas quando não cumprem o que lhe é destinado (CARLOTO;
MARIANO, 2016, p. 3).
3. A mãe na sociologia
Os estudos sobre família na sociologia, segundo Bruschini (1989) sur-

giram com maior ênfase a partir dos anos 50 sob influência funcionalista de
Parsons, com base no modelo ideal de família, constituído pelo pai provedor,
a mãe dona de casa e responsável pela educação de seus filhos.

Com a chegada dos anos 60, a família contemporânea ocidental sofreu

profundas modificações e o modelo parsoniano de família declina à medida
que a mulher entra no mercado de trabalho e novas descobertas científicas
incidem diretamente sobre a reprodução humana (PEIXOTO, 2007). O sur-
gimento da pílula abala o valor sagrado da maternidade e a distinção entre
mulher e mãe permite a relativa autonomia da sexualidade feminina sem sua
inexorável associação com a reprodução (SARTI, 2005).
Não obstante, essas transformações impactaram diretamente nos alicerces
da família, uma vez que o modelo de família monoparental, especificamente o
constituído sob chefia feminina, cresce substancialmente, e a mulher assume
seja como provedora seja como responsável pela educação dos seus filhos, a
autoridade familiar.
Tal deslocamento de papéis obriga as mulheres chefes de família a mobi-
lizarem redes que extrapolam os limites da casa. Além disso, de algum modo
transferem para outras mulheres de sua rede social, como avós, tias, irmãs
parte da responsabilidade acumulada dos papéis culturalmente tidos como
masculinos e femininos.
Esta formação de capital social, sob o ponto de vista do estruturalismo
construtivista de Pierre Bourdieu (1980) reconhece que as redes sociais são
produtos de estratégia de investimento social. Estas são constituídas consciente
ou inconscientemente orientadas para a constituição ou reprodução de relações
sociais, sejam com familiares, vizinhos, colegas de trabalho, nas quais envol-
vem relações caracterizadas pela educação, sentimento de reconhecimento e
respeito, com base na lógica de trocas.
No aspecto demográfico, Cavenaghi e Alves (2015), com base nos últi-
mos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2001
a 2015, apresentam que o número de mulheres chefes de família no ano
de 2015 é representado pelo percentual de 26,1% de mulheres chefes de
famílias em famílias formadas por casais e 49,4% de famílias monoparentais
de mães responsáveis pela família, residindo somente com filhos.
Outro dado importante no perfil demográfico sob a chefia feminina no
Brasil e que deve ser analisado conjuntamente com os dados apresentados
acima sobre a monoparentalidade feminina com filhos, refere-se ao aumento
do número de mulheres chefes de famílias negras. Em termos absolutos,
houve um crescimento maior de famílias chefiadas por mulheres negras, que
passaram de 6,4 milhões em 2001 para 15,9 milhões em 2015 (CAVENAGHI;
ALVES, 2015).
De maneira geral, estas mulheres apresentam uma maior vulnerabilidade
em razão de estarem localizadas em áreas com pouca infraestrutura urbana,

264
baixo nível socioeconômico, elevada mudança populacional desordenada,

sem planejamento urbano, acompanhado de altos níveis de criminalidade
e violência.
Não obstante, diante desse contexto vulnerável, as famílias são con-
sideradas incapazes de exercer a supervisão e controle dos seus membros,
especialmente aquelas chefiadas somente por mulheres, que podem ser res-
ponsabilizadas pela entrada dos seus filhos na criminalidade.
Os conceitos de supervisão e controle são analisados dentro da perspec-
tiva da teoria da criminologia desenvolvimental do curso de vida3 – braço
da sociologia. A partir dos estudos de Sampson e Laub (1993), com base na
concepção da teoria do controle social informal, concebe como princípio
geral, a probabilidade do desvio aumentar na medida em que o vínculo do
indivíduo com a sociedade diminui.
Em outras palavras, na medida em que os laços sociais, simbolizados
pelo apego e comprometimento, que vinculam o indivíduo às principais ins-
tituições sociais, como família e escola, sofrem esgarçamento, o risco de
infração é aumentado.
Sampson e Laub (1993) utilizam-se do trabalho de Loeber e Stoutha-
mer-Loeber, de 1986, para tratar do funcionamento familiar a partir de qua-
tro dimensões:
1. Paradigma da Negligência – envolvimento de pais e filhos e super-

visão dos pais;
2. Paradigma do Conflito – práticas disciplinares e rejeição pai/ filho
e filho/pai;
3. Paradigma dos Comportamentos e Atitudes desviantes – que se
concentra na criminalidade dos pais e nas atitudes desviantes entre
os pais;
4. Paradigma do Rompimento: que examina o conflito conjugal e a
ausência dos pais (SAMPSON; LAUB, 1993, p. 65).
Assim, para Sampson e Laub (1993), os laços emocionais de apego, estão

necessariamente conectados com as formas de controle e o monitoramento,
bem como, facilitam a ligação entre a família e a sociedade. Por outro lado,
os autores arrazoam que a estrutura social tende a influenciar diretamente
3 Segundo Benson (2013), a teoria do curso de vida trata-se de uma sensível análise histórica, que percorre
caminhos em idades diferenciadas ao longo da vida. Para tanto três conceitos são centrais nessa perspectiva
de análise: A trajetória que consiste em uma sequência de estados interligados a partir de experiências
vividas. A transição que são as mudanças de um estágio para outro, relativas às trajetórias em questão.
E os turning points, são processos dinâmicos pelo qual a natureza interligada de trajetórias e transições
geram pontos de virada ou mudanças no curso de vida.

nos processos sociais de funcionamento da família e de modo específico no

controle social exercido por esta.
Complementarmente, outros fatores que podem incidir diretamente nos
mecanismos de controle social da família são:
1. a mobilidade residencial familiar, por incidir diretamente na capa-

cidade de supervisão dos pais e nos vínculos de apego. Nesse caso,
de modo explícito com a comunidade que pode ser determinante no
auxílio à família no exercício do controle social;
2. as condições de vida precárias marcadas notadamente pela desvanta-
gem econômica, que possuem efeito adverso para os pais no desen-
volvimento da parentalidade (SAMPSON; LAUB, 1993, p. 69).
4. Maternidade na psicanálise
O desenvolvimento conceitual sobre o tema da maternidade na psica-

nálise é complexo e polêmico. Uma das críticas se refere à ideia de que a
psicanálise contribui para culpabilizar os pais pelas patologias apresentadas
pelos filhos. Porém, não se trata de um determinismo culpabilizante selvagem
dos pais pelas suas posições subjetivas ocupadas na configuração familiar
cotidiana. A reflexão freudo-lacaniana intenta compreender as escolhas do
próprio sujeito na sua própria estruturação psíquica. A Psicologia costuma
abordar a família a partir de apenas três fundamentos: pai, mãe e criança. Já
a psicanálise pensa a família a partir de quatro: pai, mãe, criança e falo.
Para Lacan, a noção de função é um significante, ou um conjunto de
significantes, ou ainda, uma letra que estabelece uma ligação entre uma série
de significantes. O pai, por exemplo, se traduz numa função: a função paterna.
Sendo assim, o pai é um significante que introduz a castração no sujeito,
instaurando o desejo a partir da significação fálica.
Por se tratar sobretudo do exercício de uma função, a mãe pode exercer
essa função mesmo na ausência do pai. Lacan (1957-1958/1998), em sua obra
O seminário, livro V: As formações do inconsciente, diz mesmo quando uma
criança foi criada sozinha com sua mãe, o Complexo de Édipo é tão “normal”
quanto se o pai estivesse presente exercendo sua função.4 A instância castra-
dora da função paterna, por exemplo, pode ser realizada pela mãe, conforme
4 “Même dans les cas où le père n’est pas là, où l’enfant a été laissé seul avec sa mère, des complexes
d’Œdipe tout à fait normaux – normaux dans les deux sens, normaux en tant que normalisants d’une part, et
aussi normaux en tant qu’ils dénormalisent, je veux dire par leur effet névrosant par exemple – s’établissent
d’une façon exactement homogène aux autres cas. Premier point qui doit attirer notre attention” (LACAN,
1957-1958/1998, p. 168).

266
Lacan cita o exemplo freudiano da mãe do Pequeno Hans, no qual ela mesma
restringia algumas vontades de seu filho.5
Em Freud, não há uma teorização sobre “função materna”, mas a mãe
ocupa o lugar de representar a falta fálica e representar o objeto que deve
ser interditado à criança. Para Lacan (1957-1958/1998), toda criança precisa
mais do que a satisfação das necessidades e dos cuidados, do contato e da
presença da mãe. Ela necessita sobretudo do “apetite do seu desejo” da mãe
enquanto ser primordial.
Esta subjetivação consiste simplesmente em colocar a mãe como ser pri-

mordial que pode estar lá ou não. No desejo da criança, no seu desejo,
este ser é essencial. O que o sujeito deseja? Não se trata simplesmente do
apetite dos cuidados, do contato, talvez até da presença da mãe, mas do
apetite de seu desejo. Desde esta primeira simbolização onde o desejo da
criança se afirma, começam todas as complicações ulteriores da simboli-
zação, naquilo que seu desejo é desejo do desejo da mãe (LACAN, 1957-
1958/1998, p. 182, tradução nossa).
Lacan (1969/2003) em “Nota sobre a criança” destaca a “irredutibilidade

de uma transmissão” que ultrapassa a dimensão das satisfações das necessi-
dades da criança. Pois se refere sobretudo à uma constituição subjetiva que
implica a relação com um “desejo que não seja anônimo” (p. 373). Um desejo
fundante, organizador e que tem a função preponderante da transmissão e,
porque não dizer, um desejo que não se extravie. “A marca de um interesse
particularizado” (LACAN, 1969/2003, p. 369) funda um lugar de pertença à
criança em uma linhagem, o que não acontece sem falhas e equívocos próprios
da transmissão.
Dessa maneira, a relação da criança com o falo se efetua enquanto ela é
objeto do desejo da mãe (LACAN, 1957-1958/1998). Esse desejo do Outro,
que é o desejo da mãe se afirma a partir da “lei (do desejo) da mãe” enquanto
ser falante. Lacan acrescenta que essa lei da mãe é frequentemente uma lei
incontrolada6 que necessita da mediação dada pelo pai, enquanto função, na
ordem simbólica.
Aqui também recorremos à outra obra de Lacan, O seminário, livro VI: O
desejo e sua interpretação (1958-1959/2013). Nesse texto, Lacan diz que a mãe
não é somente aquela que oferece o seio, mas também transmite a articulação
5 “Mais pourquoi le père? L’expérience prouve que la mère le fait aussi bien. Rappelez-vous l’observation du petit
Hans, où c’est la mère qui dit – Rentre ça, ça ne se fait pas. En général, c’est le plus souvent la mère qui dit – Si
tu continues à faire comme ça, on appellera le docteur qui te la coupera” (LACAN, 1957-1958/1998, p. 172).
6 “La loi de la mère, c’est, bien entendu, le fait que la mère est un être parlant, et cela suffit à légitimer que je dise
la loi de la mère. Néanmoins cette loi est, si je puis dire, une loi incontrôlée” (LACAN, 1957-1958/1998, p. 188).

significante, desde os primeiros jogos de esconder objetos, sorrir e rir já são

ações simbólicas.7 A mãe é o sujeito primordial da demanda do bebê e uma
das primeiras identificações da criança. Por isso, mãe contém uma dimensão
de onipotência para o sujeito-bebê a quem endereça sua primeira demanda. 8
Por consequência, a mãe é primeiramente simbolizada desde Freud para
o recém-nascido como um duplo registro de presença e ausência que instaura
as primeiras frustrações no bebê. Possibilitando assim, que uma articulação
da demanda com Outro materno.9
Para a inscrição da lei paterna, é essencial que a mãe sustente a instância
paterna como mediador do “capricho”10 materno. Assim, a palavra da mãe
veicula uma lei que não é sua própria “lei”, mas uma lei de um Outro. Desta
maneira, mesmo o objeto de desejo da mãe está tomado pela realidade do
Outro, submetido igualmente à lei paterna. Assim, temos as condições de
possibilidade para a instauração da relação edípica.
5. Breve apresentação dos casos
5.1 “A tempestade e a bonança”
O relato dessa mulher parece fazer uma escansão entre antes e depois da
morte da sua mãe, mas Vera localiza as dificuldades com o filho mais velho
ainda em idade escolar e antes mesmo da avó falecer. Vera e os dois filhos
sempre viveram na companhia da avó, servidora pública aposentada, que
ficou dependente da filha durante os dez últimos anos de vida. Tempo em
que Vera localiza sua dedicação absoluta à sua mãe doente e aos filhos, “[...]
então durante esse tempo eu consegui manter ele na minha rédea, levava na
escola, buscava na escola [...]” (sic).
7 “[...] c’est que la mère n’est pas simplement celle qui donne le sein, elle est aussi celle qui donne le seing
s.e.i.n.g. de l’articulation signifiante. Cela ne tient pas seulement au fait qu’elle parle à l’enfant, [...] il y entend
quelque chose bien avant qu’elle ne se l’imagine. En effet, dès avant l’échange proprement linguistique,
toutes sortes de jeux, les jeux d’occultation par exemple, qui si vite déchaînement chez l’enfant le sourire,
voire le rire, sont déjà, à proprement parler, une action symbolique” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 43-44).
8 “[...] la mère, c’est-à-dire le sujet primordial de la demande [...] La dimension de toute-puissance, dite de
toute-puissance de la pensée, la femme ne l’a pas en elle, il s’agit de la toute-puissance du sujet comme
sujet de la première demande” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 365).
9 “[...] au niveau de l’agent de la frustration, à savoir, la mère. Je vous ai montré que, comme lieu de la demande
d’amour, elle était d’abord symbolisée dans le double registre de la présence et de l’absence, qu’elle se
trouvait être par là en position de donner le départ génétique de la dialectique, pour autant que, mère réelle,
[...] où nous avions placé le lieu effectif de la mère, nous inscrivons [...] le A de l’Autre, en tant que c’est là
que s’articule la demande” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 411-412).
10 “Ce qui est essentiel, c’est que la mère fonde le père comme médiateur de ce qui est au-delà de sa loi à elle
et de son caprice, à savoir, purement et simplement, la loi comme telle” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 191).

268
Sua narrativa – de mais de sessenta minutos – inicia com a seguinte frase:

“Na verdade eu não sei o que ele fez”. Esse não saber, ou um certo “saber
mal dissimulado” retorna algumas vezes em seu relato. Sua narrativa, repleta
de ambiguidades, apresenta uma mulher muito rigorosa com o filho e com
outras mães na mesma situação que ela, mas uma avaliação bastante positiva
da mãe que foi para Lucas e da família que sempre o apoiou. Mais adiante
traremos outros elementos do caso que comentaremos dentro da perspectiva
da Sociologia e da Psicanálise.
5.2 “O outro já estava procurando a morte também.”
Jana, com a ajuda da mãe Elisa, nos reporta parte da sua história de vida
com os três filhos sempre na companhia da mãe. Jana apresenta certo grau de
dificuldade para organizar as ideias que nos parece ser de ordem emocional
e que a coloca na condição de dependente da mãe, Elisa. Contudo, isso não a
impede de relatar a história de sua família, mesmo que não seja com a mesma
eloquência de sua mãe.
Sobre Daniel, Jana afirma que o menino faz sua iniciação nas práticas
ilícitas aos 10, 12 anos e, desde então, inicia também a trajetória de vida nas
ruas que, a partir dos 17 anos, se transformará no modo de vida de Daniel.
Jana relata as diversas passagens do adolescente pelo sistema socioeducativo
com referência especial à Casa Dom Bosco um centro de internação provisória
até a restrição de liberdade no Centro Educativo Santa Clara.
No entanto, para Jana parece não haver maneira de contar a história de
Daniel sem mencionar a do filho mais velho assassinado aos 15 anos. A história
de vida de Daniel parece estar amarrada à do irmão. De fato, Daniel seguiu,
em grande medida, o percurso do irmão que também vivia nas ruas, chegando
a sofrer um atentado contra a sua vida quando teve o corpo todo queimado.
Jana não oferece muitos detalhes em relação a esse filho, afirma apenas
que “[...] ele era terrível” (sic). O adolescente estava sendo acompanhado
pelo Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte
(PPCAAM) e por determinação judicial Jana foi levada com os filhos para o
município de Justinópolis na região metropolitana de Belo Horizonte na ten-
tativa de garantir a vida do adolescente, mas apenas quinze dia depois ele foge
e retorna ao bairro onde habita a família e é assassinado próximo à sua casa.
Jana encerra esse breve relato com a seguinte frase: “Quando não fez nem dois
anos da morte do primeiro o outro já estava procurando a morte também” (sic).
Daniel também foi acompanhado pelo PPCAAM e após as reincidências
recebe a primeira medida de internação, 1 ano e 6 meses por tráfico de drogas.
Na avaliação de Jana, o CIA – Centro Integrado de Atendimento ao Adoles-
cente Autor de Ato Infracional – por onde Daniel passou diversas vezes, foi

muito importante, “[...] eu recebi muita ajuda, tava com a cabeça muito ruim”
(sic). Já a avó materna de Daniel, dona Elisa, faz críticas ao sistema que,
em sua opinião, não considerou a condição de fragilidade da filha, em suas
palavras, “O juiz tinha tirado ela daqui. Na situação que tem eles entenderam
mais o lado dos meninos do que o dela. [...] Tirou ela daqui e levou ela lá pra
Justinópolis.” Jana não tinha nenhuma rede social na cidade, apenas o suporte
material e técnico do PPCAAM e, ainda que a família compreenda a função
desse programa, dona Elisa parece acreditar que nessas condições a filha é
que corria risco “[...] eu não tinha como cuidar dela lá”.
Com a morte do filho mais velho, Valquíria retorna para casa de sua
mãe, contudo, dois meses após a morte do filho, Jana é novamente levada
para Justinópolis, agora por causa de Daniel também ameaçado de morte. No
entanto, para dona Elisa, “[...] mas com todo tipo de ajuda, não resolveu nada
pra eles, porque pode ter toda a ajuda, se a pessoa não quer ser ajudada, não
tem jeito”. Davidson está preso há 2 anos por tráfico de drogas e se tornou
morador de rua (assim como o irmão). Dona Elisa se queixa do desamparo em
que os filhos deixaram Jana, “[...] da história toda só ficou eu pra cuidar dela.
[...] e ela pelejou de todas as formas e o que restou pra ela foi ficar sozinha...”.
6. Breve análise dos casos
6.1 Sobre mulheres e ilhas
As realidades sociais apresentadas por Jana e Vera se encontram no

exercício solitário de cuidado de seus filhos e na ausência paterna. Os relatos
revelam mulheres isoladas em suas ilhas que, com uma rede social de amparo
escassa, testemunham o envolvimento dos seus filhos em trajetórias de infra-
ção, ainda na adolescência. No cenário vivido por essas mulheres, as redes
sociais podem funcionar como suporte no controle social informal. Carac-
terizado como internalização de valores e socialização, esse controle social
é realizado pelos pais ou por seus representantes, com o apoio de vizinhos,
familiares, instituições comunitárias, que exercem a supervisão dos filhos, na
ausência dos seus responsáveis.
Jana elucida, na sua fala, tomada de emoção, que saia de casa cedo para
trabalhar e garantir o sustento familiar, e enquanto isso contava com o suporte
da sua mãe. Com o envolvimento do filho na trajetória de infrações e a per-
manência na rua, Jana insistia na tentativa de modificar a realidade do filho.
“[...] dos quinze anos prá cá era só rua, vinha pra casa, ia pra rua, vinha pra
casa, ia pra rua, e eu vinha atrás, cansei de ir atrás[...]” (sic). Com o envol-
vimento infracional do filho, a rede social de Jana conta com as instituições

270
sociais de proteção ao adolescente, bem como as instituições socioeducativas

de internação.
A trajetória de envolvimento infracional dos filhos adoeceu Jana, que
precisou interromper as atividades laborativas, colocando a família em situa-
ção de vulnerabilidades sociais. Com o intento de proteger seus filhos, que
estavam ameaçados de morte, Jana mudou-se duas vezes de município, com
o suporte do PPCAAM. Porém, os controles sociais informais, foram sucum-
bidos pelos controles sociais institucionais: pelo tráfico, que assassinou seu
primeiro filho e o pelo sistema penal, que condenou o segundo filho a cumprir
pena por tráfico de drogas.
Do mesmo modo, a tensa realidade de Vera, a conduziu a negligência dos
fatos “na verdade eu não sei o que ele fez” (sic). Sem apresentar situação de
vulnerabilidade social inicialmente, Vera estava imersa nos cuidados de sua
mãe. E durante esse tempo conseguiu exercer o controle social sobre o seu
filho. Entretanto, relata que desde criança, Lucas exigia mais do seu rigor,
especialmente na escola onde apresentava comportamentos desafiantes. Após
a morte da mãe, Vera precisou trabalhar para garantir o sustento do seu núcleo
familiar. Neste momento, os controles sociais, até então exercidos por Vera,
enfraquecem-se [...] “ele se sentiu livre, agora não tem ninguém pra me vigiar
igual tinha. E foi andar com más companhias e foi preso três ou quatro vezes
ainda menor. [...] E aí não quis estudar, não quis nada [...]” (sic).
Sampson e Laub (1997) compreendem que o exercício privado do con-
trole social é também tratado como efeito dos laços sociais, e estes como
mecanismo de inibição do ato infracional. De tal modo que, laço social seria
relativo ao apego e compromisso afiançado na relação parental entre pais
e filhos. Na concepção dos autores, os laços emocionais de apego, estão
necessariamente conectados com as formas de controle e o monitoramento,
bem como, facilitam a ligação entre a família e a sociedade. Por outro lado,
os autores arrazoam que a estrutura social tende a influenciar diretamente
nos processos sociais de funcionamento da família e de modo específico no
controle social exercido por esta.
Diante das responsabilidades delegadas a Vera, abster-se dos envolvi-
mentos infracionais do filho, seria um problema a menos. Assim, diante de
todos os desafios exigidos no cuidado a Lucas, desde a infância, persistir
nas tentativas de incentivá-lo a ir para escola, impedi-lo de se envolver em
atividades criminosas e ainda ter que se ocupar com as demais preocupações,
assumidas enquanto chefe única da família requereria mais energia do que
a que já havia investido durante todo esse tempo. Desse modo, a prisão de
Lucas seria a possibilidade do Estado exercer o controle social que Vera já
não conseguia mais.

As realidades das mães dos adolescentes analisada aqui, pontualmente,

reacendem a discussão sobre todas essas crises familiares e sociais. E apa-
recem vinculadas à forma negativa ao crescimento da criminalidade vio-
lenta. Além disso, essas crises aproximam a fronteira do mundo do crime à
convivência familiar. É como se as trajetórias aliadas ao “mundo do crime”
aparecessem como “opção” às privações próprias do tecido social. Em suma,
“quando a família desagrega, o crime abraça” (FELTRAN, 2008, p. 100).
6.2 Ele me beija na boca se eu deixar!
A posição de Vera e Jana nos ensina sobre as dificuldades das mães em

responderem à demanda do filho apenado, bem como o sofrimento em se
manter em contato com filho. Vera não o visita, pois não suporta a sua situação
prisional. Mesmo os simples contatos telefônicos já pesam sobre saúde, pois
se encontra sob medicação psiquiátrica.
Vera diz não (querer) saber do crime do filho que motivou sua prisão.
Na verdade, ela sabe. O envolvimento do filho com o tráfico de drogas era
conhecido, mas reprovado pela genitora. Vera aceitava dinheiro de seu filho,
nem mesmo comia pizzas que seu filho comprava com dinheiro suspeito.
Sinalizando uma postura de desacordo com a fonte ilegal de renda do filho.
Vera aborda a determinação sem limites do seu filho. Ora isso lhe causa
fascínio, ora horror. Para ela, Lucas é alguém decidido que fez sua escolha.
E assim se mantém irredutível mesmo depois de preso. Como pode ele “não
temer a Deus” (sic)? No discurso de Vera, o temor de Deus é aquilo que pode-
ria operar como freios diante de situações ilegais ou de perigo, ou como limite
no discurso e nas atitudes de Lucas. A metáfora religiosa expressa a fraca
inscrição da função paterna para barrar os riscos que corre na vida criminal.
Vera ao mesmo tempo não se conforma com a falta de perspectiva de
mudança no modo de vida criminoso do seu filho e fala que sua irredutível
determinação é um traço materno. Disse isso com um sorriso no rosto, a
despeito das consequências que essa “teimosia” produz na vida familiar. O
estilo “vida louca” marcado pela transgressão e pelo gozo sem limites foi, é
e será uma escolha de Lucas.
O genitor sumiu logo depois do divórcio com Vera, quando Lucas tinha 2
anos. Havia um tio que Lucas tinha vínculo, mas não chega a mencioná-lo
como alguém que ele respeita, admira ou teme. Não aborda esse tio como um
pai simbólico ou no lugar de suplência paterna. Fala apenas que gostava do tio.
Já a relação de Vera com Lucas, as tonalidades são bem mais intensas.
Solteira durante a maior parte da criação do filho, a mãe diz que ele é mais
próximo (“chegado”), mais à sua imagem: alegre, divertido e “determinado”.

272
“Ele me beija na boca se eu deixar” diz sobre a força da relação dos dois,
expressando o elemento erótico e a sexualidade presente. Lucas não gosta do
namorado da mãe e tenta colocar dinheiro dentro de casa.
Vera conta o embaraçoso momento do divórcio conjugal e suas incidên-
cias na sua imagem de mãe para Lucas. Vera estava solteira desde que seu
companheiro partiu até o falecimento de sua mãe. Depois disso, ela retomou
um namoro que tinha antes de conhecer o pai de Lucas. Porém, as tensões
mãe-filho começaram aí, o filho não gosta do novo companheiro de sua mãe,
pois crê que que sua mãe foi infiel e que isso causou o afastamento do seu pai.
Vera não explica exatamente esse mal entendido, mas se defende afir-
mando que não traiu. Afirma apenas que foi uma história mal resolvida e mal
contada que nunca se resolveu de fato. O que se transmitiu de mãe para filho
foi um silêncio embaraçoso sobre qual seria o desejo de Vera?
O filho apenado parece colocar em cena um comportamento desviante
do próprio pai de Vera, que chamaremos aqui de José. Este vivia sem renda
sustentado integralmente pela mãe da genitora. Depois da morte da progeni-
tora, ele ficou em situação de rua e envolvido com consumo de drogas. Nada
declarou sobre envolvimento de José com tráfico.
O lugar de Vera na família é do sacrifício e de fazer o trabalho maternal
sujo que ninguém deseja fazer, nem ajudar. Além de ter sua vida profissional
parada durante dez anos com os cuidados de sua mãe, resgatou, cuidou e
conseguiu aposentadoria do seu pai que hoje não é muito grato a ela. Enfim,
as demandas familiares pesam bastante e planeja se mudar com companheiro
atual para tomar distância do universo familiar tão adoecedor para sua saúde
psíquica. A condição de saúde de Vera se agrava com o envolvimento do filho
com crime que impõe um estresse importante e também responsável pelo
quadro depressivo atual.
Diz que Lucas é uma tempestade, e seu filho mais novo é a bonança,
expressando o quão difícil é o convívio com Lucas. Algumas de suas afirma-
ções nos levam a identificar algo mais além da tormenta. Algo da ordem do
movimento, da irrupção e da intensa carga de vida que Lucas parece transmitir
e que fascina sua mãe. Repetindo as palavras da mãe “[...] ele é mais pare-
cido comigo, ele é alegre, divertido e determinado”. Talvez não haja mesmo
descrição melhor que a expressão de pavor e fascínio que causa o espetáculo
de uma tempestade.
A carta que Vera hesita em entregar ao seu filho afirma um amor com
dor muito tempestuoso. “Não se esquece que o amor de mãe é incondicional
e não existe ninguém que quer seu bem quanto eu quero. Te amo muito”. Fala
também de algo que errou na educação do filho mas não sabe o quê. “Não
queira estar sempre errado. Por favor acorde enquanto é tempo”. Porém,
Lucas parece decidido, como sua mãe. Vera sempre esteve presa para cuidar

dos outros. Lucas parece estar colado ao fantasma materno de uma liberdade
absoluta, livre de tudo até mesmo do “temor de Deus”. Livre dos freios da
vida civilizada, nem que seja dentro de uma prisão.
6.3 Cartas de amor ou de um desejo extraviado...
Os casos apresentados trazem as cartas como um significante que parece

articular o não dito ou o (in)dizível entre estas mães e seus filhos. A escrita, por
si só, recebe na teoria lacaniana um tratamento bastante peculiar e desafiador
até para os mais experimentados teóricos.
É certo que o escrito como tal tem estatuto de significante? Pergunta
muito justificada, uma vez que Lacan atribui, descobre, inventa para o escrito
um estatuto distinto de significado. [...] No final do primeiro Seminário a ser
publicado, Lacan nos leva de forma marcante, fundamentada, num pequeno
texto em que define o escrito para não ser lido, e o não, sem equívoco no
termo, é uma negação. [...] O escrito como tal, no sentido de Lacan, não é
para ser lido. Que história é essa? Qual é o uso retorcido? E o que justifica a
separação da escritura e da leitura? (MILLER, 2012, p. 6-7).
Portanto, um escrito ou uma carta não enviada – assim como as que não
serão respondidas jamais – nos chama a atenção para além do que se comu-
nica em sua literalidade, mas antes, nos interessa “as dobras e viradas”, pois,
como afirma Lacan (1966/1998, p. 20), “Captamos, de fato, nesse exemplo
o quanto a comunicação pode dar a impressão, na qual a teoria se detém a
miúde, de só comportar em sua transmissão um único sentido [...]”. Nas cartas
que envolvem Vera e Jana buscamos sentidos outros.
No caso de Jana temos a presença das cartas como marca da comunica-
ção que não se estabelece, mas aqui é o filho que envia as cartas sem obter
respostas da mãe, “[...] sabe por que não escrevo, porque eu esqueci como
é que escreve, eu escrevo tudo bagunçado... Eu esqueci mesmo como é que
escreve, ler eu leio e tudo... ainda tô tremendo, tô tremendo demais” (sic).
O que quer nos dizer a obstinada negativa de Jana em responder as cartas
do filho preso? Negativa seguida das justificativas do esquecimento de como
se escreve, esquecimento do ato mecânico que se torna a escrita depois de
sua aquisição na alfabetização. Este caso, por não termos acesso às cartas
enviadas pelo jovem à mãe, mas principalmente pela escassa elaboração de
Jana, nos dá poucos elementos para comentar, contudo, aqui também as cartas
mantêm o tênue laço familiar. Jana lê, mas não escreve, ela ouve (lê) os apelos
do filho, mas não responde a eles.
Ao contrário do que nos apresenta Vera, como veremos a frente, que evita
todas as formas possíveis de contato com o filho, ela não quer ouvir. Contato
que, na atual circunstância, só pode se dar por telefone ou pessoalmente por

274
meio de visitas ao presídio ou, numa condição fora da norma, via internet
(e-mail, redes sociais etc). As visitas, segundo Vera, estão fora de questão,
“[...] não dou conta, não consigo!” (sic). Cabe dizer também que aquilo que é
dito pelo rapaz é desacreditado,” [...] ele não me fala a verdade e eu também
não acredito nas coisas que ele fala. [...] ele já tentou falar, mas eu não quis
ouvir, não quero saber dessas história de violência” (sic). A palavra em seu
registro oral aqui interditada não cria condições de aproximação entre Lucas
e Vera, que parece mesmo determinada em não saber. O que será que esse
filho denuncia que lhe é tão insuportável? Sabemos apenas que Vera elege um
meio tão antigo quanto inusitado – em tempos de digitalização da vida – para
dirigir-se ao filho, a carta de próprio punho.
Por tudo isso e por tantas outras afirmações duras registradas em sua
narrativa que nos trazem uma imagem austera e rigorosa de Vera, a carta
endereçada ao filho que ela se oferece para ler, nos surpreende. Vera lê emo-
cionada para a pesquisadora a carta que escreveu para Lucas, mas não enviou.
“Filho amado!” (sic), essa será a primeira frase que Lucas lerá, caso venha a
ter essa carta em suas mãos algum dia. Até aquele momento, a carta perma-
necia sem chegar a seu destino. E qual seria esse destino? Vera faz com que
sua carta seja ouvida, não pelo destinatário anunciado, mas por um outro no
qual, talvez, ela suponha algum saber, e por ela própria.
Segundo Lacan (1976-1977), uma carta que não chega, une lettre en
instance, é uma carta suspensa, uma carta em espera. Para Fingermann (2013),
a condição de carta não enviada expressa “algo da ordem da constância, da
perseverança, da insistência, algo de uma iminência em suspenso”, portanto,
de um certo devir. Nessa perspectiva, talvez possamos afirmar que a carta em
questão demonstra que a mãe persiste, à sua maneira, na possibilidade do filho
construir uma outra saída, diferente do crime, para suas questões.
No entanto, Lacan (1976-1977) afirma que uma carta em suspenso, esse
escrito em espera é um escrito que não tem resposta no Outro. Fingermann
(2013, p. 123), compreende essa afirmação de Lacan, da seguinte maneira,
“algo acontece que causa desconforto, ou delícia, mas abala, desconcerta,
deixa estupefato, faz furo – trauma, portanto – ‘sintoma escrito em letras
de sofrimento na carne do sujeito’” (LACAN, 1953/1998, p. 307)11. A carta
enquanto recurso que, como tantos outros é parcial – “ameniza o pathos” e
os sintomas no corpo, como Vera e Jana podem testemunhar, “forjam uma
outra escritura”. Fingermann reconhece na carta en souffrance, que pode ser
traduzida por a letra em sofrimento (ou em espera), “um ponto de emergência”
como que da ordem do grito que não se transmuta em apelo.
11 A referência apontada nesta citação é: LACAN, J. Função e Campo da fala e da linguagem em psicanálise
(1953). In: LACAN, J. Escritos.Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 238-324.

Já em “A instância da letra”, Lacan (1972/1998) adverte que, ainda que

não exista uma resposta no Outro, “[...] guardando aí em todo caso o preço
desta letra que digo que sempre chega onde deve”. Comentário coerente com
seu Seminário “A carta roubada” (1966/1998) em que reafirma a proposição
de Poe12 (1844/2003) de que uma carta sempre chega a seu destino. Nesse
caso, o que caberia a nós? Nós que nos fizemos destinatários circunstanciais,
qual seria a nossa resposta a esse apelo? Ou ainda, qual seria o destino final
dessa carta? Fingermann também recorre a Joyce na busca de tal resposta:
Entre grito e escrito [cri et écrit], alguma coisa alcança, atinge, toca. Joyce
desenvolveu isso, se assim pudermos dizer, em seu sintoma: o que alcança,
no sentido do impacto, não o sentido, mas o gozo. Um escrito para não
ser lido, mas ouvido, como dizia Joyce [...]: “Ah, não é de forma alguma
escrito. Tampouco é feito para ser lido; é feito para ser olhado e ouvido”
(FIGERMANN, 2013, p. 124).
Outra carta não menos famosa, mas que não fora roubada como no conto
de Poe e sim retida como no caso de Vera, “Carta ao Pai” de Franz Kafka
(1952), também foi submetida a um estudo na perspectiva psicanalítica. O
filósofo e psicanalista português Filipe Pereirinha (2013) se dedicou a discutir
a mesma questão:
Pode uma carta chegar a seu destino mesmo quando não é enviada? [...]
Aparentemente, A “Carta ao pai”, de Kafka, parece desmentir a afirmação
lacaniana de que “uma carta chega sempre ao seu destino”, uma vez que
ela não chegou efetivamente a ser enviada e, como tal, o pai também não
pôde recebê-la de facto (PEREIRINHA, 2013, p. 2017).
Em linhas gerais, trata-se de uma carta em que Kafka responde a per-

gunta que seu pai lhe havia feito: “perguntaste-me, há pouco tempo, por que
razão afirmo ter medo de ti” (KAFKA apud PEREIRINHA, 2013, p. 208),
em torno dessa questão Kafka constrói sua argumentação muito além da
resposta esperada.
Vera também coloca uma questão em sua carta, talvez para ela própria.
Aliás, esta é sua segunda frase na carta após declarar seu amor pelo filho,
“[...] eu não sei aonde errei com você e me perdoe por isso” (sic), assim, o
que não foi possível dizer na presença do filho, vai se desenhando por meio
da palavra escrita, “o impossível de dizer transmuta-se em causa de desejo”
(PEREIRINHA, 2013, p. 208). A escrita como resposta cuidadosamente cons-
truída para velar o fundamental, o impossível de se dizer, de uma “verdade”
12 POE, E. A. A Carta Roubada (1844). Tradução de William Lagos. São Paulo: L&PM Pocket, 2003.

276
que nunca se apresenta absoluta, mas em suas variedades ou suas versões,

sustentando o caso a caso conforme Pereirinha (2013).
Em determinado momento de carta ao pai, Kafka faz uso de um recurso
literário curioso, ele inverte os papéis e passa a responder às suas próprias
colocações destinadas a seu pai como se fosse o próprio. Pereirinha (2013)
recupera em Lacan (1975-1976), mais especificamente no Seminário XXIII,
as articulações entre o pai e o sintoma para comentar justamente isso que
pode ser para muitos uma inocente subversão literária, mas que em sua leitura
psicanalítica denuncia “uma dobra, uma viragem” que esclarece a posição do
autor da carta em relação a seu pai.
Na verdade, esse pai a quem o autor endereça as suas recriminações, quem

dá a oportunidade de objetar, a quem responde de novo, não será finalmente
um sintoma, êxtimo, de si mesmo, isto é, algo que é sua coisa mais familiar
(íntima) e estranha ao mesmo tempo? Talvez por isso a carta – que foi escrita
e reescrita – não tenha sido nunca enviada, uma vez eu o remetente coincida,
afinal, com seu destinatário (PEREIRINHA, 2013, p. 212).
Talvez seja esse também o destino da carta que Vera, vale lembrar, car-
rega sempre consigo. Destino esse de refletir como num espelho às avessas
um estranho íntimo que o filho realiza na própria existência, implicações da
ambiguidade materna que faz oscilar seu desejo.
O caso de Jana nos parece tanto mais dramático quanto trágico. Jana
parece fixada num vácuo entre um passado de lutas e a impossibilidade de um
futuro. Jana que depôs suas armas e se abrigou definitivamente no não saber,
na impotência e no esquecimento velados por sua mãe. O filho continua a
lhe escrever e, talvez, nem haja a expectativa de uma resposta, mas um com-
promisso com a perseverança, com a insistência, é um “não largar de mão”
(PEREIRINHA, 2013) como Kafka com seu pai. Para Fingermann a letra só
chegará a seu destino quando ela esvaziar esse valor de troca, de mensagem
cifrada pelo sintoma “[...] então que pode fazer uso dela para qualquer outra
coisa [...], outra coisa que não reiterar o romance do qual pode enfim des-
conectar-se (se désabonner), descolar-se” (FINGERMANN, 2013, p. 128).
As cartas que aqui comentamos e que se apresentam como uma alegoria
da regra do não dito estabelecida entre estes jovens e suas mães cumprem
a contento seu papel de sustentar minimamente o laço entre eles. Contudo,
mantendo a todos a uma certa distância do enigma de um desejo que se extra-
viou, talvez por não encontrar seu ponto de basta. Uma distância de segurança
exigida desde muito cedo por esses jovens e recrudescida pelas grades que
agora os separam de suas mães.

Nesse estudo buscamos refletir, a partir das narrativas das mães de dois
jovens em conflito com a lei, a posição da mulher-mãe quando convocada pelas
políticas a responder, no cenário público, pela função de cuidado e proteção
desses jovens. Mesmo antes dessa convocação, mesmo antes do drama que se
desenrola desde muito cedo na vida desses jovens, devemos reconhecer ali histó-
rias de vida que envolvem diversos atores e contingências – num cenário quase
sempre de exclusão e pobreza – e que dão ao tema uma enorme complexidade.
Pautamos nossa argumentação dentro de duas perspectivas teóricas, a
sociológica e a psicanalítica que, acreditamos, conservam abertos os canais
de diálogo e, num esforço transdisciplinar, tentam enfrentar tal complexidade
e suas contradições. Pelo viés sociológico, consideramos os laços sociais
constituídos no âmbito familiar, bem como, o exercício do controle social
informal e o suporte da rede social.
Nas análises dos casos estudados, as evidências apontam para uma maior
dificuldade dos indivíduos pobres na criação e na manutenção de suas redes.
Isso, conforme Marques (2007), poderia estar relacionado à trajetória dos
adolescentes e suas famílias, em que o problema da manutenção das relações
pode, ainda, estar associado ao processo de migração, ao tipo de sociabilidade
e recursos que esses indivíduos dispõem em diferentes grupos sociais.
Na divisão de responsabilidades entre família, sociedade e Estado quanto
à segurança e desenvolvimento desses adolescentes e jovens, poucos são os
cenários de proteção. A desproteção parece estar na pauta do dia, seja pela
precariedade de nossas políticas e equipamentos públicos destinados a esse
público, seja pela fragilidade das famílias já descrita anteriormente.
Para além desse enquadre objetivo, abordamos também outro universo
ainda mais desafiador, de ordem psíquica, que contesta os manuais, métodos
e protocolos dos sistemas públicos. É a cena subjetiva que expõe nossa per-
plexidade diante do sujeito desejante, ainda que um desejo mortífero, que
não recua nem mesmo mediante a experiência aterradora do encarceramento.
Portanto, acreditamos na importância de evitar a reprodução de julga-
mentos e preconceitos das mães de jovens autores de ato infracional. Obser-
vamos, ainda, uma tendência à culpabilização das mesmas, ainda que pesem
suas sobrecargas de trabalho, deveres domésticos e negligência dos genitores
dos jovens. Contudo, vale reconhecer a tensão entre a culpabilização social
e a necessidade de análise da implicação na cena inconsciente dos sujeitos
envolvidos. Tais eixos de análise, supostamente polarizados, podem e devem
dialogar para juntos melhor apreender as dimensões das experiências de sofri-
mento em jogo na trajetória infracional de jovens brasileiros.

278
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CHAPTER 8
SOCIAL TRAJECTORIES AND
UNCONSCIOUS IMPLICATIONS:
listening to mothers of young offenders
1. Introduction
This study was developed from narratives of mothers of young people

with a long journey in the socio-educational system. Young people who com-
mitted offenses in their early teens and are currently serving time in the prison
system for relapsing into the crime circuit. We seek to establish a discussion
through these narratives by the report of these women as a central axis, dem-
onstrating how this experience of crime and its crossings impact their lives
and families, as well as raising issues that concern the mother/wife division.
Thus, we seek to problematize some of the challenges faced by these
families, both of the order of objective reality with notes of sociology and
of subjective order through psychoanalysis. These two areas of knowledge
worked in a transdisciplinary way in the development of the research “Life
course and delinquential trajectory: an exploratory study of the events and
narratives of young people in a situation of vulnerability”1 and in this paper
we explore the desire of some mothers to be heard. A desire presented in
the research field while visiting their homes and facing the impossibility of
access to the young people because they are incarcerated. It’s their mothers
who demand to be heard: “I would also like to talk” (sic).
Certainly, we had not planned to hear the relatives or mothers of the
young people involved in the research, but we were confronted by them. The
research group could have refused, but there was no reason to refuse their
demands. Thus, some researchers agreed to listen to these mothers, starting
from issues articulated to the protection/unprotection binomial. In particular,
1 IEAT/UFMG (2017). Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas
de jovens em situação de vulnerabilidade. Belo Horizonte, Edital 2017 do Instituto de Estudos Avançados
Transdisciplinares Universidade Federal de Minas Gerais, IEAT/UFMG.

282
we highlight the premise of the Child and Adolescent Statute (BRASIL, 1990)
– (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) – regarding families and the
conditions they may or may not offer their children in relation to this protec-
tion/unprotection formula.
Under what conditions do we recognize actions, situations and scenarios
of youth protection or unprotection? Beyond the call for public policies of
attention to this public, how would the mother, with all subjective implications,
be in a position to respond to the appeal of protecting these young people
as proposed by state policy? Who do these women really want to talk about
when they ask to speak?
Considering these issues, we worked with three narratives of women,
mothers of young people in conflict with the law, guiding our listening to
collect the gestures, actions, words or the absence of all expression of these
mothers towards their children in the fragments of the narrative. The narra-
tives will not be reproduced here in their entirety because we prioritize the
discussions and essential debate that addresses the recognition of singularities
– the psi field – in relation to public policies of universal character. However,
these women will be present in all the analyzes developed here, as well as
their families in relation to the social field.
The family is seen by public policies as a vector and guarantee of conti-
nuity for state actions aimed at children and youth. Public policies developed
within the logic of the State to serve children and adolescents invariably have
a relentless partner in family, after all, family is still the main guarantor of
protection and development for children in terms of health and affection.
Therefore, it is through family that the policies of any sector reach children
and fulfill their objectives.
In official documents, such as the Child and Adolescent Statute or in the
National System of Socio-educative Support (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE) (BRASIL, 2006), which are particularly relevant
to this paper, family or “parents or guardians” are quoted many times. These
quotes are always in the perspective of the adolescent’s right to have a family
reference during the whole process. However, we find from professional expe-
rience and research conducted by the authors of this paper that when we read
“families” in official texts, in practice, we understand that this is a reference
to mothers. It is the mothers (grandmothers, godmothers, aunts and sisters)
who generally respond to the call for justice and align themselves with the
socio-educational project of adolescents who infringe the law. Rarely are men,
fathers or the like, seen in the corridors of courts or in welfare2 institutions.
2 Unified Social Assistance System (Sistema Único de Assistência Social – SUAS), is responsible for
the implementation of socioeducational measures, in some Brazilian states in measures that do not
include confinement.

This appeal that patriarchal societies make to motherhood – which cor-

responds to the exercise of care and welcoming always associated with the
female stereotype – is not always sustained. There are situations in which the
maternal function does not coincide with the figure of the mother in reality,
there are even situations in which they assume an air of devastation denounc-
ing the emptiness that these women seek to disguise. After all, the experience
of motherhood is always crossed by some discourse parallel to itself – such as
religious, scientific (biomedical or psychological) discourse, among others.
It also faces resistance from the hegemonic discourse contrary to the idea of
singular productions from this experience.
Being a mother nowadays also means responding to a technical-legal dis-
course that produces social reverberations ranging from blaming the produc-
tion of crime and violence in society to the compulsory involvement of these
women in processes of social control. These “are delegated to these families
and recognized as informal social control, characterized particularly by the
internalization of values and norms resulting from the process of socialization”
(AMORIM; CASTRO, 2018, p. 9). In the following we will try to establish
some of the sociological coordinates that, quite often, constitute the context
of these families and the articulations with public policies.
2. The mother in social policies
In Brazil, the state only started to discuss the social issue as a public
issue in the first decade of the twentieth century. Later, it was considered a
guaranteed right in public policy during the 1980s, with a Federal Constitu-
tion that brought a new dimension of public policies through Social Security,
composed of a tripod: social welfare, social assistance and health.
Since then, the centrality of women in social policies has become more
evident through public social assistance policy, organized by the National
Social Assistance Policy (Política Nacional de Assistência Social – PNAS)
promulgated in 2004, as well as income transfer programs, substantially the
Family Grant Program (Programa Bolsa Família – PBF). The Family Grant
Program integrates the actions of the Ministry of Citizenship through the
Special Secretariat of Social Development and aims to reduce poverty and
extreme poverty in Brazil.
According to the Ministry of Citizenship, in 2015, 98% of the benefits
were given to women, with 68% of this percentage being black women. This
data points in three directions: the increase in the number of female household
heads in Brazil (CAVENAGHI; ALVES, 2018); the possibility of guaranteeing
women’s autonomy through access to income; and the state that reinforces the

284
historical role of caregiver to women, placing her as a mediator between the

state and the family (BARTHOLO; PASSOS; FONTOURA, 2017).
A strong indicator of State-imposed demands may be represented by
conditionalities related to health and education – notably demanded from
women – since besides being a form of regulation, it includes political action
that mobilizes women to comply with their obligations.
Here we recognize the risk of institutionalizing demands directed at
women. In some cases, it is possible to notice an inversion of the policies
objectives that are intended to support families in state control devices. Thus,
some social policy professionals use moralistic analyzes to condemn women
in the face of non-compliance or non-participation in activities promoted by
social devices which implement social policies.
Thus, the action of considering the fact that women receive benefits as an
equivalent for autonomy is lacking in reflection since the possibility of greater
autonomy sets precedents for a greater demand by the State at the family level
directed at women. In addition, the programs that compose social policies
expect them to be “good women” that deserve to be punished when they do
not fulfill their intended purpose (CARLOTO; MARIANO, 2016, p. 3).
3. The mother in sociology
According to Bruschini (1989), studies of family in sociology emerged

with greater emphasis in the 1950s under the functionalist influence of Par-
sons. These were based on the ideal family model, consisting of a providing
father and a housewife mother who was responsible for the education of
their children.
With the arrival of the 1960s, the contemporary western family under-
went profound changes and the Parsonian family model declines as women
enter the labor market and new scientific discoveries focus directly on human
reproduction (PEIXOTO, 2007). The emergence of the pill undermines the
sacred value of motherhood and the distinction between woman and mother
allows relative autonomy of female sexuality without its inexorable associa-
tion with reproduction (SARTI, 2005).
Nevertheless, these transformations have had a direct impact on the foun-
dations of the family since the single-parent family model – specifically the
one under female leadership – grows substantially, and the woman assumes
the role of family authority, be it as provider or as the one responsible for the
education of the children.
Such a shift of roles forces women who are heads of households to mobi-
lize networks that go beyond home boundaries. In addition, they somehow

transfer part of the accumulated responsibility for roles culturally regarded as

male and female to other women in their social network, such as grandmoth-
ers, aunts and sisters.
This formation of social capital, from the point of view of Pierre Bour-
dieu’s (1980) constructivist structuralism, recognizes that social networks
are products of social investment strategy. These are consciously or uncon-
sciously constituted and oriented towards the constitution or reproduction of
social relations, whether with family members, neighbors or co-workers, in
which they involve relationships characterized by education and feelings of
recognition and respect, based on the logic of exchanges.
In the demographic aspect, Cavenaghi and Alves (2015), based on the
latest demographic senses of the Brazilian Institute of Geography and Statis-
tics (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) and the National
Household Sample Survey (Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilio –
PNAD) from 2001 to 2015, show that the number of female heads of house-
hold in 2015 is represented by 26.1% of females in charge of families formed
by couples and 49.4% of single-parent families where the mother only lives
with her children.
Another important piece of data on the demographic profile of female
family leadership in Brazil – which should be analyzed in conjunction with
the data presented above on female single parenting – refers to the increase in
the number of females in charge of black families. In absolute terms, there was
a larger growth in the number of families headed by black women, from 6.4
million in 2001 to 15.9 million in 2015 (CAVENAGHI; ALVES, 2015).
Overall, these women are more vulnerable because they are located in
areas with poor urban infrastructure, low socioeconomic status, highly disor-
ganized population movement, a lack urban planning, and are accompanied
by high levels of crime and violence.
However, given this vulnerable context, families are considered unable
to exercise supervision and control of their members, especially those headed
only by women, who can be held responsible for bringing their children
into criminality.
The concepts of supervision and control are analyzed from the perspec-
tive of life-course theory of developmental criminology3 – a branch of soci-
ology. Studies by Sampson and Laub (1993), based on the conception of
3 According to Benson (2013), the theory of life course is a sensitive historical analysis, which walks paths at
different ages throughout life. Therefore, three concepts are central to this perspective of analysis: trajectory
which consists of a sequence of interconnected states from lived experiences. The transition which are the
changes from one stage to another, relative to the trajectories in question. And the turning points are dyna-
mic processes whereby the interconnected nature of trajectories and transitions generate turning points or
changes in life course.

286
the theory of informal social control, conceive, as a general principle, the

probability of involvement in crime increasing as the individual’s bond with
society decreases.
In other words, as social bonds – symbolized by attachment and commit-
ment which bind the individual to the main social institutions, such as family
and school – weaken, the risk of infringement is increased.
Sampson and Laub (1993) use the work of Loeber and Stouthamer-
Loeber (1986) to address family functioning in four dimensions:
1. Neglect Paradigm – parent and child involvement and paren-

tal supervision;
2. Conflict Paradigm – disciplinary practices and father/child – child/
father rejection;
3. Deviant Behaviors and Attitudes Paradigm – which focuses on
parental crime and their deviant attitude;
4. Breakup Paradigm: which examines marital conflict and parental
absence. (SAMPSON; LAUB, 1993, p .65).
Thus, for Sampson and Laub (1993), emotional attachment ties are nec-
essarily connected with forms of control and monitoring, and also facilitate
the link between family and society. On the other hand, the authors argue
that social structure tends to directly influence the social processes of family
functioning and, in a specific way, the social control exercised by the family.
In addition, other factors that may directly affect the family’s social
control mechanisms are:
1. family residential mobility, as it directly affects parents’ supervi-

sory capacity and attachment bonds. In this case, bonds with the
community can be explicitly decisive in helping the family to exer-
cise social control;
2. precarious living conditions marked by economic disadvantage,
which have an adverse effect on parents in their development of
parenting skills (SAMPSON; LAUB, 1993, p. 69).
4. Motherhood in psychoanalysis
Conceptual development on the theme of motherhood in psychoanalysis

is complex and controversial. One of their criticisms refers to the idea that psy-
choanalysis contributes to blame parents for the pathologies presented by their
children. However, it is not a wildly blaming determinism of parents for their
subjective positions occupied in daily family configuration. Freudo-Lacanian

reflection intends to understand the choices of the subject itself in their own
psychic structure. Psychology usually approaches the family from only three
foundations: father, mother and child. Psychoanalysis, on the other hand,
thinks about the family from four: father, mother, child and phallus.
For Lacan, the notion of function is a signifier, or a set of signifiers, or
a letter that establishes a link between a series of signifiers. The father, for
example, translates into a function: the fatherly function. Thus, the father is
a signifier who introduces castration in the subject, establishing desire from
the phallic significance.
Since it is mainly the exercise of a function, the mother can perform
this function even in the absence of a father. Lacan (1957-1958/1998), in
his work The seminar, book V: The formations of the unconscious, says that
even when a child was raised alone with their mother, the Oedipus Complex
is as “normal” as if the father were present performing his function4. The
castrating instance of the paternal function, for example, can be performed
by the mother, as Lacan cites the Freudian example of Little Hans’s mother,
in which she restricted some wishes of her son herself5.
In Freud, there is no theorizing about “maternal function”, but the mother
takes the place of representing the phallic absence and representing the object
that should be prohibited to the child. According to Lacan (1957-1958/1998),
every child needs the contact and presence of their mother more than the
satisfaction of the mother’s needs and care. They need above all the mother’s
“appetite for her desire” as a primordial being.
This subjectivation simply consists in placing the mother as a primordial

being that may or may not be there. In the child’s desire, in their desire, this
being is essential. What does the subject want? It is not simply the appetite
for care, contact, perhaps even the presence of the mother, but the appetite
for their desire. From this first symbolization where the desire of the child
is affirmed, all further complications of symbolization begin, in what their
desire is the desire of the mother (LACAN, 1957-1958/1998, p. 182).
4 “Même dans les cas où le père n’est pas là, où l’enfant a été laissé seul avec sa mère, des complexes
d’Œdipe tout à fait normaux – normaux dans les deux sens, normaux en tant que normalisants d’une part, et
aussi normaux en tant qu’ils dénormalisent, je veux dire par leur effet névrosant par exemple – s’établissent
d’une façon exactement homogène aux autres cas. Premier point qui doit attirer notre attention” (LACAN,
1957-1958/1998, p. 168).
5 “Mais pourquoi le père? L’expérience prouve que la mère le fait aussi bien. Rappelez-vous l’observation
du petit Hans, où c’est la mère qui dit – Rentre ça, ça ne se fait pas. En général, c’est le plus souvent
la mère qui dit – Si tu continues à faire comme ça, on appellera le docteur qui te la coupera” (LACAN,
1957-1958/1998, p. 172).

288
Lacan (1969/2003) in “Note on the Child” highlights what is “irreducible

in a transmission” and goes beyond the extent of satisfying the child’s needs.
It refers above all to a subjective constitution that implies a relationship with
a “desire that is not anonymous” (p 373). A founding, organizing desire that
has the preponderant function of transmission and – why not – a desire that
does not go astray. “The mark of a particular interest” (LACAN, 1969/2003,
p. 369) creates a place of belonging to the child in a lineage, which does not
happen without failures and misconceptions inherent in transmission.
Thus, the child’s relationship with the phallus is made effective while
being the object of the mother’s desire (LACAN, 1957-1958/1998). This desire
of the Other, which is the mother’s desire, is affirmed from the mother’s “law
(of desire)” as a speaker. Lacan adds that this law of the mother is often an
uncontrolled law that needs the mediation given by the father as a function
in the symbolic order.6
Here we also turn to Lacan’s other work, O seminário, book VI: Desire
and its interpretation (1958-1959/2013). In this text Lacan (1958-1959/2013)
says that the mother is not only the mother who offers the breast, but also trans-
mits significant articulation, since the first games of hiding objects, smiling
and laughing are already symbolic actions.7 The mother is the primary subject
of the baby’s demand and one of the child’s first identifications. Therefore, the
mother contains a dimension of omnipotence for the baby subject to whom
she addresses her first demand. 8
Consequently, the mother is first symbolized – since Freud – to the
newborn as a double record of presence and absence that creates the first
frustrations in the baby. Thus, it enables an articulation of demand with the
maternal Other.9
6 “La loi de la mère, c’est, bien entendu, le fait que la mère est un être parlant, et cela suffit à légitimer que je
dise la loi de la mère. Néanmoins cette loi est, si je puis dire, une loi incontrôlée” (LACAN, 1957-1958/1998,
p. 188).
7 “[...] c’est que la mère n’est pas simplement celle qui donne le sein, elle est aussi celle qui donne le seing
s.e.i.n.g. de l’articulation signifiante. Cela ne tient pas seulement au fait qu’elle parle à l’enfant, [...] il y entend
quelque chose bien avant qu’elle ne se l’imagine. En effet, dès avant l’échange proprement linguistique,
toutes sortes de jeux, les jeux d’occultation par exemple, qui si vite déchaînement chez l’enfant le sourire,
voire le rire, sont déjà, à proprement parler, une action symbolique” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 43-44).
8 “[...] la mère, c’est-à-dire le sujet primordial de la demande [...] La dimension de toute-puissance, dite de
toute-puissance de la pensée, la femme ne l’a pas en elle, il s’agit de la toute-puissance du sujet comme
sujet de la première demande” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 365).
9 “[...] au niveau de l’agent de la frustration, à savoir, la mère. Je vous ai montré que, comme lieu de la demande
d’amour, elle était d’abord symbolisée dans le double registre de la présence et de l’absence, qu’elle se
trouvait être par là en position de donner le départ génétique de la dialectique, pour autant que, mère réelle,
[...] où nous avions placé le lieu effectif de la mère, nous inscrivons [...] le A de l’Autre, en tant que c’est là
que s’articule la demande” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 411-2).

For the inscription of paternal law, it is essential that the mother upholds
the paternal instance as a mediator of maternal “whim”10. Thus, the mother’s
word conveys a law that is not its own “law” but a law of an Other. In this
way, even the mother’s object of desire is taken by the reality of the Other,
equally subjected by the paternal law. Hence, we have possible conditions
for the establishment of the oedipal relationship.
5. Short case presentation
5.1 “The storm and the bonanza”
This woman’s account seems to scan between before and after her moth-
er’s death, but Vera finds the difficulties with her eldest son still in school-age
and even before her grandmother dies. Vera and her two sons have always
lived in the company of the grandmother, a retired civil servant, who became
dependent on her daughter for the last ten years of her life. A time when Vera
locates her absolute dedication to her sick mother and children, “[...] so dur-
ing that time I managed to keep him under my rein, I took him to school, I
picked him up at school [...]” (sic).
Her narrative – over sixty minutes long – begins with the following
sentence: “I don’t really know what he did.” This not knowing, or a certain
“poorly concealed knowledge” returns sometimes in her account. Her ambigu-
ous narrative presents a woman who was very strict with her son and other
mothers in the same situation as her, but a very positive assessment of the
mother she was to Lucas and the family that always supported him. Later we
will bring other elements of the case that we will comment from the perspec-
tive of Sociology and Psychoanalysis.
5.2 “The other was already looking for death too.”
Jana, with the help of her mother Elisa, tells us part of her life story with
her three children, always with her mother. Jana has a degree of difficulty in
organizing ideas that seem to us that it might be an emotional issue which
puts her in a condition of dependency on her mother, Elisa. However, this
does not prevent her from telling her family history, even if it is not with the
same eloquence as her mother.
About Daniel, Jana states that the boy initiated illicit practices at about
the age of 10, 12, and since then had also begun his life on the streets which,
10 “Ce qui est essentiel, c’est que la mère fonde le père comme médiateur de ce qui est au-delà de sa loi à elle
et de son caprice, à savoir, purement et simplement, la loi comme telle” (LACAN, 1958-1959/2013, p. 191).

290
from the age of 17, becomes Daniel’s way of life. Jana recounts the adoles-
cent’s various passages through the socio-educational system with special
reference to Casa Dom Bosco, a temporary detention center until his freedom
restriction measure at Santa Clara Educational Center.
However, for Jana, there seems to be no way to tell Daniel’s story without
mentioning that of her eldest son, murdered when he was 15. Daniel’s life
story seems to be tied to his brother’s. In fact, Daniel followed the path of his
brother to a high degree, who also lived on the streets, and suffered an attack
on his life when he had his body completely burned.
Jana does not offer much details about this son, only stating that “[...]
he was terrible” (sic). The teenager was being accompanied by the Program
for the Protection of Children Threatened with Death (Programa de Proteção
à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAAM) and, by court
order, Jana was taken with her children to the municipality of Justinópolis
in the metropolitan region of Belo Horizonte in an attempt to protect the
adolescent’s life, but only a fortnight later, he escapes, returns to his family
neighborhood and is murdered near his home. Jana ends this brief account
with the following sentence: “When it was not even two years after the first
one’s death, the other was looking for death too” (sic).
Daniel was also accompanied by PPCAAM and after recidivism receives
the first measure of confinement: 1 year and 6 months for drug trafficking. In
Jana’s assessment, the Integrated Center for Care of Adolescent Authors of
Infringing Act (Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de
Ato Infracional – CIA), which Daniel went through several times, was very
important, “[...] I received a lot of help, my mind was awful” (sic). Daniel’s
maternal grandmother, Dona Elisa, criticizes the system which, in her opinion,
did not consider her daughter’s condition of fragility, in her words, “The judge
had taken her out of here. In their situation they understood the boys’ side
more than hers. [...] He got her out of here and took her there to Justinópolis.”
Jana had no social network in town, only PPCAAM’s material and technical
support, and although her family understands the role of this program, Dona
Elisa seems to believe that under these conditions her daughter was at risk
“[...] I had no means of taking care of her there”.
With the death of her eldest son, Vera returns to her mother’s home, how-
ever, two months after her son’s death, Jana is again taken to Justinópolis, now
because Daniel is also threatened with death. However, for Dona Elisa, “[...]
but with all kinds of help, it didn’t solve anything for them, because you can
have all the help, but if the person doesn’t want to be helped, there’s no way.”
Davidson has been in prison for 2 years for drug trafficking and has become
homeless (as is his brother). Dona Elisa complains about the helplessness in

which the children left Jana, “[...] after all the story I was the only one left to
take care of her. [...] and she fought in every way and what was left for her
was to be alone... ”.
6. Short case analysis
6.1 About women and islands
The social realities presented by Jana and Vera are found in the solitary
exercise of caring for their children and in their father’s absence. The reports
reveal women isolated on their islands who, with a scarce social support net-
work, witness the involvement of their children in infringement trajectories,
still during adolescence. In the scenario experienced by these women, social
networks can function as support in informal social control. Characterized
as internalization of values and socialization, this social control is performed
by parents or their representatives – with the support of neighbors, family
members and community institutions – who supervise their children in the
absence of their guardians.
Jana elucidates, in her emotion-filled speech, that she left her home
early to work and to provide for her family, and in the meantime, she had the
support of her mother. With her son’s involvement in the trajectory of infrac-
tions and his permanence on the street, Jana insisted on trying to change her
son’s reality. “[...] from the age of fifteen to now it was just street, he came
home, he went to the street, he came home, he went to the street, and I would
go after him, I got tired of running after him[...]” (sic). With the infractional
involvement of her child, Jana’s social network is now complemented by social
institutions for the protection of adolescents, as well as social and educational
institutions for confinement.
The trajectory of infractional involvement of the children made Jana fall
ill. She had to interrupt her work activities, putting the family in a situation
of social vulnerability. In an attempt to protect her children, who were threat-
ened with death, Jana moved twice with the support of PPCAAM. However,
informal social control were succumbed by institutional social control: from
drug trafficking, which murdered her first child, and from the criminal system,
which sentenced her second child to serve time for drug trafficking.
Likewise, Vera’s tense reality drove her to neglect the facts “in fact I
don’t know what he did” (sic). Initially, Vera was not socially vulnerable, she
was immersed in her mother’s care. And during that time, she was able to
exercise social control over her son. However, she reports that since child-
hood, Lucas demanded more of her severity, especially in school where he

292
presented challenging behaviors. After her mother’s death, Vera had to work
to secure the livelihood of her family nucleus. At this moment, the social
controls hitherto exerted by Vera, become weak[...] “he felt free, now he has
no one to watch over him as he used to. And he went with bad company and
was arrested three or four times as a minor. [...] And then I didn’t want to
study, I didn’t want anything [...] (sic).
Sampson and Laub (1997) understand that the private exercise of social
control is also treated as the effect of social ties, and these as a mechanism
of inhibition of criminal offense. In such a way that the social bond would be
relative to the attachment and commitment secured in the parental relationship
between parents and children. In the authors’ conception, emotional attach-
ment bonds are necessarily connected with forms of control and monitoring,
as well as facilitating the connection between family and society. On the
other hand, the authors argue that social structure tends to directly influence
the social processes of family functioning and, in a specific way, the social
control exercised by the family.
Given the responsibilities delegated to Vera, refraining from dealing with
her son’s infractional involvement would be one less problem. Thus, in light of
all the challenges required in caring for Lucas since his childhood, persisting
in attempts to encourage him to go to school, preventing him from engaging
in criminal activities, and still having to worry about other concerns – taken
as the sole head of the household – would require more energy than she had
already invested all this time. Thus, Lucas’s arrest would be the possibility
for the state to exercise the social control which Vera could no longer achieve.
The realities of the adolescents’ mothers analyzed here amount to the
discussion about all these family and social crises. And they appear to be
linked to the rise of violent crime. Moreover, these crises bring the frontier
of the crime world closer to family life. It is as if the trajectories allied with
the “world of crime” appeared as an “option” to the deprivations proper to
the social fabric. In short, “when the family breaks down, crime embraces
it” (FELTRAN, 2008).
6.2 “He kisses me on my mouth if I let him!”
Vera and Jana’s position teaches us about mothers’ difficulties in respond-

ing to the demand of their imprisoned child, as well as their suffering in
keeping in touch with their child. Vera does not visit him as she cannot deal
with his prison situation. Even simple telephone calls weigh on her health,
because she is under psychiatric medication.

Vera says she does not (want to) know about her son’s crime that moti-
vated his arrest. In fact, she knows. Her son’s involvement in drug trafficking
was known but disapproved by her. Vera would take money from her son; she
would not even eat pizzas that her son bought with suspicious money. This
showed her attitude of disagreement with her child’s illegal source of income.
Vera addresses her child’s boundless determination. Sometimes it makes
her fascinated, sometimes horrified. For her, Lucas is someone who has made
his choice. And so he remains unbending even after arrest. How can he “not
fear God” (sic)? In Vera’s speech, the fear of God is what could act as a brake
on illegal or dangerous situations, or as a limit on Lucas’s speech and attitudes.
The religious metaphor expresses the weak inscription of the paternal function
to deal with the risks he takes in criminal life.
At the same time, Vera does not resign herself to her son’s lack of pros-
pect of changing his criminal way of life and says that his unbending deter-
mination is a maternal trait. She said that with a smile on her face, despite
the consequences this “stubbornness” has on family life. The “vida louca”
(crazy life) style marked by transgression and boundless enjoyment was, is,
and will be Lucas’s choice.
His father disappeared shortly after the divorce with Vera when Lucas
was 2 years old. There was an uncle Lucas had ties to, but he doesn’t even
mention him as someone he respects, admires, or fears. He does not approach
this uncle as a symbolic father or in the place of paternal substitution. He just
says he liked his uncle.
As for Vera’s relationship with Lucas, the tones are much more intense.
Single during most of her child’s upbringing, the mother says that he is closer
to her image: cheerful, fun and “determined”. “He kisses me on the lips if I
let him” she says about the strength of their relationship, expressing the erotic
element and the present sexuality. Lucas doesn’t like his mother’s boyfriend
and tries to bring money to the house.
Vera tells us about the awkward moment of marital divorce and its impact
on her motherly image to Lucas. Vera was single since the moment her partner
left until when her mother died. After that, she resumed a relationship she had
before meeting Lucas’s father. However, the mother-child tensions started
there, the son does not like his mother’s new partner, because he believes that
his mother was unfaithful and that caused his father estrangement.
Vera does not explain this misunderstanding exactly, but defends herself
by saying that she did not cheat. She merely states that it was an unresolved
and miscommunicated story that never really resolved itself. What passed
from mother to son was an awkward silence about what was Vera’s desire?

294
The imprisoned son seems to put on stage the deviant behavior of Vera’s
own father, which we will call José. This one lived without an income, sup-
ported entirely by his grandmother. After his mother’s death, he was home-
less and involved in drug use. She said nothing about José’s involvement
in trafficking.
Vera’s place in the family is one of sacrifice and of doing the dirty
maternal work that no one wants to do or help with. In addition to having her
professional life stopped for ten years to take care of her mother, she rescued,
cared for and managed to help her father – who is not very grateful to her
nowadays – get a retirement plan. Finally, family demands weigh heavily and
she plans to move with her current partner to distance herself from the family
universe which is so detrimental for her mental health. Her health condition is
aggravated by the involvement of her child with crime that imposes a major
stress and is also responsible for her current depressive condition.
She says Lucas is a storm, and her youngest son is the bonanza, express-
ing how difficult living with Lucas is. Some of her statements lead us to iden-
tify something beyond the storm. Something of the order of movement, the
outburst, and the intense life that Lucas seems to convey and that fascinates
his mother. In the words of the mother “[...] he is more like me, he is cheerful,
fun and determined”. Perhaps there is no better description than the expression
of dread and fascination that the spectacle of a storm causes.
The letter which Vera hesitates to deliver to her son expresses a stormy
love with pain. “Do not forget that motherly love is unconditional and there
is no one who holds you as dear as I do. I love you very much. She also talks
about something that went wrong in her child’s education but does not know
what it is. “Don’t be wrong forever. Please wake up while it’s time.” However,
Lucas seems determined, like his mother. Vera who was always trapped taking
care of others. Luke seems to be glued to the maternal phantom of absolute
freedom, free from all, even the “fear of God.” Free from the brakes of civi-
lized life, even if it is within a prison.
6.3 Letters of love or of a misplaced desire...
The cases here presented display the letters as a signifier that seems to
articulate the unspoken or the unspeakable between these mothers and their
children. The act of writing, by itself, receives in Lacanian theory a rather
peculiar and challenging treatment for even the most experienced theorists.
Is it certain that writing as such holds a signifier status? This is a very
justified question, since:

Lacan attributes, discovers, and invents to writing a distinct statute of

meaning. [...] At the end of the first published Seminar, Lacan takes us in
distinct and based manner to a small text that defines writings as some-
thing to not read, and the no, without mistake in the term, is a negation.
[...] Writings as such, in Lacan’s sense, are not to be read. What are you
talking about? What is its twisted use? And what justifies the separation
of writing and reading? (MILLER, 2012, p. 6-7)
Therefore, a writing or an unsent letter – as well as those that will never

be answered – draws our attention beyond what is communicated in its literal-
ness, but rather, we are interested in “the folds and turns”, because, as Lacan
states (1966/1998, p. 20) “In this example, we can see how much communi-
cation can give the impression, in which the theory often cannot reach, that
it only has a single meaning in its transmission [...]”. In the letters involving
Vera and Jana we look for other meanings.
In the case of Jana we have the presence of letters as a mark of com-
munication that is not established, but here it is the son who sends the letters
without getting answers from his mother, “[...] you know why I don’t write,
because I forgot how to do it, my writing is messed up... I really forgot how
to write, reading I can read everything... I’m still shaking, I’m shaking too
much” (sic)
What does Jana’s stubborn refusal to answer the letters of her imprisoned
son tell us? A negative followed by the justifications of forgetting how to
write, forgetting the mechanical act that becomes writing after its acquisition
in literacy. This case – since we do not have access to the letters sent by the
young man to his mother, but mainly due to Jana’s scarce elaboration – gives
us few elements to comment on; however, the letters maintain the tenuous
family bond here too. Jana reads but does not write, she listens (reads) to her
son’s calls but does not respond to them.
Contrary to what Vera presents us, as we will see ahead, who avoids
all possible forms of contact with the child, she does not want to hear. A
contact which, in the present circumstance, can only be done by telephone
or in person through visits to the prison or, in a nonstandard condition, via
the internet (email, social networks etc.). According to Vera, the possibility
of visiting is ruled out, “[...] I can’t handle it, I can’t!” (sic). It should also be
mentioned that what is said by the boy is discredited,” [...] he does not tell
me the truth and I also do not believe the things he says. [...] he has already
tried to speak, but I did not want to hear, I do not want to know about these
stories of violence” (sic) The words in the oral record interdicted here do
not create conditions of approximation between Lucas and Vera, who seems
to be determined to avoid knowing about Lucas’s life. What does this child

296
denounce as unbearable to him? We only know that Vera chooses a way which
is as old as it is unusual – in these times of digitalization – to address her son,
a letter in her own handwriting.
For all this and for so many harsh statements recorded in her narrative
that bring us an austere and rigorous image of Vera, we are surprised at the
letter addressed to her son she offers to read. Vera reads – in an emotional
manner – to the researcher the letter she wrote, but did not send to Lucas.
“Beloved Son!” (sic), this will be the first sentence Lucas will read if he ever
holds this letter in his hands. Until that moment, the letter remained there
without reaching its destination. And what would its fate be? Vera makes her
letter heard, not by the advertised recipient, but by another in which, perhaps,
she supposes some knowledge, and by herself.
According to Lacan (1976-1977), a letter that does not arrive, une lettre
en instance, is a suspended letter, a waiting letter. According to Fingermann
(2013), the condition of an unsent letter expresses “something of the order of
constancy, perseverance, insistence, something of an imminence in suspense”,
therefore, of a certain becoming. With this perspective, perhaps we can say
that the letter in question demonstrates that the mother persists, in her own
way, in the possibility of the child constructing another exit, different from
crime, for their questions.
However, Lacan (1976-1977) states that a pending letter, this writing in
suspension is a writing that has no answer in the Other. Fingermann (2013,
p. 123) understands this statement by Lacan as follows: “something happens
that causes discomfort, or delight, but shakes, disconcerts, stuns, punctures
–traumatizes, therefore – a symptom written in letters of suffering in the flesh
of the subject (Lacan, 1953/1998)”11. The letter as a resource that, like so many
others, is partial – “softens the pathos” and the body symptoms, as Vera and
Jana may testify, “forge another scripture.” Fingermann recognizes in the letter
en souffrance (which can be translated as the letter in distress or on hold), “an
emergency point” as of the order of the cry that is not transmuted into appeal.
In “The Instance of the Letter”, Lacan (1972/1998) warns that although
there is no answer in the Other, “[...] keeping there in any case the price of
this letter that I say always reaches where it should”. A commentary which is
consistent with his Seminar “The Purloined Letter” (1966/1998) in which he
reaffirms Poe’s proposition12 (1844/1978) that a letter always reaches its des-
tination. If so, what is our part in this? We who made ourselves circumstantial
recipients, what would be our response to this appeal? Or what would be the
final destination of this letter? Fingermann also turns to Joyce for this answer:
11 The reference pointed above is: LACAN, J. Função e Campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953).
In: LACAN, J. Escritos.Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 238-324.
12 POE, E. A. The Purloined Letter. In: MABBOTT, T. O. The Collected Works of Edgar Allan Poe, Tales &
Sketches II. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 1978. v. 3.

Between cry and writing [cri et écrit], something stretches, reaches,

touches. Joyce developed this, if we may say so, in its symptom: what
achieves – in the sense of impact – not meaning, but enjoyment. A writ-
ing which is not to be read, but heard, as Joyce said [...]: “Oh, it is not
written at all. Nor is it meant to be read; is made to be looked and heard”
(FINGERMANN, 2013, p. 124).
Another letter which is no less famous, not stolen as in Poe’s tale but
retained as in Vera’s case, Franz Kafka’s “Letter to the Father” (1952), was
also subjected to a study from the psychoanalytic perspective. Portuguese
philosopher and psychoanalyst Filipe Pereirinha (2013) dedicated a discus-
sion to the same question:
Can a letter reach its destination even when it is not sent? [...] Apparently
Kafka’s “Letter to the Father” seems to belie Lacan’s statement that “a let-
ter always reaches its destination,” since it was never actually sent, and as
such, the father could not receive it in fact (PEREIRINHA, 2013, p. 2017).
Generally speaking, it is a letter in which Kafka answers the question his

father had asked him: “you asked me a short time ago why I claim to be afraid
of you” (KAFKA apud PEREIRINHA, 2013, p. 208), around this question
Kafka builds his argument far beyond the expected answer.
Vera also raises a question in her letter, perhaps to herself. By the way,
this is her second sentence in the letter after declaring her love for the child,
“[...] I don’t know where I went wrong with you and forgive me for it” (Sic),
thus, what could not be said in the presence of the child, is drawn through the
written word, “what is impossible to say is transmuted by desire” (PEREIR-
INHA, 2013, p. 208). Writing a carefully constructed answer to veil what
is fundamental, what is impossible to say, a “truth” that is never absolute,
but in its varieties or versions, supporting the case by case in accordance to
Pereirinha (2013).
At one point in his letter to his father, Kafka makes use of a curious
literary resource: he reverses the roles and responds to his own statements
intended for his father as if they were his own. Pereirinha (2013), recovers
in Lacan, more specifically in Seminar XXIII (1975-1976) the articulations
between the father and symptom to comment precisely on what may be for
many an innocent literary subversion, but which in his psychoanalytic reading
denounces “a fold, a turning point ” that clarifies the position of the author of
the letter in relation to his father.
In fact, this father to whom the author addresses his recriminations, who
gives the opportunity to object, whom he replies again, will not finally be

298
an ecstatic symptom of himself, that is, something that is his most familiar
(intimate) thing and strange at the same time? Perhaps that is why the
letter – which was written and rewritten – has never been sent, since the
sender coincides, after all, with its recipient (PEREIRINHA, 2013, p. 212).
Perhaps this is also the fate of the letter that Vera – let us remind – always
carries with her. It is a destiny to reflect, as in a reverse mirror, an intimate
stranger that the child realizes in his own existence, implications of the mater-
nal ambiguity that oscillates their desire.
Jana’s case seems to us all the more dramatic and tragic. Jana seems to
be locked in a vacuum between a past of struggle and the impossibility of a
future. Jana who laid down her weapons and took shelter definitively in the
unknowing, helplessness and oblivion veiled by her mother. The son continues
to write to her, and perhaps there is no expectation of an answer, but a commit-
ment to perseverance, with insistence, to “no let go” (PEREIRINHA, 2013)
like Kafka with his father. According to Fingermann the letter will only reach
its destination when it empties this exchange value, the message encrypted
by the symptom “[...] so that you can make use of it for anything else [...],
other than reiterating the romance from which you can finally disconnect (se
désabonner), detach yourself ” (FINGERMANN, 2013, p. 128).
The letters we have commented on here, which are presented as an alle-
gory of the unspoken rule established between these adolescents and their
mothers, fulfill their role of minimally sustaining the bond between them.
However, keeping everyone at some distance from the riddle of a desire that
has gone astray, perhaps because it does not find its sufficient point. A safe
distance demanded by these young people from an early age and increased
by the bars that now separate them from their mothers.
7. Final remarks
In this study we seek to reflect, from the narratives of the mothers of two
adolescents in conflict with the law, the position of the woman-mother when
summoned by public policies to answer for the care and protection of these
young people in the public scenario. Even before this call, even before the
drama unfolding at an early age in the lives of these young people, we must
recognize life stories that involve various actors and contingencies – almost
always in a scenario of exclusion and poverty – and which give the subject
enormous complexity.
We base our argument within two theoretical perspectives, the socio-
logical and the psychoanalytic, which we believe keep open the channels of
dialogue and, in a transdisciplinary effort, try to confront such complexity

and its contradictions. From the sociological bias we consider the social ties
established in the family as well as the exercise of informal social control and
the support of the social network.
In the analysis of the studied cases, the evidences point to a greater dif-
ficulty of the poor individuals in creating and maintaining their networks. This,
according to Marques (2007), could be related to the trajectory of adolescents
and their families, in which the problem of maintaining relationships may
also be associated with the migration process, the type of sociability and the
resources that these individuals have in different social groups.
In the division of responsibilities between family, society and state
regarding the safety and development of these adolescents, there are few
protection scenarios. Unprotection seems to be on the agenda of the day, either
because of the precariousness of our policies and public facilities aimed at
this public, or the fragility of families already described above. Beyond this
objective framework, we also approach an even more challenging universe
of psychic order, which challenges the manuals, methods and protocols of
public systems. It is the subjective scene that exposes our perplexity in the
face of the desiring subject, albeit a deadly desire, that does not recede even
through the terrifying experience of imprisonment.
Therefore, we believe in the importance of avoiding the reproduction of
judgments and prejudices of the young offenders’ mothers. We also observed
a tendency to blame them, even though they face high workloads, domestic
duties and the neglect of the fathers of the adolescents. However, it is impor-
tant to recognize the tension between social blaming and the need to analyze
the implication in the unconscious scene of the subjects involved. Such axes
of analysis, supposedly polarized, can and should dialogue together to better
grasp the dimensions of the experiences of suffering at play in the offensive
trajectory of young Brazilians.

300
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CONCLUSÃO
No percurso de investigação a que chegamos agora ao final, centramo-

-nos nas principais discussões que trazem uma dimensão inovadora à análise
acerca da desistência do crime entre adolescentes, material pouco explorado,
que aqui ganhou um tratamento transdisciplinar. Recuperando os passos da
pesquisa, acrescentamos aquelas descobertas que se sobrepuseram ao plano
inicial como categorias emergentes (GALLO; RAMIREZ, 2012) do trabalho
de campo.
Se ao tempo da proposição da pesquisa, tínhamos como objetivos espe-
cíficos analisar os eventos e turning points determinantes para entrada, per-
manência e desistência de adolescentes em vulnerabilidade na trajetória
delinquencial, seus principais resultados encontram-se, especialmente, nos
capítulos 4, 5 e 6 desta obra. Aqui nós nos deteremos nas transversalidades
institucionais e no impacto de eventos no curso de vida em seu caráter dialé-
tico-reflexivo sobre a conduta do jovem.
Como exposto no capítulo metodológico, a equipe partiu de um diá-
logo transdisciplinar entre a sociologia, a psicanálise, o direito, a educa-
ção e a saúde, em relação à teoria criminológica da desistência do crime
(GLUECK; GLUECK, 1950), a partir da análise do curso de vida (SAMP-
SON; LAUB, 1993; THORNBERRY; KROHN, 2001) e da criminologia
lacaniana (LACAN, 1950/1998). Assim, com essa finalidade, reunimos duas
principais matrizes teóricas, a saber: a teoria do curso de vida e a abordagem
psicanalítica do crime. Na perspectiva sociológica, foi proposta a explicação
dos fatores que influenciam o início, a persistência e a interrupção da atividade
infracional ao longo do curso de vida dos indivíduos, interrelacionados aos
pontos de virada. Seus pressupostos centrais são:

víduos ao longo do seu curso de vida (p. ex.: relativas à família, à
escola, a fatores de risco, ao contato com a justiça criminal). Suas
análises focam os fatores determinantes da entrada, da continuidade
e da desistência da atividade infracional e permitem analisar as

304
mudanças e as continuidades na atividade infracional ao longo do

tempo, pois considera o ordenamento temporal e as mudanças nos
fatores determinantes com a idade.
No que se refere à psicanálise, encontramos uma teoria da adesão que

filia os adolescentes à normatização do crime, ancorada em regras extrínsecas
às da Lei Jurídica, mas que convivem com esta, numa lógica não contradi-
tória, que inclui os códigos legislativos ao lado da “lei de ferro” do crime
(LACAN, 1973-1974). Lacan fala de resoluções dialéticas na gênese do eu,
reformulando-se através do atravessamento de diferentes complexos – des-
mame, intrusão, édipo, puberdade e adolescência – “numa forma cada vez mais
alienante para as pulsões que ali são frustradas e cada vez menos ideal para as
que ali encontram sua normalização” (LACAN, 1950/1998, p. 142). Assim, o
encontro com o crime em uma dessas passagens, pode ser um condicionante
forte para a entrada e permanência no crime. Supusemos que o objeto crimi-
nogênico encontra entre a latência e a adolescência uma matriz constitutiva,
quando a criança é confrontada com a falência de seu saber infantil, com a
inautenticação do saber parental ou da tradição e com seu modo de operar
com o corpo no mundo (FREUD, 1905/1976).
Também sabemos que os jovens se envolvem em relações rivalitárias,
retaliatórias, entre gangues e grupos, a partir do “espelho sangrento” (RAMI-
REZ, 2007), ou circuito que vai da revolta, passa pela vingança, e culmina
na morte, retroalimentando a mortalidade e a proscrição desses corpos na
cena política da cidade. Nessa lógica, a oferta do saber-fazer do crime pode
se articular como orientação para a consolidação de uma nova forma de fun-
cionamento do adolescente no laço social, seja ela transitória ou permanente.
A presença concreta e simbólica do modus vivendi do crime nas comu-
nidades urbanas de baixa renda (aglomerados e favelas, bairros e guerrilhas,
banlieues e guetos) faz face à ausência de referências da tradição, na trans-
missão de modos de vida, parecendo produzir um enlace pulsional do púbere
com o objeto criminogênico na resolução da passagem adolescente. Essa
aderência transitória à transgressão demarca um atravessamento estrutural
enfrentado por todo sujeito na passagem para a vida adulta – por isso dizemos
que a transgressão é uma marca estrutural da adolescência –, podendo ser
temporária ou resolutiva, culminando (ou não) na decisão por um estilo de
vida criminoso (GUERRA; SILVA; LIMA, 2016; MOFFITT, 1993).
Entendemos que a realidade subjetiva não pode ser pensada desconec-
tada da realidade política e econômica. Assim, a intervenção sobre uma des-
sas dimensões interfere na outra de modo não equivalente, mas operatório,
gerando efeitos de mudança nos dois planos e podendo engajar o sujeito em
novos arranjos para resolução de conflitos, diferentes do crime. Essa relação

entre a subjetividade da experiência e a objetividade da realidade não significa

uma equivalência, mas uma relação de continuidade, na qual essas esferas não
são pensadas separadamente (GUERRA; MARTINS, 2013).
Conduzidos por essas interrogações, a coleta de dados nos permitiu ir
além da abordagem estática sobre a reincidência, que se esgota em selecionar
uma das muitas definições do conceito e mensurá-lo, em direção à análise
das interações ao longo do curso de vida dos adolescentes e jovens entre as
trajetórias biográficas, infracional e institucional. Distante do reducionismo da
abordagem monista da reincidência, esse estudo trata, portanto, de capturar,
através das trajetórias reconstituídas na sua singularidade e complexidade
próprias, as conexões e desconexões entre a trajetória biográfica, infracional
e institucional.
Assim, para além dos fatos concretos da profusão de eventos, dos fatores
de risco, das transições e das rupturas no curso de vida, especialmente no
momento da adolescência, que foram reconstituídos na investigação empí-
rica, emergiu uma constatação geral ao término da pesquisa: para a maioria
dos adolescentes e jovens reincidentes, a trajetória institucional (a passagem
pelas medidas socioeducativas de meio fechado e aberto) só ganha sentido se
considerada simbolicamente em relação à trajetória biográfica e infracional.
Ou seja, verificamos que sua trajetória institucional é permeada e entrelaçada
por sua trajetória biográfica e infracional as quais, tomadas conjuntamente,
estruturam sua capacidade de mudar de vida.
O percurso que se encerra com essa investigação organiza também
três elementos inéditos que se acrescentam às demais reflexões alinhadas à
bibliografia corrente sobre o tema da adesão, manutenção e desistência do
crime na adolescência. A rigor, os estudos sociológicos se detêm no plano
macrossocial de leitura dos condicionantes do crime, sem negar os fatores
e eventos particulares dos sujeitos determinantes como transições em suas
vidas (BENSON, 2013). Buscam sistematizar marcadores sociais conceituais
responsáveis pelos modos de escolha pelo crime no campo da Sociologia do
Crime. A psicanálise, por seu turno, desenha uma farta bibliografia dedicada
à adolescência, momento de fecunda elaboração psíquica, porém, sem se
dedicar longamente à sua relação com o crime. Ademais, o saber informal do
jovem acrescenta a esse repertório científico um saber-fazer com a vivência
adolescente e com o crime que nutre, num circuito dialético, a troca de saberes
transdisciplinares referentes à adolescência autora de ato infracional.
O trabalho de campo, mais do que a revisão do estado da arte e os estudos
teórico-conceituais, como já explicitado ao longo deste livro, defrontaram
os pesquisadores com experiências inéditas que se agregam ao campo trans-
disciplinar já constituído em torno da relação adolescência-infração. Elas

306
exigiram uma recomposição do quadro analítico tradicional, recompondo a

relação problema-encaminhamento.
Em especial, na conclusão dessa pesquisa, nos deteremos em três cola-
borações conceituais inovadoras e fundamentais ao campo da criminologia
dedicada à adolescência, partindo da realidade brasileira e de considerações
tecidas a partir do grupo de pesquisa estudado. São elas:
1. A precocidade da entrada no crime;

2. A incidência maciça das migrações urbanas;
3. A família processual.
Nas narrativas memorialísticas oferecidas pelos adolescentes e jovens

destacou-se a infância como tempo de entrada nas primeiras relações de afeto
e de identificação com figuras e espaços ocupados pela criminalidade, assim
como no uso de drogas, lícitas ou ilícitas. Essa precocidade exige intervenção
prematura por parte do Estado, na medida em que modos de vida familiares
desses territórios de aglomerados urbanos não instituem códigos de valores
e regras que excluam o laço com o crime.
A precocidade se soma a uma migração urbana intensa dentro dos mes-
mos territórios urbanos – ou ainda entre territorialidades diversas –, consti-
tuindo uma flutuação de referências de pertencimento e de laços afetivos de
fraco vínculo. A migração urbana interna intra e entre localidades urbanas,
assim, merece maior dedicação em termos de pesquisa e monitoramento.
Finalmente, a ausência de famílias nucleares tradicionais e mesmo esten-
didas foi fato notório encontrado nessa pesquisa que fortalece descobertas
anteriores e se abre como elemento a ser mais detidamente investigado. Antes
da adolescência, a maioria dos entrevistados passou por diferentes configu-
rações e desenhos “familiares” que incluem, desde as instituições de abriga-
mento até a composição nuclear disposta em espaços residenciais múltiplos,
num espectro que não nos autoriza mais a pensar que a família seja a sede da
organização subjetiva de transmissão e filiação na contemporaneidade – ao
menos entre populações em situação de vulnerabilidade.
Vejamos, de maneira mais detida, cada um destes três novos elementos:
1. A precocidade da entrada no crime
1.1 Problema
Agora, estabelecidos os termos, nosso campo e nosso objeto, apresenta-

mos nossa descoberta acerca da precocidade da entrada na via criminosa, para
concluir, como novidade transdisciplinar em colaboração à criminologia: a
agressividade imaginária soma-se à pulsão de morte estrutural, quando a falta

de adequação simbólica, a partir do campo do Outro, faz abortar uma identi-

ficação resolutiva na passagem adolescente. Essa passagem pode determinar
com isso um certo “tipo de objeto que se torna criminogênico na suspensão
da dialética do eu” (LACAN, 1950/1998, p. 143), conferindo uma vestimenta
ao objeto a. Donde nossa hipótese psicanalítica, em colaboração com o campo
criminológico, de que, no momento em que há o estancamento pelo Outro
social da dialética que permitiria a extração de uma identificação resolutiva na
adolescência, formula-se como resposta na puberdade a construção do objeto
criminogênico, assinalando-se um impasse (sem superação?) no confronto
com a angústia de castração na puberdade. Dessa resolutividade em suspenso,
extrai-se a lógica que passa a regular a solução do púbere, junto a uma nova
orientação para o desejo e junto ao aparecimento do objeto criminogênico na
fórmula do gozo do sujeito, a partir de então.
Paralelamente, o crime ao qual os sujeitos da pesquisa são rotulados não
ocorre ao acaso. A pesquisa permitiu confirmar que o envolvimento em um
ciclo de violências e concentração de desvantagens que afetam suas vidas de
distintas formas, mas quase sempre alterando seu curso de vida na direção de
uma trajetória de abandonos dos padrões normativos societários e, na outra
direção, de infrações e conflitos que ocorrem muito cedo em suas vidas. Neste
processo, esses adolescentes encontram com outros em situações similares
ou já envolvidos com a delinquência juvenil e, nesse rede, encontram muitas
vezes suporte e oportunidades para o ingresso nesta trajetória.
Assim, podemos resumir nossa colaboração transdisciplinar como a de
que o laço com o crime nasce ainda na latência, no alvorecer da puberdade,
quando a criança é confrontada com a falência de seu saber e de seu modo
de operar com o mundo, havendo uma oferta do saber-fazer do crime como
orientação para consolidação de uma nova forma de funcionamento pulsional
no laço social, antecipando um modo novo de satisfação pulsional genital. A
presença concreta e simbólica do modus vivendi do crime nas comunidades
urbanas de baixa renda faz face à ausência de referências da tradição na trans-
missão de modos de vida, produzindo um enlace pulsional do púbere com o
objeto criminogênico na resolução da passagem adolescente, sobretudo pela
via da identificação. Essa aderência transitória à transgressão demarca um
atravessamento estrutural enfrentado por todo sujeito falante na passagem
para a vida adulta, podendo ser temporário ou resolutivo, culminando (ou
não) na decisão por um estilo de vida criminoso.
1.2 Encaminhamento
Daí também supormos, pela via das soluções inventivas de inspiração

freudiana quanto ao campo das alternativas ao crime na adolescência que:

308
1. a abordagem da intensidade da experiência pulsional de corpo (adre-

nalina) através da oferta ou legitimação de expressões culturais e
artísticas em movimento;
2. da ressignificação e ampliação da adesão e da circulação restrita a
códigos simbólicos e imaginários de pertencimento submetidos à
lei de ferro do crime, bem como;
3. a criação e o uso da palavra em novos circuitos que favoreçam
modos distintos de nominação (que não os apelidos no crime), per-
mitiriam a composição de outras fórmulas e soluções adolescentes,
contribuindo com a clínica psicanalítica na adolescência e com as
metodologias de intervenção das políticas públicas de justiça, segu-
rança pública e assistência social, dirigidas ao adolescente autor de
ato infracional. Podemos, então, abaixo reunir nossa colaboração:
• Ações orientadas pelo adolescente (diferente da intersetorialidade)

–> adolescente-guia como novo plano de ação pública;
• Promoção de laços já na infância;
• Contabilização dos eventos (pontos de virada ou turning points);
• Trabalho com eventos antes de se acumularem em direção
à criminalidade.
2. A incidência maciça das migrações urbanas
2.1 Problema
A experiência de campo, com todas as dificuldades de acessibilidade,

localização dos sujeitos e recepção dos pesquisadores, evidenciou a impor-
tância da dinâmica dos territórios na configuração da realidade do crime. As
migrações urbanas foram notáveis e evidenciaram um modo de pertencimento
e de ocupação do espaço mais fluido e volátil que o tradicional. Entendemos,
com Santos (1996), o espaço como a totalidade verdadeira, semelhante ao
casamento entre configuração territorial, paisagem e sociedade, enquanto o
território seria a configuração de vida que esse espaço apresenta.
Assim, as formas do território podem, durante muito tempo, permanecer
as mesmas, mas, como a sociedade está sempre em movimento, a mesma
paisagem, a mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso
histórico, espaços diferentes (SANTOS, 1996). Esses espaços diferentes e
as espacialidades singulares ali constituídas, são resultado das articulações
entre a sociedade, o espaço e a natureza. Assim, o território poderá adotar
espacialidades particulares, conforme aconteça o movimento da sociedade em

seus múltiplos aspectos. Daí depreendermos a importância do conhecimento

sistemático da realidade, mediante o tratamento analítico desse seu aspecto
fundamental que é o território. É essencial rever a realidade de dentro, isto é,
interrogar sua própria constituição interna, sobretudo no que diz respeito às
oportunidades diferenciais associadas ao território e como estas podem agir
como um terreno fértil para o estabelecimento de condutas delinquências por
parte de alguns jovens.
Portanto, ocupar o território significa que “o sujeito encontra sua casa em
um ponto situado no Outro” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 58). Daí a casa, o
espaço habitado, ser sempre marcado pela mira do Outro que vigia. A cons-
trução de espaços protegidos indica, além da proteção contra as intempéries
da natureza, a defesa contra esse olhar. Nesse sentido, a construção do espaço
da intimidade tem sempre uma estrutura singular e uma história personalizada
que indicam caminhos de pesquisa para compreensão da migração urbana e
sua relação com o crime.
2.2 Encaminhamento
Pensar a partir do território abre, assim, outra configuração analítica

transdisciplinar que, de saída, nos indica alguns novos aspectos orientado-
res. Vejamos algumas das possibilidades de encaminhá-los, através de ações
efetivas no nível das políticas públicas:
• Fortalecer a rede protetiva significativa para o adolescente (gati-

lhos pendulares);
• Elencar e operar a partir de elementos expulsivos e impulsionadores
de laços de pertencimento;
• Criar um sistema de geoinformação com dados oficiais, mas também
oficiosos de circulação e pertencimento;
• Criar centros de referência de migração urbana em territórios de
vulnerabilidade e criminalidade violenta.
3. A família processual
3.1 Problema
O plano familiar apresentado nas narrativas memorialísticas desta inves-

tigação atualiza descoberta de outra recém finalizada (GUERRA; MOREIRA;
MALTA; GALHARDO, 2019). Naquela, o deslize processual de crianças e
adolescentes entre modos de agregação familiar tornou impossível verificar
o desenho de cada família. Optamos, na ocasião por denominar “famílias

310
processuais” essa lógica, reconhecendo mais sua dinâmica e menos sua con-
figuração estática. Longe de inventar novos nomes para os mesmos processos
(KEHL, 2003), reconhecemos e confirmamos na pesquisa atual, uma outra
lógica de pertencimento entre esse público infanto-juvenil, questionando quais
seria suas consequências em termos de filiação e transmissão.
A noção de parentalidade (BROUSSE, 2010) tem servido à função de
atualizar o tema, deslocando dos papéis tradicionais as funções materna e
paterna, passíveis de serem simbolicamente orientadas por quaisquer outros
suportes afetivos. Mais recentemente, porém, temos testemunhado deslizes
entre as figuras que ocupam essas funções simbólicas estruturantes: paterna
e materna, colocando em xeque a própria noção de parentalidade, assentada
na lógica simbólica do exercício de funções em estruturas fixas, com variação
apenas quanto a seus elementos (DELEUZE, 1973).
Nesse sentido, a noção matemática de categorias1, que podem interrela-
cionar objetos matemáticos diversos, tem sido mais útil que a lógica clássica de
conjuntos e pertencimentos, com as noções de união, intersecção, pertencimento
e não pertencimento, para pensar a lógica contemporânea de pertencimento
familiar. A teoria das categorias pode ser entendida como um “jogo de setas”,
em que se abstrai o significado das construções. Nesse sentido, ela fornece meca-
nismos lógicos para analisar diferentes estruturas, correlacionando-as. A única
operação exigida em uma categoria é a composição, relacionada às funções.
Se, conforme a psicanálise em transdisciplinaridade com a sociologia e
o saber do jovem, depara-se com situações traumáticas reeditadas na relação
com o crime, podemos nos perguntar se aí não confirmamos a hipótese de que a
família teria origem no mal-entendido, na decepção, no abuso sexual ou no crime
(MILLER, 2007). Em outros termos, é o campo do gozo e do real que não se
traduz que, no final das contas, configura o que pode vir a constituir um campo
semântico, que hoje ainda denominamos família. Nessa perspectiva, a família será
marcada pelo que não se inscreve, seus segredos, seus traumas (MILLER, 2007).
Hipótese fartamente confirmadas pelas narrativas ao longo dessa obra.
A falha na transmissão integral de um modo de viver pelo Outro evidencia

uma situação estrutural: o gozo vivo do corpo, não integralizável pela lin-
guagem, sempre força sua inscrição, ainda que parcial. Entre o corpo falado
pelo Outro e o real do corpo falante que insiste, cada sujeito se constitui em
1 A teoria das categorias é uma teoria matemática que trata de forma abstrata das estruturas matemáticas e
dos relacionamentos entre elas. A teoria das categorias foi pela primeira vez apresentada por Samuel Eilenberg
e Saunders Mac Lane em 1945, como uma teoria relacionada com topologia algébrica. Ela é uma generaliza-
ção da teoria dos conjuntos. Nela são estudados objetos e morfismos entre estes. Estes objetos podem ser
entendidos como conjuntos estruturados e os morfismos (também chamados de setas) como funções entre
estes conjuntos, embora, nos casos mais gerais de categorias, este paralelo não possa ser feito (Wikipedia).

seu limiar. O modo como a língua se prende ao corpo não é, assim, uma
questão de aprendizagem. Trata-se de um trabalho subjetivo que passa pelo
Outro para operar uma solução além dele. O Outro não deixa de ter aí sua
função (GUERRA; MOREIRA; MALTA; GALHARDO, 2019, p. 210-211).
A família, ou melhor, a estrutura na qual se forma o núcleo em torno do

qual se encontra o jovem é fundamental no entendimento dos laços e trajetó-
rias por ele estabelecidos. Não se pode deixar de considerar que é exatamente
neste universo da família, seja qual for seu formato, que a criança é exposta a
definições (SUTHERLAND, 1947) bem como onde se processa todo conjunto
de aprendizado formal e informal que esse sujeito agrega à sua biografia.
Os dados nos levaram então a confirmar a hipótese de que há uma lógica
continuísta de agenciamento simbólico sobre o real e o imaginário, que con-
figura um novo plano analítico para pensar, na contemporaneidade, os modos
de filiação e desfiliação familiar. O efeito dessa lógica continuísta é a descon-
tinuidade e a dispersão de fórmulas de transmissão que convivem de maneira
múltipla e sem centralidade no interior de cada família e, consequentemente,
de cada arranjo societário.
3.2 Encaminhamento
A partir dessa constatação, sugerem-se novas proposições ao tradicional

problema social, oriundo dessa lógica continuísta de composição familiar:
• Criação de política de monitoramento, orientação e escuta das famí-

lias processuais, a partir do que se matricia como relação mãe-filho
– ou seja, a orientação política não deveria ser a família estendida,
mas a matriz da relação de corpo e cuidado estabelecido com o bebê
e seu sequenciamento até a adolescência;
• Implementação de modelo pautado no ECA com ações sociopro-
tetivas prevalentes e aliadas às socioeducativas, identificando os
laços de pertencimento com carentes de cuidado, e não apenas como
agente promotor de acolhida ao adolescente;
• Reconhecimento e uso integrado da diversidade de laços não tradi-
cionais na prática das ações institucionais;
• Teorização e transmissão dos diferentes modos de operar das famí-
lias processuais no território;
• Acolhimento das demandas de fala pelos familiares.
Como se vê, há no horizonte dessa pesquisa novos aportes a serem devida

e detidamente explorados. Mãos à obra!

312
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SUTHERLAND, E. Principles of Criminology. 4th. edition. Chicago: J. B.

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THORNBERRY, T. P.; KROHN, M. D. The Development of Delinquency:

An interactional perspective. In: WHITE, S. O. (ed.). Handbook of youth
and justice. New York: Kluwer Academic Publishers, 2001. p. 289-305. DOI:
http://dx.doi.org/10.1007/978-1-4615-1289-9_15

CONCLUSION
Braulio Figueiredo Alves da Silva
In the course of the investigation which we are now reaching the end of,
we focused on the main discussions that bring an innovative dimension to
the analysis of crime dropout among adolescents, a matter which is not suf-
ficiently explored, and received a transdisciplinary treatment here. Recalling
the research steps, we added those findings that overlapped the initial plan as
emerging categories (GALLO; RAMIREZ, 2012) of fieldwork.
If at the time of the research proposal we had – as specific objectives – the
analysis of the events and turning points that determine entry, permanence
and withdrawal of adolescents in vulnerability into delinquential trajectory,
its main results are found, especially, in chapters 4, 5 and 6 of this work. Here
we will dwell on the institutional cross-sections and the impact of life course
events on its dialectical-reflective character on the conduct of youngsters.
As stated in the Methodology chapter, the team started from a trans-
disciplinary dialogue between sociology, psychoanalysis, law, education
and health, in relation to the criminological theory of crime withdrawal
(GLUECK; GLUECK, 1950), based on life course analysis (SAMPSON;
LAUB, 1993; THORNBERRY; KROHN, 2001); and Lacanian criminology
(LACAN, 1950/1998). Thus, for this purpose, we bring together two main
theoretical matrices, namely: life course theory and psychoanalytic approach
to crime. From the sociological perspective, we proposed an explanation of
the factors that influence the onset, persistence and interruption of infractional
activity throughout the individuals’ life course. Factors which are interrelated
to the turning points. Its central assumptions are:
I. changes regarding age in delinquency have structured sequences

and patterns;
II. the development of delinquency is dependent on the development
of biographical and institutional trajectory of individuals throughout
their life course (as in relating to family, school, risk factors, and
contact with criminal justice). Its analyzes focus on the factors that
determine entry, continuity and withdrawal from infractional activity
and allow us to analyze changes and continuities in the infractional
trajectory over time, as it considers temporal ordering and changes
in determining factors with age.

316
Regarding psychoanalysis, we find a theory of adherence that affiliates

adolescents with the normalization of crime, anchored in rules extrinsic to
those of the law, but which coexist with it, in a non-contradictory logic, which
includes legislative codes alongside the “iron law”of crime (LACAN, 1973-
1974). Lacan speaks of dialectical resolutions in the genesis of the self, which
reformulates itself crossing different complexes – weaning, intrusion, Oedipus,
puberty and adolescence – “in a form that is ever more alienating for the drives
that are frustrated therein, and even more for the drives that are normalized
thereby” (LACAN, 1950/1998, p. 142). Thus, the encounter with crime in one
of these paths can be a strong conditioner for the entrance and permanence
in the crime. We supposed that the criminogenic object finds a constitutive
matrix between latency and adolescence, when the child is confronted with
the failure of their knowledge, with the deauthentication of parental or tradi-
tional knowledge, and with their mode of operating their body in the world
(FREUD, 1905/1976).
We also know that young people engage in rivalry and retaliatory, gang-
group relations, from their “bloody mirror” (RAMIREZ, 2007), or from a
circuit that goes from revolt to revenge, and culminates in death, contributing
to mortality and proscription of these bodies in the political scene of the city.
In this logic, the offer of crime know-how can be articulated as guidance for
the consolidation of a new way of functioning for the adolescent in the social
bond, be it transitory or permanent.
The concrete and symbolic presence of the criminal modus vivendi in
low-income urban communities (agglomerations and slums, neighborhoods
and guerrillas, banlieues and ghettos) is a sign of the absence of references of
tradition in the transmission of lifestyles. This seems to produce a drive link
between the pubescent individual and the criminogenic object in the resolu-
tion of the adolescent phase.This transient adherence to transgression marks
a structural crossing faced by every subject in the transition to adulthood –
therefore, we say that transgression is a structural mark of adolescence – and
may be temporary or resolutive, culminating (or not) in the decision for a
criminal lifestyle (GUERRA; SILVA; LIMA, no prelo; MOFFITT, 1993).
We understand that subjective reality cannot be reflected upon without
considering political and economic reality. Thus, intervention in one of these
dimensions interferes with the other in an unequal but operative way, gen-
erating effects of change in both planes and possibly engaging the subject
in new conflict resolution arrangements, different from crime. This relation
between the subjectivity of experience and the objectivity of reality does not
mean equivalence, but a relation of continuity, in which these spheres are not
thought of separately (GUERRA; MARTINS, 2013).

Driven by these interrogations, data collection has allowed us to move

beyond the static approach to recidivism, which is reduced to selecting one
of the many concept definitions and measuring it toward the analysis of inter-
actions throughout the life course of adolescents and young adults between
biographical, infractional and institutional trajectories. Distant from the reduc-
tionism of the monist approach to recidivism, this study tries to capture –
through the trajectories that we will reconstitute in its own singularity and
complexity – the connections and disconnections between the biographical,
infractional and institutional trajectory.
Thus, beyond the concrete facts of the profusion of events, risk factors,
transitions and disruptions in the life course – especially in adolescence –
which were reconstituted in the empirical investigation, a general finding
emerged at the end of the research: for most of the adolescents and young
adults, the institutional trajectory (experiencing socio-educational measures
either in probation or internment) only makes sense if considered symboli-
cally in relation to the biographical and infractional trajectory. That is, we
find that their institutional trajectory is permeated and intertwined by their
biographical and infractional trajectory which, taken together, structure their
capacity to change their lives.
The course that ends with this investigation also organizes three new
elements that add to the other reflections aligned with the current literature
on the topic of adherence, maintenance and abandonment of crime in ado-
lescence. Strictly speaking, sociological studies stop at the macrosocial level
of reading the conditioning factors of crime, without denying the particular
factors and events of the subjects as determinants for transitions in their
lives (BENSON, 2013). They seek to systematize conceptual social markers
responsible for modes of choice for crime in the field of Sociology of Crime.
Psychoanalysis, in turn, draws from a rich bibliography dedicated to adoles-
cence – a moment of fruitful psychic elaboration – without devoting, however,
much to its relationship with crime. Moreover, the informal knowledge of
young people adds a know-how to this scientific repertoire with the adoles-
cent experience and the crime that nourishes – in a dialectical circuit – the
exchange of transdisciplinary knowledge related to the offending adolescent.
In the fieldwork, rather than revision of the state of the art and theo-
retical-conceptual studies, as explained throughout this book, the research-
ers confronted unprecedented experiences that add to the transdisciplinary
field constituted around the adolescence-infraction relation. They required
a re-composition of the traditional analytical framework, recomposing the
problem-referral relation.

318
In particular, at the conclusion of this research, we will focus on three

unprecedented and fundamental conceptual collaborations in the field of ado-
lescent criminology while taking into consideration the Brazilian reality and
observations from the research group studies. These are:
1. The early entry into crime;

2. The massive incidence of urban migration;
3. The procedural family.
In the Narrative Memoir offered by the adolescents and young adults,

childhood was highlighted as a time of entry into the first relationships of
affection and identification with figures and spaces occupied by crime, as well
as in the use of drugs, either legal or illegal. This precocity requires premature
intervention by the state, as family lifestyles in these urban agglomerates do
not institute codes of values and rules that exclude the bond with crime.
The precocity is added to an intense urban migration within the same
urban territories – or even between different territorialities – constituting a
fluctuation of references of belonging and weak bonds of affection. Internal
urban migration within and between urban locations thus deserves greater
dedication in terms of research and monitoring.
Finally, we found a noteworthy fact in the absence of traditional and
extended nuclear families which strengthens previous discoveries and opens
up as an element to be further investigated. Before adolescence, most inter-
viewees went through different “family” configurations and designs that range
from shelter institutions to nuclear composition in multiple residential spaces,
in a spectrum that no longer authorizes us to think that the family is the source
of the subjective organization of transmission and affiliation in contemporary
times – at least among vulnerable populations.
Let us take a closer look at each of these three new elements:
1. The early entry into crime
1.1 Problem
Now, since the terms, our field, and our object are established, we present
our discovery of the early entry into the criminal pathway, to conclude, as a
transdisciplinary novelty in collaboration with criminology: imaginary aggres-
sion adds to the structural death drive when a lack of symbolic adequacy, from
the field of the Other, aborts a resolute identification in adolescence. This
moment can thus determine a certain type of object that becomes criminogenic

in the suspension of the dialectic of the self (LACAN, 1950/1998, p. 143),

giving an aspect to object a. From our psychoanalytical hypothesis, in col-
laboration with the criminological field, that when there is a stagnation by
the social Other of dialectics that would allow the extraction of a resolute
identification in adolescence, the construction of the criminogenic object is for-
mulated as a response in puberty, signaling a deadlock (with no overcoming?)
in the confrontation with castration anxiety in puberty. From this suspended
resoluteness, the logic that regulates the pubertal solution is extracted, along
with a new orientation for desire and with the appearance of the criminogenic
object in the formula of the subject’s jouissance, from then on.
Parallelly, the crime to which the research subjects are labeled does
not occur at random. Research has confirmed the involvement in a cycle of
violence and concentration of disadvantages that affect their lives in differ-
ent ways, but almost always altering their life course towards a trajectory of
abandonment of societal normative standards and – in the other direction –
infractions and conflicts that occur very early in their lives. In this process,
these adolescents meet with others in similar situations or already involved
with juvenile delinquency and, in this network, often find support and oppor-
tunities to enter this trajectory.
Thus, we can summarize our transdisciplinary collaboration as one in
which the bond with crime is born in latency, at the dawn of puberty, when
the child is confronted with the failure of their knowledge and their way of
operating the world, with an offer of crime know-how as a guide for the con-
solidation of a new form of drive functioning in the social bond, anticipating
a new way of genital drive satisfaction. The concrete and symbolic presence
of the criminal modus vivendi in low-income urban communities confronts
the absence of traditional references in the transmission of ways of life, pro-
ducing a pubescent drive with the criminogenic object in the resolution of
adolescence, especially through identification. This transient adherence to
transgression marks a structural crossing faced by every speaking subject in
the passage to adulthood, which may be temporary or resolute, culminating
(or not) in deciding for a criminal lifestyle.
1.2 Referral
Hence, we also assume, through the inventive solutions of Freudian

inspiration regarding the field of alternatives to crime in adolescence, that
1. the approach of the intensity of the bodily drive experience (adrena-

line) through the offer or legitimation of cultural and artistic expres-
sions in motion;

320
2. the resignification and expansion of adherence and restricted cir-

culation to symbolic and imaginary codes of belonging submitted
to the iron law of crime, and;
3. the creation and use of the word in new circuits that favor distinct
modes of naming (other than nicknames in crime) would allow the
composition of other formulas and adolescent solutions, contributing
to the psychoanalytic clinic in adolescence and the methodologies of
intervention of policies of justice, public security and social assis-
tance, addressed to the offending adolescent. We can then gather
our collaboration below:
• Adolescent-oriented actions (different from intersectoriality) >

adolescent-guide as a new public action plan
• Promotion of bonds since childhood;
• Event Accounting (Turning Points);
• Work with events before they accumulate toward crime;
2. The massive incidence of urban migration
2.1 Problem
The field experience, with all the difficulties of accessibility, location of

subjects and reception of researchers, evidenced the importance of territo-
rial dynamics in the configuration of the reality of crime. Urban migrations
were remarkable and showed a more fluid and volatile mode of belonging
and occupation of the space than the traditional one. We understand space as
true totality with Santos (1996), similar to the marriage between territorial
configuration, landscape and society, while the territory would be the life
configuration that this space presents.
Thus, the forms of the territory may remain the samefor a long time, but
as society is always in motion, the same landscape, the same territorial con-
figuration, offer us different spaces in the historical course (SANTOS, 1996).
These different spaces and the unique spatialities constituted there are the
result of the articulations between society, space and nature. Thus, the territory
may adopt particular spatialities, as society movement takes place in its mul-
tiple aspects. Hence we understand the importance of systematic knowledge
of reality through the analytical treatment of its fundamental aspect that is the
territory. It is essential to review reality from within, that is, to question its
own internal constitution, especially regarding the differential opportunities

associated with the territory and how they can act as fertile ground for the
establishment of criminal behavior by some young people.
Therefore, occupying the territory means that “Man finds his home at
a point located in the Other” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 58). Hence the
house, the inhabited space, is always marked by the gaze of the watching
Other. The construction of protected spaces indicates – in addition to protec-
tion from the weather – a defense against this look. In this sense, the construc-
tion of the space of intimacy always has a unique structure and a personalized
history that indicate research paths for comprehending urban migration and
its relationship with crime.
2.2 Referral
Thinking in terms of the territory thus opens another transdisciplinary

analytical configuration that, from the outset, points us to some new guiding
aspects. Let us look at some of the possibilities of directing them through
effective actions at the public policy level:
• Strengthen the significant protective network for the adolescent

(pendular triggers);
• List and operate expulsive elements and drivers of ties of belonging;
• Create a geoinformation system with official data, but also unofficial
circulation and belonging information;
• Create reference centers for urban migration in territories of vulner-
ability and violent crime.
3. The procedural family
3.1 Problem
The family plan presented in the Narrative Memoir of this investiga-

tion updates the discovery of another recently completed text (GUERRA;
MOREIRA; MALTA; GALHARDO, 2019). In that procedural slide of chil-
dren and adolescents between modes of family aggregation, it was impossible
to verify the design of each family. At the time, we chose to call these “pro-
cedural families”, recognizing its dynamic more than its static configuration.
Far from inventing new names for the same processes (KEHL, 2003), we
recognize and confirm – in the current research – another logic of belonging
among these youngsters, questioning what its consequences would be in terms
of affiliation and transmission.

322
The notion of parenting (BROUSSE, 2010) has served the function of

updating the theme, displacing the traditional roles of maternal and paternal
functions, which can be symbolically oriented by any other affective sup-
ports. More recently, however, we have witnessed slips between the figures
that occupy these structuring symbolic functions: paternal and maternal. This
questions the very notion of parenting, which is based on the symbolic logic
of the exercise of functions in fixed structures, with variation only in their
elements (DELEUZE, 1973).
In this sense, the mathematical notion of categories1 – which can inter-
relate different mathematical objects – has been more useful than the classical
logic of sets and belonging, with the notions of union, intersection, belonging
and non-belonging, to think about the contemporary logic of family belonging.
The theory of categories can be understood as a “set of arrows”, in which the
meaning of the constructions is abstracted. In this sense, it provides logical
mechanisms for analyzing different structures and correlating them. The only
operation required in a category is composition, here related to functions.
If, according to psychoanalysis in transdisciplinarity with sociology and
the knowledge of youngsters, we encounter traumatic situations restructured
in the relation with crime, we may ask ourselves if we do not confirm the
hypothesis that the family would have its origin in misunderstanding, decep-
tion, sexual abuse or crime (MILLER, 2007). In other words, it is the field
of jouissance and the untranslatable real that ultimately configures what may
become a semantic field, which we still call family nowadays. In this per-
spective, the family will be marked by what is not registered, its secrets, its
traumas (MILLER, 2007). This hypothesis is largely confirmed by the nar-
ratives throughout this work.
The failure to fully transmit a way of life for the Other reveals a structural
situation: the living enjoyment of the body, not realizable by language,
always forces its inscription, even if partial. Between the body spoken
by the Other and the real of the speaking body that insists, each subject
constitutes its threshold. How language attaches to the body is then not a
matter of learning. It is a subjective work that goes through the Other to
operate a solution beyond it. The Other does not lose its function there
(GUERRA; MOREIRA; MALTA; GALHARDO, 2019).
1 Category theory is a mathematical theory that deals abstractly with mathematical structures and the rela-
tionships between them. Category theory was first introduced by Samuel Eilenberg and Saunders Mac Lane
in 1945 as a theory related to algebraic topology. It is a generalization of set theory. It studies objects and
the morphisms among them. These objects can be understood as structured sets and the morphisms (also
called arrows) as functions between these sets, although this parallel cannot be made in the most general
cases of categories (Wikipedia).

The family, or rather, the structure in which the nucleus around the young
person is formed, is fundamental in understanding the ties and trajectories
established by the young person. One cannot help but consider that it is
precisely in this universe of the family, whatever its shape, that the child is
exposed to definitions (SUTHERLAND, 1947) as well as where all the formal
and informal learning that this subject adds to their biography is processed.
The data then led us to confirm the hypothesis that there is a continu-
ous logic of symbolic agency over the real and the imaginary, which con-
figures a new analytical plan to think, in contemporary times, the modes of
familiar affiliation and disaffiliation. The effect of this continuist logic is
the discontinuity and dispersion of transmission formulas that coexist in a
multiple and uncentralized way within each family and, consequently, each
societal arrangement.
3.2 Referral
From this observation, we suggest new propositions to the traditional

social problem, coming from this continuist logic of family composition:
• Creation of a monitoring, orientation and listening policy for pro-

cedural families, based on what is registered as a mother-child
relationship – that is, the political orientation should not be the
extended family, but the matrix of the relationship of body and care
established with the baby and its sequencing until adolescence;
• Implementation of a model based on the ECA (Statute of the Child
and Adolescent) with prevalent socio-protective actions allied with
socio-educational ones, identifying the ties of belonging with those
in need of care, and not just as a promoter of welcoming actions
for the adolescent;
• Recognition and integrated use of the diversity of non-traditional
ties in the practice of institutional actions;
• Theorization and transmission of different modes of operation of
procedural families in the territory;
• Welcoming of speech demands by family members.
As one can see, there are new contributions on the horizon of this research
to be properly and thoroughly explored. Let us get to work!

324
REFERENCES
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http://dx.doi.org/10.1007/978-1-4615-1289-9_15

ÍNDICE REMISSIVO
A
adolescência 22, 47, 52, 59, 65, 84, 108, 131, 133, 138, 139, 143, 147, 163,
168, 191, 208, 225, 227, 229, 234, 235, 236, 239, 259, 269, 304, 305, 306,
307, 308, 311, 339
adolescentes 3, 4, 7, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 30,
41, 43, 46, 47, 48, 49, 50, 55, 56, 57, 58, 87, 88, 94, 105, 134, 136, 144, 146,
171, 192, 203, 208, 225, 233, 234, 235, 240, 256, 260, 261, 268, 271, 277,
290, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309
ato infracional 7, 11, 18, 24, 25, 34, 47, 50, 55, 75, 87, 88, 103, 137, 138,
140, 145, 146, 154, 169, 193, 195, 230, 231, 268, 270, 277, 290, 305, 308
ausência 18, 57, 87, 105, 135, 143, 145, 166, 192, 195, 199, 200, 228, 232,
234, 236, 238, 239, 260, 264, 265, 267, 269, 304, 306
C
crianças 17, 26, 30, 41, 46, 203, 232, 235, 260, 268, 290, 309
criminalidade 8, 9, 11, 27, 43, 47, 50, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 61, 64, 76, 89,
90, 93, 94, 96, 99, 134, 137, 165, 166, 167, 170, 171, 172, 174, 191, 193,
194, 195, 197, 198, 200, 202, 204, 205, 206, 207, 224, 227, 228, 230, 231,
232, 233, 234, 238, 240, 241, 256, 257, 259, 261, 264, 271, 306, 308, 309,
336, 337, 338, 339
criminologia 20, 21, 22, 192, 193, 198, 207, 224, 232, 241, 257, 264, 303,
306, 313, 325, 335, 337, 338
curso de vida 11, 19, 20, 21, 22, 23, 47, 48, 49, 50, 52, 55, 56, 58, 60, 62, 63,
65, 84, 89, 101, 137, 165, 166, 168, 170, 177, 190, 191, 192, 227, 230, 259,
264, 279, 281, 301, 303, 305, 307, 335, 336, 337, 338
D
delinquência 20, 21, 49, 134, 135, 140, 143, 145, 146, 147, 163, 227, 232,
303, 307
desistência 8, 11, 19, 20, 21, 24, 47, 49, 65, 84, 165, 166, 167, 168, 169, 171,
172, 173, 174, 175, 192, 193, 194, 206, 208, 225, 227, 303, 305
drogas 15, 16, 17, 18, 20, 21, 23, 24, 28, 32, 44, 87, 88, 98, 100, 103, 109,
132, 136, 138, 139, 140, 143, 169, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 199, 200,
201, 202, 203, 205, 207, 224, 229, 231, 232, 234, 240, 256, 268, 269, 270,
271, 272, 306, 338

328
E
Édipo 236, 237, 265, 304
educação 11, 20, 25, 137, 191, 227, 235, 262, 263, 272, 303, 336, 339
envolvimento com a criminalidade 167, 191, 194, 195, 204, 227
escola 20, 23, 26, 36, 49, 55, 59, 63, 138, 140, 143, 192, 194, 196, 228, 229,
230, 234, 264, 267, 270, 278, 300, 303
J
jovens 8, 9, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26, 27, 43, 47, 48, 53, 54, 55,
56, 57, 58, 59, 64, 65, 84, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 100, 101,
103, 104, 105, 109, 132, 133, 137, 138, 141, 144, 145, 146, 165, 167, 169,
170, 177, 190, 191, 193, 194, 197, 203, 207, 224, 227, 228, 232, 235, 236,
259, 260, 276, 277, 279, 281, 301, 304, 305, 306, 309, 335, 337, 338
M
mãe 24, 25, 88, 99, 100, 102, 103, 139, 142, 143, 194, 195, 196, 202, 228,
229, 230, 231, 233, 235, 238, 239, 259, 260, 261, 262, 263, 265, 266, 267,
268, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 276, 277, 311
maternidade 49, 193, 233, 235, 236, 239, 261, 263, 265
mulheres 227, 228, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 239, 240, 247, 248,
256, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 269, 278, 300
N
narrativas memorialísticas 8, 11, 25, 53, 54, 55, 59, 61, 66, 85, 89, 107, 165,
168, 169, 174, 306, 309
P
pai 139, 142, 143, 144, 194, 195, 228, 229, 237, 238, 262, 264, 265, 266,
271, 272, 275, 276, 280, 302
pais 24, 100, 102, 105, 133, 135, 139, 196, 260, 261, 264, 265, 269, 270
pesquisa 8, 11, 17, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 29, 36, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 52,
53, 54, 55, 58, 59, 61, 63, 65, 84, 87, 89, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 97, 100, 101,
107, 137, 138, 140, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 173, 174, 191, 192,
193, 194, 199, 210, 227, 233, 259, 260, 263, 278, 285, 300, 303, 305, 306,
307, 309, 310, 311, 335, 336, 337, 338, 339, 340
polícia 16, 98, 99, 103, 104, 108, 131, 138, 139, 143, 171, 194, 198, 201,
202, 203, 231
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 61, 66, 85, 335, 336, 337,
339, 342, 343, 344
prisão 20, 36, 232, 236, 270, 271, 273

psicanálise 3, 4, 11, 25, 47, 49, 52, 53, 54, 58, 59, 60, 63, 65, 73, 84, 133,
135, 137, 147, 163, 165, 173, 176, 189, 191, 195, 198, 207, 224, 227, 228,
236, 239, 259, 260, 265, 268, 274, 279, 296, 301, 303, 304, 305, 310, 312,
313, 324, 325, 335, 336, 337, 338, 339, 340
psicologia 11, 61, 65, 66, 84, 85, 87, 169, 176, 177, 189, 190, 240, 241, 256,
257, 265, 312, 324, 335, 336, 337, 338, 339, 340
R
relacionamentos 310
S
segurança pública 11, 16, 18, 25, 27, 28, 29, 32, 43, 44, 45, 56, 76, 101, 104,
202, 240, 256, 308, 336, 337, 338, 339
sistema de justiça 18, 24, 25, 87, 89, 95, 96, 203, 336
situação de vulnerabilidade 11, 65, 84, 137, 191, 227, 259, 270, 279, 281,
301, 306, 335, 337, 338
sociologia 3, 4, 11, 19, 20, 25, 36, 47, 49, 52, 53, 54, 58, 59, 63, 108, 109,
131, 132, 137, 165, 169, 191, 227, 259, 260, 262, 264, 268, 280, 302, 303,
305, 310, 336, 337, 338, 339
T
tráfico de drogas 16, 24, 98, 100, 109, 132, 136, 169, 191, 192, 193, 196,
197, 199, 205, 207, 224, 232, 240, 256, 268, 269, 270, 271, 338
trajetória delinquencial 11, 47, 50, 52, 55, 56, 65, 84, 89, 137, 166, 191, 227,
259, 279, 281, 301, 303, 335, 337, 338
transdisciplinar 7, 11, 26, 47, 49, 50, 52, 55, 56, 58, 59, 60, 61, 63, 64, 89,
107, 137, 191, 227, 243, 259, 277, 303, 305, 306, 307, 309, 335, 337, 338
U
Universidade Federal de Minas Gerais 11, 53, 56, 65, 84, 177, 190, 191, 227,
243, 259, 279, 281, 301, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 343, 344

INDEX
A
absence 76, 111, 128, 150, 158, 161, 166, 180, 210, 213, 217, 243, 248, 249,
251, 253, 254, 267, 282, 286, 287, 288, 291, 316, 318, 319
adolescence 38, 67, 71, 72, 79, 149, 154, 158, 180, 182, 209, 243, 245, 251,
255, 291, 313, 316, 317, 318, 319, 320, 323, 325, 345
adolescents 13, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 67, 68, 69, 70, 74, 76,
77, 78, 111, 112, 117, 118, 128, 150, 152, 179, 182, 185, 210, 220, 249, 250,
251, 282, 291, 292, 298, 299, 315, 316, 317, 318, 319, 321, 345
C
children 33, 38, 123, 155, 210, 220, 248, 250, 282, 284, 285, 286, 289, 290,
291, 292, 294, 321, 345
criminality 13, 150, 179, 180, 183, 208, 209, 211, 212, 214, 215, 216, 223,
225, 244, 285, 342, 343, 344
criminology 28, 29, 36, 37, 44, 45, 209, 210, 216, 248, 285, 313, 315, 318, 325
D
delinquency 27, 28, 29, 30, 36, 37, 39, 43, 44, 45, 46, 67, 69, 72, 74, 76, 78,
113, 150, 151, 155, 159, 160, 161, 162, 209, 243, 248, 280, 302, 312, 313,
315, 319, 324, 325, 341, 343
delinquency trajectory 39, 67, 69, 72, 74, 76, 78, 113, 209, 243, 341, 343
desistance 13, 21, 22, 37, 38, 166, 168, 176, 179, 180, 181, 182, 186, 187,
188, 189, 209, 210, 211, 223
drugs 30, 31, 32, 33, 36, 38, 40, 46, 126, 154, 156, 159, 217, 218, 219, 220,
245, 247, 250, 318
drug trafficking 32, 40, 121, 123, 124, 151, 157, 183, 209, 210, 211, 214,
215, 217, 222, 248, 290, 291, 293, 344
E
education 13, 34, 36, 39, 40, 111, 152, 209, 222, 243, 248, 250, 284, 285,
294, 315, 342, 345
F
father 155, 158, 159, 212, 213, 214, 244, 253, 254, 284, 286, 287, 288, 291,
293, 294, 297, 298
federal university of minas gerais 13, 73, 76, 209, 243, 341, 342, 343, 344, 345

332
I
imprisonment 42, 208, 225, 248, 299
involvement with crime 156, 180, 212, 213, 222, 243, 248, 254
J
justice system 13, 33, 39, 40, 111, 113, 119, 221, 342
L
life course 13, 14, 28, 29, 35, 36, 37, 38, 44, 45, 65, 67, 68, 69, 70, 72, 74,
76, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 125, 152, 166, 179, 180, 209, 243, 278, 281, 285,
300, 315, 317, 319, 342, 343
M
mother 41, 112, 123, 125, 126, 155, 158, 159, 211, 212, 213, 214, 220, 244,
245, 246, 247, 249, 250, 251, 254, 255, 281, 282, 283, 284, 285, 287, 288,
289, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 296, 298, 323
motherhood 69, 249, 250, 252, 255, 283, 284, 286
N
narrative memoir 13, 29, 40, 41, 42, 45, 65, 69, 73, 74, 78, 80, 84, 153, 176,
181, 182, 187, 189, 240, 243, 256, 318, 321
narrative memoirs 179
O
Oedipus 252, 287, 316
P
parents 40, 123, 125, 128, 149, 151, 155, 282, 286, 291, 292
police 16, 28, 31, 32, 35, 44, 121, 122, 126, 127, 154, 157, 159, 161, 184,
186, 211, 212, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 247
pontifical catholic university of minas gerais 80, 341, 343, 344, 345
psychoanalysis 3, 4, 13, 40, 67, 69, 72, 73, 74, 78, 79, 80, 83, 149, 151, 152,
179, 186, 209, 212, 216, 243, 244, 252, 254, 255, 281, 286, 287, 289, 315,
316, 317, 322, 341, 342, 343, 345
psychology 13, 29, 45, 65, 80, 84, 111, 176, 189, 240, 256, 287, 341, 342,
343, 344, 345
public security 32, 34, 76, 124, 127, 220, 320, 342, 343, 344, 345
R
relationships 36, 112, 126, 156, 223, 246, 248, 249, 250, 285, 299, 318, 322

research 13, 14, 27, 29, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 65, 67, 68, 69,
70, 72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 108, 111, 113, 114, 115, 116,
118, 119, 120, 124, 125, 130, 131, 152, 153, 156, 176, 179, 180, 181, 182,
183, 184, 186, 187, 188, 189, 207, 209, 211, 212, 217, 224, 240, 243, 249,
256, 281, 282, 315, 317, 318, 319, 321, 323, 340, 341, 342, 343, 344, 345
S
school 32, 33, 35, 36, 38, 40, 69, 75, 79, 82, 108, 131, 154, 155, 156, 159,
207, 210, 212, 213, 214, 215, 223, 224, 244, 245, 246, 249, 250, 251, 286,
289, 291, 292, 315, 340, 342, 345
sociology 3, 4, 13, 35, 40, 67, 69, 72, 73, 74, 78, 79, 83, 109, 132, 152, 179,
182, 209, 243, 281, 284, 285, 289, 315, 317, 322, 342, 343, 344, 345
T
transdisciplinary 13, 14, 42, 67, 69, 70, 71, 74, 75, 78, 79, 80, 83, 113, 130,
152, 209, 243, 281, 298, 315, 317, 318, 319, 321, 341, 343
V
violence 28, 31, 33, 34, 35, 36, 39, 44, 72, 115, 117, 126, 128, 151, 152, 154,
186, 217, 220, 221, 222, 249, 250, 283, 285, 295, 319, 342, 343, 345
vulnerability 70, 112, 179, 184, 209, 243, 281, 291, 315, 321
W
women 243, 244, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 254, 281, 282, 283,
284, 285, 291
Y
young people 31, 33, 34, 35, 39, 40, 41, 42, 67, 68, 73, 74, 75, 76, 77, 78,
83, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128,
129, 149, 152, 153, 156, 159, 160, 161, 162, 179, 181, 182, 184, 209, 211,
212, 215, 220, 243, 247, 281, 282, 298, 316, 317, 321, 341, 343

SOBRE OS AUTORES
Amanda Lessa Malta

Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas
Gerais. Área de concentração: estudos psicanalíticos. Graduada pela mesma
instituição com ênfase em processos clínicos. Integrante do núcleo de pesquisa
PSILACS – Psicanálise e Laço Social no contemporâneo – UFMG.

Mestranda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Bolsista CAPES/PROSUP. Psicóloga pela Universidade Federal de Minas
Gerais, com ênfase em Processos Clínicos e Formação Complementar Aberta
em Subjetividades Políticas e Territórios.

Doutoranda em Psicologia pela PUC Minas (Conceito CAPES 5), Bolsista CAPES
I. Graduada em Psicologia com especialização em Clínica Psicanalítica e mestre
em Psicologia na linha de Intervenções Clínicas e Sociais também pela PUC
Minas. Integrante do grupo de Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquen-
cial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de
vulnerabilidade”, Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquencial: um estudo
exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade”,
desenvolvido no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinar (IEAT/UFMG)
em cooperação com o Grupo de Estudos Psicanalise e Criminologia – PSILACS.

Graduanda em Psicologia no Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH).
Integrante do Núcleo de Pesquisas PSILACS (Psicanálise e Laço Social no
Contemporâneo) da UFMG.
Andréa Máris Campos Guerra

Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pesquisadora com Bolsa de Produtividade do CNPq e com pesquisa ‘Ado-
lescências e Leis’ financiada pela FAPEMIG. Coordenadora do Núcleo
de Pesquisa PSILACS (Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo) da
UFMG. Mestre em psicologia social pela Universidade Federal de Minas
Gerais e doutora em teoria psicanalítica pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro, com Estudos Aprofundados em Rennes II (França). Psicanalista.

336

Graduada no curso de Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (2011). Mestre em Psicologia pela Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (2014). Especialista em Saúde do Adolescente pela
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (2017).
Doutoranda em Psicanálise pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Tem experiência na área de Políticas Públicas de Segurança onde atuou com
medidas socioeducativas na Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Tem experiência na área de Psicologia, atuando principalmente nos temas:
políticas públicas, educação, saúde, juventude e medidas socioeducativas.

Graduada em Psicologia pela UFSJ. Mestre em Psicologia pelo Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ. Doutoranda em Psicologia
pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Minas. Bolsista
CAPES.

Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2000), aperfeiçoamento em Análise Quantitativa pela Universidade do
Texas em Austin (2003), mestrado em Sociologia pela Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (2004) e doutorado em Sociologia pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2012). Atualmente, é professor Adjunto do depar-
tamento de Sociologia da UFMG, pesquisador do Centro de Estudos de
Criminalidade e Segurança Pública e do Centro de Pesquisas Quantitativas
em Ciências Sociais da UFMG. Membro pesquisador do INCT Espaço
Urbano e Gestão da Segurança Pública. Atua principalmente nos seguintes
temas: gestão urbana, segurança pública, criminalidade, violência, análise
espacial de crimes, justiça juvenil, curso de vida e trajetória criminal, sis-
tema de informação geográfica. Bolsista de Produtividade CNPq.

Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), é membra do Programa de Educação Tutorial (PET-CS) desde
agosto de 2018, onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e exten-
são. Na graduação, suas áreas de interesse giram entorno da sociologia
do crime, criminalidade, segurança pública, sistema de justiça juvenil e
temas étnicos raciais. Também é membra voluntária no Centro de Estudos
de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP).


Doutoranda em Ciências Sociais pela PUC Minas. Graduada em Serviço
Social e mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília – UCB.
Integrante do grupo de Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquencial:
vulnerabilidade”, Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquencial: um
estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vul-
nerabilidade”, desenvolvido no Instituto de Estudos Avançados Transdisci-
plinar (IEAT/UFMG) em cooperação com o Grupo de Estudos Psicanálise e
Criminologia – PSILACS.

Estudante de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Pós-Graduada em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (2016). Possui graduação em Direito pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de Minas Gerais (2012). Suas áreas de interesse giram
entorno da sociologia do crime, criminalidade e segurança pública. Também
é membra voluntária no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública (CRISP). Advogada.

Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (2006), pós-graduação em “Clínica Psicanalítica nas Institui-
ções de Saúde” pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Betim
(2010), e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de São João del
Rei (2018). É doutoranda do Departamento de Pós-Graduação de Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais.
Claúdia Serra Wermerlinger Silva

Cláudia Wermelinger possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2004) e Mestrado em Sociologia pela Universi-
dade Federal de Minas Gerais (2007). Participou de projetos de pesquisa nas
áreas de Estratificação Social e Metodologias de Survey. Se dedica aos temas
Modernidade; Processo Civilizador e Violência; Teoria Social. Atualmente, é
pesquisadora associada ao Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Laço Social no
Contemporâneo (PSILACS).

Doutorando em Psicanálise pela Universidade Paris 7 – Diderot, Bolsista
CAPES Doutorado Pleno no Exterior. Graduado em Psicologia pela UFSC

338
com especialização em Proteção da Infância pela Universidade Paris 7 –

Diderot e Mestre em Psicologia na linha de Psicanálise e Cultura pela UFSC.
Colaborador do grupo de Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquen-
cial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação
de vulnerabilidade”, Pesquisa “Curso de Vida e Trajetória Delinquencial:
vulnerabilidade”, desenvolvido no Instituto de Estudos Avançados Transdis-
ciplinar (IEAT/UFMG) em cooperação com o Grupo de Estudos Psicanálise
e Criminologia – PSILACS.

Doutorado (2012) e Mestrado (2001) em Sociologia pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e graduação em sociologia (1996). Fez estágio de
Doutorado na Universidade de Lille 1 / Clersé (França) entre 2009 e 2010 por
meio do convênio Capes-Cofecub. Consultor do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD / ONU) na área de políticas públicas
de segurança e cidadania entre 2013 e 2014. Atualmente, é Professor Adjunto
do Departamento de Geografia da UFMG, pesquisador do Centro de Estudos
de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG) e do Laboratório de
Turismo do IGC. Membro pesquisador do INCT Espaço Urbano e Gestão
da Segurança Pública. Atua principalmente nos seguintes temas: Sociologia
Desvio, Sociologia do Turismo, Análise e avaliação de Políticas Públicas,
Segurança Pública, Justiça Juvenil, Trajetória de Vida.

Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016),
Mestre em sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015), pos-
sui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2012). Atua principalmente na área de Sociologia do Crime, com ênfase nos
seguintes temas: criminalidade, segurança pública, políticas públicas, controle
social, homicídios, tráfico de drogas, desorganização social.

Graduando em Psicologia pela UFMG.

Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas. Doutora em Psi-
cologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Filosofia pela UFMG. Psicanalista.
Bolsista Produtividade CNPq PQ2. Projeto Aprovado APQ-02862-17 – Edital
Universal FAPEMIG.


Graduanda em Psicologia pela UFMG.
Juliana Morganti
Mestranda em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia
da PUC-Minas. Graduada em Psicologia pela PUC-Minas e em Letras pela
UFMG. Bolsista CAPES.

Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2020) e
graduado em Ciências Sociais pela mesma instituição (2016). Foi bolsista
de iniciação científica do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública (CRISP/UFMG) entre os anos de 2012 a 2015 e fez um período
de mobilidade acadêmica na Universidade do Porto (2015). Foi bolsista de
Apoio Técnico da FAPEMIG no CRISP/UFMG em 2016 e 2017 e bolsista
CAPES entre 2018 e 2020. Atualmente, atua como consultor em métodos de
pesquisa social. Tem interesse pelos seguintes temas: criminalidade, violência,
conflito, desvio social, juventude, adolescência em conflito com a lei, sistema
socioeducativo, democracia e cidadania.

Estudante do oitavo período em psicologia pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de Minas Gerais.

Professor de Psicologia, Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Gradua-
ção e da Faculdade de Educação da UFMG. Pós-Doutor pela USP, UFRJ, Aix-
-Marseille e Cataluña. Membro da Rede Coletivo Amarrações, Red INFEIES
e Lepsi SP-MG. Bolsista Produtividade 2 CNPq e PPM-FAPEMIG.
Marina Luiza Margotti dos Santos

Graduada em Psicologia pela UFMG.

Filósofo e Educador pela Universidad Católica Andrés Bello – Venezuela, e
Mestrando em Psicologia, Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Gra-
duação da Faculdade de Educação da UFMG. Membro do Lepsi MG.

340
Rodrigo Goes e Lima

Mestrando em Filosofia com concentração em Psicanálise pela The New
School for Social Research (2019-2021 – Nova York/EUA). Graduação em
psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG – 2012-2016),
com ênfase em Processos Clínicos e Formação Complementar Aberta em
Ciência Política. Pós-graduado em Psicanálise: Clínica da Criança e do Ado-
lescente (PUC-Minas – 2018-2019). Integrante do Núcleo de pesquisa Psica-
nálise e Laço Social no Contemporâneo (PSILACS).

ABOUT THE AUTHORS
Amanda Lessa Malta

Master’s student in the graduate program in Psychology at the Federal Univer-
sity of Minas Gerais. Concentration area: psychoanalytic studies. Bachelor’s
degree by the same institution with emphasis on clinical processes. Member
of the research core PSILACS- Psychoanalysis and Social Bond in the con-
temporary – UFMG.

Master’s student in Psychology at the Pontifical Catholic University of Minas
Gerais. CAPES/PROSUP Scholarship. Bachelor’s degree in Psychology (Fed-
eral University of Minas Gerais) with emphasis on Clinical Processes and
Open Complementary Training in Political Subjectives and Territories.

PhD Student in Psychology at PUC Minas, recipient of the CAPES Scholar-
ship. Bachelor’s degree in Psychology with specialization in Clinical Psycho-
analysis and Master’s degree in Psychology in the line of Clinical and Social
Interventions also at PUC Minas. Member of the research group “Course of
Life and Delinquency Trajectory: an exploratory study of the events and nar-
ratives of vulnerable young people”, developed at the Institute for Transdisci-
plinary Advanced Studies (IEAT/UFMG) in cooperation with Research Group
Psychoanalysis and Social Bond in the Contemporary (PSILACS/UFMG).

Undergraduate student of Psychology at Centro Universitário de Belo Hori-
zonte (UniBH). Member of the Research Group Psychoanalysis and Social
Bond in the Contemporary (PSILACS/UFMG).

Professor at the Department of Psychology at Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Bachelor’s degree in Law (Universidade Federal de Juiz de
Fora), Bachelor’s degree in Psychology (Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora), Master in social Psychology (Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG), Doctoral degree in Psychoanalytic Theory (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Level 2 CNPQ Productivity Grantee and coordinator of
the research “Adolescences and Laws” (FAPEMIG).

342

Bachelor’s degree in Psychology (Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais – 2011. Master’s degree in Psychology (Universidade Federal de Minas
Gerais – 2014). Graduate certificate in Adolescent’s Health (UFMG School of
Medicine – 2017). Doctoral student in Psychoanalysis at Universidade Federal
de Minas Gerais. Professional experience in the field of Public Safety and
Socioeducational Measures at the Estate Secretariat for Public Safety. Profes-
sional experience in the field of psychology in the fields of public policies,
education, health, youth and socioeducational measures.

Bachelor’s degree in Psychology Universidade Federal de São João del Rei.
Master’s degree in Psychology, Graduate Program in Psychology, UFSJ.
PhD Student in Psychology Graduate Program in Psychology at PUC-Minas.
CAPES Fellow.

Graduation in Social Sciences from the Federal University of Minas Gerais
(2000), improvement in Quantitative Analysis from the University of Texas
in Austin (2003), Master’s in Sociology from the Federal University of Minas
Gerais (2004) and doctorate in Sociology from Federal University of Minas
Gerais (2012). He is currently an Adjunct Professor in the Department of
Sociology at UFMG, a researcher at the Center for the Study of Crime and
Public Security and the Center for Quantitative Research in Social Sciences
at UFMG. Research member of INCT Urban Space and Public Security Man-
agement. He works mainly on the following themes: urban management,
public security, crime, violence, spatial analysis of crimes, juvenile justice,
life course and criminal trajectory, geographic information system. CNPq
Productivity Scholarship.

Undergraduate student in Social Sciences (Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG). Member of the Program of Tutorial Education (PET-CS)
since August 2018, where she develops activities of teaching, research and
extension. Areas of interest: sociology of crime, criminality, public safety,
juvenile justice system and ethnical/racial themes. Voluntary member of the
Center for the Study of Criminality and Public Safety (CRISP).

PhD student in Social Sciences at PUC Minas. Bachelor’s degree in Social Work
and Master’s degree in Psychology at Catholic University of Brasilia – UCB.

Member of the research group “Life Course and Delinquency Trajectory: an

exploratory study of the events and narratives of vulnerable young people”,
coordinated by Professor Bráulio Figueiredo Alves da Silva and funded by the
Institute for Advanced Transdisciplinary Studies (IEAT/UFMG) – Cooperation.

Graduate student of Social Sciences at the Federal University of Minas Gerais.
Graduate degre in Procedural Law from the Pontifical Catholic University of
Minas Gerais (2016). Bachelor’s degree in Law from the Pontifical Catholic
University of Minas Gerais (2012). Areas of interest: sociology of crime,
criminality and public security. She is also a voluntary member at the Center
for the Study of Crime and Public Security (CRISP). Lawyer.

Bachelor’s degree in Psychology (Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais – 2006). Graduate certificate in “Psychoanalytic clinic at health insti-
tutions” (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Betim – 2010).
Master’s degree in Psychology (Universidade Federal de São João del Rei
– 2018). Doctoral student at the Graduate Department of Psychology of Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Bachelor’s degree in Social Sciences (Universidade Federal de Minas Gerais
– 2004). Master’s degree in Sociology (Universidade Federal de Minas Gerais
– 2007). Participation in research project in the fields of Social stratification
and survey methodology. Works with the themes of Modernity; Civilizing
Process and Violence; Social Theory. Currently associated with the research
group Psychoanalysis and Social Bond in the Contemporary (PSILACS).

PhD Student in Psychoanalysis from the Paris University 7 – Diderot, CAPES
Scholarship Full Doctorate Abroad. Graduated in Psychology by UFSC with
specialization in Childhood Protection from Paris 7 University – Diderot and
Master in Psychology at the Psychoanalysis and Culture research at UFSC.
Contributor to the research group “Life Course and Delinquency Trajectory:
an exploratory study of events and narratives of vulnerable youth”, devel-
oped at the Institute for Transdisciplinary Advanced Studies (IEAT/UFMG)
in cooperation with the research group “Psychoanalysis and Social Bond in
the Contemporary” – PSILACS.

344

Doctorate (2012) and Master’s (2001) in Sociology from the Federal Uni-
versity of Minas Gerais (UFMG) and a degree in Sociology (1996). He did
a PhD internship at the University of Lille 1 / Clersé (France) between 2009
and 2010 through the Capes-Cofecub agreement. Consultant to the United
Nations Development Program in Brazil (UNDP / UN) in the area of public
security and citizenship policies between 2013 and 2014. He is currently an
Adjunct Professor in the Department of Geography at UFMG, a researcher
at the Center for Crime and Security Studies (CRISP / UFMG) and the IGC
Tourism Laboratory. Research member of INCT Urban Space and Public
Security Management. He works mainly on the following themes: Sociol-
ogy of Deviation, Sociology of Tourism, Analysis and Evaluation of Public
Policies, Public Security, Youth Justice, Life Trajectory.

Doctoral student in Sociology (Universidade Federal de Minas Gerais – 2016).
Master’s degree in Sociology (Universidade Federal de Minas Gerais – 2015).
Bachelor’s degree in Social Sciences (Universidade Federal de Minas Gerais
– 2012). Works mainly in the field of sociology of crime, with emphasis on
the following themes: criminality, public safety, public policies, social control,
homicides, drug trafficking, social disorganization.

Undergraduate student in Psychology (UFMG)

Professor at the Department of Psychology, Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais – PUC-MG. Doctoral degree in Clinical Psychology (PUC
São Paulo), Master in Philosophy (Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG), Bachelor in Psychology (Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG). Level 2 CNPQ Productivity Grantee. Recipient of FAPEMIG’s
Universal Demand grant (project APQ-02862-17).

Undergraduate student in Psychology (UFMG).
Juliana Morganti
Master’s student in Psychology at the Pontifical Catholic University of Minas
Gerais. Bachelor in Psychology from the Pontifical Catholic University of
Minas Gerais. Degree in Letters from Federal University of Minas Gerais.
CAPES Scholarship.


Master’s degree in Sociology at the Federal University of Minas Gerais (2020)
and Bachelor in Social Sciences at the same institution (2016). He received
a scientific initiation scholarship from the Center for the Study of Crime and
Public Security (CRISP / UFMG) between 2012 to 2015 and did a period of
academic mobility at the University of Porto (2015). He was a FAPEMIG
Technical Support fellow at CRISP / UFMG in 2016 and 2017 and a CAPES
fellow between 2018 and 2020. He currently works as a consultant in social
research methods. He is interested in the following themes: crime, violence,
conflict, social deviation, youth, adolescence in conflict with the law, socio-
educational system, democracy and citizenship.

Senior undergraduate student of psychology at the Pontifical Catholic Uni-
versity of Minas Gerais.

Professor of Psychology, Psychoanalysis and Education of the Graduate Pro-
gram and Faculty of Education of UFMG. Post Doctorate at USP, UFRJ,
Aix-Marseille and Cataluña. Member of the Rede Coletivo Amarrações,
Red INFEIES and Lepsi SP-MG. Productivity Scholarship 2 CNPq and
PPM-FAPEMIG.
Marina Luiza Margotti dos Santos

Graduated in Psychology by UFMG.

Philosopher and Educator (Universidad Católica Andrés Bello – Venezu-
ela), and Master’s student in Psychology, Psychoanalysis and Education of
the Graduate Program of the Faculty of Education of UFMG. Member of
Lepsi MG.
Rodrigo Goes e Lima

Master’s student in Philosophy with a concentration in Psychoanalysis at
The New School for Social Research (2019-2021). Bachelor’s degree in Psy-
chology (Federal University of Minas Gerais – 2012-2016) with emphasis
on Clinical Processes and additional education certificate in Political Sci-
ence. Graduate certificate (specialization) in Psychoanalysis with children
and adolescents (PUC-Minas – 2018-2019). Member of the research group
Psychoanalysis and Social Bond in the Contemporary (PSILACS/UFMG).

SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5 | 12 | 16 | 18
Arial 7,5 | 8 | 9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

Jacqueline O. Moreira - 22247

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TRAJETÓRIAS ADOLESCENTES

contribuições da Psicanálise e Sociologia

Andréa Maris Campos Guerra

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Trajetórias adolescentes: contribuições da psicanálise e sociologia – Adolescent trajectories:

CDU 159.964-2 CDD 150.1952

ESTA OBRA TAMBÉM ENCONTRA-SE DISPONÍVEL

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Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.

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ÍNDICE REMISSIVO����������������������������������������������������������������������������������� 327

SOBRE OS AUTORES�������������������������������������������������������������������������������� 335

ABOUT THE AUTHORS������������������������������������������������������������������������������ 341

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groundbreaking model that combines life course, psychical inscription and

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1. Juventude e violências como problema social e público

As últimas três décadas assistiram um crescimento dramático dos crimes

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função da combinação do viés de gênero (masculino), de idade (jovens) e de

Jacqueline O. Moreira - 22247.indd 16 04/08/2020 09:00:08

Os diversos levantamentos epidemiológicos nacionais2 (BRASIL, 2009;

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pela análise dos dados de homicídios ocorridos no período de 2011 a 2013

Vários determinantes estão associados ao crescimento e à magnitude dos

Em números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos,

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Frente ao diagnóstico da violência como problema social (magnitude e inci-

2. Juventude e violência como problema sociológico

A tradição da sociologia do desvio está ligada à constituição da própria

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o enfoque da reincidência prisional e esgota-se em poucos títulos, que se

I. as mudanças com a idade na delinquência apresentam sequências

As contribuições teóricas consistem em identificar os caminhos per-

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rupturas centrais no curso de vida dos indivíduos, demonstrando as formas

5 Ver: Pathways to Desistance: http://www.pathwaysstudy.pitt.edu/ e Rochester Youth Development Study (M.

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A criminologia do curso de vida integra a perspectiva da “carreira cri-

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descontinuidade dos processos de integração social, ou a entrada e saída das

3. Contribuições metodológicas e empíricas à

A pesquisa se constituiu como um estudo exploratório, de abordagem

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instituições da rede de assistência social, uso de drogas; informações relativas

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(BABBIE, 1999), instrumento que foi desenvolvido no contexto das reuniões

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BELO HORIZONTE. Diagnóstico da situação da criança, do adolescente

BELO HORIZONTE. Relatório de prevenção à letalidade juvenil e de

BLUMSTEIN, A. et al. Criminal careers and career criminals. Washington,

BLUMSTEIN, A.; FARRINGTON, D. P.; MOITRA, S. Delinquency Careers:

BRASIL. Lei 8.069 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Ado-

BRASIL. Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Lei do Sistema Nacional

BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)

BRASIL. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil. Secretaria-Geral

ÍNDICE REMISSIVO�� 327

SOBRE OS AUTORES�� 335

ABOUT THE AUTHORS�� 341