Você está na página 1de 138

Estudo eficaz

Inteligência, Virtudes e Provas.

por

Prof. Dr. Ivan Guilhon Mitoso Rocha


Engenheiro Eletrônico
Doutor em Física
Professor de Física no ITA

1a Edição

São José dos Campos, 2022


1a edição - 2022
Autor: Prof. Dr. Ivan Guilhon Mitoso Rocha
Website: www.ivanguilhon.com.br
Email: nivel.olimpico@gmail.com
Ilustrações: Conteúdo de domínio público

Agradecimentos especiais: Raquel Aparecida Bulla Rocha, Fábio


Nogueira Rocha, Norma Noeme Guilhon Mitoso Rocha, Kalil Gebrim
Rodrigues e Gusthavo Miranda Simões Brizolla.

Os direitos desta obra estão reservados. Cópias, edições e reproduções não


autorizadas pelo autor da obra, por quaisquer meios físicos ou digitais, estão
proibidas.
Dedicado a Raquel e Cecília.
Obrigado por fazerem os meus
dias mais felizes.
Índice
Índice 4
Sobre o autor 6
Apresentação da
obra 10
1. Questões
preliminares 14
1.1. Encarando o
espelho 15
1.2. Quem você quer ser?
16
1.3. O problema da
base 19
1.4. O estudo e o desenvolvimento de
virtudes 22
1.5. Ética
acadêmica 26
2. As faculdades da
mente 30
2.1. O
intelecto 31
2.2. A
memória 35
2.3. A
vontade 46
2.4. Sobre a
motivação 48
3. A ordem nos
estudos 54
3.1. Ambiente
físico 55
3.2. Resgatando a
concentração 56
3.3. A importância do estudo
diário 60
3.4. Criando uma
rotina 62
3.5. Grupo de
Estudos 67
4. Bons hábitos de
estudo 70
4.1. A postura em sala de
aula 71
4.2. Mãos à
obra 76
4.3. Teoria e
exercícios 79
4.4. Métodos de
resumo 87
5.
Planejamento 90
5.1. Montando um cronograma de
estudos 91
5.2. Defina e acompanhe
metas 97
5.3. Correções de
percurso 99
5.4. Foque nos pontos
fracos 100
6. Trabalhando sob
pressão 102
6.1. O valor dos
desafios 103
6.2. Os dois possíveis objetivos de uma
prova 108
6.3. Preparo físico para uma
prova 111
6.4. Lidando com
provas 113
6.4.1. Questões de múltipla
escolha 113
6.4.2. Questões
dissertativas 126
6.4.3. Estratégia de
prova 133
Fase 1: Comece pelas questões fáceis e
médias 133
Fase 2: Controle de
tempo 135
Fase 3: Ataque as questões
difíceis 136
Fase 4: Arremate da
prova 137
7. Considerações
Finais 138
Sobre o autor
O Prof. Dr. Ivan Guilhon Mitoso Rocha é natural de Fortaleza,
Ceará. Como aluno participou de diversas olimpíadas científicas, tendo
acumulado mais de 20 premiações em competições de matemática, física e
química em nível estadual, nacional e internacional. Entre suas premiações
em olimpíadas científicas, cita-se:

● 1o Lugar na Maratona Cearense de Química (2007);


● Duas vezes medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Física
(2007 e 2009);

● Medalha de bronze na Olimpíada Rioplatense de Matemática


(Argentina, 2008);

● Medalha de prata na Olimpíada Internacional de Física (México,


2009);

● Primeiro lugar no prêmio IFT de Jovens Físicos (2012);


● Duas vezes agraciado com o terceiro prêmio na Competição
Internacional de Matemática- IMC - na (Bulgária, 2012 e 2014).
Foto do Autor.

Foi aprovado em diversos concursos e vestibulares: concurso de


admissão do Colégio Militar de Fortaleza (2o lugar), EPCAR, Colégio
Naval, EsPCEx, Escola Naval, AFA, EFOMM (2o lugar Norte-Nordeste),
Universidade Federal do Ceará (1o lugar), Universidade Estadual Vale do
Acaraú (UVA), Universidade Federal de Pernambuco (Medicina), Instituto
Militar de Engenharia (13o lugar do Brasil em 2008 - ainda no segundo ano
do ensino médio - e em 2o lugar do Brasil no ano seguinte) e Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Graduou-se em Engenharia Eletrônica no Instituto Tecnológico de


Aeronáutica (ITA) no ano de 2014 com distinção Magna Cum Laude,
outorgada a alunos que atingiram alto grau de desempenho acadêmico nas
disciplinas do curso de engenharia. Foi agraciado com a medalha da Legião
do Mérito pela Academia Brasileira de Engenharia Militar.

Fez doutorado direto em Física Atômica e Molecular no ITA, com


um estágio de pesquisa realizado na Friedrich-Schiller Universität
(Alemanha). Terminou o doutorado em 2017, com 25 anos de idade.

Como professor, Ivan trabalhou em diferentes escolas e cursos em


diferentes estados do Brasil preparando milhares de estudantes para
vestibulares e olimpíadas científicas.

O autor tem trabalhos apresentados em congressos científicos e


artigos publicados em periódicos internacionais de alto fator de impacto
sobre simulações computacionais de materiais e suas possíveis aplicações
tecnológicas. Em 2018, passou em primeiro lugar no concurso para
professor de física no ITA, na vaga de Física de Semicondutores e
Nanoestruturas. Em 2019 recebeu o prêmio Weis do Centro Acadêmico
Santos Dumont por destaque em atividades de ensino.

Atualmente, Ivan Guilhon trabalha no departamento de Física do


ITA e contribui para a divulgação e realização de diferentes olimpíadas
científicas no Brasil.

O professor Ivan tem dois livros de problemas de Física


publicados: Física em Nível Olímpico - volumes 1 e 2
(www.ivanguilhon.com.br). Ele também tem trabalhos de divulgação
científica em redes sociais como o Instagram (@prof.ivanguilhon) e no
YouTube (Canal Física em Nível Olímpico).
Apresentação da obra
Depois de ter publicado os dois primeiros volumes da coleção
“Física em Nível Olímpico” e iniciado um trabalho de divulgação científica
em redes sociais , passei a interagir com um público mais amplo do que as
salas de aula do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde trabalho.
Tal contato despertou em mim a percepção da necessidade de escrever este
livro.

Há um consenso que o nosso sistema de ensino é de péssima


qualidade. Onde há um ensino razoável, raramente existe algo que mereça o
nome de educação. A maioria das instituições de ensino estão muito
ocupadas com o cumprimento de currículos e é incapaz de oferecer uma
formação integral do aluno enquanto estudante, isto é, sujeito
autenticamente livre para desenvolver suas capacidades através do estudo.

Mandamos nossos jovens estudarem mais, mas nem sempre nos


preocupamos se eles estão estudando da forma correta. O estudo sem
método nem disciplina não se converte em aprendizado e, portanto, é
ineficaz. Por conta dessa falta de orientação, muitas crianças desperdiçam
anos de potencial aprendizado e chegam à idade adulta sem habilidades
básicas.

O estudo não deve ser uma atividade desligada da vida concreta,


tampouco ficar restringido à apenas atividades profissionais. O estudo tem
uma importância muito mais elevada do que a simples aquisição de
diplomas e certificados. Para os leitores mais novos, fiquem avisados que o
porte de um diploma está muito longe de ser uma garantia de sucesso
profissional, muito menos ainda de realização pessoal.
No primeiro capítulo do livro comento sobre o valor do estudo na
formação humana integral do estudante. A finalidade do estudo é
desenvolver nossas potencialidades humanas e, com isso, tornar-nos mais
felizes. Isso vai muito além de ter um bom cargo ou salário. Falaremos
sobre autoconhecimento, sobre a virtude da humildade, ética e
responsabilidades.

A seguir, no capítulo 2, dedico algumas páginas a apresentar as


diferentes faculdades da mente ao leitor. O objetivo aqui não é elaborar um
artigo científico ou um tratado filosófico sobre a mente, mas realizar uma
apresentação breve e acessível às diferentes faculdades da mente e como
cada uma delas relaciona-se com o estudo. Comento aqui sobre a questão da
compreensão versus memorização e também sobre a motivação para os
estudos à luz do conceito de vontade.

No capítulo 3 falaremos sobre a organização do ambiente físico de


estudo. Lembro do cuidado que devemos ter com o excesso de estímulos,
que minam a nossa capacidade de concentração. A organização do estudo
também se dá no tempo: discutiremos a importância de cultivar uma rotina
que nos torne mais produtivos e nos ajude a vencer os momentos de
desânimo. Nessa luta interna, precisamos desenvolver fortaleza para
conquistar os bens árduos e valiosos, mesmo que isso custe o sacrifício de
pequenos prazeres no caminho.

O capítulo 4 é dedicado a aspectos mais práticos do estudo, como


postura em sala de aula, importância da tomada de notas e como lidar com o
estudo de novos assuntos. Além disso, esboçamos instruções gerais que
devem ser seguidas para que grupos de estudos funcionais sejam criados
pelo leitor. Detalhes específicos, é claro, dependerão das circunstâncias
concretas, mas esses comentários gerais ajudarão certamente a muitos.
O capítulo 5 é dedicado ao planejamento e elaboração de
cronogramas de estudos. A partir desse ponto, o livro adquire um maior
enfoque em preparação para provas, que pode ser a situação concreta de
muitos leitores. Mesmo assim, muito do que será apresentado é útil mesmo
para um público que deseja montar um calendário de estudos.

No capítulo 6, discutimos sobre como lidar com provas. Ao longo


da minha vida acadêmica acumulei dezenas de premiações em olimpíadas
científicas, aprovações em vestibulares e em concursos públicos. Deixarei
claro que ir bem em provas não é algo absolutamente redutível a saber o
conteúdo. Uma boa gestão de tempo, organização e um pouco de astúcia
podem fazer uma grande diferença.

Ao longo deste livro, buscarei manter o meu discurso simples e


acessível para um público amplo, buscando trazer percepções pessoais e
evitando cair em superficialidades e lugares-comuns. Quando oportuno,
ofereço referências bibliográficas nas notas de rodapé para os que
desejarem se aprofundar em algum dos temas abordados. Agradeço por
eventuais sugestões, correções e depoimentos que possam ser feitos a
respeito do livro. Por gentileza, enviar tais comunicações ao endereço
eletrônico nivel.olimpico@gmail.com .

Por fim, peço que Deus me utilize como instrumento para oferecer
algo significativo nesta obra ao leitor. Que além de técnicas de estudo e
resolução de provas, convido o leitor a aproveitar as discussões propostas
nas páginas a seguir. O espírito deste livro é formar homens e mulheres
mais realizados mediante uma vida de estudos que os possa tornar mais
inteligentes, virtuosos e bem-sucedidos.

Boa leitura.
Questões preliminares

“Conhecer a si mesmo é o começo de toda sabedoria.”

Aristóteles

Antes de descrever um conjunto de características, hábitos e


técnicas capazes de ajudar o leitor a ser um bom estudante, comentemos um
pouco sobre questões preliminares ao estudo: Quem é você? Para que você
está estudando? Quais os seus objetivos? O que é ser um bom estudante?
Quais os problemas mais comuns de estudantes que iniciam nessa
caminhada?

É importante dedicar um tempo sobre essas questões para garantir


que o seu estudo esteja integrado com o resto de sua vida e que, com isso,
possa adquirir algum sentido dentro dela. Ser um bom estudante não se trata
essencialmente de passar de ano, ganhar prêmios, ser aprovado em um
concurso/vestibular ou ter as melhores notas da sua classe. Tudo isso talvez
acompanhe a grande maioria dos bons estudantes, mas não constitui o que
quero discutir nesse momento.

O estudo deve ser bem mais do que um meio para ir bem em


provas. Buscarei ajudar o leitor a encarar os estudos como uma forma de
realizar algumas de suas potências e aptidões mais elevadas, a desenvolver-
se integralmente, a fortalecer sua força de vontade e a enfrentar desafios. O
estudo pode - e deve - ser um caminho para que você se torne um ser
humano maduro, virtuoso e, portanto, mais capaz de auxiliar os que estão
ao seu redor.
1.1. Encarando o espelho
Convido o leitor a responder uma pergunta muito simples, mas que
pode ser um pouco desconcertante para alguns: “Quem é você?“.

Você pode começar respondendo com o seu próprio nome. Eu, por
exemplo, me chamo “Ivan Guilhon Mitoso Rocha”. Até onde sei, não há
outra pessoa no mundo com o mesmo nome. O nome que recebemos
quando nascemos, de alguma forma, expressa a nossa individualidade
enquanto pessoas. Somos seres individuais e irrepetíveis. Mas isso não
basta. Nomear algo pode ser um caminho para compreender uma coisa, mas
não é o mesmo que explicá-la. O famoso físico Richard Feynman,
ganhador do prêmio Nobel de 1965, nos lembra que dar nome a um
fenômeno físico não é o mesmo que explicá-lo. Saber o nome de um
pássaro não é o mesmo que conhecê-lo, saber do que ele se alimenta, como
reproduz, quais as suas estruturas anatômicas, qual o seu papel no seu
ecossistema etc.

O mesmo vale para nós. Você pode saber o próprio nome, mas
talvez não tenha ciência dos seus talentos e aptidões; ou, o que é mais
comum, de suas fraquezas e vícios. Vivemos às vezes tão imersos em
nossas tarefas cotidianas, que não prestamos atenção em nós mesmos. É
preciso dedicar algum tempo para refletir e se conhecer melhor. Vários
estudantes desperdiçam muito tempo e energia por falta de
autoconhecimento. Não conhecem as próprias fraquezas; são, por exemplo,
preguiçosos e distraídos, e não diagnosticam o problema. E, se não
diagnosticam o problema, dificilmente o corrigirão.

O processo natural é que pais e mestres auxiliem os jovens a


desenvolverem esse autoconhecimento e, com isso, tornarem-se adultos
maduros, seguros e capazes de tomar suas próprias ações
independentemente. No entanto, muitas famílias estão destroçadas por
conflitos familiares sérios e a maioria das escolas oferece um ensino
massificado e desprovido de sentido aos jovens. Por conta disso, temos uma
geração de jovens cada vez mais imaturos, desorientados e vulneráveis.
1.2. Quem você quer ser?
Antes de iniciar qualquer trabalho artístico, é preciso conhecer as
características da matéria-prima com a qual se vai trabalhar. No entanto, o
mais importante em uma obra-de-arte não é a matéria que a compõe, mas a
sua forma - o que faz ela ser o que é. Para produzir uma obra-prima como a
estátua de David, o escultor renascentista Michelangelo precisou trabalhar
blocos de mármore e impor-lhes uma forma que havia concebido antes em
sua mente. Diz-se que Leonardo Da Vinci perguntou ao escultor como ele
fizera para esculpir tamanha obra-prima (trata-se de uma escultura de mais
de 5 m de altura) e a resposta que recebeu foi: “Eu apenas tirei da pedra de
mármore tudo que não era o Davi!”.

David de Michelangelo. Foto: Jörg Bittner Unna.

Qualquer trabalho em educação, assim como uma obra-de-arte,


precisa começar a partir da definição de uma finalidade - uma
potencialidade que possa ser trazida à realidade. Sem um ideal a ser
atingido é impossível educar. Esse ideal de homem a ser atingido pelo
processo educacional pode ser mais ou menos explícito, mas sempre existe
e, a partir dele, podemos derivar que tipos de conhecimentos devem ser
passados aos alunos por um sistema de ensino.

Gostaria de convidar o leitor ao exercício de fechar os olhos,


imaginar quem você gostaria de ser daqui a 5 anos - se possível tomando
notas - e retornar em breve. A sua projeção futura pode ser mais ou menos
completa a depender da sua maturidade e certamente é afetada por suas
atuais preocupações de curto prazo. De qualquer forma, a diferença entre o
seu estado de desenvolvimento pessoal atual e o estado projetado apontam
no que devemos nos dedicar. Michelangelo retirava material do mármore,
nós precisamos incorporar habilidades e virtudes a nós mesmos.

Para chegar a esse objetivo, você precisa ingressar em alguma


universidade ou passar em algum concurso? Tudo bem, coloque essas
realidades como meios, e não como fins últimos. Como você pode utilizar
essas realidades para tornar-se um profissional competente, respeitável e
útil aos outros? Para realizar isso, que conhecimentos ou habilidades você
precisa ter e não dispõe agora? Invista tempo e energia nisso.

Identificado no que você precisa trabalhar, busque modelos para


inspirar-se e espelhar-se. Pessoas de carne e osso que passaram por
dificuldades semelhantes e alcançaram resultados aos que você deseja.
Diferente da sua projeção abstrata, a vida dessas pessoas é concreta. Elas
realizaram o que você deseja. Busque conhecer bem a biografia e o
caminho que elas percorreram. Elas certamente passaram por dificuldades,
trilharam um certo caminho para chegar onde estão e talvez tenham até
dependido um pouco de sorte e de circunstâncias específicas. A partir
desses modelos, certifique-se que você está disposto a pagar o preço que
essas pessoas pagaram para atingir o que elas atingiram. Você tem
disposição para isso? É possível construir algo parecido segundo suas
circunstâncias? Isso faz sentido para você? Vale o esforço?
1.3. O problema da base
Nesta seção dedicaremos breves palavras ao que chamo de
“problema da base”. Entre os diferentes assuntos de uma mesma disciplina,
existem diferentes relações de dependência que precisam ser respeitadas no
estudo. Não é possível estudar cálculo diferencial antes de se dominar as 4
operações básicas da aritmética. De forma análoga, dificilmente você
conseguirá ler e compreender a “Crítica à Razão Pura” de Kant se ainda é
incapaz de apreender o conteúdo de uma notícia de jornal.

Sou professor de física. Na minha área, quando discorremos sobre


um determinado conteúdo, sempre supomos uma formação matemática
compatível com o assunto ensinado. Quando dou uma aula de mecânica
quântica, suponho que o estudante dispõe de uma série de conhecimentos
prévios que o tornam capaz de compreender o que irei ensinar. Se isso não
for verdade, ele poderá ter sérias dificuldades de acompanhar os raciocínios
e desenvolvimentos matemáticos apresentados por mim. O problema da
base, no caso da matemática, é implacável. O estudante não-iniciado, ao
não dominar notações e definições, sequer consegue expressar uma equação
matemática em palavras.

Ao final de quase duas décadas de negligência com a disciplina,


muitos estudantes terminam o ensino médio sem ter habilidades
matemáticas básicas. Consequentemente, são incapazes de acompanhar
aulas de física ou química com alguma destreza necessária à resolução de
problemas básicos. Um estudante assim talvez até seja capaz de reproduzir
alguma sentença correta por memorização, decorar uma fórmula, capturar a
ideia geral do assunto, mas dificilmente será capaz de realizar tarefas mais
sofisticadas como elaborar demonstrações ou resolver problemas
complexos.

A deficiência em português, não é menos grave que a em


matemática. Talvez seja ainda mais perigosa por ser mais difícil de detectar,
ainda que permeie pessoas de todas as idade e escolaridades. O relatório do
INAF de 2018 reporta que apenas 34% dos estudantes de nível superior têm
um nível proficiente de alfabetização[1], isto é, aproximadamente 2/3 das
pessoas com ensino "superior" completo apresentam dificuldades em
interpretar textos e gráficos. Das pessoas com ensino médio completo, o
índice de alfabetização não proficiente é de 88%.

Quando não dominamos o nosso próprio idioma, não dispomos da


principal ferramenta que nos torna capazes de nos comunicarmos com as
pessoas ao nosso redor, de receber instrução dos grandes homens do
passado que nos legaram seus escritos e, com isso, buscar ferramentas para
compreender as sutilezas do mundo que nos cerca. O domínio da linguagem
nos torna capazes de expressar nossas ideias e pensamentos mais íntimos.
E, finalmente, é através da linguagem que recebemos os conhecimentos de
quaisquer disciplinas que queiramos aprender.

Muitos estudantes reclamam que estudam um assunto e não


aprendem. Em muitos casos, trata-se de dificuldades em português.[2] Note
uma coisa: saber converter sinais escritos em sons não é o mesmo que saber
ler. Experimente ler um texto e resumi-lo para si mesmo em seguida, de
preferência por escrito. Se não conseguir explicar o que acabou de ler, é
porque não absorveu o conteúdo do texto.

Neste momento, convido o leitor a avaliar criticamente as suas


habilidades com matemática e português. Caso deficiências sejam
detectadas, não hesite em revisitar os fundamentos. No caso de deficiência
em português, convido-o também a ler boa literatura e tentar exercitar a sua
capacidade de expressão por escrito.[3] No caso de dificuldades com
matemática, regrida até o nível em que se sinta confortável e consolide os
conhecimentos que ainda não estão sedimentados.
1.4. O estudo e o desenvolvimento de virtudes
A vasta maioria das escolas e universidades atuais dá pouca ou
nenhuma formação humana em virtudes de seus formandos. Isso jamais
será expresso pelo discurso oficial da instituição de ensino, mas pode ser
confirmado pela experiência concreta. A maioria das escolas, na maioria
dos casos, estão devotadas a alcançar bons resultados em vestibulares.

De fato, as formações ética e intelectual são comumente encaradas


como aspectos independentes do ser humano. No entanto, em um processo
que realmente mereça o nome de educação - e não apenas ensino - deve
buscar uma unidade entre moral, estudo, religião, relacionamentos e
responsabilidade social. Perceba que não é exatamente esse tipo de
formação que está sendo buscada quando uma escola contrata um professor
para ministrar aulas dentro de um cronograma padronizado para centenas,
ou até milhares, de alunos por semana. Há, é claro, felizes exceções a essa
regra - que acontecem apesar do sistema, e não por causa dele.

Isso não foi sempre assim. Na antiga Grécia, a escola pitagórica, a


academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, supunham que uma boa
formação moral seria condição necessária para avançar nos estudos
intelectuais. Estudantes sem boa formação moral não poderiam sequer ser
aceitos. A relação persistiu por séculos, chegando à idade média, na qual
grandes centros educacionais foram empreendidos pela Igreja. Considere o
trecho inicial do ‘Opúsculo sobre o modo de Aprender e Estudar’, de Hugo
de São Vitor[4]:
“A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita
coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem
respeito ao estudante.
A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma
escritura.
A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém.
A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze
aos demais.
Muitos se enganaram por quererem parecer sábios antes do
tempo, pois com isto envergonharam-se de aprender dos demais o que
ignoravam. Tu, porém meu filho, aprende de todos de boa vontade aquilo
que desconheces. Serás mais sábio do que todos, se quiseres aprender de
todos. […]
O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio
aos cuidados do mundo e às tentações dos prazeres, e solícito em aprender
de boa vontade de todos. Nunca presuma de sua ciência; não queira
parecer douto, mas sê-lo; busque os ditos dos sábios, e procure
ardentemente ter sempre os seus vultos diante dos olhos da mente, como um
espelho.” [5]

Perceba como o autor inicia o seu pequeno escrito sobre como


aprender e estudar discutindo sobre as virtudes morais necessárias ao
estudante. Não se trata apenas de um ‘método’ a ser empregado e que
resultará em um melhor resultado em um exame, mas de um caminho pelo
qual deseja-se conduzir o aluno a fim de desenvolver não apenas a
capacidade intelectiva, mas todo o homem.

Peço que o leitor, caso não tenha familiaridade com esse texto de
quase mil anos, dedique uma atenção especial e medite sobre estas linhas.
Perceba como a humildade é importante para o aprendizado. Quantos
estudantes deixam de aprender por julgarem alguma disciplina ou livro
indigno de sua atenção? Quantos tornam-se, depois de anos com essa
mentalidade, profissionais hiper-especializados de mente estreita por conta
dessa postura. Podem até ser competentes, mas dificilmente alguém os
chamaria de sábios.

Hugo de São Vítor ensinando em sua escola catedral em Paris.

Em uma sociedade que cultua os diplomas e certificados como a


nossa, quantas oportunidades de aprendizado desperdiçamos porque nos
condicionamos a pensar que o único lugar no qual se aprende é em uma sala
de aula e estamos mais preocupados com papéis do que conhecimento.

Em terceiro lugar, temos um aviso contra a vaidade. Muitas vezes


as universidades são vistas como verdadeiras torres de marfim, nas quais os
homens e mulheres doutos discutem questões e desprezam aqueles que
estão fora dos muros da universidade. Que nós - independentemente do
nosso grau de formação acadêmica - jamais utilizemos o nosso estudo para
desprezar ou humilhar aos demais.

Por fim, o autor medieval incita-nos a não buscar parecer, mas


sermos sábios. Quanta gente emite opinião do que não sabe e quantos
estudantes preocupam-se mais em mostrar que sabem do que aprender mais.
1.5. Ética acadêmica
Pelo tom da última seção, caro leitor, já deve ter percebido que eu
não escrevi esse livro como um mero conjunto de dicas que permitam com
que você se torne capaz de passar de ano no colégio, passar em um
vestibular ou concurso, ou mesmo conquistar uma medalha em uma
olimpíada científica. Tudo isso é muito bom, mas o que mais importa é que
você possa desenvolver-se de forma integral através do estudo. O estudo
sério pode ser um caminho para transformar você em uma pessoa melhor,
não apenas mais inteligente.

Para isso fazer algum sentido na sua vida, gostaria de preveni-lo a


respeito de uma prática muito comum em universidades e escolas: a cola.
Esse assunto deveria ser consenso e sequer digno de muita discussão.
Entretanto, a quantidade de pedidos de cola que recebo através das minhas
redes sociais faz-me crer que não é o caso.[6] Amigos e conhecidos me
reportam que são abordados para resolver listas e provas para outras
pessoas. Há quem administre negócios especializados em produzir trabalhos
de conclusão de curso, dissertações e até teses sob encomenda. O ambiente
geral de estudos no nosso país não se trata apenas de uma decadência
intelectual, mas também moral.

Felizmente, ainda há quem se indigna com essa situação e que se


confortará em saber que há lugares em que esse tipo de prática não é
socialmente aceita. Refiro-me ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA), em que fiz graduação em Engenharia Eletrônica e, logo em seguida,
doutorado em Física. O ITA é uma instituição de ensino muito respeitada no
Brasil pela qualidade de seus egressos, mas, o maior diferencial do instituto
ao meu ver é a Disciplina Consciente (DC).
A DC é o código de ética dos professores e alunos do ITA.
Códigos de honra como a DC outrora foram cultivados em outras
instituições de ensino, mas não tenho ciência de outra instituição no Brasil
que leve isso tão a sério quanto o ITA. Aqui casos de cola são tratados com
rigor, tanto pela administração da escola quanto pelo centro acadêmico dos
alunos de graduação. O padrão de excelência praticado é tanto ético quanto
moral.

Uma pesquisa realizada na internet, com 1230 estudantes de


grandes universidades brasileiras mostrou que essa prática é amplamente
praticada nas escolas, e persiste na universidade. [7] Em algumas grandes
universidades, o índice de cola é superior a 85%. O ITA é uma exceção a
essa regra. O índice de cola estimado pela pesquisa citada acima é de
1,69%. Na prática, isso significa que em cada turma de 120 alunos,
podemos esperar que, em média, 1 ou 2 indivíduos que não atendem os
padrões éticos mínimos exigidos pelo instituto. Casos confirmados de cola
são tratados com desligamento ou trancamento de matrícula por 1 ano.

Aqui no instituto, posso dar provas e me ausentar sem a ajuda de


fiscais. Posso passar provas para casa sem consulta e tempo finito. As
provas que recebem deixam evidente que as orientações dadas são
obedecidas. Aqui os alunos marcam seus atrasos e faltas na lista de
presença. O trato entre professores e alunos é marcado pelo respeito,
cordialidade e confiança. A expectativa de que não há fraude acadêmica em
provas e trabalhos é um pré-requisito básico para que esse tipo de confiança
possa existir entre professor e aluno.

Não tenho dúvidas que esse sentimento é compartilhado por alunos


olímpicos espalhados pelo Brasil. Nesse meio há um profundo respeito pelo
mérito e por uma competição limpa entre os participantes. Isso faz parte da
cultura olímpica que permitiu com que as olimpíadas internacionais não
parassem em 2020 e 2021, mesmo em situação de pandemia e consequente
realização distribuída das provas em todo o mundo.[8]

Se, infelizmente, você tiver essa prática, encorajo-o a mudar sua


postura e encarar os seus estudos com honra. Se você for professor ou
administrador de escolas ou universidades, incentivo-o a tentar cultivar
esses valores em seus estudantes. Tudo bem não saber as respostas de todas
as questões, o que não dá é viver uma vida acadêmica inteira se apoiando
em fraudes.
As faculdades da mente

“Conhece-te, aceita-te, supera-te.”

Santo Agostinho de Hipona

Santo Agostinho, um dos maiores filósofos de todos os tempos,


ensinava que a mente possui três faculdades: a vontade, o intelecto e a
memória. Em qualquer movimento da mente, essas três faculdades estão de
algum modo envolvidas.

Um processo educacional bem feito deve ser capaz de desenvolver


no aluno essas potências humanas ao maior grau de perfeição possível. A
seguir exploraremos cada uma dessas faculdades em maior detalhe e
mostraremos a importância do desenvolvimento de cada uma delas para um
bom estudante. [9]

Esse tema talvez possa soar como um tema etéreo ou


excessivamente filosófico, porém está profundamente ligado com a forma
como aprendemos. Entender melhor como a nossa mente funciona pode nos
auxiliar utilizá-la da melhor maneira possível. Dito isso, passemos às três
faculdades da mente.
Santo Agostinho de Hipona (354-430).
2.1. O intelecto
A primeira faculdade sobre a qual discorreremos é o intelecto. Essa é
a faculdade da mente que permite a apreensão de aspectos inteligíveis da
verdade. Os sentidos humanos captam informações sobre o mundo externo,
que por sua vez admite uma representação interna na mente. Essa é a etapa
que recebe o nome de percepção. Para que um homem tenha uma boa ideia
clara do que é uma baleia, é necessário que alguma baleia tenha sido um dia
vista. Aristóteles ensinava que nada está no intelecto sem antes ter passado
pelos sentidos.

Uma vez que percebemos várias baleias, verificamos que esses


animais individuais compartilham uma essência comum – ou universal –
que as define como baleia: um animal mamífero cetáceo aquático de grande
porte. Quem realiza a apreensão dessa natureza, e faz sua distinção com
outros seres, é a faculdade do intelecto. Diferentemente das baleias, que são
seres materiais, o conceito de baleia é imaterial e universal a todas as
baleias [10]. É através do correto uso do intelecto que podemos distinguir, por
exemplo, que a baleia não é um tipo de peixe.

Com o intelecto acessamos também as verdades matemáticas,


cujos objetos de conhecimento são imateriais. Ele é a faculdade responsável
por elaborar raciocínios e julgar a veracidade de proposições. Quando
desenvolvemos o nosso intelecto, adquirimos um vigor de espírito capaz de
apreender de forma cada vez mais fácil o sentido do que ouvimos e lemos.
[11]
Uma componente desse vigor é intrínseca ao indivíduo – há na história
diversos exemplos de pessoas extraordinariamente bem dotadas, os ditos
gênios – , mas é importante enfatizar que ela pode ser desenvolvida
mediante o devido estímulo: ensino por bons mestres e estudo diligente com
método.

A diversidade de inclinações naturais de cada pessoa é evidente no


nosso cotidiano: cada pessoa apresenta uma maior ou menor inclinação
própria para a matemática, ciências naturais, linguagens, arte, negócio ou
qualquer atividade humana. Entretanto, seja qual for a disposição natural, o
poder do intelecto é aprimorado mediante o seu exercício. Deixemos de
lado quaisquer questionamentos competitivos vulgares, e.g., “O esforço
vence o talento?”, e busquemos alcançar o desenvolvimento intelectual
tanto quanto possível dentro das nossas circunstâncias pessoais.

Como podemos desenvolver o nosso intelecto? Estudando da forma


correta. Buscando entender a causa das coisas, porque as coisas são como
são e não podem não o ser. É preciso buscar em primeiro lugar não
armazenar uma informação, mas ser capaz de demonstrá-la a outra pessoa.

Voltando ao exemplo da baleia, o fato da baleia ter pulmões,


precisar respirar fora d’água de tempos em tempos, alimentar seus filhotes
com leite, não por ovos etc torna impossível que esse animal seja
classificado como um peixe. No contexto da matemática, decorar a fórmula
que expressa o teorema de Pitágoras, a2+b2=c2, é melhor que nada, mas
compreender esse teorema vai muito além de memorizar uma equação
algébrica. Domina realmente um teorema matemático aquele que sabe
demonstrá-lo, consegue bem enunciá-lo e está ciente de quando e como ele
pode ser utilizado. Devemos buscar apreender, portanto, a causa da
informação, a informação em si e as suas eventuais consequências.

Quando estudar qualquer assunto, exercite a capacidade de não


apenas decorar fatos, mas demonstrá-los. Nas ciências exatas esse
procedimento é bastante claro, mas também se aplica a linguagens ou às
ciências humanas. É possível demonstrar, por exemplo, que pedir “dois
pastel" é incorreto segundo a norma culta, assim como demonstrar que a
soma do quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

Por fim, ensina Santo Agostinho que o intelecto é, em si, também uma
realidade inteligível e, portanto, pode ser acessado por si mesmo. O homem,
de fato, não é só um animal capaz de saber, mas de saber que sabe.
Busquemos, nesse sentido, crescer em autoconhecimento. Saber o que se
sabe e o que não se sabe é de grande valia para qualquer bom estudante.
2.2. A memória
Passemos agora à segunda faculdade da mente: a memória. Se o
intelecto é o responsável por apreender verdades, a memória é a faculdade
da mente capaz de retê-las. Ultimamente ela tem sido desprezada por
muitos estudantes e professores – não sem consequências negativas.

Quem nunca ouviu a frase “O importante é entender, não


decorar.”? Se você dedicar alguns minutos para refletir sobre essa sentença,
percebe que ela pode ser aplicada na prática pedagógica de diferentes
maneiras - umas mais razoáveis, outras estapafúrdias. De que adianta
entender a lógica de algo sem absorver informações a respeito do objeto?

Ler sem buscar a absorção do conteúdo é o modo como se encara


textos de pouca importância. Quando se estuda, entender algo é tão
importante quanto memorizar. Não existe bom químico que não saiba que o
carbono tem 4 elétrons de valência, que o cloro não seja um halogênio ou o
hélio, um gás nobre. A memória foi, por bastante tempo, mal estimulada,
focando a atenção na reprodução de procedimentos sem a devida
compreensão, i.e., querendo guardar na memória verdades que não foram
apreendidas pelo intelecto. Atualmente, muitos caem em um erro oposto, o
de buscar um entendimento profundo de um assunto sem a transmissão
explícita de conhecimentos, o treino por exercícios e quaisquer técnicas de
memorização.

Façamos a distinção de duas formas de se utilizar a memória. À


primeira forma, me referirei como “memorização”. Essa é a capacidade que
nós temos de perceber uma informação e, posteriormente, resgatar e
reproduzi-la. Não há grande preocupação com compreensão e, outras vezes,
sequer é possível fazê-lo, por exemplo, quando alguém lhe pede para
memorizar um número de telefone.

A memorização não é em si um mal. Devemos buscar, tanto quanto


possível, desenvolver a memória. Numa época de assistentes digitais,
agendas eletrônicas etc., estamos com essa capacidade mental cada vez
mais atrofiada.

A “memorização“ passa a ser chamada pejorativamente de


“decoreba” quando um professor – de péssima estirpe, diga-se de passagem
– sacrifica o intelecto em detrimento da reprodução memorizada de
informações. Pede-se que o aluno guarde uma informação na memória antes
mesmo que o seu intelecto tenha-a apreendido. Informação mal
compreendida não consegue integrar-se ao todo e, no final de anos de
estudo assim, o aluno dispõe de uma série de informações fragmentadas que
não fazem sentido.

Para a segunda forma de utilizar a memória, utilizarei uma palavra


muito bonita, porém bastante desgastada: “decorar”. Decorar tem a mesma
raiz etimológica de “coração” (cor/cordis, em latim). Decorar é levar algo
ao coração, ao lugar mais íntimo em nós. [12] Supõe-se nessa forma de
utilizar a memória não apenas uma reprodução de informação, mas
principalmente a sua meditação sobre a informação apreendida. A
informação entendida e guardada na memória, a memorização permite que
a informação seja resgatada e refletida pelo estudante, redigerindo-a e
integrando-a a outros conhecimentos. A formação dessas conexões reforça a
absorção da nova informação à memória.

Quando decoramos um enunciado, devemos tentar reformulá-lo


com nossas palavras, relacionar com um outro conhecimento, investigar a
causa do fato, a relação entre as partes, o porquê das coisas serem de uma
forma e não de outra, conjecturar as consequências de um determinado fato
etc. Isso não se dá de uma só vez, mas aos poucos e de maneira repetida, tal
qual um animal ruminante no pasto.[13]

Esse retrabalho da informação serve como uma revisão e fixação.


O estabelecimento de relações entre a nova informação com outras mais
familiares contribui para uma melhor absorção e constitui o tipo mais
importante de memória: a qualitativa. O acúmulo de fatos per si - a
memória quantitativa- se não for convertido em memória qualitativa, pouco
ou nada têm a nos oferecer. Do que adianta saber que a revolução francesa
eclodiu em 1789 se não tivermos na nossa memória algumas características
do século XVIII? Da mesma forma, devemos ter em mente que vários
eventos do século seguinte sofreram influência dessa revolução. A
revolução liberal do Porto (1820) é um desses exemplos, que, por sua vez,
está intimamente relacionada à independência da nossa nação em 1822.

Relembrando: muito mais importante do que as datas são as


relações estabelecidas entre os fatos. Alguém pode levantar agora a ideia:
“concentremo-nos, então, apenas na memória qualitativa”. Impossível. É
preciso absorver e memorizar fatos brutos em um primeiro passo, em
seguida decorá-los e, à medida que meditamos a respeito deles, vamos
escrevendo com maior força essas informações em nossa memória. Sem
memória quantitativa, falta matéria-prima para o desenvolvimento da
memória qualitativa.

A nossa memória não absorve todo e qualquer tipo de informação da


mesma forma. Eu certamente me lembro muito melhor dos detalhes da
noite do meu casamento do que da segunda-feira passada, e de músicas que
ouvia há dez anos atrás, mas não me lembro da que por acaso ouvi no rádio
esta manhã. Um dos fatores mais importantes para gravar as coisas de
forma duradoura na nossa memória é a emoção. Acontecimentos que nos
deixam muito felizes, tristes, irados, abatidos ou amedrontados são aqueles
dos quais nos recordamos por décadas. Nesse sentido, um professor capaz
de deixar a sua aula menos monótona, normalmente consegue ensinar de
maneira mais eficaz, pois consegue despertar emoções ao longo do
discursos e manter os alunos devidamente estimulados.

Há circunstâncias que fogem ao nosso controle, pois não podemos


controlar nossas emoções em caráter absoluto; mas nem por isso não
podemos fazer nada. A seguir, mencionarei alguns exercícios e truques que
podem lhe ajudar a memorizar fatos de maneira mais fácil.

Dica 1: Lembre de quantas coisas é preciso lembrar.

Quando eu preciso me lembrar de uma série de coisas, a primeira


coisa que eu tento absorver é quantas coisas são. Antes de sair de casa, eu
costumo lembrar que não posso esquecer de três coisas importantes: chave,
carteira e celular. Antes de lembrar e citar os pecados capitais - avareza,
gula, luxúria, soberba, ira, preguiça e inveja-, é importante lembrar que eles
são sete.

E assim, fazemos com uma série de coisas: com os 7 sacramentos,


12 apóstolos, 4 estações do ano, 4 pontos cardeais, 7 cores do arco-íris, 88
constelações, 3 estados físicos da matéria etc.

Dica 2: Faça uso de siglas, histórias, rimas e frases mnemônicas.

Muita gente nutre hoje um certo preconceito contra técnicas


mnemônicas como siglas, frases, ou músicas para decorar informações. O
ideal é que você (i) fixe tanto o conteúdo que não precise desse tipo de
recurso, e (ii) jamais sacrifique a compreensão de um assunto em prol da
mera memorização. Se essas condições não forem respeitadas, o decorar
torna-se decoreba.

Acrônimos, também conhecidos como siglas, são ferramentas


interessantes para lembrar um conjunto de informações. Desde criança eu
decorei as cores do arco-íris com a sigla VLAVAAV. Ela não tem qualquer
significado, mas eu sempre achei esse som engraçado e desde então não me
esqueço da sequência do vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e
violeta. Uma imagem de um arco-íris na cabeça basta para não embaralhar
o vermelho, verde e violeta; assim como o amarelo, azul e anil. [14] Eu tenho
várias pequenas manchas na pele e, anos atrás, minha dermatologista me
ensinou 5 sinais aos quais devo estar atento. Para decorar, basta lembrar da
regra do ABCDE: assimetria, bordas [irregulares], cor [não homogênea],
diâmetro [maior que 6 mm] e evolução. A medicina está cheia desse tipo de
técnica de memorização porque isso pode proporcionar um diagnóstico
precoce de câncer de pele e salvar uma vida.

Nós não memorizamos todo tipo de informação da mesma forma. Há


formas que marcam nossa memória de forma mais profunda. A
musicalidade, que inclui a rima, é um fator que contribui para a
memorização. Eu consigo cantar canções que não ouço há anos, mas não
consigo recitar de cabeça o último parágrafo que escrevi na última seção.

Guardamos muito bem histórias e imagens. Não à toa toda grande


civilização da história sempre dispôs de mitologia - um conjunto de
histórias que trazem consigo explicações simbólicas sobre o mundo em que
vivemos. Mitos têm uma capacidade de ser memorizados e reproduzidos
oralmente muito superior a qualquer sistema filosófico.
Para decorar sequências de termos, gosto de associar sons de
números e criação de imagens: um-pum [15]
, dois-arroz, três-trem, quatro-
quarto, cinco-sinto, seis-meia[16], sete-seta, oito-biscoito, nove-novelo e dez-
pés. Considere a sequência de bichos retirados de um livro infantil da minha
filha:

1) Elefante;
2) Tigre;
3) Crocodilo;
4) Macaco;
5) Rinoceronte;
6) Urso;
7) Leão;
8) Zebra;
9) Tucano;
10) Girafa.

Para cada palavra, crio na minha cabeça uma imagem. A primeira


imagem que surgir na minha cabeça, preferencialmente bem bizarra ou
cômica, de acordo com a associação estabelecida inicialmente. Segue uma
possível sequência de imagens:[17]

1) Um elefante soltando um pum;[18]


2) Um tigre deitado em um monte de arroz;
3) Um trem recoberto por escamas de crocodilo;
4) Fui ao meu quarto e encontrei um macaco;
5) Já imaginou como deve ser difícil por um cinto de
segurança num rinoceronte?[19];
6) O grande urso comeu 6 kg de mel outro dia;
7) Sabia que existem famílias que criam leões como seus
pets?;
8) O biscoito passatempo tinha uma zebra como mascote;
9) Como seria um tucano tentando desatar um novelo de lã
com o bico?;
10) A girafa é um bicho tão grande e pés muito finos.
Depois dessa sequência de imagens, como não lembrar que o bicho da
quinta página é o rinoceronte, que o elefante é o primeiro, ou que o leão é o
sétimo? Experimente fazer isso algumas vezes e logo pegará o jeito.

Podem falar o que quiserem das frases de física, por exemplo, mas há
uma dessas frases pela qual eu tenho um grande apreço “Habib, me vê um
quibe”. Ela me ajuda a lembrar do raio R da trajetória circular de uma
partícula de massa m e carga q, em um campo magnético uniforme B, dada
pela expressão

Como doutor em física, é claro que eu não teria qualquer


dificuldade em demonstrar-lhe esse resultado em pouco tempo, mas que
essa frase já me ajudou a economizar tempo em várias questões de colégio e
vestibulares, eu não posso negar.

Para completar a história, chegando o pedido, chamei o árabe uma


segunda vez e disse: “Tacaram duas pimentas no meu quibe”. Eis o período
do movimento da referida carga

Tenho uma porção de outras frases e associações como essas do


tempo em que fui professor em um cursinho pré-vestibular. Eu confesso que
acho algumas delas bem divertidas. Não há nada de errado em saber
algumas delas.

Como utilizar esse recurso sem cair na decoreba? Sabendo que a


compreensão deve preceder a memorização. Em sala de aula, eu jamais
começo a explicar uma fórmula com uma frase mnemônica. Isso é um erro
crasso. Deve-se apresentar o fenômeno, construir uma intuição física a
respeito das grandezas envolvidas, formalizar as ideias em linguagem
matemática e, por fim, elaborar um raciocínio capaz de chegar à fórmula
desejada. No final da explicação, e apenas no final, pode-se oferecer um
recurso mnemônico. O trabalho do professor é, em última análise, tornar o
aluno absolutamente independente dessa bengala.

Dica 3: Exercite seu poder de síntese.

“A memória do homem se regozija na brevidade”, ensina-nos


Hugo de São Vitor no seu opúsculo sobre o modo de aprender e meditar. [20]
De fato, se não nos esforçamos para tentar condensar grandes discursos e
explicações em pequenas sentenças que possamos guardar na memória, nos
dispersamos em várias informações de menor importância e,
consequentemente, nossa absorção do conteúdo será menor.

Sintetizar algo é tornar algo sucinto e resumido. Fazer isso com


um texto, exige que nós reflitamos sobre o seu conteúdo e busquemos a
espinha dorsal da qual se desenvolvem as ideias secundárias. Devemos
tentar elaborar essas sínteses da maneira mais enxuta, breve e poderosa
possível. É a serviço de tal tarefa que podemos utilizar técnicas hoje tão em
moda quanto mapas mentais ou resumos à moda antiga.

Tome o seguinte exemplo: “Duas massas atraem-se com força


proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao
quadrado da distância entre elas. Essa interação, associada às leis da
mecânica, é capaz de explicar a gravidade dos corpos e o movimento dos
astros.” Eis um exemplo de resumo de qualquer aula de gravitação, seja
dada em ensino fundamental, médio ou superior. Um livro sobre gravitação
apresentará esse conteúdo de maneira analítica - discutindo o fenômeno da
gravidade em nosso cotidiano, i.e. a propriedade dos corpos caírem ao chão,
as observações astronômicas mais importantes realizadas ao longo dos
séculos, as lei de Kepler etc., apresentará a lei da gravitação universal,
explicitando suas consequências e aplicações por até dezenas de páginas. É
preciso sintetizar toda essa informação de alguma forma que possa ser
facilmente guardada na memória.

Por que não falamos essa frase e simplesmente não vamos


embora em seguida? Porque é o trabalho do professor demonstrar e
esmiuçá-la tanto quanto possível. É preciso responder a vários possíveis
questionamentos: O que caracteriza o movimento dos corpos? Esses
movimentos e a gravidade que experienciamos no dia-a-dia obedecem às
mesmas leis da mecânica? [21] Qual a forma dessa atração? Como
demonstrar que ela, de fato, explica as observações astronômicas? Porque
não nos sentimos atraídos por outros corpos do nosso cotidiano? E por aí
vai… O objetivo de uma boa aula deve ser fornecer uma mensagem concisa
e clara ao estudante, cujo conteúdo deve ser explorado tanto quanto
possível dadas as circunstâncias concretas. Em uma boa aula, o estudante
pode contar com o auxílio do professor para elaborar a síntese. Em um
momento de estudo e leitura independente, ele precisa realizá-la por si.
2.3. A vontade
A terceira faculdade da mente é a vontade. Esta é a faculdade com
a qual exercemos nossa liberdade e atuamos no mundo. No contexto dos
estudos, podemos imaginar o intelecto como sendo o guerreiro que
conquista tesouros; a memória, o guardião sob os quais eles são mantidos
sob custódia; e a vontade, o empenho que os dois primeiros colocam em
suas tarefas. Quando a vontade é fraca, o intelecto e a memória cedem às
dificuldades e o tesouro não é conquistado tampouco guardado.

Resolver um problema difícil exige muitas vezes uma boa dose de


esforço e uma série de tentativas fracassadas de resolução, que podem durar
horas ou dias. Realizar tarefas difíceis exige uma vontade forte e decidida
por colocar todo o esforço possível na superação de um desafio. Um
intelecto aguçado acompanhado de uma vontade fraca cai no vício da
preguiça, tornando-se acomodado e fugindo das dificuldades.

A vontade também é responsável por imprimir nossas percepções


na nossa memória. Quando temos vontade suficiente e valorizamos um
determinado assunto, é incrível como nossa memória trabalha a nosso favor.
Na minha infância existia um desenho bastante popular chamado
“Pokémon”. Ele era a prova de que crianças têm um enorme poder de
memorização: com uns 10 anos, eu sabia nomear os 251 pokémons,
classificando-os quanto a seu tipo e indicando suas evoluções. Isso é mais
que o dobro da quantidade de elementos da tabela periódica. A questão é
que, quando eu tinha 10 anos, minha vontade estava mais direcionada a
monstros japoneses do que à química.

A vontade também contribui com a memória através da atenção


que depositamos nas coisas. Ouvimos muitos sons constantemente; mas,
para escutá-los, é preciso que nós depositemos nossa vontade. Isso acontece
em conversas, leituras e também em sala de aula.

A vontade também é a grande responsável pela virtude da


resiliência. É através dela que um plano elaborado é posto em prática.
Quando oferecermos nos próximos capítulos uma série de recomendações
práticas a seguir, dependemos da vontade para colocá-las em prática e
acionar o intelecto e a memória durante os estudos. Uma pessoa de vontade
forte é costumeiramente confundida com uma pessoa motivada.
Falemos mais sobre a motivação a seguir.
2.4. Sobre a motivação
O último assunto preliminar ao estudo que eu gostaria de tratar é a
motivação, que está intimamente ligada à faculdade da vontade. Trata-se de
um tema sobre o qual se fala bastante, mas que muitas vezes não vai além
de uma conversa sentimental que lembra livros de autoajuda de qualidade
duvidosa. Por outro lado, esse aspecto psicológico tem uma importância
inegável na vida de um bom estudante.

Para início de conversa, existem diferentes tipos de motores da


motivação. Alguns exercem maior influência sobre nossas paixões, no
sentido da palavra grega pathos, que buscam uma excitação física, tirar o
corpo da letargia e inclinar o interlocutor a encarar desafios. Nesse discurso
é preciso passar energia e exigir energia. Essa abordagem de motivação não
se direciona tanto ao intelecto, ou ao logos como diziam os gregos.
Dependendo da situação pode ser necessário até gritar. Para potencializar o
efeito, podemos adicionar uma música épica ao fundo. Há bastante material
na internet que se enquadra nessa descrição em algum grau.[22]

Esse tipo de retórica tem a sua importância. Manter o moral de um


time esportivo ou de uma tropa é, muitas vezes, condição imprescindível
para alcançar uma vitória. Eventualmente, pode ter o efeito de fortalecer a
autoconfiança e até “virar uma chave” na cabeça de alguém e estimular um
tipo de comportamento desejável. No entanto, não é possível manter esse
efeito motivacional baseado no pathos por muito tempo. O seu corpo não
foi feito para viver sob alto nível de adrenalina por longos períodos. O
efeito físico simplesmente passa, o que fica a longo prazo é a ideia passada.

Há outra forma de motivação mais sutil e bastante conhecida, que


apela ao sentimento: o reforço positivo. Quando você faz algo bom, recebe
uma recompensa; quando faz algo ruim, uma punição. O sistema de
incentivo é organizado para induzir os comportamentos desejáveis. Eu
mesmo já usei isso em sala de aula. Um dia comprei uma caixa de
chocolates para uma aula de exercícios de física e decidi premiar com um
doce os alunos que faziam exercícios. A perspectiva de gratificação
imediata de fato tem um efeito bastante interessante no curto prazo.

Os problemas com esse tipo de motivação são dois. Primeiro,


devido a sua natureza extrínseca, a prática torna o aluno dependente de
alguém que lhe diga o que fazer. Não se desenvolve a capacidade do
estudante de se automotivar. Em segundo lugar, a prática tira o foco de se
realizar o exercício pelo valor do estudo e passa-se a buscar o prêmio e a
satisfação que vem com ele, seja o chocolate ou ter sido o vencedor da
competição. O estudante é induzido a buscar um bem menor e imediato, ao
invés de um maior e árduo; que é, talvez, um dos maiores problemas das
pessoas de nossa época.

Outra fonte de motivação para estudar são as provas. Sim, para


muitos estudantes a necessidade de atingir um determinado nível de
rendimento em exames é uma fonte de motivação bastante eficaz. No
entanto, defendo que estudar com o foco exclusivo em provas é um dos
maiores erros que um estudante pode cometer. Não quero dizer que você
não deve estudar para os seus exames na escola ou universidade, mas que
eles não são a finalidade última do seu estudo. Muitos estudantes com esse
vício estudam apenas para provas. Se um determinado assunto não cai na
prova, não se presta atenção.

A matéria, que deveria ser estudada com calma ao longo de


semanas, é decorada de véspera e esquecida no dia seguinte. O estudante
passa anos fazendo provas que, não raramente, têm um nível de exigência
baixo. Sendo bem direto, provas escolares são feitas para você passar e não
causar problemas a você, ao professor, à escola ou às estatísticas
governamentais.

Pessoas chegam então à idade adulta sem noções básicas sobre


boas práticas de estudo, sem conseguirem expressar o que pensam, sem
absorver o que leem e com dificuldades básicas em matemática. Quando se
deparam com um exame real, um vestibular ou concurso, não é difícil de
saber o resultado… No momento em que não há vagas para todos, quem
realmente estudou para aprender leva vantagem. Essa nova situação, de
uma prova com maior sofisticação, para a qual o estudo de véspera não é
suficiente para obter sucesso pode ter um efeito de motivação para o
estudante. O mesmo pode-se dizer de olimpíadas científicas que oferecem
medalhas aos competidores melhor sucedidos.

Tal motivação também não é da melhor qualidade. Ela consegue


fazer com que muitos estudantes tenham algum contato, ainda que tardio,
com os livros. Sim, mas os problemas apontados para o reforço positivo
permanecem em certo grau. Primeiro, a fonte de motivação permanece
extrínseca. Cessa a causa, cessa o efeito. O estudante esforça-se para
alcançar uma vaga universitária e, quando entra na fase dos estudos
supostamente superiores, volta a ser o estudante medíocre de antes.[23] Em
segundo lugar, a inversão dos bens permanece. O estudante busca uma vaga
de concurso, um emprego, uma vaga universitária, uma medalha, uma
honraria, mas nem sempre dá a devida atenção ao conhecimento que
possibilita essa conquista e é muito mais importante do que ela.

Como deveria então ser a motivação de um estudante?


Primeiramente, ela deve ser intrínseca. Depender mais de fatores internos
do que de agentes externos. Dedique-se a objetivos que sejam realmente
importantes para você. Já discutimos bastante como o estudo pode ser um
caminho para a realização pessoal e, portanto, da busca da felicidade. [24]

Um estudante motivado é alguém que escolhe livre e


conscientemente seus objetivos. O valor percebido nesses objetivos é o que
há de mais poderoso para mantê-lo esforçando-se mesmo nas adversidades.

Outro fator importante para a manutenção da motivação é buscar,


na medida do possível, ambientes e pessoas que lhe ofereçam suporte e
incentivo. Não podemos trocar de família, mas somos livres para
escolhermos com que colegas vamos nos associar em uma sala de aula.
Busque cercar-se de pessoas boas e com objetivos similares aos seus. Ter
um bom amigo do lado é um consolo em dias difíceis.

Por fim, é importante ter confiança na possibilidade de sucesso.


Uma justa dose de autoconfiança é muito valiosa no momento em que nos
deparamos com desafios. Um estudante convicto de sua incapacidade de
aprender um assunto faz uma profecia autorrealizável. Sobre esse aspecto,
busque orientação de quem pode lhe auxiliar a realizar seus objetivos e
busque inibir esse tipo de postura auto-depreciativa.

Acredito que existem pessoas de fato geniais - como Mozart na


música, ou um Einstein na física - mas, via de regra, preocupar-se com isso
não é recomendável. Uma inteligência inata extraordinária é completamente
dispensável para ter uma vida feliz, ter uma boa formação intelectual ou
conquistar um bom emprego. Ter um bom método de estudo, ser
persistente, responsável e disciplinado é suficiente para a realização desses
objetivos.
A ordem nos estudos

“Boa ordem é a base de todas as coisas.”

Edmund Burke

Este capítulo é dedicado à preparação e organização do estudo.


Iniciaremos com a preparação física do ambiente, que permitirá que
estudemos em condições suficientes para que possamos aprender. Preservar
o ambiente de distrações que insistem em dispersar nossa atenção e minar
nossa capacidade de concentração é fundamental para que o estudante possa
aprender de maneira eficiente.

Comentaremos sobre a importância da rotina. Sem uma rotina


capaz de dar ritmo aos estudos, estamos expostos à disposição de estarmos
ou não “a fim” de estudarmos algo em cada dia. Esteja certo de uma coisa:
sem constância, não se vai muito longe. Muita gente é capaz de dedicar um
dia inteiro ao estudo, estudar por uma noite inteira em claro, mas os
melhores estudantes são os que confiam no trabalho cotidiano sem fogos de
artifício.

Por fim, estaremos lutando sozinhos ou disporemos de amigos


para nos acompanhar? Daremos orientações básicas sobre como montar um
grupo de estudo que possa ajudar mais do que atrapalhar nosso
aprendizado.
3.1. Ambiente físico
O primeiro passo para organizar o seu estudo é organizar o espaço
físico no qual você pretende estudar. Talvez você já tenha ouvido alguns
dos conselhos contidos nas próximas linhas, mas talvez você esteja
cultivando um mau hábito sem que o perceba. Em caso de dúvida, digamos
o que precisa ser dito.

Procure, na medida de suas possibilidades, um ambiente de estudo


silencioso, longe de distrações. Organize-se para ter um tempo de estudo
disponível no qual você não seja interrompido a não ser por motivos graves.
Afaste os eletrônicos tanto quanto possível do seu ambiente de estudo.
Falaremos mais sobre eles a seguir. Se utilizar algum material de estudo em
formato de arquivo digital, considere seriamente imprimi-lo se desejar
estudar com maior eficácia.

A organização do ambiente físico também passa por você. Vista


roupas que sejam confortáveis, mas que não lhe induzam ao desleixo. Nada
de pijama que te faz querer voltar para a cama. Tome banho, escove os
dentes e satisfaça suas necessidades básicas plenamente antes de estudar.
Tenha uma garrafa d’água do lado. Uma vez que o seu bumbum toque a
cadeira, trate-o de mantê-lo ali por um tempo razoável.

A iluminação é um ponto importante. Garanta que você tem


condições mínimas de leitura e escrita. À noite, uma luminária de mesa
focada nos seus materiais de trabalho pode ser uma boa ideia.

Tomadas essas providências externas, passemos às internas.


3.2. Resgatando a concentração
Não basta organizar um cronograma com várias horas de estudo
diárias reservadas se, na prática, você não se concentra no que está fazendo.
Durante os anos em que tenho exercido o magistério, tenho ouvido cada vez
mais alunos relatando dificuldades em estudar de maneira eficiente. O fato
é que com essa onda de celulares, tablets e outros eletrônicos estamos sendo
incessantemente bombardeados por estímulos. Há sempre um novo post a
ser visto, uma pessoa que curtiu ou comentou na sua publicação. Redes
sociais são cuidadosamente projetadas para manter a sua mente excitada e
aumentar o seu tempo conectado à rede.

É inocente quem acredita que a exposição contínua a esse tipo de


conteúdo não tem consequências sobre nós. Cientistas canadenses
publicaram um estudo no qual reportam que 2 horas diárias de tela para
crianças em idade pré-escolar são capazes de aumentar em 7,7 vezes a
chance do jovem apresentar um quadro de transtorno do déficit de
atenção/hiperatividade (TDAH) [25]
. O vício em jogos de videogames já é
categorizado como um transtorno psicológico pela Organização Mundial da
Saúde.

Forneço esses exemplos para sustentar a advertência de que


devemos ter bastante atenção com o tempo e o tipo de conteúdo que
estamos consumindo na internet. Muitos estudantes não conseguem sentar
para estudar e não consultar o celular a cada 10 minutos. Essas interrupções
constantes, na maioria das vezes sem qualquer necessidade real, corroem a
capacidade de concentração de muita gente. Via de regra, mantenha seu
celular longe do seu ambiente de estudo. Para estudantes inexperientes a
alternância entre momentos de estudo e descanso pode ser interessante [26]
,
mas o ideal é que você seja capaz de dedicar com afinco o tempo necessário
para realizar a tarefa a que se propõe realizar.

As interfaces com as quais nós interagimos são pensadas para nos


fornecer uma alta dose de estímulos. Estamos assistindo um vídeo editado e
acelerado, com cards promocionais aparecendo na tela, interrupções por
propagandas, recomendações de mais conteúdo ao lado… se o vídeo não
captura nossa atenção nos primeiros segundos, logo passamos para um
outro conteúdo com a velocidade de um clique. Observe como esse
comportamento dispensa esforço de nossa parte.

Essa alta dose de estímulos vicia. O efeito prático disso é começar


a sentir-se entediado em situações que não nos proporcionam recompensas
imediatas e um alto fluxo de informação sem demanda de esforço:
conversas cotidianas, aulas expositivas ou leitura de livros. A televisão foi o
grande vilão nesse sentido no passado, mas o que já era ruim ficou ainda
pior com o advento das redes sociais. E não para por aí: atualmente muita
gente se condiciona a acelerar vídeos e áudios. Sendo bem claro: se você
quiser melhorar sua capacidade de concentração, comece parando de
acelerar os seus áudios e vídeos.

Recomendo que o estudante busque cultivar no seu dia diversos


“momentos offline”. Momentos de leitura, aulas, socialização com amigos,
filmes, passeios no parque etc. Quem sabe até tirar alguns dias
desconectado em um passeio de férias.

Quando usar a internet, procure fazer isso de maneira inteligente,


consumindo conteúdo que ajude na sua formação. É interessante que o seu
tempo de internet tenha um objetivo bem definido: assistir a um
documentário ou palestra sobre um tema de interesse, buscar a resposta para
uma pergunta específica, acompanhar alguma referência intelectual ou
consumir informação confiável sobre o que está acontecendo no mundo.

Sobre acompanhar o jornal, tenha moderação. Cuidado com a


exposição excessiva a assuntos que não terão a menor importância daqui a
alguns meses. Procure gastar mais tempo na leitura de livros do que
acompanhando a disputa político-partidária do país da última semana.
Muitas coisas podem estar acontecendo agora no mundo, você não precisa
acompanhá-las durante o seu momento de estudo. O que importa nesse
momento está no livro diante de você.

Todos esses conselhos contribuirão para que você resgate sua


capacidade de concentração. Ter serenidade no momento de estudar
depende do como você se comporta ao longo do dia. Sem essa capacidade
de concentração, não prestamos atenção no que lemos e nos tornamos
incapazes de nos concentrar em problemas difíceis. Quando for estudar,
afaste-se de distrações. Desacelere. Sente-se sozinho, em um ambiente
calmo e silencioso, tome um bloco de notas e se deixe isolar por um tempo
de tudo o que não for pertinente ao assunto estudado. A palavra-chave aqui
é foco.
3.3. A importância do estudo diário
Ocasionalmente, as pessoas me perguntam se houve algum
momento da minha vida que tenha me marcado na minha vida de estudante.
Com algumas pessoas acontece uma virada de página mais tarde. Até uma
determinada idade, essas pessoas não levavam o estudo a sério, ou tinham
grandes dificuldades, e, por alguma circunstância ou motivo, se
empenharam e o estudo começou a prosseguir de maneira mais natural. Isso
pode ser o trabalho de um bom professor, uma intervenção de um educador
ou ainda a simples necessidade urgente de se ter boa performance em um
exame como um vestibular ou concurso público.

Comigo, graças aos meus pais, essa chave virou muito cedo, bem
quando entrei no ensino fundamental com sete anos. O meu pai, naquela
época, impôs a regra de duas horas de estudo diário. Eu estudava pela
manhã, almoçava e estudava, de segunda a sexta, das 14h às 16h. De
segunda-feira a sexta-feira, sem exceções. Esse hábito é o mais valioso que
eu já cultivei na minha vida de estudo, ainda mais por ser tão novo.

Quando eu compartilho essa experiência pessoal, há duas reações


comuns. A primeira reação é algo similar a um “Só isso?”. Esse grupo
esperava uma estratégia inovadora, algo diferente que tudo o que ela já
tenha ouvido, ou até algo que fosse exigir um esforço hercúleo. Ser um bom
estudante não é o mesmo que estudar até a exaustão.

A segunda reação é “Mas e quando não tinha o que estudar?”. A


questão é que sempre há o que estudar. Pode-se revisar a aula vista de
manhã, começar a fazer um trabalho desde o primeiro dia ao invés de deixá-
lo para a véspera. Podemos ainda cultivar o valioso hábito de ler qual será o
assunto da próxima aula.[27]
Vamos discutir brevemente os efeitos benéficos da inclusão de
estudo diário na sua rotina. Idealmente, busque assistir aula de manhã e
utilizar a tarde para estudar. Esse arranjo tem as seguintes vantagens:
1. Assistindo aulas pela manhã você é obrigado a ter uma rotina
matinal intelectualmente produtiva;
2. O seu estudo a tarde é determinado pela aula vista durante a
manhã;
3. A sua tarde de estudos torna-se, portanto, mais produtiva;
4. Você tem a noite ao seu dispor para atividades
extracurriculares, lazer ou descanso.
Há uma vantagem significativa entre ‘assistir aula pela manhã e
estudar à tarde’ e ‘assistir aula à tarde e estudar no dia seguinte’. A memória
de curto prazo resgata as lembranças de uma aula assistida há poucas horas
melhor do que uma assistida no dia anterior. O ciclo completo de aula e
estudo acontece no mesmo dia e, ao dormir, o conhecimento é fixado na
memória de longo prazo.

Perceba que tanto o estudo realizado ao longo do dia quanto o


tempo de sono têm a sua importância para a absorção de informações na
memória. Dessa maneira, assistir aula pela manhã não vai ajudar caso você
tenha o mal costume de ficar acordado até mais tarde uma vez que a
privação de sono têm efeito negativo sobre o aprendizado.

Portanto, é necessário que o estudante crie uma rotina na qual


possa se condicionar a estudar todos os dias e ter horários de sono e
alimentação regulares que proporcionem saúde física, fixação das memórias
de longo prazo e maior atenção às aulas. No começo pode ser difícil, mas
mediante esforço cotidiano passa a ser uma atividade natural. [28]
3.4. Criando uma rotina
Discutiremos agora sobre a organização do estudo no seu dia a dia.
Discussões mais gerais referentes à montagem de calendário e definição de
metas serão discutidas no capítulo 4. Por ora, vamos nos concentrar no
estabelecimento de um hábito de estudo diário dentro da sua rotina.

Antes de mais nada, por que é importante ter uma rotina? Algumas
pessoas têm inclinação natural à virtude da ordem: são organizadas e
desenvolvem suas tarefas eficientemente de maneira quase que instintiva.
Esse tipo de pessoa costuma organizar o próprio dia com certos horários e
rituais. Ainda que elas não saibam justificar o motivo, elas desenvolvem
uma rotina que as ajuda a serem produtivas.

O primeiro motivo pelo qual devemos manter uma rotina é a redução


de estresse. Quando iniciamos o nosso dia, tomamos banho, tomamos café,
escovamos os dentes etc. Seguindo uma rotina realizamos essas tarefas de
maneira automática, garantimos necessidades básicas como higiene e
alimentação sem qualquer esforço mental. Podemos nos ocupar
mentalmente de outros assuntos de maior importância. Ter uma rotina com
horário para dormir e acordar, café da manhã, almoço e jantar é, nesse
sentido, questão de ordem básica e nos auxilia a organizar um dia de forma
produtiva com menos esforço.

Quem já teve filhos deve saber que os bebês têm quatro necessidades
básicas: sono, higiene, alimentação e ordem. Esses quatro pilares são
essenciais não só para os recém-nascidos, mas auxiliam muito os
estudantes. De fato, quando a nossa vida está uma bagunça, isto é,
desordenada, normalmente é porque negligenciamos coisas simples e
importantes como essas. Comece, portanto, a organizar a sua rotina com o
que há de mais básico: tenha horário para acordar, se alimente, tire o pijama
e prepare-se para estudar.

É importante dar valor ao pequeno trabalho de cada dia. Vale


muito mais um estudante que estuda de segunda a sexta duas horas diárias
do que um outro que estuda 10 horas na véspera da prova. Quando esse
hábito é cultivado por anos, os frutos são inevitavelmente colhidos. Seja
constante e use o tempo a seu favor.

Muitos estudantes me perguntam quantas horas por dia devem


estudar? Cinco, sete, dez, doze... quantas horas por dia afinal deve alguém
dedicar-se aos estudos?

Não há resposta fechada para essa pergunta. O número de horas


que um aluno deve estudar por dia varia de caso a caso. Mantenha um ritmo
constante e compatível com os seus limites e circunstâncias pessoais.

Peço licença para contar a história de Mílon de Crotona, um atleta


que ganhou seis vezes os jogos olímpicos gregos na idade antiga. Mílon era
conhecido por sua grande força, o que o fazia ser um dos homens mais
fortes de toda a Grécia. Conta a lenda que ele começou os seus treinos de
levantamento de peso com um bezerro, quando ainda era criança. Mílon
levantava o bezerro nas costas todos os dias, por anos e anos. Com o passar
do tempo o bezerro crescia e a força de Mílon também. Quando o bezerro já
havia se tornado um boi, não havia outra pessoa na Grécia que o pudesse
pôr nos ombros, apenas Mílon.
Ilustração de Mílon de Crotona e seu boi.

Esse mito traz um valioso princípio que serve não só para


exercícios físicos como também exercícios de estudo. Para se chegar à
excelência é preciso começar com um treinamento leve e ir avançando
progressivamente. Ajuste sua rotina para proporcionar sempre uma
sensação de leve desconforto, defina horários e cumpra-os com disciplina.
É essa sensação de leve desconforto o ponto ótimo do estudo, você não
deve ficar exausto, mas também não deve desperdiçar energia que poderia
ser bem gasta estudando.

Uma rotina de 2 ou 3 horas diárias, TODOS os dias, é ideal para


um aluno de ensino fundamental. Para um aluno de ensino médio talvez
3h30 ou 4 horas sejam o ideal.[29] Não cito esses números como prescrição,
mas para deixar claro que não são necessárias várias horas de estudo por
dia. Não se surpreenda com o que escuta por aí: gente que deixa de dormir
para estudar ou pessoas que chegam a 14h de estudo diário[30]. Um trabalho
sério e constante todos os dias, reservando um justo tempo para descanso, é
o que traz resultados a longo prazo.

Lembre-se da importância da concentração para o estudo. Preze


mais pela qualidade do que pela quantidade das suas horas de estudo: evite
ao máximo distrações nesse intervalo de tempo. Cada aluno deve adaptar
sua rotina de estudos de acordo com o volume de aulas que tenha na sua
preparação.

Por fim, reserve tempo de sono para o seu descanso de cada dia.
Deixar de dormir para estudar pode até te ajudar a ir bem em uma prova,
mas não te ajuda a aprender. Diminuir horas de sono para ganhar horas de
estudo não é bom negócio na maioria das vezes. Confie mais na constância
do dia-a-dia do que em uma madrugada inteira em claro.
3.5. Grupo de Estudos
Um dos grandes trunfos de estudantes bem sucedidos em
olimpíadas e vestibulares de alto nível é cercar-se de pessoas que lhes dêem
apoio, orientação e incentivo para vencer esses desafios. Sua família pode
dar maior ou menor apoio aos seus projetos pessoais, você pode até
conversar com seus familiares, mas não pode trocar de família; escolher
bons amigos, por outro lado, está ao alcance de qualquer pessoa.

Manter um grupo de colegas próximo que compartilham objetivos


similares aos seus pode ajudar muito nos seus estudos. No evangelho, Jesus,
quando mandou seus discípulos pregarem pelas cidades não os enviou
sozinhos, mandou-os de dois em dois (Lc 10,1). Ter um companheiro de
jornada auxilia a corrigir nossas deficiências e superar obstáculos. No caso
dos estudos, ter colegas com quem estudar junto permite com que todos
evoluam mais do que se estudassem cada um por si.

Ensinar é uma das melhores formas de revisar um conhecimento


conhecido e organizá-lo na sua cabeça. O conhecido método Feynman de
estudos tem uma forte componente em ensinar a fim de garantir o próprio
aprendizado. Ao longo da história, os intelectuais se reuniram para
cooperar, discutir e aprender uns com os outros. Lembre-se da Grécia
Antiga, por exemplo, na qual existiram a escola pitagórica, a Academia de
Platão e o Liceu de Aristóteles.
Ensinar aos outros é uma ótima maneira de aprender. Acima vemos uma ilustração de Euclides
ensinando geometria a quatro jovens estudantes. Quadro “Escola de Atenas” de Rafael.

Procure participar de algum fórum de pessoas com interesses


comuns. Nesses grupos costumam ser compartilhados materiais de estudo
muito úteis para estudo, mas não faça deles o seu grupo de estudos
principal. Bons grupos de estudos devem ter poucas pessoas, por volta de 2
até 5 membros. O ideal é que os membros tenham objetivos e nível de
experiência similar, tal que ninguém seja um peso para os demais.

Organizem-se para realizar suas atividades com ritmos similares,


cujo passo pode ser dado por participarem de um mesmo cursinho
preparatório ou por compartilharem um cronograma de estudos acertado no
começo do ano. Dessa maneira, a dúvida de um estudante passa a auxiliar e
complementar o estudo do seu colega. Outra sugestão é realizar simulados
juntos, de tal forma que vocês possam comparar seus desempenhos entre si.
Evite distrações e conversas desnecessárias em momentos
reservados aos estudos. Tudo tem a sua hora. As discussões entre vocês
devem ser pontuais e focadas nas dificuldades de vocês. Cada um de vocês
deve gastar a maior parte de seu tempo estudando sozinho,
independentemente dos demais. Garanta que haja bastante leitura e
exercícios para pouca conversa.
Bons hábitos de estudo

“Nós somos o que repetidamente fazemos. A


excelência, então, não é um ato, mas um hábito.”

Will Durant

Uma vez organizado o ambiente físico e discutidas algumas


questões preliminares, apresentamos neste capítulo algumas boas práticas
de estudos. Discutiremos aqui princípios básicos de como estudar, que
deveriam ser óbvios e ensinados por pais e educadores de geração em
geração, mas que, infelizmente, nem sempre acontece: seja por pais que não
têm boa formação ou por educadores inebriados pelas últimas teorias
pedagógicas (que não necessariamente são melhores que as antigas).

Concentrar-nos-emos neste capítulo em dicas extremamente


concretas, que você pode aplicar a partir de hoje. Que não trarão resultados
imediatos, assim como a maioria das soluções, mas que se aplicadas com
perseverança e disciplina por meses e anos, transformarão você em um
aluno muito melhor.

Como começar a ser um bom estudante? Comece a aplicar as dicas


concretas e objetivas deste capítulo. Incorpore essas dicas e construa bons
hábitos de estudo. Bons hábitos repetidos recorrentemente transformam o
estudante, que passa a ter uma inclinação natural realizá-los, com menos
esforço do que inicialmente, o que é chamado de virtude.[31] Quando o
estudante adquire a estudiosidade, muitos dos hábitos aqui descritos
tornam-se naturais e o aprendizado acontece de forma mais fácil. Mas até
chegar nesse ponto, é preciso cultivar bons hábitos. Vejamos alguns deles a
seguir.
4.1. A postura em sala de aula
As aulas expositivas e o ensino sistemático das diferentes
disciplinas escolares têm sido duramente atacadas recentemente. Muitas das
críticas são justificadas, não pelo formato da aula expositiva em si, mas por
defeitos acidentais. Nada mais natural do que uma pessoa, detentora de
algum determinado conhecimento, expô-lo a um ou mais pessoas que
anseiam em aprendê-lo. Essa troca de experiências é o que nos possibilita
adquirir conhecimento e sabedoria encontrados por outras pessoas e realizar
novas conquistas a partir do que nos foi legado pelas maiores mentes dos
séculos passados. Assim diz um dos maiores físicos da história, Isaac
Newton: “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre os ombros de
gigantes.” Hoje em dia somos nós que nos apoiamos na mecânica
newtoniana para compreender o movimento dos corpos físicos
macroscópicos no universo. Uma estrutura de ensino que não seja
fortemente baseada na exposição do conhecimento mais sublime atingidos
pelos homens do passado, para que possamos nos apropriar dele, aplicá-lo
no presente para construir o melhor futuro possível, não me parece
razoável.

Não confunda aulas expositivas em si com o sistema de grade


horária, com períodos cronometrados de 50 min, intercalando diferentes
disciplinas organizadas em um currículo único definido por uma autoridade
burocrática governamental, com exigência de presença e realização de
exames regulares. Isso tudo tem mais a ver com burocracia estatal do que
educação. Eu teria numerosas críticas a esse sistema que orienta as escolas
mas, por uma questão de economia de tempo e definição de escopo, não
cabe elaborá-las em detalhes neste livro[32]. Vamos nos concentrar em
aproveitar da melhor forma possível uma aula concreta a que você
porventura assista, independente do contexto em que ela se encontre.

Muitas justas críticas às aulas expositivas baseiam-se em uma má


compreensão do que é uma aula expositiva e como ele deve integrar-se a
uma vida de estudos. Vamos dedicar as próximas linhas ao que são e para
que servem as aulas. Começaremos dizendo o que não é e para que não
serve assistir aula. Assistir aula não é estudar. Assistir aula não serve para
aprender. Assistir uma aula expositiva também não se trata de um momento
de troca de ideias ou experiências. Afinal, o que são e para que servem as
aulas?

Há alguns anos, desde que comecei a ter maior contato com jovens
pelo país através de redes sociais, recebo algumas mensagens que me
deixaram atônito. Uma vez um estudante me disse que não conseguem
estudar por livros, só por vídeo-aulas. Isso talvez seja um distintivo desta
nova geração de estudantes: ninguém os orientou a respeito do que é
estudar. Há algumas décadas, um relato seria incompreensível.

Assistir aulas, sejam presenciais ou em vídeo – eu pessoalmente


acredito que a maior diferença entre as duas é a liberdade de fazer perguntas
em um encontro presencial –, não consistem em estudar. Estudar é algo que
se faz em silêncio, lendo, relendo, escrevendo, resumindo, explicando para
si mesmo com outras palavras, investigando os exemplos fornecidos,
identificando os padrões mais importantes e aplicando o conhecimento
adquirido em exercícios.

Não é isso que se faz em sala de aula? Não exatamente. Em uma


sala de aula expositiva quem realiza a maior parte desses movimentos
mentais não é o aluno, é o professor. As atividades de leitura, estudo e
investigação são realizadas no momento de preparação da aula, as demais
são feitas diante dos alunos. Não à toa, diz-se que a melhor maneira de
aprender é ensinar. A técnica Feynman de estudos é fortemente baseada
nessa realidade. E o que o aluno faz durante uma aula?

Durante uma aula o aluno deve deixar-se conduzir e acompanhar


os movimentos induzidos pelo professor. Se o professor faz um
questionamento, o aluno deve deixar-se levar pelo sentimento de dúvida. Se
o professor desenvolve uma conta, ou faz uma demonstração de um
determinado teorema no quadro, o aluno deve tentar demonstrar o mesmo
teorema junto com o professor. O professor ensina, o aluno entende. E
entender não é o mesmo que aprender. Diz-se que você entendeu um
assunto quando apreendeu as suas ideias gerais, mas podem existir detalhes
que você não acompanhou simplesmente porque estava ocupado demais
para deixar-se conduzir pela aula de seu professor. É no estudo posterior à
aula que você de fato aprende. Uma boa aula serve para facilitar o seu
aprendizado solitário durante o tempo de estudo.

Muita ênfase vem sendo colocada nos últimos tempos em


metodologias ativas de ensino, discussões, grupos de discussão,
aprendizado baseado em projetos ou problemas etc. Em geral, há bastante
coisa interessante dessas metodologias que pode ser realizada com bastante
proveito dentro de um curso ou disciplina, mas é importante lembrar que
assim como um cozinheiro deve dispor de seus ingredientes na proporção
correta para fazer um prato, o professor também deve temperar suas aulas
com diferentes ingredientes.

O uso excessivo dessas metodologias busca induzir a discussão e


criação de soluções sem o devido conhecimento dos fundamentos básicos,
das melhores soluções encontradas no passado ou do estado-da-arte do
assunto. Já ouvi diversas vezes estudantes comentando que o uso dessas
metodologias sem a devida exposição teórica, não fornecia as ferramentas
necessárias para a realização de tarefas e melhor aproveitamento da
disciplina. Nesses casos é necessário complementar a carência de
planejamento das atividades com estudo independente de boas referências
bibliográficas, preferencialmente os bons e velhos livros.

Finalmente, gostaria de enfatizar que, se tudo ocorrer bem na sua


educação, é realmente natural que as aulas se tornem cada vez menos
necessárias. Idealmente, um bom domínio de matemática e linguagem te
torna capaz de aprender qualquer assunto. Respeitando, é claro, o devido
tempo necessário para cumprir pré-requisitos e disposição de bons livros.
Como já foi dito anteriormente, o maior papel das aulas é esclarecer pontos
obscuros e dificuldades que possam surgir nesse caminho. Trilhar um
caminho na mata é muito mais fácil acompanhado de um guia do que
sozinho portando um mapa.
4.2. Mãos à obra
A tarefa número 1 deste capítulo é a seguinte: use as mãos ao
estudar. A leitura talvez seja no estudo de qualquer disciplina, disciplinas
ditas exatas inclusive, a capacidade mais importante ao estudo. Logo após
ela vem a capacidade do aluno de identificar as principais ideias de um
discurso, elaborar sínteses e expressá-las. Ter o hábito de tomar notas é um
bom caminho para exercitar essas habilidades.

Sempre que possível, tome notas à mão em sala de aula.

Quando tomamos notas, a palavra ouvida ecoa na escrita. Esse


processo auxilia na fixação da informação na memória. Montar os próprios
esquemas em aula torna esse momento menos passivo, auxiliando a
manutenção de um alto nível de atenção e repelindo o tédio que pode
converter-se em sono.

Esse é um hábito que auxilia na absorção do conteúdo que está


sendo cada vez menos cultivado por conta de algumas facilidades
tecnológicas. Algumas pessoas têm o costume de tomar notas digitando, ou
pior, deixam de tomar qualquer nota para tirar uma foto de quadros brancos
produzidos pelos professores. Não cometa esse erro. Se você realmente
estiver interessado em aprender o que está sendo ensinado, tome notas.
Notas feitas à mão, nada de digitar. Estudos científicos apontam que a
retenção de conteúdo na memória é mais favorecida quando escrevemos do
que quando digitamos.[33] Recentemente têm surgido canetas capazes de
proporcionar uma experiência mais parecida com o papel e caneta
convencional. Isso é interessante, mas no geral papel e caneta é ainda
melhor.

Muita gente relata que não consegue tomar notas e prestar atenção no
que é dito ao mesmo tempo. Um bom professor deve buscar imprimir um
ritmo ora mais rápido, no qual os alunos prestam atenção, ora mais lento e
compassado no qual ele escreve e no quadro e os alunos copiam. Nas
minhas aulas, eu pessoalmente escrevo ditando. Um aluno atento e
concentrado toma algumas de suas notas quase que como um ditado. Em
disciplinas que exijam cálculo, muitas vezes você pode tentar fazer suas
próprias contas de forma independente do professor. Isso ajuda a identificar
erros no quadro cometido pelo seu mestre em aula.

As suas notas de aula não precisam ser super coloridas, com uma
letra perfeita, ou completas ao ponto de aproximarem-se da transcrição do
conteúdo. Basta que sejam compreensíveis para você. Quando eu estudo
por um livro em inglês, por exemplo, costumo embaralhar palavras em
inglês com português, ou usar uma abreviação aqui e ali. Tudo bem, o
importante é tomar notas que me auxiliam a absorver o conteúdo. Muitas
das notas que tomo em palestras, por exemplo, jamais são lidas, mas mesmo
assim não deixam de serem proveitosas. Afinal, elas cumpriram sua função
me ajudando a prestar mais atenção e absorver melhor o conteúdo
ministrado.
4.3. Teoria e exercícios
Vamos discutir nessa seção como organizar o estudo de teoria e
exercícios. Por eu ser professor de Física e gostar muito de criar, discutir e
resolver problemas[34], trata-se de um assunto que eu tenho muito apreço.

Na minha disciplina, assim como outras disciplinas comumente


denominadas de ciências exatas, como a matemática e a química, a
capacidade de aplicar princípios gerais a situações concretas individuais é
fundamental para que o estudante possa que se possa aferir que o aluno
realmente absorveu um determinado conteúdo. Por conta disso,
normalmente os professores dessas disciplinas recorrem a listas de
exercícios, que podem partir desde a aplicação repetida de um determinado
resultado para fixação até desafios que promovem um maior
aprofundamento e a integração do novo conteúdo a outros conhecimentos
prévios. A demonstração de resultados não apresentados em sala de aula
também consiste em um tipo interessante de exercício.

Como aproveitar da melhor forma possível a resolução de listas e


exercícios? Vamos comentar um pouco sobre boas práticas e quais são os
erros mais comuns cometidos por estudantes. Antes de qualquer outra coisa,
preciso dizer que não há uma técnica mágica que faça você ser capaz de
resolver qualquer problema. O meu objetivo aqui é apresentar algumas
placas de sinalização e oferecer calçados adequados para que você percorra
o seu caminho de maneira mais tranquila.

Dica 1: A ordem dos fatores importa

O primeiro passo é que não se deve tentar resolver uma lista de


exercícios sem estudar a teoria. Trata-se de um erro bastante grosseiro,
ainda que não tão raro. A maior causa dessa falha é simples: preguiça de
estudar e vontade de acabar logo a tarefa. Ironicamente, trata-se de uma
técnica pouco eficiente até mesmo com esse objetivo. Todo exercício é um
caso particular de aplicação de uma teoria ou princípio geral apresentado e
desenvolvido na apresentação teórica de livros e aulas. Em ciências da
natureza, partimos de situações concretas observadas, elaboramos leis e
princípios gerais, e retornamos aos casos individuais aplicando esses
princípios gerais. Conhecidos os princípios gerais, a resolução de todo e
qualquer exercício segue por necessidade dedutiva. Portanto, estudar apenas
teoria, sem resolver exercícios, até faz algum sentido, mas o inverso jamais.

Dito isso, porque não estudamos simplesmente apenas teoria e


deixamos os exercícios de lado? Por três razões.

A primeira é para esclarecer com exemplos concretos o que


porventura não esteja claro na teoria. De fato, diferentemente do princípio
geral abstrato, acessível apenas à razão, para compreender o caso concreto,
dispomos de nossos sentidos físicos e nossa imaginação, o que facilita a
visualização. Qualquer bom professor sabe, por experiência, que em uma
turma de estudantes nem todos conseguem entender um conceito apenas
com o enunciado de uma definição.

A segunda razão é para correção de erros. Em um curso de


termologia, por exemplo, lidamos com várias grandezas físicas cujas
definições são obscuras ou confundem-se em situações do dia-a-dia como
temperatura, calor, quente e frio. A realização de exercícios auxilia na
verificação de compreensão das sutilezas envolvidas nessas definições. Um
erro em exercícios pode significar uma falha na compreensão da teoria[35].
A terceira utilidade é que em situações como provas e concursos, o
tempo é escasso. Não basta fazer o exercício, é preciso resolvê-lo rápido.
Associando esse tipo de demanda à semelhança natural que exercícios
costumam ter uns com os outros, segue que é preciso resolver muitos
exercícios para nos prepararmos para provas e concursos exigentes. Há
certas ideias e resultados clássicos que são úteis em muitos problemas. As
ideias dos problemas invariavelmente repetem-se de alguma maneira.
Conhecendo-se previamente a ideia e o esquema de resolução, resolvemos o
problema de maneira muito mais rápida.

Dica 2: Comece do básico e progrida aos poucos

Certa vez um jovem estudante perguntou a Santo Tomás de


Aquino, tido por muitos como um dos maiores filósofos que já existiu,
como conquistar cultura. Em sua resposta,[36] Tomás inicia com o seguinte
conselho:

“Não mergulhe de cabeça no mar de conhecimento,


mas tente chegar a ele através de córregos menores. É
sábio trabalhar a partir do mais simples até chegar ao
mais difícil. Este é o meu primeiro conselho e você
faria bem em segui-lo.”

Esse é um conselho válido para todo tipo de estudo que você possa
empreender. Não devemos agir de maneira precipitada e atacar os
problemas mais difíceis ou partir para o estudo de assuntos avançados sem
ter a devida preparação teórica básica relacionada ao tema.

Se você estiver lidando com listas de exercícios de disciplinas que


envolvam matemática, leve esse conselho muitíssimo a sério. Há estudantes
que insistem em querer pular os exercícios mais simples e partir para os
mais complexos. Fazer isso é como construir as paredes de uma casa com
pressa: elas podem até não cair num primeiro momento, mas é bem
provável que não aguentem caso você deseje construir algo por cima delas.
Há na matemática uma hierarquia de pré-requisitos muito forte entre os
diferentes assuntos, como já dissemos anteriormente.[37] Ela é como uma
torre na qual cada novo conhecimento é assentado sobre os demais. Se a
base é fraca, a torre desmorona.

Por isso, procure materiais de estudo com exercícios divididos em


diferentes níveis de dificuldade. Comece seu estudo revisando os exemplos
e exercícios resolvidos, passe para os mais fáceis, depois os médios e, só
então, dedique-se aos problemas mais difíceis. Acostume-se com a ideia de
que é, em muitas situações, preciso resolver os livros de capa a capa, sem
exceções. Seja humilde e não seja apressado na hora de estudar.

Dica 3: Domine os problemas clássicos

Quando eu estava na escola, ouvi de um professor uma metáfora


entre o xadrez e exercícios de matemática que levei para a vida. A ideia
aplica-se naturalmente a exercícios de outras disciplinas.

Resolver um problema de um assunto inteiramente novo é como


jogar xadrez pela primeira vez, sabendo apenas como as peças se movem.
Nesse momento você dificilmente conceberá os finais típicos, todas as
possibilidades de aberturas e demais sutilezas do jogo dos reis. Nesse
momento você está simplesmente ocupado demais vendo as peças se
moverem, não consegue visualizar com clareza diagonais e linhas abertas
para passear e potencializar as peças à sua disposição. Para dominar o jogo,
é preciso sedimentar os conceitos básicos ao nível do automatismo para
poder depositar atenção à tática e a estratégia de longo prazo.
Assim como o xadrez tem certas aberturas e finais clássicos, também existem arquétipos de
problemas que precisam ser estudados pelo estudante.

Em problemas de matemática ou física, acontece algo bem


parecido. Os exemplos mais triviais esclarecem os conceitos e a aplicação
da teoria. Seria como treinar mate-em-1 do xadrez. Está tudo armado, faça
um movimento simples e resolva o problema.

Os de complexidade média apresentam que outros elementos


podem ser explorados e ajudam a consolidar um "banco de ideias" úteis que
podem ser posteriormente combinadas em problemas difíceis. Com bastante
exercício, tentativa e erro, vamos progressivamente ganhando maturidade e
começamos a identificar arquétipos de problemas.

Lembramos agora daquelas ideias completamente inesperadas que


resolvem o problema de forma surpreendente. Na geometria, podemos
traçar aquela reta mágica que resolve o problema. No xadrez, há o sacrifício
de dama para ganhar uma posição importante. Essas soluções não vêm à
toa, sem custo, mas apenas como a coroação de muito tempo de estudo,
investigação e exercício.
Portanto, assim como um bom enxadrista estuda partidas
históricas, aberturas, finais típicos etc, um bom estudante deve não só tentar
resolver problemas, mas buscar conhecer os problemas clássicos de cada
assunto. Essa ‘cultura de problemas’, como alguns colegas chamam, é
bastante útil em situações de provas.

Dica 4: Aprenda com seus erros

Finalmente, mas não menos importante, aprenda com seus erros. Se


possível aprenda também com os erros das pessoas ao seu redor. Tenha
sempre em mente que podemos tirar algo de bom de tudo o que acontece
conosco. Como aplicar esse princípio ao lidar com seus estudos?

Uma forma é valorizar as oportunidades que temos de passar muito


tempo pensando em um problema. Dez, vinte, trinta minutos, quem sabe
algumas horas, eu já passei até dias pensando em alguns problemas… Esse
tempo investido pode ser muito frutífero, mais até do que se você tentasse,
não conseguisse e, logo em seguida, consultasse uma solução. O empenho
em tentar, seguido de algumas frustrações, imprime o conhecimento com
muito mais força na nossa memória. Ao ler a solução de um problema,
somos guiados por um único caminho seguro; porém, quando tentamos
resolver sem sucesso o problemas por outras dez maneiras, aprendemos
como não devemos proceder e, mais ainda, é possível que vejamos de
forma mais clara o que a solução correta tem de especial.

Outra forma de aprender com seus erros é após uma prova. Tenha o
hábito de sempre estudar comentários e gabaritos das provas que fizer. Essa
é uma experiência muito valiosa de aprendizagem. [38] Os seus erros indicam
no que você pode melhorar e esse tipo de informação é fundamental para
realizar eventuais correções de planejamento e cronograma. Naturalmente,
essa dica também se aplica a simulados.

Por fim, lembre-se desse princípio quando tentar prestar um


vestibular ou concurso e falhar. Quando nos dispomos a entrar em
competições, nos arriscamos a perder. Quando isso acontece, avaliemos
porque isso aconteceu e que novas atitudes podemos tomar no futuro para
que esse mesmo resultado não se repita. Às vezes é uma questão de
pequeno ajuste de rotina, cronograma, ou mesmo preparo psicológico.
4.4. Métodos de resumo
Existe, em alguns estudantes, uma certa fixação por métodos de
estudo, resumos ou outras ferramentas de revisão de assuntos como mapas
mentais ou flashcards. Farei breves comentários sobre o assunto a seguir.

Aprendizado é uma coisa íntima, impossível de ser delegada a


outrem. Mesmo o melhor professor pode pode no máximo apontar-lhe o
caminho das pedras, mas é você que precisa percorrê-lo para alcançar a
verdade almejada pelo seu estudo.

Não existe técnica miraculosa e infalível de estudo. Você não vai


virar nenhum gênio só porque aprendeu a fazer flashcards bonitos. Ajustar o
seu pomodoro de 25 min para 30 min não vai, por si só, transformar um
estudo aguado em vinho forte. Eis que mais faz mais diferença a longo
prazo: agudeza do intelecto, desenvolvimento da memória e exercício do
que foi aprendido. Apreender, guardar e aplicar.

Sobre o caso específico da memória. Muita gente se esquece que


mais vale informação na cabeça que no papel. Na minha época de escola,
não muito tempo atrás, falávamos simplesmente em resumos e em
formulários. Via muitos colegas que gastavam horas fazendo longuíssimos
resumos que não serviam de muita coisa. Eram longos porque não havia
síntese.

Hoje em dia, vejo alguns recursos bem interessantes como mapas


mentais ou flashcards. Esses últimos têm a vantagem de fornecer relações e
hierarquias entre conceitos, estimulando a memória qualitativa. Um mapa
mental pode ser uma alternativa interessante para registrar no papel de
forma visual as relações entre assuntos estudados. Vale lembrar de duas
coisas: (1) não se deve gastar mais tempo com a estética do que com a
lógica do cartão,e (2) o maior aprendizado está em você elaborar o
flashcard, e não em salvar um modelo feito por outra pessoa.

Não troque uma boa perna (memória) por uma boa muleta
(resumo/flashcard). Ao final de uma aula, exercite explicar para si mesmo o
que entendeu da exposição. Faça esse exercício também quando estiver
lendo. Preencha as lacunas da explicação que estiver tentando elaborar com
uma revisão. Será que você consegue repetir esse exercício semana que
vem? Se resumos, diagramas ou anotações de quaisquer natureza te ajudam
nesses exercícios, ótimo, mas busque não se tornar dependente deles.

Por último, e não menos importante, desconfie de qualquer plano


de estudo que dispense muitas horas de contato entre o seu traseiro e a
cadeira. Desconfie sempre de quem oferece um caminho fácil e sem
esforço.

O nosso cérebro adora quando resumimos nossos conhecimentos


em uma ou poucas sentenças claras e diretas capazes de resumir um
discurso inteiro. Nesse sentido, perceba que você não deve escrever
absolutamente tudo o que o professor fala, mas resumir pontos mais
importantes. Há pessoas que anotam um pouco mais, ou um pouco menos,
ou que dão ênfases a pontos distintos no seu caderno, isso é ótimo. É sinal
que você está trabalhando ativamente para integrar essas novas informações
entre si e com o que você já sabe. Esse trabalho ativo é o que mais contribui
para registrar essas novas informações na sua memória.

Eu pessoalmente nunca fui um grande fã de produzir resumos.


Sempre preferi tomar notas de aulas. Elas são construídas para serem os
resumos do assunto ensinado. Elas podem, é claro, ser mais resumidas, mas
perderão detalhes com isso. Mas independente disso, tenha em mente que
tomar notas ao longo de uma aula faz com que o tempo gasto durante esse
tempo seja melhor aproveitado.
Planejamento

“Falhar em preparar-se é preparar-se para falhar.”

Benjamin Franklin

No capítulo anterior apresentamos boas práticas de estudos que


devem acompanhar cotidianamente um bom estudante. Ocupamo-nos a
respeito de aspectos mais práticos, os quais qualquer estudante escolar ou
universitário pode começar a aplicar imediatamente. Neste capítulo, nos
dedicamos à montagem de um plano para atingir um determinado objetivo.

É impossível esgotar o assunto de como fazer um bom


planejamento para realizar uma tarefa, tampouco elaborar cronograma
válido para estudantes de toda e qualquer idade, interesse e conhecimento
prévio. Um bom cronograma deve adequar-se tanto ao objetivo específico,
e.g. passar em uma olimpíada, vestibular ou concurso, e também considerar
as facilidades e dificuldades do estudante.

A disciplina é uma virtude necessária para bem executar os planos


anteriormente elaborados, mas o não cumprimento recorrente das metas
estabelecidas pode ser um indicador da inadequação do plano. Nesses
casos, é preciso revisar o cronograma para que este seja exequível ao
estudante e que, ao final do tempo que nos é dado, possamos alcançar o
resultado final esperado.

Dividiremos o capítulo em três partes: a primeira, na qual


montamos um calendário de estudos; a segunda, em que definimos e
acompanhamos metas; e a terceira, na qual discutimos eventuais correções
de percurso necessárias. Ao final do capítulo você deverá estar apto a
montar um cronograma de estudos em diferentes circunstâncias.[39]
5.1. Montando um cronograma de estudos
Para elaborar um calendário de estudos é preciso utilizar o
pensamento analítico, que tem como método decompor um problema em
partes mais simples. Se cada uma dessas partes estiverem resolvidas,
resolvemos o problema original. Cada uma dessas partes, por sua vez, pode
ser decomposta em partes ainda menores e assim sucessivamente até que
tenhamos tarefas simples o suficiente para que possam ser facilmente
resolvidas.

Utilizaremos, como exemplo, um estudante de 8o ano do ensino


fundamental que queira preparar-se para a Olimpíada Brasileira de Física
(OBF). Trata-se de um problema comum que sou interpelado a resolver
dezenas de vezes por ano.[40] O primeiro passo para resolver essa tarefa é
conhecer o programa da competição, o edital do concurso ou conjunto de
conhecimentos que você gostaria de alcançar em um determinado período
de tempo. No caso da OBF, temos os seguintes itens no programa:[41]

A. Fundamentos matemáticos necessários: Álgebra fundamental


(inclui resolução de equações do 1º e 2º graus); Geometria
plana (cálculo de área); Noções de geometria espacial (cálculo
de volume).

B. Conceitos básicos de Cinemática: Movimento uniforme (com


análise da equação horária); Movimento uniformemente
variado (com análise da equação horária).

C. Noções básicas de Gravitação: Movimentos de rotação e


translação; Estações do ano; Fases lunares; Eclipses.
D. Noções básicas de Dinâmica (Leis de Newton): Conceito de
massa e inércia; Formulação das 2ª e 3ª leis de Newton.

E. Conceito de Energia: Formas de energia; Conservação da


energia; Calor e Temperatura; Escalas termométricas.

F. Medidas de Tempo, Espaço e Temperatura. Uso de


equipamentos para medidas de grandezas físicas.

G. Análise de erros em medidas experimentais.


Os itens F e G são cobrados exclusivamente na prova
experimental, que acontece na última fase da competição. Suponhamos que
desejemos trabalhá-los ao longo do ano, juntamente com a teoria, e não
apenas nas últimas semanas antes da prova experimental.[42] Por serem itens
transversais a todos os demais itens, podemos diluí-los dentro dos demais
itens e buscaremos realizar experimentos relacionados aos diferentes
assuntos vistos para consolidar a teoria ao mesmo tempo que exercitamos
habilidade de realização de medidas, uso de equipamentos e análise de erros
experimentais.

Restam, portanto, 5 pontos a serem estudados: Fundamentos de


Matemática, Cinemática, Gravitação, Dinâmica e Energia. Cada assunto
desse pode ser aprofundado em diferentes níveis. Não se espera o mesmo
nível de compreensão e capacidade de resolver problemas de dinâmica de
um estudante no ensino fundamental e médio, por exemplo.[43] Por isso,
começaremos por buscar uma referência bibliográfica de confiança. Escolha
uma coleção didática de física que contenha esses assuntos.

Ao escrever um livro, o autor se preocupou por organizar e dispor


os diferentes assuntos em uma ordem lógica, respeitando eventuais relações
de interdependência. Não se pode estudar escalas termométricas, por
exemplo, sem conhecer o conceito de temperatura. Cinemática envolve a
determinação de funções horárias da posição, velocidade e aceleração de
corpos móveis, cujos problemas normalmente envolvem a resolução de
equações de 1º e 2º graus. Não se deve estudar cinemática sem ter esse
conhecimento de álgebra básica. Outras relações de dependência possíveis
já foram identificadas e resolvidas pelo autor do livro. Ao utilizar uma
referência principal para o estudo dos cinco itens, você se exime de lidar
com essas questões.

Próxima questão: é necessário dividir o estudo em diferentes


frentes ou disciplinas? Nesse caso em específico não vejo necessidade, mas
um vestibulando ou concurseiro pode ter que se dividir entre as diferentes
disciplinas cobradas em sua prova. Uma disciplina pode ser subdividida em
áreas. Física, por exemplo, pode ser dividida em mecânica clássica,
termologia, ondulatória, eletricidade, magnetismo, relatividade e física
quântica. Um estudante pré-vestibulando precisa dividir física em sete
frentes diferentes? Não. Na verdade, duas ou três frentes são o suficiente
para a grande maioria deles. E nem é necessário que o número de frentes de
trabalho seja a mesma todos os meses do ano. Há bastante flexibilidade
nessas escolhas de cronograma e a melhor escolha para um estudante, pode
não ser para outro.

Decidido que abordaremos os cinco itens em série, resta-nos saber


de quanto tempo dispomos. Suponha que dispomos de cinco meses de
estudo entre a elaboração do plano e a prova da primeira fase da olimpíada.
Vamos nos dedicar a cada assunto por um mês, essa será a nossa primeira
versão do cronograma. Essa versão do cronograma é satisfatória ou há
assuntos que claramente exigem mais tempo que outros? Faça pequenos
ajustes, reduza o tempo disponível para um assunto em uma semana para
que um outro possa ser melhor explorado. Essas escolhas nem sempre são
fáceis de fazer quando não conhecemos os assuntos envolvidos. Na falta de
um professor ou instrutor mais experientes use alguma métrica ao seu
alcance como, por exemplo, número de páginas de cada capítulo.[44] Essa é a
primeira etapa de análise do problema complexo em partes menores.

O problema acaba por aí, não? Podemos repetir o procedimento de


análise para cada um dos tópicos levantados. Suponhamos que, segundo a
nossa primeira etapa de análise, dispomos de quatro semanas para estudar o
tópico “B. Conceitos básicos de Cinemática: Movimento uniforme (com
análise da equação horária); Movimento uniformemente variado (com
análise da equação horária)”. Uma proposta interessante seria dividir 2
semanas para conceitos básicos e movimento retilíneo uniforme e outras
duas semanas para movimento retilíneo uniformemente variado.

Podemos fazer isso com cada um dos sete tópicos e eventualmente


realizar uma outra etapa de análise, caso desejemos criar um cronograma
detalhado. Pessoalmente, não julgo que uma nova etapa de análise seja
necessária, pelo menos a nível de cronograma. Tenha em mente que o seu
objetivo não é fazer um cronograma de estudo detalhadíssimo, esmiuçado
até os mínimos detalhes; é fazer um cronograma que seja de fato seguido e
que possa orientar o seu hábito de estudo diário a um norte.
5.2. Defina e acompanhe metas
Uma vez elaborada a primeira versão do seu cronograma, é hora de
aplicá-lo. Siga o cronograma proposto por pelo menos um mês antes de
considerar realizar qualquer alteração. Esse é um tempo mínimo de
acomodação a um novo ritmo de estudo ou metodologia. Uma vez definido
o cronograma é preciso acompanhar os seus resultados.

Como fazer isso? Estabelecendo metas. Qual a diferença entre um


objetivo e uma meta? Chamaremos de objetivo o fim imediato do nosso
cronograma, por exemplo “Passar no concurso X” ou “Conseguir uma
medalha de ouro na olimpíada tal”, enquanto a meta é uma tarefa
intermediária, quantificada e com prazo bem definido. Atentemos a cada
uma dessas características por vez.

Metas precisam ser passos intermediários do processo. “Conseguir


acertar questões suficientes para passar” é uma péssima meta. Trata-se de
uma mera reescrita do objetivo do seu cronograma. Que passos
intermediários é necessário para chegar a esse objetivo? Que assuntos
precisam ser estudados e que tipo de treino preciso fazer para realizar o meu
objetivo? “Revisar e dominar fundamentos básicos de matemática no
primeiro mês de estudo” é uma meta com caráter intermediário mais claro.
Se esse primeiro passo não for bem feito, os demais assuntos estudados não
serão desenvolvidos e todo o estudo correrá mal. Trata-se de uma tarefa
intermediária importantíssima para a realização do objetivo final.

Metas precisam ser quantificadas. “Estudar mais” é uma péssima


meta; não porque estudar mais seja ruim, mas porque é muito difícil
mensurar se a meta foi ou não atingida. O que é estudar? Mais do que o
que? Que parâmetro utilizar? Preciso estudar todo dia, ou estudar dia sim
outro não basta? “Estudar 4h por dia, de segunda a sábado” é uma meta
muito melhor. Não há dúvidas sobre o que precisa ser feito. A meta é clara,
e, ao final de cada dia, a avaliação se a meta foi ou não alcançada é
inquestionável. Quantificar a meta tem, portanto, um papel importante
nessa avaliação.

Por fim, metas precisam de prazos pré-definidos. “Ler 30 páginas”


não é uma boa meta de leitura; “Ler 30 páginas por dia” é melhor. A não
estipulação de prazos para a realização de tarefas é, em muitos casos,
responsável por maus resultados. Outras coisas menos importantes, mas
com alguma urgência, podem se sobrepor à meta e, uma vez que ela não
tem um prazo claro, a tarefa é adiada, ou sequer realizada.

Estabeleça, para a avaliação do seu cronograma, metas de médio


prazo: “Concluir o estudo de tal capítulo do livro em tal semana”, por
exemplo. Para cada dia, organize metas de curto prazo e focadas em hábitos
que permitam o cumprimento das metas superiores. Esse tipo de atitude
pode parecer estranha a pessoas com menor tendência à ordem, mas, com
prática e esforço, acabam tornando-se naturais.
5.3. Correções de percurso
Suas metas estão sendo realizadas muito facilmente? Talvez você
precise ser mais exigente consigo, ou talvez o livro que você esteja
utilizando seja muito introdutório. Busque uma referência bibliográfica
mais desafiadora, seja na teoria ou com exercícios mais desafiadores.

Você nunca consegue realizar as suas metas? Verifique se você está


realmente cultivando bons hábitos diários, se está seguindo a rotina
inicialmente proposta, ou se não é o caso das metas estabelecidas estarem
acima das suas capacidades atuais. Perceba que é necessária a realização de
um autoexame sincero para saber se o problema está na rotina ou na meta.
No segundo caso, faça um reajuste de metas que sejam exequíveis mediante
um esforço que você é capaz de realizar.

Nem tudo sempre sai conforme o previsto. Às vezes enfrentamos


problemas de saúde ou determinadas fatalidades em nossas vidas. É preciso
estar ciente disso é estar consciente de que uma má semana de estudo pode
ser reposta na próxima uma ou duas semanas, sem grandes problemas. O
cronograma é uma ferramenta de apoio ao estudo, não uma camisa de força
que, se não for cumprida à risca, resultará em fracasso certo.

A virtude em todo esse contexto está em manter o equilíbrio. Seu


cronograma precisa ser suficientemente detalhado para deixar claro o que
precisa ser feito em cada semana, mas você não precisa ter uma resolução
de dias. As metas precisam ser exigentes, exigir esforço, porém metas
irrealizáveis são inúteis. Há uma receita geral capaz de satisfazer a todo
estudante: Não. É preciso experimentar e errar um pouco até se identificar
essa justa medida de detalhamento do cronograma ou de exigência das
metas, que varia de pessoa para pessoa e pode variar conforme as suas
circunstâncias pessoais.
5.4. Foque nos pontos fracos
Por fim, gostaria de advertir o leitor contra um dos erros mais
comuns cometidos por estudantes ao elaborar um plano de estudos: dedicar
mais tempo no que eles são bons e têm facilidade, enquanto evitam assuntos
que têm menos afinidade ou mais dificuldade.

Sendo bastante direto, você deve elaborar um plano de estudos


para atingir um determinado objetivo. Se esse caminho for mais ou menos
agradável é uma questão secundária. Por mais que eu já tenha encontrado
pessoas que gostam de estudar, nunca ouvi falar de algo como ‘estudo
recreativo’. Estudar tem um quê inerente de amargor no princípio, mas
rende doces frutos depois de tempo suficiente.[45] Muitas vezes, o que mais
precisamos estudar é exatamente o que menos temos facilidade e,
exatamente por isso, muitas vezes evitamos.

Saiba o leitor que no contexto de uma prova ou concurso, não se


faz distinção entre ter o domínio absoluto de um assunto e saber o problema
específico cobrado no exame. Não faz sentido dedicar-se aos problemas de
Matemática ou Física mais exóticos e sofisticados, enquanto não se tem
uma base elementar de química. Como veremos em mais detalhes no
próximo capítulo, um passo fundamental para ser bem sucedido em uma
prova é garantir questões fáceis e médias.

Da mesma forma que ninguém vai à academia buscar a hipertrofia


apenas do braço direito, devemos - tanto quanto possível - desenvolver o
nosso intelecto nas diferentes áreas do conhecimento. Tampouco agrada o
aspecto físico de um busto corpulento e musculoso sustentado por um par
de pernas finas. Há uma desproporção evidente nisso, que também pode se
observar no caso dos estudos.
Trabalhando sob pressão

“No pressure, no diamonds.”[46]

Thomas Carlyle

Engana-se quem acredita que para tirar uma boa nota em uma
prova, passar em um concurso ou conseguir um emprego basta ter estudado
e adquirido certos conhecimentos. É claro que trata-se de uma condição
necessária para atingir esses objetivos, mas pode não ser suficiente. Uma
situação de entrevista ou de realização de prova não é uma situação típica; é
uma situação de tensão e nervosismo em que precisamos nos valer naquele
curto intervalo de tempo, obedecendo a determinadas regras impostas e,
muitas vezes, sem a possibilidade de consultar livros e outros documentos
como é possível fazer em condições normais.

Neste capítulo discutiremos um pouco sobre como lidar com esse tipo
de realidade concreta que se apresenta para todos. Há pessoas com maior ou
menor gosto para participar de competições - faz parte na diversidade
natural do gênero humano -, mas é preciso estar preparado para desafios
que apareçam no nosso caminho.
6.1. O valor dos desafios
Antes de mais nada, gostaria de fazer uma apologia aos desafios.
Não defendo que nossas escolas devam ser completamente voltadas para
competições acadêmicas, que o incentivo à cooperação não seja importante,
que alguém só tem valor se for o melhor em sua atividade etc. Nada disso.
É necessário estarmos atentos a esses excessos, por outro lado competições
e desafios podem ser formas oportunas de identificação e desenvolvimento
de talentos, além de uma forma de estímulo ao aprimoramento contínuo.

Para pais e educadores, é importante nutrir altas expectativas sobre


as capacidades de nossos filhos ou estudantes. Considere o curto trecho do
livro "O eduquês em discurso direto", de Nuno Crato[47]:

"É indispensável adotar expectativas exigentes para os


estudantes e o seu trabalho. Dentro de limites muito vastos, os
alunos adaptam-se às expectativas que deles se formam. Tratá-los
como incapazes, como acontece muitas vezes nos currículos e
manuais escolares, apenas os torna realmente incapazes. Na feliz
expressão inglesa, é uma self-fulfilling prophecy."

Um professor precisa estar atento ao nível de maturidade de seus


alunos. Queimar etapas ou ministrar conteúdos que superam a capacidade
dos alunos jamais é uma estratégia desejável. Nas disciplinas que envolvem
raciocínio matemático, uma base de fundamentos mal feita costuma ter
consequências negativas a longo prazo. Entretanto, proteger o estudante de
desafios pode levar ao tédio e desmotivação em estudar. O estabelecimento
de metas muito modestas, nesse sentido, pode ser contraproducente. Via de
regras, em escolas com turmas numerosas há sempre dois grupos de alunos
que professores correm um risco constante de não dar muita atenção: os que
aprendem com muita facilidade e os que têm maior dificuldade. É preciso
oferecer recursos para que os alunos com maiores dificuldades possam
aprender, mas também é preciso apresentar aos alunos com mais facilidades
opções que os incentivem a cultivar os talentos que receberam.

Abro um parênteses para compartilhar uma experiência pessoal.


No colégio, desde os primeiros anos de escola, eu demonstrava facilidade
para matemática e ciências. Minha notas estavam quase sempre entre as
melhores da classe. Até os 15 anos eu não busquei cultivar isso na forma de
alguma atividade extracurricular. Eu cumpria os meus deveres, tirava as
minhas notas e ocupava o resto do meu tempo assistindo TV e jogando
videogames. O que me despertou o interesse de me dedicar mais foram as
olimpíadas científicas.

Para quem não está familiarizado com o mundo das olimpíadas,


tratam-se de provas com questões de alto nível, ministradas para alunos de
todo o Brasil, em que os participantes com melhor desempenho recebem
medalhas e menções honrosas. Existem competições dessa natureza em
níveis regionais, estaduais, nacionais e internacionais. Anualmente,
diferentes sociedades científicas buscam os melhores alunos do nosso país
para nos representar nas olimpíadas internacionais. Apesar do nosso
desempenho vergonhoso em exames internacionais como o PISA, o Brasil
costuma ter ótimos resultados nessas competições. Esse desempenho deve-
se principalmente a instituições de ensino, que organizam turmas especiais
que são verdadeiras ilhas de excelência em nosso sistema de ensino, além
do trabalho dessas sociedades científicas que realizam tais competições em
todo o Brasil.

Com 15 anos, comecei a participar de olimpíadas de matemática,


física e química. Nesse tempo aprendi que matemática vai muito além de
fazer contas, que envolve argumentos e provas; aprendi que eu não
precisava esperar chegar à faculdade para estudar cálculo; que eu não
precisava esperar os meus professores para para aprender algo, que eu
poderia ir atrás dos melhores livros e aprender sozinho. Não é preciso fazer
olimpíadas para ter contato com essa postura de estudos, mas é um caminho
possível. Com 17 anos representei o Brasil na olimpíada internacional de
física no México e conquistei uma medalha de prata na competição. Foi
uma experiência muito interessante, conviver com pessoas de diferentes
origens e fazer novos amigos com interesse em comum por ciência foi uma
experiência singular[48].

Equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Física em 2009.

Além das medalhas e certificados, de experiências pessoais únicas,


os desafios que enfrentei nesse caminho me deram confiança para continuar
testando os meus limites. No final do ensino médio prestei vários
vestibulares e passei em todos, eventualmente em uma das primeiras
colocações do Brasil. Genialidade? Sinceramente, acredito que não. Diria
que duas coisas:
1. Uma rotina de estudo diário desde os 6 anos.

2. Envolvimento intenso com olimpíadas científicas


durante todo o ensino médio.

O primeiro ponto é o mais importante, é a base de tudo. Com essa


rotina de estudos e leituras é que se capacita para aprender de fato quando
se estuda. Aprender é prazeroso, quando se estuda da maneira certa, torna-
se mais prazeroso[49] estudar. Gostando de estudar, é possível dispor-se a
aprofundar-se em algum tema. Quando você faz isso por anos e chega o
momento de realizar um vestibular, você se depara com uma porção de
gente mal preparada, sem jamais ter tido uma rotina de estudo, que estudou
de véspera a vida toda, sem convivência com questões de alto nível etc.
Bem, não é de se surpreender que muitos alunos olímpicos apresentam
excelentes resultados em vestibulares e entram em algumas das
universidades mais prestigiadas do país e do mundo[50].

Mencionei o exemplo de olimpíadas científicas porque é um


caminho que eu mesmo percorri e, como docente, auxiliei diversos alunos a
trilharem e representarem o Brasil mundo afora. Avalie se elas são um
caminho interessante para você, seus alunos ou seus filhos. Há outras
opções possíveis, como participação em feiras, congressos, clubes e
eventos. O desafio não precisa ser fruto de uma competição, pode ser
estimulado de outras maneiras. Acredito que o mais importante seja dar
liberdade para que o estudante se exponha a desafios, dar o devido suporte e
preparação para atingir os objetivos almejados e estimular uma postura
ativa dele para dar voluntariamente o melhor de si.

Concluída essa breve defesa da importância do desafio para o


estudante. Passemos a alguns tópicos mais pontuais que específica do
trabalho sob pressão. Usarei recorrentemente o exemplo de provas, por se
tratar do exemplo mais comum enfrentado por estudantes e que pode ser
facilmente adaptado a outros contextos.
6.2. Os dois possíveis objetivos de uma prova
Uma situação de pressão presente na vida de praticamente todo
estudante dos nossos tempos são as provas. Realizamos provas ao longo de
nossas vidas escolares, vestibulares, provas de admissão, mais provas na
faculdade, provas de processos seletivos para empregos, provas em
concursos públicos etc. Por conta disso, dedicamos as linhas que seguem a
comentar um pouco sobre esse tipo de avaliação e da sua relação com o
conhecimento.

Diferentes contextos exigem provas com diferentes características.


Quanto ao objetivo, há dois tipos diferentes de provas: as de avaliação e de
classificação.

No primeiro contexto estamos interessados em avaliar se houve


aprendizado de um determinado assunto. Estipulamos um desempenho
mínimo e todo aluno que atender a esse critério é aprovado. O nível de
complexidade e pressão dessas provas é tipicamente menor. Na maioria dos
casos, um professor ministrou algumas aulas e o mesmo elabora questões
relacionadas ao conteúdo ministrado. O escopo é bem definido, em geral é
disponibilizado um tempo confortável para a realização das questões e um
bom aluno, muitas vezes, tem uma boa ideia do tipo de questão que pode
cair no exame. Esse é o contexto típico de provas escolares.

O segundo contexto em que as provas são aplicadas é o de


classificação. Nesse caso, o estudante não tem contato direto com o
elaborador do exame e deve elaborar suas expectativas sobre o exame
baseando-se somente por informações fornecidas em um edital e provas de
anos anteriores. O objetivo principal dessas provas não é aferir aprendizado,
mas identificar os melhores estudantes dentro de um grupo. Por isso, as
questões desse tipo de prova costumam ter um nível de cobrança mais
elevado e o tempo disponibilizado para a sua resolução é propositadamente
escasso. Esse é o contexto típico de provas de concurso e olimpíadas
científicas.

É importante explicitar as características de cada tipo de prova


para que haja sempre um ‘ajuste de expectativa’. Se em uma prova de
escola, 60% de aproveitamento pode representar uma reprovação; em uma
olimpíada internacional, esse desempenho pode representar a conquista de
uma medalha de ouro. No primeiro contexto, há, de uma certa forma, uma
responsabilidade em ser aprovado; no segundo, trata-se de uma competição
por um número limitado de vagas sendo, portanto, impossível que todos
sejam aprovados [51]. Pela própria natureza da competição, ninguém tem a
responsabilidade de ser melhor do que outra pessoa. A consciência desses
aspectos é importante para apaziguar ânimos que possam estar à flor da
pele.

Provas são um método mais popular de avaliar conhecimento de


estudantes? É evidente. Trata-se de um método perfeito e, portanto, livre de
qualquer tipo de deformações? De forma alguma. Ter conhecimento é
condição necessária para um bom desempenho em uma prova bem
elaborada [52], mas não é o suficiente para garantir um bom desempenho.
Discutiremos a seguir alguns pontos importantes que, junto com o
conhecimento do assunto cobrado, contribuem para um bom desempenho
em provas.
6.3. Preparo físico para uma prova
Engana-se quem acredita que provas são exames meramente
intelectuais. Sejam provas longas de resistência de longa duração ou curtas
e de velocidade. Ambas exigem um preparo não só intelectual, mas também
físico.

As primeiras recomendações nesta seção baseiam-se em garantir que


você esteja em plenas capacidades mentais no momento da prova. Cuidado
com a alimentação e sono são muito importantes. Na minha época de
vestibular, devido ao abolido horário de verão, eu precisava acordar às 5h
da manhã para comparecer ao local de prova antes do fechamento dos
portões.[53] Para evitar estar com sono no dia da prova, passei a semana
anterior inteira acordando nesse horário para acostumar meu corpo. Do que
adiantaria o meu estudo se, no momento da prova, eu estivesse bocejando e
com a visão turva de sono ao ler o enunciado de uma questão?

Princípio análogo vale para a alimentação: busquemos evitar


sempre a fome, sede, cansaço e eventos gastrointestinais indesejáveis em
uma situação de prova. Muito cuidado com alimentos pesados, ou muito
diferentes do que você está acostumado a consumir. Prefira alimentos mais
leves consumidos com alguma antecedência ao início da prova. Para provas
de maior duração, leve uma garrafa d’água e pequenos lanches para evitar
qualquer tipo de desconforto físico ao longo da prova. [54]

Quando nos referimos a uma prova de alto nível e duração como 4 ou


5 horas, o cansaço chegará mesmo com os devidos cuidados com sono e
alimentação. É preciso garantir que você seja capaz de manter um alto nível
de concentração e atenção ao longo de todo o período de exame. E isso só é
possível de ser feito através de uma forma: treino. Acostume-se a estudar
em períodos contínuos compatíveis com a duração da prova para a qual
você esteja se preparando e faça muitos simulados. Resolva provas antigas
com um cronômetro e escrevendo suas resoluções em uma folha de
respostas similar à disponibilizada pelo concurso a ser realizado. Quanto
mais parecido com a situação real, melhor. Por esse motivo, evite estudar
usando fones de ouvido para escutar música. Via de regra, você está se
acostumando a estudar de uma forma tipicamente proibida em provas e
concursos e possivelmente divide sua atenção entre o que está escutando e o
que está estudando.
6.4. Lidando com provas
Comentamos anteriormente que um bom desempenho em prova
não se traduz apenas em conhecimento. Um segundo fator anteriormente
abordado é a disposição física do estudante. Nesta seção trataremos de
aspectos normalmente conhecidos como “estratégia de prova”. Comentarei
inicialmente como lidar com os dois tipos mais comuns de prova: as
compostas por questões de múltipla escolha, ou objetivas, e as compostas
por questões dissertativas. A seguir comentaremos sobre a importância de se
ter um roteiro de resolução de prova.

6.4.1. Questões de múltipla escolha


Questões de múltipla escolha são as questões que pior avaliam o
conhecimento do estudante, mas que tem a vantagem de serem rapidamente
corrigidas. Digo isso por três motivos. Apesar dos motivos elencados acima,
esse é um tipo de prova cuja correção pode ser facilmente automatizada,
sendo muito utilizada quando há um grande número de provas a ser
corrigido. Sua utilização, portanto, é bastante consagrada e continuará
sendo até que tenhamos algoritmos de inteligência artificial confiáveis
capazes de corrigir provas para nós.

Primeiramente, qualquer prova que não penalize questões


marcadas incorretamente apresenta uma ‘pontuação de fundo’ devido aos
chutes em seu resultado. O segundo motivo é que um aluno que domina
todos os passos intermediários de uma questão, exceção um, é equiparado a
um aluno que não sabe do que trata a questão.

O terceiro passo é que, caso a questão for mal formulada, é


possível ou marcar a alternativa correta sem saber realizar a questão ou,
pelo menos, descartar alternativas e aumentar a chance de acerto com um
chute. Perceba, portanto, que um pouco de astúcia pode contribuir para o
aumento de uma pontuação em prova objetiva.

A seguir, vamos discutir algumas técnicas elementares que devem


ser exploradas por estudantes em provas objetivas. Essas mesmas técnicas
devem ser consideradas por elaboradores de provas para a produção de
questões objetivas menos “vulneráveis” a estes truques. Em favor da
clareza, cada técnica será apresentada após uma questão de vestibular ou
concurso.

Técnica 1: Senso físico das alternativas

Considere a seguinte questão de matemática:

(ENEM 2013) Em um sistema de dutos, três canos iguais, de raio externo


30 cm, são soldados entre si e colocados dentro de um cano de raio maior,
de medida R. Para posteriormente ter fácil manutenção, é necessário haver
uma distância de 10 cm entre os canos soldados e o cano de raio maior.
Essa distância é garantida por um espaçador de metal, conforme a figura:
Utilize 1,7 como aproximação para √3. O valor de R, em centímetros, é
igual a

a) 64,0
b) 65,5
c) 74,0
d) 81,0
e) 91,0

***

Um estudante perspicaz percebe, durante uma prova, que essa


questão pode ser facilmente respondida dispensando qualquer tipo de
cálculo. A solução dessa questão pode ser facilmente encontrada na internet
[55]
e envolve conceitos básicos de geometria e trigonometria. No entanto,
em provas longas como o ENEM - com 180 questões - não basta acertar
uma ou outra questão isolada; é preciso chegar até o final da prova. Para
atingir esse objetivo, é de grande valia não perder muito tempo com
questões vulneráveis como essa.
Onde está a vulnerabilidade da questão? A prova forneceu uma
figura em escala. Perceba que, do desenho o raio R deve ser
necessariamente maior que o diâmetro dos três canos menores, i.e., 60cm,
acrescido da distância de folga de 10 cm. Portanto, qualquer alternativa com
menos de 70 cm é absurda. Alternativas A e B estão eliminadas.

Qual a diferença entre o raio R e a cota inferior de 70 cm? Uma


pequena distância entre o centro geométrico da figura e o ponto mais
próximo de um dos canos, que é visivelmente menor que 10 cm, segundo a
figura fornecida. Descartam-se então as alternativas com mais de 80 cm.
Alternativas D e E estão eliminadas. Marca-se, finalmente, a alternativa C.

Resolva a questão por vias convencionais e verifique que a


alternativa C contém o valor correto de R. A falta de uma alternativa como
76cm ou 77 cm, deixou a questão vulnerável a um mero teste de sanidade
das alternativas.

Há alguma regra geral para perceber vulnerabilidades em


questões? Não. Porém, ao se deparar com uma questão, não faz mal
nenhum ir tateando a situação apresentada e identificar certas condições que
devem ser satisfeitas pela resposta do problema.

Apenas questões fáceis podem ser resolvidas com esse tipo de


técnica? Não. Vamos agora aplicar esse tipo de técnica em uma questão do
ITA:

(ITA 2002) Um pequeno camundongo de massa M corre num


plano vertical no interior de um cilindro de massa m e eixo horizontal.
Suponha-se que o ratinho alcance a posição indicada na figura
imediatamente no início de sua corrida, nela permanecendo devido ao
movimento giratório de reação do cilindro, suposto ocorrer sem resistência
de qualquer natureza. A energia despendida pelo ratinho durante um
intervalo de tempo T para se manter na mesma posição enquanto corre é
***

A resolução dessa questão não é tão fácil assim. Dependendo da


estratégia escolhida pode exigir o uso de conceitos como momento de
inércia ou uma solução criativa que resolva o problema utilizando apenas
grandezas lineares. [56] Como este livro não é o livro Física em Nível
Olímpico vol.1 nem vol.2, não entraremos em mais detalhes. O importante
é que podemos inferir a alternativa correta, exceto, é claro, se o autor da
questão tiver escolhido a alternativa E (n.d.a.) como a alternativa correta da
questão. Devemos considerar quais das alternativas A, B, C e D tem algum
sentido físico e, portanto, alguma possibilidade de serem a resposta correta.

Primeira exigência da resposta correta: quanto mais tempo o


camundongo corre, mais energia é despendida. Todas as alternativas
apresentam a mesma dependência com T2 e, portanto, satisfazem essa
exigência. Uma segunda exigência seria que quanto maior o campo
gravitacional, mais energia precisa ser despendida. O mesmo acontece
novamente: todas as alternativas apresentam a mesma dependência com g2 e
satisfazem a segunda exigência.

Resta apenas analisar a primeira parte das alternativas, que contêm


basicamente combinações de m e M. Esse tipo de combinação não pode ser
escolhida livremente - M4.m2, por exemplo - pois a resposta correta deve ter
unidade adequada de energia. Realizando uma breve análise das
alternativas, verificamos que todas as combinações M2/2m, M, m2/M, e m
têm unidade de massa (kg, por exemplo) e, portanto, análise dimensional é
incapaz de eliminar qualquer alternativa.

O autor da questão fez um bom trabalho em proteger a alternativa


correta até aqui, mas o nosso trabalho ainda não terminou. As alternativas A
e C, cujos primeiros termos são dados por M2/2m e m2/M, expressam
relações de grandeza completamente opostas. Vamos estudar casos limites
da massa M do camundongo e massa m do cilindro muito grandes ou
pequenas. Veja como essa ideia mata a questão dispensando qualquer conta.

O que acontece se o cilindro for infinitamente massivo (m →∞)?


O efeito do camundongo mal deve causar efeito sobre ele. O camundongo
pode, portanto, pendurar-se no cilindro sem realizar trabalho e, portanto,
sem despender energia. Logo, se m →∞, então E→0. A única alternativa
que satisfaz essa condição é a alternativa A.

Um raciocínio análogo pode ser elaborado tomando o limite da


massa do rato muito leve (M→0). Nesse caso, deve-se exigir cada vez
menos energia (E→0), pois estamos suspendendo uma massa cada vez
menor. Porém, esse raciocínio seria capaz de eliminar apenas as alternativas
C e D. O candidato ficaria entre as alternativas A e B.
Muito difícil? Talvez no começo, pois não há um macete universal
para esse tipo de análise. Entretanto, os raciocínios apresentados
anteriormente podem ser adaptados a outras situações similares. A
matemática, a física, ou qualquer outra ciência não é um simples jogo de
palavras, fórmulas e regras; tudo tem uma razão de ser e expressa uma
verdade que se encontra nas coisas. A resposta correta para uma pergunta
precisa ser aquela que mais faz sentido com todo o contexto apresentado.

Técnica 2: Trocando o caso geral pelo particular

Ao final da primeira técnica tomamos a liberdade de analisar casos


limites de grandezas tornando-se muito grandes ou pequenas. Essa ótima
ideia conduz-nos à segunda técnica: trocar o caso geral pelo caso particular.

Durante o cursinho, eu e meus colegas criamos o nosso próprio


teorema do triângulo qualquer, cujo enunciado diz: “Todo triângulo
qualquer pode ser equilátero”[57]. Vejamos uma aplicação desse truque para
eliminar alternativas.

(ITA) Em um triângulo ABC, sabe-se que o segmento AC mede 2 cm. Sejam


α e β, respectivamente, os ângulos opostos aos segmentos BC e AC. A área
do triângulo é (em cm2) igual a

a) 2sen2α cotg β + sen 2α


b) 2sen2α tg β - sen 2α
c) 2cos2α cotg β + sen 2α
d) 2cos2α tg β + sen 2α
e) 2sen2α tg β - cos 2α

Para quem estiver muito em dia com geometria plana e


trigonometria, trata-se de um problema razoavelmente complexo[58]. Apesar
disso, um estudante que domine os conhecimentos do ensino médio deve
ser capaz de resolvê-lo com tempo suficiente, o que não é o caso de uma
prova de alto nível.

Supondo que não dispomos de tempo suficiente para resolver o


problema, é possível eliminar algumas dessas alternativas de forma
consciente? Sim. Perceba que não há nada no enunciado que proíba que o
triângulo ABC seja equilátero. O que aconteceria se ele o fosse? Nesse caso
teríamos que os três lados do triângulo seriam iguais a 2 cm e os ângulos α
= β = 60o , a área do triângulo nesse caso é facilmente calculada, sendo igual
a √3 cm 2 . Quais dessas 5 alternativas nos fornecem uma área de √3 cm 2
quando α = β = 60o? Apenas A e D. Nesse caso, a aplicação do truque não
resolveu o problema completamente, mas aumentou as chances de acerto
por chute de 20% a 50%.

A ideia de particularização de um resultado geral pode ser usada


para trocar um problema de álgebra por um de aritmética. Considere o
seguinte problema de uma prova do ENEM:

O governo cedeu terrenos para que famílias construíssem suas


residências com a condição de que no mínimo 94% da área do terreno fosse
mantida como área de preservação ambiental. Ao receber o terreno
retangular ABCD, em que AB= BC/2 , Antônio demarcou uma área
quadrada no vértice A, para a construção de sua residência, de acordo com
o desenho, no qual AE = AB/5 é lado do quadrado.

Nesse caso, a área definida por Antônio atingiria exatamente o


limite determinado pela condição se ele
a) duplicasse a medida do lado do quadrado.
b) triplicasse a medida do lado do quadrado.
c) triplicasse a área do quadrado.
d) ampliasse a medida do lado do quadrado em 4%.
e) ampliasse a área do quadrado em 4%.

Qual a forma mais prática de resolver esse problema? Há


diferentes estratégias possíveis para realizar tal tarefa, mas eu começaria um
meu raciocínio particularizando essa situação geral para um terreno
específico com dimensões conhecidas. O motivo: trabalhar com números e
aritmética é mais fácil do que variáveis e equações algébricas. Imagine que
AB fosse igual a 10 m [59]
, teríamos que AC= 20 m e AE=2 m. Feito essa
conta, verificamos que o terreno originalmente reservado para a construção
é igual a 4m2. Qual a área do terreno? Utilize um teorema de Pitágoras e
descubra que BC=20 m e a área total seria de 200 m2. A área construída
pode ser de até 6% de 200 = 12 m2. A área do quadrado pode triplicar
(alternativa C).

A particularização de um problema geral nesse caso não serve para


descartar alternativas, mas serve para chegar à resposta correta de forma
mais rápida, dispensando a necessidade de ter que definir variáveis para os
lados do terreno grande do pequeno quadrado no qual as casas poderiam ser
construídas. Como em provas de caráter de seleção costumam oferecer
tempo escasso para a resolução das questões, cada minuto importa.

Técnica 3: Leitura orientada ao comando

Um outro conselho que auxilia a economizar tempo em provas é


realizar a leitura de textos já tendo em mente previamente o comando da
questão. Tenha em mente que durante uma prova o seu objetivo imediato
não é analisar as sutilezas de um texto ou contextualização oferecida pelo
autor da questão. Isso você pode fazer com calma após o término do exame.

Essa é uma dica particularmente importante para provas extensas e


pródigas em textos[60], como é, em geral, o caso da prova do ENEM. A dica
vale ainda para provas de interpretação de texto. Podendo evitar a
necessidade de realização de uma segunda leitura do texto cuja
interpretação esteja sendo solicitada.

Considere, por exemplo, a questão de língua portuguesa do ENEM


2018 a seguir. Comecemos a ler a questão pelo comando, não pelo texto: “O
uso da norma-padrão na letra do Hino Nacional do Brasil é justificado por
tratar-se de um(a)”. O comando já deixa claro sobre o que a questão versa.
Ler as 16 linhas acima é completamente dispensável, o máximo que pode
acarretar é a confusão entre o fato do hino nacional ser do gênero solene,
alternativa B correta, com alguma outra alternativa errada.
6.4.2. Questões dissertativas
Chegamos agora à discussão sobre questões dissertativas. Esse é um
tipo de questão que traz mais informação ao avaliador sobre o real
conhecimento do assunto por parte do aluno. Traremos a seguir algumas
técnicas de como trabalhar com essas questões da melhor forma possível,
mas elas estarão mais focadas em boas práticas de resolução do que
propriamente em truques. Ao escrever uma solução para uma questão
dissertativa, é preciso ter algumas boas práticas em mente. [61]

Dica 1: Cuide de sua caligrafia

Comecemos pelo mais simples: tenha uma caligrafia decente.


Sinceramente, há algumas provas que eu sinto quase nojo de manusear.
Acredito que chegará um dia em que eu descontarei pontos por má
apresentação de soluções. Deixando esse desabafo de lado, o que você
menos quer durante uma correção é criar uma primeira má impressão com o
corretor. Como professor, tenho por rotina corrigir algumas centenas de
questões em época de provas em diferentes circunstâncias. É um trabalho
no geral bastante cansativo[62], no qual o corretor não tem a disposição de
gastar muito tempo para lhe ajudar. Antes de qualquer coisa, é importante
que ele consiga ler, sem esforço, o que você escreveu.

Contarei um breve causo de um estudante de uma das equipes


brasileiras em olimpíadas internacionais de física (OIF), cuja identidade
preservo. A letra dele era péssima. Em uma das questões, ele escreveu um
‘π’ tão feio que mais parecia um ‘r’ feito em letra cursiva. Por azar, havia
uma variável ‘raio r’ na questão e o aluno teve a pontuação severamente
penalizada pelo suposto raciocínio desprovido de sentido. Não fosse o
trabalho de recurso feito pelos professores brasileiros que acompanhavam a
equipe, o aluno não receberia a premiação que lhe seria devida. Essa
história pode ser facilmente traduzida para uma aprovação em concurso
público, por exemplo.

Eu confesso que houve uma época em que eu quase errei questões


porque o meu ‘s’ de forma era muito parecido com o meu ‘5’. Solução:
comecei a usar ‘s’ caligráfico em minhas contas. Tome bastante cuidado se
não há variáveis com nomes muito similares, por exemplo, quantidades
descritas por k (k minúsculo), K (k maiúsculo) e κ (letra grega kappa). Por
mais que sua letra seja boa, quando se está fazendo contas à mão, é melhor
diferenciar um pouco mais os signos para cada uma dessas quantidades.

Resumindo: sua letra não precisa ser perfeita, mas deve ser
absolutamente legível. Se ela não é, trate de corrigir esse problema.

Dica 2: Deixe claro o que está sendo feito

Escrever uma solução não é o mesmo de fazer as contas e circular


a resposta correta. É incrível como muitos estudantes que saem do ensino
médio não têm essa percepção clara. Ocasionalmente, eles podem até ser
capazes de chegar a respostas corretas mas são incapazes de organizar e
comunicar as ideias.

Utilizei o verbo redigir para trazer a noção que a produção de uma


solução de exercício é algo próximo à produção de uma redação. Via de
regra, as respostas de problemas pouco sofisticados já exigem a realização
de algum passo intermediário; e, mesmo quando for o caso de um problema
mais simples, ainda sim há formas mais ou menos claras de expressar o
raciocínio.

Regra prática básica para produzir uma solução clara: JAMAIS


comece a fazer contas sem deixar claro o que você está fazendo. Antes de
substituir os valores em uma fórmula, escreva a fórmula em sua forma
literal.

Nomeie as variáveis utilizadas da maneira mais convencional


possível. É possível definir uma velocidade v como

em que é o espaço percorrido e o intervalo de tempo do


deslocamento. A definição está correta? Sim, mas a escolha de nomes para
as variáveis é péssima! Utilizar uma notação dessa é testar de forma
temerária a atenção do corretor.

Um segundo ponto importante é sempre definir o significado das


variáveis que você utilizar que não estiverem definidas no enunciado do
problema. O uso de uma notação popular ajuda a mitigar esse problema,
mas ainda sim não se deve introduzir novas variáveis na solução de forma
indiscriminada.

Não utilize siglas sem as definir para o corretor. O que é claro para
você pode não ser para ele. Um exemplo é a popular inequação “MA ≥
MG”. O leitor mais experiente com artifícios matemáticos úteis para provar
desigualdades matemáticas saberá que me refiro à desigualdade entre a
média aritmética (MA) e a média geométrica (MG) de números reais
positivos, isto é,

Entretanto, não será nenhuma surpresa esperar que muitos leitores, mesmo
dentre versados em ciências exatas, não estejam familiarizados com o que a
expressão “MA ≥ MG” que dizer. Nesse caso, prefira escrever “Da
desigualdade entre as médias aritmética e geométrica”[63].

A segunda mensagem é a seguinte: garante que não apenas as


letras e palavras de sua solução estejam claras, mas que a forma como elas
estão apresentadas seja amigável para o leitor de sua questão.

Dica 3: Organize sua solução em passos intermediários

Você precisa apresentar o seu raciocínio da melhor forma possível.


Para isso, via de regra, a melhor estratégia é dividi-lo em passos
intermediários. Não há uma única forma de realizar essa tarefa, apresentarei
a que uso cotidianamente.

Ao dividir a solução em passos intermediários, explique-os quanto


ao princípio ou objetivo com um título. Destaque também resultados
intermediários alcançados em cada parte. Exemplo de títulos que explicitam
um princípio ou objetivo:

- Parte 1: Aplicação da lei dos senos no triângulo ABC;


- Parte 2: Conservação de energia.
- Parte 3: Cálculo de x.

Você não precisa usar exatamente essa notação, pode ser alguma
outra notação semelhante, mas não invente nada muito extravagante [64]
.A
ideia é que o corretor da questão, passando o olho rapidamente na sua
solução identifique em poucos segundos as etapas do seu raciocínio.

Adotando essa técnica, a compreensão do seu raciocínio é


praticamente imediata e os resultados intermediários estão claros.
Apresentar uma solução organizada dessa forma é especialmente importante
quando a solução não está perfeita e você receberá pontuação parcial, pois
você está facilitando ao máximo o trabalho do corretor.

Por fim, destaque os resultados intermediários mais importantes de


cada passo intermediário da questão. Se você fizer uma boa divisão do
raciocínio é provável que você destaque exatamente as expressões que
podem constituir uma grade de pontos parciais do corretor. Vale a pena
lembrar que a sua resposta final deve estar em destaque no final de sua
solução.

Dica 4: Não desperdice tempo no rascunho

Por fim, uma dica de administração de tempo em provas


dissertativas: Não desperdice tempo no rascunho. O rascunho é um passo
muito importante para a solução de questões, mas não será ele que será
corrigido na grande maioria dos casos. [65] Por isso, utilize-o apenas na
medida em que ele for realmente útil, especialmente em condições de
tempo escasso.

Minha recomendação é a seguinte: utilize o rascunho para elaborar


as primeira ideias de uma questão e fazer contas aritméticas mais
complicadas. Uma vez que você esteja certo, já comece a produzir sua
solução final. Não deixe sua solução carregada de contas de forma
desnecessária.

Se for possível escolher entre escrever com lápis ou caneta, prefira


sempre lápis, pois é mais fácil corrigir. Rasuras de grande porte de soluções
à caneta são esteticamente desastrosas.

Essa quarta dica é um princípio geral que depende muito da sua


circunstância específica. A quantidade de tempo ideal no rascunho depende
do tempo disponível e da sua segurança com o assunto abordado. Em todo o
caso, tenha em mente que o seu foco principal deve ser escrever uma boas
soluções, não bons rascunhos, e chegar até o final da prova.
4.3. Estratégia de prova
Além das habilidades necessárias para resolver as questões de uma
prova individualmente, é importante montar uma “estratégia de prova”. O
que normalmente se quer dizer com isso é definir a sua política de gestão de
tempo de prova. Compartilharei a seguir a estratégia de prova que eu
utilizava em olimpíadas e concursos. Não encare a estratégia a seguir como
uma camisa de força, mas como um suporte para lhe tornar mais produtivo
em uma situação de prova. A minha estratégia era dividida em quatro fases.
Discutamos uma a uma a seguir.

Fase 1: Comece pelas questões fáceis e médias


Deve-se começar toda prova passando os olhos por toda a prova
brevemente. Verifique se não há problemas de impressão, passeie pelas
questões, olhe para as figuras e, se desejar, deixe uma eventual observação
sobre algum problema. Um estudante bem preparado, consegue, com um
pouco de prática, identificar em poucos minutos questões potencialmente
fáceis e difíceis. Nos primeiros poucos minutos, não comece a resolver
questões; apenas passeie.

Concluída essa exploração, comece a resolver questões. Em provas


com várias disciplinas, eu costumo começar pela disciplina que tenho mais
dificuldade para aproveitar o descanso. No caso de só haver uma disciplina,
começo a ler a primeira questão e sigo adiante.

O seu objetivo inicial agora é resolver questões fáceis e médias.


Tenha em mente que, qualquer que seja a prova, esta é a etapa mais
importante da sua prova. Preze nesse momento pela eficácia: evite erros
de conta e outros tropeços. Não acertar as questões mais difíceis não é
nenhum grande prejuízo, mas deixar de fazer as questões mais fáceis pode
custar muito caro.

Achou uma questão difícil? Pule. Essa não é a hora de lidar com as
questões mais complicadas ou que sejam muito trabalhosas. Se estiver em
dúvida entre dois itens, deixe-os indicados e passe para a próxima. Se, no
espírito do trabalho com questões objetivas apresentado anteriormente, você
identificar alternativas absurdas, indique-as para economizar o seu trabalho
futuro. Eventualmente, escreva uma fórmula que você acredita que será útil
no futuro e passe para a próxima. Lembre-se, o objetivo da primeira fase é
garantir as questões fáceis e médias, aquelas que você bate o olho e sabe
resolver.

Em certas provas de olimpíada com o número muito baixo de


questões - 3 questões para 4 horas, por exemplo- essa etapa resume-se a
começar garantindo pontos mais triviais de cada questão.

Fase 2: Controle de tempo


Se tudo correr bem e você tiver uma boa velocidade com questões,
você chegará até o final da prova e passará ao controle de tempo com
questões mais complicadas e atendimento de exigências mínimas.

Algumas provas exigem uma nota de corte por disciplina.


Verifique nesse momento se os cortes estão cumpridos. Caso o contrário,
foque sua atenção em não ser desclassificado. No geral, começar pelas
disciplinas que você tem mais dificuldade auxilia a tornar esse processo
mais tranquilo.

Provas com redação são mais complicadas no aspecto de tempo.


Nesses casos, defina antecipadamente uma ordem de atividades. Nesses
casos, eu gostava de começar esboçando um rascunho antes mesmo de
resolver as primeira questões. Ter um rascunho feito me deixava mais
tranquilo para encarar as questões.[66] Após resolver a prova, retornava à
redação e passava-a a limpo. Nessa etapa eu ainda não tinha lidado com as
questões difíceis.

Começar pelo rascunho é interessante por aproveitar a mente mais


descansada para depositar minhas ideias no papel. A separação temporal
entre a produção e a revisão do rascunho também não é por acaso: ela me
auxiliava a fazer uma revisão menos viciada do meu texto.

Fase 3: Ataque as questões difíceis


Chegando aqui, espera-se que você tenha resolvido questões fáceis,
médias, atingido cortes mínimos e esteja com sua redação feita. Só então é
que o tempo restante pode ser dedicado às questões mais difíceis. No início
dessa terceira fase, eu normalmente aproveito para ir ao banheiro, beber
água, tomar um lanche etc. A intenção é arejar a cabeça antes de exigir o
máximo que ela puder me dar.

Agora é a hora em que se diferenciam os homens dos meninos. São


essas questões que farão a diferença entre uma nota mediana e uma muito
boa, entre a aprovação ou reprovação num concurso, ou que decidirão a cor
da sua medalha numa olimpíada científica.

A estratégia de prova tem como finalidade levar você a esse momento


o mais rápido e tranquilamente possível. Como suas questões fáceis e
médias estão resolvidas, passeie pelas questões difíceis como julgar mais
conveniente. Cada questão resolvida neste ato é uma vitória a ser
comemorada.
Fase 4: Arremate da prova
Por fim, guarde um tempo para a conclusão dos trabalhos. Se estiver
resolvendo uma prova objetiva, reserve pelo menos 30 minutos para
preencher o gabarito com calma. Lembre-se que uma questão resolvida e
não marcada corretamente no gabarito de nada vale.

Se a prova for dissertativa, verifique se todas as soluções das questões


resolvidas já estão devidamente escritas e passadas a limpo no local
adequado. Em caso afirmativo, utilize esse tempo para tentar ganhar pontos
quebrados nas questões não resolvidas. Ocasionalmente corretores podem
premiar com pontos parciais a apresentação de que leis ou princípios podem
ser aplicados a uma determinada situação. Jamais deixe uma solução de
questão em branco. O zero você já tem, o que pode ser pior que isso? [67]
Considerações Finais

“Se tens de servir a Deus com a tua inteligência,


para ti estudar é uma obrigação grave.”
São José Maria Escrivá[68]

Neste capítulo de considerações finais gostaria de resgatar um


pouco do espírito do primeiro capítulo. Para que serve o estudo? Devemos
buscar afiar nosso intelecto, organizar nossos estudos, sermos disciplinados,
fazer cronogramas e conquistar bons empregos para o que exatamente?

Essa pode parecer ser uma questão etérea para muitos estudantes.
Espero que, a essa altura, o leitor não a estranhe tanto. Muito se fala em
estudar para conseguir empregos com bons salários, capazes de
proporcionar conforto e estabilidade financeira. Será esse o maior benefício
que se pode esperar do estudo?

O professor José Monir Nasser[69] tem uma declaração célebre que


resume bem a situação geral das escolas e universidades em nosso país: “O
que chamamos de educação é, na verdade, ensino. E esse ensino não passa
de uma distribuição de promoções sociais em forma de diplomas, na qual
ninguém acha que vai aprender coisa alguma”. A grande maioria dos
alunos em escolas e universidades, não se importam com conhecimento,
almejam apenas o diploma e um emprego que ele o ajude a conseguir.
Distribuímos muitos diplomas e pouco conhecimento, não à toa, os
diplomas têm valido cada vez menos em processos seletivos. Foi-se o
tempo em que um diploma universitário, mesmo em instituições de renome,
era garantia de emprego.

Não há nada de errado em buscar prosperidade e ver no estudo um


caminho para alcançar tal fim. O problema é restringir os fins do estudo
apenas a essa realidade econômica. Restringir a educação ao seu aspecto
político e social também é reducionista.[70] Essas perspectivas desprezam a
busca pela verdade, em desenvolver a capacidade de compreendermos a
realidade e a contemplação da ordem que nos cerca. Essa capacidade de
compreensão nos dá a autêntica liberdade para atuarmos no mundo, seja
econômica, política ou socialmente.

Não nos fechemos em nossas especialidades profissionais e que


cultivemos uma cultura compatível com nossa formação. Não busquemos
exibir sofisticação, mas busquemos a felicidade que reside em contemplar a
Verdade.

Não desprezamos a busca pelas virtudes. Hoje há quem até ria do


uso dessa palavra. De que adianta a possibilidade de manipular a natureza a
nível atômico se esse poder for exclusivamente utilizado para construir
bombas? É preciso orientar nossas ações, e também nosso estudo, para o
bem.

Viver em função de bens materiais que nos garantam


sobrevivência e conforto é viver uma vida subumana - é assim que vivem os
animais. Que fujamos desses esquemas que reduzem o ser humano a um
bicho. Estudemos o que for necessário, segundo as nossas circunstâncias –
enfrentemos provas, vestibulares e concursos; conquistemos altos cargos
em nossa sociedade –, mas não paremos por aí. Que todo esse esforço, além
de nos tornar pessoas melhores, nos permita assumir uma vocação que nos
possibilite melhor servir a Deus e às pessoas ao nosso redor.

Espero, leitor, ter-lhe servido bem até aqui. Desejo-lhe sucesso ao


pôr em prática as lições contidas nesse livro em sua vida. O que posso fazer
é apontar o caminho, está feito, cabe a você segui-lo.

[1]
Difícil de acreditar? Consulte o relatório do INAF 2018.
[2]
Perceba que essa dificuldade com linguagem pode acontecer
transbordar inclusive para o estudo das exatas. Hoje em dia muitos
estudantes têm dificuldade de interpretação de enunciado de problemas
matemáticos.
[3]
Por exemplo, respeitando regras de pontuação e ortografia em
suas mensagens pessoais.
[4]
Filósofo, teólogo e professor da escola do mosteiro da Abadia de
São Vitor em Paris. É tido por muitos como um dos maiores pensadores da
idade média.
[5]
Recomendo fortemente a leitura do texto completo do opúsculo.
[6]
Impressiono-me com a desvergonha dessas pessoas. Estão diante
de uma prova do colégio, sentem dificuldade e então surge a ideia de
mandar uma mensagem direta para um professor de física do ITA. Um
plano verdadeiramente audacioso!
[7]
Resultados da pesquisa disponíveis no link
https://porque.com.br/quem-nao-cola-nao-sai-da-escola-por-que (Acesso
em 24/01/2022).
[8]
Para os leitores que me lerem anos depois do lançamento deste
livro, refiro-me à pandemia da COVID-19, que impôs em todo o mundo
uma situação grave de distanciamento social generalizada.
[9]
Aqueles que desejarem ler um pouco mais sobre o assunto
podem procurar pelo artigo “SANTO AGOSTINHO E A
FENOMENOLOGIA: O CONCEITO DE ATENÇÃO”, Phenomenological
Studies - Revista da Abordagem Gestáltica - XXIV(Especial): 438-448,
2018.
[10]
Se ele existe de forma independente ou não das baleias
concretas é um ponto de divergência entre correntes platônica e aristotélica
da filosofia. Em todo o caso, isso foge do escopo deste livro.
[11]
O filósofo medieval Hugo de São Vitor denomina esse vigor de
engenho. Entre suas principais obras sobre o modo de estudar, podemos
citar o seu “Opúsculo sobre o modo de aprender de meditar” e o tratado
sobre a arte de ler, conhecido como Didascalicon.
[12]
Vide expressões como "abrir o meu coração” e “falo isso de
coração”.
[13]
Animais dessa subordem - que inclui os bovinos, ovinos,
camelos e outros - têm estômagos bastante desenvolvidos que recebem e
devolvem os alimentos mastigados na boca. Digerir as fibras vegetais da
grama não é uma tarefa fácil.
[14]
Em inglês não temos esse problema de várias cores com as
mesmas iniciais. Red, Orange, Yellow, Green, Blue, Indigo and Violet. Se
preferir, você pode decorar ROYGBIV.
[15]
Sim, uso essa rima mesmo. O fato dessa associação ser cômica
auxilia na memorização.
[16]
De meia dúzia.
[17]
Experimente criar você mesmo suas imagens.
[18]
A imagem ser engraçada ou chamativa ajuda a memorização.
Lembre-se: emoção e memória andam juntas.
[19]
O chifre dele deve atrapalhar um pouco. Pelo menos é o que eu
imagino.
[20]
Trata-se de um pequeno texto, mas de enorme valor
pedagógico. São seis páginas que, na minha opinião, todo estudante e
professor deveria ler pelo menos uma vez na vida.
[21]
A unidade das leis da mecânica que regem os mundos sublunar
e supralunar foi uma unificação de teorias na física fantástica, cuja
relevância poucos estudantes conseguem perceber nos nossos tempos.
[22]
Um exemplo é o vídeo do discurso motivacional “I am a
champion - the greatest speech ever”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yX39J_YyKbs (Acesso em
18/02/2022).
[23]
Faço uma ressalva para os casos de estudantes que têm “uma
virada de chave”, aproveitam a oportunidade e adotam uma mudança de
postura duradoura diante dos estudos.
[24]
Não confundir uma felicidade grande duradoura por um prazer
efêmero. Discuto um pouco mais sobre a relação entre felicidade, prazer e
estudos neste vídeo: gg.gg/13fkos.
[25]
Screen-time is associated with inattention problems in
preschoolers: Results from the CHILD birth cohort study, Tamana SK et al.
(2019). Screen-time is associated with inattention problems in preschoolers:
Results from the CHILD birth cohort study. PLOS ONE 14(4): e0213995.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213995
[26]
Pesquise pela técnica Pomodoro de gerenciamento de tempo.
[27]
Não deixar os trabalhos para a última hora e adiantar conteúdo,
ainda que seja com breves leituras anteriores às aulas faz milagres.
Experimente exercitar esses hábitos.
[28]
Se, devido a suas circunstâncias concretas, você não puder
estudar pela manhã, considere fazer revisões à noite antes de dormir do
assunto visto à tarde. Esse hábito aumentará a fixação de informações
durante a noite. Cuidado para conciliar bem essa atividade de fim de dia
com seu horário de sono.
[29]
Tempo de estudo solitário e livre de distrações. Lembro que
assistir aula não é estudar. Comento esse assunto neste vídeo:
http://gg.gg/13fkow. Na seção sobre postura em sala de aula, no próximo
capítulo, detalho melhor esse aspecto.
[30]
Não se surpreenda com esse números, no geral quem diz
estudar essa quantidade de horas por dia conta carga horária de aula na
soma. No fim, confessa que não sabe sequer diferenciar tempo de aula e
tempo de estudo, que estão longe de serem a mesma coisa.
[31]
São Tomás de Aquino, grande teólogo do século XIII, tem
diversos escritos sobre virtudes morais. Segundo a ética das virtudes, as
várias virtudes humanas são organizadas em torno de quatro virtudes
cardeais: temperança, fortaleza, justiça e prudência. A estudiosidade é uma
virtude que gira em torno da temperança e que modera o desejo de saber.
Ela opõe-se, por excesso, à curiosidade, e, por falta, à preguiça na aquisição
de conhecimentos necessários ao cumprimento do dever. Naturalmente,
trata-se de uma virtude especialmente recomendada aos estudantes.
[32]
Quem quiser se aprofundar no tema, recomendo a leitura do
livro “Emburrecimento Programado: o Currículo Oculto da Escolarização
Obrigatória”, escrito pelo professor americano John Taylor Gatto.
[33]
Comparing Memory for Handwriting versus Typing. Timothy J.
Smoker, Carrie E. Murphy, Alison K. Rockwell . Proceedings of the Human
Factors and Ergonomics Society Annual Meeting. Volume: 53 issue: 22,
page(s): 1744-1747 (2009)

[34]
Confira os meus livros publicados “Física em Nível Olímpico”.
Trata-se de uma coleção de dois volumes com problemas de física voltados
para olimpíadas científicas internacionais.
[35]
Há outras possíveis razões disso: desatenção, falta de habilidade
com matemática, falta de clareza no enunciado ou algum bloqueio
emocional, por exemplo.
[36]
A resposta completa dispõe ainda de outros treze valiosos
conselhos. Para ler os demais conselhos, acesse o link:
https://www.instagram.com/p/CH3YCn0lRs7/ .
[37]
Discutimos sobre isso na seção 1.3 do livro.
[38]
Como professor, sempre que aplico um teste ou prova, dedico a
aula seguinte para um comentário sobre as questões. Percebo que os alunos
aproveitam bastante esse momento.
[39]
Espero demonstrar a você que isso não é uma tarefa muito
complexa.
[40]
Recomende meu livro caso conheça alguém com esse
problema.
[41]
O programa da competição para os outros níveis está disponível
no site oficial da olimpíada.
[42]
Infelizmente, essa é a estratégia utilizada pela maioria das
escolas e estudantes.
[43]
Apesar disso, vale a observação que há, nessa olimpíada
específica, questões idênticas cobradas para estudantes de ambos os níveis.
Naturalmente, as questões tidas como fáceis e médias para alunos do ensino
médio são as que são apresentadas aos alunos do ensino fundamental.
[44]
Essa pode parecer uma métrica bastante simplória, mas é
bastante eficiente na falta de um professor ou curso que lhe dê suporte na
elaboração de um cronograma.
[45]
Falo um pouco mais sobre isso em um vídeo disponível em
https://youtu.be/DWMvLihKCR4 .
[46]
Sem pressão, sem diamantes.
[47]
Crato, Nuno. O eduquês em discurso direto: uma crítica da
pedagogia romântica e construtivista. Editora Kirion, 2020.
[48]
Sete anos depois da olimpíada, quando fiz um estágio de
pesquisa em nanomateriais na Alemanha, reencontrei um amigo português
que conheci na olimpíada internacional no México. Doze anos depois,
reencontrei uma amiga lituana, que fez doutorado em física de partículas,
em uma outra olimpíada internacional. Você nunca sabe quando vai
reencontrar as pessoas que conhece nessas competições.
[49]
Na pior das hipóteses, menos penoso.
[50]
Posso citar uma porção de brasileiros que conheci nesse
ambiente de olimpíadas que estudaram em universidades como MIT,
Princeton, Berkeley, Caltech, Oxford etc.
[51]
Desprezarei situações limites de cursos pouco concorridos nos
quais há mais vagas que candidatos.
[52]
Essa ressalva é importante. Provas mal feitas, seja por
enunciados obscuros, nível de dificuldade inadequado ou foco excessivo em
pontos de menor relevância, perdem poder de discriminação.
[53]
Refiro-me ao vestibular do ITA no ano de 2009. Fiz a prova na
cidade de Fortaleza, que não participava do horário de verão, enquanto os
estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste participavam.
[54]
Frutas, barras de cereais e chocolate são boas dicas de
alimentação nessas horas.
[55]
Por exemplo, em: https://descomplica.com.br/gabarito-
enem/questoes/2013/segundo-dia/em-um-sistema-de-dutos-tres-canos-
iguais-de-raio-externo-30-cm-sao-soldados-entre-si/ (Acesso em
30/12/2021)
[56]
A solução desse problema pode ser encontrada em comentários
produzidos por cursinhos especializados.
[57]
Um triângulo equilátero é aquele triângulo com os três lados
iguais. Os ângulos internos desse triângulo são sempre iguais a 60o. Tais
fatos podem ser utilizados para facilitar muitas contas.
[58]
Se quiser uma dica de como resolver esse problema, aplique a
lei dos senos para calcular o lado BC. Perceba que o terceiro ângulo do
triângulo pode ser escrito como γ=180-α-β. Escreva a área do triângulo em
função dos lados AC, BC e seno do ângulo γ. Com essas ideias e um pouco
de conta o problema sai sem grandes dificuldades.
[59]
Escolha qualquer número que não lhe atrapalhe na hora de fazer
as contas.
[60]
Para não dizer verborrágicas, no caso de algumas edições do
ENEM. Diga-se de passagem, muitos textos de apresentação são
completamente irrelevantes para a resolução dos problemas. Esse estilo de
contextualização chega até a ser negativo para a qualidade da prova ao meu
ver.
[61]
Caso você queira se aprofundar mais sobre como escrever uma
boa solução, recomendo um vídeo que gravei e está disponível em
https://youtu.be/xkjr9d0ASWE. Nele apresento alguns princípios gerais de
escrita e, na segunda parte, comento vários exemplos de soluções recebidas
de seguidores.
[62]
Meus colegas de profissão provavelmente concordam comigo
que corrigir provas é uma das tarefas menos gratificantes de um professor.
[63]
Dependendo do contexto, o uso da sigla pode ser admitido sem
problemas, como o caso de provas de olimpíadas de matemática. Esse é um
fato bastante conhecido e popular nesse meio.
[64]
Eu pessoalmente gosto de usar algarismos romanos: “I) Cálculo
de A”, “II) Cálculo de B” etc. Simples e elegante.
[65]
Em olimpíadas internacionais, ocasionalmente observam-se os
rascunhos dos estudantes, desde que eles estejam suficientemente claros.
Em todo o caso, isso só acontece quando a cor de sua medalha pode ser
decidida por décimos de pontos.
[66]
Essa talvez seja uma questão pessoal minha. Teste e verifique se
esse método faz sentido para você. Não há uma estratégia de prova perfeita
para todo estudante.
[67]
Até hoje não tenho notícia de professores ou concursos que
atribuem pontuação negativa por erros realizados em questões dissertativas.
Se esse eventualmente for o seu caso, reconsidere essa orientação.
[68]
Caminho no 336.
[69]
Professor, economista e escritor brasileiro, falecido em 2013.
Para aqueles que desejarem assistir uma palestra dele, recomendo a
disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=gL7fX1b424E .
[70]
Quem nunca ouviu dizer que o papel das escolas é formar “bons
cidadãos”. Quase sempre não se entra em detalhes sobre o que isso quer
dizer exatamente.

Você também pode gostar