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Sobre a obra:
Sobre nós:
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir
a
um novo nível."
Copyright © 2018 Nahra Mestre
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Criado no Brasil.
Prólogo
Dezembro de 1850.
Sarah Granville Anson, a filha mais nova da tia falecida de Thomas, era a
escolhida, aquela com quem ele concretizaria uma das maiores
responsabilidades de um aristocrata: casar-se e gerar um herdeiro. Sarah! Se
ao menos fosse Ann, pensou.
O avô materno, a quem considerava como pai, era o único que compreendia
suas angústias. Lorde Granville era seu mentor, conselheiro e quem lhe
ensinara a apreciar a vida parlamentar. Suspirou lamentando não ter a
companhia do ancião naquela diligência, mas nada podia fazer a esse
respeito; o velho, desde o falecimento da filha mais nova, cortara qualquer
contato com o duque de Sutherland e seus filhos.
— Eu amo este lugar — assobiou David com meio tronco para fora da
carruagem.
— Ela tem treze anos, e fui informada de que parece já estar apta para gerar
um herdeiro — sua mãe, que permanecera calada por quase toda a viagem,
discursava com naturalidade sobre as regras de sua pequena sobrinha, que
haviam começado. — Não precisa fazer essa cara, Sarah só debutará aos
dezesseis. Você terá tempo suficiente para terminar os estudos e se preparar
para a sucessão. — Colocou o bordado dentro de uma bolsa de couro. —
Você precisa aproveitar todo o tempo livre que tem para se aproximar de
sua futura noiva, só assim poderão ter um casamento feliz e com muitos
filhos.
— Não sei quanto a você, mas fiquei muito feliz em conseguir uma
dispensa especial dos exames finais. Vou aproveitar minha breve temporada
em Lilleshall e você deveria fazer o mesmo.
David era dono do próprio futuro. Thomas invejava a liberdade que o irmão
gozava, liberdade esta que ele mesmo não tinha. Se ao menos pudesse
escolher a própria esposa... bufou conformado. Passaria os próximos dias
acompanhado da prima irritante, o consolo seria a presença angelical da
doce e frágil Ann.
***
Sarah não se lembrava da mãe, a duquesa falecera quando a filha ainda era
bem pequena. E pouco se falava dela naquela casa.
Lucy sentia as mãos trêmulas, deveria ter sido mais cuidadosa ao dar a
notícia à menina. O duque a incumbira de informar sobre a intenção de unir
duas das maiores famílias do Reino Unido, mas Sarah era apenas uma
criança. Apesar de possuir uma inteligência fora dos padrões, ainda assim,
era muito jovem. A menina havia ficado introspectiva ao saber sobre o
acordo de casamento e que toda a família Hervey estava a caminho de
Lilleshall para as festividades de fim de ano.
— Não será agora, minha menina. — Lucy acariciou seus joelhos com
carinho. — Irá se casar em três ou quatro anos. Seu pai e o marquês de
Bristol concordaram que deve se aproximar de Thomas para estreitarem os
laços o quanto antes. O duque quer vê-la feliz, Sarah.
— Eu tenho mesmo que me casar?
— Não vamos falar novamente sobre esse assunto — com a voz ainda
embargada, colocou uma delicada coroa de flores no cabelo da menina. —
Irá se sentar ao lado de seu pai, ele faz questão. O médico aconselhou que
sua irmã permanecesse de repouso.
— Acho que lorde Thomas Hervey deveria se casar com Ann, eles têm
quase a mesma idade.
— Sua irmã tem uma saúde muito frágil. Lorde Thomas precisa de uma
esposa que possa gerar um herdeiro. — Lucy prendeu alguns fios que
haviam se soltado. — Irá precisar de uma criada para ajudá-la com os
cabelos, não sou muito boa nisso, e você agora é uma mocinha.
A menina deu um beijo em Lucy e a abraçou com carinho. Nunca se
imaginara casada. Tinha consciência de que nunca poderia ter uma carreira
política, era uma mulher, mas gostava de se imaginar no parlamento.
Naquela tarde seus sonhos foram esmagados pela realidade cruel da
sociedade inglesa;
Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, Sarah beijou-lhe a face e saiu
correndo.
Iria se casar com ele! Seria a esposa do parlamentar mais bonito de todo o
Reino Unido!
Capítulo I
4 anos depois
Apesar da distância entre eles, dedicara-se a aprender tudo sobre o que ele
gostava. Não que Thomas houvesse lhe falado de suas preferências, não era
dado a muita conversa. Na realidade, Sarah tivera David como um grande
aliado para extrair informações sobre o noivo. Muitas vezes, quase sempre,
era uma tarefa exaustiva.
Não que ficara decepcionada por ser esquecida, mas se ressentia pelo irmão,
que tinha o mesmo direito que os outros primos. Seu pai a proibira de
proferir qualquer comentário sobre o assunto. O duque de Sutherland fora
categórico ao afirmar que os filhos não precisariam daqueles recursos.
Já não mais se iludia com as esperanças de se tornar a primeira parlamentar
mulher do Reino Unido. Conhecia de política o suficiente para saber que
demoraria muitas décadas, talvez séculos, para que uma mulher ocupasse
uma cadeira na Câmara, mas isso não a desanimara de estudar a
Constituição e de entender a política.
A diligência havia chegado sem a irmã mais velha, o novo médico de Ann,
o jovem e renomado Dr. Anthony, aconselhara a jovem a desfrutar um
pouco mais os ares do campo, considerando imprudente uma viagem
naquele momento. Mas em breve ela estaria junto à família, pois em vinte
dias Sarah debutaria e ficaria noiva logo em seguida.
Livre por um tempo dos cuidados com a irmã, ela se dedicou aos estudos e
em encontrar artigos e manuscritos raros. Naquele momento traduzia os
documentos de um jovem revolucionário na biblioteca do duque.
— Não sei se acho apropriado você estudar mais sobre política do que
qualquer outro cavalheiro presente nesta sala — John a recriminou
enquanto se sentava em uma das poltronas perto da lareira.
— Lorde Thomas Hervey, meu futuro marido, está se preparando para ser
um parlamentar e eu preciso me preparar também. Não quero ser uma
mulher frívola, que não se interessa pelos assuntos do marido.
John se divertia com a formalidade com que se tratavam, não era habitual
naquela casa tamanha reverência.
— É uma posição instigante, tenho certeza de que Sua Alteza Real
aprovaria tal pensamento.
— Você me surpreende, Sarah, mas receio que mexericos reais não sejam
assunto para uma dama, principalmente uma tão jovem. Deveria estar
aprendendo bordado e piano.
o mesmo afinco que estudo política. Além do mais, sei que não se deve
falar sobre política na frente dos convidados. — Fez uma careta para o
irmão.
provocou John.
— Bem, enquanto discutem ideais, já que Sarah se apoderou da biblioteca,
verei meus livros contábeis no escritório — o duque falou em tom
brincalhão.
***
— Ah, meu Deus! Dei tão na cara assim? Preciso policiar meus modos.
— Deve ser angustiante viver assim como elas. Falando sobre bordados,
temporadas e bailes.
— Suponho que esteja falando do Sr. Marx. Espero que tenha gostado dos
artigos, lady Anson.
— Por favor, David, somos quase irmãos, não concordo com essa
formalidade em que meu pai insiste. E sim, apesar de um pouco radical, o
Sr.
— Como pode afirmar isso, Sarah? Vocês mal se falam, mal o conhece.
— Sei que ele é tímido e um pouco introspectivo, mas acredito que, quando
me conhecer melhor, vai apreciar meu empenho e minha afeição.
Tudo o que mais queria, pensou Sarah, era passar um tempo com Thomas
no Hyde Park, mas as próprias reservas em relação ao avô eram grandes.
Lorde Granville nunca fizera questão da companhia dela e, por mais que
negasse, isso a magoava. Não queria encontrá-lo, era desconfortável estar
com alguém que a renegara.
***
Assim como ele, lorde Granville parecia tê-los percebido, pois coçava o
queixo pensativo, enquanto os acompanhava com o olhar.
— Pouco para quem pensa, mas muito para quem espera. Já tomou uma
decisão?
Enquanto caminhava para casa, perguntou-se por que ele e o irmão ainda
não haviam saído da casa dos pais. No meio do inferno que viviam, já
passara da hora de tomarem o próprio rumo. Talvez David estivesse
esperando que ele se casasse para sair. Sempre foram unidos, muito
próximos, apesar de muito diferentes e pouco conversarem sobre assuntos
pessoais. O irmão mais novo sempre fora um prodígio, iniciara mais cedo
na escola e, apesar do ano de diferença entre eles, estudaram na mesma
classe em Eton e em Cambridge.
Sarah era uma mulher encantadora e graciosa. Ainda que muito jovem,
dedicava-se com entusiasmo, preparando-se para ser a marquesa de Bristol.
Era uma mulher astuta, que envolvia todos em seus planos; ele mesmo a
ajudava sem ao menos saber como fora convencido.
Era uma jovem que sabia conseguir o que queria, não por ser mimada, mas
com argumentos contundentes e uma perspicácia invejável. Se fosse o
herdeiro de seu pai, David teria muito orgulho em tê-la ao lado. Mas
nascera livre daquele fardo e, se um dia se casasse, poderia fazê-lo por
amor.
— Não entendo o que ela quer com esses artigos, uma menina que mal saiu
dos cueiros. Uma insanidade oferecer libras por documentos que valem
xelins.
— Sarah não é mais uma criança, querido irmão. É uma mulher muito
atraente. — Serviu um brandy e continuou. — Suas curvas são
encantadoras e tem se empenhado muito para ser uma boa esposa.
Tenho responsabilidades.
— Só porque Ann ainda está em Lilleshall, não significa que não tenha que
visitar sua noiva, Thomas. Já passou da hora de se aproximar de Sarah.
— E para que mais serve uma esposa, senão para gerar um herdeiro e dar
credibilidade perante a sociedade?
— Não acredito que estejam à venda, mas, se for pessoalmente pedir, tenho
certeza de que ela não negará.
David sorriu. Como eram parecidos apesar de tão distantes. Sarah e Thomas
tinham os mesmos hábitos, eram os clientes mais assíduos de sua livraria, e
quase sempre procuravam os mesmos títulos.
Pensou na conversa que tivera com o avô; Sarah poderia ser uma poderosa
aliada em sua carreira. Com ela ao seu lado, seria mais fácil enfrentar o pai.
Não podia mais adiar, assim como não podia adiar... Sarah! O
que a filha de um duque poderia querer com Karl Marx? Tal literatura não
era bem-vista pela sociedade britânica. Decidiu que veria a noiva no dia
seguinte e lhe pediria os documentos que tanto desejava, seria muito
oportuno convidá-la para ir à ópera. Ir ao espetáculo com a possível futura
noiva seria a ocasião perfeita para satisfazer os próprios interesses políticos
e sociais. Assim ficaria mais fácil tomar uma decisão, já que adiar era quase
impossível.
Capítulo II
Não se sentia culpado pelo triângulo amoroso que vivera, fora ideia da
própria duquesa que Augustus tivesse uma amante dentro de casa. Sua
aversão ao marido era indisfarçável. Ele vira a esposa definhar às sombras
de uma doença traiçoeira, seu espírito perdia um pouco de luz a cada dia em
que passava naquela casa.
E agora se via culpado por ter sucumbido mais uma vez a um acordo como
aquele com lorde Granville, que insistira que Sarah se casasse com Thomas.
— Precisava preparar tudo para a chegada de Ann. Estou muito feliz com o
novo médico, milorde. Agradeço muito que tenha ouvido minhas súplicas.
— Faço tudo por você, meu amor — recostou-se à cadeira com os dedos
entrelaçados ao dela.
felicidade de Sarah.
O coração de Sarah parecia saltar pela boca, seria a primeira vez que sairia
em público com o futuro marido e também a primeira vez que ele a
visitaria, depois da chegada dela para a primeira temporada em Londres.
Ela não disse nada, pois, por mais que se esforçasse, não saberia se um dia
Thomas poderia amá-la. Seria o amor dela suficiente para manter o casal?
confessou ao pai.
— Não com essas palavras, mas eu sei o que quis dar a entender.
— Não permito que ninguém fale do meu futuro marido. Lorde Thomas
Hervey é um homem reservado, e tenho certeza de que com o tempo nos
entenderemos.
Coçando o queixo, o duque pensou que talvez fosse melhor ser direto e
questionar a filha, saber se ela desejava se casar com David em vez de
Thomas.
— Não foi isso o que perguntei, Sarah. Estou falando do que sente, como
pode saber?
— Acho que deveríamos adiar seu debute por mais um ano, vocês precisam
se conhecer melhor.
— Acredito que só iremos nos conhecer de fato depois que nos casarmos.
— Milorde, acho melhor deixar Sarah descansar, tenho certeza de que ela
vai querer estar descansada para receber Ann esta noite — a governanta
interveio temendo pelo rumo da discussão. Virou-se para Sarah com um
sorriso contido. — Dr. Anthony informou que Ann tem se sentido disposta
e se alimentado bem, ela faz questão de vir ao seu debute.
Sarah deu um amplo sorriso com a notícia de que a irmã chegaria ainda
naquela noite. Augustus entendeu a estratégia de Lucy, aquela conversa não
os levaria a lugar algum, e ele precisava pensar em uma maneira de
dissuadir a filha.
— Tudo bem, Sarah. Vou dar um tempo para você pensar melhor —
Sarah não podia se conter com tantas boas notícias, sua irmã viria, Thomas
a visitaria e a convidaria para ir à ópera. Chegou a seus aposentos e viu que
a criada organizava os vestidos que haviam chegado da modista para a
temporada.
Acabaram de entregar.
Preciso me casar.
— Terá a vida toda ao lado de seu marido, Sarah. Não apresse as coisas.
— Lucy acariciou-lhe o braço. — Acho que David seria um marido mais
amoroso.
— Desde que soube que me casaria com ele, fui aprendendo a amá-lo e a
tolerar sua ausência, sua indiferença. Sei que ele pode me amar um dia.
— Você é muito jovem, Sarah, só queremos o seu bem. Não quero que
sofra, está acostumada e ter tudo que deseja. — Parou por um instante,
tomando coragem para continuar. — Tememos que Thomas tenha uma
amante depois do casamento. — Enrubesceu, olhando para baixo.
Não acho justo ser enganada sem nem ao menos saber o que acontece de
fato.
— Acha que posso esperar todo esse tempo para saber? Suponho que o que
está dizendo se refere à mesma coisa que a senhorita e David fazem nos
jardins à noite.
— Tive que aprender desde cedo a conseguir o que quero, Marie; não é fácil
ter credibilidade sendo praticamente a única mulher da casa. — Pensou em
Lucy, que estivera com ela desde sempre, ainda que às sombras, escondida,
assim como Ann, que passava quase todo o tempo acamada.
por perto e deixavam assuntos inapropriados escaparem. Sua casa não era o
exemplo de decoro na sociedade inglesa, mas também não era alvo de
fofocas e escândalos. Aprendera desde cedo que existiam duas vidas, uma
dentro de casa e outra fora dela.
— ..., mas, para o homem, sexo não é só para conceber filhos, milady.
— Algumas, sim.
— As cortesãs e amantes?
— Nem todas, milady. Mas, quanto mais uma mulher sente prazer, mais o
homem fica desejoso.
Marie empalideceu mais uma vez, temendo que lady Anson descobrisse
seus segredos. Não poderia perder aquele emprego, não naquele momento.
— Não poderia...
— Não me olhe com essa cara, posso pagar pelas aulas. Iremos à modista e
poderá escolher três vestidos.
— Uma libra por aula e mais três vestidos — propôs e o rosto de Marie se
iluminou. — Começamos as aulas depois do jantar, David pode esperar.
Capítulo III
— Não entendo por que tenho que saber costurar e não posso cozinhar.
Lucy suspirou conformada, sabia que a filha mais nova do duque não
desistiria e não precisaria de muito esforço para convencer o pai.
Sarah deu uma piscadela para a cozinheira e seguiu para o quarto, com a
Sra. Turner.
— Assim que lorde Thomas partir, ficarei com ela. — Parou pensativa e
continuou. — Não diga a ele que minha irmã já chegou.
— Sei que não é dada a ouvir conselhos — Lucy desabotoou o vestido sujo
—, mas é bom se lembrar de que um homem não gosta quando uma mulher
mostra muita sabedoria — sussurrou junto ao ouvido dela. — Não ofusque
o brilho de seu noivo.
— Obrigada, Lucy, farei tudo para agradá-lo.
Quando Sarah chegou ao salão azul, seu pai fazia companhia a lorde
— Por favor, lorde Hervey, não vejo motivos para tamanha formalidade.
— Em absoluto.
— Não compreendo.
— Ele sugeriu que talvez eu preferisse me casar com seu irmão, já que ele
sempre faz questão de desfrutar de minha companhia.
Thomas inclinou o torso para mais perto e a respiração de Sarah falhou por
um instante.
— Estou intrigado para saber o que pensa sobre isso... — Ele parou por um
momento. — Sarah.
Thomas sentiu uma tensão que não sabia explicar. Talvez fosse por se
dirigir à jovem de maneira tão informal, ou pela forma com que os lábios
dela ficaram entreabertos enquanto ela respirava. Recuou assustado com a
reação de seu corpo, ao estar tão próximo da prima.
— Fui prometida ao senhor desde muito nova, lorde Hervey, não me casaria
com mais ninguém senão o senhor.
Endireitando o tronco, ele pigarreou e desviou os olhos para a lareira.
— Acredito que seu pai não aprovaria que se casasse com meu irmão.
— Meu pai acredita que mereço ser amada, milorde, e aprovaria qualquer
escolha que eu fizesse.
Sarah olhou para porta, desconfiando que o pai havia lhe deixado a sós com
o noivo de propósito. Tomou coragem para dar a resposta que gostaria e
disse:
— Receio que lorde Granville tenha pressionado por um acordo — fez uma
pausa, ajeitando na cadeira. — Se me permite a observação, lorde Harvey,
sua atenção para com sua noiva é um tanto quanto... — balançou a mão no
ar buscando palavras — negligente. Nossos familiares parecem
profundamente incomodados com sua indiferença e, para mim, sua postura
é ultrajante. Acredito que, tendo em vista a carreira no Parlamento que o
senhor pleiteia, seria pertinente demonstrar um pouco mais de estima por
sua noiva.
— Vejo que minha conduta tem sido discutida em minha ausência, mas
desconheço tal regra nos manuais de bons costumes.
— Ficarei encantada.
Assim que Thomas saiu, Sarah se jogou no sofá, exausta, mas satisfeita por
não sucumbir à arrogância do noivo. Por mais impenetrável que ele
parecesse, ela conseguira ver uma pequena fresta em seu coração rochoso.
Precisaria de tempo, sabia que não seria fácil, mas havia algo naquele
homem que lhe dava esperanças.
— Fui instruída a ter pulso firme e impor respeito. Disseram-me que, uma
vez que a princípio não me fizesse respeitar, dificilmente conseguiria tal
feito em uma segunda oportunidade.
Lucy não respondeu, mas Sarah sabia a resposta. O duque a estava testando
e não estava convencido de que ela não tinha a intenção de se casar com
David. Evitar o assunto seria o melhor a fazer, precisava concentrar todos
os esforços em atrair a atenção e a admiração de Thomas.
***
Preferiu caminhar para tentar dissipar a tensão da conversa com Sarah. Que
menina irritante! No entanto, apesar de não medir as palavras, de ser
manipuladora e de ter a língua afiada como uma navalha, não podia negar
que Sarah era uma bonita visão. As palavras de David não haviam feito jus
às formas escondidas pelas camadas de roupa. Um rubor desconcertante
aparecia constantemente no rosto dela.
Teve o desplante de insinuar que o duque faz gosto de que ela se case com
David.
— Vejo que tomou sua decisão. Acho que seria no mínimo respeitável
informar a Augustus seu desinteresse nesse matrimônio. Assim, Sarah
poderá encontrar um marido adequado.
— Sabe que podemos tentar uma licença para que atue na Câmara dos
Lordes antes do falecimento de seu pai, tenho certeza de que George não se
oporia. Não fará diferença a cadeira que ocupe, e sim os ideais que defenda.
— Penso em fazer isso por meus próprios méritos, não quero nada que
venha daquela família...
Acha que vai muito longe com tamanha rebeldia? — Os olhos azuis do
conde estavam quase cristalinos. — Eu o criei como filho, Thomas.
Respeito cada insanidade que diz desmerecendo a aristocracia e sua
importância, mas a filha mais nova do duque de Sutherland é a única que
pode trazer um pouco de sensatez aos seus ideais revolucionários. — Com
os punhos cerrados continuou. — É muito fácil defender o povo pedindo
igualdade quando se tem a mesa farta e criados para servi-lo, mas o homem
o qual você pretende
— Porque ela é como sua avó, uma mulher à frente de seu tempo, uma
dama leal e que honrará seu nome. Sarah é uma mulher inteligente,
admirada por parlamentares importantes e, acima de tudo, dará todo afeto
de que você precisa.
— Todos nós, meu filho. Sua mãe conseguiu macular e trazer desgraça para
nossa família, mas antes disso fui feliz ao lado de minha esposa e de minhas
filhas. Sua avó morreu de desgosto e eu sobrevivi para tentar consertar toda
essa baderna. — O velho serviu dois cálices de vinho do Porto e entregou
um ao neto. — Foi o meu afeto o que o acalentou, meu filho. Não estou
pedindo gratidão, só quero que saiba que afeto é tão importante quanto
fundamental.
Capítulo IV
Sarah passou o resto da tarde lendo para a irmã. Depois do jantar, ela se
concentrou nas aulas de Marie. Aprender técnicas de sedução com uma ex-
cortesã era uma complicada tarefa, precisava ponderar entre o decoro
socialmente aceito e a vulgaridade que encantava os homens. Sobre as
lições de beijos e exposição de pele nua, achou melhor guardar os
ensinamentos para um momento apropriado, teria que utilizá-los somente
depois do casamento.
Quando estiver a sós com lorde Hervey, tente ser desinibida, mas não
muito, pois os homens apreciam certo recato.
— Como saberei?
suas amantes, mas confessou nunca ter visto nada com aqueles cortes.
Diante da revelação do talento da criada, Sarah foi generosa e encomendou
um novo enxoval de roupas de baixo para Marie também.
Em casa, Lucy pareceu ofendida por não acompanhar Sarah até a modista;
embora a governanta não dissesse nada, a jovem pôde perceber sua
quietude e os olhos tristes. Sem saber como agir, resolveu fingir que não
notara, afinal não poderia levá-la para uma missão tão indecorosa;
certamente Sra. Turner não aprovaria o enxoval.
Por mais que tentasse negar a si mesma, estava ansiosa e temia que o
encontro com o futuro noivo fosse tão exasperante quanto a conversa da
tarde anterior.
Marie pegou a escova para pentear os cabelos da lady, quando Lucy entrou
no quarto.
— Faça algo diferente, não quero parecer uma menina, e sim uma mulher
desejável.
***
— Está muito elegante, lady Hervey — tentou soar o mais agradável que
conseguia, mas a presença da tia provocava-lhe náuseas.
— Tenho certeza de que meu querido irmão está orgulhoso por estar
acompanhado pela mais bela das damas. — David piscou para Thomas e
tomou assento no fundo do camarote.
Sarah não respondeu, somente sorriu discretamente, ainda corada. Ele teve
vontade de beijá-la. Controle-se, Thomas!, pensou. Precisava manter-se
alerta, Sarah era uma mulher envolvente, perigosa. Ele jamais poderia se
render aos seus encantos. Novamente desviou o olhar para o decote
tentador.
Era isso! Somente desejo por uma bela e inocente dama. Tranquilizou-se ao
saber que não havia encantamento entre eles, somente luxúria. Conhecia as
consequências do afeto desmedido. As insanidades de sua mãe eram o
exemplo perfeito da degradação.
— O amor.
— Creio que seria vantajoso para minha carreira circularmos juntos pelos
corredores, na companhia de seu pai.
— Estou ansioso para saber quais são esses pedidos. — Estava mais
preocupado do que curioso.
Ainda encantado com a elegância de Sarah, ele passeou os olhos pelo corpo
esguio e provocativo. Ela sorria graciosamente para os amigos do duque de
Sutherland, a maioria parlamentares e nobres.
— Você tem uma joia nas mãos, lorde Hervey. Depois do casamento, tem
meu apoio à sua candidatura. — Olhou para os lados, certificando-se de que
o duque não estava ouvindo. — Mas, caso não tenha interesse nessa
preciosa dama, eu teria a maior felicidade em tê-la como nora.
— Ele é um grande amigo da família, lorde Hervey, deveria estar feliz por
conseguir o apoio de um conservador.
— Presumo que seu pai não saiba disso — constatou e ele pareceu
— Não sei.
— Um parlamentar defende os interesses do país, e não de um partido.
— Não é a primeira vez que age dessa maneira. A essa altura, já deveria ter
me acostumado.
Ele titubeou, ela parecia sincera. Precisava dela, mais do que podia admitir.
— É isso o que quer, Sarah? Deus me ajude! Não posso lhe fazer a corte,
você nem sequer debutou.
— Faltam poucos dias. Se isso tem tanta importância para você, acho que
pode aguardar; embora em minha opinião não seja inapropriado, uma vez
que já somos prometidos um ao outro. Além do mais, Ann chegou a
Londres e tenho certeza de que você vai querer visitá-la.
— Peço perdão por isso, meu senhor, prometo pensar em alguma maneira
de contornar a situação, para que as pessoas não interpretem mal um
***
— Não adiarei o debute, papai, também não acho apropriado que me deixe
sozinha com lorde Hervey, como fez aqui em casa e no teatro.
— Como dei tanta liberdade aos meus filhos? Onde foi que errei?
— O senhor não errou, papai. Somos uma família que se ama e se respeita;
mesmo fora dos padrões da moral e dos bons costumes, encena o melhor
espetáculo na sociedade londrina.
— De onde ela tira essas coisas? — questionou John, enfiando uma fatia de
pão na boca.
— Essa é uma pergunta cuja resposta não sei se gostaria — bufou o duque.
— Converse com Sua Alteza, papai. O príncipe Albert o tem em tão alta
conta que poderia interceder junto a Sua Majestade, em favor de um título
de cortesia para Lucy. Assim poderiam se casar.
— Não posso envolver nossa família num escândalo como esse, Sarah, não
antes de você se casar e de Ann... — O duque não completou a frase,
apoiando-se nos cotovelos, com a cabeça baixa.
John fez um aceno silencioso para irmã. Sabia que aquele era um assunto
doloroso em demasia para o pai. Não desistiria daquele casamento, na hora
certa faria tudo o que tivesse ao alcance para que o pai pudesse ser feliz por
completo.
***
Talvez fosse a hora de voltar aos estudos com afinco, abandonando ilusões
românticas que só a corroíam e lembravam Thomas.
— Vim ver você. — Deu um beijo no rosto da prima. — Não acredito que
esteja lendo romances tolos. — David pegou um livro de Austen e viu a
capa. — Não sabia que gostava.
que você.
— Onde está querendo chegar, David? Assim como meu pai, também acha
que seria um melhor marido do que seu irmão?
— Sarah...
— Não percebe que Thomas se encantou por Ann? — ele declarou com o
rosto coberto de dor, não queria causar sofrimentos a Sarah.
— Você também não me entregaria, sei que existe algo entre você e Marie e
não parece algo passageiro ou tolo, posso ver o quanto ela fica
desconcertada quando seu nome é pronunciado.
— Abriria mão de Marie para fazer você feliz. Não permitiria sua
infelicidade.
Enquanto via David sumir entre as sebes, pensava no quanto era absurdo o
pensamento de se casar com ele. Do mesmo modo era impossível que Ann
se encantasse pelo irmão dele. Sentiu os olhos arderem, imaginou-se casada
com Thomas e a irmã vivendo na casa deles, como amante dele, assim
como Lucy. Nunca tinha pensado no que a mãe sofrera, não como algo
possível, mas aquele poderia ser o seu destino. Amar um homem que amava
outra.
Observou o jardim, jardim a que um dia sua mãe se dedicara, e que agora
estava sob o cuidado de Lucy. Fechou os olhos tentando impedir as
lágrimas, mas não tinha controle. O amor que sentia era irracional, e o
desespero, palpável. Passou a enxergar o primo com tanto carinho e, mesmo
que ele fizesse tudo para se manter distante, era o rosto dele que ela via
quando fechava os olhos.
Admirava Thomas por sua coragem de ir contra os valores do pai. Por mais
cabeça-dura que fosse, estava disposto a ir contra a tradição da família
Hervey. Ergueu os olhos quando viu um par de sapatos masculinos junto
aos seus.
— Thomas!
— Vim fazer a corte a minha futura noiva — declarou, tocando sua mão,
Thomas não soube o que dizer e achou melhor não render a conversa.
— Nem sempre temos respostas para nossas perguntas — falou com o olhar
perdido e continuou. — Vamos, estão nos esperando para o chá.
Capítulo V
Ao lado de Pia, sentia-se mais próxima da mãe. E, mesmo que ainda não a
tivesse sabatinado sobre a história da família, sabia que podia extrair dela
algumas respostas que procurava. Mas lhe faltava forças, não se sentia
preparada para saber.
Faltava apenas um dia para seu debute, e as certezas que construíra nos
últimos anos ruíam a cada badalada do relógio.
— Precisa se trocar antes do jantar, milady. — Pia retirou o avental de
Sarah.
— Não vou jantar, Pia. Peça a alguém que me sirva um chá na biblioteca,
por favor.
Pia assentiu, e Sarah deixou a cozinha, indo para a biblioteca. Não tinha
ânimo para muita coisa, mas estava sem sono e, talvez, encontrasse algo
para se distrair.
Estava certa de que seria algum criado trazendo o chá, mas sentiu um leve
arrepio ao inspirar o aroma de cedro e limão que a anestesiava. Ergueu os
olhos e encontrou Thomas elegantemente trajado. Faltou-lhe voz para
saudá-lo.
lucidez, ela se deu conta de que aquela era a primeira vez que olhava nos
olhos dele. Tantos anos... tão distantes.
Thomas a tomou nos braços e beijou sua cabeça. Sarah fechou os olhos
desfrutando o pequeno momento de intimidade. Ele a apertou contra o
peito, tomado pela vontade de protegê-la. Nunca a vira daquela maneira, tão
frágil.
— Acho que não encontraria esposa mais adequada. Admiro sua devoção.
— Eu me casarei.
A sombra de um sorriso brotou nos olhos de Thomas. Ele não sabia o que
fazer com as mãos, mas não se afastou. O silêncio foi constrangedor, e lá
estava novamente, aquele olhar marcante sobre Sarah. Ela fechou os olhos e
sentiu os lábios do noivo tocando-a brevemente.
— Respeitarei suas reservas sobre minha mãe, também não tenho interesse
em continuar vivendo muito mais tempo ao lado dela.
— Terá uma renda para isso, contanto que traduza os escritos em alemão.
Ela sorriu.
Thomas desviou o olhar e, quando voltou a fitá-la, Sarah pôde ver que
lutava contra algo dentro de si.
— Certo.
Ela selou o acordo com um beijo no rosto do prometido e, num ímpeto de
coragem, aproximou-se e sussurrou ao seu ouvido:
Com o tronco pressionando-a, deslizou uma mão pela lateral de seu corpo,
enquanto a outra segurava os cabelos, que caíam em cachos na nuca.
— Pode ficar com os artigos. Estão todos em francês e alemão. Pelo que
pude perceber, nosso amigo não é um grande admirador da língua inglesa.
— Terá tempo para isso, faço questão de discutir com você minhas
impressões sobre as ideias revolucionárias de Marx. — Inclinou-se na ponta
dos pés e deu-lhe um beijo no rosto. — Até amanhã, lorde Hervey —
Thomas não respondeu por si, ela o estava novamente provocando e ele não
resistiria em provar mais uma vez aqueles lábios macios. Puxou-a contra si
e a beijou, deliciando-se com o contato de seus corpos. Ela afagou-lhe os
cabelos e ele gemeu de satisfação. A língua de Thomas conduzia a valsa, e
Sarah bailava com maestria. Num momento de lucidez, a lady lembrou-se
de uma lição importante em suas aulas com Marie; precisava dar motivos
para que ele quisesse voltar. Afastou-se, avaliando o quanto o futuro noivo
a desejava e sussurrou-lhe ao ouvido.
— Sei que não me prometeu amor, mas não pode negar que me deseja.
Ele ficou parado por um instante, analisando a mulher a sua frente, corada,
com os cabelos se soltando. Linda! Sedutora! Não seria um sacrifício assim
tão grande viver ao lado daquela mulher. Beijou a mão de Sarah e saiu para
avisar o marquês de suas intenções.
***
Ele havia lhe mandado flores, lírios brancos, que jaziam em seu quarto para
que pudesse contemplá-las. Lucy havia dito que não fazia bem mantê-las
tão perto, mas ela não permitiu que as tirasse dali.
Anthony. Tão logo o médico saiu, ela entrou. Sua irmã, apesar dos vinte e
sete anos, era linda e, naquela tarde, parecia ainda mais encantadora; as
bochechas coradas, os olhos brilhantes e o sorriso radiante davam
esperanças de uma vida longa e próspera.
— Eu sei, é que...
***
— Concede-me a honra?
Um minueto, Händel. Mesmo que quisessem, por causa dos passos, não
conseguiriam conversar. Sarah se concentrou em dançar com elegância e,
embora sem quase se tocarem, sentia-se bem ao lado de Thomas. Quando
suas mãos se encostavam, um sorriso contagiante brotava dos lábios dela.
— Gostaria de um refresco?
— Ficarei encantada.
— Srta. Anson, sei que pareço repetitivo, mas está ainda mais linda esta
noite, se é que isso é possível. — Beijou sua mão enluvada. — Concede-me
a honra da próxima valsa?
David, sorriu e ao longe viu o irmão, que não desgrudava os olhos da pista
de dança. Girou Sarah graciosamente e deu uma piscadela para Thomas.
Sarah foi tomada por uma euforia que jamais imaginara possível. Seu baile
estava perfeito, os convidados pareciam aprovar cada detalhe. Ann havia
valsado com o pai e com John, parecia supreendentemente bem-disposta.
sugeriu Sarah.
— Sarah, não é aceitável que seu pai continue a festa com Lucy.
— Lucy é muito querida nesta casa, Thomas, uma mãe para todos nós.
Thomas meneou a cabeça sem dizer uma palavra. Não sabia da devoção que
Sarah nutria pela amante do pai. As histórias que ouvia da marquesa de
Bristol faziam-no repudiar a conduta do duque. Não contrariaria a futura
esposa, não destrataria Lucy, mas não era obrigado a concordar com
tamanha imoralidade.
— Bem, parece que todos estão entretidos. Este seria o momento em que
você me convidaria para dar uma volta. — Sarah bateu os cílios
Ele aproveitou a deixa, poderia levar Sarah até o jardim e marcar a data do
casamento. Embora fosse de longe decoroso, aquilo parecia o mais
aceitável a fazer, já que a moralidade era algo que passava longe daquela
casa. Ofereceu o braço a Sarah, que aceitou sem titubear, conduzindo-o ao
jardim lateral.
— Não é necessário.
— E se eu me ajoelhasse.
***
— Não se preocupe, meu irmão, Marie sairá de casa junto com sua noiva,
depois do casamento.
— Não admitirei sua amante como criada da minha esposa. Você sabia que
aquela libertina é quem tem colocado ideias imorais na cabeça de minha
noiva.
— Ora, ora, vejo que sua noiva não mede esforços para agradá-lo. Que
mulher perspicaz! Aconselhando-se com uma profissional? — O sorriso do
avô deixou Thomas ainda mais exasperado.
— Pertinente?
— Não permitirei que minha casa seja como a casa do duque de Sutherland.
E o senhor deveria se envergonhar de apoiar um relacionamento tão
escandaloso.
— Bem, David, precisa resolver sua situação com essa moça. Se Sarah a
levar como criada depois que se casar com Thomas, ficará ainda mais
difícil.
— Sei que sim, meu filho. Também sei que, se ainda não fugiu com a
garota, foi por causa de seu irmão. É um homem bom, honrado. Pensou
sobre as terras da Escócia de que lhe falei?
***
Trancado no quarto, Thomas tentava se concentrar nos artigos que Sarah lhe
entregara. Não falava alemão, portanto conseguira ler somente os
manuscritos em francês. O jovem revolucionário parecia ter abandonado a
filosofia e discursava sobre economia de uma maneira instigante. Ler Marx
era inapropriado em damasia, beirava a ilegalidade. Ele se perguntou em
que tipo de encrencas a noiva se metia para ter acesso a informações
impróprias, uma vez que David muitas vezes encontrava dificuldades em
conseguir os manuscritos.
Mesmo sem saber, sua noiva poderia ser uma grande aliada em seu futuro
político, já que o pai jamais permitiria sua candidatura. O casamento
poderia trazer um suspiro à batalha que ele enfrentava. E, apesar de não
amar Sarah, ela era uma mulher excitante. Inexperiente, que usava a língua
afiada para seduzi-lo. Era avessa às regras e convenções de uma sociedade
que não admitia que se discorresse sobre os prazeres da carne.
Thomas temia que tamanha luxúria fosse uma doença incurável, fruto dos
maus exemplos que ela vivenciava em casa. Certa vez, deparou-se com uma
cartilha que dizia que comportamentos tão libidinosos eram sintoma de uma
grave patologia.
Mas sabia que a grande culpada pelos pensamentos obscenos da noiva era a
amante de David. E aquilo o enfurecia. Marie roubara a ingenuidade, a
fragilidade de Sarah, e a inocência era algo que o enfeitiçava em uma
mulher.
E, por mais que a razão o contradissesse, ela parecia certa. Fechou os olhos
e imaginou os lábios ardentes da noiva. Pare! Você não pode amá-la!
Resolveu ir à florista, precisava enviar flores para a noiva e fazer com que
ela se rendesse a ele; quanto mais encantada estivesse, mais chances ele
teria de fazê-la sucumbir aos seus desejos. O amor cega, corrompe e,
certamente, seria a arma perfeita para driblar o mau gênio de Sarah.
Capítulo VI
— Acredito que sim, mas não faço questão de ficar. A hora que quiser,
podemos partir.
Lady Hervey e eu estamos muito felizes com a presença de todos. Sei que
parece inoportuno o meu pedido, mas temos uma longa viagem a caminho
de Ickworth House. — Fez uma pequena mesura ao sogro. — Vossa Graça,
permite que nos retiremos?
Sarah não queria discutir, mas não estava satisfeita com a troca de
camareiras. Se Thomas achasse que isso a afastaria das aulas, ela o deixaria
pensar que sim. Acreditava já estar munida de informações suficientes para
a noite de núpcias.
— A cozinheira pediu para servi-la em nosso novo lar — ele anunciou com
o semblante mais sereno, parecia aliviado por ter deixado as
festividades.
— Pia? Oh! Não acredito, esse é o melhor presente que eu poderia receber.
— Ela vai ajudar a organizar os preparativos para nossa volta, imaginei que
gostaria de tê-la como governanta.
Ele ficou rígido enquanto Sarah se recostava ao seu ombro. Sarah tem
cheiro de primavera. Permaneceu imóvel para não encorajar manifestações
de afeto, mas não podia negar que estava se deliciando com a proximidade.
Não demorou muito até que ela adormecesse. Pensou em se afastar, mas ela
dormia profundamente e ele não viu mal algum em ampará-la. Envolveu-a
com um braço para que ficasse mais confortável, e ela resmungou algo
ininteligível. Sarah parecia tão frágil, tão doce — Thomas tentou afastar os
pensamentos.
Era tarde da noite e Ickworth House podia ser vista pelo brilho das tochas
que a circundavam. Os criados os aguardavam no vestíbulo para serem
apresentados à futura marquesa. Todos pareceram muito prestativos, com
exceção da governanta, que parecia ter chupado um limão, tão azeda
parecia.
A nova camareira de Sarah não tinha menos que setenta anos, tinha
dificuldades em andar e parecia um pouco surda. A Sra. Roberts conduziu
lady Hervey até seus aposentos na velocidade de uma tartaruga. Logo que
entrou, Sarah quis se livrar da velha.
— Mas está tarde, milady. Não faz bem banhar-se tão tarde da noite.
Sarah dispensou a criada, irritada. Foi até o lavatório e se limpou com água
de rosas. Sabia o que queria usar naquela noite, nada que a Sra. Roberts
achasse apropriado. Quando se deu conta de que em breve estaria na cama
Levou a mão ao pescoço, sentindo falta de ar, era uma visão maravilhosa,
nenhuma descrição poderia fazer jus à tamanha beleza. Os ombros dele se
moviam num ritmo acelerado e sua expressão era diferente de tudo o que
ela conhecera.
— Parece que sua antiga camareira não foi tão eficaz nas aulas sobre a noite
de núpcias. — Ele a beijou ardentemente. — Gosto de você assim, lady
Hervey, frágil e inocente.
E, antes que ela pudesse responder, retirou a diminuta peça que protegia sua
virtude. Logo Thomas despiu-se das próprias calças, sem tirar os olhos da
esposa, que jazia na cama, com a respiração ofegante.
Ele a deixava sem palavras, sem ação e, mesmo que Sarah quisesse tomar
as rédeas da situação, seu corpo não obedecia. Ela afastou as pernas
quando ele afundou os joelhos sobre o colchão. Thomas beijou seu ventre e
foi subindo até os seios.
Tomou-a num beijo ávido enquanto suas mãos deslizavam pelo corpo de
Sarah. Nunca havia desejado tanto uma mulher, o rosto corado e a
respiração ofegante eram como lenha para o fogo que o consumia.
— Diga que não quer enquanto ainda há tempo — ele sussurrou ao ouvido
dela, tentando controlar a excitação.
Com o corpo ainda trêmulo, deixou-se pesar sobre ela, enquanto sorvia o
aroma de primavera.
Sem saber como agir, Thomas deu-lhe um beijo na testa e rolou para o lado.
Sentia-se exausto, perturbado, consumido por um sentimento novo.
corpo de Sarah.
— Por favor, fique. Pode descansar ao meu lado, estarei aqui, pronta para
servi-lo, assim que estiver disposto novamente.
Aquele pedido doce fez com que todos os sinais de alerta ecoassem na
mente dele. Pensou que poderia ceder daquela vez, somente daquela vez.
O sol aos poucos banhava o quarto e ela se levantou para fechar as pesadas
cortinas. Deixou uma pequena fresta para que pudesse apreciar o homem
em sua cama. Percebeu uma protuberância sob os lençóis e resolveu que
estava na hora de mostrar-lhe um pouco do que tinha aprendido.
Ele sentia-se leve, o cheiro de flores estava por toda parte. Um carinho
molhado, preguiçoso, no meio das pernas o despertou. A carícia se
intensificava, algo quente e úmido o envolvia. Gemeu, estremecendo com o
prazer que sentia, somente imaginando Sarah enterrada em sua
masculinidade. Mas era real, viu a mulher se deliciando com sua intimidade
como se saboreasse um sorvete. Lambia e sugava com dedicação.
— Shhh... Por favor, não diga nada — pediu, voltando para a tarefa à qual
se dedicava com afinco.
Thomas a via ajoelhada, os cabelos caindo na lateral do corpo, os lábios
rosados a devorarem sua masculinidade. Ela parecia desfrutar do mesmo
prazer que ele, fechando os olhos e deixando escapar gemidos abafados.
***
Sarah acordou com um sorriso bobo nos lábios, uma sensação de felicidade
intensa que jamais experimentara. Remexeu-se à procura do corpo do
marido, mas Thomas não estava ao seu lado.
cheiro do marido estava impregnado nos lençóis. Rolou sorrindo como uma
tola, até perceber que não estava sozinha.
***
Ao longo do dia, teve vontade de voltar para casa e arrastá-la para o quarto.
Se fosse obedecer aos desejos do próprio corpo, passaria dias trancado com
ela, adormeceria ao seu lado... Chega! Não deixe que o desejo o cegue.
Ela estava com os cabelos levemente soltos, num vestido que revelava suas
curvas. Ele fechou os olhos e passou as mãos pelos cabelos, tentando se
controlar diante da visão provocadora.
— Está perfeito.
— Não sei se isso é uma boa ideia, meu pai ficaria furioso.
— A não ser?
— Está delicioso.
— Sarah...
***
Uma vez que dedicar-se ao trabalho era mais sensato que deixar o desejo
governar seu corpo, Thomas pensou na sugestão de Sarah. Era uma ideia
excepcional reformular o uso das terras e investir em maquinários, mas
precisaria encontrar um modo de fazer tudo sem que o pai tivesse
conhecimento.
Casar-se não fora tão ruim quanto imaginava, pela primeira vez se sentia ele
mesmo. O jantar parecia algo tão normal. Não se lembrava de viver
tamanha harmonia na casa dos pais. Sarah fora educada com os criados,
bem diferente da mãe dele, com seu comportamento arrogante e
desprezível. Ser obsequiado com a sobremesa favorita fora uma grata
surpresa, sobretudo sabendo que tinha sido pessoalmente preparada por ela.
— Não sabe o que é usar isso todos os dias, é um alívio poder tirá-lo.
Ele engoliu em seco; não poderiam se aproximar tanto, mas ali diante dela...
— E o que quer?
— Quero você.
***
Levá-la para a visita aos inquilinos e comerciantes fora a melhor ideia que
ele pudera ter. Ela anotou tudo, ouviu-os atentamente e deu sugestões para
melhorias. Thomas via-se fascinado ao observá-la rodeada de aldeãs.
— Sra. Roberts, prepare um banho para lady Hervey e peça que lhe sirvam
o jantar em seus aposentos.
— Então peça a Audrey que prepare um banho para mim e para lady
Hervey. Tenho certeza de que não irá se opor se eu resolver tomar banho
com minha esposa.
— Peça jantar para dois. Está dispensada por hoje. — De longe Thomas
avistou o valete. — Ah! Audrey, prepare um banho para mim e para lady
Hervey, vamos jantar no quarto.
Sarah deixou a sala com um sorriso bobo nos lábios. Thomas a defendera
da bruxa megera e ainda passaria mais tempo com ela. Ao longo do dia,
havia percebido os olhares de admiração do marido. Não era tão invisível a
ele quanto achava. Dois dias de casados, tinham feito amor três vezes. Será
que teria uma quarta naquela noite? Queria sentir o corpo de Thomas sobre
o seu, deliciar-se com as mãos dele sobre seu corpo e, mesmo que ele
terminasse o ato conjugal antes dela, como ocorrera duas vezes, não
importava, só queria tê-lo.
— Espere, vou ajudá-la. — Sarah não tinha percebido que Thomas havia
entrado no quarto. Logo ele estava às suas costas, desfazendo os laços do
espartilho habilidosamente. — Todos ficaram encantados com a futura
marquesa.
Ela se virou, teve vontade de dizer que o único encantamento que ansiava
era o dele. Pôde perceber em seus olhos a mesma admiração que
presenciara mais cedo, o rosto de Thomas estava mais sereno, livre dos
vincos de preocupação costumeiros.
— Ele pegou sua mão e a levou aos lábios. — De alguma forma, Sarah,
você consegue deixar as coisas mais leves. Foi uma tarde adorável.
de quase 40%.
— Talvez seu avô possa intervir. Quem sabe, se ele falar com seu pai...
— Tenho uma modesta faixa de terra vizinha a Ickworth House, uma ruína
que ganhamos do meu avô, de presente de casamento.
— Quanta generosidade...
— Entendo suas reservas, querida. Mas ele a quer bem. Pensei que talvez
pudéssemos construir um galpão e fabricar o maquinário lá.
Uma pequena lágrima escapou de seus olhos e ela passou a mão no rosto
para esconder.
Thomas paralisou por alguns instantes e ponderou; estar ao lado dela dava-
lhe uma sensação plena, reconfortante. Ela lhe fazia tão bem que era um
sacrilégio negar-lhe qualquer coisa.
Capítulo VII
A caminho de Londres, Sarah refletia sobre sua lua de mel. Tinha vivido um
sonho ao lado de Thomas. Ele fora carinhoso, atencioso e juntos
desfrutaram momentos de pura luxúria. Passaram grande parte do tempo
dedicados aos projetos de planejamento agrícola, assim como nos planos da
fábrica de maquinários. James aceitara a sociedade satisfeito e apresentara
novos projetos, que revolucionariam a agricultura de Suffolk.
Pensei que, quando me tornasse marquês, você, assim como eu, não
gostaria de viver em Hervey House. Espero que não se incomode de não ter
a vista do Hyde Park, pois terá seu próprio jardim.
Logo que a carruagem entrou pelos portões que davam acesso a um enorme
jardim, ele bateu no teto da carruagem. Ajudou Sarah a descer e jogou o
xale em seus ombros. Era primavera e, apesar do frio, as cores
— Seremos muito felizes aqui, meu amor. Tenho certeza de que será capaz
de me amar e corresponder aos meus sentimentos. Nossa lua de mel...
— Não sou dado a sentimentos, lady Hervey. Mas acredito que passaremos
momentos agradáveis aqui.
Uma farta mesa de café da manhã a aguardava, mas Thomas não estava lá.
Tomou a refeição sozinha e logo em seguida Pia lhe mostrou a casa. Em
seguida, foi para o quarto descansar e, quando acordou, o sol já se punha.
Procurou Thomas por toda a casa e não o encontrou. Audrey lhe informou
que lorde Hervey havia saído ainda de manhã e não retornara. Ela resolveu
jantar no quarto. Deixou a porta de ligação entre os quartos aberta para que
pudesse vê-lo quando ele chegasse. Tentou conter o sono o máximo
possível, mas, por fim, rendeu-se a um sonho perturbador.
***
Era necessário afastar-se para que pudesse recobrar o juízo. Talvez tivesse
lhe dado atenção demais, estava certo de que esse era seu erro.
— Deus me ajude!
***
Por pior que tivesse se sentindo, não ficaria em casa esperando por Thomas
e vendo o olhar de compaixão dos criados. Já estava acostumada a ser
ignorada pelo marido, mas, depois da semana que passaram em Suffolk,
imaginara que tudo podia ser diferente. Entretanto não seria possível
controlar a dor da solidão. Uma companheira antiga. O vazio que preenchia
debruçando-se em estudos, o abandono que supria tentando se tornar a
dama perfeita. Preferia acreditar que a reação de Thomas era somente o
reflexo de um mau momento e que, se contivesse as palavras, poderiam
voltar a viver na mesma harmonia de antes.
— Não seja dramática. — Retirou alguns livros da cadeira para que ela se
sentasse.
— Touché.
— Também gostaria de saber. Desde ontem não o vejo. Ele parecia tão leve,
tivemos uma lua de mel maravilhosa, mas foi chegar em Londres e ele
desapareceu.
— O que vi foi um homem livre que sorria com frequência e que poderia
ser feliz se quisesse.
Foi inevitável compará-la com Groove House. Naquela pequena casa havia
amor, já na outra... Tentou afastar os pensamentos e bateu à porta.
— Por mais que tente relutar, não posso negar meus sentimentos. —
— Não sou mais sua senhora Marie. Somos amigas. — Sarah lhe deu um
abraço. — Não sabe como senti falta de seus conselhos.
— O que foi?
— David quer me apresentar a todos como sua noiva, quer me dar uma
nova identidade. — Parou por um instante. — Não posso fazer isso, não me
sinto preparada, há questões que preciso resolver...
— Não entendi.
Capítulo VIII
Sarah passou quase todo o dia fora fazendo compras para a casa. Apesar do
agradável tempo com Marie, ainda se sentia solitária. Jamais poderia
compartilhar suas inseguranças e problemas conjugais com quem quer que
fosse. Depois de muito ponderar, chegou à conclusão de que a única
solução era continuar a ocupar o tempo para evitar pensar profundamente
sobre seus sentimentos.
Havia muito trabalho a ser feito, e não só com os livros contábeis de David;
sua casa também precisava de atenção. Passara quase toda a vida se
preparando para ser a esposa de Thomas e não poderia abandonar aquela
responsabilidade por um reles capricho. Sim, aquela angústia e a melancolia
que a acometiam deveriam ser tratadas como um capricho tolo.
— Certamente, senhora.
— Perfeitamente, senhora.
respondeu orgulhosa.
Pia fez uma reverência e se retirou. Sarah pensou em perguntar pelo marido,
mas se conteve. Sentou junto à mesa de Thomas e verificou seus livros de
contas. As anotações eram ainda mais desordenadas que as de David.
Surpreendeu-se ao constatar que a herança que lorde Willian lhe antecipara
o deixara satisfatoriamente rico e com muito potencial para investimentos.
Perdeu a noção do tempo fazendo anotações e passando as contas a limpo.
***
Mesmo que ainda não estivesse preparado, não teria mais como adiar.
Pensou que a distância pudesse aplacar a vontade que sentia de estar ao lado
de Sarah, mas a premência em tê-la nos braços tornava-se maior a cada
instante.
— Estive ocupado.
Sarah ofereceu a cadeira para que ele se sentasse e se acomodou em uma
poltrona, de frente para ele.
— Sei que pode soar inapropriado, uma vez que ainda não herdou o título,
mas gostaria que os criados usassem o brasão dos Hervey; também
mandarei fazer louças, talheres...
— Minha mãe ficará furiosa por não ter tido a mesma ideia.
— Espero que isso não seja um problema. — Levou a pena aos lábios.
Estava arrebatado, Sarah era a visão do pecado, sem espartilho seus seios
fartos quase saltavam do decote rendado. Acompanhou-a quando ela se
levantou e caminhou até o aparador, para servir dois cálices de brandy. Seus
passos eram firmes, mas graciosos, e os cabelos caiam em cachos pelas
costas. Thomas levou a mão para debaixo da mesa, a fim de controlar o
desejo.
— Tenho uma proposta para você. — Ela lhe estendeu a pequena taça
— Quero lhe propor sociedade nos negócios e na cama. Não precisa pensar
em nós como um casal convencional. — Deu a volta na mesa e se sentou
em seu colo. — Se não quer sentimentos, teremos luxúria. —
Agarrou-a pela cintura sem permitir que ela se afastasse, deixando a bebida
que estava nas mãos dela cair pelo tapete. Colou a boca à dela e, deleitando-
se nos lábios doces, demonstrou todo o desejo que sentia.
***
Naquela noite dormira sem uma resposta. Depois de tudo o que acontecera
no escritório, Thomas permanecera distante. Fora habilidoso em suas
carícias, Sarah percebera que ele a desejava intensamente. Depois que
chegaram juntos ao ápice, ele a ajudou a se vestir e pediu que lhe servissem
o jantar no quarto, mas agora ela fitava a porta fechada que separava seus
aposentos.
Mas era aquilo o que havia proposto, não era? Mesmo que a razão insistisse
em gritar que aquele fora um grande avanço, seu primeiro ato conjugal na
nova casa, o coração estava apertado. Sentia um nó no pescoço e uma
inquietação que não lhe permitia dormir.
Já havia tentado ler poesias, romances tolos e até Maquiavel, mas nada
prendia sua atenção. Agitada, levantou-se e seguiu até a porta. Deslizou
suavemente para o outro lado e observou que Thomas estava adormecido
com a vela acesa. Caminhou cautelosa até a beirada da cama e se sentou
com cuidado. Acariciou-lhe os cabelos fartos.
Ela se aconchegou em seu ombro sorrindo. Não demorou muito para que
dormisse nos braços do marido.
***
Capítulo IX
Já passava das cinco quando foi para o quarto se arrumar. Sra. Roberts
parecia não entender que Sarah não tinha tempo a perder.
A criada alisava a saia do vestido disposto sobre cama, sem a menor pressa.
— Fora daqui!
— Mas, senhora...
Uma criada que passava pelo corredor paralisou ao ver a cena. Sra.
— Como se chama?
— Isla Pattel, minha senhora, sou sobrinha da Sra. Pattel. — Fez uma
reverência.
— Ah, não, eu só vim ajudar hoje. Parece que uma das criadas ficou doente.
— Trabalhei para a baronesa Ashcombe, mas ela não era nem de longe tão
elegante e moderna como a senhora. — Isla pareceu envergonhada pelo
comentário.
— Então vamos nos dar muito bem. — Sarah sorriu. — Escolha outro
vestido, esse me parece sóbrio demais.
— Esse é o valor que lorde Hervey paga para seu valete. — Lady Hervey se
sentou frente à penteadeira. — Peça a sua tia que providencie roupas novas
para você e, agora, faça o seu melhor. Preciso impressionar
— Lorde Hervey?
— Não — Sarah gargalhou —, ele não é velho embora se porte como tal,
estou falando de conde de Snowdon.
Analisou a porta que dava acesso ao quarto do marido e teve uma ideia
brilhante.
***
Quando Thomas viu Sarah descer pelas escadas, paralisou. Ela estava
deslumbrante em um vestido vermelho, com golas brancas. O cabelo estava
preso no alto da cabeça e o coque, salpicado com pequenos brilhantes.
— Não tem o que temer. — Ele deslizou o polegar pelas costas de sua mão.
Sabia que Thomas tinha o avô na mais alta conta, e recebê-lo na sala formal
— Aprecio sua franqueza, mas não é certo julgar os modos de uma pessoa
sem conhecer toda a verdade.
Sarah não sabia onde ele queria chegar. O banqueiro era conhecido em todo
o Reino Unido por ser um cavalheiro objetivo, sempre ia direto ao ponto,
mas estava receosa, pois lorde Granville parecia dar voltas com as palavras.
Ao contrário do que imaginava, não odiava o avô como pensava; para ela
era um estranho, não conseguia definir o que pensava a seu respeito.
— Não sei se posso me incluir em sua lista de herdeiros, uma vez que fui
esquecida na divisão de seus bens. Não que quisesse alguma coisa, John e
eu não precisamos de seu dinheiro.
— Vou lhe entregar três títulos. São dívidas antigas a serem cobradas no
momento mais oportuno. Um deles é de lorde Baldwin, um velho amigo de
seu pai. Se souber a hora certa de apresentar as dívidas, poderá se tornar
uma mulher ainda mais rica do que seu marido.
— Vejo que o senhor continua me tendo na mais baixa estima. Não tenho
interesse em construir fortuna sozinha, tudo que tenho é do meu marido.
Não posso aceitar esse presente.
velho coçou o queixo. — Não quero que considere como um presente, e sim
como um desafio. Quanto ao dinheiro, já deixou claro que não se importa,
entregue para caridade, a Thomas ou até mesmo ao seu irmão. Não me
importa nas mãos de quem irá parar.
— Querida Sarah, sou seu aliado, e não um inimigo. Se aceitar tal desafio,
tenho certeza de seu sucesso. Minha maior recompensa será ver Thomas
enxergando o tesouro que tem nas mãos; ele irá admirá-la ainda mais e tudo
o que mais quero é ver meu neto se rendendo aos encantos do amor.
— Por que Thomas é tão avesso a sentimentos? Por que se coloca tão
distante?
— Uma dica?
— Para uma mulher tão hábil com números, fico espantado que nunca tenha
feito a matemática de sua família. — Estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se
levantar. — Vamos, estou faminto e creio que David não demorará a chegar.
René...
***
Sarah era amável, companheira e doce. Preparara tudo com tanto esmero e,
ainda assim, ele se vira incapaz de elogiá-la. Talvez, se não estivessem na
frente de convidados, certamente a teria elogiado. A q uem está querendo
enganar? Patife como é, sequer saberia que ela mesma preparara o jantar.
Audrey já o havia informado que estava tudo pronto para partirem. Mas
Thomas permaneceu por um quarto de hora caminhando de um lado para o
outro, como se criasse coragem para partir. Precisava vê-la, precisava tocá-
la.
Antes de partir, procurou pelo perfume de Sarah. Num ato infantil, embebeu
o lenço com o cheiro que o inebriava. Voltou para o leito da esposa e a
beijou nos lábios. Precisava partir logo, aquela visão era um atentado a sua
sanidade.
Capítulo X
Sarah abriu os olhos e permaneceu na cama. Achara que uma boa noite de
sono poderia aliviar a angústia. Thomas mal a olhara e, ao se dirigir a ela,
fora arrogante e frio. Não havia cozinhado para impressioná-lo, fizera pelo
próprio prazer, mas ver a indiferença do marido enquanto todos a exaltavam
pelo jantar fora humilhante.
— Desculpe, senhora. Mas não sabia a que horas queria ser acordada ou se
prefere me encontrar aqui. — Começou a separar o espartilho. — Audrey
me disse que lorde Hervey prefere solicitar os serviços quando necessário,
mas não conversamos sobre isso.
— Posso garantir que agiu muito bem, diferente daquela velha doida que
me assustava a cada manhã. — As duas sorriram. — Acho que gosto da
ideia de chamá-la quando acordar. Você pode me trazer uma xícara de chá e
os jornais. Assim posso lê-los enquanto me penteia.
Um chá?
— Ele não lhe disse que viajaria, senhora? Ontem, quando passou por mim
tarde da noite, recendia o perfume da senhora, pensei que...
— Lorde Hervey viajou? Para onde ele foi? Deixou algum bilhete? —
— Certamente.
— Mas este escritório é de lorde Hervey e poucos podem entrar aqui, Sarah.
— Pia, este escritório será meu também. Quero que mande buscar minha
mesa... — Parou analisando o espaço perto da lareira. — Vamos comprar
uma mesa nova e a colocaremos bem ali. — Apontou para um espaço
ocupado por cadeiras, que dava vista para o lindo jardim. — Prepare-se,
lorde Hervey me deu carta-branca para eu mudar o que desejasse.
— Tenho certeza de que ele não sabia do que a senhora é capaz. — Sra.
Pattel colocou a mão na boca para esconder a risadinha.
Não demorou muito para que o amplo escritório fosse tomado por toda a
criadagem de Groove House. Treze funcionários, contou Sarah. Com o
caderno nas mãos, levantou-se.
melhor que a própria rainha. Ontem no jantar, vimos nossos erros e acertos
e vamos trabalhar para sermos melhores a cada dia. No final da semana,
quando tudo estiver em ordem, teremos o melhor baile da criadagem que
Londres já viu.
***
— Marie! Somos amigas, já lhe disse que para você sou Sarah.
— Fiquei tão lisonjeada com seu convite, espero que lorde Hervey não se
aborreça com minha presença.
— Remodelação?
— O que foi?
— Pensei que talvez vocês pudessem ter uma única sala de banho, a qual
pudessem compartilhar. Acha que consegue fazer uma reforma antes que
ele chegue?
Sarah abraçou a amiga com carinho. Pela primeira vez na vida, não se
sentiu sozinha, sabia que poderia contar com Marie, assim como faria
qualquer coisa por ela.
***
Naquele mesmo dia Sarah colocou Earnest louco atrás de pessoas que
pudessem fazer a obra. Dez homens foram contratados para trabalhar dia e
noite, sem descanso. Precisou se instalar em outro aposento e uma pequena
fortuna foi gasta.
Sarah pegou o pacote e levou até o escritório. Dentro estavam os títulos que
lorde Granville havia prometido. Uma grande tecelagem, terras em
Manchester e uma dívida de cem mil libras de lorde Baldwin. Guardou tudo
na gaveta da nova mesa. Pegou a carta que acompanhava a encomenda e a
leu:
Com carinho,
Willian Granville
Capítulo XI
— Lady Hervey, que honra recebê-la. É ainda mais linda do que dizem.
— Meu marido lamenta muito não poder comparecer a um baile tão seleto.
Infelizmente, precisou partir às pressas para Manchester, a negócios
— Sarah justificou.
Enquanto o cunhado foi buscar seu cartão de baile, ela viu um velho amigo
da família se aproximando.
— Minha querida Sarah. — Lorde Baldwin fez uma reverência e beijou sua
mão.
Ao perceber que ele não estava sozinho, meneou a cabeça para o elegante
homem que o acompanhava.
— Lorde Baldwin é muito gentil e seus elogios são contestáveis, uma vez
que me conhece desde que eu ainda vestia cueiros.
— Não seja modesta, Sarah. Sinto falta de nossas conversas. Soube que tem
estudado um radical subversivo.
— Como soube?
— Tentei comprar uns manuscritos. Fui informado de que uma dama paga
uma pequena fortuna, e não conheço outra mulher que prefira financiar a
rebeldia a encher os bolsos das modistas.
— Fico aliviado em saber que o casamento não lhe fez mal — zombou.
— Diga-me que me convidará para um jantar. Não tem nada que deseje
mais do que comer o pernil de cordeiro que prepara, ouvindo as baboseiras
desse senhor.
— Sorria amplamente.
A valsa durou mais alguns minutos e, antes que ela pudesse ser conduzida
até as margens do salão, Edward os interrompeu.
— Será que agora já posso reivindicar minha dança?
Edward girou-a com elegância. — Ouvi dizer que suas filhas valsam com
maestria e ela acredita que encontrarão bons partidos nos salões de baile.
— Vejo que meu pai não mentiu, é mesmo muito espirituosa e inteligente.
Ouvi dizer que prepara verdadeiros manjares.
— Vejo que não terá tempo nem de colocar o cartão no pulso. Mal
chegamos e já dançou duas vezes. Gostaria de conduzi-la na próxima dança.
meu amigo?
Apesar da tensão inicial, Sarah permitiu-se relaxar. Não podia negar que se
sentia bem ao lado do avô. Aos poucos, as barreiras que construíra ruíam.
— Receio ter perdido o jeito, minha querida. Desde que minha Sarah se foi,
nunca mais valsei.
— Posso garantir que não perdeu o jeito. Nem mesmo precisou da bengala.
— Ele o acordou?
— Thomas não me avisou sobre a viagem e muito menos disse para onde
ia. Soube através de sua carta do paradeiro de meu marido. — Brincou
— Gostaria de pensar com calma, lorde Granville. Não acho que uma
decisão dessas possa ser tomada com a cabeça quente. Ainda estou
magoada por Thomas partir de maneira tão intempestiva e por me excluir
dos negócios de Manchester. Se vou usar as terras que me deu, tenho que
pensar na melhor maneira de fazer isso. Sou mulher e sei das limitações
impostas pela sociedade. Concorrer com meu marido em um momento
como este poderá pôr tudo a perder, e entregar as terras a ele será como dar
osso ao um cachorro malcomportado.
***
— Conte-me sobre o baile. David me disse que foi solicitada a noite toda,
mas ele não é de dar detalhes.
Sarah convidou Marie para tomar chá no jardim. Enquanto os lacaios
colocavam uma mesa ao ar livre, as duas resolveram caminhar à beira do
lago.
— Foi uma noite adorável, embora a falta que sinto de Thomas seja quase
insuportável. Acho que não é normal o que sinto. Às vezes, tenho a
sensação de estar perdendo o controle dos pensamentos. Nada parece
importar.
— Não! Mas foi muito bom me sentir mimada. Hoje de manhã mandou-me
uma cesta de amoras. Tenho certeza de que perguntou ao pai como me
agradar.
— Desculpe, senhora.
Não acredito que possamos ser julgados pelo lugar de onde viemos. Cada
pessoa é única, diferente.
— Ah! Que encantadora. Precisa conhecer meu filho mais novo, ele
também aprecia divagações existenciais. — Tomou um gole de chá. —
Onde está Thomas?
— O conde de Snowdon foi muito insistente e meu marido não teve como
negar.
Marie a olhou apreensiva, estava claro como a neve que aquele plano não
daria certo. Mas permitiu-se divagar. Caso se casasse com David e ele
aceitasse todo o seu passado, não haveria nada que pudesse desejar mais.
Mas alimentar expectativas só causaria ainda mais sofrimento. Não podia
negar o quanto estava feliz por ter um sobrenome falso e em ver que a
marquesa de Bristol aprovara seus modos.
Capítulo XII
A semana foi atribulada. Sarah mal teve tempo de falar com Marie. A
reforma já estava na fase final, Pia contava os dias para se ver livre da
confusão instalada em Groove House. Papéis de parede e cortinas estavam
sendo instalados. Sarah acompanhava tudo satisfeita.
Desejando que o tempo passasse logo, foi para cozinha e preparou biscoitos
para presenteá-lo.
— Pelo visto, Manchester está em suas mãos. Não disse nada a ele. Por um
momento, tive a impressão de que está prolongando a viagem para fugir, e
não para tratar de negócios. Não há muito que ele possa fazer sem sua
ajuda.
— Eu diria tolo, mas David já me alertou sobre como defende seu marido.
Como sou um homem sábio, concordarei com sua opinião.
— Nunca poderei agradecer tudo que tem feito por mim, eu sempre achei o
senhor....
— Então imagino que o evento de amanhã seja para angariar a simpatia dos
nobres presentes.
— E fundos, é claro. Gostaria de oferecer uma pequena contribuição ao
— Touché.
***
— Confesso que tenho passado muito tempo ouvindo meu pai discursar
sobre sua diplomacia política. Não sei se mereço tamanho privilégio, mas
mesmo assim resolvi me arriscar. Preciso de um conselheiro, alguém que
consiga vislumbrar o futuro econômico com uma visão política coerente.
Não é fácil encontrar alguém com qualidades tão distintas.
— Tem razão, cavalheiros tendem a ser frios e leais aos seus próprios
interesses. Somente uma mulher poderia ter a sabedoria para equilibrar
razão e emoção.
— Ora, Edward, olhe ao seu redor. Tenho certeza de que as damas presentes
não encontram nenhuma razão em um bordado, muito menos emoção em
organizar um jantar. — Balançou a mão no alto.
Trabalhar tão próxima de Edward não lhe parecia uma boa ideia.
— Não acredito que meu avô o prejudicaria. Ele parece ter certa simpatia
pelo senhor. Inclusive me incumbiu de oferecer um pequeno incentivo ao
partido.
— Ah! Não conte com isso, informei ao meu avô que o mesmo valor
destinado aos whigs seria destinado aos tories. E sei que isso prejudicaria
suas intenções, portanto seria mais prudente encontrar um destino melhor
para esse recurso.
— Jamais a usaria, é preciosa demais para ser usada de maneira tão vil.
— Sei que meu futuro será longe do Reino Unido, mas, no tempo que me
resta aqui, quero fazer a diferença. A modernidade já bateu à porta e não
podemos ignorar que esse é o futuro da nossa nação.
***
Sarah respirou fundo antes de bater à porta da sala do avô. O secretário que
a recebeu informou que o banqueiro já a aguardava. Entrou apreensiva,
nunca imaginara que um dia seria convidada para discutir negócios com um
dos maiores banqueiros de Londres. Por um instante, esqueceu-se das
privações que sofria por ser uma mulher. Queria surpreendê-lo, mostrar que
poderia superar qualquer cavalheiro na arte da negociação, daria o seu
melhor.
— Obrigada, vovô, mas para discutir negócios prefiro café ou algo mais
forte.
— Um brandy?
Willian cruzou as mãos sobre o rosto com um meio sorriso nos lábios.
— Não é tola! É humana. Vejo que seu interesse pela tecelagem é genuíno.
Se pudesse aconselhá-la, diria para procurar um sócio. Precisará de um
homem à frente dos negócios.
— Pensei em Thomas.
— Não você, minha querida. Você merece ser admirada, exaltada e não se
esconder atrás de um homem perdido. Tenho certeza de que um dia
caminharão juntos, mas, enquanto esse dia não chega, não pode permitir ser
jogada de lado.
O conde gargalhou.
A conversa com o avô era tudo de que precisava para voltar a pensar com
lucidez. Era hora de colocar a autopiedade de lado e batalhar pelo amor de
Thomas. Tomaria as rédeas e não demonstraria fraquezas. Voltou para casa
animada, estava ansiosa para ver o resultado da obra; quando saíra de
manhã Pia e outras criadas colocavam os móveis novos no quarto.
Sarah cumprimentava cada criado pelo nome, perguntava sobre a família e
sempre estava inteirada da vida de cada um. Seguiu para o quarto
acompanhada de Isla.
Isla ajudou Sarah a se despir e a envolveu num robe de seda. Sarah esperou,
ansiosa, as criadas temperarem a água. Dispensou a camareira e despejou
generosa quantidade de água de rosas na banheira. Contemplou o reflexo no
espelho, seus olhos brilhavam e um sorriso bobo estava estampado em sua
face.
— Não me espere, meu amor, tome-me como sua. Faça o que quiser
comigo.
— Na cozinha, você vai ficar encantado com o novo fogão. — Ela se virou
para ele e tocou-lhe a barba por fazer. — Por que viajou sem me dizer
nada?
Ele abaixou o rosto e, quando voltou a fitá-la, tinha os olhos cheios de dor.
— Não, outras terras menores, mas cinco vezes maiores que as que possui.
Se quiser, podemos voltar juntos a Manchester.
— Não, meu amor. Entregarei as terras a você. Ajudarei no que for preciso,
mas assumirei uma tecelagem com David e gostaria que me fornecesse
algodão.
Capítulo XIII
— Isla esteve aqui? Ela sempre deixa o jornal antes que eu acorde.
com os negócios.
Sarah o encarou segurando-se para conter as lágrimas. Não era aquilo o que
queria ouvir. Ele se aproximou e a beijou com paixão. Sarah sentiu-se mal
por ainda não ter conseguido despertar sentimentos no marido. Ela se
afastou e se levantou, enrolada nos lençóis.
— Preciso sair, vou até o banco pedir a lorde Granville que liquide as terras
de Manchester. Depois irei em Anson House, meu pai e Lucy chegaram esta
manhã. Recebi uma carta deles ontem.
— Como senti sua falta, minha querida. Lilleshall não é a mesma sem você.
— Daria tudo que tenho para ver John tomando conta de alguém.
A conversa seguiu animada. Sarah ouviu Ann confessar seu interesse pelo
médico em segredo. O duque de Sutherland estava radiante com a presença
da filha mais nova. Com a promessa de se encontrarem no dia seguinte,
antes que os irmãos partissem, Sarah voltou para casa no fim da tarde.
***
— Tudo bem, podemos ir. David sabe que Marie foi convidada?
— Estou bem, Thomas, já vai passar. Esse jantar é importante para Marie.
— Estou bem. — Balançou a mão no ar. — Acha que está preparado para o
embate? Já pensou na possibilidade de ser deserdado?
Por mais que se ressentisse com o marido, não podia negar que faria tudo
por ele. Vê-lo tão aberto, confidenciando seus tormentos, fez com que ela se
esquecesse de todo ressentimento. Sarah sorriu e acariciou-lhe a face.
***
Ele ignorou a pergunta, mas Sarah sentia suas mãos suando sobre as dela.
— Espero que não seja alguma ideia tola sobre modernização — rosnou o
marquês.
— Como ousa fazer uma piada tão infame como essa? — George tentou
Joana observava o marido a distância; parecia tensa, mas seus olhos não
perdiam nenhum movimento. O marquês levava a mão à glote, parecia sem
ar. Thomas se mantinha impassível, obstinado em terminar aquela conversa,
e David permanecia no canto da sala, observando como um cão de caça,
esperando a hora de agir.
Thomas, percebendo que o pai não estava bem, aproximou-se para ajudá-lo.
George, furioso, encarava o filho e, assim que Thomas se aproximou,
empurrou-o, reunindo todas as forças que lhe restavam.
— Saia daqui.
Quando chegaram em Groove House, ela pediu que Audrey trouxesse algo
para comerem. Thomas permanecia atônito, sentado na cama, enquanto
Sarah retirava-lhe os sapatos.
— Eu sinto tanto, meu amor. Tenho certeza de que ele ficará bem.
***
— Lamento muito, senhor, mas seu pai não resistiu. — Com uma
reverência contida, o valete fez menção de deixar o quarto, mas, antes de
atravessar a porta, informou. — Estarei aqui fora aguardando suas ordens,
milorde.
House.
— Lady Hervey, receio que não tenha nada apropriado para usar.
— Meu Deus, minha querida, você está grávida! — Sra. Pattel disse com
lágrimas nos olhos.
— Por favor, vamos guardar essa notícia para um momento mais apropriado
— pediu ainda atordoada com a novidade.
Sentia a cabeça pesada, e o corpo parecia não obedecer. Temia nunca voltar
a se sentir como antes. Fora responsável pela morte do próprio pai.
Sarah era um anjo, a luz que iluminava sua vida vazia e amaldiçoada. Aos
poucos ocupava lugares tão profundos, que ele tinha a sensação de que ela
já havia lhe tomado a alma. Era o bálsamo para seu sofrimento, dava-lhe
forças para não fraquejar.
Capítulo XIV
O funeral aconteceu na Catedral de St. Paul’s. Na hora do enterro, Joana foi
levada por lorde Granville, que sustentava um tom austero. Thomas não
soltou Sarah, o que, decerto, era inapropriado, fazendo com que algumas
pessoas os observassem em demasia.
— Meu amor — ela o abraçou por trás —, você mesmo disse que se sentia
leve por contar a ele, acredito que foi sua última oportunidade. Seu pai não
estava se sentindo bem. David ficou de vir aqui amanhã e contar sobre a
causa da morte do marquês.
Vamos para o quarto, quero encontrar consolo em seu corpo, preciso ouvir
seus gemidos enquanto se entrega a mim.
Quando Sarah estava nua, deu um passo atrás para poder contemplá-la.
— Quando me olha dessa maneira, sinto-me tonta. Nunca sei como agir, e o
que mais quero é agradá-lo.
Naquela tarde Thomas cumpriu sua promessa, amou Sarah como nunca
havia feito antes. Não era só desejo e ela sentiu. Viu amor em seus olhos, no
toque, nos pequenos gestos. Ela o tinha, pertenciam um ao outro.
Estar nos braços de Sarah era a cura para seu sofrimento, ela era a
esperança de uma nova vida. Como fora tolo fugindo . Passara tanto tempo
acreditando que sentimentos eram uma maldição, tentando escapar das
armadilhas do coração, que não se dera conta do bem que lhe fazia. Se o
amor fosse uma droga que o viciasse e lhe arrancasse a alma, já não
importava, contanto que estivesse nos braços de Sarah. Apesar da culpa
pela morte do pai, a qual carregaria para o resto da vida, bastava um toque
dela para que tudo se dissipasse.
Não tinha a intenção de sair do quarto naquele dia. Pediu o jantar para
Audrey, fez a refeição na cama com a esposa, sua mulher, a mulher que lhe
daria uma família e a promessa de felicidade eterna. Ele a amava.
***
— Ele está descansando, vovô. Está instável, às vezes chora como uma
criança. Sente-se culpado pela morte do pai.
— Sempre achei que não cabia a mim lhe contar, afastei-me de você por me
sentir um covarde ao privá-la da verdade. Não posso lhe dizer tudo, mas há
algo horrível que precisa saber.
Eu tinha duas filhas solteiras, uma com dezoito e a outra com vinte.
Quando seu pai demonstrou algum interesse por Julliet, Joana colocou na
cabeça que seria a duquesa de Sutherland. Sempre foi assim, sempre
invejou tudo o que a irmã tinha. Ela seduziu Augustus. Sei que seu pai não
é santo, mas não tenho como negar que é um homem honrado e que jamais
tiraria a virtude de uma dama solteira. Soube que ela o embebedou naquela
noite. —
— Eu estava conversando com meu pai quando Thomas chegou para falar
com ele. Logo depois o senhor entrou...
— Fui correndo tentando impedir, embora saiba que seu pai não permitiria.
Thomas informou a Augustus sobre seus sentimentos e da intenção de se
casar com Ann. Não me restou nada a não ser contar-lhe a verdade. Por isso
seu marido age dessa maneira, ele tem aversão ao amor porque, na única
vez que se permitiu a amar, descobriu que estava apaixonado pela própria
irmã. — Sarah engoliu em seco e levou as mãos ao rosto. — Mesmo de
longe, sempre a admirei, Sarah. Ouvia dizerem que você
— George nunca foi um bom marido, talvez o castigo merecido para Joana
por toda crueldade que fez. Sua tia não se conformou com o casamento da
irmã, muito menos com o próprio casamento. Envenenou minha pequena
Julliet por anos, mantendo-a na cama. — Willian chorava, atropelando as
palavras. — Certo dia a obrigou a tomar uma alta dose de láudano. Foi
Joana quem matou minha pequena Julliet e agora ela matou o próprio
marido.
Sarah pensava que nada pudesse ser mais avassalador do que saber que o
marido se apaixonara por Ann, mas, ao ouvir que Joana fora a responsável
pela morte de Julliet, algo dentro dela se rompeu. Não pudera conhecer a
mãe, e a culpada era sua própria tia.
— Ela precisa pagar pelos crimes que cometeu — falou com a voz trêmula.
— Isso é horrível, assustador. — Por mais que seus olhos ardessem não
conseguia chorar.
— Meu pai...
— Estive com ele ontem, informei que lhe contaria. Não suportaria
esconder isso de você.
***
Não conseguiria ficar em casa, deixou o avô no jardim e seguiu para Anson
House. Não queria discutir aquele assunto com o pai, não naquele
momento, mas precisava sair dali, precisava ficar longe de Thomas e de
toda a imundice daquela história.
Sentia-se sozinha mais uma vez, não podia contar com ninguém.
— Sarah, o que houve? — Ele estendeu a mão para ajudá-la a descer, mas
ela permaneceu parada.
— Não queria ficar em casa, mas não devia ter vindo até aqui... Não sabia
para onde ir. Sinto-me tão perdida, tão sozinha...
— Sinto que todos os meus sonhos foram arrancados de mim. Tudo perdeu
o sentido, é como se eu nunca tivesse existido.
— Sarah. — Tirou uma mecha que caía em seu rosto. — Não diga isso.
— Sempre acreditei no amor e agora vejo que não passa de uma grande
tolice. — Enxugou os olhos e tentou se recompor.
— Não diminua seus sentimentos, minha querida. Mesmo sem saber o que
está acontecendo posso lhe garantir que o amor não é uma tolice. É um
sentimento puro, altruísta, que nos faz verdadeiramente nobres.
bolso e lhe ofereceu. — Disse-me que se sente perdida, que se sente vazia.
Se pudesse recomeçar, fazer o que quisesse agora, o que faria?
***
— Ela o matou assim como fez com a tia Julliet. Não foi sua culpa. —
Livre, era exatamente como se sentia. Não fora culpado pela morte do
próprio pai e não teria que conviver com a mãe. Era um pensamento cruel,
mas verdadeiro. Joana nunca amara os filhos, na verdade nunca amara
ninguém. Era uma mulher fria, calculista, que agia de acordo com os
próprios
interesses.
Desde que soubera que Ann era sua irmã, Thomas mal falara com a mãe.
Suportava sua presença assim como tolerava o pai. Virou-se para o irmão;
David estava abatido, mas de alguma forma lia-se alívio em seus olhos.
— Você nunca quis ser um político do povo, Thomas. Essa foi a maneira
que encontrou de se vingar das crueldades que viveu. — Caminhou até a
janela. — Joana estava machucada, achei que ele já não a espancava, mas
suas costas estavam em carne viva.
— Era uma relação doentia. Aquela casa era doentia, quantas vezes
apanhamos até...
Sorriu ao perceber quão leve se sentia. — Tentei fugir, tentei me punir, mas
não posso mais negar. Ela é um pedaço de mim.
Capítulo XV
— Não me chame assim, não sou Ann — cuspiu as palavras e deu um passo
atrás. — Achou que poderia me usar? Achou que meu amor resistiria ao
saber que se deitava comigo pensando na minha irmã? Na nossa irmã. Não
tinha o direito de me usar daquela maneira, sussurrar palavras doces,
seduzir-me, brincar com meus sentimentos enquanto pensava na própria
irmã.
— Não diga isso. — Estava consternado, como ela podia pensar aquilo ?
— O que quer que eu diga? Que me iludi sentindo-me amada? Que não
chorei a cada vez que se afastou só porque eu não era tímida ou doce como
Ann? Poupe-me do seu discurso, Thomas. Não teve culpa de se apaixonar
por Ann sem saber que ela era sua irmã, mas foi cruel quando usou meu
corpo para satisfazer os desejos que sentia por ela.
— Sarah...
— Não sou como sua mãe, não mataria minha irmã por um homem.
Você não merece nada de mim, Thomas. Passarei o resto da vida tentando
arrancar de mim o amor que sinto por você. Nunca mais me terá como
amante.
— E os negócios? E nós?
— Não existe nós, nunca existiu. Quanto aos negócios, fique tranquilo, não
deixaria em suas mãos.
Quando soube que ele e Ann eram irmãos, sentiu-se sujo, teve asco de si
mesmo, mas nunca alimentara a paixão que sentia, aquele sentimento se
transformara em algo fraternal, protetor. A maneira que encontrou de se
punir foi não se permitindo amar novamente.
Mas Sarah havia conquistado seu coração, não eram suas formas, muito
menos seu talento para os negócios. Era seu sorriso doce, seu cheiro, o
balançar da mão no alto, a boca entreaberta quando dormia, o nariz
empinado enquanto discutia, era como podia ser ousada e tímida ao mesmo
tempo, era tudo. Amava tudo nela, defeitos e qualidades.
***
— Os filhos?
— Quis dizer que nunca fez nenhuma distinção entre vocês — tentou
consertar as palavras.
— Ah, Pia, como é cruel toda essa história. Estive na casa do meu pai, mas
não entrei, não me sinto preparada para essa conversa. Quando Ann
descobrir...
— Seu pai sempre quis preservá-la, minha querida. Lucy estava apreensiva
em seu debute, queria que o duque lhe dissesse toda a verdade, mas Ann
estava tão bem.
— Mas eu posso, vi meu marido se afastando cada vez que eu falava sobre
amor, ele se escondeu de mim, ele me usou... — Suspirou e se levantou. —
Vou ficar neste quarto, maldita a hora que arranquei aquela porta. —
Levantou-se exasperada. — Peça para trazer meu jantar, não vou descer.
***
— Edward Baldwin? Não pode ajudá-lo, sou seu marido e preciso de você.
— Pelo que sei, estará ocupado na Câmara dos Lordes e, pelo que me
lembro, deixou bem claro que não permitiria minha interferência em sua
vida política.
— Sarah...
— Sarah acha que ainda amo Ann. Disse que me deito com ela enquanto
penso em minha irmã.
— E isso é verdade?
— Por Deus! Não! Preciso encontrar uma maneira de dizer a ela o quanto a
amo, mas ela não quer me ouvir e, mesmo que eu dissesse, Sarah não
acreditaria.
— Receio que não esteja observando sua mulher como deveria. Gostaria de
alertá-lo de que as mulheres gostam de ser observadas, mimadas e Edward
Baldwin tem dedicado seu tempo em observar sua mulher.
Thomas engoliu em seco, sabia que a esposa era uma mulher atraente,
inteligente, desejável. Edward Baldwin lhe oferecera o cargo que ela
sempre desejara e, discretamente, cortejava-a. Não o impediria, nada
poderia fazer se Sarah o quisesse. Mas não desistiria dela. Usaria cada dia
de sua vida para provar o amor que sentia.
***
Não se permitiu sofrer por Thomas, ele não merecia sua atenção, mal vira o
marido naqueles dias. Apesar do luto, estava pronta para acompanhar o pai
no jantar no Palácio de Buckingham, não poderia perder aquela
oportunidade. Conferiu o relógio, estava adiantada, mas a ansiedade era
tamanha que queria estar pronta e partir logo. Seria a primeira vez que veria
a rainha Vitória de perto. Para Sarah, ela era um exemplo a seguir,
admirava-a.
— Meu pai foi convidado para um jantar com Sua Majestade e me pediu
para acompanhá-lo.
Thomas a avaliou. Ela iria se encontrar com a rainha sem sua companhia.
Parecia se divertir com isso. Não a deixaria pensar que a recriminava,
precisava incentivá-la, ampará-la. Tamborilando os dedos na porta,
lembrou-se de algo importante.
Sarah ficou parada, olhando-o sem entender. Era uma reação estranha,
entretanto ela se surpreendeu ainda mais quando ele voltou com um saco de
veludo nas mãos.
— Por favor, não me chame assim — pediu e foi para o espelho para
colocar os brincos.
Uma onda de calor a invadiu, estar tão perto de Thomas era uma tentação,
temia não conseguir resistir ao galanteio. Suas pernas falharam e
inconscientemente, ela virou-se, encontrando os olhos do marido em
chamas.
***
— Não.
— Mas não me disse a verdade, como eu poderia tomar uma decisão sem
saber dos fatos.
— Gosta dele?
— Um escândalo?
Estar na residência oficial de Sua Majestade era uma emoção que jamais
esqueceria. Toda a formalidade e a exuberância a deixava anestesiada.
A única coisa que Sarah lamentava era não poder saborear a refeição como
gostaria.
— Vossa Alteza, essa é a dama de que lhe falei. Lady Hervey, a marquesa
de Bristol, é filha do duque de Sutherland.
A rainha o fitava com carinho. — Soube que tem um dom inato para
investimentos.
— Se foi lorde Baldwin quem lhe disse, peço que reconsidere. Sei que uma
dama não pode se envolver em tais assuntos.
Alfred olhou para Edward e sorriu, cúmplice. Sarah não imaginava que
havia tanta proximidade entre eles.
***
Ele assentiu com um sorriso contido. Sarah caminhou até a gaveta e retirou
um pacote.
— O que é isso?
— Meu avô me presenteou com alguns títulos, dívidas antigas. Sua família
não deve mais nada, Edward. As dívidas dos Baldwin pertencem a mim e
não as cobrarei.
— Fuja comigo, sou capaz de largar tudo para passar o resto de minha vida
ao seu lado.
Sarah paralisou, não esperava uma proposta como aquela. Deu um passo
atrás.
— Cuidarei dessa criança como se fosse minha. Podemos ter vários filhos,
seremos felizes...
— Não posso, Edward. Meu coração não lhe pertence e você merece
alguém que o ame de verdade.
— Diga-me, o que posso fazer para retribuir o que fez por minha família?
Seguiu até o corredor, tomado por uma onda de adrenalina. Queria socá-lo,
esmagar a cara de Edward Baldwin, mas não podia negar que estava feliz
com o desfecho da conversa. Respirou fundo, ainda tentando controlar os
impulsos, mas a situação pedia cautela. Sarah se negara a abandoná-lo, ele
seria pai, teria a própria família. Ela ainda o amava. As informações
fervilhavam em sua mente.
Ao ser informado de que Edward estava ali para ver Sarah, sua intenção era
participar da conversa. Mas se deteve, precisava dar a ela o direito de
escolha. Fora prudente, não se arrependia.
Capítulo XVI
Marie sorriu e Sarah se viu cada vez mais espantada com aquela conversa.
— Sem açúcar e sem leite. — Fitou Sarah como se tentasse desvendar sua
alma. — Limão?
Mas o pior estava por vir, quando o duque e Lucy chegassem. Sem
entender, Sarah se levantou.
Sarah olhou feio para o marido e se retirou. Estava no limite. Como ele
ousava agir daquela maneira? Encenara deliberadamente na frente da
família, fazendo-a de boba. Bateu a porta do quarto de hóspedes que estava
ocupando, fazendo as paredes vibrarem. Arremessou as almofadas no chão.
Thomas pediu licença aos convidados, pegou a caixa nas mãos de Earnest e
seguiu a esposa. No quarto, Sarah parecia furiosa, mas não podia recuar.
— Você não tinha o direito de contar para todo mundo sem me comunicar.
***
— Não era. — Deslizou as costas dos dedos pelo rosto dela. — A partir do
momento em que dançar com minha bela esposa, essa se tornará minha
dança preferida. — Ele a levou até o centro do salão.
— Está fazendo isso para mostrar a Edward a quem pertenço. — Fez uma
reverência curta e iniciaram a dança.
— Meu amor, eu não me daria ao trabalho, já que você mesma disse a ele
que seu coração é meu.
— Não pode agir dessa maneira. Todos devem estar falando de nós.
Dançou comigo, negou uma dança a lorde Smith e nem cumprimentamos
Edward.
— Por favor, Thomas, não faça isso, eu reconsidero minha proposta, posso
ser sua amante.
— Sabe, minha querida marquesa, receio que sua proposta esteja aquém das
minhas expectativas — sussurrou enquanto a trazia para mais perto. — A
Srta. Delage ministrou alguma aula sobre carruagens em movimento? —
— Por favor, não brinque comigo, não brinque com meus sentimentos
Aquelas palavras foram o suficiente para que ela se rendesse ao prazer que
lhe consumia. Amaram-se entre declarações e juras de amor. Era impossível
não retribuir tamanho carinho e devoção.
Estava diferente, havia somente uma cama e, onde era seu quarto, havia
uma pequena sala.
— Vamos pensar juntos, meu amor. Daqui por diante faremos tudo juntos,
um ao lado do outro. — Beijou-lhe os cabelos. — Tenho uma proposta a lhe
fazer.
— Ofereceu-se para ser minha amante e sócia nos negócios, mas eu não me
contentaria com tão pouco. — Inclinou-se para fitá-la. — Certa vez lorde
Granville me disse que um dia me daria conta de que o amor estaria em
minha vida e que o dia em que descobrisse isso veria que só tenho você e
que você só tem a mim. Então lhe peço que seja parte de mim e que me
deixe ser parte de você, até que possamos nos tornar um só. — Sarah o
olhava com os olhos marejados. — Meu coração é seu, Sarah, e, se antes
não lhe prometi sentimentos, hoje a única coisa que tenho a lhe dar é o meu
amor, pois nada mais importa.
***
Sarah levou os dedos aos lábios, ainda atordoada com o beijo que Thomas
lhe dera antes de entrar na Câmara dos Lordes. Parada junto à porta de
vidro, acompanhada do avô, observava o marido subir ao púlpito.
— Você não está em seu juízo perfeito... — Alisou-lhe o rosto. — Tudo que
disse... sabe que a maioria queria matá-lo.
— Deus me ajude!
FIM...
Epílogo
— Vou pedir que tragam as amostras para você. Não sairá de casa nesse
estado.
— Thomas! Estou bem, não vou ficar em casa enquanto você sai para
trabalhar.
Mesmo que quisesse, não conseguiria brigar. Derreteu-se quando ele beijou
seus tornozelos inchados.
Ao ouvir o som de passos, os dois viraram para o caminho que dava acesso
a casa. Marie corria com os cabelos soltos e, quando se aproximou, Sarah
viu que a amiga chorava.
Leia a
A Cortesã
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A Cortesã
Prólogo
A imagem refletida no espelho não revelava sua alma. Ela nunca imaginou
vestir-se de maneira tão voluptuosa. Estava acostumada a ver mulheres com
decotes fartos e bochechas coradas pelo excesso de rouge, entretanto nunca
se imaginara daquela maneira. Marie Bourdon nascera e crescera dentro da
casa de tolerância que pertencera à sua avó. Era a segunda herdeira na linha
de sucessão do Palais des Plasirs, o bordel mais famoso de Paris.
Não se lembrava da avó, mas sempre ouvia sobre ela com demasiado
entusiasmo. A famosa madame Bourdon construíra a elegante maison
clodes com a herança deixada pelo marido. Um empreendimento inovador,
que ocupava meia quadra em Montmartre, no coração da boemia parisiense.
A imponente construção de quatro andares funcionava como cabaré, casa de
jogos e bordel. O Céu e o Inferno dos endinheirados europeus.
Todas as damas de companhia residiam no último andar, cada uma tinha seu
quarto para viver e receber os clientes. Marie nunca se deitara por dinheiro,
valorizava sua virtude e, mesmo sabendo que era o destino das mulheres da
família Bourdon, nunca quisera isso para si.
Fora abandonada pela mãe ainda bebê. O pouco que sabia era que Cécile
Bourdon se apaixonara por um nobre inglês e que partira, deixando para
trás a prostituição e a filha. Marie crescera nos corredores do antro que
sempre considerara o purgatório e, ao completar doze anos, foi obrigada a
trabalhar.
Sua tia, a nova madame Bourdon, cujo nome de batismo nem mesmo Marie
conhecia, era uma mulher cruel, que contabilizava todos os gastos da
sobrinha e os cobrava constantemente.
Mesmo com vinte e três anos, uma idade avançada, a virtude de Marie era
cobiçada pelos frequentadores do Palais des Plasirs. Corriam apostas pelos
salões e ela acreditava que madame Bourdon lhe permitia postergar a
estreia esperando alguma oferta exorbitante no leilão da virtude da
sobrinha.
Tinha planos de fugir, mas não conseguia sequer um franco, toda gorjeta
que recebia era tomada. Ainda que se escondesse, a alcoviteira sempre a
encontrava.
Naquela noite fora obrigada a se vestir como uma rameira, o uniforme novo
que deveria usar. Contemplava o vestido escarlate com ironia, ela mesma o
havia feito. Ajeitou as extravagantes plumas que ornavam seus cabelos,
posicionou alguns cachos na lateral do colo para tentar disfarçar o decote e
respirou fundo. Seria uma noite longa e odiosa.
Se soubesse que sua vida mudaria depois daquela noite, David não estaria
tão maravilhado com tudo que via. O filho mais novo do marquês de Bristol
aceitara o convite de lorde Philip Smith, o visconde de Derby, para uma
breve temporada em Paris e, com o primo John a tira colo, estava a caminho
de um dos maiores bordéis da França.
Seria uma tolice competir por aquela dama, notoriamente ele não era o
único a desejá-la. Correndo os olhos pelo salão, viu os espectadores, que
pareciam despi-la com os olhos.
— Pardon, monsieur, não poderia. Caso deseje, posso chamar Victória para
lhe fazer companhia.
— Monsieur...
— Somente uma conversa. — Levantou-se e puxou a cadeira para que ela
se sentasse. — Prometo não tomar muito de seu tempo.
— Ainda. Mas algo me diz que essa vida não é para uma mademoiselle tão
preciosa.
Marie desviou o olhar, era estranho como aquele homem podia enxergar sua
alma.
— Diferente?
— Essa vida não é para você. Está escrito em seus olhos. — Tomou um
gole do vinho que apareceu na mesa, nem percebera que a bebida havia sido
servida. — Sortudo será o cavalheiro que a tirar daqui. — Tocou a mão dela
suavemente. — Imagino que já tenha ouvido várias propostas.
— Ninguém nunca me ofereceu algo parecido — sua voz soou esperançosa
demais.
Bourdon.
— Case-se comigo. Diga que me aceita como seu marido e lhe darei o
mundo.
O ar lhe faltou, Marie não esperava por aquilo. Piscou algumas vezes
tentando recobrar a consciência do torpor que a invadia. Casar? Marie
Smith, a viscondessa de Derby.
— Desculpe-me, jamais poderia propor algo assim num lugar como este.
alma. Sou grata a tudo que passei, ao que fui e ao que sou agora. Sou grata
pela oportunidade de escrever mais um livro, em uma casa editorial como a
The Books.
Sou grata pela família que tenho, mesmo pequena ela é enorme em amor.
Jamais poderia esquecer daquelas que topam qualquer história louca que
invento, que me ajudam, dão pitacos e contribuem para o meu crescimento:
Deh, Stellinha, Pati, Jones, Line, Bah, Gil, Val, Rose, Michaelly... e tantas
outras.
Acima de tudo, gratidão por quem se aventura nas páginas que escrevo,
pelos que se deixam tocar pelas minhas histórias. São vocês que me fazem
continuar e tentar ser melhor a cada dia.
Obrigada! Essa única palavra nunca seria suficiente para expressar meu
amor e gratidão, por vocês e pela vida.
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Outros Livros da Autora
Table of Contents
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Epílogo