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ESTUDO BÍBLICO – REUNIÃO DE ENSINO – TERÇA-FEIRA

PROFETA EZEQUIEL: ATUAÇÃO E TEOLOGIA

PROFETA EZEQUIEL: ATUAÇÃO E TEOLOGIA

INTRODUÇÃO

1. O profeta Ezequiel

"Ao fazer de Victor Hugo o maior contista da humanidade, William Shakespeare não se
esquece de Ezequiel: destina-lhe um pequeno poema que, se não completamente
discreto, é, pelo menos, cheio de louvor. Na pena de Victor Hugo, são realmente incisivos
os elogios ao adivinho montês, gênio da caverna – assim o chama –, que ruge para
anunciar o progresso e que 'declara a paz como outros declaram a guerra'. Não apenas
Victor Hugo: Schiller desejara aprender o hebraico só para ler Ezequiel" (Tirado do
prólogo do livro de P. AUVRAY. Ezequiel, Cartagena, 1960. p. 9). Não há por que ocultá-lo:
Ezequiel foi o que hoje chamamos "um tipo original". Sua mímica, seus gestos, suas
estranhas posturas, suas atribuladas atitudes, seus longos períodos de mutismo e
imobilidade, inclusive seus êxtases e suas experiências sobrenaturais, surpreendem e
desconcertam o leitor.

Ao longo da História, Ezequiel sempre foi considerado profeta enigmático e misterioso.


Tanto sua personalidade como suas diferentes ações simbólicas fizeram dele um
personagem profundamente atual, não só para exegetas e teólogos, mas também para
estudiosos da psiquiatria e da psicanálise: personalidade doentia e esquizofrênica para
estes (cf. Ez 3.15; 4.4-6; 24.27; 33,22) e uma das maiores figuras espirituais de todos os
tempos, para aqueles. Todos, no entanto, destacam o caráter insólito de sua vida e de sua
missão, mais que seus aspectos anormais.

Embora tenhamos poucos dados biográficos sobre o profeta, conhece-se, pelo menos, o
tempo e o lugar de sua ação, na leitura de seu livro. Era filho do sacerdote Buzi, portanto,
de família sacerdotal. É bem provável, pelo que se lê em seu livro, que exercesse o
ministério sacerdotal em Jerusalém, antes da tomada da cidade pelos Babilônios. Não
sabemos a data de seu nascimento nem de sua mor- te, mas supõe-se que, a partir dos
acontecimentos relatados em seu livro, tenha nascido na segunda metade do século VII
a.C. No entanto, só aparece em cena desde o momento em que recebe a vocação
profética. Como sacerdote e profeta, poeta e teólogo, organizador religioso e pregador,
viveu e interpretou a época mais trágica e mais dura da história de Israel: o exílio.

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Foi deportado para a Babilônia juntamente com outros muitos judeus, em 597 a.C. e ali
residiu, na comunidade de Tel-Abid, às margens do rio Quebar, provavelmente um canal
que vai da Babilônia a Uruk (cf. Ez 1,3: 3,15). Exerceu o ministério profético por, mais ou
menos, vinte anos, de 593 a 571 a.C., e sua mensagem é dirigida especialmente aos
exilados, embora também o preocupem a situação e o destino de sua pátria e de
Jerusalém, que visitou várias vezes, mediante visões em êxtase (cf. Ez 8-11; 40ss).

2. Contexto histórico

Graças a um texto procedente da corte da Babilônia, chamado "A Crônica Babilônica", e a


numerosos dados encontrados no segundo livro dos Reis, no livro de Jeremias e no do
próprio Ezequiel, podemos reconstruir os grandes acontecimentos da história da época
em que viveu Ezequiel.

De início, devemos remontar a 722 a.C., ano em que a Samaria, capital do reinado de
Israel, é sitiada pelo exército assírio. Com sua queda, desaparece o reino do Norte. Na
Assíria, reina Sargon II (722-705 a.C.) e em Judá (também chamada reino do Sul), Ezequias
(727-698 a.C.). A Assíria transforma-se numa potência que dominará todo o Oriente
próximo, enquanto a Babilônia, com Merodac Baladan, procura ficar independente da
Assíria. No entanto, Judá submeter-se-á ao império assírio, durante vinte anos, em que
vive relativamente tranquila, pagando, sem que nenhuma classe reclamasse, tributo à
Assíria, apesar de ter tenta- do emancipar-se, por diversas vezes, mas sem resultado.

Quando Ezequias atinge a maioridade e sobe ao trono em 714 a.C., a situação se complica.
Levado pelo desejo de reforma religiosa e de independência política, o novo rei tentará
provar que não concorda com a Assíria e envolve-se em diversas revoltas. A Babilônia e o
Egito também se uniram na rebelião contra a Assíria. Porém, de fato, somente a pequena
cidade de Asdod se rebela, esperando contar com o apoio dos egípcios que nunca
entraram na batalha. A reação de Sargon II foi contundente. Realizou rápida campanha
contra Asdod, Gaza e Asdudimmu, com o filho Senaquerib, como general do exército.
Judá se entrega, e Ezequias apressa-se em pagar tributo para evitar o castigo (cf. 2Rs
18,13).

Seguiram-se alguns anos de paz até a morte de Sargon II, em 705 a.C. Os judeus uniram-se
novamente aos egípcios, a fim de se rebelarem contra a Assíria. Entretanto, o auxílio dos
egípcios para nada lhes serviu, pois Senaquerib, sucessor de Sargon II (704-681 a.C.),
invadiu novamente Judá e atacou Jerusalém. Porém, antes que a cidade fosse tomada,

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Senaquerib e seu exército, dizimado pela epidemia, tiveram de retirar-se (cf. 2Rs 18-19).
Corre o ano 701 a.C. A partir dessa época, a Assíria começa a perder prestigio e domínio.

Segundo 2Rs 19,37, Is 37,28 e os anais assírios, Senaquerib foi assassinado por dois de seus
filhos, em Nínive, tendo-lhe sucedido o filho mais novo, Assaradon (680- 669 a.C.) que, em
671, apodera-se do Egito. Em Judá, reina o ímpio Manassés (698- 643 a.C.) que continua
submisso à Assíria, com Assaradon, primeiro e, em seguida, com Assurbanipal III, também
rei assírio (669-630 aC.). A Manassés sucedeu-lhe no trono o filho Amon (643-640 a.C.)
que seguiu, em tudo, os passos do pai (cf. 2Rs 21,19-26; 2Cr 33,21-25).

Somente com Josias mudará a situação religiosa e política do país. Determinadas tensões
internas e externas foram produzindo, no império assírio, grande deterioração e enorme
vazio político. Foi então que, com decisão e habilidade políticas, Josias estendeu a
influência de seu poder aos territórios do antigo reino do Norte. Um dos sucessos mais
importantes de seu reinado (640-609 a.C.) foi a reforma religiosa levada a cabo, mais ou
menos, em 622, conforme a ideologia e as normas práticas encontradas no livro do
Deuteronômio. As indicações referentes às medidas do templo, assim como a ideia de ser
o lugar da presença de Deus na terra, serão retomadas por Ezequiel em seus oráculos e
visões sobre a restauração definitiva (cf. Ez 40-48) e sobre a glória de Deus que deixa o
Templo (Ez 11.23), para voltar logo, definitivamente (Ex 47,5-7a).

A queda de Nínive, em 622 a.C., significa a derrota definitiva do império assírio. Agora é a
Babilônia, sua vizinha, que vai adquirindo protagonismo e domínio sobre o noroeste de
Judá. Por outro lado, o Egito vai consolidando gradualmente sua força: sob o governo do
faraó Necao II (610-595 a.C.) faz-se presente em toda a Ásia ocidental e entra em
confronto com a Babilônia, graças a seu poder e influência sobre alguns pequenos
estados da Síria e da Palestina. O Egito não vê, com bons olhos, os progressos dos
babilônicos que desejam assolar a Assíria e, paradoxalmente, o Egito tenta salvar o que
resta do império assírio. É esta a luta que dificulta a tranquilidade do rei Josias e a que
acaba definitivamente com a paz de Judá. Com efeito, em 609 a.C., em Megido, território
do antigo Israel. Josias procura deter os egípcios que sobem até a Mesopotâmia, a fim de
ajudar o último rei assírio, mas é derrotado pelo exército de Necao II, e morre na batalha
(cf. 2Rs 24.28-30).

O rei que o sucede, Joacaz de Judá (609 a.C.), reina por pouco tempo. Deposto aos três
meses por Necao, é levado prisioneiro para o Egito e ali morre na prisão. Seu sucessor, o
irmão mais velho, Joaquim, é colocado no trono de Judá por ordem irrevogável de Necao.

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Seu reinado dura mais ou menos dez anos (609-598 a.C.) Ezequiel não fala dele, mas sim
Jeremias, um de seus mais temíveis adversários. Judá continua sob o poder egípcio até o
surgimento de Nabucodonosor (605-562 a.C.), rei da Babilônia, e derrota Necao em
Carquêmis, em 605 a.C. A partir desse momento, os babilônios transformam-se nos novos
senhores e dominadores de todo o Oriente Médio.

Em Judá, após os tempos gloriosos de Josias e o entusiasmo pela lei deuteronomística,


relaxam-se os costumes, e o povo começa a perder a fé. Politicamente, como
consequência da vitória de Nabucodonosor em Carquêmis, o reino de Judá passa a
depender da Babilônia e, durante algum tempo, o rei Joaquim paga o tributo
correspondente a Nabucodonosor. Porém, após três anos de fidelidade à Babilônia, nega-
se a continuar pagando, o que gera, como consequência, a fulminante invasão militar de
Judá por parte do exército de Nabucodonosor. Parece que durante a campanha militar,
provavelmente assassinado por seus adversários políticos, morre o rei Joaquim em 598
a.C. Sucede-o o filho Jeconias que reina apenas alguns meses, pois o exército babilônico
sitia a cidade de Jerusalém e a conquista. Corre o ano 597 a.C., é o momento da primeira
deportação para a Babilônia: um grupo importante de judeus, sobretudo jerosolimitamos,
entre eles o rei, os notáveis da cidade, os trabalhadores especializados e também o
próprio Ezequiel são levados ao exílio. Nabucodonosor deseja demonstrar, claramente,
sua autoridade e coloca no trono Matatias (terceiro filho de Josias e tio, portanto, do
deportado Jeconias). Em sinal de domínio, Nabucodonosor trocou-lhe o nome e pôs o de
Sedecias. Seu reinado durou dez anos (597-587 a.C.).

Os primeiros anos de resistência de Sedecias, desde 597 a 594/3 a.C., transcorreram em


paz e plena obediência ao poder babilônico. Porém, em 588 a.C., o rei nega-se a pagar o
tributo a Nabucodonosor. Este declara-lhe guerra de imediato e ataca Jerusalém, aos 5 de
janeiro de 587 a.C. Após ano e meio de resistência, a capital rende-se aos 19 de julho de
586 a.C. Sedecias e os chefes militares fogem, mas são capturados perto de Jericó e
conduzidos perante Nabucodonosor, que ordena a execução dos filhos de Sedecias,
deixando-o cego e exilado na Babilônia (2Rs 25.1-7). Um mês após, acontece o incêndio do
templo, do palácio real e das casas; as muralhas são destruídas e produz-se a segunda e
mais famosa deportação. Isso tudo em 586 a.C. Para a região devastada, nomeia-se um
governador chamado Godolias.

O profeta Ezequiel e seus auditores permaneceram contemplando de longe as dolorosas


vicissitudes de sua pátria. Os exilados para a Babilônia, nesse segundo momento, traziam
então notícias novas da pátria, vazia e desolada, e de sua organização sob o governo de

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Godolias. Estavam mais interessados, sem dúvida, na situação de sua terra longínqua, que
nas coisas que aconteciam na terra do exílio e em sua vida cotidiana. Do exílio, Ezequiel
dirige sua mensagem aos homens do seu povo que ficaram em Jerusalém e em toda a
terra santa: ao mesmo tempo, exerce o ministério entre os exilados, com os quais convive
(Ez 1,2.3; 11,24.25).

Ezequiel pertencia, como sabemos, à classe sacerdotal. Muitos de seus interesses e


preocupações, e das características de sua personalidade e de sua mensagem dependem
desse fato. Explica-se, assim, por exemplo, servir-se frequentemente da casuística para
seus preceitos e ensina- mentos morais e religiosos, para que sua maior preocupação
sejam o culto e o templo. A influência de Ezequiel sobre os exilados e sobre os que
voltaram logo do exílio foi decisiva e determinante: aos primeiros incutiu ânimo e
esperança; aos segundos, assegurou a fundação, não de um novo estado político, mas de
uma nova comunidade, cujo fundamento estaria no templo da nova Jerusalém.

3. Atuação literária do profeta

Embora a redação atual possa não ser do profeta, o essencial do livro é considerado, hoje,
de Ezequiel. Tudo porque, essencialmente, sua atuação profética é oral, estruturada
sobretudo para a recitação e aprendida de cor e na repetição oral, transmitida pelo
profeta e seus discípulos: portanto, cheia de acréscimos, frequentemente, pouco felizes.

É quase certo que Ezequiel deixou escrita grande parte de sua pregação: as experiências
de êxtase, suas ações simbólicas, os oráculos: porém, por primeiro, foi a trans- missão oral
de ensinamentos e mensagens que, de imediato, os discípulos ou redatores posteriores
agruparam e estruturaram por meio do critério, para isso, do mesmo cará ter do escrito
(ações simbólicas, experiências de êxtases, visões) das palavras ou temas de enlace
(espada, ídolo, abominações...) e do conteúdo dos oráculos.

Em relação às particularidades literárias de Ezequiel, cabe destacar os seguintes


elementos:

1 – A fórmula com que se destaca a presença da palavra de Deus: recebi a palavra do


Senhor, formula que manifesta particular concepção da revelação divina e de sua
concretização histórica.
Sempre em relação com a fase da recepção da mensagem, narra-se frequentemente a
ordem de profetizar: diz, fala, conta uma lamentação, entoa uma elegia.

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Quanto à fase de transmissão da mensagem, é muito frequente a fórmula de anúncio: isto


diz o Senhor, muito antiga e já utilizada pelos embaixadores dos reis do Oriente, ao relatar
mensagens dos soberanos. Semelhante formula confere autoridade à mensagem e nela
está implícita a referência a uma experiência interior prévia, da qual provém a mensagem
profética. Muitas vezes, a mensagem divina aparece reforçada posteriormente pela
expressão oráculo do Senhor, normalmente no final de cada unidade literária. Outra
fórmula para expressar esse reforço é o juramento: por minha vida.
A conclusão dos oráculos é feita com toda a solenidade, por outra expressão bastante
corrente na linguagem profética: Eu, o Senhor, disse, ou falei. Porém, a conclusão mais
frequente é: reconhecerão que eu sou o Senhor, a chamada fórmula de
"reconhecimento".

2 – Variada gama de gêneros literários, entre os quais sobressaem os oráculos de


acusação e de condenação (Ez 5,5-11.13; 13; 21-22; 31,1-18), os discursos jurídicos (Ex 3,17-21;
14,1-11; 18; 33,10-20; 22,1-16), as disputas e controvérsias com características tomadas da
práxis processual (Ez 11,3; 12,27; 20,32; 25,3; 26.2; 28,2; 29,39; 33,10; 36,2.13; 37),
lamentações ou elegias (Ez 19; 26,17-18; 27; 28,11-19; 32,2-16), alguns trechos poéticos sobre
determinado tema (Ez 7; 30; 34; 35-36), passagens homiliéticas conforme as diferentes
categorias da população (Ex 13; 22,23-31), textos legislativos (Ez 43,18-27; 44,17-51; 45,18-
46,12), descrições geográficas (Ez 45,1-8; 47,15-20; 48) e o chamado sermão penitencial (Ez
20). Todos esses gêneros literários parecem ser características da instrução ou torá
compartilhadas pelos sacerdotes e levitas com os fiéis.

3 – O material narrativo de Ezequiel é constituído, sobretudo, de ações simbólicas e


visões.
Quanto às ações simbólicas, notemos, que não se podem separar dos gestos simbólicos,
como o virar do rosto para certos lugares ou pessoas, bater palmas... e certas
pantomimas.
As visões, por sua vez, encontram-se nos momentos decisivos da atuação do profeta. As
principais são as quatro narradas em Ez 1,1-3; 15; 8-11; 37,1-14; 40-48 e servem para marcar
as diferentes fases de sua pregação.
O estilo literário do profeta caracteriza-se, acima de tudo, pela frequência das imagens
utilizadas (cf. Ez 15; 16; 17; 19; 22,17-22; 23; 29,1-6.17-20). São imagens mais elaboradas que
as dos profetas anteriores e que as de seu contemporâneo Jeremias, do qual depende,
em alguns temas.
A riqueza de sua cultura e o contato com outras, especialmente com a da Babilônia, é
notável. É o primeiro profeta que se serve de tradições extrabíblicas, muitas delas de

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caráter mitológico, em razão de sua situação de exilado na Babilônia, onde descobre


novos elementos culturais que lhe servem para elaborar o pensamento. Não só colhe
material fenício-cananeu (Ez 17; 23; 26; 29), mas também motivos, imagens e práticas
cultuais mesopotâmicas (Ez 1-3; 9,1ss; 14,21; 16,23-24; 17,3-4; 31; 32), particularmente
quando fala de idolatria. Da história e da literatura de Israel toma, especialmente, motivos
lendários (Ez 14.12ss; 21.13ss), a bênção de Jacó (Gn 49, cf. Ez 15; 17,1-10) e se refere,
frequentemente, a Amós, Oséias, Isaías e a Miquéias. Tem pontos de contato com o
contemporâneo Jeremias e oferece certa dependência do Código de Santidade (Lv 17-26)
e da teologia deuteronomística.
Porém, apesar da extraordinária riqueza das imagens, da amplidão da realidade evocada e
da profundidade e novidade de sua mensagem. Ezequiel é um profeta difícil de ler, porque
seu estilo é geralmente, monótono, inexpressivo, frio e pobre em relação à pureza
vigorosa de Isaías e ao caráter comovedor de Jeremias.

4 – A estrutura do livro de Ezequiel é bastante clara, com grandes arroubos, corresponde


às diferentes etapas de sua atuação: mensagem de severo convite à conversão, até a
queda de Jerusalém (Ez 1-24), com a interessante introdução vocacional (Ez 1,1-3; 15);
oráculos contra as nações cúmplices na infidelidade do povo (Ez 25-32); após a queda de
Jerusalém, mensagem de consolo dirigida ao povo, ao qual promete futuro melhor (Ez 33-
39); e, por fim, evocação da comunidade renovada, mediante a visão sobre o templo e a
terra (Ez 40-48).
Todo o material, assim estruturado, possibilita o esquema ideal de ameaça–promessa,
tragédia–restauração, morte–ressurreição de um povo.

4. A ação profética de Ezequiel

Um breve apanhado sobre os principais acontecimentos históricos vividos pelo profeta


Ezequiel permite-nos uma aproximação cronológica para distinguir em sua ação profética
ou de pregador, duas etapas significativas: uma antes da queda de Jerusalém (597-586
a.C.) e a outra após a queda de Jerusalém e da segunda deportação (586 a.C.); duas
etapas que contém dois tipos diferentes de mensagem. O primeiro, correspondente à
primeira etapa, é de condenação e de convite à conversão; o segundo, em relação à
segunda etapa, é de consolo e restauração.

a) Antes da queda de Jerusalém (597- 586 a.C.)

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No primeiro momento de sua mensagem, o profeta preocupa-se, de modo especial, com a


conversão do povo. Para isso, utiliza-se da linguagem da ameaça. Descreve, de modo
enigmático, a destruição da cidade e do templo, os sofrimentos advindos, os pecados
causadores do desastre e a certeza do cumprimento da palavra de Deus, da qual o profeta
é arauto e depositário. A identificação entre palavra do profeta e vontade de Deus é o
ponto de partida de sua ação profética.

Quatro são as ações simbólicas que se destacam na primeira parte:

A atitude de comer o livro, como gesto inicial de sua vocação (Ez 2,9-3.3). Trata-se do livro
que contém a palavra de Deus, que o profeta há de assimilar para poder transmiti-la
integralmente. É uma atuação mais real e profunda que a de Isaías, a quem um serafim
tocara os lábios com uma brasa ardente (Is 6,5-7) e que a de Jeremias, em cuja boca o
próprio Senhor pusera suas palavras (Jr 1,9).

Atuações com relação ao ataque a Jerusalém. Trata-se de várias atuações de que se serve
Ezequiel, a fim de levar à conversão: destacam o desenho de um ataque num ladrilho,
como exemplo do iminente ataque da cidade de Jerusalém, e os três diferentes modos de
cortar os cabelos da cabeça e da barba, deixando apenas alguns fios (o resto) (Ez 4.1-5.4).

A panela enferrujada. O povo orgulhava-se de estar completamente seguro em Jerusalém,


como carne dentro da panela. No entanto, Ezequiel, mudando o significado da imagem,
afirma: sereis cozidos dentro de vossa cidade, como acontece com a carne na panela,
quando colocada ao fogo. Ainda mais, nem a sujeira nem a ferrugem da panela, isto é, a
cidade sanguinária, desaparecerão (Ez 24,3b-7.9-12).

A visão de uma desolação e profanação. Trata-se dos capítulos (Ez 8-11) que tratam do
desaparecimento da glória de Deus, após alguns atos graves de profanação realizados no
templo. Ezequiel vê as diferentes abominações que acontecem no templo de Deus, o
culto aos animais ali realizado, as lamentações pelo deus Tamuz, enfim, os ritos de
adoração ao sol e a extinção da vegetação. Tamanha é a profanação, que a sentença
torna-se radical e imediata: um grupo de seis anjos marca com um "tau" os eleitos,
enquanto outro grupo mata todos os que não foram marcados.

b) Após a queda de Jerusalém (586 a.C.)

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Então, o profeta faz uma pausa para refletir e permanece mudo durante, mais ou menos,
seis meses. Silêncio pela morte da esposa e dor pela queda da cidade. Permanece imóvel e
sem falar, até que mensageiro, salvo do desastre de Jerusalém, chegue a Babilônia para
comunicar aos exilados que a cidade caíra nas mãos dos babilônios. Nesse ínterim (Ez
24,26-27). Ezequiel recupera o movimento e a fala (Ez 33,21-22) e começa nova função
profética. Muda o tom da pregação. Não mais se baseia nas ameaças de castigo, nem a
mensagem é de condenação: permanece, então, a mensagem de consolo, tão necessária
para um povo outrora desobediente, hoje, arrependido.

Sua mensagem, nesses momentos, é dirigida, de modo todo especial, aos exilados, aos
quais anuncia a salvação se se converterem ao Senhor seu Deus, e às nações, as quais
condena por sua atitude de colaboração na destruição de Jerusalém e por terem se
sentido satisfeitas por sua queda (Ez 25ss).

Simultaneamente, Ezequiel denuncia os pecados do povo e os responsáveis pela


catástrofe: príncipes, sacerdotes, nobres, profetas, donos de terras (Ez 22,23-31), pastores
(reis) e poderosos (Ez 34). Em relação ao pecado do povo, introduz nova ideia: a da
responsabilidade individual. Daqui para a frente, Deus julgará cada um segundo sua
conduta (Ez 18 e 33,12-20).

Após ter denunciado os pecados e acusado os responsáveis pela situação infeliz da


cidade, anuncia que será o próprio Deus quem apascentará suas ovelhas. Daqui para a
frente, não serão os pastores (reis) de Israel, injustos e exploradores, quem as
apascentará, mas o próprio Deus as procurará, seguindo o rastro e cuidará delas (Ez 34,11-
16). Somente assim surgirá uma ordem nova, um mundo novo, uma nova vida construída
sobre a observância das leis do Senhor, de purificação de toda a idolatria, de mudança de
coração e de uma restauração nas relações entre Deus e seu povo (Ez 36,24-28).

A majestosa visão dos ossos secos (Ez 37) anuncia a nova reunião do povo e a restauração
nacional, graças à intervenção de Deus (Ez 37,12-14). A força de Deus criará um povo novo
e vivo. Os ossos e os esqueletos simbolizam a História de uma humanidade morta,
pecadora e rebelde, que recupera o gosto pela vida, pelo amor e pela esperança. A
esperança Deus a Jerusalém (Ez 43), onde haverá torna-se realidade pela volta da glória
de um culto e uma vida social diferente e nova, centralizada no novo templo, cuja
construção (Ez 40), estrutura (Ez 41) e partes (Ez 42). Ezequiel descreve magistralmente.

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Com a volta da glória de Deus, transforma-se, igualmente, a geografia da Palestina que se


transformará em Jardim irrigado pela água que corre do altar (Ex 47,1-5). A abundância de
água é o símbolo da riqueza e do ressurgimento da esperança, enquanto expressa a união
total de um povo (Ez 48), cada qual em sua tribo, ao derredor do templo, com território
definido na cidade do Senhor está aqui.

5. Teologia

O tema central, em torno do qual gira toda a pregação de Ezequiel, é o da "santidade de


Deus". Ao derredor dele, movimentam-se realidades, tão aparentemente distantes, como
a transcendência e a imanência, a solidariedade e a responsabilidade individual na culpa e
no pecado. Deus, inacessível em si mesmo, está presente no mundo, por meio de sua
glória, descrita como realidade luminosa, que se realiza, especialmente, quando o homem
arrependido aceita a libertação oferecida por Deus e não a que vamente oferecem os
ídolos.

A santidade de Deus é ofendida pelo pecado que pode ser de dois tipos: profanação das
criaturas, como acontece na idolatria e profanação do culto no santuário. É o culto um dos
principais interesses de Ezequiel que sonha com um novo Israel, como comunidade cultual
e teocrática, sob o cetro do sumo sacerdote e em torno do templo. Não há dúvida:
profeta recebe as ideias mais importantes da tradição sacerdotal.

A história do povo é vista como total infidelidade. Ela não começa em Canaã como
afirmam Oséias e Jeremias, mas no Egito, onde os israelitas prestaram culto a outros
deuses e no deserto, onde o sábado foi profanado e se desprezou a Lei do Senhor. A total
depravação expressa se em dois capítulos paralelos, o 16 e o 23, nos quais,
alegoricamente, mediante a imagem de duas moças, descreve-se a Infidelidade da
Samaria e a mais grave de Judá. O povo não só se prostituiu, mas também pagou suas
amantes.

Ezequiel introduz o tema da retribuição individual: cada um receberá segundo sua


conduta (Ez 18,20-24). Sem renunciar ao principio da solidariedade, admite que as ações
do indivíduo particular podem tirá-lo do meio em que vive, bom, ou mau. Particularmente
responsável é a monarquia; eis por que deve ser profundamente transformada. Daí o
novo rei não se preocupar tanto com política e conquistas militares, mas, antes, com o
culto, com a santidade e com a pureza. Será, como Javé, o bom pastor. Por isso o termo
usado por Ezequiel, para designar o rei não é "melek", mas "nasi", nome pré-monárquico

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dos principais responsáveis por uma nação e que podemos traduzir por "príncipe" (Ez
21,17; 22,6; 26,16; 27,21; 45; 46; 48). Descenderá da linhagem de Davi, mas será muito
diferente de seus antecessores (Ez 17,1-24). Como um pastor, reconstruirá a unidade do
povo, até existir um só rebanho e um só pastor (Ez 34; cf. Jo 10).

Consulta: Comentário ao Antigo Testamento II – Ezequiel


Julio Lamelas Miguez – Editora Ave Maria

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