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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

RICARDO GUSMÃO PUPE DOS SANTOS

SER-SOZINHO E SINGULARIZAÇÃO:
a dupla dimensão da solidão na analítica existencial

Recife
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

RICARDO GUSMÃO PUPE DOS SANTOS

SER-SOZINHO E SINGULARIZAÇÃO:
a dupla dimensão da solidão na analítica existencial

Projeto apresentado como exigência da


Disciplina Monografia II, no Curso de
Bacharelado em Filosofia, pela Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito para
obtenção do título de Bacharel em Filosofia.

Área do conhecimento: Ciências Humanas

Orientador: Prof. Dr. Thiago André Moura de Aquino

Recife
2021
AGRADECIMENTOS

Essa monografia encerra um ciclo de uma caminhada na qual houve esforços de


diversas pessoas. Esses esforços, ainda que não se deixem traduzir num trabalho desta
espécie, certamente encontram nele um termo simbólico.
Nesse sentido, gostaria de agradecer em especial a minha mãe pelo seu amor, a minha
esposa, Elba Alves, por acreditar em mim, e a meu caro amigo Luccas Amorim pela amizade.
Como aluno e bolsista, gostaria de agradecer a Universidade Federal de Pernambuco
e todos aqueles que contribuem para seu funcionamento. Ademais, gostaria de agradecer ao
prof. Thiago Aquino pelas suas aulas brilhantes e por me orientar e ao prof. Sandro Sena por
ter contribuído para minha compreensão da obra de Heidegger.
RESUMO

O presente trabalho parte da problematicidade da compreensão comum sobre a


experiência da solidão e tem como objetivo elaborar um discurso filosófico coeso que traduza
em termos fenomenológicos hermenêuticos a experiência da solidão em seu enraizamento
existencial. Isto é, busca-se estabelecer o que torna possível a solidão. Com tal meta, ele toma
como ponto de partida o que ficou conhecido como analítica existencial, uma análise das
estruturas ontológicas do nosso ser, desenvolvida por Martin Heidegger na década de 1920
com vistas a resposta à questão do sentido de ser em geral. Dessas reflexões, privilegiou-se o
desenvolvimento da analítica existencial presente em Ser e Tempo (1927) no qual são
analisadas, por meio da fenomenologia hermenêutica, as estruturas existenciais do ser-aí. De
posse da constelação de existenciais elaboradas por Heidegger, tenta-se, em primeiro lugar,
conceber o fenômeno da solidão em termos de uma ausência física de um outro ser humano
na proximidade. Em segundo lugar, mostra-se que essa abordagem não tem êxito em traduzir
o dado fenomenal presente na experiência de solidão; de tal modo que esta, por sua vez,
reclama para si um tratamento existencial. Nesse sentido, é evidenciado que esse tratamento
existencial busca apreender o fenômeno da solidão em termos de uma possibilidade
existencial de uma estrutura ontológica do nosso próprio ser, denominada por Heidegger de
ser-com (Mitsein). Contudo, reconduzir a experiência cotidianamente vivida da solidão às
estruturas existenciais do nosso ser revela-se o único objetivo caso se estabeleça que a solidão
comporta apenas uma dimensão. Nessa direção, o trabalho procura desenvolver, num terceiro
momento, uma outra dimensão da solidão, esta, mais intrínseca, pois procura estabelecer a
condição originária de nosso ser como solidão. Para isso, o trabalho lança mão das
experiências de desamparo e estranheza, ambas experienciadas com o irromper da disposição
fundamental da angústia. Por fim, mostra-se que o fenômeno solidão pode ser compreendida a
partir de uma dupla dimensão: como uma experiência cotidianamente vivida e como a
condição fundamental de nosso ser.

Palavras-chave: solidão; fenomenologia; heidegger


ABSTRACT

The present work starts from the problematic nature of the common understanding of
the experience of loneliness and aims to develop a coherent philosophical discourse that
translates the experience of loneliness into its existential roots in hermeneutic
phenomenological terms. That is, it seeks to establish what makes solitude possible. With
such a goal, he takes as a starting point what has become known as existential analytics, an
analysis of the ontological structures of our being, developed by Martin Heidegger in the
1920s with a view to answering the question of the meaning of being in general. From these
reflections, the development of existential analytics present in Being and Time (1927) was
privileged, in which the existential structures of the being-there are analysed, through
hermeneutic phenomenology. In possession of the existential constellations elaborated by
Heidegger, an attempt is firstly made to conceive the phenomenon of loneliness in terms of
the physical absence of another human being in the vicinity. Second, this approach is shown
to be unsuccessful in translating the phenomenal data present in the experience of loneliness;
in such a way that the latter, in turn, claims an existential treatment for itself. In this sense, it
is evident that this existential treatment seeks to apprehend the phenomenon of loneliness in
terms of an existential possibility of an ontological structure of our own being, called by
Heidegger of being-with (Mitsein). However, bringing the daily lived experience of loneliness
back to the existential structures of our being reveals itself as the only objective if it is
fulfilled that loneliness has only one dimension. In this direction, the work seeks to develop,
in a third moment, another dimension of solitude, this one, more intrinsic, as it seeks to
establish an original condition of our being as solitude. For this, the work makes use of the
experiences of helplessness and strangeness, both experienced with the eruption of the
fundamental disposition of anguish. Finally, it is shown that the phenomenon of loneliness
can be understood from a double dimension: as a daily experience and as a fundamental
condition of our being.

Keywords: loneliness; phenomenology; heidegger


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................7
2 O SER HUMANO COMO SER-AÍ....................................................................12
2.1 CARACTERIZAÇÃO DO PONTO DE PARTIDA DA ANALÍTICA
EXISTENCIAL.........................................................................................................................12
2.2 O SER HUMANO ENQUANTO SER-AÍ............................................................13
2.3 O SER-AÍ ENQUANTO SER-NO-MUNDO........................................................15
2.4 O SER-COM COMO CONDIÇÃO EXISTENCIAL DE POSSIBILIDADE
PARA O APARECIMENTO DO OUTRO..............................................................................18
2.5 O IMPESSOAL COMO O “SUJEITO” DA COTIDIANIDADE........................20
3 A DUPLA DIMENSÃO DA SOLIDÃO HUMANA: O SER-SOZINHO E A
SINGULARIZAÇÃO..............................................................................................................23
3.1 SER-AÍ COMO SER-SOZINHO: O SER-COM COMO FUNDAMENTO
ONTOLÓGICO EXISTENCIAL DA EXPERIÊNCIA COTIDIANA DE SOLIDÃO...........23
3.2 O FENÔMENO DA SINGULARIZAÇÃO E A SOLIDÃO ORIGINÁRIA DO
SER-AÍ 30
3.2.1 Desenvolvimento do conceito de singularização a partir da angústia.............30
3.2.2 Interpretação da singularização como solidão da condição humana..............35
CONCLUSÃO......................................................................................................37
REFERÊNCIAS...................................................................................................39
7

1 INTRODUÇÃO

Como atesta George Minois (2019) em sua História da Solidão e dos Solitários, a
solidão é uma companheira fiel que nunca abandonou os seres humanos, sendo, de acordo
com Hannah Arendt (1989, p. 528), “uma das experiências mais fundamentais de toda vida
humana”. Se dermos crédito a essas afirmações, a solidão não parece ser um tema que só
apareça nos livros de filosofia, mas algo que todo ser humano já teve contato e guardou
alguma compreensão a seu respeito.
Na medida em que o presente trabalho pretende elaborar um discurso filosófico sobre
a solidão, ele deve considerar a variedade de fenômenos compreendidos no uso cotidiano e
não filosófico da palavra solidão.
A experiência de solidão pode ser descrita como: 1. distanciamento corporal do
convívio social (por exemplo, chama-se solitário aquele que vive só ou retirado); 1 2. uma
ausência de proximidade ou familiaridade com os outros, não pressupondo necessariamente
um distanciamento corporal2. Além disso, como Hans-Georg Gadamer (1998, p. 102,103) nos
lembra, a solidão também é ambivalente em outro sentido, pois ela pode ser usada para
expressar: 3. uma situação de sofrimento pela perda da proximidade de um outro e 4. uma
situação na qual a busca de algo envolve a necessidade do rompimento com a referida
proximidade. A partir desses significados, salta aos olhos um núcleo comum, a saber, a
relação com o outro.
Ainda que não se assuma a possibilidade de reduzir todos significados a um único que
seria legítimo ou mais apropriado, é possível, por meio de um discurso filosófico, investigar
exatamente o que está em jogo na experiência da solidão. Nesse sentido, um primeiro óbice à
identificação da solidão com o isolamento físico se encontra numa paradoxal formulação
contida no desejo de Cícero em ser como Cipião, que dizia que “nunca era menos só do que
quando não estava com ninguém” (CÍCERO, 2003, p. 101). 3 Nesse sentido, compreende-se

1Esse significado mais se aproxima da sua origem etimológica, a palavra latina “solus”, ela significa aquele que
é sozinho, único, isolado, solitário, ou até mesmo um local deserto, abandonado (RESENDE; BIANCHET,
2014).
2Como procurarei mostrar, parece ser esse o significado mais comum.
3Não a apenas Cícero essa ambiguidade do termo solidão chamou atenção, reivindicando uma distinção. Na
história da filosofia, é possível observar algumas distinções parecidas: “A solidão é o estado de quem não tem
ajuda. Pois não é que aquele que esteja sozinho, de imediato, seja um solitário, do mesmo modo não é que não
esteja sozinho aquele que está no meio de uma multidão. (...) Ser solitário requer (...) estar sem ajuda e exposto a
quem queira prejudicar-nos” (EPICTETO, 1993, p. 149, tradução nossa); “Solidão [Solitude], portanto, é algo
bem diferente de isolação [Isolation]. Isolação é uma experiência de perda e solidão é uma experiência de
renúncia. Isolação é sofrida - na solidão, algo está sendo procurado” (GADAMER, 1998, p. 104, tradução nossa)
8

que a fuga desesperada da solidão em direção à multidão não é suficiente para dissipá-la.
Se, por um lado, não parece ser estranho à experiência cotidiana a experiência da
solidão, ainda nas grandes multidões, e também não figura como nenhuma novidade na
história da filosofia, por outro, não é claro, ontologicamente, que proximidade é essa que se
apresenta como decisiva na experiência de solidão. Ademais, permanece sem resposta a
questão de saber se pertence à condição humana uma solidão enquanto sua condição
originária, permitindo que o discurso acerca da solidão caminhe também em outra direção.
A partir desse estado de coisas, um discurso filosófico sobre a solidão deve levar em
conta esse direcionamento duplo para que a experiência da solidão nos encaminha. Nesse
sentido, são possíveis os seguintes questionamentos: qual fundamento ontológico da
experiência da solidão vivenciada cotidianamente pela perda da proximidade? Será que a
experiência de solidão aponta para a condição fundamental do ser humano enquanto tal? Isto
é, em última análise, o que possibilita o ser só?
Dentro desse quadro, a partir do qual procura-se investigar o fenômeno da solidão,
temos a tese de Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão do século XX. Apoiado nos
enunciados heideggerianos, a fim de esclarecer o fenômeno, o caminho que o presente
trabalho, pretende adotar como hipótese será: tratar o fenômeno da solidão e seu
acontecimento de maneira estrutural, a partir de uma investigação ontológico-existencial do
nosso ser. Isso envolve tratar a solidão enquanto evento cotidianamente vivido e, às vezes,
sofrido, sem dispensar a análise de uma possível solidão fundamental do nosso ser enquanto
distinta ou constitutiva daquela. Tomando, do início ao fim, como fio condutor o
questionamento oriundo da problematização, a saber, o que torna possível o estar-só.
Nesse sentido, buscar-se-á mostrar, com base na filosofia desenvolvida por Heidegger
em Ser e Tempo, uma concepção do ser humano enquanto ente constituído de uma
compreensão de ser, para, em seguida, abordar os aspectos decisivos a que essa tese filosófica
irá levar em termos do ser-um-com-o-outro (Miteinandersein), isto é, da convivência e do
acesso ao outro ser humano. Ou seja, na medida em que o ser-com é a condição de
possibilidade do aparecimento do outro enquanto outro, de toda comunidade e convivência
possível, irá se afirmar sua natureza ontológica e delinear modos possíveis de ser.
Esse desenvolvimento, por sua vez, terá como tarefa principal mostrar o fenômeno da
solidão enquanto carregando uma dupla dimensão e mostrar como a analítica existencial
enraíza o fenômeno da solidão em estruturas existenciais. Assim, a dupla dimensão da

e, por último:“Estar só [Loneliness] não é solidão [Solitude]. Quem está desacompanhado está só, enquanto a
solidão se manifesta mais nitidamente na companhia de outras pessoas” (ARENDT, 1989, p. 528)
9

solidão será afirmada a partir da consideração da solidão fundamental do ser do nosso ser
enquanto tal, resultante do que Heidegger chama de singularização (Vereinzelung) e da
solidão experienciada pelo ser humano como um modo deficiente do ser-com, experienciada
no aparecimento do outro enquanto estranho e indiferente, denominada por Heidegger de
estar-só (Alleinsein).
Por último, buscar-se-á caracterizar a solidão a partir das duas possibilidades
fundamentais da existência, a saber, propriedade e impropriedade. Com isso, será mostrado
como o ser-um-com-o-outro é modificado em virtude da compreensão do próprio ser do ser-
aí.
Em síntese: partindo da fenomenologia-hermenêutica elaborada por Martin
Heidegger na década de 1920 e baseando-se sobretudo em Ser e Tempo, o trabalho terá o
seguinte objetivo geral: Mostrar de que maneira o fenômeno da solidão em sua dupla
dimensão possui fundamentos ontológicos-existenciais. Esse objetivo geral, por sua vez, será
acompanhado pelos seguintes objetivos específicos: Desenvolver o fenômeno do estar-só
(Alleinsein) como um modo de ser do ser-com (Mitsein); desenvolver solidão como
singularização (Vereinzelung) e delimitar a relação do fenômeno da solidão em geral com a
propriedade e a impropriedade.

No primeiro capítulo deste trabalho, veremos que o filósofo alemão privilegia uma
consideração fenomenológico-hermenêutica da existência humana tal como ela se dá de início
e na maioria das vezes, em detrimento de uma consideração formal e reflexiva acerca do
nosso ser. A partir disso, ele toma o ponto de partida de um sujeito sem mundo e isolado dos
outros como artificial, resultado de uma subdeterminação de nosso ser (HEIDEGGER, 2015,
p. 175, 405). De forma diversa, Heidegger concebe o ser humano como um ente cujo ser está
a cada vez em jogo enquanto poder-ser si mesmo ou não. Dessa forma, o nosso o próprio ser
passa a ser considerado como uma tarefa, a saber, de ter de ser o poder-ser que se é. Ademais,
também será mostrado que é fruto dessas considerações levadas a cabo na década de 20, que
tomam corpo mais propriamente em Ser e Tempo, a determinação do ser humano enquanto
constituído cooriginariamente pelo mundo, horizonte de sentido em relação ao qual os entes
intramundanos são compreendidos em seu ser (Ibid. p. 133-139). Dentre estes entes, conforme
procuraremos desenvolver, estão os outros, cujo ser difere dos demais entes e que já sempre
são pré-compreendidos e levados em consideração em toda ocupação humana (Ibid. §26).
É aí, evidenciado, portanto, que Heidegger parte de uma consideração
fenomenológico-hermenêutica da existência cotidiana em que o acesso ao outro se dá
10

primariamente em meio a ocupação, na qual aquilo com que ela se ocupa traz uma referência
em seu ser ao ser de um ente cujo modo de ser não se confunde com os demais entes (Ibid. p.
174). O outro, contudo, como foi dito, não tem seu ser como os demais entes, eles também
não ocorrem junto a nós como algo ao lado do outro, ou algo em relação ao qual podemos
dispor e nos assenhorear para uma finalidade prática. A nossa relação com o outro, diz
Heidegger, é determinada pelo ser-com (Mitsein), estrutura ontológica do nosso ser (Ibid. p.
175).

Nesse sentido, por um lado, podemos dizer que Heidegger traça um caminho que nos
permitirá conceber a solidão fora do quadro de uma presença factual de outro junto a mim.
Esta tarefa será desenvolvida e levada a cabo na Segunda parte deste trabalho que tratará da
solidão de forma geral, após ter trabalhado alguns conceitos pertencentes ao âmbito da
filosofia heideggeriana.
O segundo capítulo, há de mostrar que esse tratamento da solidão faz jus ao
testemunho mais comum da solidão experienciada em grandes aglomerações. Dentro desse
mesmo contexto, a saber, de um desenvolvimento do aparecimento do outro em termos
existenciais, irá ser comentado e analisado a seguinte afirmação de Heidegger:

“O ser-com determina existencialmente o ser-aí, mesmo quando um outro não é, de


fato, dado ou percebido. Mesmo o estar-só [Alleinsein] do ser-aí é ser-com no
mundo. Somente num ser-com e para um ser-com é que o outro pode faltar. O estar-
só é um modo deficiente de ser-com, e sua possibilidade é a prova disso. Por outro
lado, não se elimina o estar só porque junto a mim ocorre um outro exemplar de
homem ou dez outros. O ser-aí pode estar só mesmo quando esse e ainda outros
tantos são simplesmente dados.” (HEIDEGGER, 2015, p. 176)

Com isso, irá ser afirmado que o fenômeno do estar-só é um modo de ser do ser-aí que
é determinado essencialmente pelo ser-com. Mostrar-se-á que, neste fenômeno, o outro me
vem ao encontro no modo da indiferença (Gleichgültigkeit) e estranheza (Fremdheit) (Ibid.).
Dentro desse quadro, como mostrado, o estar-só, o ser-sozinho – diversas podem ser a
tradução para o termo alemão “Alleinsein” – é caracterizado por Heidegger como um modo
deficiente do ser-com (“Das Alleinsein ist ein defizienter Modus des Mitseins” HEIDEGGER,
2006, p. 120), sendo, dessa forma, uma possibilidade, um modo de ser do ser-aí.
11

Todavia, por outro lado, a breve consideração que ele dispensa ao contexto fenomenal
traduzido pelo termo Alleinsein (estar-só, ou como prefiro traduzir aqui: solidão) é
insuficiente para uma caracterização ontológica satisfatória do fenômeno em questão, para
mostrar o papel que a solidão desempenha na compreensão de nossa existência enquanto tal e
está longe de mostrar a relação de imbricação entre uma possível solidão do nosso ser e a
solidão cotidiana. Com isso, passa-se ao segundo momento do segundo capítulo deste
trabalho, no qual será analisada a noção de singularização (Vereinzelung). Essa noção,
utilizada para apreender um momento resultante do fenômeno da angústia, será considerada
enquanto um momento que abre o ser do ser humano de maneira originária e abrangente. Essa
abertura, como se há de mostrar, possibilitará a compreensão da solidão fundamental como
algo que define o ser do ente que nós mesmos somos.
Assim, com o desenvolvimento de ambas as partes do trabalho, o trabalho pretende ter
chegado a um desenvolvimento suficiente de uma análise filosófica, permitindo-nos afirmar,
na Conclusão, a existência de uma dupla dimensão da solidão humana. A primeira dimensão,
é a solidão que se dá em termos da coexistência cotidiana e, a segunda dimensão, é a solidão
fundamental que traduz a condição originária do ser humano, experiência esta possibilitada
pela singularização que a angústia nos traz.
12

2 O SER HUMANO COMO SER-AÍ

2.1 CARACTERIZAÇÃO DO PONTO DE PARTIDA DA ANALÍTICA EXISTENCIAL

Um bom modo de começar o presente trabalho é, primeiro, situá-lo na analítica


existencial heideggeriana4 presente na primeira secção da primeira parte de Ser e Tempo
(SeT)5. Em seguida, falar brevemente sobre o caráter da analítica existencial e procurar saber
em que medida ela poderá responder a nossa indagação.
Quanto ao método da analítica existencial, é no §7 que buscaremos suas linhas gerais.
Assim, conforme o referido parágrafo, devemos entender por analítica existencial o esforço
fenomenológico-hermenêutico de extrair, a partir da análise de como nos movemos de início e
na maioria das vezes, existenciais, i.e., estruturas ontológicas fundamentais do ente que
possui o modo de ser da existência. A tarefa, possuindo enquanto conceito de método o
fenomenológico, busca falar de tal modo que o falado seja extraído a partir daquilo sobre que
fala, mostrando e deixando ver o ser do ente tal como se mostra em si mesmo e a partir de si
mesmo; é, além disso, hermenêutica, na medida em que não somente haure estruturas de ser,
mas interpreta-lhes o sentido (SeT, §7). Daí também, num certo sentido, falarmos em esforço,
pois nada mais comum do que determinações estranhas ao tipo de abordagem querendo ter
lugar dentro de uma análise de tal caráter.
Porém, ainda poderia surgir a dúvida sobre o ponto de partida da analítica, presente na
seguinte pergunta: onde buscaremos o contexto fenomenal sobre o qual irá se deter analítica?
Pois, se, como Heidegger diz, fenômeno, o que se mostra em si mesmo, é um tipo privilegiado
de encontro com “algo” (SeT, p. 70), é necessário, portanto, atentar ao e precisar o modo de
encontro com que o ser-aí encontra os entes que lhe vêm ao encontro, sob o risco de
perdermos de vista aquilo que se mostra em si mesmo, tal como é em si mesmo, a saber, o ser.
Assim, o ponto de partida será o ser-aí na lida ocupacional sempre executada em virtude de

4 De início será bom notar que manteremos afastada a preocupação da analítica existencial com a pergunta do
ser em geral, não porque isso não seja importante, mas, sim, pela intenção e economia exigidas pelo trabalho.
5A tradução utilizada HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. Tradução de Marcia
de Sá Cavalcante. Por vezes, contudo, eu recorro a versão original em alemão.
13

um empreendimento de si6 – expresso ou inexpresso – e não ser-aí na abordagem


considerativa, de caráter teorético7 – como é usual nas abordagens tradicionais.
Portanto, é aí que a analítica existencial buscará as estruturas fundamentais do ente
que existe, estruturas que não são acidentais, mas sim existenciais que se mantêm
determinantes em cada modo de ser do existente.8

2.2 O SER HUMANO ENQUANTO SER-AÍ

Situamos nosso trabalho na analítica existencial, acenamos para o modo da


abordagem, indicamos onde buscaremos o contexto fenomenal e o que a analítica procura
com isso. A partir disso, devemos visualizar os enunciados que se seguirão como imbuídos do
método fenomenológico-hermenêutico antes descrito. Agora, passamos à tarefa de descrever
algumas das características fundamentais do ser do ente que foi dito sendo no modo de ser da
existência, o ser-aí (Dasein). Para a caracterização deste, usaremos alguns enunciados
presentes em SeT. Partiremos da seguinte afirmação contida no §4 de Ser e Tempo:

“O ser-aí não é apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrário, do ponto
de vista ôntico, ele se distingue pelo privilégio de, em seu ser, isto é, sendo, estar em
jogo seu próprio ser. Mas também pertence a essa constituição de ser do ser-aí a
característica de, em seu ser, isto é, sendo, estabelecer uma relação de ser com seu
próprio ser. Isso significa, explicitamente e de alguma maneira, que o ser-aí se
compreende em seu ser, isto é, sendo. É próprio deste ente que seu ser se lhe abra e
manifeste com e por meio de seu próprio ser, isto é, sendo. A compreensão do ser é

6 “Empreendimento de si” está querendo designar a estrutura projetiva da compreensão, i.e.,o em virtude de…
horizonte de toda significância aberto pela estrutura básica da compreensão (Cf. §31). Prefiro falar de
empreendimento de si, num primeiro momento, na medida em que vejo que transmite uma ideia de
transitividade, processo, estar a caminho, um esboço que é, por definição, remodelável; o que não acontece na
palavra projeto, que dá uma ideia de plano pré-concebido, traçado, pensado, refletido e completo.
7 Aqui é necessário chamar atenção que não se está querendo dizer que o ser-aí engajado na abordagem
considerativa, científica, a saber, no modo do demorar-se junto a… que busca visualizar a configuração do ente,
não está de algum modo imbuído numa certa lida ocupacional em virtude de um empreendimento de si; mas,
sim, queremos dizer que não é o modo como o ser-aí se ocupa de início e na maioria das vezes com os entes e
não só isso, também não é o modo originário de relacionamento, mas um modo derivado, sempre a partir do
modo primário de acesso (a ocupação).
8 Talvez essa breve introdução para situar a questão se deixe reconduzir às poucas palavras de Heidegger na
seguinte passagem: “Ao contrário, as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que
esse ente possa mostrar-se em si mesmo e por si mesmo. Elas têm de mostrar o ser-aí tal como ele é antes de
tudo e na maioria das vezes, em sua cotidianidade mediana. Da cotidianidade não se devem extrair estruturas
ocasionais e acidentais, mas estruturas essenciais. Essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente
determinantes em todo modo de ser do ser-aí fático. Do ponto de vista da constituição fundamental da
cotidianidade do ser-aí poder-se-á, então, colocar em relevo o ser desse ente.” (SeT, p. 54)
14

em si mesma uma determinação do ser do ser-aí. O privilégio ôntico que distingue o


ser-aí está em ele ser ontológico ” (SeT, p. 48)

Como ponto de partida para caracterização deste ente, podemos dizer que o ser-aí não
é um ente entre outros (plantas, animais, números, coisas naturais), pois ele se distingue dos
demais entes pelo seu ser. Essa distinção consiste em ter de ser o seu ser ao modo de uma
tarefa, i.e., ter o seu ser marcado pelo “estar em jogo”. 9 Pode-se, portanto, dizer que o ser-aí é
de tal modo que, sendo, seu ser não lhe é indiferente10, mas sim “algo” em virtude do qual ele
se ocupa, traz um cuidado (Sorge). Além disso, como um complemento desse primeiro caráter
positivo do ser do ser-aí, i.e., ter o ser como tarefa, pertence ao ser do ser-aí ser uma relação
de ser com seu próprio ser. Em outras palavras: o ser-aí não é um algo que, ademais, teria
uma relação com seu ser, mas ele mesmo é essa relação de ser com seu próprio ser.
Com isso, temos duas caracterizações positivas do ser do ser-aí: 1. ter o seu ser em
jogo, i.e., ter esse ser ao modo de uma relação de ser com seu próprio ser e 2. ter esse ser que
está em jogo como sendo o seu ser a cada vez (Jemeinigkeit). Como resultante dessas duas
caracterizações, podemos concluir daí que, na medida em que o ser-aí tem o seu ser como
tarefa e essa tarefa é realizada ao modo de uma relação de ser com seu próprio ser, esse ser,
por meio do qual o ser-aí se perfaz, está de certa forma já sempre sendo pré-compreendido ou
melhor: aberto (erschlossen) — ainda que de modo não temático (o que Heidegger chama de
compreensão pré-ontológica) e muito menos enquanto alvo de uma abordagem conceitual
(compreensão ontológica), embora seja a condição de possibilidade desta.11
Assim, chega-se ao caráter de abertura que expressa o aí do ser-aí. Heidegger não diz,
neste parágrafo gramatical, que o ser do ser-aí está aberto pura e simplesmente, mas, sim: “É
próprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste com e por meio de seu próprio ser, isto
é, sendo.”(SeT, 12. Grifo meu). Ou seja, o ser do ser-aí está, com (mit) e através (durch) do
seu próprio ser, aberto. Com isso, entendemos que Heidegger está fazendo alusão e
antecipando o caráter de projeto-lançado que caracteriza o ser do ser-aí, desenvolvidos mais

9 Com esse caráter de tarefa não se está tentando exprimir outra coisa que não o seguinte enunciado: “dass es
diesem Seiendem in seinem Sein um dieses Sein selbst geht” Sein und Zeit (SuZ) p 12. Sobre o caráter de tarefa
traduzido por essa expressão cf. von HERRMANN, F.-W., Hermeneutische Phänomenologie des Daseins: Eine
Erläuterung von “Sein und Zeit”, Band 1: “Einleitung: Die Exposition der Frage nach dem Sinn von Sein”,
Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1987. p 104
10 Que é condição existencial de possibilidade para a indiferença ôntico-existenciária. Portanto, o caráter
ontológico irremediável da não indiferença do próprio ser é a condição existencial de possibilidade para a
indiferença ôntico existenciária.
11Cf. SeT, página 48, para a distinção de pré-ontológico e ontológico.
15

propriamente nos §§29 e 31 de Ser e Tempo. 12


Por um lado, quando se diz que o ser-aí está aberto com seu ser, se está querendo dizer
que o caráter de ter de ser o ser que se é é algo com o qual não podemos nos desfazer, não
podemos abdicar disso, comporta um elemento de passividade: o ser-aí está lançado como
ente que tem o seu ser ao modo de uma tarefa.
Por outro, temos uma dimensão ativa: o ser-aí está, através do seu ser, aberto. Desse
modo, podemos dizer que, lançado, o ser-aí, por meio do seu ser, abre essas possibilidades e
as leva a cabo, ao modo de um compreender-se a partir delas. Assim, na medida em que o ser-
aí é lançado na abertura do seu próprio ser, ele pode — e já sempre o fez — se relacionar com
seu próprio ser perfazendo e abrindo as possibilidades do seu próprio ser, dando uma resposta
a tarefa de ser que lhe foi entregue.
A partir disso, pode-se dizer que o ser-aí é, enquanto tem o ser em jogo e este ser,
sempre o seu, um poder-ser que se pertence. Sendo, ele é um ser-possível: ele é o que ele
pode ser – i.e., nessa ou naquela possibilidade na qual ele foi lançado e, ao se projetar nela, se
compreende a partir dela, abrindo-a – e o como ele pode ser – de maneira imprópria,
compreendendo-se não a partir do seu ser enquanto projeto lançado, mas sim a partir do modo
de ser do ente que não é o seu (ser simplesmente dado, manual, etc); ou própria,
compreendendo-se a partir de seu ser enquanto existência, i.e., sendo ao modo de um projeto
lançado (SeT, §31) antecipando a possibilidade da própria morte enquanto única possibilidade
que propriamente lhe pertence em razão do seu ser (SeT, §52).
Portanto, a partir do que foi exposto podemos dizer junto com Heidegger que “a
compreensão de ser é ela mesma uma determinação de ser do ser-aí” (SeT, 48). E esse ser
com o qual o ser-aí sempre pode se relacionar dessa ou daquela maneira e sempre já se
relacionou de alguma maneira é o que se designa por existência (Existenz)(Ibid.). O ente que é
chamado de ser-aí tem o seu ser aberto com o seu ser lançado e através do seu ser projetado.
Na abertura lançada do seu ser está em jogo, ao modo também de uma abertura projetiva, a
abertura do seu próprio ser.

2.3 O SER-AÍ ENQUANTO SER-NO-MUNDO

Um outro aspecto fundamental dessa caracterização prévia do ser-aí é o ser-em-um-


12Cf. VON HERMANN, 1987, pp. 104-111
16

mundo (Sein-in-einer-Welt) que faz parte de sua constituição existencial fundamental. Esse
“em”, no entanto, não significa ser dentro de outro ente, como se mundo fosse um ente. Aqui
está a diferença entre “sein in” e “in-sein” (Cf. SeT, §12), sendo o primeiro utilizado para
denotar a relação de dois entes intramundanos destituídos do modo de ser do ente existente e,
o segundo, para falar da relação que o ser-aí tem com seu mundo.13 Ser-no-mundo é um
caráter de ser do próprio ser-aí. A estrutura ontológica da mundanidade do mundo,
pertencente ao próprio ser-aí, pode ser descrita como uma totalidade referencial,
compreendida como significância (Bedeutsamkeit) (SeT, §18). Exposta brevemente, essa
significância pode ser entendida como uma totalidade referencial aberta pelo horizonte
resultante da estrutura projetiva da compreensão, i.e., aquilo que vem ao encontro do ser-aí é
previamente compreendido enquanto empregável14 num para quê específico que, por sua vez e
em última análise, remonta a um em virtude de (Worumwillen), uma possibilidade de seu
próprio ser enquanto desformalização do poder-ser que lhe foi entregue com e através da
abertura de seu próprio ser (Cf. SeT pp. 134-135.). Assim, pode-se dizer que a estrutura da
mundanidade do mundo e, consequentemente, o ser dos entes intramundanos (tanto os
utensílios como os outros co-ser-aí), que são compreendidos através dela, está intrinsecamente
relacionada com a compreensão que o ser-aí tem de seu próprio ser.15

Mas como é o ser-aí na lida ocupacional cotidiana? Ou ainda, o que se está querendo
dizer com lida ocupacional? Comecemos por esta última questão. O ser-aí na sua lida
ocupacional é aquele ente existente que, cuidando de um empreendimento de si – de maneira
explícita ou não –, tem na ocupação cotidiana o meio de o levar a cabo por meio do emprego,
do empenho ocupacional com entes intramundanos (SeT, pp. 102,103). Sendo-no-mundo, o
ser-aí já sempre se deparou com os entes intramundanos com os quais já sempre se ocupa
dessa ou daquela maneira. O ser desses entes que nos vêm ao encontro, nesse empenho
cotidiano do ser-aí, é caracterizando por Heidegger como tendo o modo de ser do utensílio

13Essa noção, trabalhada em outras obras de Heidegger, é tematizada aqui a partir do horizonte de considerações
de Ser e Tempo cuja tarefa de desenvolvê-la em seus três momentos estruturais é anunciada primeiro no §12 e o
seu desenvolvimento ocupará Heidegger nos capítulos de três, quatro e cinco da obra.
14 Tratei só de utensílios, pois é o que aparece por primeiro no caminho metodológico da analítica existencial
quando na exposição da mundanidade do mundo enquanto significância. Posteriormente, §26, Heidegger irá
demonstrar que o mundo não é só, enquanto significância, para a liberação do manual em sua determinação
conjuntural (bewandtnisbestimmt), mas também e isso de maneira inseparável, para liberação do ente que tem o
modo de ser do co-ser-aí (Mitdasein) enquanto imbricado na totalidade de referência do utensílio e que tem seu
horizonte de relacionabilidade possibilitado pela estrutura do ser-com (Mitsein) pertencente ao ser-em.
15 “Kein Existenz-Verständnis ohne Welt-Verständnis und umgekehrt”, Cf. cf. von HERRMANN, F.-W.,
Hermeneutische Phänomenologie des Daseins: Eine Erläuterung von “Sein und Zeit”, Band 1: “Einleitung: Die
Exposition der Frage nach dem Sinn von Sein”, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1987. p 130
17

(Zeug), i.e., é um ente para um para quê específico que se apresenta numa determinada
conjuntura (Bewandtnis) específica.
É importante ressaltar que, embora nos parágrafos que irão ser tratados na análise do
ser-sozinho cotidiano (alltägliches Alleinsein), a cotidianidade apareça, na maioria das vezes,
como associada à impropriedade, aqui irá se manter afastada a identificação necessária entre
cotidianidade e impropriedade. Em outras palavras, ao se dizer cotidiano se está mais
delimitando metodologicamente, ou melhor, assegurando a sua não distorção para uma
possível análise existencial (preocupação com o modo privilegiado de encontro, para que o
ser se mostre em si mesmo). Assim, vemos o substantivo abstrato alemão “Alltäglichkeit”
sendo 1. usado em SeT (§5 p. 54) para assegurar o modo de acesso ao ser do ser-aí contra
qualquer ideia de ser que não seja extraída do próprio ente, mas projetada 16 e no §9 vemos
uma inegável separação feita por Heidegger entre cotidianidade e impropriedade. 17 Heidegger
identificará esse ser-aí cotidiano já sempre no modo da lida ocupacional, de caráter ateorético
– em contraposição ao caráter teorético derivado do ateorético.
Com o que foi dito, obtemos distinções e delimitações terminológicas úteis para nosso
atual empreendimento. São elas as seguintes. Temos 1. as possibilidades existenciárias do ser-
aí, 2. os modos de levar a cabo dessas possibilidades existenciárias, 3. ser-aí em sua
cotidianidade e 4. ser-aí em sua não cotidianidade. Recapitulando e sintetizando. 1.
Possibilidades existenciárias são aquelas nas quais o ser-aí é lançado e, em se projetando
nelas, as abre ao modo de um compreender-se a partir delas; essas possibilidades podem ser
levadas a cabo 2. de maneira própria ou imprópria, i.e., quando o ser-aí tem a interpretação
de seu ser enquanto se compreendendo como projeto-lançado (propriedade) ou não
(impropriedade). Sendo necessário destacar, quanto a essas duas possibilidades fundamentais
que a propriedade, enquanto compreender-se como projeto-lançado, envolve necessariamente
a compreensão da própria finitude, justamente na medida em que a única possibilidade que
pertence ao ser-aí intrínseca e inexoravelmente é a da sua própria morte. Contudo, existindo
de maneira própria ou imprópria em alguma possibilidade de ser, o ser-aí existe em sua 3.
cotidianidade de início e na maioria das vezes absorvido pela lida ocupacional não-refletida e
ateorética com os entes que lhe vêm ao encontro. Esse modo no qual o ser-no-mundo
predominantemente se mantém 4. pode se transformar, a partir de sua cotidianidade, em um

16 “Und zwar soll sie das Seienden in dem zeigen, wie es zunächst und zumeist ist, in seiner durchschnittlichen
Alltäglichkeit” (SuZ, p. 16)
17 “Die durchschnittliche Alltäglichkeit des Daseins darf aber nicht als ein bloßer »Aspekt« genommen werden.
Auch in ihr und selbst im Modus der Uneigentlichkeit liegt a priori die Struktur der Existenzialität.” (SuZ, 44)
(Grifo meu). De maneira excepcional, preferi colocar no original, pois a tradução brasileira obscurece essa
distinção.
18

comportamento teorético, no qual há a suspensão da compreensão ateorética e consequente


entrada em cena da abordagem considerativa; contudo, realizada essa abordagem, o ser-aí
volta para sua cotidianidade (Cf. SeT, §13). Do mesmo modo a analítica existencial é uma
possibilidade que o ser-aí leva a cabo saindo de seu ser-aí cotidiano, pois caracterizada por
um questionamento temático de estruturas de ser - mas sempre voltando para ela (para a
cotidianidade).

2.4 O SER-COM COMO CONDIÇÃO EXISTENCIAL DE POSSIBILIDADE PARA O


APARECIMENTO DO OUTRO

Assim, temos um ponto de partida para identificar a tematização do “outro como eu”
que, como iremos ver, já estava sempre pressuposto18 como resultado do dar-se do mundo: 1.
a partir do modo mais próximo de ser do ser-aí, a cotidianidade e 2. a partir da constituição
fundamental do ser-no-mundo. A análise do outro irá concentrar-se no §26.
No §26 de SeT é mostrado que esse momento estrutural do mundo, do ser-com, já foi
anteriormente (SeT, p. 119) evidenciado na análise de Heidegger da mundanidade do mundo.
No entanto, falta esclarecer como o ser-com é constitutivo do ser do ser-aí enquanto ser-no-
mundo e, além disso, como esse co-ser-aí nos vem ao encontro na cotidianidade mediana.
É curioso observar também que, já na análise feita no §15 de SeT, na qual é
evidenciada a estrutura ontológica dos utensílios por meio de seu encontro na ocupação, os
outros não nos vêm ao encontro de maneira temática, muito menos enquanto percepção de
corpos, mas, sim, de modo não temático, implícito, a partir da não surpresa da circunvisão.
Além disso, esses outros não vêm ao encontro no modo de ser da manualidade
(Zuhandenheit) ou perantidade19 (Vorhandenheit); como acontece, no primeiro caso, com a
ocupação subordinada a uma circunvisão aberta numa malha referencial de uma conjuntura
própria e, no segundo, quando essa referência se acha perturbada (§17), mas ainda na
circunvisão. Não. Os outros nos vêm ao encontro em sua lida ocupacional com esses
utensílios, que possuem seu (o dos utensílios) significado fundado nessa lida que os descobre
18 Aqui Heidegger mostra que, primeiro, o outro já apareceu nas análises dos parágrafos anteriores de SeT e,
segundo, que a sua resposta também já se encontra “de uma certa maneira preparada”: “Quando dissemos com
todo direito que as explicações precedentes do mundo permitiram visualizar os demais momentos estruturais de
ser-no-mundo, a resposta à questão quem já deveria estar de certo modo preparada” (SeT, p 173)
19 "O que está aí perante mim", termo utilizado para se aproximar mais do sentido do termo alemão
Vorhandenheit. Adotado a partir da leitura trabalho de Paulo Alexandre Lima (LIMA, 2012).
19

enquanto ser-para. Nesse sentido, pode-se dizer, juntamente com Heidegger, que “Nas
ocupações com o mundo circundante, os outros nos vêm ao encontro naquilo que são. Eles
são o que empreendem.” (SeT, p. 183)
Ademais, os outros não figuram como uma alteridade absoluta, mas são entes com os
quais compartilhamos o ser-no-mundo. Este ser-para (um zu)…, estrutura ontológica dos
utensílios, que remete sempre a um para quê (wozu), não é somente no meu aí enquanto meu
mundo, os utensílios também são para os outros e esses outros são descobertos justamente
nesse caráter compartilhado do mundo. Vemos isso no exemplo que Heidegger dá:

“A obra produzida não se refere apenas às possibilidades de emprego para que


(Wozu) serve, nem à matéria de que (Woraus) é feita. Em situações meramente
artesanais, a obra traz também uma referência ao portador e usuário. A obra é
talhada sob medida, ele “é” na fabricação da obra” (SeT, p. 119)

Assim, o mesmo mundo que está disponível para mim e é condição existencial de
possibilidade da compreensibilidade do ente intramundano enquanto tal, também está
disponível para os outros. O outro é co-ser-aí, ele também é no aí que também é o meu. É na
mesmidade (Gleichheit) do ser do utensílio para o outro que o mundo se mostra enquanto
mundo compartilhado (Mitwelt).
Esclarecendo um pouco mais, podemos perguntar: em que sentido os outros são “com”
e “também” aí? Com a preposição “com” (Mit) não se está a falar, diz Heidegger, de um “Mit-
Vorhandenseins”, i.e., de um categorial, estrutura de ser própria de entes que não possuem o
modo de ser do ser-aí (“nichtdaseinmässig”). O “Mit”, aqui, denota muito mais uma
característica de ser do ente que possui o modo de ser do ser-aí (“daseinmässig”) de tal forma
que o “Mit” aponta para o “Da” — que já é sempre compartilhado: meu aí é o aí que está
constitutivamente marcado pela referência a outros que também compartilham do modo de ser
da existência, de ter que ser o aí e que inclusive partilham da malha referencial em que eu
também me movo na lida ocupacional com os entes. Dessa maneira, o “também” (Auch)
aponta justamente para essa mesmidade do ser de ter o aí, de existir enquanto ser-no-mundo
ocupado em uma circunvisão. Assim, os outros, enquanto entes intramundanos que possuem
também o ser ao modo da existência, são co-ser-aí (Mitdasein).
Para uma maior compreensão da convivência (Miteinandersein) que está em jogo na
coexistência é necessário, no entanto, introduzir a célebre análise de Heidegger do “sujeito”
20

da cotidianidade, a saber, o impessoal. Este, por sua vez, se revela, para uma análise
fenomenológico-hermenêutica, como o modo cotidiano de ser si-mesmo, respondendo à
seguinte pergunta: quem é o ser-aí na cotidianidade?

2.5 O IMPESSOAL COMO O “SUJEITO” DA COTIDIANIDADE

No quarto capítulo de SeT, “O ser-no-mundo como ser-com e ser-si mesmo. O


“impessoal””, Heidegger se propõe a investigar quem é no modo da cotidianidade mediana do
ser-aí. Essa tarefa, estabelecida no §12, tem como alvo conceituar o quem da cotidianidade
mediana do ser-aí, apreendendo-o como um modo de ser no qual o ser-aí se mantém de início
e na maioria das vezes, i.e., predominantemente.
No momento atual deste trabalho e para fins de seu objetivo, interessa-nos, dado que o
existencial do ser-com e o co-ser-aí já foram suficientemente desenvolvidos, o modo
cotidiano de ser-si mesmo, denominado por Heidegger de impessoal (das Man). Isso se deve à
abertura própria ao impessoal, que determina, por um lado, a constelação de sentidos legados
e cristalizados na cultura que são articulados tanto pelo ser-aí próprio como pelo ser-aí
impróprio. Com a diferença que, no último caso, a abertura do si-mesmo impessoal toma-lhe
as rédeas da existência e define o que Heidegger chama de existência imprópria – como
iremos ver.
Do resultado das análises anteriores, deve-se manter presente que o ser-aí é um poder-
ser-no-mundo que sempre está ocupado com os utensílios e preocupados com os outros co-
ser-aí em virtude de uma possibilidade de si mesmo a partir da qual ele, lançado, compreende
a si mesmo.
Um primeiro caráter do si-mesmo da cotidianidade mediana é denominado por
Heidegger de afastamento (Abständigkeit), que busca expressar uma certa tendência do ser-aí
de comparar-se a todo momento com os outros. Dessa comparação, resulta a predominância
do ser para uma possibilidade de comparar-se com o outro, seja para nivelar as diferenças,
seja para subjugar o outro que se encontra aquém e até mesmo para se chegar naquele de que
está além. Não sendo um comportamento contingente que estaria em jogo ou não, pois
Heidegger identifica-o como um existencial do ser-aí, nesse afastamento evidencia-se uma
certa subordinação do ser-aí a um ser-aí cujo ser é para possibilidades nas quais o outro detém
21

a tutela e a primazia. No entanto, este outro, diz Heidegger, não é este ou aquele, mas um
outro indeterminado, pois qualquer outro poderia assumir-lhe o lugar. Nesse sentido, “O quem
não é este ou aquele, nem o si mesmo do impessoal, nem alguns e muito menos a soma de
todos. O “quem” é o neutro, o impessoal” (SeT, 183). Com isso, Heidegger fala de um
domínio do impessoal que predomina no si-mesmo cotidiano.
Sendo uma característica ontológica da convivência, tanto o afastamento quanto o
domínio do impessoal estabelecem o que Heidegger chama de ditadura do impessoal. Pois, na
medida em que cada um é para uma possibilidade derivada não de uma compreensão de si
mesmo enquanto tal, mas em virtude de uma possibilidade com vista a um outro, os
significados e sentidos abertos não são liberados em virtude de uma possibilidade de ser si-
mesmo em sentido próprio, mas em vista de uma possibilidade na qual o ser-aí é um si-
mesmo impessoal. Dessa forma, os significados que nos são legados e são cristalizados nos
mais diversos poder-ser fáticos são aqueles que vigoram, regendo o comportamento de cada
um como um conjunto impessoal de regras. Com isso, tem lugar uma certa prescrição, uma
regulação de possibilidades por uma instância anônima no qual todos regulam e são regulados
e ninguém é o detentor dessa instância. Assim, “O impessoal, que não é nada determinado,
mas que todos são, embora não como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade” (SeT,
p. 184)
Com isso, tem lugar um modo de ser do impessoal a medianidade. Esse modo de ser é
um caráter existencial do impessoal, no qual está em jogo a tendência do impessoal de negar a
primazia de qualquer possibilidade, pois administra as possibilidades do que se deve fazer, do
que se deve ousar, do que se é permitido fazer. Essa medianidade do impessoal tem por
consequência o nivelamento das possibilidades de ser. Isto é, cada possibilidade de cada ser-aí
é igual a qualquer outra, pois qualquer um poderia ter feito o que cada um fez.
Com esses caracteres desenvolvidos até aqui, chega-se a uma caracterização suficiente
do que Heidegger denomina com o “público” (Öffentlichkeit). Este “rege, já desde sempre,
toda e qualquer interpretação do ser-aí e do mundo, guardando em tudo o seu direito” (SeT, p.
184)
Essa familiaridade proporcionada pelo ser-no-mundo público não tem como
fundamento um ser originário para aquilo que ela compreende. Pelo contrário, os significados
em validade são aqueles impessoalmente aceitos. Nesse sentido, na medida em que o público
rege o ser si-mesmo impessoal, i.e., o modo no qual o ser-aí se mantém de início e na maioria
das vezes, o ser-aí desde sempre já abdicou de decidir, ele mesmo, dessa ou daquela forma.
Logo, o ser-aí, relegando a abertura do seu si-mesmo ao modo de ser si-mesmo
22

público, crê estar se desencarregando da responsabilidade do próprio ser que lhe pertence.
Pode-se dizer, com base no desencargo, que o ser si-mesmo público envolve uma “tendência
de superficialidade e facilitação”.
Conclusivamente, diz Heidegger: “Todo mundo é o outro e ninguém é si mesmo. O
impessoal, que responde à pergunta quem do ser-aí cotidiano, é ninguém, a quem o ser-aí já se
entregou na convivência de um com o outro” (SeT, p. 185)
Ademais, segundo o desenvolvimento de Heidegger do conceito de impessoal, por
mais que o ser-aí compreenda-se a partir de seu próprio ser, não se exclui o impessoal, pois
ele é

“(…) um existencial, e enquanto fenômeno originário, pertence à constituição


positiva do ser-aí” (SeT, p. 186). Dessa forma, enquanto o ser-aí impropriamente si-
mesmo compreende o seu poder-ser-no-mundo e o mundo dentro das possibilidades
e parâmetros oferecidos pela interpretação do impessoal, o ser si-mesmo
propriamente consiste numa “modificação existenciária do impessoal como
existencial constitutivo” (SeT, p. 188).

Contudo, a primeira abertura do mundo e na qual o ser-aí na maioria das vezes se


mantém, segundo Heidegger, é a possibilitada pela familiaridade da interpretação do
impessoal. Assim, pode-se dizer que “Numa primeira aproximação, o ser-aí fático está no
mundo comum, descoberto pela medianidade. Numa primeira aproximação, “eu” não “sou”
no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal” (SeT, p.187).
23

3 A DUPLA DIMENSÃO DA SOLIDÃO HUMANA: O SER-SOZINHO E A


SINGULARIZAÇÃO.

3.1 SER-AÍ COMO SER-SOZINHO: O SER-COM COMO FUNDAMENTO


ONTOLÓGICO EXISTENCIAL DA EXPERIÊNCIA COTIDIANA DE SOLIDÃO.

Com o que foi dito até agora, talvez estejamos preparados para responder a pergunta:
como é que o estar-só (Alleinsein) se instaura no ser-aí cotidiano? E quais estruturas
existenciais são sua condição de possibilidade? Primeiramente, é necessário notar que, sendo
o ser-com (Mitsein) constitutivo do ser-aí e condição de possibilidade para que o outro se
apresente como outro, i.e., um a priori que possibilita o “enquanto outro como eu”, como co-
ser-aí (Mitdasein), a princípio, o tratamento da experiência da solidão terá que ser feito a
partir de uma análise das possibilidades da estrutura ontológica do ser ser-com. Desse modo,
pode-se dizer que a solidão é muito mais algo que acontece ao ser-aí e não algo que deve ser
encarado como ponto de partida superficial de um sujeito isolado que, posteriormente, tece
relações com outros20. Nesse sentido, é fundamental a caracterização do ponto de partida da
análise do outro feita por Heidegger:

“(…) a interpretação positiva do ser-aí feita até aqui impede que se parta do dado
formal do eu com vistas a uma resposta fenomenalmente suficiente da questão
quem. O esclarecimento do ser-no-mundo mostrou que, de início, um mero sujeito
não “é” e nunca é dado sem mundo. Da mesma maneira, também, de início, não é
dado um eu isolado dos outros” (SeT, p. 172)

Agora, a partir de então, a tarefa será analisar o que está envolvido na solidão do ser-
aí. Para tal empresa, iremos nos basear nos enunciados contidos no seguinte trecho de SeT
(176,177):

20 Interpretação que também tem sua origem existencial, segundo Heidegger (SeT, §26).
24

“O ser-com determina existencialmente o ser-aí mesmo quando um outro não é, de


fato, dado ou percebido. Mesmo o estar-só do ser-aí é ser-com no mundo. Somente
num ser-com e para um ser-com é que o outro pode faltar. O estar-só é um modo
deficiente de ser-com e sua possibilidade é a prova disso. Por outro lado, o fato de
estar só não é eliminado porque “junto” a mim ocorre um outro exemplar de homem
ou dez outros. O ser-aí pode estar só mesmo quando esse e ainda outros tantos são
simplesmente dados. O ser-com e a facticidade do co-ser-aí não se fundam, pois,
numa ocorrência simultânea de vários “sujeitos”. O estar só “entre” muitos também
não diz, com referência ao ser dos muitos, que eles sejam algo simplesmente dado.
Nesse estar só “entre” muitos também não diz, com referência ao ser dos muitos que
eles sejam algo simplesmente dado. Nesse estar “entre eles”, eles são co-ser-aí; seu
co-ser-aí vem ao encontro ao modo da indiferença e estranheza. A falta e “ausência”
são modos do co-ser-aí, apenas possíveis porque o ser-aí, enquanto ser-com, permite
o encontro de muitos em seu mundo”

Por meio desses enunciados identificamos dois tipos de situações que, num primeiro
olhar, poderiam configurar a experiência de solidão, a saber: o 1. estar-só perceptivo e 2. o
estar-só existenciário (Alleinsein).21 Como veremos, Heidegger irá apresentar outros critérios
para descrever a solidão, o que implicará, como consequência, que o chamamos de estar-só
perceptivo não possa ser, rigorosamente, denominado de solidão.
Antes de adentrarmos na interpretação do texto, é necessário dizer que Heidegger não
reserva um tratamento privilegiado à ocorrência do fenômeno do ser-sozinho. Pelo contrário,
lhe reserva um tratamento marginal, visto que sua intenção é mostrar que o ser-com é uma
estrutura ontológica que independe da presença física do outro. Nesse sentido, a fim de
ilustrar e de melhor desenvolver os contornos do referido fenômeno, utilizar-se-á da
reconstrução de alguns contextos fenomenais capazes de traduzir a distinção entre o que
chamamos de estar-só perceptivo e estar-só existenciário (Alleinsein). Dito isso, continuemos.
Visto que o estar-só se pode dizer de dois modos – pelo menos numa primeira
aproximação –, tratemos do primeiro para ver que ele de modo nenhum se confunde com o
segundo.
O estar-só perceptivo, ou solidão perceptiva, se deixa mostrar a partir de um contexto
fenomenal muito habitual e, na verdade, é como de início e na maioria das vezes alguém nos
diz que “está só”. Vejamos um contexto fenomenal para que acentuemos seu contorno: “Eu
estou na faculdade, acabaram as aulas por hoje, vou para casa, passo duas horas em
transportes públicos, em seguida chego em casa. Ao chegar em casa, cansado, sem reparar
muito, sento e vou assistir algo. Passado algum tempo, recebo a ligação de um colega,
perguntando se pode vir a minha casa e, para não incomodar, ele pergunta se há alguém

21Cf. LIMA,2012 para uma problematização maior dessa distinção.


25

comigo e eu lhe respondo: ‘Pode vir, estou só’.”22


Ora, em que sentido falo que estou só? Qual o componente que, na presença dele, faz-
me estar numa situação de “não-solidão” e, na sua ausência, na situação de “solidão” neste
caso?
O nome que especifica o tipo de “solidão” já nos fornece o caminho. Eu, ao me
deparar, ao visualizar perceptivamente (olfato, tato, visão, audição etc), enuncio que estou só,
i.e., não se dão outras pessoas aí, perante mim e ao meu redor e, portanto, “estou só”. Mas,
pelo que foi exposto da estrutura do ser-com, não é um estar-só absoluto, pois se o ser-aí não
fosse determinado pelo ser-com o faltar ou não faltar do outro não seria nem indiferente nem
não indiferente, simplesmente não haveria relação de ser. Esse estar-só é muito mais
possibilitado pelo condicionante do ser-com, como o próprio Heidegger diz “Também o estar-
só do ser-aí é um ser-com no mundo” (SeT, 176).
Com isso, vemos que esse componente que nos faz dizer “estou só” é não a ausência
de um outro qualquer, mas de um outro “como eu”. Pois, neste caso, diante da presença
perceptiva de outros “como eu”, não diríamos “estou só” - se quiséssemos reproduzir o
mesmo contexto fenomenal. E esse vir ao encontro dos outros no modo da ausência tem por
plano de fundo não tematizado uma comunidade já instituída: é o ser-com possibilitando uma
comunidade própria, a comunidade de casa, familiar em que os outros normalmente estão lá,
só que dessa vez não; e, sendo eles também outros como nós, não é estranho que eles não
estejam em casa, pois também têm o mundo compartilhado (Mitwelt) como um em causa para
si, onde eles têm que executar seu ser que lhe foi entregue e isso exige, para alguns mais e
para outros menos, mas sempre em alguma medida, ausentar-se de casa. Por isso, no mundo
aberto para mim, eles podem vir ao encontro no modo da ausência perceptiva.
No entanto, se atentarmos bem aos enunciados de Heidegger, não parece que com a
expressão “Alleinsein” ele tem em mira esse encontrar-se só perceptivo. O que nos autoriza a
falar isso é quando ele diz:

“Mesmo o estar-só do ser-aí é ser-com no mundo. Somente num ser-com e para um


ser-com é que o outro pode faltar. O estar-só é um modo deficiente de ser-com e sua
possibilidade é a prova disso. Por outro lado, o fato de estar só não é eliminado
porque “junto” a mim ocorre um outro exemplar de homem ou dez outros. O ser-aí
pode estar só mesmo quando esse e ainda outros tantos são simplesmente dados.”

22 Na realidade, não precisamos pronunciar para termos essa compreensão.


26

Assim, nos detenhamos neste período: “O estar-só (Alleinsein) é um modo deficiente


do ser-com (Mitsein”). Mas, vendo a solidão que dissemos perceptiva e seu correspondente
contexto fenomenal, conclui-se que não houve nenhuma deficiência do ser-com (ein
defizienter Modus), pois a ausência perceptiva ou o simplesmente não dar-se dos outros, que
são ocorrências ônticas, não podem alterar em nada o ser-com, pois este é justamente a
condição de possibilidade para o aparecimento enquanto não serem percebidos e não serem
simplesmente dados. Além disso, vimos no contexto fenomenal que esse vir ao encontro dos
outros no modo da ausência tem por plano de fundo não tematizado uma comunidade já
instituída; no caso do exemplo, a comunidade familiar, doméstica, marcada pela não surpresa
da cotidianidade. Assim, já que o Alleinsein que está sendo descrito na situação não é o da
mera ausência perceptiva, ainda que digamos “estou só” quando isso se dá, qual o contexto
fenomenal para que Heidegger está apontando quando ele fala de um ser-só (Alleinsein) como
modo deficiente do ser-com?
Nesse sentido, só em parte pode-se dizer que a solidão perceptiva é de fato uma
solidão. Na verdade, o contexto fenomenal do dito “estou só” poderia se referir a um outro
cenário que a dita solidão perceptiva em nada seria determinante e que parece reproduzir
melhor a noção de Alleinsein no contexto do parágrafo em que é enunciada. E isso, como
procuraremos mostrar, é o que acontece de fato. Vejamos.
“É sábado, não há aulas na universidade. Saio para passear um pouco, pensar e, como
meus amigos estão ocupados, saio sozinho, vou até o Marco Zero, Recife Antigo. Chegando
lá, sento-me num banco e ponho-me a observar com a circunvisão espraiada e solta. Vejo
pessoas que se entretêm em conversas, casais jovens apaixonados olhando para o belíssimo
horizonte ornado pela desconcertante obra artística de Brennand. Em suma, estou cercado de
pessoas que estão absorvidas em seu círculo social. No entanto, vem a mim o pensamento:
‘estou me sentindo tão só’.” Mas há, perceptivamente pessoas ao meu redor, diferentemente
da primeira situação e, porém, mais só que nunca. O que surpreende nessa situação é que
essas saídas se repetem e nem sempre me sinto só, muito embora sempre quando não tem aula
costumo passear no Recife Antigo. O que mudou para que, dessa vez, me sinta só?23
Ainda que as expressões sejam confundidas e pronunciadas muitas vezes sem
nenhuma distinção, dizemos na maioria das vezes “estou só” quando estamos

23 Uma objeção possível que simplificaria a questão e domesticaria o mistério seria a de que me sinto só
somente porque não estabeleci nenhum tipo de relação com as pessoas ao meu redor. Aceitaria de bom grado tal
objeção, no entanto, ficaria ainda questionável o poder do estabelecimento de relações para mitigar a referida
solidão, pois nada mais comum que nos sentimos só mediante a melhor confraternização com nossos colegas e,
às vezes, amigos.
27

perceptivamente só; já o dito “estou me sentindo tão só”, normalmente é proferido em


situações que independem da presença perceptiva ou não de pessoas, de seu aparecimento,
como foi descrito neste último contexto fenomenal. Assim, nessa situação que traduz mais
adequadamente o que aqui entendemos por solidão existenciária, o componente que faz passar
da não-solidão à solidão e vice-versa não é o aparecimento, a presença perceptiva fática dos
outros, mas um outro elemento. E parece ser para isso que Heidegger aponta ao dizer:

"Por outro lado, o fato de estar só não é eliminado porque “junto” a mim ocorre um
outro exemplar de homem ou dez outros. O ser-aí pode estar só mesmo quando esse
e ainda outros tantos são simplesmente dados..”

Ainda que Heidegger não diga explicitamente o que está em jogo no Alleinsein, ele
nos fornece indicações que nos permitem caracterizar o fenômeno da solidão: 1. o estar-só se
dá numa referência ao ser-com, i.e., num modo deficiente deste; 2. o aparecimento do outro
sob a estrutura “enquanto outro” é possibilitado pela condição existencial de possibilidade que
é o ser-com e 3. o ser-com é, em última análise, constitutivo do ser do ser-aí, caracterizado
por ter seu ser em jogo e, por isso – como dissemos –, está ocupado num empreendimento de
si, num cuidado de si, num em virtude de (Worumwillen), que condiciona o aparecimento de
tudo que nos vem ao encontro. Assim, o Alleinsein deve ser abordado tendo presente esses
resultados das análises anteriores, i.e., deve ser abordado de maneira existencial.
Portanto, o Alleinsein é um fenômeno possibilitado pelo ser-com e se dá em referência
a ele. Além disso, também vimos que o ser-com é algo que permite que encontremos o outro
enquanto co-ser-aí e isso é possível porque o aí, aberto como o em virtude do qual eu sou, é
também o em que os outros se apresentam como também compartilhando do mesmo mundo
ao modo de um em virtude de… Assim, analisando bem, a convivência (Miteinandersein), a
comunidade é possibilitada pelo ser-com; e o estar-só, por sua vez, se dá com referência ao
ser-com e, mais especificamente, numa fratura dele. Malgrado o estar-só seja uma perturbação
do ser-com, não é aquela perturbação, insignificância total (Unbedeutsamkeit) trazida pela
singularização (Vereinzelung)24 – como iremos ver – que atinge o mundo em sua
integralidade. Essa fratura do ser-com é menos abrangente. Ela não põe em jogo o mundo
enquanto horizonte de sentido do aí, mas muito mais faz com que o outro me venha ao

24 Cf. §40
28

encontro enquanto co-ser-aí faltante, ele estando presente perceptivamente ou não. 25 No


entanto, o que possibilita essa deficiência do ser-com? Heidegger não nos deixa com
respostas, apenas diz que, nesse caráter deficiente do ser-com o outro se apresenta como
estranho e indiferente.

Se considerarmos o exposto no começo do trabalho, os existenciais trabalhados na


primeira seção de Ser e Tempo e tentarmos compreender esse parágrafo, pode-se chegar a
seguinte compreensão.
Acaso não é o empreendimento de cada ser-aí, a desformalização do poder-ser que, em
sua estrutura projetiva, libera o horizonte a partir do qual os outros podem vir ao encontro do
ser-aí segundo suas possibilidades? E, neste caso do “outro como eu” (Mitdasein), nas
possibilidades de convivência? De fato, talvez exista alguma verdade nisso e também no
“sentir” do “sentir-se só”, pois só assim, por meio de uma disposição (§29), posso colocar-me
diante de mim mesmo e tematizar o poder-ser que eu sou e os outros saírem da sua não
surpresa no modo de uma falta que faz com que nosso poder-ser desvele-se como peso, de
modo a não nos sentirmos interessados nas ocupações, pois não temos coragem para assumir
o poder-ser sem o outro, sem os outros. Assim, poderíamos falar que a fratura do ser-com
aponta muito mais para o si-mesmo que o ser-aí tem de ser e a abertura deste ser que se é e
que tem que ser enquanto peso.
Essa relação entre as possibilidades do ser-com, incluídas aí as possibildades de sua
deficiência e sua suficiência, e a compreensão de si mesmo é importante na medida em que
Heidegger reconhece na passagem da impropriedade à propriedade uma mudança radical do
modo do ser com o outro. De tal forma a podermos falarmos de uma convivência fundada na
propriedade e de uma convivência fundada na impropriedade enquanto possibilidades
distintas. Enquanto nesta última predomina o que Heidegger chama de substituição, no
primeiro modo de convivência, fundado na propriedade, predomina o que ele chama de salto
antecipador (Cf. SeT, pp. 178, 179).
A substituição tem como pressuposto uma compreensão do modo de ser do co-ser-aí
como algo com que se ocupa, pois toma-lhe as rédeas da existência do outro, decidindo e
“resolvendo” a existência do outro e seu ter de ser. Ela se apresenta, a meu ver, mais

25 O que torna o fenômeno ainda mais interessante. É possível que mesmo quando estamos com alguém que
normalmente não nos sentimos só, essa fratura no Mitsein, faz com que este outro, malgrado sua presença
perceptiva, venha ao encontro no modo da falta e nos gera um certo “mal estar”, ela está lá e, porque está lá, sua
presença fatual impõe de maneira mais insistente a falta no Mitsein. Por isso, às vezes se diz que com algumas
pessoas se está mais só que consigo mesmo.
29

comumente na forma, do “se eu fosse você, eu faria isto e aquilo”. Isto é, a existência do outro
e a tarefa de ser são compreendidas, de saída, como algo passível de ocupação e algo com o
qual o ser-aí tivesse de resolver para o outro, para devolver-lhe em seguida algo disponível,
tirando o encargo do peso de ter de ser o próprio ser do co-ser-aí. As consequências desse
modo extremo impróprio, posto que não compreende o co-ser-aí enquanto tal, estabelece uma
relação de dominação, na medida em que – ainda que tacitamente – se permanece sob a tutela
do outro.
O salto antecipador, a outra possibilidade positiva e extrema de ser para o co-ser-aí,
pode ser caracterizado como um modo próprio de ser para um outro, pois de acordo com
Heidegger:

“Somente a decisão de si mesmo coloca o ser-aí na possibilidade de, sendo com os


outros, se deixar “ser” em seu poder-ser mais próprio e, juntamente com este, abrir a
preocupação liberadora e antecipadora. Somente a partir do ser si-mesmo mais
próprio da decisão é que brota a convivência em sentido próprio. Esta não brota nem
dos compromissos ambíguos e invejosos das alianças tagarelas características do
impessoal e nem de qualquer coisa que, impessoalmente, se queira empreender”
(SeT. pp. 379, 380)

Nesta possibilidade, o cuidado com a própria existência não é tomado, mas sim
restituído, devolvido para o outro enquanto tal. Nessa possibilidade, a existência do outro é
compreendida enquanto um poder-ser assumido como tarefa. E, justamente com essa
compreensão, esse modo de preocupação busca levar o outro a compreender e tornar-se livre
para a sua própria existência e a responsabilidade que ela encerra.
Nessa modificação, para as finalidades desse trabalho importa-nos sobremaneira a
transformação do modo no qual o ser-aí é para o co-ser-aí, isto é, a configuração que assume o
ser-com da preocupação com os outros na medida em que passa a ser determinado pela
abertura do poder-ser mais próprio. Na abertura própria, o ser-aí, diz Heidegger, não paira
etereamente sobre as possibilidades, mas sim, permanece ser-no-mundo, mas propriamente,
isto é, o ser-aí dá uma nova configuração a ocupação com os utensílios e a relação com o
outro, por sua vez, passa a se dar nos termos da possibilidade positiva da preocupação
liberadora e antecipadora.
Feito esse parêntese sobre os modos de preocupação, é necessário falar que, por mais
que seja reconhecido, em primeiro lugar, que a passagem da impropriedade para a
30

propriedade envolva uma mudança no modo de relacionar-se com o outro e, em segundo


lugar, que ser si-mesmo e ser-com possuem um nexo estrutural, isso não é claro como isso
nos autorizaria a identificar a solidão, tal como desenvolvida até agora, com uma das duas
possibilidades fundamentais, a saber, a propriedade e a impropriedade.
Nesse sentido, entendo que, para uma discussão mais palpável da suficiência ou
deficiência dos modos do ser-com – e, consequentemente, da solidão que daí deriva –, seria
preciso lançar mão de um maior desenvolvimento da noção de Mitsein, Mitdasein,
Miteinandersein, cuja análise resvalasse em análises existenciais mais concretas dos modos de
ser-com. Dessa forma, percebe-se que falta em Heidegger uma discussão mais pormenorizada
acerca das mais diversas possibilidade de relação. Seria o caso de perguntarmos o que está em
jogo propriamente na relação com o outro?
No entanto, para a finalidade do presente trabalho, basta a recondução do fenômeno
do Alleinsein a sua condição existencial de possibilidade, a saber, a estrutura existencial do
Mitsein. Essa recondução do fenômeno do ser-só à estrutura ontológica do ser-com nos faz
um retrato muito mais fiel e consegue ir mais longe ao traduzir a solidão enquanto uma
possibilidade do próprio fundamento da convivência. Afinal, tanto a solidão quanto a
convivência, em termos existenciais, têm muito pouco a ver com contato perceptivo e
aglomeração de corpos no mesmo local.

3.2 O FENÔMENO DA SINGULARIZAÇÃO E A SOLIDÃO ORIGINÁRIA DO SER-AÍ

3.2.1 Desenvolvimento do conceito de singularização a partir da angústia

A primeira tematização do fenômeno da singularização, na analítica existencial


levada a cabo em Ser e Tempo, dá-se no Sexto Capítulo (A cura como ser do ser-aí) de sua
obra, mais especificamente no §40, intitulado “A disposição fundamental da angústia como
abertura privilegiada do ser-aí”. No entanto, o sentido desse capítulo, bem como a
significação do aparecimento do referido fenômeno no contexto da ontologia fundamental,
31

tem sua significação explicitada no §39.


No sexto capítulo, Heidegger se debruça com a questão de resgatar a totalidade do
todo estrutural do ser-aí. Esta questão faz-se necessária na medida em que, com as análises
realizadas nos parágrafos anteriores da obra, o ser-aí, enquanto ser-no-mundo, foi analisado
quanto a diversos momentos constitutivos e estruturas ontológicas. Assim, surge a tarefa para
Heidegger de buscar a unidade desse todo: “Como se haverá de determinar, do ponto de vista
ontológico-existencial, a totalidade do todo estrutural indicado?” (SeT, p. 246)
Esse todo unitário que expressa o ser do ser-aí não poderia surgir, diz Heidegger, de
uma montagem de elementos, pois se carece do próprio ser visualizado de maneira unitária
para que se reconduza ontologicamente cada momento estrutural a unidade do ser do qual
foram derivados. Um caminho positivo, então, seria analisar se existiria uma disposição
compreensiva no ser-aí em que ele estaria aberto para si mesmo de modo privilegiado. Esse
modo de abertura privilegiado deve ser “uma das possibilidades de abertura mais abrangentes
e mais originárias dentro do próprio ser-aí. (...) O modo (...) deve ser tal que, nele, o ser-aí se
faça, de certo modo, acessível de maneira simplificada.” (SeT, p. 248). Esse modo
privilegiado, por ser o mais abrangente e o originário, é modo da disposição fundamental da
angústia – como se há de mostrar acompanhar neste parágrafo.
Assim, a introdução da disposição fundamental da angústia, na analítica existencial,
apresenta uma função metodológica privilegiada, na medida em que possibilita o acesso ao
ser do ser-aí em seu todo estrutural. Esse ser é denominado por Heidegger de cuidado
(Sorge): “A analítica do ser-aí que conduz ao fenômeno do ser-aí deverá preparar a
problemática ontológica fundamental, isto é, a questão do sentido de ser em geral” (p. 249)
A partir do que foi dito, é mais especificamente no §40 que se trata de responder à
questão de se a angústia constitui, de fato, uma disposição privilegiada que coloca o ser-aí
diante de si mesmo de maneira abrangente e originária o suficiente para apreendê-lo em sua
totalidade estrutural.
A análise da disposição fundamental da angústia, bem como de seu papel
metodológico fundamental para a ontologia fundamental, tem como ponto de partida o ser-aí
como ele se mostra de início e na maioria das vezes: compreendendo o seu próprio ser não a
partir de si mesmo, mas a partir do mundo. Assim, a análise parte do ser-aí cujo aí está
impessoalmente aberto.
No solo fenomenal da análise do ser-aí em sua impropriedade, verifica-se uma fuga de
si mesmo e de sua propriedade, enquanto poder-ser propriamente (SeT, p. 250). Nesse
sentido, diz Heidegger, para que o ser-aí fuja do poder-ser propriamente em direção a um
32

poder-ser impróprio, é necessário que aquilo de que se foge já tenha se aberto de alguma
maneira. Nesse sentido, diz ele: “Em meio a esse movimento ôntico de “para longe de”,
inerente ao desvio, pode-se compreender e conceituar aquilo de que se foge, “aviando-se”
para uma interpretação fenomenológica” (SeT, p. 251).
Esse desvio da decadência, diz Heidegger, não se confunde com a fuga própria do
fenômeno do medo (§30). Enquanto a fuga do medo funda-se num ente intramundano que, de
maneira ameaçadora, se aproxima, o desviar-se próprio da angústia tem como correlato um
ente cujo modo de ser é ser-no-mundo, é o próprio ser-aí.
Não sendo um ente intramundano que não possui o modo de ser do ser-aí, não poderia
se dizer que aquilo com que a angústia se angustia estabeleça, junto ao que o ser-aí se ocupa,
uma conjuntura prejudicial a partir de um determinado poder-ser fático. Isto é, a angústia não
se angustia com este ou aquele ente intramundano, mas sim com o ser-no-mundo como tal.
Assim, aquilo com que a angústia se angustia é indeterminado em termos de ente
intramundano. Desse modo, tendo o ser-no-mundo enquanto tal como aquilo que está em
causa, é pouco relevante este ou aquele ente em específico, pois mundo é justamente a
perspectiva em virtude da qual os entes são liberados a partir de um poder-ser. Por
conseguinte, todo e qualquer ente intramundano torna-se indiferente na angústia.
Nessa total insignificância do ente intramundano, o mundo, enquanto perspectiva para
o qual os entes são liberados em seu ser-possível, não desaparece. Pelo contrário, impõe-se
em sua mundanidade. Isto é, o mundo se impõe justamente a partir do seu fundamento: o
compreender enquanto existencial fundamental. Este, que está em causa na angústia, é
responsável por abrir o mundo como perspectiva liberadora dos entes em seu ser-possível para
uma possibilidade em virtude da qual o ser-aí, lançado, compreende a si mesmo se projetando.
A angústia não somente se angustia com…, mas também se angustia por…. A partir do
que foi dito, estando o mundo em causa, acessível em termos daquilo que o possibilita, a
angústia angustia-se não por um modo de ser determinado e nem por uma possibilidade
específica do ser-aí. A angústia angustia-se pelo próprio ser-no-mundo, diz Heidegger (SeT,
p. 254). Nesse sentido, “o “mundo” não é capaz de oferecer alguma coisa, nem sequer o co-
ser-aí dos outros.” (Ibid)
Ora, na medida em que todo e qualquer ente intramundano é relegado a mais completa
insignificância e indiferença por estar em causa justamente a mundanidade do mundo, isto é,
o próprio poder-ser do ser-aí, é retirado do ser-aí a possibilidade de compreender o seu
próprio ser a partir da interpretação pública que nele impera. Dessa forma, o ser-aí é colocado
diante de si mesmo, diante de toda a nudez do seu ser enquanto poder-ser-no-mundo.
33

Essa situação na qual o ser-aí encontra-se incapaz de buscar auxílio seja nas
ocupações, seja na convivência com os outros co-ser-aí, singulariza-o. Nessa singularização,
o ser-aí é colocado diante de si-mesmo enquanto ser-possível.
Com isso, o ser-aí, de saída, decaído da compreensão de si mesmo enquanto poder-ser
em direção a compreensão de si mesmo a partir do seu mundo, é levado, por meio da
singularização, diante do seu ser enquanto poder-ser. Nisso, revela-se a liberdade do ser-aí
enquanto “ser-livre para liberdade de escolher e acolher a si mesmo” (Ibid).
Com o que foi dito até agora, é possível confirmar a antecipação que Heidegger fez
quanto a função metodológica da angústia para analítica, pois ela mostrou ser uma disposição
fundamental suficientemente abrangente e originária para colocar o ser-aí diante de seu poder-
ser-no-mundo enquanto tal, destituído e sem auxílio de quaisquer subterfúgios que o mundo
possa lhe oferecer.
Com a análise da angústia evidenciou-se, portanto, seu poder de singularizar o ser-aí.
Essa singularização é resultado da total perda de significância de todo ser intramundano, isto
é, de toda preocupação com e ocupação junto a quaisquer entes. Essa perda de significância,
por sua vez, encontra seu fundamento justamente naquilo em que a significância tem o seu ser
e fundamento: o próprio poder-ser-no-mundo que está em causa para o ser-aí angustiado.
Sendo assim, o mundo, no qual o ser-aí inicialmente está familiarizado a partir da abertura
própria do si-mesmo impessoal, não fornece mais abrigo para uma compreensão de si mesmo
a partir dos significados cristalizados e correntes. Com isso, o ser-aí é empurrado para diante
de si mesmo em seu mais completo desamparo e estranheza.
Contudo, como foi destacado “A angústia arrasta o ser-aí para o ser-livre para…
(propensio in), para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já
sempre é.” (SeT, p. 254). Além disso, foi desenvolvido anteriormente neste trabalho que o
ser-aí sempre existe a cada vez numa das possibilidades fundamentais de seu ser. Ou ele
compreende-se a partir de seu próprio ser e é propriamente ou ele compreende-se a partir
daquilo que ele mesmo não é e é impropriamente. Nesse sentido, a liberdade franqueada pela
angústia não pode ser confundida com um salto imediato para a compreensão de si mesmo
enquanto poder-ser propriamente, mas sim o faz ver o seu próprio ser enquanto ser livre para
escolher entre a propriedade e a impropriedade. Nas palavras de Heidegger: “Só na angústia
subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa
singularização retira o ser-aí de sua decadência, revelando-lhe a propriedade e impropriedade
como possibilidades de seu ser” (SeT, p. 257)
Mesmo sendo livre para a escolha do seu poder-ser mais próprio, de início e na
34

maioria das vezes, o ser-aí existe impropriamente. Isso porque, como foi dito, a singularização
envolve um certo desmantelamento daquilo que, na existência decadente, traz segurança e
tranquilidade ao ser-aí. Isto é, envolve um certo esfacelamento da própria familiaridade que
marca a maneira como o ser-aí é junto ao seu mundo. Essa experiência, denominada por
Heidegger de desamparo e estranheza, é o que faz o ser-aí decadente fugir de si mesmo
enquanto poder-ser propriamente em direção ao ente intramundao, “a fim de que a ocupação
intramundana possa deter-se na familiaridade tranquila”(SeT, p. 255). Desse modo, “A fuga
decadente para o sentir-se em casa do que é público foge de não sentir-se em casa, isto é, da
estranheza inerente ao ser-aí enquanto ser-no-mundo lançado para si mesmo em seu ser”
(SeT, pp. 255, 256)

No contexto da análise da singularização a partir da angústia em SeT, cabe, todavia,


enxergá-la não somente a partir do tom negativo que talvez as expressões desamparo e
estranheza possa suscitar. Pode se dizer que, por um lado, o ser-aí encontra-se totalmente
desabrigado, sem pátria, na mais completa inospitalidade, pois aquilo que lhe dá familiaridade
é justamente o que na angústia vacila e na singularização está em jogo, o próprio projeto
primordial em virtude do qual o mundo e os significados podem fazer sentido. Contudo, por
outro lado, aquilo que está em causa é justamente aquilo que põe o ser-aí na proximidade de
todas as coisas, o poder-ser-si-mesmo, o projeto em virtude do qual o ser-aí compreende seu
ser e o dos demais entes. É justamente esse sentido positivo que Heidegger resgatará na
preleção Conceitos Fundamentais da Metafísica: mundo, finitude e solidão (1929/1930),
quando diz:

“Singularização não diz, aqui, que o homem se calcifica em seu eu diminuto e


ressequido, neste eu que se espraia junto a isto ou aquilo, que ele toma como sendo o
mundo. Essa singularização descreve muito mais aquele ficar só, no qual todo e
qualquer homem se vê pela primeira vez nas proximidades do que há de essencial
em todas as coisas, nas proximidades do mundo. O que é esta solidão, na qual o
homem sempre e a cada vez vem a ser como único?” (HEIDEGGER, 2015. p8)

Na mesma direção ele parece apontar no texto Paisagem Criativa: por que
permanecemos na província? (1934). Esse texto, feito pela ocasião da rejeição do segundo
convite para ocupar a cadeira de Filosofia em Berlim, além de ressaltar esse aspecto
fundamental da singularização, contrapõe a singularização ao estar-só:
35

“Frequentemente os habitantes da cidade ficam admirados com o longo e monótono


isolamento [Alleinsein] dos camponeses entre as montanhas. Mas não é isolamento
[Alleinsein], é solidão [Einsamkeit]. Nas grandes cidades, o Homem pode com
facilidade ser tão só [allein] como dificilmente estaria em qualquer outro lugar. Mas
lá ele nunca é solitário [einsam]. Pois, a solidão [Einsamkeit] tem o poder específico
não de nos isolar [vereinzelt], mas o de projetar todo ser-aí na proximidade da
ampla essência de todas as coisas” (HEIDEGGER, 1983. p. 11)

Claro é, nesse texto, que quando Heidegger diz que a solidão em questão não nos
isola, utilizando para expressar isso o verbo “vereinzeln”, ele, na verdade, está justamente
querendo dizer que a solidão (Einsamkeit), ao contrário do estar-só (Alleinsein), nos
singulariza na medida em que nela está em causa justamente aquilo que nos aproxima da
essência de todas as coisas, o próprio poder-ser que está em causa para o ser-aí a cada vez.26
Assim, caso interpretemos a singularização como evidenciando a existência do ser-aí
enquanto único, singularizado, ou seja, traduzindo o caráter solitário da sua existência, não é
que com isso se estabeleça que a única positividade da singularização está no desespero do
desamparo, mas assinala-se que, nela, o ser-aí está justamente suspenso, distante e ao mesmo
tempo próximo da essência de todas as coisas. Situação esta que Heidegger identificará com o
próprio filosofar na referida preleção.27

3.2.2 Interpretação da singularização como solidão da condição humana

A partir do que foi dito até agora, parece justamente ser a experiência de
singularização a que mais pode ser traduzida como uma espécie de solidão irremediável do
ser-aí, pois, em última análise, o que é mais originário no ser-aí, diz Heidegger, é antes o não
sentir-se em casa do que a familiaridade junto ao mundo. Não resta dúvidas na conclusão a
que Heidegger chega quando diz:

“O ser-no-mundo tranquilizado e familiarizado é um modo da estranheza do ser-aí e

26Seria o caso também de citar a preleção O que é metafísica? (1929) em que Heidegger fala da “secreta
aliança” entre angústia e serenidade.
27 Sobre o nexo entre solidão e filosofia na fenomenologia heideggeriana, conferir o extenso estudo feito por
LIMA, 2012.
36

não o contrário. O não sentir-se em casa deve ser compreendido, existencial e


ontologicamente, como o fenômeno mais originário” (SeT, p. 256).

Com isso, a fuga em direção a convivência pública, na qual ninguém é si mesmo, é


tentadora e tranquilizante, pois justamente aí é que o ser-aí, inadvertidamente, exerce o poder-
ser que se é justamente na possibilidade de relegá-lo ao impessoal, existindo como se existe e
sendo como se é.
Dentro do quadro da analítica existencial – como vimos –, o ser-aí é um ser-no-mundo
que, de saída, já se encontra junto aos utensílios de que se ocupa e que se preocupa com os
outros com os quais coexiste. No entanto, o que o fenômeno da angústia nos evidencia é um
ser-aí cujo ser consiste originariamente na estranheza e desamparo. Tal análise concretiza, na
verdade, o caráter personalíssimo da tarefa de ser o próprio ser que está a cada vez em jogo,
anunciada na introdução da obra, que agora é confirmada pela conclusão de que o ser-aí como
ser-no-mundo entrega-se, ao mesmo tempo, à responsabilidade desse ser. Essa, portanto,
parece ser a solidão intrínseca da existência, a saber, a de que embora o ser-aí possa coexistir
e instituir uma comunidade com os outros em virtude de uma possibilidade de ser – e já
sempre o fez –, a própria existência é uma tarefa em relação a qual o ser-aí tem que ser a cada
vez enquanto projeto lançado28. Com isso, também pode-se dizer que a solidão primordial do
ser-aí, evidenciada na angústia por meio do descerramento do próprio ser enquanto projeto
lançado sem amparo de tudo e de todos, é condição existencial de possibilidade da própria
comunidade. Afinal, o ser-aí é junto aos entes intramundanos com os quais se ocupa e
preocupado com os entes com os quais coexiste sempre a partir de uma possibilidade em
virtude da qual ele, lançado, se projeta faticamente. Nesse sentido, é justamente esse projeto
primordial – solitário, pois oriundo a partir do desamparo – que possibilitará a compreensão
do outro como outro em virtude de uma possibilidade na qual me compreendo.

28No mesmo sentido de uma solidão inerente à condição humana, Emmanuel Levinas fala de uma solidão mais
primordial quando diz: “É, portanto, o ser em mim, o fato de que eu existo, meu existir, que constitui o elemento
absolutamente intransitivo, algo sem intencionalidade ou relacionamento. Nós podemos trocar qualquer coisa
entre os seres, exceto o existir. Nesse sentido, ser é ser isolado pelo existir” (LEVINAS, 1987, p. 42, tradução
nossa) Nesse contexto, a solidão assumiria um significado radical, na medida em que não resulta de uma
privação de uma relação com o outro previamente dada. Outrossim, ela resulta do próprio assenhoreamento do
existente em relação ao seu existir, significando antes uma virilidade e soberania do existente do que desespero e
abandono (Ibid. 54,55). Dessa forma, poder-se-ia falar da solidão como uma determinação ontológica do ser
humano enquanto tal.
37

CONCLUSÃO

Como afirmado na introdução, muito embora a experiência da solidão não possa ser
identificada sem mais com o isolamento físico do ser humano em relação aos seus
semelhantes, pouco claro era o seu enraizamento nas estruturas ontológicas do ser humano,
aqui caracterizado como ser-aí. Contudo, a partir do horizonte de compreensão aberto pelo
tratado de ontologia fundamental, Ser e Tempo, a compreensão do fenômeno da solidão foi
enriquecida de duas formas.
Primeiro, foi mostrado que a experiência da solidão tem sua condição existencial de
possibilidade numa estrutura ontológica denominada ser-com. Esta estrutura, em linhas gerais,
foi mostrada como a condição de possibilidade do aparecimento do outro como um outro
como eu e também mostrou-se como origem de toda convivência. Nesse sentido, foi
possibilitado a apreensão e conceituação do fenômeno da solidão em termos, não do
aparecimento fatual de um outro, mas sim a partir do vir ao encontro do outro, a partir do ser-
com, como estranho e indiferente, fazendo referência à comunidade instituída anteriormente
pelo ser-com. Nesse sentido, chegou-se a uma compreensão suficiente do fenômeno do ser-
sozinho (Alleinsein), malgrado o curto desenvolvimento que Heidegger deu ao fenômeno.
Essa compreensão visou a compreensão do fenômeno do ser-sozinho enquanto um modo
deficiente do ser-com.
Segundo, foi mostrado que, com a disposição fundamental da angústia, constitutiva
da existência humana o ser-aí é colocado originária e amplamente diante do seu ser em sua
completa nudez, isto é, sem o encobrimento, o verniz que as compreensões legadas e
cristalizadas historicamente, por meio da qual o ser-aí tem contato na convivência. Essa
experiência fundamental da angústia proporcionou à compreensão filosófica uma apreensão
mais originária do ser-aí, no qual a familiaridade, modo no qual o ser-aí é ser-no-mundo,
mostrou-se um fenômeno derivado de um mais originário, a saber, o fenômeno desamparo.
De tal forma a ser mais justo o discurso que diz que o ser-aí é o seu mundo originariamente ao
modo do desamparo e da estranheza. Mostrou-se também que este modo lhe é alheio
justamente porque o ser-aí está de início e na maioria das vezes compreendendo seu próprio
ser partir do público, sendo impessoalmente si-mesmo. Nesse sentido, a compreensão da
angústia mostrou um ser-aí singularizado e desamparado, originariamente só.
No entanto, essa experiência originária do desamparo, na qual tudo e todos são, de
38

início, sem significância, é superada – como foi visto – pela compreensão de si mesmo numa
possibilidade de ser-no-mundo na qual o ser-aí é faticamente. Ao se projetar numa
possibilidade enquanto projeto-lançado – como já sempre o fez e, na maior parte das vezes,
impropriamente compreendendo-se a partir do seu mundo –, o ser-aí compreende-se a partir
de uma possibilidade e abre o horizonte em virtude do qual a familiaridade torna possível o
encontro dos entes com os quais se ocupa e dos entes com os quais se preocupa em virtude de
uma possibilidade de si mesmo.
Com base no que foi dito nesta conclusão, uma possível distinção terminológica, cujo
direito pretende ter se originado nos próprios fenômenos, é a seguinte. Podemos chamar o
estar-só existenciário também de solidão existenciária — ou até mesmo solidão superficial —
em contraposição ao que seria a solidão existencial. Tal proposta de distinção se deve à
conclusão de que a solidão existenciária embora tenha um fundamento existencial, tem sua
origem atrelada a como o ser-aí é nesta ou naquela possibilidade de convivência em meio ao
qual o outro lhe vem ao encontro. Enquanto a segunda solidão, resulta muito mais de um
descerramento do próprio ser do ser-aí enquanto envolvendo um certo desamparo originário.
39

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Tradução de Roberto Raposo.
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