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Recursos hídricos da região amazônica: utilização e preservação

Wolfgang Johannes Junk ( * )

No passado, muitos associavam a palavra 1 . Condições físico-químicas.


Amazônia a uma floresta tropical exuberante, 2. Mudanças drásticas do nível durante o
recortada por um sistema fluvial enorme e ciclo do a n o .
muito pouco colonizada : o famoso "Inferno
Verde". Hoje, esta palavra provoca, além dis- Estes fatores influenciam o meio ambiente
so, a associação de um desafio da natureza ao aquático de uma maneira decisiva, provocan
homem colonizador e, da responsabilidade des- do peculiaridades ecológicas, que foram até
te para o seu meio-ambiente natural. Isto é agora pouco estudadas. Sioli (1967), dividiu
lógico, especialmente porque a população hu- as águas da região amazônica em 3 grandes
mana na Amazônia está crescendo rapidamen- tipos :
te, tanto por causa da alta taxa de natalidade,
quanto por movimentos migratórios do sul pa- 1. Água branca (Solimões, Purus)
ra o norte do país, em conseqüência dos pro- 2 . Água clara (Tapajós, Xingu)
jetos agropecuários implantados na região 3. Água preta (Negro e Urubu)
amazônica. Ao mesmo tempo, aumenta o in-
tercâmbio comercial norte-sul, sendo facilita- Estudos mais recentes mostram, que a di-
do pela rede rodoviária recentemente construí- versidade das águas é bem maior (Junk e
da, estímulos fiscais e uma crescente deman- Furch, no prelo). Porém, como modelo de tra-
da dos vários produtos da região. balho a classificação é muito útil e as conclu-
O sistema fluvial amazônico é o maior do sões ecológicas, que Sioli e seus colaborado-
mundo, abrangendo 7.000.000 km2 de área de res tiraram deste modelo são válidas e ser-
captação, com uma descarga de aproximada- vem para nossas finalidades. A tabela 1 mos-
mente 1/5 — 1/6 da quantidade de água doce tra a caracterização dos três tipos de água e
mundial, que é lançada por todos os rios ao indica em termos gerais as influências ecoló-
mar, (Sioli, 1968). Estes enormes recursos hí- gicas, que até agora são previsíveis (Geisler
dricos, automaticamente formam um papel et al., 1973).
muito importante nos vários projetos de de- A s águas pretas possuem baixa capacida-
senvolvimento da Amazônia. de de produção e condições ecofisiológicas
Nos próximos capítulos, caracterizaremos desfavoráveis face ao seu pH muito baixo, à
os recursos hídricos na base de informações quantidade baixa de sais minerais e, provavel-
ecológicas, econômicas e técnicas, discutindo mente, à alta concentração de substâncias hú-
o seu aproveitamento e sua preservação tanto micas. Com exceção das substâncias húmi-
na situação atual, quanto na avaliação do seu cas, o mesmo é válido para uma grande parte
potencial e da problemática para projetos fu- das águas claras, porém este grupo é muito
turos. heterogêneo e pode em parte incluir também
águas relativamente ricas em sais minerais,
SITUAÇÃO ECOLÓGICA dependendo da geologia das respectivas áreas
de c a o t a ç ã a - Ju.uk e FurcK (,<cv^ ^ t ^ c > \ v^cvs,-
A situação ecológica das águas naturais tram que as águas pretas e uma parte das
da região amazônica está caracterizada por águas claras, na sua composição química dife-
dois fatores ou grupos de fatores, respectiva- rem de todas as águas do mundo, até agora
mente : analisadas, sendo elas extremamente pobres

C ) — Em convênio com o Instituto Max-Planck de Limnología — Depto. de Ecologia Tropical, Plön, Alemanha.

SUPL. ACTA AMAZÓNICA 9(4): 37-51. 1979 - 37


TABELA 1 - Características límnológicas de diferentes tipos de água da A n t ô n i a e sua valorização do ponto de vista ecofisiológico.
(Sp = Sem particularidade) (de Geisler e t al., 1973).

Substâncias orgâni- Transparência (m)


Otd. de eletrólitos 2+ 2 + PH
cas (Consumo de
Condutividade elé- Ca + Mg
TIPOS DE A G U A e constância de (Disco de Secchi)
trica fiS
(mg 11) mg KMn 04 / j>)
pH

AGUA BRANCA

6,4 — 6,9 ~ 40 0,25


30 — 60 5
Estimativa do valor da pro- Bom Extremamente baixo
Suficientemente bom Bom
dução biológica Suficiente

Estimativa do valor do efei- Situação fisiológica


Sp Sp Sp Consequências certas
to ecofisiológico normal

AGUA CLARA

5,2 — 5,8 ~ 20 4 m e mais


5 — 1 5 > 1,5
Estimativa do valor da pro-
Desfavoravelmente perigo de pH
dução biológica Desfavoravelmente
muito alcalino Sp Relativamente bom
baixa baixa

Estimativa do valor do efei- Sp


"alkalifobia" Durante assimilação Sp
to ecofisiológico Situação fisiológica
provável prejuízo p/o peixe
anormal

A G U A PRETA
4,0 — 4,8 60 — 100 1.0 — 1,5
10 — 20 < 1.5
Estimativa do valor da pro- Efeito bloqueador e Desfavoravelmente
Extremamente baixo Extremo
dução biológica Desfavorável
de absorção baixo

"alkalifobia" "acidofolia"
Estimativa do valor do efei- Situação fisiológica
ainda desconhecido Consequências certas
anormal muito provável
to ecofisiológico
em sais minerais, contendo uma percentagem, O segundo fator de grande influência eco-
de minerais alcalinos muito superior aos me- lógica é a drástica mudança do nível de água
tais alcalino-terrosos e uma relação Sr/Ba in- em conseqüência da distribuição heterogênea
versa à das águas até agora descritas. da chuva durante o ano, na época seca e na
Por outro lado, as águas brancas são de época chuvosa. Próximo a Manaus, o valor mé-
uma composição química normal refletindo dio do nível entre água alta e água baixa atin-
nas proporções percentuais dos seus íons, o ge cerca de 10 m com valores máximos a cer-
valor médio mundial (Tab. 2 ) . Em comparação ca de 15 m . Perto de Santarém as flutuações
com valores totais, elas não são propriamen- do nível atingem ainda de 5 a 7 m de altura.
te ricas em sais minerais, contendo somente Isso provoca inundações regulares que influen-
cerca de 35% do valor médio mundial. Porém, ciam enormes áreas na região amazônica. Cas-
em comparação com as águas pretas e claras tro Soares (1956) estima em 64.400 km2 de
a sua capacidade produtiva é muito superior. área de inundação para o Solimões/Amazonas.
As diferenças de qualidade das águas da O impacto ecológico destas inundações é im-
região amazônica explicam-se pelas diferenças portantíssimo. Anualmente largas áreas são
geológicas e geomorfológicas nas respectivas atingidas por uma mudança drástica do meio-
áreas de captação (Fig. 1). A s águas pretas e ambiente aquático para o meio-ambiente ter-
águas claras nascem na Série Barreiras e nos restre .
escudos arquéanos das Guianas e do Brasil A fauna e a flora respondem a estas mu-
Central, porém as águas pretas recebem apa- danças regulares com uma série de adapta-
rentemente as substâncias húmicas, que pro- ções morfológicas, fisiológicas e etológicas,
vocam a sua coloração escura, em grandes as quais até agora são pouco conhecidas. Te-
áreas pantanosas ou podzólicas situadas nas mos que focalizar aqui, que o conhecimento
suas áreas de captação. Os rios de água bran- sobre áreas de inundação no mundo inteiro, é
ca, recebem a água e sedimentos em parte da absolutamente i n s u f i c i e n t e . Ao nosso ver, o
área Andina e Pré-Andina, que é geoquimica- limnólogo deixou de estudar este tipo de ecos-
mente muito mais rica que as outras áreas ('). sistema com mais minúcias, porque inclui uma
Conseqüentemente a concentração de sais mi- fase considerável de ambiente terrestre e o
nerais diminui com o aumento da distância dos ecólogo terrestre deixou de estudar, porque
Andes por causa da diluição pelos afluentes inclui uma fase considerável aquática. Além
mais pobres em sais m i n e r a i s . disso, na Europa e América do Norte, que fo-

TABELA 2 — Concentração relativa (valores médios) de Na, K, M g e Ca em m g % na água de rios e igarapés, drenan-
do áreas de origem geológica diferentes, ao longo da estrada Cuiabá-Porto Velho-Manaus em comparação com o valor
médio mundial.

Origem Parecis Região Valor


Pré-Cambriano Indiviso Terciário Pré-Andina médio
da água Formação I II I II (Solimões, Madeira) Mundial

% Na 18,7 29,3 33,9 24,7 27,9 18,5 22,7

% K 47,1 25,0 38,0 48,7 51,9 11,6 3,3

% Mg 19,7 15,1 19,3 19,0 16,0 13,6 14,8

% Ca 14,5 29,6 8,8 7,6 4,2 56,3 54,2

(Conforme Bowen, 1966) (Junk & Furch, no prelo).

M ) — Exceção desta definição generalizada são por exemplo, as águas que nascem nas faixas carboníferas no Norte
e Sul da Amazônia, na altura de Santarém e que são também relativamente ricas em sais minerais.
Fig. 1 — Áreas geoquímicas da região Amazônica (Fittkau et al., 1975).

ram os centros do desenvolvimento da limno- em áreas inundadas não considera este fato
logía, as áreas de inundação f o r a m , há bastan- de uma maneira adequada.
te tempo, modificadas por construções de di-
ques, canais, e t c . , não havendo mais necessi- PESCA
dade e possibilidade de estudá-las.
A pesca, na região amazônica, sem dúvi-
Levando isto em consideração, temos que da alguma é um fator econômico extremamen-
ser bastante cuidadosos, em extrapolar con- te importante, sendo a base principal de pro-
clusões, que somente se baseiam em estudos, teínas animal para a população humana desta
realizados em lagos e rios " c l á s s i c o s " das re- região. Neste capítulo, limitamo-nos a comen-
giões temperadas. A maioria dos rios e lagos tar alguns fatos que, ao nosso ver, são carac-
amazônicos não corresponde a estes modelos terísticos e em parte problemáticos para a pes-
clássicos, face às grandes mudanças de nível ca na região, pois em outro trabalho neste su-
de água que originam enormes áreas de inun- plemento, Saint-Paul & Bayley fazem uma aná-
dação periódica. lise mais minuciosa do assunto.
Infelizmente, a maioria dos trabalhos pu- Baseando-se nas informações da Colônia
blicados sobre ecologia, limnología e pesca dos Pescadores Z-2 de Manaus, Junk & Honda
(1976) mostram para 1974 a distribuição do tura do mercado atual, que influencia a pesca
pescado nos principais rios do Estado do Ama- de uma maneira decisiva pelo preço do produ-
zonas (Fig. 2 ) . Este quadro combina plena- to.
mente com as conclusões ecológicas baseadas O desembarque de pescado em Manaus
nas características químicas da água, citadas chegou em 1976 a 30.800 toneladas e em 1977
no capítulo anterior. O rio Negro, sendo um a 24.900 toneladas, diminuindo cerca de 2 0 % ,
rio enorme de água preta, participa com uma porém diminuiu também o número de excur-
quantidade muito limitada no pescado total de- sões pesqueiras em cerca de 16% de 6.501
sembarcado em Manaus, enquanto a maior para 5.484 (Petrere J r . , 1978a). Isso reflete o
parte vem dos rios de água branca. Isso mos- impacto do aumento de preço do combustível
tra que os problemas pesqueiros da região e gelo na pesca.
amazônica t ê m que ser estudados e analisa-
Estudos de Petrere Jr. (1978), indicam que
dos de uma maneira bem diferenciada.
a produção pesqueira nos arredores de Ma-
Varoli (1967) estima um potencial pesquei- naus diminuiu, forçando a frota pesqueira a ir
ro de 100.000 toneladas por ano, porém, Aze- procurar o peixe de preferência do consumi-
vedo (1970) indica 633.000 toneladas. dor, até nas cabeceiras dos grandes rios a uma
Na nossa opinião, qualquer avaliação do distância de aproximadamente 1.500 km de
potencial pesqueiro para a bacia amazônica Manaus. Esta pesca altamente seletiva pode
inteira, atualmente t e m valor muito limitado, ser considerada como característica e proble-
porque não apresentam dados suficientes. mática para a região amazônica. Procura-se
Além disso, t e m que ser considerada a estru- cerca de uma dúzia de espécies, que são con-

9 IQO 200 300 400 500


' ' ' Km' ' '

Fig. 2 — Produção pesqueira durante 1974, nos diferentes rios do Estado do Amazonas (Junk & Honda, 1976).
sideradas de alto valor comercial e de prefe- pelo aproveitamento de outras espécies até
rência local aproveitando-se as outras espé- agora pouco procuradas, tais como : branqui-
cies em quantidade muito limitada, até jogan- nha, jaraquis, sardinhas, aracus e outros (Pro-
do-se fora o restante da captura. O tambaqui chilodus spp., Semaprochilodus spp., Tripor»
Colossoma macropomum) por exemplo, parti- theus s p p . , Leporinus s p p . ) (Junk & Honda,
cipou em 1977 com cerca de 3 8 % do desem- 1976; Petrere Jr., 1978a, b; Goulding, 1979;
barque total de Manaus sendo ele um peixe de Bayley no prelo). Bayley, extrapolando estudo
preferência de toda a população (dados de Pe- sobre a produção pesqueira nas áreas inundá-
trere J r . ) . Conseqüentemente, a probabilida- veis de rios africanos comparáveis às das que
de de pegar um tambaqui adulto próximo de ocorrem na Amazônia brasileira, chega à con-
Manaus é muito reduzida, chegando o maior clusão de que uma pesca baseada nestas espé-
número destes peixes a vir de locais bem lon- cies poderia render cerca de 5 0 % mais que a
ge, como por exemplo, do rio Purus. Goulding pesca atual, porém teria como conseqüência a
(1979) mostra no seu trabalho sobre a pesca redução drástica das espécies de maior porte,
no rio Madeira, que desde 1975 a produção sendo estes insignificantes para a produção
pesqueira tanto de bagres quanto de caracoí- pesqueira.
deos altamente procurados, diminuiu muito,
Os estudos de Petrere Jr. (1978b) e Goul-
mesmo aumentando o esforço pesqueiro ( F i g .
ding (1979) mostram também, que os equipa-
3).
mentos de pesca são suficientemente eficazes
Isso significa, que em certas áreas já exis-
não sendo necessária a introdução de méto-
te o problema de sobrepesca para certas es-
dos e equipamentos adicionais. Em 1977, 3 1 %
pécies. Podemos prever, que, continuando
do pescado foram capturados com malhadei-
com a pesca atual, serão diminuídos os esto-
ras, 15% com arrastão, 3 % com arrastadeira,
ques, especialmente das espécies de grande
13% com espinhei e caçoeira e somente 3 8 %
porte tais como : pirarucu, tambaqui e os gran-
com métodos tradicionais tais como tarrafa,
des bagres. Por outro lado, a diminuição de
arpão, zagaia, arco e flecha, caniço, e t c . (Pe-
captura das espécies atualmente muito pro-
trere J r . , 1978b). A utilização de equipamento
curadas, pode ser compensada e até superada
mais moderno pode criar problemas de sobre-
pesca, os quais iriam prejudicar principalmen-
Tons
te as classes mais pobres das cidades e a po-
1800 pulação ribeirinha, que dependem do pescado
1700 como fonte de proteína barata, enquanto que
1600
1500)
os outros grupos da população t ê m outras al-
1400 ternativas à disposição, por exemplo, carne
1300 bovina (Goulding, 1979).
1200
I 100
Por outro lado, o melhoramento do sistema
1000
900 de tratamento, conservação, transporte, esto-
800| cagem e distribuição, pode ser melhorado con-
700
sideravelmente, para o melhor aproveitamento
600
500 do pescado. Benchimol (1977) estima a perda
400 do pescado em cerca de 3 0 % . Conforme Bay-
300
ley (no prelo) esta perda diminuiu drastica-
200
mente por causa do aumento de preço do com-
100
bustível e de gelo. Porém, a qualidade do pes-
1968 69 "7Ü~ 72 73 74 75 76 77
cado desembarcado em Manaus do ponto de
Anos
vista higiênico é altamente lamentável. Supo-
mos que com a introdução de um controle hi-
Fig. 3 — Estimativas da produção total anual da frota giênico certa parcela da produção será repro-
pesqueira de Porto Velho — conforme Goulding (1979].
vada para o consumo humano.
Os dados citados sobre perda de pescado Considerando o fato de que a grande maio-
somente se referem às espécies atualmente ria desses peixes está sendo exportado, para
procuradas, não se levando em consideração os EUA e a Europa, a pesca de peixes ornamen-
espécies sem valor e c o n ô m i c o . Participamos, tais é uma fonte de divisas para o Estado do
durante várias épocas de safras, em pescarias Amazonas.
próximas de Manaus, nos quais até 8 0 % do A captura de peixes ornamentais foi mui-
pescado total foram jogados na água, (por to discutida por ecólogos, sendo muitas vezes
exemplo, mandi, peixe-cachorro, piranha e ou- chamada predatória, provocando riscos ecoló-
tros Pimelodus s p . , Hydrolycus s p . , Serrasal- gicos para as espécies capturadas. Sem dúvi-
mus s p p . ) . Este pescado poderia ser usado da alguma, a mortalidade de peixes ornamen-
para fins agropecuários, por exemplo, em for- tais atualmente é muito elevada, sendo calcu-
ma de farinha de peixe, pescado fermentado, lada em termos de até 8 0 % , por causa de mé-
etc. todos inadequados de transportes, estocagem
O desenvolvimento da tecnologia de pes- e tratamento de doenças e parasitas. Porém,
cado na região amazônica t e m que levar em o aumento do preço de combustível vai forçar
consideração os seguintes fatores : os exportadores, a diminuir esta alta taxa de
mortalidade para ficar em condições de con-
1. Quantidade limitada de matéria-prima. correr economicamente no mercado interna-
cional. Em geral, não podemos ver diferença
2. Épocas pronunciadas de safra e escas-
alguma entre a pesca de peixes para o con-
sez.
sumo e para fins ornamentais e não vemos
atualmente riscos de extinção das espécies
Necessitamos do desenvolvimento de uni-
procuradas, porque muito antes de chegar a
dades pequenas de tecnologia simples, distri-
uma diminuição precária dos estoques, a pes-
buídas ao longo dos rios nos pontos principais
ca de peixes ornamentais se tornará antieco-
de desembarque, de modo a aproveitar todo o
nômica.
pescado em excesso, para o mercado local,
sendo relevante que essas unidades tecnológi-
cas possam reduzir ou até parar o seu funcio-
A l é m de problemas de sobrepesca, temos
namento, durante as entressafras sem provo-
que levar em consideração os efeitos de mu-
car problemas econômicos.
danças de meio-ambiente que podem provocar
A instalação de grandes unidades pode problemas muito mais sérios aos estoques
provocar uma pressão pronunciada nos esto- pesqueiros. Como já f o i mencionado anterior-
ques pesqueiros, encarecendo, a longo prazo, mente, as inundações periódicas influenciam
o pescado, criando problemas sócio-econômi- grandes regiões, permitindo ao peixe entrar nas
cos especialmente para a população ribeirinha áreas inundadas para a desova e à procura de
e a classe de baixa renda nas cidades. alimentação. Por isso, mudanças drásticas em
Uma outra fonte de rendimento para a re- grande escala irão provocar efeitos negativos
gião amazônica é a exportação de peixes orna- aos estoques pesqueiros. Por exemplo, sabe-
mentais. Foram exportados de Manaus (com. mos que muitas espécies são frutívoras, ali-
pes. do Dr. BIós, Coord. Reg. SUDEPE) : mentando-se de flores, frutos e sementes de
árvores da floresta inundada. Um desmata-
exemplares Cr$ mento em grande escala das áreas inundáveis,
1976 12.532.417 5.238.572 conseqüentemente diminuirá a oferta de ali-
1977 14.001.007 7.200.660 mento para estas espécies.
1978 17.903.485 11.692 848
APROVEITAMENTO DAS VÁRZEAS
As principais espécies foram o Neón (Chei-
rodon exelrodi, Hyphessobryon innesi), o Aca- O fato de que, em regiões inundáveis, as
rá-disco (Symphysodon s p p . ) e o Coridoras mesmas áreas podem servir durante a seca pa-
ÍCorydoras s p p . ) . ra fins agropecuários e durante a cheia como
pastagens e berçário para os animais aquáti- lagos produzem grandes quantidades de plan-
cos, pode provocar um sério conflito de inte- tas aquáticas de alto valor nutritivo, que com
resses entre a pesca e as atividades agrope- a diminuição dos grandes herbívoros aquáti-
cuárias. O problema é notadamente sério na cos (peixe-boi, capivara, tartarugas, e t c ) , não
região amazônica, pois nas áreas inundáveis estão sendo utilizadas de uma maneira ade-
dos rios de água branca, as " v á r z e a s " , existem quada por animais silvestres e podem servir
os solos mais férteis da região, oferecendo um para alimentação de animais domésticos e pa-
grande potencial para a agropecuária, se o agri- ra adubo orgânico, sem interferir no equilíbrio
cultor for capaz de adaptar seus métodos de ecológico (Junk, 1979).
cultivo às inundações periódicas. Sabemos Gostaríamos apenas de focalizar a neces-
que outras áreas tropicais, com similares con- sidade de uma cooperação intensiva entre os
dições ecológicas, t ê m centros de colonização órgãos responsáveis pela agropecuária e pela
humana com alta produção agropecuária, tais pesca, de modo a integrar o planejamento e a
como nos rios : Nilo, Ganges, Bramaputra, Me¬ realização de projetos, que atinjam as várzeas,
kong e o u t r o s . Mas, sabemos também que para evitar danos pesados para os estoques
apareceram conflitos seríssimos entre ativida- pesqueiros e para garantir o melhor aproveita-
des agropecuárias modernas e a pesca, porque mento das várzeas tanto do lado da agropecuá-
não houve um planejamento em conjunto e ria quanto do lado da pesca.
uma cooperação intensiva entre ambos os gru-
Além disso, uma outra necessidade de
pos.
atuação em conjunto, pode surgir com relação
Bangladesh, por exemplo, situada cerca de a problemas de poluição das águas. Enquanto
30% na área de inundações dos rios Ganges em condições " n o r m a i s " , quer dizer, em condi-
e Bramaputra, antigamente, era conhecida pe- ções de rios sem áreas de inundação, as subs-
la abundância dos seus estoques pesqueiros. tâncias poluidoras somente atingem a fauna
Entretanto a intensificação da produção de ar- aquática, e depois são lançadas ao mar, na ba-
v
roz, provocou a ampliação d a s áreas cultivadas cia amazônica elas podem comprometer tam-
e grandes construções de diques, sem levar bém a agropecuária. Se, por exemplo, uma fá-
em consideração aspectos de pesca. Face a brica de celulose e papel solta resíduos de
isto, foram destruídas e bloqueadas importan- mercúrio na água, estes serão durante cada en-
tes áreas de desova e caminhos de migração chente, em parte depositados nas várzeas rio
de peixes e crustáceos, provocando um decli- abaixo, podendo intoxicar por muitos anos os
ve drástico da produção pesqueira. A l é m dis- peixes, os produtos agrários e a carne dos ani-
so, a implantação de grandes áreas de mono- mais d o m é s t i c o s .
cultura de arroz, provocou sérios problemas de
pragas, que foram superados com quantida-
des crescentes de inseticidas aplicados na re-
PROJETOS HIDRELÉTRICOS
gião inteira por aviões, causando em contra-
partida não somente a intoxicação das pragas,
Em 1977, cerca de 84,2% da energia elé-
como também, dos peixes e dos animais aquá-
trica do Brasil f o i produzida por hidrelétricas
ticos que servem como base nutritiva aos
( M . Pinto Paiva c. p e s . , fonte Eletrobrás). En-
peixes.
quanto a produção de energia elétrica à base
Este exemplo não significa que a utilização de óleo diesel fica cada vez mais cara, além
das várzeas pela apropecuária automaticamen- de problemas de poluição do ar pelo consumo
te vai acabar com os estoques pesqueiros. de fontes energéticas fósseis, estão ainda à
Pelo contrário, achamos muito importante a disposição do Brasil, grande potencial ocioso
utilização associada da pesca com a agrope- de energia hidrelétrica. A ELETROBRÁS calcu-
cuária, pois é garantido, dessa forma o melhor la para a bacia amazônica um total de
aproveitamento de uma grande área de solos 56.729 M W ( M . Pinto Paiva, c. p e s . ) , signifi-
f é r t e i s , que recebem uma renovação dos nu- cando 36,6% da capacidade total do Brasil, que

Junk
mento do país, enquanto as disponibilidades bloqueando além disso, o caminho dos cardu-
de outras bacías hidrográficas já estão sendo mes migratórios, por exemplo, do jaraqui, que
usadas em escala maior, há muito t e m p o . durante a época da água baixa se acumula em
Há dois anos, está em funcionamento a grandes quantidades abaixo dos vertedouros,
pequena hidrelétrica de Curuá-Una, perto de sem condições de subir o r i o . Está em modi-
Santarém com 40 M W . Entrou recentemente, ficação a composição dos estoques pesqueiros
também em funcionamento, a represa Paredão na represa e nas áreas adjacentes.
no Território do A m a p á . Está em fase de cons- Não houve desmatamento antes do fecha-
trução a gigantesca represa de Tucuruí no rio mento da barragem, o que atualmente provoca
Tocantins e foram iniciadas as obras da repre- problemas na qualidade da água pela grande
sa de Balbina no rio Uatumã, próximo de Ma- quantidade de material orgânico em decompo-
naus. Isso, sem dúvida alguma, é somente o sição. No futuro, os troncos submersos vão
começo de um desenvolvimento, que vai abran- atrapalhar consideravelmente a pesca. A con-
ger até o final do século, vários outros rios da centração de oxigênio perto da barragem, atin-
região. ge o ponto zero em certas épocas, na profun
didade de 2 m, formando-se nas partes mais
É óbvio que qualquer obra desta grandeza,
fundas grandes quantidades de H S que preju-
tem um grande impacto sobre o meio-ambiente 2

dicam as t u r b i n a s .
aquático. Em outras regiões tropicais, os efei-
tos negativos associados à construção de bar- Os estudos em andamento irão continuar
ragens são vários, podendo, em certos casos, ainda por vários anos. até a represa alcançar
até superar os benefícios da represa construí- um novo equilíbrio ecológico, para que possa-
da. Na construção da barragem de Assuam, mos avaliar os efeitos do represamento a lon-
por exemplo, surgiram os seguintes proble- go prazo. De qualquer f o r m a , já foram colhi-
mas : das as seguintes informações : a água preta
aparentemente não provoca o crescimento em
a) Modificações que causaram prejuízos da massa de macrófitas aquáticas, como mostram
produção agrícola rio abaixo por causa os afluentes de água preta da represa Curuá-
da falta de inundações regulares que de- Una, que até agora são colonizados somente
positavam sedimentos férteis nas áreas em quantidades insignificantes; o apodreci-
inundáveis; mento da madeira emersa é muito mais rápido
que o da submersa, fato importante, que por
b) Erosão do Delta do Nilo;
exemplo na área da represa Tucuruí, poderia
c) Pragas e doenças em escala muito maior
ajudar na estocagem da madeira cortada; co-
que antes, por causa da modificação do
meçam a desenvolver-se populações de peixes
meio-ambiente;
aptos a colonizar águas lênticas, com hábitos
d) Deterioração da qualidade da água;
alimentares e reprodutivos respectivos, que no
e) Impacto sobre os estoques pesqueiros;
futuro podem ser utilizados para a piscicultu-
f) Problemas de navegação por causa de
ra e o povoamento de biótopos similares.
desenvolvimento em massa de plantas
aquáticas. Observa-se, de acordo com os exemplos
acima, que no acompanhamento da construção
Estudos em andamento na represa hidrelé- de barragens na região amazônica por meio de
trica de Curuá-Una, há dois anos (Junk et al., amplos projetos científicos, pode reduzir, no
no prelo), demonstram que a construção de futuro, os efeitos negativos indicando ao mes-
barragens na região amazônica pode ser acom- mo tempo medidas adequadas, para o aprovei-
panhada por problemas s i m i l a r e s . tamento multi-específico das represas.
Em 1977, quando começaram os estudos, Infelizmente os estudos em Curuá-Una co-
já cerca de 2 0 % da superfície da represa de meçaram somente depois do término das
Curuá-Una estava coberta por plantas aquáti- obras, faltando^ dessa forma dados fundamen-
cas. O represamento tinha provocado uma gran- tais sobre a situação natural da área atingida
de mortalidade de peixes na área represada, e as mudanças ecológicas durante a constru
ção, uma falha que deveria ser evitada nos pró- mum), pirapitinga (Colossoma brachypomum),
ximos projetos h i d r e l é t r i c o s . Está atualmente matrinchã (Brycon s p p . ) , Acará-açu (Astrono-
em discussão um projeto de levantamento da tus ocellatus), pacu (Methynnis s s p . ) e ou-
fauna e flora aquática na área da represa Tu- tros, mostraram resultados excelentes. Mui-
curuí e do acompanhamento científico das mu- tas das espécies são carnívoras, com tendên-
danças ecológicas, durante a construção da cia a comer frutas e outros órgãos vegetais.
barragem. Existe a possibilidade de adaptar igarapés
através da construção de pequenas barragens
AQUICULTURA e áreas alagáveis, aproveitando o alto lençol
freático para piscicultura semi-intensiva, sem
O conhecimento do p o t e n c i a l de peixes atingir o meio-ambiente natural em maior es-
amazônicos comestíveis para fins de piscicul- cala, aproveitando para alimentação adicional
tura, é muito l i m i t a d o . Podemos verificar que
dos peixes as frutas do mato não usadas pelo
o conhecimento sobre a maioria de peixes or-
homem, tais como : sementes de palmeiras,
namentais é bem superior do que o conheci-
seringueiras, castanheiras, e t c . A l é m disso,
mento sobre os peixes de valor para o consu-
resíduos das atividades agropecuárias podem
mo humano.
servir para a alimentação dos peixes seja dire-
Não existe tradição de aquicultura na re- tamente ou em cultivo combinado : peixe/por¬
gião amazônica, porque até agora não havia ne- co, p e i x e / p a t o , e t c . Experimentos preliminares
cessidade de praticá-la. Enquanto a pequena deste tipo no INPA, já em andamento, com
população humana se distribuiu nas margens pacu e matrinchã em tanques abastecidos pe-
dos rios, concentrando-se principalmente nas lo lençol freático, mostram resultados altamen-
beiradas dos rios de água branca, por causa te p r o m i s s o r e s .
das várzeas f é r t e i s , o abastecimento com pro- Como já foi mencionado, atualmente, ain-
teína animal em forma de peixes era garanti- da faltam informações básicas sobre a biolo-
do pela pesca artesanal. Atualmente, verifica-
gia, reprodução natural e artifical e o compor-
mos uma concentração da população crescen-
tamento em cativeiro das espécies, como tam-
te nas cidades, o que inibe o acesso fácil da
bém a experiência prática de manuseio, trans-
grande maioria dos moradores à pescaria de
porte e produção de alevinos em grande esca-
auto sustento, e provoca o transporte caro do
la. A elaboração de todas estas informações
pescado por longas distâncias.
técnicas e científicas e a transferência destas
A l é m disso, ao longo das rodovias recém- informações aos futuros aquicultores amazo-
construídas estão sendo realizados atualmente nenses, vai demorar vários anos. Por isso, os
muitos projetos agropecuários em áreas bem órgãos responsáveis por esta atividade, deve-
distantes dos rios piscosos. A população des- riam tomar imediatamente as providências ne-
tas áreas aproveita no início a caça, como fon- cessárias para a implantação da aquicultura
te de proteína barata, mas depois de poucos na região amazônica, pois se isso não aconte-
anos esta fonte fica esgotada, ficando à dispo- cer em tempo hábil e com a ênfase necessá-
sição somente a carne dos animais domésti- ria, a região amazônica correrá o risco de re-
cos, que é mais cara (Smith, 1976). ceber espécies exóticas como a Tilápia, por fal-
Embora existam nestas áreas de terra fir- ta de oferta de espécies indígenas. Isso não
me, igarapés e locais alagáveis em grande vai resolver o problema da piscicultura na re-
quantidade, não há produção natural significan- gião, mas pelo contrário, pode provocar proble-
te de peixes c o m e s t í v e i s . Deste modo, estes mas ecológicos seríssimos, que atualmente
corpos de água só podem ser aproveitados a não são avaliáveis. Os estudos pormenoriza-
partir da piscicultura. Experimentos com espé- dos das espécies amazônicas por outro lado,
2
cies amazônicos no DNOCS ( ) e no INPA, en- pode estimular de uma forma decisiva, a pisci-
t r e os quais tambaqui (Colossoma macropo- cultura no nordeste do Brasil oferecendo es-

( 2 ) — DNOCS — Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.


pécies ainda não cultivadas ao piscicultor, me- zendo, se concentravam, pois infelizmente o
lhorando desta forma também a produção pes- fácil acesso aos lagos e rios teve como con-
queira em outros Estados brasileiros. seqüência uma redução drástica desta fauna.
0 desenvolvimento do cultivo de espécies Hoje em dia, o turista raramente chega a ver
indígenas, não somente vai beneficiar os pis- um jacaré pequeno ou uma capivara; as tarta-
cicultores, mas vai também influenciar a pró- rugas, ele as conhece somente através de li-
pria pesca. Como já f o i mencionado, no exem- vros ou preparadas na cozinha, isso se ele t i -
plo da represa hidrelétrica de Curuá-Una, os ver dinheiro suficiente para comprá-las clan-
estoques das espécies migratórias estão sen- destinamente.
do seriamente prejudicadas pela barragem. Po- A l é m dos argumentos econômicos, gosta-
demos considerar que a falta de alevinos ade- ríamos de focalizar a grande necessidade de
quados em quantidades suficiente, é o proble- proteção de biótopos aquáticos para a ciên-
ma principal para o aumento da produção pes- cia. Como se sabe, encontram-se na lista das
queira em todas as represas hidrelétricas do espécies em perigo de extermínio do IUCN
Brasil, mostrando, dessa forma, a importância (1970, 1972) (3), várias espécies aquáticas,
enorme de trabalhos científicos e técnicos na tais como : a tartaruga (Podocnemis expansa);
área de p i s c i c u l t u r a . o peixe-boi (Trichechus inunguis); a ariranha
Além da criação de peixes, deveria ser le- (Pteronura brasiliensis); a lontra (Lutra platen-
vado em consideração a criação de outros ani- sis e os jacarés (Melanosuchus niger, Caiman
mais aquáticos da região, tais como a tartaru- crocodilus). Estes animais, antigamente, exis-
ga, a capivara e o j a c a r é . Ojasti (1973) mostra t i a m em grandes quantidades e tinham um pa-
em experiência de grande escala, nos llanos pel importantíssimo no ecossistema aquático.
baixos da Venezuela, que a capivara t e m um O peixe-boi, as tartarugas e a capivara (Hydro-
cerus hydroceris), que também está fortemen-
bom potencial como animal doméstico, produ-
te reduzida, são os grandes herbívoros aquáti-
zindo carne e couro de alta qualidade. O cul-
cos da região. Eles transferem uma parte da
tivo de jacaré na Tailândia mostra também a
enorme produção primária das macrófitas aquá-
viabilidade econômica de produzir couros de
ticas em proteína animal e ao mesmo tempo
alto valor c o m e r c i a l . Estes experimentos, em
reciclam os sais minerais fixados nestas plan-
combinação com a piscicultura e atividades
tas, adubando com as fezes permanentemen-
agropecuárias poderiam não somente ampliar,
te a água dos lagos. Em conseqüência disso,
de fato, os produtos, mas garantiria também a
vários cientistas supõem (Hickling, 1961; Fit-
sobrevivência das espécies que, em parte, ago-
tkau, 1970, 1973; Junk, 1975 e outros), que a
ra estão fortemente reduzidas.
produção de fitoplâncton, do zooplâncton e de
peixes pode ser aumentada significativamente.
TURISMO E PARQUES NACIONAIS Com a diminuição drástica destas espécies na
região amazônica, f o i praticamente, eliminado
O turismo é uma importante fonte de divi-
um elo importantíssimo na cadeia alimentar,
sas para a maioria dos países do mundo intei-
que aparentemente não foi substituído por
ro. Na África, os parques nacionais são os
outros organismos de maior p o r t e . Este exem-
principais pontos das atividades turísticas. Na
plo mostra que áreas de proteção, não somen-
região amazônica, os rios e lagos são especial-
te poderiam garantir a sobrevivência e o au-
mente aptos a estes f i n s . Enquanto a densa
mento dos estoques das espécies em perigo
floresta dificulta o movimento do turista e
de extermínio, mas permitiriam também estu-
atrapalha a observação dos poucos animais
dos minuciosos dos problemas ecológicos ci-
existentes, os rios e lagos facilitam a observa-
tados, que estão diretamente ligados à produ-
ção de uma grande quantidade e variedade de
ção pesqueira, gerando, possivelmente, precio-
animais que se concentram nas beiras, espe-
sas informações relacionadas com a produtivi-
cialmente dos rios de água branca, melhor di-

( 3 ) — International Union for Conservation of Nature


dade natural das águas e conseqüentemente PESQUISA E ENSINO
melhores perspectivas de rendimento econô-
mico. Nos capítulos anteriores, mostramos que
os problemas ligados ao aproveitamento e à
Conforme o Plano do Sistema de Unidades
preservação dos recursos hídricos são múlti-
de Conservação do Brasil (IBDF & FCBN, 1979),
plos. Com o aumento das atividades huma-
existem atualmente na Região Norte um par-
nas na Amazônia, vão aumentar também as
que nacional (Tapajós), várias pequenas esta-
perguntas que necessitam dos cientistas, res-
ções ecológicas na terra f i r m a e algumas áreas
postas em curto prazo.
pequenas para fins de proteção dos tabuleiros
Conhecemos, na região amazônica dois
das tartarugas.
centros científicos trabalhando na área de bio-
A discussão relativa à criação de novos logia de água doce e pesca i n t e r i o r :
Parques Nacionais e Reservas Florestais ba
seia-se na teoria dos refúgios (Wetterberg et 1 . Centro Regional de Pesquisas Pesqueiras
al., 1976; Wetterberg & PácJua, 1978). Isso po- do Pará, em Belém.
do ser um argumento para a seleção de áreas 2. Divisão Peixe e Pesca do Instituto Nacio-
para fins da proteção da flora e fauna t e r r e s t r e , nal de Pesquisas da Amazônia (INPA),
mas pouco ajuda na seleção de áreas aquáti- em Manaus.
cas, que são submetidas em parte, a outros
fatores ecológicos, sobre os quais ainda não No centro de Belém, estão trabalhando
existem estudos determinados. Considerando atualmente cerca de meia dúzia de cientistas
o fato de que os grandes rios podem atuar co- de nível superior enquanto que no INPA tra-
mo limites de áreas de distribuição de organis- balham cerca de 2 0 . Considerando o fato de
mos, propomos a instalação de parques nacio- que, há 10 anos, o número total de cientistas
nais, santuários da vida silvestre, e t c , na bei- trabalhando na Amazônia inteira raramente
ra de todos os principais rios da região amazô- passava de meia dúzia, isso significa um au-
nica, com a finalidade de proteger os mais va- mento considerável e demonstra o interesse
riados tipos de ecossistemas aquáticos. Pode- dos órgãos financiadores no desenvolvimento
mos considerar, como organismos indicadores da pesquisa. Por outro lado, em comparação
para o estado natural de áreas apropriadas a com os problemas existentes, este número é
existência de estoques razoavelmente grandes pequeno demais para elaborar respostas às
de animais muito procurados, tais como o pei- perguntas atuais mais urgentes.
xe-boi, tartarugas, jacarés, capivaras, pássa- Isso é especialmente lamentável, porque
ros aquáticos e p e i x e s . Tais áreas somente em muitos casos, as verbas para a realização
existem em números relativamente limitados de pesquisas estão disponíveis. Porém, a
e deveriam ser selecionadas e protegidas tão maioria dos órgãos dispostos a financiar pro-
rápido quanto possível. Este planejamento de- jetos, limitam o financiamento para um prazo
veria ser feito cuidadosamente, para não pro- determinado e relativamente curto com fins
vocar uma " c o l e t a " intensiva antes do funcio- específicos. Este tipo de financiamento fun-
namento da fiscalização. ciona perfeitamente, se os cientistas de alto
nível e institutos bem equipados estivessem à
É óbvio que o problema de implantação de disposição. Porém, não existem os cientistas
parques nacionais e outros tipos de áreas de e a infraestrutura científica para realizar estas
proteção à fauna e flora aquática é muito com- pesquisas. Identificamos que a falta de recur-
plexa, e não pode ser discutida com a intensi- sos humanos altamente qualificados e dispos-
dade necessária neste capítulo. Porém, acha- tos a trabalhar por maior tempo na Amazônia
mos o tema importante e atividades neste se- é atualmente um problema principal na área
tor são urgentes. Informações adicionais en- de biologia de água doce e pesca interior.
contram-se no trabalho de Ayres & Best (no A possibilidade de transferir cientistas de
presente volume). alto nível do sul para o norte existe somente
para períodos muito curtos e pode ser consi- muito complexas, necessitando de estudos de-
derado até agora quase nulo para períodos talhados e uma análise cuidadosa para garan-
maiores, isso em parte, porque os cientistas tir o aproveitamento máximo dos recursos na-
não encontram condições adequadas de tra- turais sem destruí-los.
balho. Consideramos esta falta de condições Estamos plenamente cientes de que a
de trabalho o segundo grande problema. quantidade de informações técnicas científicas
Somente um financiamento de projetos a atuais, são insuficientes. Por outro lado, esta-
médio e longo prazo, que permita e garanta o mos também cientes do fato de que existem
desenvolvimento de uma infraestrutura e tradi- necessidades econômicas e políticas, que exi-
ção científica nos institutos de pesquisa, irá gem decisões rápidas e nas quais os cientis-
garantir a realização de trabalhos que produ- tas têm que participar aconselhando, mesmo
zam resultados correspondentes aos gastos in- se os dados existentes ainda não permitem
vestidos. Projetos permanentes permitem si- conclusões definitivas.
multaneamente o treinamento adequado de jo- Considerando esta situação, fazemos uma
vens cientistas, na própria região amazônica, série de recomendações listadas a seguir, tan-
por exemplo, em forma de cursos de pós-gra to para o aproveitamento e preservação dos
duação. Estes cientistas atualmente estão recursos hídricos, quanto para o aperfeiçoa-
muito mais dispostos a continuar, trabalhando mento do sistema de pesquisas ligadas com
nesta região de que cientistas de f o r a . esta área, para não somente ajudar a resolver
Estamos plenamente cientes de que este os problemas atuais, mas também nos prepa-
tipo de planejamento é no momento relativa- rar de uma maneira adequada para enfrentar
mente caro e demorado, porque inclui respon- os problemas futuros —
sabilidades financeiras a médio e longo prazo,
sem, nos primeiros anos na fase de organiza- — Intensificação dos estudos limnológicos,
ção, produzir muitos resultados espetaculares. ictiológicos e pesqueiros para fins de
Porém, depois disso, a produção científica é melhor conhecimento dos recursos hídri-
muito alta, compensando plenamente os gas- cos e da sua flora e fauna.
tos da fase de implantação, permitindo tam- — Combinação de projetos de pesquisa
bém a realização de projetos de curta dura- com projetos de ensino (cursos de pós-
ção e financiamento bem definido, sem gran- graduação), para formação na própria
des riscos de falhar, conforme experimentos região amazônica de recursos humanos
no próprio INPA. altamente qualificados, aptos e dispos-
Estamos absolutamente certos de que so- tos para estudar os problemas existen-
mente com uma estratégia de desenvolvimen- tes nas áreas de limnología, pesca, pis-
to da pesquisa a longo prazo, em combinação cicultura e tecnologia de pescado.
com ensino, vamos conseguir resolver os pro- — Acompanhamento dos grandes projetos
blemas técnico-científicos ligados à atividade de desenvolvimento econômico e técni-
humana, permitindo o maneja ecológico dos co que atingem os recursos hídricos tais
grandes recursos limnológicos da região ama- como hidrelétricas, agropecuária nas
zônica. várzeas, fabricação de celulose e papel,
e t c , por projetos científicos que possam
fornecer os dados para o melhor apro-
CONCLUSÕES
veitamento e proteção dos recursos hí-
As possibilidades de aproveitamento são dricos, minimizando os efeitos negativos
múltiplas, abrangendo diversas atividades, tais ao meio-ambiente.
como : pesca, piscicultura, agropecuária, pro- — Colaboração intensiva entre os órgãos
dução de energia elétrica, t u r i s m o e outros. responsáveis para a elaboração dos pro-
Entretanto as condições ecológicas dos rios e jetos que efetuam os recursos hídricos,
lagos e as interrelações entre o meio-ambien- para evitar sérios danos aos estoques
te aquático e o meio-ambiente t e r r e s t r e , são pesqueiros.
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