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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

BRUNA FONSECA TERRONI

MOVIMENTOS INTERTEXTUAIS/INTERDISCURSIVOS ENTRE AS OBRAS


BLACK MIRROR, CHARLIE BROOKER E 1984, GEORGE ORWELL

BELO HORIZONTE
2017
BRUNA FONSECA TERRONI

MOVIMENTOS INTERTEXTUAIS/INTERDISCURSIVOS ENTRE AS OBRAS


BLACK MIRROR E 1984, GEORGE ORWELL

Artigo apresentado à disciplina


Princípios e Processos de Textualização
3º período de Letras

Orientadora: Jane Quintiliano

BELO HORIZONTE
2017
2

Movimentos Intertextuais/Interdiscursivos entre as obras Black Mirror, de


Charlie Brooker e 1984, de George Orwell

Bruna Fonseca Terroni

Palavras-chave: Black Mirror, 1984, Intertextualidade, Interdiscursividade,


Dialogismo
1 INTRODUÇÃO/FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

À luz da teoria Bakhtiniana discutida por José Luiz Fiorin (2006), que permeia o
significado e aplicação dos termos intertextualidade e interdiscursividade, o presente
artigo visa identificar e analisar tais movimentos presentes na relação dialógica entre
a série britânica Black Mirror de Charlie Brooker, primeiramente exibida em 2011, e o
livro 1984 de George Orwell³, publicado em 1949. As duas obras retratam pontos de
vista semelhantes, simulando uma sociedade futurística, tecnológica e doente num
regime totalitário, provocando uma valiosa reflexão e deixando um alerta.

Apesar de Bakhtin não mencionar intertextualidade ou interdiscursividade, eles estão


implicitamente presentes em seus estudos. O dialogismo se dá sempre entre
discursos e "deve ser entendido como um espaço de luta entre as vozes sociais"
(Faraco, 2003, p.66). O discurso deve ser compreendido como uma abstração, uma
posição social fora das relações dialógicas. Já a intertextualidade, afirma o
especialista, "fica reservada apenas para os casos em que a relação discursiva é
materializada em textos. Isso significa que a intertextualidade pressupõe sempre uma
interdiscursividade, mas que o contrário não é verdadeiro". (FIORIN, 2006)

A intertextualidade define, portanto, a relações de co-presença entre enunciados


materializados no que podemos chamar de código textual. Um texto, no entanto, não
abrange somente linguagem verbal (FIORIN, 2006, p. 178-179):

O texto "representa uma realidade imediata (do pensamento e da emoção)" (Bakhtin, 1992,
p. 329). Sendo o texto "um conjunto coerente de signos", ele não é uma entidade
exclusivamente verbal. Na verdade, ele é uma categoria presente em todas as linguagens, em
todas as semióticas (Idem, ibid.). "(...) Quaisquer que sejam os objetivos de um estudo, o ponto
de partida só pode ser o texto" (Idem, p. 330). O texto, em Bakhtin, é uma unidade da
manifestação: manifesta o pensamento, a emoção, o sentido, o significado.
Cada texto tem atrás de si um sistema compreensível para todos (convencional, dentro de uma
dada comunidade) - uma língua, "ainda que seja a língua da arte" (Idem, p. 331). Não há texto
que não pressuponha uma língua. Se não há uma língua atrás de um texto, temos um
fenômeno natural e não um texto: por exemplo, uma sucessão de gritos e gemidos (Idem, ibid).
O conceito de texto é, portanto, amplo: vai além de palavras imprimidas em um
pedaço de papel ou exteriorizadas por meio da voz. A série Black Mirror, é, por
exemplo, um texto, composto por vários capítulos (episódios) que dialogam com
outros textos e discursos - produzidos por alguém e endereçados a alguém (VERÓN,
1980).
O texto é formado por um conjunto de códigos (não no sentido de unidades de um
repertório, mas no sentido de operações de investimento do sentido). Tais códigos
podem ser, por exemplo, elementos que caracterizam a construção composicional do
cinema. Nesse caso, a iluminação, a cor das roupas dos personagens, a trilha sonora,
a sonoplastia, a aproximação ou afastamento da câmera, dentre outros, são códigos
pertencentes a essa linguagem fílmica, essenciais para a produção de sentido.
O corpus aqui analisado é constituído, portanto, dos dois textos já mencionados:
Black Mirror e 1984. O primeiro é uma série britânica de ficção científica, criada por
Charlie Brooker, e o segundo é um livro, também do mesmo gênero temático, de
George Orwell. Portanto, temos dois objetos de diferentes meios para a análise: um
texto fílmico e um texto materializado verbalmente.

2 METODOLOGIA

Black Mirror (B.M.) é organizada em três temporadas, cada qual com três, quatro e
oito episódios, respectivamente, independentes entre si. Para a análise, um episódio
específico foi selecionado, pois é o que mais se assemelha ao universo de 1984:
Temporada 1, episódio 2 – Quinze milhões de méritos (em breve retomaremos a
descrição de tal episódio). Apesar da seleção, apenas a título de clarificar o estudo,
B.M. como um todo é claramente inspirada pelo mesmo discurso de Orwell em seu
livro em questão - a crítica a ascensão tecnológica, a vigilância, atitudes/governos
autoritários, dentre outras, expondo as mazelas da sociedade.

Mil novecentos e oitenta e quatro (1984) é um livro de 362 páginas organizadas pelo
autor em três partes: parte I, com 8 capítulos; parte II, com 10 capítulos; parte III,
com 6 capítulos. Na estória, Winston Smith é o personagem principal, que vive em
constante vigilância por um regime extremamente totalitário, o qual é governado pelo
Grande Irmão (Big Brother), sob o lema: "Guerra é paz/ Liberdade é escravidão/
Ignorância é força".

Winston trabalha no Ministério da Verdade, apagando e reformulando documentos da


história de acordo com a ordem do partido. A população se encontra em vigilância
pelas teletelas, que podem ouví-las e/ou vê-las a qualquer momento. Elas estão
espalhadas pelas ruas, no trabalho, até mesmo dentro das residências. Tudo para
controlar e aniquilar qualquer indivíduo que seja criminoso do pensamento – que
contrarie as ideias propagadas pelo governo. ("Quem controla o passado, controla o
futuro. Quem controla o presente, controla o passado").
Alguns pontos relevantes foram destacados e serão citados para se estabelecer a
relação dialógica com B.M. neste artigo.

3 DESENVOLVIMENTO

Episódio: Quinze milhões de méritos


Nesse episódio, logo no início já se pode notar a semelhança com o universo de
1984: o personagem principal, em seu quarto – um cubículo todo fechado com uma
cama cercada por telas em todos os cantos - é acordado pelo canto de um galo
virtual. Até mesmo no banheiro, ao escovar os dentes, a tela o persegue, como um
pernilongo que nos atormenta constantemente ao voar. A programação principal é
aberta automaticamente: pornografia. Não há formas de escapar das transmissões
dessas telas, nem mesmo fechando os olhos – a programação pausa e aguarda você
abri-los novamente – a não ser pagando méritos por isso. Méritos os quais são
comprados com exercício físico. Esse é o trabalho obrigatório e diário dos habitantes
do setor em cena: pedalar em bicicletas que geram energia em troca de méritos, que
seria a espécie monetária em circulação, pois sem eles é impossível se manter.
Após essa breve descrição do dia-a-dia nesse episódio, voltaremos em alguns
pontos para estabelecer a relação intertextual com 1984:

1. Telas;

Em 1984, temos a teletela, já mencionada, que além de transmitir também capta


imagens e áudios, como um stalker, a qualquer hora do dia:

Por trás de Winston, a voz da teletela continuava sua lenga-lenga infinita sobre o ferro-
gusa e o total cumprimento – com folga – das metas do Nono Plano Trienal. A teletela
recebia e transmitia simultaneamente. Todo som produzido por Winston que ultrapassasse
o nível de um sussurro muito discreto seria captado por ela; mais: enquanto Winston
permanecesse no campo de visão enquadrado pela placa de metal, além de ouvido
também poderia ser visto. Claro, não havia como saber se você estava sendo observado
num momento específico. Tentar adivinhar o sistema utilizado pela Polícia da Ideias para
conectar-se a cada aparelho individual ou a frequência com que o fazia não passava de
especulação. Era possível inclusive que ela controlasse todo mundo o tempo todo. Fosse
como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu aparelho sempre que
quisesse. Você era obrigado a viver – e vivia, em decorrência do hábito transformado em
instinto – acreditando que todo som que fizesse seria ouvido e, se a escuridão não fosse
completa, todo movimento examinado meticulosamente. (ORWELL, George. 1984. Reino
Unido, 1949. P. 13)

Em B.M., além da tela projetar seu avatar (quase que como uma câmera,
captando seus movimentos e reproduzindo-os virtualmente), ela também te
informa a quantidade de méritos, como uma conta bancária. Seu objetivo é o
mesmo: controle e vigilância.

2. Pornografia;

Esse é um tópico que se repetirá algumas vezes em B.M.. Em ambas as obras


analisadas, a pornografia se encaixa no mesmo objetivo que é a distração sob o
pretexto de entretenimento:

Havia inclusive uma subseção inteira – Pornovid era seu nome em Novafala – dedicada à
produção do tipo mais grosseiro de pornografia, que era despachado em embalagens
fechadas e que nenhum integrante do Partido, salvo os envolvidos em sua produção, tinha
permissão de ver. (Idem, p. 58)
Como já mencionado, em B.M. a pornografia é um conteúdo reproduzido nas
telas diariamente, e caso não queira assisti-lo, deve-se pagar por isso.

3. Exercícios;

No universo Orwelliano, Winston e os demais cidadãos da Oceânia possuem uma


rotina de exercícios físicos - que, mais uma vez, ilustram o poder controlador do
partido.

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