Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BELO HORIZONTE
2017
BRUNA FONSECA TERRONI
BELO HORIZONTE
2017
2
À luz da teoria Bakhtiniana discutida por José Luiz Fiorin (2006), que permeia o
significado e aplicação dos termos intertextualidade e interdiscursividade, o presente
artigo visa identificar e analisar tais movimentos presentes na relação dialógica entre
a série britânica Black Mirror de Charlie Brooker, primeiramente exibida em 2011, e o
livro 1984 de George Orwell³, publicado em 1949. As duas obras retratam pontos de
vista semelhantes, simulando uma sociedade futurística, tecnológica e doente num
regime totalitário, provocando uma valiosa reflexão e deixando um alerta.
O texto "representa uma realidade imediata (do pensamento e da emoção)" (Bakhtin, 1992,
p. 329). Sendo o texto "um conjunto coerente de signos", ele não é uma entidade
exclusivamente verbal. Na verdade, ele é uma categoria presente em todas as linguagens, em
todas as semióticas (Idem, ibid.). "(...) Quaisquer que sejam os objetivos de um estudo, o ponto
de partida só pode ser o texto" (Idem, p. 330). O texto, em Bakhtin, é uma unidade da
manifestação: manifesta o pensamento, a emoção, o sentido, o significado.
Cada texto tem atrás de si um sistema compreensível para todos (convencional, dentro de uma
dada comunidade) - uma língua, "ainda que seja a língua da arte" (Idem, p. 331). Não há texto
que não pressuponha uma língua. Se não há uma língua atrás de um texto, temos um
fenômeno natural e não um texto: por exemplo, uma sucessão de gritos e gemidos (Idem, ibid).
O conceito de texto é, portanto, amplo: vai além de palavras imprimidas em um
pedaço de papel ou exteriorizadas por meio da voz. A série Black Mirror, é, por
exemplo, um texto, composto por vários capítulos (episódios) que dialogam com
outros textos e discursos - produzidos por alguém e endereçados a alguém (VERÓN,
1980).
O texto é formado por um conjunto de códigos (não no sentido de unidades de um
repertório, mas no sentido de operações de investimento do sentido). Tais códigos
podem ser, por exemplo, elementos que caracterizam a construção composicional do
cinema. Nesse caso, a iluminação, a cor das roupas dos personagens, a trilha sonora,
a sonoplastia, a aproximação ou afastamento da câmera, dentre outros, são códigos
pertencentes a essa linguagem fílmica, essenciais para a produção de sentido.
O corpus aqui analisado é constituído, portanto, dos dois textos já mencionados:
Black Mirror e 1984. O primeiro é uma série britânica de ficção científica, criada por
Charlie Brooker, e o segundo é um livro, também do mesmo gênero temático, de
George Orwell. Portanto, temos dois objetos de diferentes meios para a análise: um
texto fílmico e um texto materializado verbalmente.
2 METODOLOGIA
Black Mirror (B.M.) é organizada em três temporadas, cada qual com três, quatro e
oito episódios, respectivamente, independentes entre si. Para a análise, um episódio
específico foi selecionado, pois é o que mais se assemelha ao universo de 1984:
Temporada 1, episódio 2 – Quinze milhões de méritos (em breve retomaremos a
descrição de tal episódio). Apesar da seleção, apenas a título de clarificar o estudo,
B.M. como um todo é claramente inspirada pelo mesmo discurso de Orwell em seu
livro em questão - a crítica a ascensão tecnológica, a vigilância, atitudes/governos
autoritários, dentre outras, expondo as mazelas da sociedade.
Mil novecentos e oitenta e quatro (1984) é um livro de 362 páginas organizadas pelo
autor em três partes: parte I, com 8 capítulos; parte II, com 10 capítulos; parte III,
com 6 capítulos. Na estória, Winston Smith é o personagem principal, que vive em
constante vigilância por um regime extremamente totalitário, o qual é governado pelo
Grande Irmão (Big Brother), sob o lema: "Guerra é paz/ Liberdade é escravidão/
Ignorância é força".
3 DESENVOLVIMENTO
1. Telas;
Por trás de Winston, a voz da teletela continuava sua lenga-lenga infinita sobre o ferro-
gusa e o total cumprimento – com folga – das metas do Nono Plano Trienal. A teletela
recebia e transmitia simultaneamente. Todo som produzido por Winston que ultrapassasse
o nível de um sussurro muito discreto seria captado por ela; mais: enquanto Winston
permanecesse no campo de visão enquadrado pela placa de metal, além de ouvido
também poderia ser visto. Claro, não havia como saber se você estava sendo observado
num momento específico. Tentar adivinhar o sistema utilizado pela Polícia da Ideias para
conectar-se a cada aparelho individual ou a frequência com que o fazia não passava de
especulação. Era possível inclusive que ela controlasse todo mundo o tempo todo. Fosse
como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu aparelho sempre que
quisesse. Você era obrigado a viver – e vivia, em decorrência do hábito transformado em
instinto – acreditando que todo som que fizesse seria ouvido e, se a escuridão não fosse
completa, todo movimento examinado meticulosamente. (ORWELL, George. 1984. Reino
Unido, 1949. P. 13)
Em B.M., além da tela projetar seu avatar (quase que como uma câmera,
captando seus movimentos e reproduzindo-os virtualmente), ela também te
informa a quantidade de méritos, como uma conta bancária. Seu objetivo é o
mesmo: controle e vigilância.
2. Pornografia;
Havia inclusive uma subseção inteira – Pornovid era seu nome em Novafala – dedicada à
produção do tipo mais grosseiro de pornografia, que era despachado em embalagens
fechadas e que nenhum integrante do Partido, salvo os envolvidos em sua produção, tinha
permissão de ver. (Idem, p. 58)
Como já mencionado, em B.M. a pornografia é um conteúdo reproduzido nas
telas diariamente, e caso não queira assisti-lo, deve-se pagar por isso.
3. Exercícios;