Você está na página 1de 172

por meio de seus detalhados e A sétima edição da REVISTA

proficientes relatórios finalizam DO TRIBUNAL DE CONTAS


nossa revista. DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO traz como matéria
O crescimento das atividades de abertura o Controle das
do Tribunal e a busca Políticas Públicas, assinada
permanente de aproximação pelo professor Dalmo
da Corte de Contas com Dallari, que trata a questão

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


a sociedade impulsionam de maneira atualíssima. O

REVISTA
projetos como o da REVISTA segundo artigo, assinado pelo
DO TRIBUNAL DE CONTAS DO professor Eros Roberto Grau,
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. aborda a Música e o Direito,
Outro projeto que acabamos fazendo um paralelo entre os
de inaugurar é a Biblioteca dois temas.
Sergio Cavalieri Filho, situada Em seguida, o procurador
no andar térreo da nova sede Gustavo Binenbojm discorre
do TCE-RJ. Projetada para ser sobre as parcerias público-
um espaço contemporâneo privadas e a vinculação
de convivência, pesquisa e de receitas dos fundos de
informação, a biblioteca ‒ participação como garantia
aberta ao público ‒ ocupa área das obrigações do poder
de 700 metros quadrados no público. Ele registra que o
andar térreo do Edifício Rui êxito destas parcerias está
Barbosa. atrelado à capacidade do poder
Oferece salas de reunião para concedente em torná-las uma
estudos em grupo, internet alternativa rentável, vantajosa
com sistema wi-fi, notebooks, e, principalmente, segura de
terminal de autoatendimento investimento para os particulares.
‒ inclusive para deficientes Fechando a nossa doutrina,
‒, mesas de estudo, armários o professor Toshio Mukai
para guarda de objetos dos destaca que associações
usuários e salão multiuso com ou sociedades sem fins
sofás e instalações para serviço lucrativos, partícipes de
de cafeteria. convênios com órgãos ou
Esses e outros projetos entidades públicas e estatais,
que ainda virão têm como não podem estar sujeitas à
objetivo primordial dar mais Lei 8.666/93 e aos princípios
funcionalidade e eficácia ao da Administração Pública.
TCE-RJ, de forma impessoal, Os votos prolatados pelos

7
padronizada e sem ostentação. conselheiros deste Tribunal

TRIBUNAL DE CONTAS DO
7 ESTADO DO RIO DE JANEIRO
1º SEMESTRE ¦ 2014
REVISTA
7 TRIBUNAL DE CONTAS DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
1º SEMESTRE | 2014
Conselho Deliberativo

Presidente
EXPEDIENTE Jonas Lopes de Carvalho Junior
Coordenadora-Geral de Comunicação Social,
Imprensa e Editoração Vice-Presidente
Fernanda Pedrosa
Aluisio Gama de Souza
Coordenação Editorial
Des. Sergio Cavalieri Filho
Procurador-Geral do TCE-RJ
Conselheiros
José Gomes Graciosa
Jornalista responsável: Fernanda Pedrosa (Mtb
13.511) / Editor executivo: Fernando de Lima / Revisão:
Marco Antonio Barbosa de Alencar
Márcia Aguiar / Projeto gráfico e arte: Inês Blanchart / José Maurício de Lima Nolasco
Diagramação: Margareth Peçanha e Daniel Tiriba /
Fotografia: Arquivo TCE-RJ / Pesquisa de glossário:
Julio Lambertson Rabello
Luiz Henrique Almeida Pereira Aloysio Neves Guedes
Impressão
Gráfica Rio DG
Tiragem: 500 exemplares
Distribuição gratuita

Os textos assinados nesta publicação são de


exclusiva responsabilidade dos autores.

Endereço para correspondência


Tribunal de Contas do
Estado do Rio de Janeiro
Coordenadoria de Comunicação Social, Imprensa
e Editoração
Praça da República, 50 / 6º andar
CEP 20211-351 – Centro – RJ
Tel.: (21) 3231-4135
Fax: (21) 3231-5582
E-mail: ccs@tce.rj.gov.br

Ficha catalográfica

Rio de Janeiro (Estado). Tribunal de Contas


Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – v. 2, n. 7 (jan./jun. 2014) Rio de
Janeiro: O Tribunal

Semestral
ISSN: 0103-5517
SUMÁRIO
Editorial
Jonas Lopes de Carvalho Junior 4

Doutrina
Controle de políticas públicas 8
Dalmo de Abreu Dallari

A música e o direito 16
Eros Roberto Grau

As parcerias público-privadas e a vinculação de receitas dos fundos


de participação como garantia das obrigações do poder público 20
Gustavo Binenbojm

Associações ou sociedades sem fins lucrativos partícipes de convênios


com órgãos ou entidades públicas e estatais não podem estar sujeitas
à Lei nº 8.666/93 e aos princípios da Administração Pública 40
Toshio Mukai

Votos
Tomada de contas especial 60
Aluisio Gama de Souza

Ato de dispensa de licitação 102


José Gomes Graciosa

Contrato 112
Marco Antonio Barbosa de Alencar

Contrato 120
José Maurício de Lima Nolasco

Consulta 136
Julio Lambertson Rabello

Tomada de contas especial ex-officio 162


Aloysio Neves Guedes
A sétima edição da REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO está marcada pelos
valiosos ensaios dos renomados juristas Dalmo de
Abreu Dallari, Eros Roberto Grau, Gustavo Binenbojm e
Toshio Mukai, que nos brindam com uma doutrina de
ponta e impecável excelência literária.

Ela tem o seu lugar reservado no acervo da Biblioteca


Sergio Cavalieri Filho, recém-inaugurada na nova sede
do TCE-RJ, em cujas estantes, além de obras raras,

4
EDITORIAL
como o exemplar da Lei Orçamentária do Estado da
Guanabara de 1965, há centenas de títulos de Direito,
Administração, Contabilidade e Economia, teses de
mestrado e doutorado, estudos sobre as contas públicas
do estado, CDs e DVDs com gravações de palestras e
seminários.

A inauguração da nova sede, o Edifício Rui Barbosa, foi


um importante capítulo na história do controle de contas
em nosso estado. Quando assumimos a Presidência do
Tribunal, não nos movia o desejo de fazer obras físicas,
mas sim promover a reestruturação do TCE-RJ. Contudo,
o crescimento das nossas ações – saímos de 200
auditorias por mês para 850 – e o consequente aumento
do nosso corpo técnico de servidores que fiscalizam as
contas públicas do estado e de 91 municípios sob a nossa
jurisdição exigiram a ampliação do espaço de trabalho.

Um espaço de trabalho em cujo térreo está a nossa


Biblioteca Sergio Cavalieri Filho, criada para ser um
instrumento de contato da população do Rio de Janeiro
com o Tribunal que fiscaliza o destino dado às verbas
públicas provenientes da cobrança dos impostos.

A nova edição da revista e a inauguração da biblioteca


– que homenageia o nosso ilustre procurador-geral e
coordenador editorial desta revista – são demonstrações
de que o investimento em cultura e conhecimento
também é preocupação constante deste Tribunal.

JONAS LOPES DE CARVALHO JUNIOR


Presidente do TCE-RJ

5
DOUTRINA
8
Controle de
políticas públicas
Dalmo de Abreu Dallari

9
I. Políticas públicas:
inovação no direito brasileiro
O tema das políticas públicas é uma das mais importantes inovações
do direito contemporâneo, implicando reflexões e criações teóricas ao
lado de transformações da mais alta relevância na organização e no
funcionamento dos poderes públicos, com reflexos muito positivos na
definição e prática dos direitos sociais. Por sua grande importância para
a construção de uma sociedade democrática e justa, a noção de políticas
públicas já suscitou importante contribuição teórica e exige a atenção de
todos os que, atuando no aparato jurídico do Estado ou com influência
na formação das mentalidades jurídicas e na prática dos direitos, buscam
a efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Procurando contribuir para o conhecimento mais preciso da noção de


políticas públicas e para as reflexões sobre suas implicações jurídicas,
abordaremos aqui alguns aspectos fundamentais, tais como a conceituação
de políticas públicas e o controle das ações e omissões que decorrem da
fixação e da busca de efetividade das políticas públicas. A teoria jurídica
brasileira já tem dado contribuição muito relevante para o conhecimento
e a análise desses aspectos e aqui serão abordadas algumas dessas
contribuições, começando pela análise do conceito de políticas públicas.

Como ponto de partida, é muito oportuno recuperar algumas considerações


básicas sobre essa temática e sobre as implicações do conceito de políticas
públicas, feitas pelo eminente mestre Fábio Konder Comparato. Tomando
por base vários precedentes teóricos, Comparato ressalta a diferença,
quanto às implicações jurídicas, entre os “princípios” e a “política”. Observa
ele que os princípios são noções abstratas e gerais que, quanto aos efeitos
jurídicos, tendem ao estabelecimento de direitos individuais. A política, diz
ele, “designa aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala
uma meta a alcançar, gerando uma melhoria em alguma característica
econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas
sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica
deve ser protegida contra uma mudança hostil”. E conclui: “Daí porque as
argumentações jurídicas de princípios tendem a estabelecer um direito
individual, enquanto as fundamentações jurídicas de políticas visam a
estabelecer uma meta ou finalidade coletiva”(Ensaio sobre o juízo de
constitucionalidade de políticas públicas, In Estudos em homenagem a
Geraldo Ataliba, São Paulo, Malheiros, 1997).

10
II. Conceito de políticas públicas
Na linha das ponderações de Fábio Comparato expostas, Maria Paula
Dallari Bucci, eminente Professora Livre-Docente da Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo e com valiosa experiência na Administração Pública
federal, desenvolveu amplos e minuciosos estudos sobre as políticas públicas,
tendo já publicado vários trabalhos relevantes sobre o tema, entre eles um
livro intitulado Direito Administrativo e Políticas Públicas (Ed. Saraiva, 2002) e,
mais recentemente, outra obra substanciosa com o título Fundamentos para
uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas (Ed. Saraiva, 2013). Tomando por
base os precedentes teóricos e sua experiência nas práticas governamentais,
fixou ela um conceito, claro e preciso, de políticas públicas. Para chegar à
conceituação assinala a ilustre jurista que “as políticas são instrumentos de
ação dos governos — o government by policies, que desenvolve e aprimora
o government by law. A função de governar — o uso do poder coativo do
Estado a serviço da coesão social — é o núcleo da idéia de política pública,
redirecionando o eixo de organização do governo da lei para as políticas”.

Apoiando-se nessas considerações e tendo em conta outros argumentos


sugeridos pela teoria e pela prática, chega ela a uma definição precisa de
políticas públicas, nos seguintes termos: “políticas públicas definem-se como
programas de ação governamental, em cuja formação há um elemento
processual estruturante: “política pública é o programa de ação governamental
que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados”
( In Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas, p.109).

Nesse conceito estão sintetizados os elementos básicos da política pública. Ela


é um programa de ação governamental, vinculando-se a objetivos de ordem
prática, a objetivos concretos que devem ser atingidos, sendo, portanto, mais
do que uma fixação abstrata de princípios que devem orientar as decisões e
os atos do Poder Público. A par disso, é essencial ter em conta que se trata
de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados, o que faz
da política pública uma figura jurídica, devendo, por isso, estar integrada no
sistema jurídico fundado na Constituição.

III. Controle das políticas públicas


Entre as muitas decorrências jurídicas da importante inovação que foi
a introdução do conceito de políticas públicas no âmbito das práticas
governamentais e administrativas, está o problema do controle das

11
políticas públicas. Com efeito, elas implicam a definição de objetivos
relacionados com direitos fundamentais, havendo importância óbvia na
realização de um controle jurídico relativamente à definição das políticas e
sua implementação pela Administração Pública, estando sempre presente
o pressuposto de que as políticas públicas são de relevante interesse
público e social.

Com relação ao controle dos atos e das omissões ilegais da Administração


Pública, é oportuno rememorar aqui os ensinamentos da eminente mestra
do Direito Administrativo, Professora Titular da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Em sua
obra fundamental, Direito Administrativo (Ed. Saraiva, 2002, 13ª
[...] no ed.), enfatiza ela a importância do controle dos atos e das omissões

desempenho da Administração Pública, nos seguintes termos: “Pode-se definir


o controle da Administração Pública como o poder de fiscalização
de suas e correção que sobre ela exercem os órgãos do poder Judiciário,
Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade
competências de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo
ordenamento jurídico” (p. 576).
legais, os
Um ponto que pode suscitar sérias dúvidas é qual o papel dos
Tribunais de Tribunais de Contas no controle das políticas públicas. Na realidade,
não existe menção expressa ao controle das políticas públicas
Contas podem nos dispositivos constitucionais e legais referentes aos Tribunais

e devem estar de Contas e suas atribuições. Entretanto, não é fora de propósito


afirmar que no desempenho de suas competências legais, os
atentos às Tribunais de Contas podem e devem estar atentos às ilegalidades
por ação ou omissão praticadas pelo Poder Executivo. Cabe aqui
ilegalidades por reproduzir as observações, muito precisas e veementes, feitas pelo
ilustre Ministro Celso de Mello como Relator da Adin nº 215/PB, em
ação ou omissão julgamento do Supremo Tribunal Federal de 3 de agosto de 1990:

praticadas pelo “Com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, de modo


extremamente significativo, a esfera de competência dos tribunais
Poder Executivo. de contas, os quais foram investidos de poderes jurídicos mais
amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo
legislador constituinte, a revelar a inquestionável essencialidade
dessa instituição surgida nos albores da República. A atuação dos Tribunais
de Contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle
externo e constitui, como natural decorrência do fortalecimento de sua ação
institucional, tema de irrecusável relevância.” (Apud Alexandre de Moraes,
Direito Constitucional, Ed. Atlas, 2014 ( 30ª ed.), p. 453).

12
Retomando os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, cabe
observar que, indo além do que já foi anteriormente exposto e fazendo
ponderações que interessam diretamente à questão do controle das
políticas públicas, acrescenta a eminente mestra: “Embora o controle seja
atribuição estatal, o administrado participa dele na medida em que pode e
deve provocar o procedimento de controle, não apenas na defesa de seus
interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo. A
Constituição outorga aos particulares determinados instrumentos de ação
a serem utilizados com essa finalidade. É esse, provavelmente, o mais eficaz
meio de controle da Administração Pública: o controle popular.” (ob. cit., p.
575). Na realidade, sendo todo o povo, ou uma parte dele, o destinatário da
política pública, o controle pelo povo é o meio mais eficaz para avaliação
da efetividade da política pública consubstanciada num programa de ação
governamental.

IV. Controle judicial das políticas públicas


Uma questão de grande relevância, em relação à qual têm sido feitos
alguns questionamentos, é a possibilidade de controle judicial das políticas
públicas, indagando-se qual o alcance e o sentido desse controle, uma vez
admitido. Para deixar claro esse ponto é oportuno reproduzir aqui o que
dispõe a Constituição no artigo 5º, inciso XXXV:

“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a


direito;”

Em relação ao alcance desse dispositivo, vem a propósito ter em conta


os ensinamentos do eminente mestre do Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo José Afonso da Silva.
Diz ele, comentando esse dispositivo constitucional, que “o princípio
da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade
do controle jurisdicional”, constitui, em verdade, a principal garantia
dos direitos subjetivos. Acrescenta, mais adiante, que desse dispositivo
decorre, além de outras, uma garantia consistente “no direito de invocar a
atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente
ameaçado um direito, individual ou não, pois a Constituição já não mais
o qualifica de individual – no que andou bem, porquanto a interpretação
sempre fora a de que o texto anterior já amparava direitos, por exemplo, de
pessoas jurídicas ou de outras instituições ou entidades não-individuais, e
agora hão de levar-se em conta os direitos coletivos, também.”(Comentário
Contextual à Constituição, Malheiros, 2005, p.131/132).

13
Tratando diretamente desse ponto, o problema do controle das políticas
públicas pelo Judiciário, Maria Paula Dallari Bucci faz considerações
muito precisas, fundadas na realidade atual, sobre importantes inovações
acolhidas pelo direito de modo geral e com forte repercussão no
direito positivo brasileiro, dando especial ênfase à inovação que se tem
denominado “judicialização da política” ou “politização do Judiciário”.
Diz ela que o simples reconhecimento da ocorrência desse fenômeno já
demonstra a processualidade das políticas públicas, na medida em que
maior número de conflitos sociais passa a ser submetido à lógica processual,
submetido ao Poder Judiciário. E, como bem observa, “são exemplos
disso os processos coletivos, a abertura ao tratamento dos interesses
difusos e coletivos”. E acrescenta que a grande inovação que
[...] a decisão as políticas públicas trazem é imputar consequências, dentro
de determinados parâmetros, “para a inércia ou incúria dos
judicial há de governos em implementar as políticas públicas ou medidas
necessárias para a efetivação dos direitos” (Fundamentos para
ser baseada na uma Teoria Jurídica das Políticas públicas, p. 192).

confrontação do Descendo a pormenores sobre as disputas judiciais a respeito


de políticas públicas, faz ela uma síntese do papel que cabe aos
dever existente que forem ao Judiciário fazer um questionamento sobre política

com a real pública e o que pode ou deve fazer o Poder Judiciário. Observa,
então, que cumpre ao autor da ação, quando invoca a inércia do
competência poder Público, ou a execução imparcial ou incompleta da política
ou, ainda, a ausência da destinação de recursos, demonstrar
do agente que a expectativa é legítima, no quadro de funcionamento dos
Poderes da República.
público para a
No tocante ao papel do juiz, observa que a decisão judicial há
implementação de ser baseada na confrontação do dever existente com a real
competência do agente público para a implementação da política.
da política. E depois de ponderar que esse é o sentido político-institucional
do controle judicial de políticas num cenário democrático, alerta
para a necessidade de equilíbrio e razoabilidade na invocação da
interferência do Judiciário. Observa, então, que “não se trata de conceber
o Poder Judiciário como mera arena de conflitos, mas respeitar que a
exigência judicial de direitos seja uma alternativa possível. Diante dela,
cabe à autoridade prestar contas, informar como está sendo planejado o
enfrentamento da questão, quais os meios imediatamente disponíveis,
quais os resultados a serem obtidos ao longo do tempo. Só desse modo se
terá o verdadeiro escrutínio da conduta do Poder Público, sem parti pris,
seja de um lado seja de outro” (ob. cit., p. 197).

14
V. Conclusão
O acolhimento da noção de políticas públicas é uma inovação
extremamente importante do sistema jurídico brasileiro. Essa inovação está
inserida na linha de ampliação das garantias constitucionais dos direitos,
que é um dos traços fundamentais da Constituição brasileira de 1988. Na
realidade, dando acolhida e garantia aos direitos humanos civis e políticos
e aos direitos econômicos, sociais e culturais, a Constituição
consagrou novos meios de proteção e reivindicação desses
direitos, ampliando, por exemplo, as possibilidades de acesso da
E o controle
cidadania ao Poder Judiciário. E para tanto foram criados novos
judicial das
instrumentos jurídicos que podem ser acionados para o acesso ao
Judiciário, com a ampliação das possibilidades de recurso a uma políticas públicas é
instância judiciária e o estímulo à criação de novos instrumentos,
como a Defensoria Pública, e de novas ações judiciais à disposição um complemento
dos cidadãos e dos grupos sociais. Disso resultou, entre outras
inovações de grande alcance, a Lei da Ação Civil Pública, Lei necessário para
nº 7347, de 1985, que, como bem observa Maria Paula Dallari
Bucci, inaugurou no Brasil o paradigma das ações coletivas. E,
que se busque
como bem observa a mesma autora em sua obra Fundamentos e obtenha a
para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas, anteriormente
referida, com essas inovações “o universo dos bens tutelados pela efetividade dos
lei – originalmente meio ambiente, consumidor, bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico – direitos individuais
ampliou-se com a edição do Código de Defesa do Consumidor,
Lei nº 8078, de 1990, que estende as hipóteses de cabimento da
e sociais
Ação Civil Pública aos casos de infração da ordem econômica e
consagrados na
da economia popular, além da tutela da ordem urbanística ou
qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (p.193). Constituição.
Em conclusão, a figura jurídica das políticas públicas foi uma das
mais importantes inovações do sistema jurídico brasileiro dos últimos
tempos, contribuindo para a correção, por meios jurídicos, pacíficos
portanto, das injustiças sociais e da marginalização de segmentos da
cidadania. E o controle judicial das políticas públicas é um complemento
necessário para que se busque e obtenha a efetividade dos direitos
individuais e sociais consagrados na Constituição.

15
A música e
o direito
Eros Roberto Grau
Eros Roberto Grau
Professor Titular A música é arte; o direito,
aposentado da USP
Membro da Academia uma prudência
Paulista de Letras

Aristóteles ensinou-nos que o princípio de existência da arte está no artista,


não na coisa produzida. A arte não se ocupa com as coisas que são ou se
geram por necessidade. Nem com os seres naturais, que encontram em si
mesmos seu princípio.

O direito, ao contrário, é uma prudência. Não é ciência nem


arte. É capacidade, acompanhada de razão, de agir na esfera
Entre a música e do que é bom ou mau para o ser humano. Razão intuitiva que
não discerne o exato, porém o correto. Por isso há sempre, no
o direito há certa texto da Constituição e das leis, mais de uma solução correta a
ser aplicada a cada caso, nenhuma exata.
semelhança.
Entre a música e o direito há, contudo, certa semelhança.
Ambos são Ambos são alográficos, reclamando um intérprete: o intérprete
da partitura musical, de um lado; o intérprete do texto
alográficos, constitucional ou da lei, de outro.

reclamando Das artes há dois tipos: as alográficas e as autográficas. Nas


primeiras (música e teatro), a obra apenas se completa com o
um intérprete: concurso do autor e de um intérprete; nas artes autográficas

o intérprete (pintura e romance), o autor contribui sozinho à realização


da obra. Em ambas há interpretação, mas são distintas uma e
da partitura outra.

musical, de um A interpretação da pintura e do romance envolve unicamente


compreensão de quem olha ou lê. A obra é completada, no seu
lado; o intérprete todo, pelo autor. Sua fruição estética independe de qualquer
mediação. Diversamente, a música e o teatro demandam
do texto compreensão mais reprodução: a obra reclama, para que
possa ser esteticamente fruída, além do autor um intérprete
constitucional ou que compreenda e reproduza a partitura musical ou o texto da

da lei, de outro. peça teatral. A fruição estética que a obra enseja é alcançada
mediante a compreensão/reprodução do intérprete.

O direito é alográfico. O texto normativo não se completa no


quanto tenha escrito o legislador. Sua "completude" somente é alcançada
quando o sentido por ele expressado for produzido, como nova forma
de expressão, pelo intérprete. O sentido expressado pelo texto é distinto

18
do texto. É a norma que resulta da interpretação. O intérprete "produz a
norma" a ser aplicada a certos fatos sem exceder o texto. A interpretação
do direito é mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua
aplicação particular, em cada caso.

Permito-me ainda referir outra distinção, entre o poiético e a estesia.


A pôiesis (de onde poiético) é criação, produção, conversão do que não
existia em existente. Alguém já disse que a pôiesis é como o despertar de
uma mariposa ao romper seu casulo. A estesia, por outro lado, é aptidão
humana a fruirmos do belo.

Pois é exatamente aí que música e direito se apartam. Os músicos


interpretam partituras visando à fruição estética. Os juízes interpretam
textos normativos vinculados pelo dever de aplicá-los, de sorte a proverem
a realização de ordem, da segurança e da paz.

O intérprete musical interpõe-se entre o compositor e a plateia. Para os


juízes, no entanto, não deve existir plateia. O direito não é para produzir
efeito estésico. A sensibilidade ao belo é estranha à atuação do juiz no
desempenho do ofício de interpretar e aplicar textos da Constituição e das
leis. A aptidão humana de fruição do belo nada tem a ver com os juízes.
Nem mesmo conosco, meros cidadãos, quando suportamos normas de
decisão por eles produzidas.

Para os juízes não há – não deveria haver – plateia alguma. Ainda que,
em determinados tribunais, certos juízes se excedam em figuras literárias,
demoradamente, ao votar. Dirigindo-se à plateia, em êxtase de si mesmos...

Não estou a dizer que todos os juízes afastam-se da prudência para a qual
foram talhados. Aqui e ali, no entanto, é uma prudência alvoroçada que
exercem, fazendo bonito para a plateia. Isso não dará certo, mesmo porque
a plateia está farta de espetáculos de qualidade bem ruim, legislativos e
executivos. Por conta disso, aliás, vem a minha memória um poema de
Álvaro de Campos a propósito de o dia estar dando em chuvoso.

19
As parcerias
público-privadas e a
vinculação de receitas dos
fundos de participação
como garantia das
obrigações do poder público
Gustavo Binenbojm
Gustavo Binenbojm1
Procurador do Estado e Resumo
Advogado
A Lei das PPPs estabeleceu uma nova racionalidade econômica para os
contratos administrativos, baseada na ideia de cooperação do Estado com
os particulares na consecução de projetos públicos de vulto. A concessão
de garantias sólidas por parte do poder concedente mostra-se essencial
para atrair investimentos privados e possibilitar o sucesso da parceria. Neste
contexto, a vinculação de receitas públicas, notadamente aquelas oriundas
dos fundos de participação, parece ser um eficiente instrumento de garantia,
desde que superadas as objeções quanto à sua juridicidade. Este artigo
pretende refutar tais questionamentos, demonstrando que a vinculação de
receitas públicas não viola o regime de precatórios (art. 100 da Constituição),
e que a afetação de receitas do FPE e do FPM para a satisfação das obrigações
pecuniárias contraídas pelo poder concedente em contratos de PPP não
afronta ao princípio da não-vinculação (art. 167, IV, da Constituição).

Introdução
Por meio da Lei nº 11.079/2004, o legislador regulou as parcerias público-
privadas (PPP), trazendo uma nova lógica econômica às contratações
públicas2, mais pragmática e realista, centrada em resultados práticos
e na busca da redução dos riscos privados. Com o advento do referido
diploma legal, o Estado novamente reconheceu a existência de limitações
financeiras que o impedem de realizar projetos de grande porte. Para
contornar esse problema, o legislador permitiu que o Poder Público se
associasse aos particulares para realizar os investimentos necessários
para a concretização de empreendimentos de grande magnitude, que
os entes públicos não teriam condições de realizar sozinhos, sob pena de
aumentarem ainda mais seus já elevados graus de endividamento.3

Obviamente, a captação, pelo Poder Público, de um maior volume de


recursos privados para financiar projetos de grande porte pressupõe o
estabelecimento de mecanismos aptos a conferir garantias mais robustas
aos parceiros privados. Do contrário, os agentes econômicos não teriam
incentivos reais para participar da empreitada. Afinal, o empresariado precisa
ter segurança de que será remunerado pelo investimento a ser realizado,
sob pena de não se ver motivado a aderir às parceiras público-privadas.

Nesse sentido, o legislador entendeu que era indispensável estabelecer


um regime amplo de garantias para captar investimentos privados de
vulto, de forma a fazer com que projetos estatais mais ambiciosos possam,

22
efetivamente, sair do papel, sem que o Poder Público comprometa suas
finanças para isso. Assim, pode-se afirmar, com toda a tranquilidade, que o
sucesso do modelo de parcerias público-privadas passa necessariamente
pela identificação dos contratos de PPP como uma opção de negócios
segura e, portanto, lucrativa para os particulares.

A Lei das PPP enumerou diversas formas de garantia para viabilizar a


parceria, permitindo que o parceiro público escolha aquela que melhor
se adeque ao empreendimento a ser realizado. Com efeito, o art. 8º da lei
prevê as seguintes modalidades de garantia:

“Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração


Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser
garantidas mediante:
Alguns entes
I - vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do federativos têm
art. 167 da Constituição Federal;
II - instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; se utilizado da
III - contratação de seguro-garantia com as companhias
seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; vinculação de
IV - garantia prestada por organismos internacionais ou
instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder
receitas como
Público; forma de garantia
V - garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal
criada para essa finalidade; de suas PPPs.
VI - outros mecanismos admitidos em lei.”

Interessa ao escopo deste estudo, especificamente, a garantia


instituída no inciso I do art. 8º. Alguns entes federativos têm se utilizado da
vinculação de receitas como forma de garantia de suas PPPs. A vinculação
de receitas constitui uma garantia de ordem orçamentária, pela qual se
afeta determinada receita a uma finalidade específica. Não é, pois, uma
segurança especial a que o credor terá direito em caso de inadimplemento
da dívida4, um contrato acessório cujo objetivo é permitir a execução da
obrigação principal, em caso de inadimplemento, sem a necessidade de
se ajuizar uma ação de conhecimento. Antes, trata-se de um indicador de
que o contrato principal será cumprido espontaneamente, e de que as
obrigações pecuniárias contraídas pelo poder concedente serão adimplidas
sem contratempos5.

Tal acepção de garantia, diversa daquela tradicionalmente encontrada no


direito civil, não tem por objetivo oferecer ao credor opções alternativas
para o recebimento de seu crédito, em caso de inadimplemento; em

23
verdade, ela busca assegurar ao particular que o contrato de PPP será
observado tal como pactuado, sem os ônus que decorrem da necessidade
de execução de prestações diversas, o que, sem dúvidas, melhor se
harmoniza com o espírito da Lei nº 11.079/2004.

Dentre as receitas passíveis de vinculação, incluem-se as patrimoniais, as


imobiliárias, as de capital, entre outras previstas na Lei nº 4.320, de 17 de
março de 1964. Contudo, a possibilidade de vinculação de receitas tem
suscitado dúvidas e questionamentos.

O primeiro diz respeito à própria constitucionalidade da vinculação de


receitas6 à luz do art. 100 da Constituição. Alega-se, nesse sentido, que o
mecanismo representaria burla à ordem de pagamento de precatórios e
violação à igualdade dos credores dos entes públicos.

O segundo refere-se à possibilidade de vinculação de receitas oriundas do


FPE e do FPM,7 para a satisfação das obrigações pecuniárias contraídas pelo
Poder Concedente. Argumenta-se, em relação a esse ponto, que não seria
possível a utilização de recursos oriundos desses Fundos constitucionais,
na medida em que eles são nutridos por verbas de impostos federais,
nos termos do disposto no art. 159 da Constituição8. Em razão disso, a
vinculação representaria infração ao art. 167, IV, da Constituição.9

O objetivo deste estudo é demonstrar: (i) que a vinculação de receitas,


prevista no art. 8º, I, da Lei nº 11.079/2004, não viola o regime de precatórios;
e (ii) que a vinculação de receitas oriundas do FPE e do FPM, para a satisfação
das obrigações pecuniárias contraídas pelo Poder Concedente em contratos
de PPP, também não ofende o art. 167, IV, da Constituição. Como se verá, a
vinculação de receitas representa um importante mecanismo para a gestão
eficiente dos recursos públicos, assegurando o adimplemento das obrigações
pecuniárias do Poder Concedente de forma integral, pontual e fiel.

II - A vinculação de receitas públicas para


o adimplemento dos contratos de PPPs é
compatível com o art. 100 da CRFB/88
A primeira dificuldade que a vinculação de receitas gera relaciona-se
ao regime de pagamentos da Administração Pública. Questiona-se se
a vinculação dos recursos públicos implicaria violação ao regime de
precatórios previsto constitucionalmente.

De acordo com o caput do art. 100 da Constituição10, os pagamentos

24
devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial transitada em
julgado, far-se-ão na ordem cronológica de apresentação de precatórios. Esse
sistema atende ao princípio da isonomia e dá a nota de impenhorabilidade dos
bens públicos. As dívidas judiciais do Poder Público possuem regime próprio, o
qual afasta a possibilidade de penhora e institui como regra geral o sistema de
precatórios.

Em razão disso, há quem sustente11 que o regime de execução aplicável à


Fazenda Pública impede a criação do esquema de adimplemento
por meio da vinculação de receitas públicas. O argumento é o de
que dívidas do ente federativo que adotasse o modelo estariam ... o Estado não
sendo pagas sem a observância do modelo de precatórios.
Ademais, já que as pessoas jurídicas de direito público estão pode vincular
obrigadas a incluir em seu orçamento a verba necessária para o
pagamento dos precatórios (art. 100, § 5º, CRFB12), a afetação, a
recursos para o
priori, de parte dos recursos estaduais a outro propósito poderia pagamento direto
comprometer o atendimento a esse dever constitucional,
prejudicando a ordem cronológica e malferindo a isonomia. Tais (sem precatório)
argumentos, contudo, não se sustentam.
de dívidas
Não se pode perder de vista, em primeiro lugar, que o art. 100 da
Constituição tem por finalidade dispor sobre o pagamento das reconhecidas por
dívidas judiciais vencidas do Poder Público. Por isso, é evidente
que o Estado não pode vincular recursos para o pagamento direto sentença judicial
(sem precatório) de dívidas reconhecidas por sentença judicial
transitada em julgado. Aí sim haveria fraude ao art. 100 da CRFB.
transitada em
Já na hipótese em exame, da Lei das PPPs, a destinação desses
julgado. Aí sim
recursos visa ao adimplemento de obrigações vincendas
contraídas pelo poder concedente. E, para essas, é viável o
haveria fraude ao
estabelecimento de modelo de pagamento diferenciado numa art. 100 da CRFB.
certa relação contratual.13 Tal medida pode ser mais eficiente e
atrair melhores investimentos.

O art. 100 da Constituição, portanto, não pode ser lido de forma absoluta,
como se toda e qualquer afetação de recursos fosse ilegítima, ou como se
todo e qualquer pagamento realizado pelo Poder Público representasse,
a priori, violação à ordem cronológica dos precatórios14. O regime de
precatórios somente se aplica ao pagamento de condenações referentes a
exercícios pretéritos15. Por exemplo: em ação na qual um servidor pleiteie
o pagamento de certa gratificação desde data retroativa, as diferenças
pretéritas apuradas em liquidação deverão ser pagas por intermédio de
precatório (ou de RPV)16. Apesar disso, o ente público também estará

25
obrigado a cumprir uma obrigação de fazer, consistente na implantação, pro
futuro, do benefício em prol do servidor. Tal obrigação, por óbvio, não será
satisfeita por precatório17. Está-se diante, assim, de obrigações vincendas,
motivo pelo qual não se cogita de vulneração ao art. 100 da Constituição.

Afora isso, os estados e municípios, em harmonia com o princípio


federativo e com o art. 160 da CRFB18, desfrutam de plena autonomia para
definir como empregar os seus recursos, inclusive por meio de vinculação
de suas receitas, para o adimplemento e garantia de obrigações em
contratos de PPP, nos quais há interesse em atrair parceiros privados
cujo comprometimento de longo prazo possa inspirar maiores garantias.
Observadas as normas de responsabilidade fiscal e os limites do art. 167,
IV, trata-se de estratégia legítima do ponto de vista constitucional com a
finalidade de viabilizar seus projetos considerados relevantes e estratégicos.

III - Vinculação de recursos do fundo de


participação e sua compatibilidade com o
art. 167, IV, da Constituição
Para além do exposto no capítulo anterior, a vinculação de receitas na
modelagem de contratos de PPP suscita outros debates, notadamente
quando tais recursos são provenientes do Fundo de Participação dos Estados
e do Distrito Federal (FPE) ou do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Os Fundos de Participação são uma transferência constitucional de receitas


que têm por objetivo: (i) mitigar os efeitos do centralismo fiscal, já que parte
significativa dos tributos recolhidos pelos contribuintes brasileiros é de
competência da União, bem como (ii) promover, em harmonia com o art. 3º,
III, da CRFB, a redução das disparidades regionais historicamente existentes
no país, por meio de distribuição dos recursos de acordo com critérios
econômicos e populacionais19. Na medida em que o repasse de recursos
consiste em imposição constitucional, sendo, por isso mesmo, revestido de
elevado grau de certeza, os fundos em questão se apresentam como uma
boa forma de se prestar garantia ao parceiro privado.

A solução, porém, desperta questionamentos. A dúvida está em saber a


validade deste arranjo à luz do art. 167, IV, da Constituição, que veda, com
algumas ressalvas, a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou
despesa. Com efeito, tal dispositivo proíbe o uso de receitas advindas
especificamente de impostos e os fundos de participação são abastecidos
com repasses de impostos, nos termos do art. 159 da Constituição.

26
Nada obstante isso, o fato é que os recursos do FPE e do FPM, embora
originados da espécie tributária em questão, têm a sua natureza modificada
quando destinados aos repasses para os estados e para os municípios. Para
chegar-se a essa conclusão é preciso, em primeiro lugar, compreender o
escopo e o alcance do princípio da não vinculação.

Como se verá adiante, a ratio do princípio da não vinculação é impedir


que um mesmo ente da Federação crie gravames aos seus próprios
impostos, o que acabaria por desvirtuá-los. Como se sabe, a Constituição
dispensou tratamento específico aos impostos. Na sistemática
constitucional, os impostos não se destinam ao custeio de uma
despesa determinada, tal como acontece com outras espécies O princípio da
tributárias (e.g., taxas), visto que não guardam relação com
nenhuma atuação específica, de ordem prestacional, do Estado.
não vinculação
Justamente pelo fato de a cobrança de impostos não depender de (ou não afetação)
contraprestações estatais, sua receita também não deve vincular-
se a um propósito único, mas à manutenção dos serviços públicos tem por escopo
em geral20 e da máquina pública do ente federativo que o institui.
Daí a importância do art. 167, IV, da Constituição, na preservação impedir a
da natureza jurídica do tributo em questão.
destinação prévia
Tal comando, entretanto, não se estende a receitas oriundas de
outras espécies tributárias, nem a recursos destinados a promover do produto da
o equilíbrio federativo. É o que se passa a explicar em maiores
detalhes a seguir.
arrecadação
III.1 - Escopo e alcance do princípio da não de impostos a
vinculação
determinadas
O princípio da não vinculação (ou não afetação) tem por escopo
impedir a destinação prévia do produto da arrecadação de
despesas, órgãos
impostos a determinadas despesas, órgãos ou fundos. Seu
fundamento constitucional é o art. 167, IV, cuja dicção determina
ou fundos.
ser proibida:

“a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas


a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os
arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de
saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de
atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente,
pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações
de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como
o disposto no § 4º deste artigo;” (grifou-se).

27
O primeiro aspecto a se destacar do dispositivo é o seu sentido lexical,
o qual aponta para uma interpretação estrita. Como tem entendido
o Supremo Tribunal Federal, o constituinte valeu-se de um conceito
técnico-jurídico de imposto. Com efeito, no que concerne às espécies
tributárias (i.e. impostos, taxas e contribuições), consolidou-se no STF o
entendimento de que o constituinte foi tecnicamente preciso quando
sobre elas dispôs21.

Nesse sentido, o princípio em tela não se aplica a todo e qualquer ingresso


financeiro do Poder Público. O art. 167, IV, da Constituição refere-se apenas
à receita de impostos, conceito técnico-jurídico que tem sua definição
consagrada pelo Código Tributário Nacional no seu art. 16: “[I]mposto é o
tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de
qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” (grifou-se). Não
se pode, portanto, ampliar o sentido e o alcance da restrição constitucional
para abarcar ingressos financeiros que não se enquadrem nesse conceito
preciso.

Essa interpretação, literal e restritiva, do dispositivo constitucional é


corroborada pelo elemento histórico de interpretação. É que a incidência
do princípio da não vinculação era mais ampla na vigência da Carta de 1969,
quando não se permitia a vinculação de receitas de quaisquer tributos22. Isso
fica claro quando se observa que o constituinte de 1988 substituiu a frase
“é vedada a vinculação do produto da arrecadação de qualquer tributo a
determinado órgão, fundo ou despesa” (art. 62 da Carta de 1969) por “[s]ão
vedados: (…) a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”
(art. 167, IV da CF/88)23.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal admite a vinculação de outras receitas


públicas, inclusive as tributárias, que não decorrentes de impostos. Na ocasião
do julgamento da ADI nº 3.643, por exemplo, o STF decidiu que a vedação
prevista no inciso IV do art. 167 não abrange o produto da arrecadação de
taxas de polícia. Segundo a Corte:

“É constitucional a destinação do produto da arrecadação da taxa (...). O inciso


IV do art. 167 da Constituição passa ao largo do instituto da taxa, recaindo, isto
sim, sobre qualquer modalidade de imposto.” 24

Em suma, o sentido do art. 167, IV, da Constituição deve ser interpretado de


forma estrita. E, adotando-se uma interpretação limitada sobre o que seriam
as receitas provenientes da arrecadação de impostos, outras receitas, não
sujeitas ao comando restritivo da Constituição, podem ser vinculadas a fins
públicos previamente indicados.

28
III.2 - Os recursos dos fundos de participação não têm
natureza de receita de impostos para fins de incidência do
art. 167, IV, CRFB
Sabe-se que o FPE e o FPM, de fato, são nutridos por receitas de impostos
federais (Imposto de Renda - IR e Imposto sobre Produtos Industrializados
- IPI), nos termos do disposto no art. 159 da Constituição. Diante disso,
questiona-se se os recursos repassados pela União, no bojo do FPE e do
FPM, seriam impostos, sujeitos ao princípio da não vinculação. A resposta
é negativa.

Nada obstante os fundos de participação tenham origem fiscal, não é correto


dizer que os seus recursos mantenham tal natureza quando ingressam nos
cofres dos Estados e Municípios. Em verdade, após sua regular constituição
e distribuição, os fundos revestem-se de natureza meramente contábil25,
sendo típica receita pública do ente federativo que a recebe26.

Em outras palavras: quando os recursos do FPE ou do FPM são transferidos


do Tesouro Nacional para os Estados e Municípios, deixam de ser receita de
impostos. Até mesmo porque aqueles entes não têm qualquer ingerência
sobre tais exações federais dirigidas aos fundos de participação. Eles apenas
participam do resultado final do montante arrecadado pela União. Por isso, tais
valores são contabilizados nos cofres estaduais e municipais não como receitas
de impostos, mas como transferências intergovernamentais. E é justamente por
essa razão que não se lhes aplica a vedação do inciso IV do art. 167.

A esse propósito, vale destacar que o Tribunal de Contas do Estado de Minas


Gerais, tratando do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), já teve a
oportunidade de decidir o seguinte:

“(…) A receita decorrente do FPM é classificada como transferência, o que


não se confunde com receita de impostos, esta, sim, impossível de ser
vinculada previamente a órgão, fundo ou despesa. (…) Essa transferência
é composta por dois impostos – de Renda e Sobre Produtos Industrializados
– ambos de competência da União. No entanto, relativamente aos
municípios, esses recursos não constituem receita de seus impostos,
uma vez que foge à sua competência a respectiva arrecadação,
ingressando em sua Receita como transferências intergovernamentais.’
Dessa forma, desde já, firmo o entendimento de que o inciso IV, do art.
167, da Carta Magna, e, por conseguinte, a Súmula TCMG nº 96, não
se aplicam aos recursos do FPM, pois estes recursos, no âmbito do
município, não são receitas de impostos, mas sim receitas correntes
provenientes de transferências governamentais. Portanto, respondo o

29
primeiro questionamento do Consulente, no sentido de que nada impede
que o município vincule percentual do FPM para custear despesa com
contribuição devida a Associação de Municípios.” (grifou-se). 27

Valendo-se deste mesmo raciocínio, diversos tribunais admitem a vinculação


de receitas provenientes dos fundos de participação dos entes federativos28.
Prevalece o entendimento aqui esposado de que há uma ruptura da ligação
dos recursos do FPE e do FPM com os impostos que lhe dão origem por
ocasião do repasse. Confiram-se, a propósito, as seguintes ementas:
Os recursos
“FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. PRESCRIÇÃO
dos fundos de TRINTENÁRIA. PARCELAMENTO OBTIDO POR MUNICÍPIO.
VINCULAÇÃO, EM GARANTIA, DE DO FPM. 1. A prescrição do FGTS é
participação são trintenária, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal (RE n.
100.249 - RTJ 136/681). Esta regra vige independentemente de ser o
de titularidade devedor entidade privada ou pública. As regras do Decreto n. 20.910,

de cada ente de 06/01/32, não se aplicam aos débitos de FGTS. 2. Revela-se abusiva
a decisão judicial que, sob o fundamento de ser quinquenal o prazo
federativo, e sua prescricional desse Fundo, determina a suspensão do pagamento de
parcelamento ajustado entre a CEF e Município devedor. 3. Não é
livre utilização ilegal a inserção, em parcelamento do FGTS, de cláusula que com
autorização legislativa, estipule, a título de garantia do ajustado,
representa a vinculação de cotas do Fundo de Participação dos Municípios. 4.
Mandado de segurança concedido.” (grifou-se)29.
parcela
AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. FGTS. TERMO DE CONFISSÃO DE
significativa DÍVIDA E PARCELAMENTO DE MUNICÍPIO. GARANTIA. COTAS DO

da autonomia FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS (FPM). ART. 160 DA CF.


1. Conquanto haja proibição constitucional acerca da retenção de
constitucional valores do Fundo de Participação dos Municípios para pagamento
de créditos, não se enquadra nessa situação aquela que o Município
que lhes foi tem os valores repassados em virtude de cláusula contratual na
qual se compromete a repassar 3% dos valores para pagamento de
conferida. dívidas do FTGS. Nessa hipótese, não há retenção imposta pelo ente
repassador dos recursos, a União, mas, sim, execução de garantia
contratual previamente estipulada pelo próprio Município com
a CEF. Dessarte, quando o Município livremente dispõe de seus
recursos para garantia de seus débitos por meio de termo de confissão de
dívida não há falar em afronta ao artigo 160 da Constituição Federal de 1988.
2. Ação rescisória julgada procedente. Em juízo rescisório, demanda julgada
improcedente, com inversão dos ônus sucumbenciais. Verba honorária
fixada na rescisória em 5% sobre o valor da causa.” (grifou-se)30.

30
A ideia subjacente a tais decisões é a de preservação do equilíbrio federativo
(arts. 1º e 18 da CRFB). Com efeito, os recursos dos fundos de participação
são de titularidade de cada ente federativo, e sua livre utilização representa
parcela significativa da autonomia constitucional que lhes foi conferida.
Logo, não seria admissível que, por força de sua origem em impostos
federais, tal circunstância pudesse manietar a autonomia administrativa e
financeira dessas unidades da federação.

Essa interpretação se coaduna com a finalidade constitucional do FPE e do


FPM e é ratificada pelo disposto no art. 160 da Constituição, que impede
“qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta
seção”.31 O comando reforça a autonomia conferida a Estados e Municípios
(art. 18, CRFB), impedindo ingerências externas dos entes maiores nas
escolhas e decisões adotadas pelos legítimos representantes dos entes
menores. A cada um deles compete a decisão política a respeito de como
e em que utilizar os recursos do FPE e FPM que lhes forem destinados.
Tal decisão pode envolver a vinculação de tais verbas a determinadas
finalidades públicas, nos termos de lei da unidade federativa respectiva32.

Nesse sentido, a correta interpretação do art. 167, IV, da Constituição é a de


que a restrição à vinculação volta-se às receitas provenientes de impostos
de competência do próprio ente federativo. Quando o ingresso é oriundo
de repasse, tal como ocorre com a repartição do produto da arrecadação
de impostos federais, não há qualquer vedação à vinculação. Isto porque,
ao ingressarem nos cofres estaduais ou municipais, os recursos do FPE e do
FPM já não exibem a natureza de receitas decorrentes de impostos.

Essa questão foi enfrentada pelo STF no julgamento do Recurso


Extraordinário nº 184.116. No caso, questionava-se a possibilidade de
o Município de Dourados (MS) liquidar débito apurado em sentença
judicial. O prefeito da cidade, por meio de um acordo, comprometeu-
se a quitar a dívida outorgando poderes ao credor para receber a
quota-parte do Município na cobrança do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). Na ocasião, a 2ª Turma do STF entendeu,
por unanimidade, que “sob o ângulo da utilização do produto do
ICMS, teve-se presente a inexistência de vinculação por não se tratar
de tributo situado na competência do próprio Município. O enfoque é
consentâneo com o disposto no inciso IV do artigo 167 da Carta, no que
veda a vinculação do produto da arrecadação de tributos próprios”33.

O raciocínio é exatamente idêntico ao do presente estudo. Assim como


parcela do produto de arrecadação do ICMS (imposto estadual) deve
ser repassada aos Municípios por força do art. 158, IV, da CRFB, parte da

31
receita do IR e do IPI (impostos federais) deve ser repassada aos Estados
e aos Municípios, em razão do que determina o art. 159, I, “a” e “b”, da
CRFB. E essa receita, quando recebida pelos entes locais, assim como no
caso do Município de Dourados - MS, tem sua natureza jurídica modificada,
tornando-se passível de vinculação para pagamento de débitos, sem que
se agrida o art. 167, IV, da Constituição34.

Percebe-se, assim, que o esquema de vinculação dos recursos financeiros


repassados pela União aos Estados e aos Municípios, por via do FPE e do
FPM, em contratos de PPP, não contraria o art. 167, IV, da Constituição, que
enuncia o princípio da não vinculação, sendo perfeitamente possível, do
ponto de vista jurídico, a sua previsão por legisladores locais, estaduais ou
municipais.

O Estado da Bahia, aliás, adota tal modelo desde 2009, apresentando resultados
bastante satisfatórios e interessantes. Naquele estado, há legislação específica
disciplinando a matéria: a Lei Estadual nº 11.477/2009. Referido diploma
autoriza, em seu art. 1º 35, a transferência de 18% (dezoito por cento) dos recursos
oriundos do FPE para fins de adimplemento das obrigações contraídas pelo
ente federativo em questão, bem como por entidades da sua administração
indireta, em contratos de parceria público-privada.

Desde a promulgação da mencionada lei, diversos empreendimentos conjuntos


entre o Poder Público e particulares, de destacada relevância para o Estado da
Bahia, ganharam vida e já estão em fase de execução36. Dentre eles se encontram
o “Projeto Hospital do Subúrbio”37, primeira iniciativa de PPP na área de saúde
do Brasil, e o Projeto de implantação e operação do Metrô de Salvador e Lauro
Freitas38, vital para a mobilidade urbana entre os dois municípios. Ambos se
valeram, como mecanismo de garantia, da vinculação de receitas provenientes
do FPE, nos termos do art. 1º da Lei Estadual nº 11.477/2009.

Iniciativas como essa podem e devem ser adotadas pelos demais


entes federativos, porque tendem a reduzir a incerteza e a insegurança
de investidores privados, ampliando o número de competidores e
potencializando o sucesso de empreendimentos fundamentais para o
desenvolvimento econômico dos entes federativos.

IV - Conclusão
O êxito das parcerias público-privados, previstas na Lei nº 11.079/2004,
está atrelado, inegavelmente, à capacidade do poder concedente em
torná-las uma alternativa rentável, vantajosa e, principalmente, segura de

32
investimento para os particulares. Em razão disso, o regime de garantias é
parte essencial da modelagem dos contratos de PPP: é por meio dele que o
parceiro privado identificará se há um real compromisso da Administração
Pública em cumprir suas prestações nos exatos termos acordados.

A vinculação de receitas públicas, especialmente daquelas provenientes


dos fundos de participação, revela-se como valiosa técnica para garantir
o adimplemento das obrigações pecuniárias contraídas no regime de
PPP. O intuito, mais do que válido, é promover o princípio da eficiência
administrativa (art. 37, CRFB), criando um regime estável e atrativo para a
competição de licitantes qualificados.

Como se demonstrou, a vinculação de recursos públicos não


subverte, de qualquer forma, o regime de precatório instituído
no art. 100 da Carta Maior, visto que o dispositivo em questão [...] a finalidade
tem por finalidade regular somente o pagamento das dívidas
judiciais vencidas do Poder Público. O mecanismo financeiro
constitucional
idealizado pela Lei das PPP é destinado ao adimplemento de
dos fundos de
obrigações contratuais vincendas – não decorrentes de decisão
judicial. E para essas obrigações, é possível a adoção de modelo participação
de pagamento diferenciado no curso da relação contratual,
conforme o juízo de conveniência e oportunidade dos agentes se traduz na
democraticamente eleitos, nos termos das suas próprias normas
financeiras e orçamentárias. preservação
No que tange à vinculação de recursos financeiros transferidos do equilíbrio
por meio do FPE e do FPM, em contratos de PPP estaduais e
municipais, o arranjo também se encontra de pleno acordo
federativo.
com a Constituição, não se cogitando de violação ao seu
art. 167, IV, que enuncia o princípio da não vinculação. Este
princípio constitucional tem por escopo impedir a destinação prévia
do produto da arrecadação de impostos a determinadas despesas,
órgãos ou fundos do próprio ente competente para a instituição deste
tributo.

O FPE e o FPM, por sua vez, consistem em uma transferência constitucional


voltada à redução das disparidades regionais historicamente existentes
no Brasil. Embora, em sua origem, o fundo seja nutrido por impostos
federais, consoante o art. 159 da CRFB, é incorreto dizer que os recursos
do fundo mantenham tal natureza quando do seu ingresso nos cofres
dos Estados. Após sua regular constituição e distribuição, tais receitas
transformam-se em típica receita pública do ente federativo que a
recebe.

33
Ressalte-se, ademais, que a finalidade constitucional dos fundos de
participação se traduz na preservação do equilíbrio federativo. É o que
depreende do art. 160 da Constituição, que impede “qualquer restrição à
entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção”, nos quais se
incluem aqueles do referido fundo constitucional, previstos no art. 159 da
Constituição. Vale dizer: na Federação, em harmonia com o disposto no
art. 18, a origem federal dos valores do FPE e do FPM não pode cercear
a liberdade de definição dos Estados quanto a seus gastos, inclusive se
decidirem por afetar estes recursos a um determinado fim.

Por todos esses motivos, é plenamente jurídico vincular receitas não


provenientes de impostos do próprio ente federativo a projetos de PPP.
E isso abrange a receita dos fundos de participação. Trata-se de uma
alternativa louvável para promover um ambiente de confiança entre
o Poder Público e seu parceiro privado, indispensável para que a Lei nº
11.079/2004 alcance seu propósitos e logre o sucesso esperado.

34
V - Bibliografia
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 17ª ed. rev. e
atualizada por Hugo de Brito Machado Segundo. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) e a Constituição. In:


Temas de direito administrativo e constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008,
p. 122.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª ed.
rev., ampl. e atual. até a Lei nº 12.587/12. São Paulo: Atlas, 2012.

COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código


Tributário Nacional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “A constitucionalidade do sistema de


garantias ao parceiro privado previsto pela Lei Geral de Parceria Público-Privada
– em especial, da hipótese dos fundos garantidores”. In Revista Jurídica, v. 23,
n. 7 (2009). Disponível em <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/
article/view/85>. Acesso em 15 ago. 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.

MIGUEL, Luiz Felipe Hadlich. As garantias nas parcerias público-privadas. Belo


Horizonte: Fórum, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol. IV. 19ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005.

RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP –


Parceria Público-Privada: fundamentos econômico-jurídicos. 1ª ed. 2ª tiragem.
São Paulo: Malheiros, 2010.

SUNDFELD, Carlos Ari. “Guia jurídico das parcerias público-privadas”. In: Parcerias
Público-Privadas. Carlos Ari Sundfeld (org.), São Paulo: Malheiros, 1ª Ed., 2ª tir.,
2007.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário,


vol. 1 – Constituição financeira, sistema tributário e estado fiscal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009.

______. “O princípio constitucional orçamentário da não-afetação” in Revista de


Direito do Estado (RDE) – ano 2 – nº 6 abr/jun 2007, pág. 230. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.

35
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª edição. Ed.
Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010.

Notas
1 - Professor Adjunto de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ, Professor da Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas – FGV, Professor Emérito da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Doutor e Mestre em Direito Público pela UERJ e Master of
Laws (LL.M.) pela Yale Law School (EUA).

2 - BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) e a Constituição. In: Temas de direito


administrativo e constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.

3 - Como se sabe, a Lei das PPP veda, em seu art. 2o, § 4º, a celebração de contratos de parceria público-
privada para empreendimentos “I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões
de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como
objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução
de obra pública.” A ideia é a de que as PPPs sejam usadas para empreendimentos de vulto, que demandam
investimentos cujo retorno não pode ser apurado em curto prazo.

4 - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol. IV. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322.

5 - “No sentido estritamente técnico-jurídico, a garantia é um contrato ou obrigação acessória, de maneira que,
caso seja inadimplida a obrigação principal, a garantia será exercida como forma de obter o crédito devido.
O mesmo não se passa com a garantia orçamentária da vinculação de receita. Neste caso, o inadimplemento
se dá pela própria receita vinculada arrecadada. Se não houver esse pagamento, não há uma garantia – no
sentido civilista – a ser acionada. Não terá o credor qualquer bem disponível para penhora, e tampouco
poderá iniciar qualquer procedimento de execução. Deverá, antes, buscar uma sentença judicial ou laudo
arbitral que poderá ser executado.”. RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de
PPP – Parceria Público-Privada: fundamentos econômico-jurídicos. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 220.

6 - Celso Antonio Bandeira de Mello posiciona-se em sentido contrário a toda e qualquer vinculação de
receitas. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 730.

7 - As receitas oriundas do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e do Fundo de
Participações dos Municípios (FPM) são espécies do gênero “Fundos de Participação”, que, nas palavras do
professor Ricardo Lobo Torres, “constituem forma refinada e produtiva de redistribuição de receita”. (TORRES,
Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, vol. 1 – Constituição financeira, sistema
tributário e estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 507).

8 - “Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos
industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;

c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os
planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos
destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês
de dezembro de cada ano;

(…)”. (grifou-se).

9 - O art. 167, IV, da Carta Maior veda “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,
ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a
destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do
ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos

36
arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita,
previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”.

10 - “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais,
em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações
orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

11 - Neste sentido é o parecer exarado pelo professor Kiyoshi Harada, à época da promulgação da Lei nº
11.079/2004, a pedido da OAB/Seccional de São Paulo. Disponível em: http://www.haradaadvogados.com.br/
publicacoes/Pareceres/330.pdf, acesso em 28/04/14.

12 - “§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária


ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios
judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando
terão seus valores atualizados monetariamente.”

13 - Como já tive oportunidade de sustentar: “[o] óbice de natureza constitucional que tem sido oposto ao
mecanismo do fundo garantidor tem por fundamento o art. 100 da Constituição, que institui o sistema de
precatórios judiciais como forma de execução das dívidas do Poder Público e impõe a sua liquidação na ordem
cronológica da sua apresentação. A execução direta de bens e direitos do fundo garantidor – alega-se – estaria
fraudando o regime constitucional dos precatórios. Aqui não se vislumbra qualquer vício. Uma, porque seria
legítimo ao Poder Público desafetar determinado bem imóvel de seu patrimônio e dá-lo em garantia de um
contrato. A desafetação do bem importa a possibilidade de disposição do bem, o que se pode fazer mediante
as formas contratuais admitidas pelo direito. A constituição de uma hipoteca, por exemplo, seria uma forma
válida de garantir um contrato de que o Poder Público fosse parte”. (BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias
Público-Privadas (PPPs) e a Constituição. In: Temas de direito administrativo e constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 136).

14 - Do contrário, todas as despesas com base contratual realizadas pelo Poder Público seriam inconstitucionais,
por inobservância da ordem cronológica aplicável aos precatórios.

15 - Como explica Ricardo Lobo Torres: “(…) o regime de precatório só se aplica às condenações referentes
aos exercícios pretéritos. As obrigações vincendas, a contar da sentença, podem e devem ser pagas
imediatamente, o que acontece sobretudo em matéria de pessoal” (TORRES, Ricardo Lobo. “O princípio
constitucional orçamentário da não-afetação”. In RDE, ano 2, nº 06, abr/jun 2007, p. 239).

16 - A Requisição de Pequeno Valor (RPV) consiste em meio de pagamento que se aplica apenas às obrigações
de pequeno valor que os entes federativos devem honrar por conta de sentença judicial transitada em julgado,
conforme prescreve o art. 100, § 3º, CRFB/88. A diferença entre ela e o regime dos precatórios, portanto, está
no valor da condenação: se de maior impacto, fica o pagamento sujeito ao trâmite ordinário dos precatórios.
Se de pequena monta, aplica-se o regime da RPV, cujo procedimento é bem mais simples. A definição do que
seria “obrigação de pequeno valor” depende de edição de lei pelo próprio ente e, na falta dela, incidem os
limites estipulados pelo art. 87, I e II, ADCT: quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do
Distrito Federal, e trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.

17 - GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “A constitucionalidade do sistema de garantias ao parceiro privado


previsto pela Lei Geral de Parceria Público-Privada – em especial, da hipótese dos fundos garantidores”. In
Revista Jurídica, v. 23, n. 7 (2009). Disponível em <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/
view/85>. Acesso em 15 ago. 2013.

18 - “Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos,
nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos
relativos a impostos”.

19 - “O fato de nos encontrarmos em uma federação significa que existem diversidades regionais. Há regiões
de maior potencial de riqueza, outras com vocação turística, de preservação ambiental etc. Para sobrevivência
do Estado Federal, devem ser absorvidas tais tipicidades e providenciadas a distribuição adequada de
recursos, para que exista harmonia e cada qual siga sua tendência natural ou opcional de crescimento. Os
Fundos são, neste sentido, forte instrumento de política financeira, e destinam-se a remanejar recursos de
regiões mais fortes para as mais fracas, propiciando desenvolvimento sustentado ou buscar recursos para
financiamento de empresas que possam estabelecer-se em zonas de fraca procura. Com tais providências,
há racional distribuição de riquezas, para manutenção do crescimento uniforme do País, atendidas as
peculiaridades regionais.” (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª edição. Ed. Revista
dos Tribunais: São Paulo, 2010, pp. 316-317).

20 - COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 3ª ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 127.

37
21 - É o que se passa, por exemplo, com as imunidades constantes do art. 150, IV da Constituição. Tal dispositivo
veda a instituição de impostos e não de outros tributos. Assim, e.g., a imunidade de templos religiosos não
impede que sejam cobradas taxas ou mesmo contribuições. Nesse sentido, v.: STF, AI 458.856-AgR, Rel. Min.
Eros Grau, j. 05.10.2004, Primeira Turma, DJ de 20.04.2007; e STF, RE no 211.388-ED, Rel. Min. Maurício Corrêa, j.
10.02.1998, Segunda Turma, DJ de 08.05.1998).

22 - O art. 62 da Constituição de 1969 estendia a vedação a qualquer tributo, e não apenas aos impostos.
Confira-se: “Art. 62. O orçamento anual compreenderá obrigatoriamente as despesas e receitas relativas a
todos os Poderes, órgãos e fundos, tanto da administração direta quanto da indireta, excluídas apenas as
entidades que não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento. § 1º A inclusão, no
orçamento anual, da despesa e da receita dos órgãos da administração indireta será feita em dotações
globais e não lhes prejudicará a autonomia na gestão legal dos seus recursos. § 2º Ressalvados os impostos
mencionados nos itens VIII e IX do artigo 21 e as disposições desta Constituição e de leis complementares, é
vedada a vinculação do produto da arrecadação de qualquer tributo a determinado órgão, fundo ou despesa.
A lei poderá, todavia, estabelecer que a arrecadação parcial ou total de certos tributos constitua receita do
orçamento de capital, proibida sua aplicação no custeio de despesas correntes.” (grifou-se).

23 - Ricardo Lobo Torres, a propósito, destaca que “o princípio da não-afetação se restringe aos impostos, ao
contrário do que ocorria no regime de 1967/69, quando abrangia todos os tributos; está permitida, portanto,
a vinculação de receita de taxas a órgãos e fundos, com o que se volta a antigas práticas financeiras, que
tanto mal fizeram à administração pública.” TORRES, Ricardo Lobo. “O princípio constitucional orçamentário
da não-afetação” in Revista de Direito do Estado (RDE) – ano 2 – nº 6 abr/jun 2007, Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 230.

24 - STF. ADI 3643, Rel.: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 08/11/2006, DJ 16/02/2007.

25 - O FPE e o FPM têm sido compreendidos como espécie de fundo meramente contábil. Em artigo
disponibilizado no sítio do Ministério da Fazenda, Leonardo da Silva Guimarães Martins da Costa, membro do
Conselho Diretor do Fundo PIS-PASEP, afirma que “os chamados fundos ‘meramente contábeis’ [são] aqueles
que simplesmente transferem recursos, sem nenhuma espécie de gestão sobre a despesa. É o caso do Fundo
de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), FUNDEB e o Fundo Partidário,
todos previstos na Constituição”. <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/textos_discussao/downloads/td7.
pdf>. Acesso em 07.08.2013.

26 - Nas palavras de Aliomar Baleeiro: “receita pública é a entrada que, integrando-se ao patrimônio público
sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer vulto, como elemento novo
e positivo”. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 17ª ed. rev. e atualizada por Hugo de
Brito Machado Segundo. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 148).

27 - TCE/MG, Processo nº 809502, Consulta. Conselheiro Relator: Antônio Carlos Andrada. Pág. 4. Grifou-se.
Disponível em: http://www.antoniocarlosandrada.com.br/ files/julgados/050520101643597995.pdf. Acesso
em 02.08.2013.

28 - Há, em sentido contrário, arestos isolados, como o proferido pelo TJ-RS no julgamento da ADI no
70027889294-RS, Rel. José Aquino Flores de Camargo, j. 17.08.2009, Tribunal Pleno, DJ 09.09.2009. V., ainda, do
TJ-SE: Apelação Cível 0861/2001, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Roberto Eugenio da Fonseca Porto, j. 15.04.2002,
DJ 15.04.2002.

29 - TRF-1ª Região. AC no 0017847-26.1995.4.01.0000 / GO, Rel. Juiz Olindo Menezes, Segunda Turma, DJ
p.13576 de 11.03.1996.

30 - TRF-4ª Região. AR no 2004.04.01.006541-0, Primeira Seção, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E.
23.05.2008.

31 - Segundo acórdão do TRF-3ª Região: “O art. 160 da Constituição Federal veda a retenção ou a restrição à
entrega e ao emprego das cotas do Fundo de Participação dos Municípios, mas não veda a que este onere o
crédito que lhe pertence, considerando-se tal ato como inerente ao seu direito de delas dispor, livremente.”
(TRF 3ª Região, Quinta Turma, AI no 0015708-66.2003.4.03.0000, Rel. Des. Federal Ramza Tartuce, j. 27.05.2003,
DJU 30.09.2003).

32 - Anote-se que, recentemente, o BNDES passou a adotar programas de financiamento cujo desenho
incorpora um modelo de vinculação de receitas do FPE e do FPM. Tal é o caso do Programa BNDES de Arenas
para a Copa do Mundo de 2014 (“ProCopa Arenas”). O referido programa teve por objetivo apoiar projetos de
construção de arenas que receberão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e de urbanização do seu entorno.
Segundo especificado pelo BNDES, foram admitidas como garantias ao financiamento “cotas-parte do
Fundo de Participação (dos Municípios ou dos Estados – FPM ou PFE)”. Tais informações estão disponíveis
no sítio eletrônico do Banco (<http://www.bndes.gov.br>; acesso em 16 ago. 2013). Saliente-se, ainda, que
foi exatamente nesse sentido o contrato celebrado entre o BNDES e o Estado de Pernambuco no âmbito do

38
ProCopa Arenas (Contrato de Financiamento mediante abertura de crédito nº 11.2.0048.1). De acordo com a
cláusula sexta do referido instrumento, “o BENEFICIÁRIO, devidamente autorizado pela Lei Estadual nº 14.045,
de 30/04/2010, vincula em garantia, em favor do BNDES, em caráter irrevogável e irretratável, (…) parcelas ou
quotas-parte do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE, destinados ao BENEFICIÁRIO”.

33 - Veja-se a ementa do julgado: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FÁTICA. Na apreciação do


enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais, parte-se da moldura fática
delineada pela Corte de origem. Impossível é pretender substituí-la para, a partir de fundamentos diversos,
chegar-se a conclusão sobre o desrespeito a dispositivo da Lei Básica Federal. CONDENAÇÃO JUDICIAL
- ACORDO - PARCELAMENTO. Em se tratando de acordo relativo a parcelamento de débito previsto em
sentença judicial, possível é a dispensa do precatório uma vez não ocorrida a preterição. ACORDO - DÉBITO
- ICMS - PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO. Inexiste ofensa ao inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal,
no que utilizado o produto da participação do município no ICMS para liquidação de débito. A vinculação
vedada pelo Texto Constitucional está ligada a tributos próprios.” (STF. RE no 184.116, Rel.: Min. Marco Aurélio,
Segunda Turma, j. 07.11.2000, DJ 16.02.2001).

34 - O § 4º do art. 167 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 3/1993, não interfere
com a conclusão defendida neste estudo, quanto à possibilidade de se vincular receitas do FPE e do FPM
para o pagamento de obrigações contratuais. De acordo com o referido dispositivo: “É permitida a vinculação
de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que
tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para
pagamento de débitos para com esta”. Realmente, a parte final do dispositivo, que abrange os recursos dos
fundos de participação estaduais e municipais, deve ser lida em combinação com o art. 160 da CRFB (o qual
veda qualquer restrição à entrega e ao emprego desses recursos), bem como com o telos constitucional que
justifica tais transferências, consistente na redução das desigualdades regionais. Assim, deve-se entender que
a parte final do § 4º do art. 167 da CRFB presta-se a estabelecer duas hipóteses em que a vinculação de
recursos do FPE será possível (prestação de garantia à União e pagamento de débitos para com esta); mas não
veda a vinculação das receitas em outros casos.

35 - “Art. 1º Para fins de adimplemento das obrigações contraídas pelo Estado da Bahia e por entidades da sua
Administração Indireta em contratos de parceria público-privada, nos termos da Lei Estadual nº 9.290, de 27 de
dezembro de 2004, fica o agente financeiro responsável pelo repasse dos recursos do Fundo de Participação
dos Estados e do Distrito Federal - FPE autorizado a efetuar a transferência do valor correspondente a 18%
(dezoito por cento) dos recursos financeiros oriundos desse Fundo, destinados ao Estado da Bahia, à Agência
de Fomento do Estado da Bahia S.A. - DESENBAHIA, pessoa jurídica de direito privado, constituída como
sociedade anônima de capital fechado, conforme autorização da Lei Estadual nº 2.321, de 11 de abril de 1966.”.

36 - Informações retiradas do sítio oficial da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia: http://www.sefaz.


ba.gov.br/administracao/Ppp/. Acesso em 24/04/2004.

37 - Fonte: http://www.sefaz.ba.gov.br/administracao/Ppp/projeto_hospitalsuburbio.htm. Acesso em


24/04/2014.

38 - Fonte: http://www.sefaz.ba.gov.br/administracao/Ppp/projeto_metro.htm. Acesso em 24/04/2004.

39
40
Associações ou sociedades
sem fins lucrativos partícipes
de convênios com órgãos ou
entidades públicas e estatais
não podem estar sujeitas à
Lei n.º 8.666/93 e aos
princípios da
Administração Pública
Toshio Mukai
TOSHIO MUKAI O Decreto nº 5.504/2005, de acordo com o artigo 1º e, em especial, o art. 5º,
dispõe que as organizações sociais que receberem repasse de recursos públicos
Mestre e doutor em
direito (USP) da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços
e alienações a serem realizados por esses entes sejam contratados mediante
processo de licitação pública. Estabelece o §1º do art. 1º desse decreto que
para a aquisição de bens e serviços comuns será obrigatório o emprego da
modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica, devendo ser
justificado pelo dirigente ou autoridade competente, caso seja inviável a
utilização de tal forma de pregão (§2º do art. 1º do Decreto nº 5.504/2005).

Diante disso e dos desdobramentos ulteriores da legislação atinente,


propomo-nos a estudar essa questão inusitada.

I - Considerações gerais sobre os decretos


no direito brasileiro
1 - Hierarquia legislativa geral
Antes de tudo, há que se considerar que há, no direito brasileiro, uma
hierarquia no seio dos diversos diplomas legais: Constituição Federal,
leis complementares, leis ordinárias, decretos regulamentares, decretos
individuais e portarias, resoluções e atos normativos.

Portanto, cada um desses diplomas tem que observar os diplomas superiores.

2 - O decreto
A figura do decreto na doutrina é tratada sob diversos títulos: regulamento,
em especial, decreto autônomo, decreto individual, decreto independente.

Celso Antonio Bandeira de Mello nos traça o principal espelho do decreto


regulamentar.

Diz: “É certo que, na imensa maioria de casos, embora não em todos, o


emissor dos atos assim nominados (regulamentos) é a Administração
Pública, sendo de convir, então, que o sentido principal da voz
“regulamento” estará reportado a atos emitidos pelo Chefe do Executivo.

Em face dessas observações acima feitas, duas conclusões se impõem:

a) uma, a de que é absolutamente ingênuo e impróprio caracterizar o


regulamento, em nosso Direito, buscando assimilações com o Direito

42
alienígena ou pretendendo irrogar-lhe potencialidades normativas que
lhe são conferidas em sistema alheios, como se houvesse uma ação
universalmente válida e precisa para os atos destarte denominados;

b) outra, a de que o nosso interesse primordial é e tem de ser – identificação


deste instituto tal como o configura o Direito Constitucional brasileiro,
enquanto ato da alçada do(s) Chefe(s) do(s) Poder(es) Executivo(s).”

E arremata: “Advirta-se que vem se disseminando entre algumas pessoas


– inclusive entre estudiosos ilustres – o equívoco de imaginar que o art.
84, VI da Constituição do País introduziu em nosso Direito os chamados
“regulamentos independentes” ou “autônomos” encontradiços no Direito
europeu. Pedimos vênia para expressar que, a nosso ver, este entendimento
não é minimamente exato.” (Curso de Direito Administrativo, 27ª edição,
2010, p. 339/340)

De sua vez, o ínclito e competente Juiz Federal Silvio Luiz Ferreira da


Rocha (Manual de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 2013) escreve:
“No Brasil, temos apenas a possibilidade de edição de uma modalidade
de regulamento: o regulamento de execução, previsto na Constituição
Federal no capítulo que trata da competência do Presidente da República.
Preceitua o art. 84, IV, da C.F. que compete privativamente ao Presidente
da República expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis.”
(p. 272)

Após lembrar que alguns enxergam na Constituição o regulamento


autônomo, o autor diz: “Esta suposta forma de regulamento autônomo
ou independente foi previsto pela E.C. nº 32, de 11.9.2001, e teve por
objetivo outorgar ao chefe do Poder Executivo competência para, por
meio de regulamento, reorganizar a estrutura da Administração Federal,
desde que isto não implique aumento de despesas nem criação de cargos
ou suas extinções. Afora essas matérias acima referidas, o chefe do Poder
Executivo não tem competência para editar regulamento autônomo ou
independente.” (p. 272).

Diz o autor: “Os demais regulamentos não encontram amparo em nosso


ordenamento.” (p. 273)

Em passagem anterior, o referido autor escreve: “2.1.1. – Limites do


regulamento executivo.

O regulamento executivo tem limites. Ele, como dito, presta-se a regular a


lei, de modo a permitir sua aplicação ou eliminar dúvidas e estabelecer o
comportamento único a ser seguido pela Administração.

43
O regulamento deve ater-se aos limites impostos pela lei no que diz respeito
ao estabelecimento de direitos e deveres. Não lhe cabe alargar estes limites
e criar, por exemplo, deveres não contemplados pelo legislador.

O desrespeito a estes limites leva à invalidação do regulamento, por violação ao


texto constitucional, que se reporta expressamente à fiel execução da lei.” (p. 269)

E o texto constitucional é claríssimo nesse sentido:

“Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República:

I. [...];
[...] o decreto II. [...];
III. [...];
regulamentar IV. Sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução.
só pode ser V. [...];
constitu- VI. [...].”

cionalmente Portanto, o decreto regulamentar só pode ser constitucionalmente


hígido, se não extrapolar a lei regulamentada. E, além disso, se isto
hígido se não ocorrer, ele será mais uma vez inconstitucional por ofensivo ao art.
5º, II, da Constituição Federal (“II – ninguém será obrigado a fazer
extrapolar a lei ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.)

regulamentada. Nessa obrigação, veja-se as preciosas lições de Victor Nunes Leal


(Problemas de Direito Público, Forense, Rio, 1ª edição, 1960):

“Para saber se, ao regulamentar determinado assunto, pode o


Estado expedir regulamento, em vez de lei, cumpre ainda examinar todas
as disposições legais vigentes, porque, estando o regulamento abaixo da
lei, seria inoperante qualquer disposição regulamentar que entrasse em
conflito com qualquer princípio legal promulgado anteriormente e ainda
em vigor.” (p. 74 – grifamos).

E mais: “Se o intuito do poder público é alterar alguma das disposições


legais em vigor, está obrigado a servir-se da lei formal, não lhe bastando
para isso o regulamento. Se, ao contrário, apenas pretende facilitar a
execução da lei, especificá-la de modo mais inteligível, sem contudo
dispensar exigências que ela faz ou exigir mais do que ela pede, então o
regulamento é veículo apropriado e tecnicamente aconselhável.” (p. 75)

Na página 80, ao falar sobre a classificação dos regulamentos, e tratando


dos regulamentos de execução, o autor diz:

44
“A esta espécie de regulamento aplica-se integralmente o princípio da sua
subordinação à lei. Qualquer de suas disposições que contrarie dispositivos
de lei a que o mesmo se refere, ou de qualquer outra lei, não pode ter
aplicação.” (p. 80/81)

O insígne ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal, em


sua esgotada e clássica obra, nos traz ainda, sobre o assunto, as seguintes
assertivas:

“14 - No tocante ao princípio geral da submissão do regulamento à lei,


exceção feita dos regulamentos delegados, em que é decisivo o exame da
cláusula legal de autorização, é oportuno recordar os critérios apontados
por PIMENTA BUENO.

Segundo esse clássico do nosso direito público, o poder executivo, no uso da


sua atribuição regulamentar, comete grave abuso em qualquer das hipóteses
seguintes: 1º, em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela
lei...; 2º, em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações...; 3º, em
ordenar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece...; 5º, finalmente,
em extinguir ou anular direitos ou obrigações...” (Direito Público Brasileiro e
Análise da Constituição do Império, Rio , 1857,§326, p. 237).

À frente, Victor Nunes Leal assevera:

Carlos Maximiliano, consubstanciando esses mesmos princípios e


observações de outros autores (Esmein, Goodnow, Raciopi, Brunialti,
Duguit, Barbalho, Filinto Bastos, Ribas Rodrigues de Souza), apresenta o
seguinte quadro de limitações ao poder de regulamentar:

“O seu dever” (do executivo) é cumprir, e não fazer a lei. Daí se deduzem,
quanto ao poder regulamentar, várias restrições:
a) Não cria direitos nem obrigações não estabelecidas implícita ou explícita
em lei;
b) Não amplia, restringe ou modifica direito, nem obrigações. Apenas desenvolve
e completa em particularidades as regras estabelecidas pelo Congresso;
c) Fica inteiramente subordinada à lei. Não faculta, ordena ou proíbe senão
o que ela, em termos amplos, facultou, ordenou ou proibiu;
d) Não extingue direitos nem anula obrigações dos cidadãos em geral;
e) Limita-se a desenvolver os princípios e a completar a sua dedução, a fim
de facilitar o cumprimento das leis; não deve estabelecer princípios novos;
f) Não cria empregos, nem fixa, eleva ou diminui vencimentos, institui penas,
emolumentos ou taxas, senão quando expressamente autorizado pelo Congresso;
g) Não revoga, nem contraria a letra nem o espírito da lei;

45
h) Quando determina a forma que deve revestir um ato, o regulamento
apenas indica a maneira de cumprir aquelas formalidades, não institui
nova;
i) Suspende ou adia a execução da lei somente quando esta o autoriza
explicitamente.

- Se o executivo transgredir qualquer das nove regras aqui enunciadas,


o regulamento não terá força obrigatória e será repelido pelos Tribunais
(p. 87 – cita a obra: “Comentários à Constituição Brasileira”, 3ª ed., Porto
Alegre, 1929, nº 342, p. 542/543).

E logo em seguida, Victor Nunes Leal acrescenta:

“o dispositivo “15. Que o regulamento que contraria disposições legais, ou que


exorbite da autorização em lei ao executivo possa deixar de ser
consagra o aplicado pelos órgãos judiciários é princípio que não comporta a
menor dúvida” (aponta autores que indicam tal consequência, como
regulamento Clóvis Bevilácqua, Temistocles Brandão Cavalcanti, Antônio Joaquim
Ribas, Araújo Castro, Hermes Lima, H. Berthélémy) (p. 87).
chamado pela
Outro autor que entre nós dedicou uma monografia sobre o assunto
doutrina de foi Fabrício Motta (Função Normativa da Administração Pública, Ed.
Fórum, Belo Horizonte, 2007).
executivo,
Após se referir ao art. 5º, II, da Constituição que determina que
concebido ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei, cite, em nota de rodapé, Celso Antônio Bandeira
em caráter de Mello, que, comentando esse dispositivo anota: “Note-se que o

acessório à lei.” preceptivo não diz “decreto”, “regulamento”, “portaria”, “resolução”


ou quejandos. Exige lei para que o poder público possa impor
obrigações aos administrados.” (Curso, p. 326) (p. 156).

E mais à frente, após se referir ao art. 84, inciso IV, que estatui competir
privativamente ao Presidente da República “sancionar, promulgar e fazer
publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução”, diz que “o dispositivo consagra o regulamento chamado pela
doutrina de executivo, concebido em caráter acessório à lei”. É digno de
destaque, inicialmente, que anula como característica principal do regulamento
sua subordinação à lei. Dessa característica de subordinação do regulamento à
lei, pode-se dessumir que, em nosso ordenamento, os regulamentos executivos
se prestam a expedir instruções complementares para cumprimento da lei. Falta
ao regulamento, é forçoso reconhecer, uma das principais características da lei:
o poder de inovar o ordenamento jurídico.

46
Sua finalidade, como visto, é clara: dispor sobre a maneira como os agentes
públicos subordinados irão cumprir a lei, assegurando-lhe eficácia. Sendo
a lei o instrumento hábil para adentrar a esfera de direitos individuais
do cidadão, a mais importante limitação formal à função regulamentar
encontra-se na sua sujeição à lei, produto formal do Poder Legislativo,
constitucionalmente legitimado para tanto.” (p. 157)

Finalmente, o autor cita lição de Francisco Campos: “No exercício do poder


regulamentar, a administração não pode, portanto, sob pretexto de lacunas
na lei a ser executada, dispor em relação ao seu objeto com a mesma
amplitude e a mesma liberdade com que em relação a ele poderia dispor
o Poder Legislativo, ainda que se limite à criação de meios e instrumentos
destinados à realização de uma finalidade que a lei se cinge a formular
em termos vagos e gerais. [...] não poderá, igualmente, sob pretexto de
completar a lei para tornar mais eficaz algum de seus preceitos, exercer,
quanto à escolha de instrumentos e de meios, uma opção de caráter
formalmente legislativo, ou reservado constitucional e privativamente à
discrição do Poder Legislativo.” (p. 157/158)

Já Celso Antônio Bandeira de Mello aduz com sua habitual autoridade:

“Em suma: é livre de qualquer dúvida ou entre dúvida que, entre nós, por
força dos arts. 5º, II, §4º, VI e 37 da Constituição, só após lei se regula
liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer de não
fazer. Vale dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser
imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida
em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo
pode expedir decretos e regulamentos.” (Curso cit. p. 349, grifos nossos)

Em outra passagem, após citar em “a”, assertiva de Geraldo Ataliba, no


item “b”, diz: “b) – Onde não houver liberdade administrativa alguma a
ser exercida (discricionariedade) – por estar configurado na lei o único
modo e o único possível comportamento da Administração ante hipóteses
igualmente estabelecidas em termos de objetividade absoluta –, não
haverá lugar para regulamento que não seja mera repetição da lei ou
desdobramento do que nela se disse sistematicamente.

19. É esta segunda conclusão que abre espaço para uma terceira, a saber:
o regulamento executivo, único existente no sistema brasileiro, é um meio
de disciplinar a discrição administrativa, vale dizer, de regular liberdade
relativa que viceje no interior das balizas legais, quando a Administração
esteja pronta na contingência de executar lei que demande ulteriores
precisões.” (ob. cit, p. 352)

47
Mais à frente, o grande administrativista transcreve trechos de fala do sempre
lembrado Pontes de Miranda sobre o regulamento (Comentários à Constituição
de 1967 c/a Emenda nº 1 de 1969, 2ª edição, t. III, Ed. RT, 1970, p. 316/317):

“Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhos à lei, ou faz


reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que
a lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo que
é taxativo, ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar ou ampliar direitos,
deveres, pretensões, obrigações ou exceções à proibição, salvo
se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordenou (...).
O Decreto nº Nenhum princípio novo ou diferente, de direito material se lhe
pode introduzir. Em consequência disso, não fixa nem diminui,
5.504/2005 nem eleva vencimentos, nem institui penas, emolumentos, taxas

estabelece a ou isenções. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta, ou das
outras leis, não vale. Em se tratando de regras jurídicas de direito
utilização do pregão, formal, o regulamento não pode ir além da edição das regras que
indiquem a maneira de ser observada a regra jurídica.”
preferencialmente
“Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais
na forma eletrônica, ou para menos, da lei, é nulo, por ser contrária à lei a regra jurídica
que se tentou embutir no sistema jurídico.”
para entes públicos
“Se regulamentando a lei “a” o regulamento fere a Constituição ou
ou privados, na outra lei, é contrário à Constituição ou à lei, e – em consequência
– nulo o que editou”.
contratação de
“A pretexto de regulamentar a lei “a”, não pode o regulamento,
bens e serviços. sequer, ofender o que, a propósito de lei “b” outro regulamento
estabelecerá”.

Diz então Celso Antônio: “26. Esta longa – mas oportuna – citação, calha à
fiveleta para indicar, que ao regulamento desassiste incluir no sistema positivo
qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos”. (p. 355 – grifamos).

II - Decreto nº 5.504/2005 no âmbito de leis


administrativas
Vistas essas considerações preciosas de natureza doutrinária, passemos
a examinar, em princípio, se o Decreto nº 5.504/2005 extravasou ou não o
âmbito de leis administativas.

O Decreto nº 5.504/2005 estabelece a utilização do pregão, preferencialmente


na forma eletrônica, para entes públicos ou privados, na contratação de

48
bens e serviços, realizada em decorrência de transferências voluntárias de
recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos
congêneres ou consórcios públicos.

O art. 1º manda que os instrumentos de convênios, renovações ou


aditamentos, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que
envolvam repasse voluntário de recursos públicos da União deverão conter
cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações a
serem realizadas por entes públicos ou privados com os recursos ou bens
repassados voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante
processo de licitação pública, de acordo com a legislação federal pertinente
(Lei nº 8.666/93).

O preâmbulo do decreto dispõe que ele tem fundamento no art. 84, VI,
alínea “a” e art. 37 inc. XXI da Constituição, no art. 116 da Lei nº 8.666/93 e
nas Leis nº 11.107/2005 e 10.520, de julho de 2002.

Em primeiro lugar, o art. 84, inc. VI outorga ao Presidente da República,


na sua alínea “a”, autorização por decreto, proceder a “organização e
funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento
de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.

No caso desse Decreto nº 5.504/2005, o sr. presidente da República não


está efetuando nenhuma dessas atividades, não dispõe sobre “organização
e funcionamento da administração federal”, eis que apenas determina a
órgãos públicos e privados que recebam repasses de recursos da União,
que observem a Lei nº 8.666/93. Portanto, o que o Decreto nº 5.504/2005
determina desborda dessa competência do Presidente da República.
Quanto à invocação do art. 37, inciso XXI, é ela totalmente inconstitucional,
porque esse inciso exige que os processos de licitação sejam levados a
cabo mediante leis e não por determinação de decretos.

Quanto à invocação do art. 116 da Lei nº 8.666/93, em nenhum momento


essa disposição legal exige que, mesmo nos casos de repasses de
recursos da União, os convênios, em suas realizações e execução, estejam
submetidos nas suas compras, serviços, alienações, à Lei nº 8.666/93.
Portanto, o decreto aqui também inova, em especial quando determina
essa obrigação às entidades essencialmente privadas, que jamais poderiam
ser obrigadas a efetuar licitações sob leis de natureza pública sob pena de
inconstitucionalidade (vide art. 173, §1º, inc. II da Constituição Federal).

Quanto à Lei nº 11.107/2005, disciplina os consórcios públicos e, portanto,


não pode ter disciplinado questões sobre as organizações sociais.

49
Portanto, já se vê que o Decreto nº 5.504/2005 cria obrigação não
autorizada, nem pela Constituição e nem pelas leis indicadas.

A obrigação de observância da Lei nº 8.666/93, nos convênios e congêneres,


em especial sobre as entidades privadas conveniadas, é absolutamente
inconstitucional e nula de pleno direito.

Aquela obrigação foi criada “ab-novo” pelo decreto, não constando de


nenhuma lei, e já por esse aspecto, o decreto é inconstitucional, ferindo
o art. 84, VI e o art. 37, além do art. 5º, II, da Constituição Federal, pois
somente por lei, como vimos, pode-se introduzir obrigações novas, sendo
que o decreto somente pode detalhar tais obrigações, não podendo criar
outras.

E, ademais, observamos que a Lei nº 8.666, de 1993, somente se aplica,


segundo o seu artigo 1º, Parágrafo Único, aos órgãos da administração
direta, os fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às
empresas públicas, às sociedades de economia mista e demais entidades
controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.

E assim, como já vimos que o Decreto nº 5.504/2005 em seu artigo 1º é ilegal


e inconstitucional quando determina que entes privados sejam obrigados
a efetuar suas contratações de acordo com a legislação federal pertinente
(Lei nº 8.666/93) por extravasar o âmbito da lei e, portanto, por ofender
o art. 5º, II e o art. 84, VI, da Constituição Federal, teremos que examinar,
então, se o Decreto nº 6.170, de 2007, que “Dispõe sobre as normas relativas
às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de
repasse, e dá outras providências”, estabelece a mesma obrigação ou não,
porque, ele (o decreto) regulamenta os convênios contratos de repasse e
termos de execução descentralizada celebrados pelos órgãos e entidades
da administração federal com órgãos e entidades públicas ou privadas sem
fins lucrativos, para a execução de programas, projetos, e atividades que
envolvam a transferência de recursos ou a descentralização de créditos
oriundos dos Orçamentos Fiscal e de Seguridade Social da União (art. 1º).

Portanto, esse decreto, sobre convênios que preveem repasse de verbas a


entidades privadas, regulamenta o artigo 116 da Lei nº 8.666/93 (que trata
dos convênios).

Esse decreto, de nº 6.170, de 25 de julho de 2007, dispôs no seu art. 11


o seguinte: “Art. 11 - Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666,
de 21 de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação de

50
serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins
lucrativos, deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade
e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de “cotação-
prévia de preços no mercado” antes da celebração do contrato”.

Ora, essa disposição, constando de um decreto que trata de repasses de


recursos, dispondo diferentemente sobre a condição de a entidade privada
ter que observar ou não a Lei nº 8.666/1993, revogou o art. 1º do Decreto
nº 5.504/2005, eis que não fala o art. 11 na obrigatoriedade de observar-se
a lei federal de licitações pertinente.

Contudo, ao determinar a obrigatoriedade da realização de cotação prévia,


uma “licitação aproximada” em cada caso, o decreto extrapola o art. 116 da Lei
nº 8.666/1993, que em nenhum momento determina tal obrigatoriedade às
empresas conveniadas. E, como vimos, o Decreto nº 6.170/2007 nesse ponto
é inconstitucional, por ofensa ao art. 5º, II, art. 84, VI e, em especial, ao princípio
da livre iniciativa (art. 170, caput, da Constituição Federal), este princípio
fundamental que se faz sobrepor a qualquer obrigação legal o respeito à livre
manifestação da vontade da empresa privada (ou seja, no caso, a empresa
fará ou não licitação se e quando quiser, não podendo nenhuma norma, em
especial a de natureza pública, obrigá-la a fazer licitações). O decreto nesse
ponto é ilegal, inconstitucional e, portanto, nulo de pleno direito.

Ademais, se o Decreto nº 6.170/2007 determina a realização de “cotação


prévia”, essa modalidade não é prevista pela Lei nº 8.666/1993 no seu
artigo 22, que dispõe:

“Art. 22 – São modalidades de licitação:

I – concorrência;
II – tomada de preços;
III – convite;
IV – concurso;
V – leilão.

§8º - É vedada a criação de outras finalidades de licitação ou a combinação


das referidas neste artigo.”

Portanto, segundo o Decreto nº 6.170/2007, diploma que regulamenta os


convênios celebrados com repasse de recursos públicos, as sociedades
civis sem fins lucrativos não estão sujeitas a efetuarem suas contratações,
ainda que utilizando tais recursos, a efetuarem licitações com base na Lei
nº 8.666/1993.

51
Quanto à necessidade de as sociedades sem fins lucrativos terem
que observar os princípios da moralidade, da impessoalidade e da
economicidade, o decreto é inconstitucional, eis que está impondo que
entidades privadas observem princípios de direito público, ofendendo o
princípio maior de livre iniciativa (vide art. 37, caput, da Constituição).

E isto não poderia ser objeto desse decreto, eis que, como visto, a Lei nº
8.666/1993, segundo o seu art. 1º, parágrafo único, dispõe que “subordinam-
se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos
especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e
[...] a Lei nº Municípios.”

8.666/1993 é As associações e sociedades sem fins lucrativos não estão


obrigadas a realizar cotações de preços, como dispôs o Decreto
inaplicável às nº 6.170/2007, porque “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de

sociedades ou fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II). E a Lei
nº 8.666/1993, no seu art. 116, quando trata dos convênios, não
associações dispõe sobre tal obrigatoriedade.

civis sem fins


Observação crítica
lucrativos,que Como já dito, a Lei nº 8.666/1993 é inaplicável às sociedades ou
sejam partícipes associações civis sem fins lucrativos, que sejam partícipes de um
convênio com repasse de verbas públicas da União, como bem
de um convênio demonstra o art. 11 do Decreto nº 6.170/2007, que apenas exige
(inconstitucionalmente) a realização de cotações de preços (não
com repasse de previstas pela Lei nº 8.666/1993) para as compras, serviços e
obras que realizarem.
verbas públicas
Portanto, se não estão sujeitas às licitações previstas na Lei
da União. nº 8.666/1993, tais associações ou sociedades civis sem fins
lucrativos também não assujeitam às normas penais da referida
lei, que as compõem.

É o que está previsto expressamente no art. 85 da própria Lei nº 8.666/1993:

“Art. 85 - As infrações penais previstas nesta Lei pertinem às licitações e


aos contratos celebrados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e
respectivas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,
fundações públicas, e quaisquer outras entidades sob seu controle direto
ou indireto.”

52
Ora, as associações ou sociedades civis sem fins lucrativos, conforme o Decreto
nº 6.170/2007, não estão sujeitas às licitações previstas na Lei nº 8.666/1993,
e, portanto, não estando sob controle direto ou indireto da União, não
estão, os seus dirigentes ou empregados, sujeitos às normas gerais da Lei nº
8.666/1993, em especial, às suas sanções penais. Assim, também é inaplicável,
no caso, o art. 69 do Código Penal, que dispõe sobre o concurso material. Se
não é possível, juridicamente, a condenação com fulcro no art. 90 da Lei nº
8.666/1993, não há que falar em dois ou mais crimes. Se não existe o primeiro,
não pode existir nem o segundo, o terceiro, e assim por diante.

É de todos conhecido o velho adágio romano: ad impossibilia nemo tenetur.

Não se interpreta um texto de modo que resulte fato irrealizável,


deliberação em desacordo com a lei, dever superior às possibilidades
humanas comuns. Evidente a impossibilidade do cumprimento, cessa a
obrigação respectiva.” (Carlos Maximiliano – Hermenêutica e Aplicação do
Direito, 9ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 259 - grifamos).

Análise do decidido no processo


TC-001.564/2010-2 – Acórdão nº 1769/2013
- Representação.

- Interessado: Controladoria Geral da União em São Paulo (CGU/SP).

- No item 57 do voto proferido pelo relator do Processo – parte


integrante do aludido acórdão – afirma-se, em relação à atuação de
uma Associação privada sem fins lucrativos que “a sujeição da referida
associação aos princípios que regem a Administração Pública, como
também mencionado acima, deriva do fato de que sua participação
num convênio foi muito além da figura de mera interveniente,
caracterizando, fora de qualquer dúvida, o papel de gestora de recursos
públicos. Assim, ainda que não se possa exigir da entidade observância
plena aos ditames da Lei 8.666/93, a ela se impunha adoção de
procedimentos mínimos assemelhados, em reverência aos princípios
constitucionais norteadores da gestão pública, particularmente, no
caso, os princípios da impessoalidade e isonomia”.

Observação crítica
Os acórdãos do TCU são ilegais, contra legem, principalmente, contrariando
o que dispõe, como vimos, o art. 85 da própria Lei nº 8.666/1993, no

53
sentido de que as normas penais da lei mencionada não se aplicam
às entidades que não estejam sob controle direto ou indireto do
Poder Público, como é o caso do Decreto nº 5.504/2005, que manda
aplicar a Lei 8.666/1993 às entidades privadas, inovando no mundo
jurídico.

Os acórdãos referidos, mandando aplicar regras gerais de


licitações públicas e as de estrutura constitucional e os
[...] o Decreto nº princípios basilares da Administração Pública às entidades
inteiramente privadas como as associações ou sociedades
6.170/2007 não civis sem fins lucrativos, são absolutamente inconstitucionais,
por ofensa ao princípio da livre iniciativa e ao princípio basilar
manda aplicar às do direito privado que é o da livre manifestação da vontade.

sociedades civis Determinar que entidades privadas observem normais feitas


para a Administração Pública é, antes de tudo, uma heresia
sem fins lucrativos jurídica.

a legislação sobre E, além do mais, é desconhecer o parágrafo único do artigo 1º

licitações públicas. da Lei nº 8.666/1993 que determina a subordinação a ela dos


órgãos e entes federativos estatais ou entes sob controle da
Apenas manda Administração Pública. É, sobretudo, desconhecer o artigo 37
da Constituição, que se aplica somente sobre a Administração
que façam suas Pública direta ou indireta, em especial, no seu inciso XXI que
determina que essas administrações estão obrigadas, salvo
contratações com exceções, a efetuar licitações públicas.

prévias cotações Determinar que entidades de direito privado façam licitações


públicas e observem princípios jurídicos da Administração
de preços. Pública é violar o princípio da livre iniciativa, interferindo
inconstitucionalmente nas atividades das empresas privadas e
cerceando a liberdade da empresa e da atividade econômica, violando o
art. 170 da Constituição.

E alerte-se que, ao contrário desses acórdãos do TCU, aberrantes e


inconstitucionais, o Decreto nº 6.170/2007 não manda aplicar às sociedades
civis sem fins lucrativos a legislação sobre licitações públicas. Apenas manda
que façam suas contratações com prévias cotações de preços. O que é repetido
pela Portaria Interministerial n°127, de 29 de maio de 2008, no seu artigo 45.

A Instrução Normativa nº 1, de 15.01.1997, da Secretaria do Tesouro


Nacional, com as modificações introduzidas pela IN/STN 3, de 25.09.2003,
é inconstitucional, violadora dos art. 5º, II, do art. 84, IV, e do art. 170 da

54
Constituição Federal, e por violar a Lei nº 8.666/1993, no seu art. 1º,
parágrafo único, quando dispõe, no seu art. 27: “O conveniente, ainda que
entidade privada, sem fins lucrativos, sujeita-se, quando da execução de
despesas com recursos transferidos, às disposições da Lei nº 8.666, de
21 de junho de 1993, especialmente em relação à licitação e contrato,
admitida a modalidade de licitação prevista na Lei nº 10.520, de 17 de
julho de 2003, nos casos em que especifica.”

Tal instrução normativa era absolutamente ilegal e inconstitucional, e,


portanto, nula de pleno direito. Tanto assim que, posteriormente essa
disposição absurda foi afastada pela disposição constante da Portaria
Interministerial nº 342, de 6.11.2008, que no seu artigo 74-B dispõe:

“Art. 74-B – A Instrução Normativa nº 01, de 15 de janeiro de 1997, da


Secretaria do Tesouro Nacional, não se aplica aos convênios e contratos de
repasse celebrados sob a vigência desta Portaria.”

Portanto, a Instrução Normativa nº 01, da mesma forma que o Decreto nº


5.504/2005, era inaplicável aos convênios, por ela ser inconstitucional e ilegal.

Levando em conta o exposto na parte I do presente artigo, a resposta é


negativa, porque esse Decreto de nº 6.170/2007 regulamenta o art. 116
da Lei nº 8.666/1993. E, como se pode verificar, essa disposição legal em
nenhum lugar dispõe que quaisquer dos partícipes de um convênio, ainda
que se utilizando de recursos públicos, deva, em suas contratações, realizar
pedidos de cotação prévia. Assim, o referido decreto impõe uma obrigação
às entidades privadas sem fins lucrativos não obrigada em lei, sendo, por
isso, violador do art. 5º, II e do art. 84, VI, da Constituição Federal.

Porém, observe-se que essa disposição, que não mais impõe, nesses casos,
que as entidades privadas sem fins lucrativos, em suas contratações com
recursos que lhe foram repassados, façam licitações com observância da
Lei nº 8.666/1993.

Nesse aspecto, o Decreto nº 6.170, de 2007, veio revogar o art. 1º do


Decreto nº 5.504/2005, ficando claro que a sociedade sem fins lucrativos
não estará obrigada a observar a Lei nº 8.666/1993.

Contudo, devemos observar ainda que, no caso, o artigo 11 não era auto-
aplicável, pois uma regulamentação era necessária para detalhar a forma e
o modo de realização dessas cotações prévias.

E essa regulamentação veio através da Portaria Interministerial nº 127, de


29 de maio de 2008, que estabelece normas para execução do disposto

55
no Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas
relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e
contratos congêneres.

Essa portaria veio repetir o art. 11 do decreto referido no seu art. 45 (Seção
I) e, através do parágrafo único e dos arts. 46 a 48, detalha a realização das
referidas cotações de preços.

O art. 2º da Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de 2008, dispõe:

“Art. 2º. Não se aplicam às exigências desta Portaria aos convênios e


contratos de repasse:

I - cuja execução envolva a transferência de recursos entre os partícipes;


II - celebrados anteriormente à data de sua publicação, devendo ser
observadas, neste caso, as prescrições normativas vigentes à época de
sua celebração, podendo, todavia, se lhe aplicar naquilo que beneficiar a
consecução do objeto”.

Contudo, mesmo agora estando em vigor a Portaria Insterministerial


CGU/MF/MP nº 507/2011, restou determinado em seu artigo 2º a mesma
disposição da referida Portaria Interministerial nº 127/2008, como se verifica:

“Art. 2º Não se aplicam as exigências desta Portaria:

I - aos convênios:

a) cuja execução não envolva a transferência de recursos entre os partícipes;

b) celebrados anteriormente à data da sua publicação devendo ser


observadas, neste caso, as prescrições normativas vigentes à época da
sua celebração, podendo, todavia, se lhes aplicar naquilo que beneficiar a
consecução do objeto do convênio;

(...).”

Verifica-se, portanto, que o artigo 2º da portaria interministerial repete o


disposto no art. 2º da Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de
2008.

Não há possibilidade constitucional de fazer incidir sobre as entidades


inteiramente privadas, nem regras, nem princípios de direito público, sob
pena de violação ao art. 170 da Constituição da República.

Assim, mais uma vez, sublinhamos: é inteiramente inaplicável,


juridicamente, às entidades privadas sem fins lucrativos as normas da

56
legislação sobre licitações públicas (Lei nº 8.666/1993), tanto em face
dos decretos ora impugnados, como em razão da própria lei que, no
seu art. 1º, parágrafo único, circunscreve somente os órgãos e entidades
governamentais à sua observância, como em razão de violação da
Constituição Federal, se se quiser entender serem aplicáveis as normas de
Lei nº 8.666/1993 às entidades inteiramente privadas.

Não seria possível a aplicação das normas penais da Lei nº 8.666/1993 àquelas
entidades privadas, pois se concluímos ser inteiramente inaplicável a Lei nº
8.666/1993 à sociedade sem fins lucrativos, por ser ela uma entidade inteiramente
privada e não estando sob controle direto ou indireto do Poder Público, enquanto
a parte penal referida faz parte integrante da mencionada lei, é óbvio que também
essa parte é inaplicável àquelas entidades, seus dirigentes e empregados.

É o que, aliás, se pode concluir pela simples leitura do art. 85 da Lei nº


8.666/1993, que reza peremptoriamente:

“Art. 85. As infrações penais previstas nesta Lei pertinem às licitações e


aos contratos celebrados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios,
autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações
públicas, e quaisquer outras entidades sob controle direto ou indireto.”

Portanto, uma associação privada ou sociedade civil, sem fins lucrativos,


não estando sob controle direto ou indireto do Poder Público, não pode
ser incriminada com base em artigo penal da Lei nº 8.666/1993 e nem com
base no artigo 69 do Código Penal, eis que os dirigentes e empregados não
cometem nenhum ilícito previsto na Lei nº 8.666/1993 e a reiteração do
ilícito do artigo 90 da mesma lei.

57
58
VOTOS 59
Aluisio Gama de Souza

60
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL* Mesmo que haja
fortes indícios de
ilegalidade do
Trata o presente processo de Tomada de Contas Especial instaurada pela
certame público,
Auditoria Geral do Estado (AGE), em atendimento à determinação deste Tribunal não há inutilidade
exarada nos autos do proc. TCE/RJ nº 114.784-1/2005, visando a apuração dos na prévia oitiva das
fatos, a identificação dos responsáveis e a quantificação dos possíveis danos, em partes interessadas,
virtude das irregularidades decorrentes da execução do pacto celebrado entre o pois não se pode
Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro - Detran-RJ e a Empresa afastar a hipótese,
Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. - BEST. ainda que remota,
de surgirem novos
esclarecimentos
O referido processo versa sobre termo aditivo nº181/2005 ao contrato
que afetem o
nº122/2004 celebrado entre o Detran e a BEST. O contrato teve por objeto juízo decisório.
a prestação de serviços de remoção de veículos apreendidos em operação
realizada pelo Estado do Rio de Janeiro, na região do Grande Rio, através de
auto socorro e guarda dos veículos, com implantação e operacionalização
de área para depósito a ser disponibilizado, bem como a realização de
leilão de veículos nos casos do art. 328 do Código de Trânsito Brasileiro.

Relacionam-se ao presente os seguintes processos:

Processo TCE-RJ Natureza Objeto Situação


Prestação dos
serviços de remoção Termo Aditivo – instrumento
de veículos utilizado para formalizar as
modificações nos contratos
apreendidos, na
administrativos, previstas
região do Grande em lei, tais como acréscimos
Rio, através de auto ou supressões no objeto,
socorro e guarda prorrogações de prazos,
prorrogação do contrato,
dos veículos, com
além de outras. (Fonte:
implantação e Manual de Gestão de
operacionalização Contratos do TCE-TO)
Conhecimento/
113.767-4/04 Contrato 122/04 de área para
Arquivamento
depósito a ser
disponibilizado,
bem como a
realização de leilão
de veículos nos
casos do art. 328 do
Código de Trânsito
Brasileiro. Período
de 01/09/04 a
31/08/2005.
Prorrogação do
Ilegalidade/
prazo contratual
Termo Aditivo Instauração de
114.784-1/05 por 12 meses e
181/05 Tomada de Contas
modificação de
Especial
cláusulas. * Voto aprovado por 4 x 2.

(continua)

61
(continuação)

Processo TCE-RJ Natureza Objeto Situação


Prorrogação do
Ilegalidade/
prazo contratual
Termo Aditivo Instauração de
112.645-7/06 por 12 meses e
153/06 Tomada de Contas
designação de
Especial
Gestor Contratual.
Termo Aditivo Designação de
107.791-7/07 Conhecimento
004/07 Gestor Contratual
Redução de
hipóteses de
pagamento;
Participação nas
receitas;
Implementação de
Termo Aditivo Conhecimento/
108.411-6/07 leilão eletrônico;
073/07 Arquivamento
Apresentação
de Prestação de
Contas;
Guarda de veículos
apreendidos e não
recuperados.
Prorrogação Conhecimento/
Termo Aditivo
112.526-7/07 contratual por 3 Arquivamento
149/07
meses (CP 108.411-6/07)
Prorrogação Conhecimento/
Termo Aditivo
108.399-4/08 contratual por 1 Arquivamento
187/07
mês. (CP 108.411-6/07)
Prorrogação Conhecimento/
Termo Aditivo
102.173-6/08 contratual por 8 Arquivamento
216/07
meses. (CP 108.411-6/07)
Prorrogação Conhecimento/
Termo Aditivo
105.609-6/08 contratual por 2 Arquivamento
020/08
meses. (CP 108.411-6/07)
Prorrogação Conhecimento/
Termo Aditivo
107.859-7/08 contratual por 2 Arquivamento
065/08
meses. (CP 108.411-6/07)
Prorrogação
Termo Aditivo Conhecimento/
104.661-9/09 contratual por 3
124/08 Arquivamento
meses.

Tendo em vista a remessa de novos documentos e esclarecimentos, a 2ª CCT


reexaminou o presente administrativo, elaborando a seguinte instrução:

1 – BREVE HISTÓRICO DOS FATOS

Em 13 de outubro de 2003, o CONTRAN publicou a resolução 143/03,


que dispunha sobre uniformização do procedimento administrativo para

62
lavratura do auto de infração, da expedição da Notificação da Autuação e
da Penalidade de multa e de advertência por infrações de responsabilidade
do proprietário e do condutor do veículo e da identificação do condutor
infrator.

Ocorre que em dezembro 2003, conforme se depreende da leitura do


documento de fls. 540/546, os cadastros de veículos e condutores do DETRAN
apresentavam inconsistências comprometedoras. Além disso, segundo
o mesmo documento, apenas um terço da frota estaria devidamente
licenciada, ou seja, em condições de trafegar pelas vias públicas.

Assim, o Detran-RJ encontrava-se incapacitado para a implantação dos


procedimentos e normas em conformidade com a resolução do CONTRAN.
Para adequação de suas operações à norma que passaria a vigir 180 dias
após sua implantação, o Detran-RJ adotou algumas medidas.

Através do Contrato 015/04 (fls 588/595), decorrente de dispensa de


licitação, celebrado em 04/03/2004, o Detran-RJ contratou a BEST pelo
prazo de 180 dias. Simultaneamente, foram realizados os procedimentos
administrativos que culminaram com a execução do Pregão nº 016/04,
para a contratação do mesmo serviço, agora pelo prazo de 12 meses.

O certame foi vencido pela BEST. Em 01/09/2004 foi celebrado entre o


Detran-RJ e a BEST o Contrato 122/04, cuja cópia encontra-se acostada às
fls. 73/84, sendo signatário pelo DETRAN o Sr. Hugo Leal, então presidente
daquela Autarquia. Este contrato foi encaminhado ao TCE-RJ, onde recebeu
o nº 113.767-4/04, tendo sido conhecido e arquivado.

Vencido o prazo de 12 meses para execução do Contrato 122/04, o


DETRAN e a BEST celebraram em 30/08/2005 o Termo Aditivo 181/05, que
prorrogava o prazo de execução dos serviços por mais 12 meses, retificava
as hipóteses de remuneração da CONTRATADA e ratificava as demais
cláusulas.

O Termo Aditivo 181/05 deu entrada no TCE-RJ sob o nº 114.784-1/05. Em


Sessão do dia 19/08/2008, o Plenário, acompanhando o voto do Relator,
Conselheiro Julio L. Rabello, assim decidiu:

“VOTO:

I – Pela ILEGALIDADE do presente Termo Aditivo e do constante do

63
processo nº 112.645-7/06 – em apenso – ambos ao Contrato nº 122/2004
celebrados entre o DETRAN e a Empresa Brasília Empresa de Serviços
Técnicos Ltda., com fulcro no caput do artigo 48 da Lei Complementar
nº 63/90 por conter novas cláusulas contratuais e prorrogações de prazo
manifestamente desfavoráveis e onerosos ao Detran, que não estavam
originalmente pactuados nem Contrato nem no instrumento convocatório,
em desacordo com o que dispõem o art. 41 e § 1º do art. 54 ambos da Lei
Federal nº 8.666/93;

II – Pela COMUNICAÇÃO nos termos do § 1º do art. 6º da Deliberação TCE


nº 204/96 ao atual Presidente do DETRAN - Departamento de Trânsito do
Estado do Rio de Janeiro, para que promova a INSTAURAÇÃO DE TOMADA
DE CONTAS ESPECIAL conforme normatizado no artigo 8º, inciso III da Lei
Complementar nº 63/90, c/c inciso II do art. 9º do Regimento Interno a ser
realizada no prazo de 60 (sessenta) dias e conduzida pelo órgão central de
controle interno do DETRAN fazendo-a acompanhar dos elementos exigidos
no art. 34 da Deliberação TCE nº 200/96, objetivando a apuração do dano e
identificação dos responsáveis, além de cópia da instrução de fls. 22/36;
(...)”

Em atenção a esta Decisão Plenária, a AGE instaurou da presente Tomada


de Contas Especial. Em virtude da ausência de atendimento às suas
solicitações por parte do Detran-RJ, concluiu seus trabalhos emitindo
certificado de auditoria considerando como dano o valor integral dos
pagamentos realizados pela Autarquia à Contratada em decorrência do
Termo Aditivo 181/05.

Em primeira análise, esta Coordenadoria entendeu necessário perquirir,


junto ao Detran-RJ, pelos elementos que a Autarquia não encaminhara
àquele Órgão Central de Controle Interno, de forma a possibilitar o
reexame da matéria e, eventualmente, emissão de novo certificado à luz
novos elementos acostados aos autos.

2 – DA ÚLTIMA DECISÃO PLENÁRIA

Em sessão de 17/11/2011, o Plenário, nos termos do Voto proferido pelo


Exmo. Sr. Julio Lambertson Rabello, assim manifestou (vide fls. 859/867):

“VOTO:

1) Pela COMUNICAÇÃO, na forma da Lei Complementar nº 63/90, ao Titular

64
da Auditoria Geral do Estado – AGE, para que, através de seus agentes
competentes, proceda ao exame da documentação disponibilizada pelo
Detran-RJ, teça juízo de valor acerca da regularidade dos pagamentos
efetuados pelo Detran-RJ à Contratada e, eventualmente, apure a
ocorrência de dano ao erário, procedendo à emissão de um novo parecer,
se necessário for.

2) Pela CIÊNCIA ao Plenário dos esclarecimentos apresentados pelo Sr.


Gustavo Carvalho dos Santos, consubstanciados no DOC TCE-RJ nº 8.047-
9/11.

3) Pela CIÊNCIA ao Plenário dos esclarecimentos apresentados pelo Sr.


Fernando Avelino B. Vieira, Presidente do Detran-RJ, consubstanciados
no DOC TCE-RJ nº 7.767-4/11.”

A decisão aludida foi materializada por intermédio do certificado emitido


em 17/11/2011 pela Secretaria-Geral das Sessões – SSE, encaminhado à
Auditoria Geral do Estado – AGE e recebido em 28/12/2011 (vide fls. 868).

3 – DO ATENDIMENTO À DECISÃO PLENÁRIA

Em resposta à Decisão de 17/11/2011, a AGE acostou aos autos novo


Certificado de Auditoria (fls. 872), pela IRREGULARIDADE da presente
Tomada de Contas Especial, baseado no exposto às fls. 869/870.

No que tange à quantificação do dano, a AGE considerou todo o valor pago


pela Autarquia em decorrência da inclusão da hipótese de remuneração
referente à alínea “c” do inciso I do parágrafo 3º da Cláusula Décima, de
acordo com o Termo Aditivo 181/05.

A tabela abaixo relaciona as Notas Fiscais emitidas pela Contratada e pagas


pelo Detran-RJ computadas como dano ao Erário pela AGE:

Data
Período Fls. Nota Fiscal Valor (R$)
Pagamento
Set/2005 230/231 15136 08/05/2006 130.192,00
Out/2005 232/233 15137 08/05/2006 121.924,00
Nov/2005 234/235 15138 08/05/2006 135.648,00
Dez/2005 236/237 15172 11/05/2006 160.652,00
TOTAL 548.416,00

65
O valor pago integralmente no ano de 2006 corresponde a 322.749,5292
UFIR-RJ, considerando a UFIR-RJ de 2006 a R$ 1,6992.

Foi identificado como responsável o Presidente da Autarquia à época, Sr.


Gustavo Carvalho dos Santos.

CONCLUSÃO: Atendimento integral.

4 – MANIFESTAÇÃO DA CONTRATADA

A Contratada, ainda que não chamada aos autos no presente processo,


apresentou os elementos que formalizaram o DOC TCE/RJ nº 36.032-6/11.

Em sua manifestação, a Contratada elabora hipótese na qual não teriam


ocorridos prejuízos ao Detran-RJ em função do Termo Aditivo 181/05, ao
contrário, teria proporcionado economia da Autarquia.

Baseia sua hipótese no entendimento que, pelo Contrato original, a


Autarquia ressarciria à BEST em caso de “leilão negativo”, situação na
qual o valor de arrematação obtido no leilão não é suficiente para pagar
integralmente o valor das multas e IPVA devidos, e ainda havendo saldo,
pagar à Contratada os valores da rebocada, das diárias de estocagem e da
taxa de administração (5% do valor da arrematação).

Informa que entre agosto de 2004 e julho de 2005, foi remunerado pelo leilão
negativo de 1.393 veículos, a um custo médio de R$ 1.322,72 para a Autarquia.

Segue afirmando que o Termo Aditivo 181/05 teria excluído o ressarcimento


pelo “leilão negativo” das formas de remuneração à Contratada.

Aduz que, entre julho de 2005 e dezembro de 2006, foram leiloados


2.717 veículos. Dessa forma, considerando o custo médio de R$ 1.322,72
referente ao faturamento do período anterior, tais leilões teriam
custado ao Detran-RJ R$ 3.593.830,24, valor superior aos R$ 2.235.640,00
que seriam referentes à “remuneração substituta de 1/3 das diárias
rebocadas”.

Por tal raciocínio, a Autarquia teria economizado R$ 1.358.190,24 em


função do aditivo 181/2005. Temos entendimento diverso.

Lembramos que o Contrato nº 122/04 previa, inicialmente, que a

66
Contratada seria remunerada, conforme tabela prevista na cláusula décima
(fls. 79), da seguinte forma:

CLÁUSULA DÉCIMA – VALOR DO CONTRATO


[...]
Parágrafo 1º - A CONTRATADA cobrará os valores máximos acima fixados,
diretamente do usuário, que poderá recolher a importância na rede
bancária através de guias com a discriminação dos valores cobrados.
Parágrafo 2º - Pelo leilão dos veículos e após terem sido quitados os
débitos relativos a tributos e multas e as dívidas com rebocada e diárias,
a CONTRATADA receberá 5 % (cinco por cento) do valor total apurado nos
leilões, descontados do repasse a ser feito aos proprietários.
Parágrafo 3º - Caso o valor líquido apurado em favor do usuário não
comporte o pagamento dos 5% (cinco por cento), o Detran-RJ pagará ou
complementará o valor devido, sendo que possíveis despesas decorrentes
do produto dos leilões correrão à conta do orçamento do próprio Detran-
RJ a ser oportunamente especificado.

Além disso, havia também no Projeto Básico, anexo 4 do edital de Pregão


nº 16/04, outras previsões de remuneração. O item 10.2 (fls. 192), previa que
“(...) O Detran-RJ ressarcirá mediante encontro de contas ou compensação
as despesas de reboque e estocagem custeadas pela Contratada dos
veículos que forem liberados por decisão judicial, por estarem penhorados,
arrestados ou sequestrados ou em caso de leilão negativo.”

O Termo Aditivo 181/05, que prorrogava o prazo de execução dos serviços


por mais 12 meses, retificava as hipóteses de remuneração da CONTRATADA
e ratificava as demais cláusulas. Em decorrência, a Cláusula Décima (fls. 64)
passou a vigorar com a seguinte redação: Projeto Básico – conjunto
de elementos necessários
e suficientes, com nível
CLÁUSULA DÉCIMA – VALOR DO CONTRATO de precisão adequado,
para caracterizar a obra ou
serviço, ou complexo de
obras ou serviços objeto
Parágrafo 2º - Pelo leilão dos veículos e após terem sido quitados e/ou da licitação, elaborado
desvinculados os débitos relativos a tributos e multas, as dívidas com com base nas indicações
dos estudos técnicos
rebocada, diárias, publicações em Diário Oficial e jornais de grande preliminares, que assegurem
a viabilidade técnica e o
circulação, notificações, taxa de administração, serviço de retirada de adequado tratamento do
motor, recorte de número de chassi e outras porventura necessárias impacto ambiental do
empreendimento, e que
à correta efetivação do leilão, a Contratada receberá 5% do valor total possibilite a avaliação do
custo da obra e a definição
apurado nos leilões, descontado do repasse a ser feito aos antigos dos métodos e do prazo
proprietários. (grifos nossos) de execução. (Lei 8.666, art.
6°, IX).

67
Parágrafo 3º - O DETRAN pagará as despesas abaixo relacionadas, ou
complementará o valor devido à Contratada, à conta de seu orçamento
oportunamente especificado .
I – As despesas mencionadas no caput deste parágrafo são as seguintes:
a) Indenizações de reparos feitos em veículos leiloados e posteriormente
recomprados;
b) 5% (cinco por cento) de comissão, caso o valor líquido apurado em favor
do usuário não comporte;
c) Despesas de rebocada e 1/3 das diárias dos veículos impedidos de
leilão após 90 (noventa) dias de sua apreensão. (grifos nossos)

Ocorre que o pagamento da mencionada “remuneração substituta de 1/3


das diárias rebocadas” se baseia em hipótese de remuneração descrita na
alínea “c”, inc. I do Parágrafo 3º acima transcrito, hipótese não prevista no
instrumento editalício, nem no contrato 122/04, sendo que sua inclusão
no rol das hipóteses de remuneração, afronta aos princípios da isonomia
e da vinculação ao instrumento convocatório, esse último esculpido no
art. 41 da Lei Federal 8.666/1993.

Ademais, como resta claro da leitura da Cláusula Décima original em


contraste com sua nova dicção dada pelo Termo Aditivo 181/05, não se
pode concluir que a inclusão da hipótese de remuneração descrita na alínea
“c”, inc. I do Parágrafo 3º se deu em substituição a qualquer outro dispositivo.

Desta forma, faremos constar em nossa proposta de encaminhamento


sugestão de COMUNICAÇÃO do Sr. Gustavo Carvalho dos Santos, já
identificado anteriormente como Responsável, para que apresente razões
de justificativas para os pagamentos realizados à BEST, no valor de
R$ 548.416,00, referentes ao Termo Aditivo nº 181/05, em decorrência de
novas cláusulas contratuais manifestamente desfavoráveis e onerosas ao
Detran-RJ, que não estavam originalmente pactuadas nem no Contrato
nº 122/04 nem no instrumento convocatório, em desacordo com o que
dispõem o art. 41 e § 1º do art. 54 ambos da Lei Federal nº 8.666/93.

(...)

Em sua conclusão, a 2ª CCT sugeriu:

1. CIÊNCIA dos elementos remetidos a este Tribunal que constituíram o


Documento TCE/RJ nº. 36.032-6/11 (fls. 877892).

68
2. COMUNICAÇÃO, nos termos do art. 6º, 1º da Deliberação TCE-RJ n.º
204/96, a ser efetivada na forma do art. 26 e incisos da Lei Complementar
n°63/90, mediante ciência pessoal, em ordem seqüencial, à BEST – Brasília
Empresa de Serviços Técnicos Ltda., (...);

3. COMUNICAÇÃO, nos termos do art. 6º, 1º da Deliberação TCE-RJ n.º


204/96, a ser efetivada na forma do art. 26 e incisos da Lei Complementar
n°63/90, mediante ciência pessoal, em ordem seqüencial, ao Sr. Gustavo
Carvalho dos Santos, (...);

4. COMUNICAÇÃO ao titular do Detran-RJ, nos termos do art. 6º, § 1º da


Deliberação TCE-RJ n.º 204/96, a ser efetivada na forma da Lei Complementar
nº 63/90, art. 26 e incisos, para que dê acesso aos Responsáveis mencionados
nos itens 2 e 3, a toda documentação necessária ao perfeito atendimento
à Decisão deste Tribunal.”

A SUE (fls. 899) e o parecer elaborado pela Procuradora Marianna Montebello


Willeman (fls. 900), representante do Ministério Público Especial junto a
esta Corte, manifestam-se em idêntico sentido à 2ª CCT.

Em sessão datada de 30/04/2013, apresentei voto revisor aprovado em


Plenário, transcrito parcialmente a seguir:

“É O RELATÓRIO.

Através do Sistema de Acompanhamento de Processos-SCAP, constatei a


existência de relatório de inspeção ordinária, realizada por esta Corte no
período de 03/05/2008 a 13/06/2008, para a verificação da execução dos
serviços contratados através do contrato nº 122/2004, que recebeu do
protocolo o nº 107.865-6/08.

Em sessão de 17/02/2009, o citado relatório de inspeção teve decisão


plenária pela notificação a vários responsáveis e comunicação ao Presidente
do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro-Detran-RJ para,
entre outras providências, prestar os seguintes esclarecimentos:

“(...)
– Apresente documentação e informação quanto à forma em que os
valores devidos à empresa Brasília Empresa de Serviços Técnicos (Contrato
nº 122/04), no montante de R$ 5.509.741,30, foram apurados, com a
discriminação dos serviços que foram prestados pela empresa contratada

69
(indenizações de reparos feitos em veículos leiloados e posteriormente
recomprados; 5% (cinco por cento) de comissão, caso o valor líquido
apurado em favor do usuário não comporte, despesas de rebocada e 1/3
das diárias dos veículos impedidos de leilão após 90 (noventa) dias de sua
apreensão, entre outros), além do período correspondente a cada parcela,
devendo ser acompanhada da documentação comprobatória que serviu
de base para apuração dos valores devidos, além dos relatórios gerenciais
previstos no Parágrafo 1º, da Cláusula Segunda, do Contrato nº 122/04
(Tópico VII.1, deste Relatório);

– Envie cópia do Relatório da Comissão de Sindicância instaurada, conforme


determinação do Decreto nº 41.065, de 11/12/2007, acompanhada de
todos os elementos que o compõem (Tópico VII.1, deste Relatório).”

Constatando que a determinação acima não foi cumprida, em sessão de


27/07/2010, o Plenário tomou nova decisão, notificando o responsável nos
seguintes termos:

“(...)
III – Pela NOTIFICAÇÃO ao Sr. Fernando Avelino Boeschentein Vieira,
Presidente do Detran-RJ, com base no § 2º, do art. 6º, da Deliberação TCE-
RJ 204/96, para que apresente as razões de defesa pelo não cumprimento
integral de decisão proferida em 17/02/09, sem prejuízo do efetivo
atendimento do requerido, conforme transcrição a seguir, além de cumprir
a determinação discriminada na sequência:

III.1) Pendências da decisão proferida em 17.02.09:

– Apresente documentação e informação quanto à forma em que os


valores devidos à empresa Brasília Empresa de Serviços Técnicos (Contrato
nº 122/04), no montante de R$ 5.509.741,30, foram apurados, com a
discriminação dos serviços que foram prestados pela empresa contratada
(indenizações de reparos feitos em veículos leiloados e posteriormente
recomprados; 5% de comissão, caso o valor líquido apurado em favor do
usuário não comporte, despesas de rebocada e 1/3 das diárias dos veículos
impedidos de leilão após 90 dias de sua apreensão, entre outros), além
do período correspondente à cada parcela, devendo ser acompanhada
da documentação comprobatória que serviu de base para apuração dos
valores devidos, além dos relatórios gerenciais previstos no Parágrafo 1º,
da Cláusula Segunda, do Contrato nº 122/04 (Tópico VII.1, deste Relatório);

70
– Envie cópia do Relatório da Comissão de Sindicância instaurada, conforme
determinação do Decreto nº 41.065, de 11/12/2007, acompanhada de
todos os elementos que o compõem (Tópico VII.1, deste Relatório).

III.2) Determinação:

– Informe a atual situação do processo que corre em via judicial


(2008.001.074054-0), no qual a contratada (BEST) reclama valores devidos
pelo Detran-RJ;
(...)”

Com base nas informações encaminhadas em resposta à determinação


acima, o Corpo Instrutivo reconheceu que a contratada solicitou encontro
de contas e aderiu à política de pagamento estabelecida pelos Decretos
Estaduais nºs 41.065/07, e 41.819/09, tendo inclusive desistido da demanda
judicial (processo 2008.001.074054-0), na qual reclamava do DETRAN o
pagamento de valores devidos pelos serviços prestados.

Pela documentação encaminhada fica demonstrado o acordo aceito pelas


partes de:

– O DETRAN reconhece a dívida de R$ 4.562.154,31 com a BEST pela


prestação de serviços contratados através do contrato nº 122/04;
– A BEST reconhece a dívida de R$ 883.977,00, correspondente ao não
repasse ao Detran-RJ, previsto no contrato nº 122/04, com a redação
modificada por termos aditivos;
– As partes acordam que o desconto previsto no Decreto nº 41.819/09 será
aplicado sobre o valor da diferença (R$ 4.562.154,31 - R$ 883.977,00 = R$
3.678.177,31).

Às fls. 518 do processo nº 107.865-6/08 consta a seguinte manifestação do


Corpo Instrutivo sobre a questão dos valores ainda devidos pelo Detran-RJ
à empresa BEST:

“(...) O documento acostado às fls. 477 informa a concordância da BEST em


receber valores na monta de R$ 3.678.177,31, decorrentes do confronto
de contas e da adesão à política de pagamento de débitos, aprovada pelo
Decreto nº 41.819/09, valor este menor do que o apurado no cálculo acima.
Conforme verificado, uma vez que houve a aquiescência da contratada em
receber aquele valor, pondo fim ao conflito, entendemos estar sanada a
questão financeira entre as partes envolvidas, em especial aquela referente

71
ao repasse de valores devido pela empresa Brasília Empresa de Serviços
Técnicos Ltda ao Detran-RJ, referente a 20% (vinte por cento) dos valores
arrecadados com a taxa de rebocada e diárias de depósito, apurados no
período de agosto de 2007 a abril de 2008. (...)”

Voltando ao processo sob exame, ainda estamos apurando a existência de


um dano ao erário no valor de R$ 548.416,00. Assim, creio ser relevante
solicitar ao Detran-RJ que preste os seguintes esclarecimentos e tome as
seguintes providências:

– Informe se foi realizado algum pagamento à BEST por conta do termo de


adesão por ela firmado, no montante de R$ 3.678.177,31;

– Providencie a retenção do montante de R$ 548.416,00, referente às notas


fiscais ainda questionadas na presente tomada de contas, caso ainda haja
saldo a pagar à BEST;

– Se não foi cumprido o termo de adesão firmado pela BEST, informe


quais as razões para não ter ocorrido, uma vez que a empresa chegou a
desistir da demanda judicial na qual reclamava do DETRAN o pagamento
de valores devidos pelos serviços prestados.

Face ao exposto, e parcialmente de acordo com o Corpo Instrutivo, com


o parecer do Ministério Público Especial junto a este Tribunal e com o
Conselheiro Relator,
VOTO:

I - Pela CIÊNCIA dos elementos remetidos a este Tribunal que constituíram


o Documento TCE/RJ nº. 36.032-6/11 (fls. 877892);

II - Pela COMUNICAÇÃO, à empresa BEST - Brasília Empresa de Serviços


Técnicos Ltda., com fulcro na Lei Complementar nº 63/90, na pessoa de seu
Representante Legal, para que tome ciência do teor do presente processo
e, caso queira, ofereça manifestação, no prazo de 30 (trinta) dias, quanto
aos pagamentos recebidos referentes ao Termo Aditivo nº 181/05, em
decorrência das novas cláusulas contratuais manifestamente desfavoráveis
e onerosas ao Detran-RJ, que não estavam originalmente pactuadas nem
no Contrato nº 122/04 nem no instrumento convocatório, em desacordo
com o que dispõem o art. 41 e § 1º do art. 54 ambos da Lei Federal nº
8.666/93;

72
III – Pela COMUNICAÇÃO, com fulcro na Lei Complementar nº 63/90, ao Sr.
Gustavo Carvalho dos Santos, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente
razões de justificativas quanto aos pagamentos realizados à BEST, no valor
de R$ 548.416,00, referentes ao Termo Aditivo nº 181/05, em decorrência
das novas cláusulas contratuais manifestamente desfavoráveis e onerosas
ao Detran-RJ, que não estavam originalmente pactuadas nem no Contrato
nº 122/04 nem no instrumento convocatório, em desacordo com o que
dispõem o art. 41 e § 1º do art. 54 ambos da Lei Federal nº 8.666/93;

IV – Pela COMUNICAÇÃO, com fulcro na Lei Complementar nº 63/90, ao


atual Presidente do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro
- Detran-RJ, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, preste os seguintes
esclarecimentos e tome as seguintes providências:

– Informe se foi realizado algum pagamento à BEST por conta do termo de


adesão por ela firmado, no montante de R$ 3.678.177,31;

– Providencie a retenção do montante de R$ 548.416,00, referente às notas


fiscais ainda questionadas na presente tomada de contas, caso ainda haja
saldo a pagar à BEST;

–Se não foi cumprido o termo de adesão firmado pela BEST, informe
quais as razões para não ter ocorrido, uma vez que a empresa chegou
a desistir da demanda judicial na qual reclamava do DETRAN o
pagamento de valores devidos pelos serviços prestados através do
Contrato nº 122/04.”

Constatando atendimento aos itens II, III e IV do voto acima transcrito, a


CCT apresentou a seguinte análise às fls. 1029-verso/1033-verso:

“(...)

3 – DO ATENDIMENTO À DECISÃO PLENÁRIA

As manifestações dos jurisdicionados em resposta à decisão plenária acima


referida será analisada nos termos abaixo:

3.1 – DA COMUNICAÇÃO AO SR. FERNANDO AVELINO BOESCHENSTEIN


VIEIRA – Presidente do Detran-RJ

Quanto ao item IV do voto de 30.04.13, transcrito acima:

73
RESPOSTA (FLS. 934/936):

Foi informado o seguinte, resumidamente (fls. 934/936):

1. que conforme apurado no processo nº E-12/421172/12, foram


identificados dois contratos celebrados com a Best: o nº 122/04 (referente
ao presente processo) e o nº 12/05;

2. que em relação ao contrato nº 12/05, foi verificada a existência de faturas


atestadas e não pagas, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no valor
total de R$ 2.435.061,31;

3. que tal dívida não foi reconhecida, à época própria, devido a apuração
levada a cabo pela AGE, que apontou dano ao erário referente ao contrato
nº 122/04, de sorte que não seria legítimo pagar à empresa outros valores,
antes do ressarcimento do referido dano;

4. que a empresa desistiu da ação de cobrança judicial desses valores,


impetrada contra o DETRAN (processo 2008.001.074042-3 – 2ª Vara de
Fazenda Pública), com o intuito de aderir à “Política de Pagamento de
Débitos” do DETRAN, instituída por meio do Decreto nº 41.819/2009, que
previa a quitação de débitos do exercício de 2006, que não estivessem sub
judice;

5. que, mesmo assim, o pagamento não pode ser efetuado, tendo em vista
a impossibilidade de reconhecimento da dívida, por força do disposto no
Decreto nº 41.880/09;

6. diante do exposto, concluiu informando que só poderia providenciar


a retenção do valor referente ao dano apurado no presente processo,
conforme solicitado por este Tribunal, de R$ 548.416,00, após a liquidação
da despesa reconhecida no valor de R$ 897.456,61, acrescentando, ainda,
que essas dívidas já estão prescritas, de acordo com a Nota Técnica n°
002/08-SUNOT/CGE/SEFAZ-RJ;

ANÁLISE:

De acordo com as explicações apresentadas pelo Sr. Presidente do DETRAN-


RJ, houve, de fato, a retenção de pagamentos à Best, referente ao contrato
nº 12/05, em decorrência do dano apurado na execução do contrato nº
122/04, em valor mais que suficiente.

74
Entendemos não ser necessária a elaboração de instrumento específico
para formalizar a operação, tendo em vista que os créditos retidos estão
prescritos e, portanto, fora de alcance por parte da contratada.

Vale ressaltar que em consulta ao TJ-RJ (fls. 1027), verificamos que, de


fato, a ação nº 2008.001.074042-3 foi arquivada em definitivo.

Assim, diante da recuperação do valor do dano apurado no presente


processo, efetivada por meio da retenção de pagamentos à contratada,
entendemos que o pagamento ilegal efetuado em decorrência do
Termo Aditivo nº 181/05 poderá constar como Ressalva, na proposta de
encaminhamento desta instrução.

CONCLUSÃO: atendimento integral

3.2 – DA COMUNICAÇÃO AO SR. GUSTAVO CARVALHO DOS SANTOS

Quanto ao item III do voto de 30/04/13, transcrito anteriormente:

RESPOSTA (FLS. 926/931):

Argumenta que havia previsão no Projeto Básico do contrato n°122/04


para o pagamento das despesas questionadas. Para tanto baseia-se no
fato de haver previsão para o ressarcimento das despesas de reboque e
estocagem custeadas pela Contratada em caso de leilão negativo.

Destaca que, durante a execução do contrato n°122/04, observou-se


um número crescente de veículos com leilão negativo (mais de noventa
dias de sua apreensão), em face da impossibilidade de realização da
hasta pública, o que gerava grande despesa para o Detran-RJ, pois esta
continuava a pagar o valor inteiro das diárias.

Assim, não teria havido qualquer inovação quando da celebração do


Termo Aditivo n°181/05, mas apenas especificação do procedimento de
cobrança na hipótese de veículos impedidos de ir à hasta pública e com
mais de noventa dias no pátio da contratada.

Observando, ainda, que o Termo Aditivo em questão teria trazido


economia à Autarquia, pois teria deixado de se pagar o valor inteiro
das diárias e fixada a cobrança de apenas 1/3 das diárias dos veículos
impedidos de ir a leilão após noventa dias de sua apreensão.

75
Pugna, também, pelo chamamento ao processo do gestor do contrato,
Sr. Carlos Jorge Ferreira Fogaça, reconhecido como tal por esta Corte de
Contas no processo TCE/RJ n°107.865-6/08, que, segundo o defendente,
seria o responsável que deveria responder ao Tribunal, o qual poderia
dispor de informações relevantes para afastar o entendimento firmado nos
presentes autos.

ANÁLISE:

Os argumentos trazidos aos autos dizem respeito à análise da legalidade


do Termo Aditivo nº 181/05, matéria essa já decidida por este Tribunal
no processo TCE-RJ nº 114.784-1/05, que obteve decisão definitiva pela
Ilegalidade, em sessão de 19/08/2008.

Não obstante, tendo em vista a análise efetuada no item 3.1, no sentido


de que apesar da ilegalidade, o valor do dano foi recuperado, cabendo
apenas ressalva nas presentes contas, entendemos que restou prejudicada
a análise dos argumentos ora apresentados.

CONCLUSÃO: atendimento

3.3 – DA COMUNICAÇÃO AO SR. HONÓRIO PEREIRA DE CARVALHO –


Presidente da BEST

Quanto ao item II do voto de 30.04.13, transcrito acima:

RESPOSTA (FLS. 926/1074):

Dos elementos apresentados, destacamos o seguinte trecho, referente ao


item “VII – SÍNTESE DAS TESES DESENVOLVIDAS”, que transcreveremos:

1. Restou comprovado de forma indubitável que a Empresa Brasília Empresa


de Serviços Técnicos Ltda – BEST NUNCA foi chamada aos processos nos
114.784-1/2005 e 112.645-7/2006, nos quais foi julgada a ilegalidade dos
termos aditivos e decidida a instauração da tomada de contas, apesar de
ser interessada na decisão, que acabou ocasionando enormes prejuízos
financeiros à companhia, pois o julgamento pela ilegalidade dos dois
termos aditivos acabou por levar à retenção de créditos líquidos e certos;

2. É flagrante a nulidade do procedimento administrativo desta Corte pelo


simples fato de a Empresa Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda –

76
BEST não ter sido chamada aos autos como interessada, uma vez que a
declaração de ilegalidade atingiu contrato em vigor, envolvendo prestação
de serviços ao Estado de natureza complexa, com altos custos envolvidos e
que não poderiam sofrer solução de continuidade;

3. Ficou demonstrado o desrespeito a garantias fundamentais amplamente


asseguradas em precedentes do STF e do STJ citadas no item I: “sempre que
a decisão administrativa afetar interesses de particulares, é imprescindível
a observância do contraditório e da ampla defesa para que se aprecie a
nulidade do processo licitatório”;

4. Neste mesmo contexto, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de janeiro


já manifestou seu entendimento sobre o tema acima exposto, como
por exemplo nos processos n° s 226.952-1/2006 (sessão de 19.07.2011 –
Relator Cons. José Gomes Graciosa), 228.270-1/2009 (sessão de 21.08.2012
– Relator Cons. José Gomes Graciosa), 224.913-2/2010 (sessão de
18.10.2011 – Relator Cons. José Gomes Graciosa), 103.716-3/2009 (sessão
de 14.12.2010 – Relator Cons. Jonas Lopes de Carvalho) e 200.257-6/2011
(sessão de 05.07.2012 – Relator Cons. Julio Lambertson Rabello);

5. A prestação dos serviços de remoção e guarda dos veículos apreendidos


foi delegada ao particular, através do Pregão n°016/2004, que deu origem
ao Contrato n°122/04;

6. O Detran-RJ, no mesmo Edital do Pregão n°016/2004, também


delegou ao particular os serviços de organização do leilão dos veículos não
reclamados por seus proprietários, previsto no art. 328 do CTB;

7. A Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. foi contratada e seria remunerada


pela execução dos serviços de rebocagem dos veículos até pátios de estocagem;
pela guarda dos veículos apreendidos enquanto permanecessem nos pátios e
gestão de sistema de controle; e pela realização de leilão;

8. A remuneração dar-se-ia pela cobrança da rebocada dos veículos,


pela cobrança de diárias pela sua guarda e conservação, bem como pela
organização e execução de leilão público dos veículos apreendidos e não
recuperados, devendo ser observado que a remuneração pelos serviços de
reboque e de guarda dos veículos tem natureza de taxa, definida no artigo
145, inciso II, da CF/88;

9. As “taxas” cobradas diretamente pela BEST teriam que ser calculadas

77
considerando apenas os valores da efetiva prestação dos serviços ao
proprietário do veículo, isto é, deveriam ser individualizadas, não havendo
hipótese legal que permitisse o rateio de despesas por eventuais não
recolhimento das “taxas” devidas, como, por exemplo, quando os veículos
eram liberados aos seus proprietários por decisão judicial, ou quando
permanecessem indefinidamente nos pátios de estocagem por serem
impedidos pela justiça de ir a leilão;

10. O termo aditivo n°073/2007, assinado em 02/07/2007, alterou a


forma de remuneração do contrato, impedindo qualquer pagamento à
contratada pelo Detran-RJ, além de obrigar o repasse de 20% de tudo
que fosse arrecadado pela BEST, provocando um desequilíbrio na equação
financeira do pacto, com enormes prejuízos para a empresa, que acabou
inadimplente junto a fornecedores e pessoal, ao pagamento de tributos, e
ao próprio Detran-RJ;

11. O referido termo aditivo, é totalmente ilegal, pois retroagia seus efeitos
ao primeiro dia de janeiro de 2007, em total desrespeito ao disposto no
artigo 46 da Lei Orgânica do TCE/RJ n°63/90;

12. A BEST permaneceu durante toda duração do contrato, cerca de 5 anos,


sem qualquer correção, o que foi alterado na concorrência que escolheu
a empresa que a sucedeu na prestação dos serviços, com a previsão, no
parágrafo segundo da cláusula oitava do contrato, da possibilidade de
reajuste pelo IPCA, após 12 meses da data da apresentação da proposta;

13. Através do novo modelo inaugurado pelo Pregão Eletrônico n°


18/2012, o Governo do Estado reconheceu o elevado custo da prestação
de serviços, passando a remunerar diretamente a contratada por um valor
anual de R$ 45 milhões;

14. O edital do aludido pregão disciplinou que somente para o


gerenciamento do pátio de guarda de 6.000 veículos impedidos de ir a
leilão, o Detran-RJ passou a remunerar a nova empresa contratada em
R$ 5.400.000,00/ano ou R$450.000/mês, reconhecendo o enorme custo da
prestação destes serviços;
Art. 46 – É vedado atribuir
efeitos financeiros retroativos
aos contratos administrativos 15. Através do novo Pregão Eletrônico n°18/2012, o Detran-RJ oficializou
e seus aditamentos sob
pena de invalidade do ato e aquilo que obrigou a BEST a fazer sem previsão contratual, quando ordenou
responsabilidade de quem
lhe deu causa, respeitada a
o reboque de centenas de veículos originado por operações realizadas
exceção prevista em lei. (Lei pelo DETRO/RJ, órgão não previsto no contrato n°122/04;
Orgânica do TCE-RJ)

78
16. Nesse novo modelo o Detran-RJ manteve a previsão de reajuste anual,
modificando apenas o índice de correção, que passou a ser o IGPM-FGV;

17. No edital vencido pela BEST não havia a previsão expressa de quem
seria o responsável pela remoção dos veículos até o pátio da nova empresa
contratada, o que foi corrigido tanto no novo Pregão Eletrônico n°18/2012
quanto no edital de pregão eletrônico n°009/08, que estabeleceram que a
despesa correria à conta da vencedora da licitação;

18. Os dois primeiros termos aditivos que esta Corte considerou ilegais,
apenas tornaram mais claras cláusulas estabelecidas no projeto básico e no
contrato n°122/04 original, sendo todas as despesas legítimas e geradas
pelo desempenho operacional dos serviços contratados, cabendo à BEST o
devido pagamento pelo reboque dos veículos e pela sua gestão nos pátios
de estocagem, independente do momento de sua retirada;

19. Não remunerar a BEST pelos serviços prestados e definidos no edital


e no projeto básico seria considerar legal o enriquecimento sem causa da
Administração Pública;

20. Todas as alterações contratuais se encontravam amparadas pelo


projeto básico, pelo contrato, e pelas portarias Detran-RJ n°3250/2004
e 3520/2005, que revogou esta última, bem como pelo artigo 65 da Lei
Federal n°8.666/93;”

Por fim, às fls. 1024/1025, é solicitado que esta Corte “Conheça e arquive
os termos aditivos nos 181/05 e 153/06 por serem perfeitamente legais e
legítimos, devendo a BEST receber integralmente o valor de R$ 548.416,00,
referente às quatro notas fiscais questionadas nesta tomada de contas, além
de todos os demais créditos retidos ilegalmente pelo Estado, devidamente
corrigidos, nos termos da cláusula décima, parágrafo 6°
, do contrato n°122/04”.

ANÁLISE:

Os argumentos trazidos aos autos dizem respeito à análise da legalidade


do Termo Aditivo nº 181/05, matéria essa já decidida por este Tribunal
no processo TCE-RJ nº 114.784-1/05, que obteve decisão definitiva pela
Ilegalidade, em sessão de 19/08/2008.

Não obstante, tendo em vista a análise efetuada no item 3.1, no sentido


de que apesar da ilegalidade, o valor do dano foi recuperado, cabendo

79
apenas ressalva nas presentes contas, entendemos que restou prejudicada
a análise dos argumentos ora apresentados. No tocante ao pleito de
recebimento dos créditos retidos, vale ressaltar que os mesmos já estão
prescritos, nada mais restando a receber.

CONCLUSÃO: atendimento

4 – DA PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

Considerando que houve, de fato, a recuperação do valor do dano apurado


no presente processo, efetivada por meio da retenção de pagamentos à
contratada;

Considerando o arquivamento em definitivo do processo judicial nº


2008.001.074042-3, que pleiteava o recebimento dos referidos créditos
retidos;

Considerando a prescrição do direito ao pleito dos referidos créditos retidos;

Considerando que concluída a tramitação do presente processo, os


processos sobrestados, relacionados às fls. 1028v poderão seguir sua
tramitação normal;

Diante da análise realizada, sugere-se:

1. CIÊNCIA AO PLENÁRIO dos elementos encaminhados pelos Srs. Fernando


Avelino B. Vieira, por meio do documento TCE-RJ no 20.870-6/13; Gustavo
Carvalho dos Santos, por meio do documento TCE-RJ no 19.000-4/13;
e pela Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. – BEST, por meio do
documento TCE-RJ no 26.412-2/13;

2. REGULARIDADE DAS CONTAS, dando-se QUITAÇÃO ao Sr. Gustavo


Carvalho dos Santos, com base no inciso II do artigo 20 c/c o artigo 22,
ambos da Lei Complementar Estadual nº 63/90, com a seguinte RESSALVA
e DETERMINAÇÕES ao titular do DETRAN-RJ, que será objeto de futuras
verificações:

RESSALVA:

Pelo pagamento de despesas em decorrência do Termo Aditivo nº 181/05,


que obteve decisão definitiva pela Ilegalidade, em sessão de 19/08/2008,

80
deste Tribunal, referente a novas cláusulas contratuais e prorrogações de
prazo manifestamente desfavoráveis e onerosos ao DETRAN-RJ, que não
estavam originalmente pactuados, nem no Contrato, nem no instrumento
convocatório, em desacordo com o que dispõem o art. 41 e § 1º do art. 54
ambos da Lei Federal nº 8.666/93;

DETERMINAÇÃO 1:
Para que em casos futuros e análogos observe, com maior rigor, o disposto
no art. 41 e § 1º do art. 54, ambos da Lei Federal nº 8.666/93.

DETERMINAÇÃO 2:
Para que, por meio de seus agentes competentes, providencie, em seus
registros contábeis, a baixa da responsabilidade relativa às apurações
levadas a efeito no presente processo, em atendimento ao Plano de Contas
do SIAFEM/RJ (conta “Diversos Responsáveis”).

3. DESAPENSAÇÃO dos processos sobrestados até a decisão definitiva do


presente, TCE-RJ nos 103.100-2/06, 103.081-0/06, 105.396-7/06, 105.541-
4/06, 106.884-3/07, 110.709-3/05, 103.110-7/06, 105.921-8/06, 105.358-5/06,
105.584-6/06, 105.934-5/06, 105.940-4/06, 105.941-8/06, 105.953-1/06 e
115.649-2/05, referentes a Termos de Reconhecimento de Dívida, e a posterior
ENCAMINHAMENTO ao Corpo Instrutivo para prosseguimento da análise;
(...)”

A SUE (fls. 1.034) e o parecer elaborado pela Procuradora Marianna Montebello


Willeman (fls. 1.035/1.035-verso), representante do Ministério Público Especial
junto a esta Corte, manifestam-se em idêntico sentido à CCT.

É o relatório.

Concordo com a sugestão da regularidade da Tomada de Contas Especial


em nome do Sr. Gustavo Carvalho dos Santos, mas não pelas razões
expostas pelo Corpo Instrutivo. Até porque, a alegada prescrição dos
créditos da BEST retidos pelo Detran-RJ, que fundamentou a manifestação
da Instrução, não encontra amparo na legislação sobre o tema.

Sobre esta questão o Plenário desta Corte aprovou, em sessão de


21/01/2014, voto de minha lavra no processo nº 100.333-6/09, que
transcrevo parcialmente a seguir:

Quanto a este tema, importante destacar o entendimento reiterado

81
existente no Superior Tribunal de Justiça da aplicabilidade do art. 1º do
Decreto Lei n.º 20.910/32, o qual dispõe que “as dívidas passivas da União,
dos Estados e dos Municípios, bem assim como todo e qualquer direito
ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a
natureza prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do
qual se originarem.
(...)
Desta forma, não tendo o credor dado entrada em ação de cobrança dos
créditos devidos pela Administração, não há que se falar em locupletamento
ou enriquecimento sem causa do Poder Público, mas aplicar-se o princípio
da prescrição, uma vez que aplicável o brocado o direito não socorre aos
que dormem (dormientibus non sucurrit jus).
(...)”

E certamente, com base no histórico dos fatos constante nos autos, não
houve o “cochilo” por parte da empresa detentora de créditos com o
Detran-RJ referentes ao exercício de 2006. A BEST ingressou com uma
ação judicial em 2008 contra a autarquia para o recebimento dos valores
pendentes. Posteriormente, em 2009, a referida ação foi extinta por força
de transação entre a empresa e o Detran-RJ, que cobrou tal medida para
que a BEST pudesse aderir ao programa de recebimento de restos a pagar
anteriores ao exercício de 2007 (Decreto nº 41.819/2009).

Contudo, o Detran-RJ, de forma diligente, não honrou o acordo assinado


alegando que deveria reter os créditos já líquidos e certos, até o final da
apuração do possível dano decorrente da ilegalidade dos termos aditivos
nºs 181/05 (processo nº 114.784-1/05) e 153/06 (processo nº 112.645-
7/06), decidida por esta Corte em sessão de 19/08/2008.

Ou seja, a autarquia considerou, acertadamente, que só poderia realizar


o pagamento dos créditos retidos após o término do procedimento
administrativo, que concluísse pela ausência de qualquer prejuízo ao erário.
Devo destacar que esta posição foi tomada pela Administração do Detran-
RJ sem qualquer provocação pelo Tribunal, já que, apenas na última sessão
plenária, datada de 30/04/2013, é que esta Corte determinou a retenção
do montante de R$ 548.416,00, referente às últimas quatro notas fiscais
ainda pendentes de julgamento quanto à legalidade de seu pagamento.

Como informa a doutrina mais autorizada, a instauração do procedimento


administrativo inviabiliza a ocorrência da prescrição. Com efeito, o processo
administrativo tem como escopo definir o conteúdo do direito

82
material – in casu , verificar a conformidade do pacto contratual
realizado entre o Poder Público e a BEST com o ordenamento jurídico
–, por meio de um procedimento que garanta a ampla defesa e o
contraditório. Nesse sentido, lembra Marçal Justen Filho, em sua
obra, Curso de Direito Administrativo, 9ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p.1.349:

A instauração do processo administrativo deriva não do exercício do direito


de ação, mas da necessidade de definir o conteúdo do direito material de
titularidade das partes por meio de um procedimento norteado pela ampla
defesa e pelo contraditório.

Não há outra razão de ser do art. 4º do Decreto nº 20.910, que estabelece


que não corre o prazo prescricional no estudo do reconhecimento ou no
pagamento da dívida pelo poder público:

Art. 4º. Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao


reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem
as repartições ou funcionários de estudar e apurá-la.

Portanto, o instituto da prescrição quinquenal de créditos para com a


fazenda pública tem como fundamento dar segurança às relações jurídicas,
vindo regulado no Decreto nº 20.910 de 1932, que deverá ser observado
pelo Detran-RJ no momento do acerto de contas com a BEST, juntamente
com o fato de que somente com este voto é que as dúvidas quanto à
legalidade foram todas solucionadas.

Voltando à análise do mérito nesta Tomada de Contas, destaco que


os esclarecimentos apresentados pelo ex-Presidente do Detran-RJ e,
principalmente, pela Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda – BEST,
pela primeira vez chamada para se manifestar sobre a ilegalidade dos
termos aditivos nºs 181/05 e 153/06, me fizeram concluir que não houve
nenhuma irregularidade nos pactos sob exame.

Aliás, merece destaque o fato de a extensa defesa apresentada pela BEST


ter sido construída sem nenhum documento probante de suas alegações.
Longe dessa constatação pesar negativamente contra a empresa, verifico
que toda a sua argumentação foi fundamentada em provas extraídas de
outros processos em tramitação nesta Corte, abaixo citados:

1- Processo TCE/RJ nº 109.465-7/2012, referente ao edital de pregão

83
eletrônico nº 018/12, que alterou a modelagem para a prestação de
serviços de reboque e gestão do pátio de estocagem;

2- Documento TCE/RJ nº 15.856-0/2008, referente ao edital de pregão


eletrônico nº 009/08, vencido pela empresa 2007ATA, inserido no processo
nº TCE/RJ nº 107.865-6/2008 – Inspeção Ordinária realizada no Detran-RJ
no período de 03/05 a 13/06/2008 tendo como escopo a verificação da
execução dos serviços objeto do contrato nº 122/04;

3- Processo TCE/RJ nº 104.661-9/2009, referente ao termo aditivo nº 124/08


ao contrato nº 122/04 com a BEST;

4- Processo nº TCE/RJ nº 107.865-6/2008 – Inspeção Ordinária realizada no


Detran-RJ no período de 03/05 a 13/06/08 tendo como escopo a verificação
da execução dos serviços objeto do contrato nº 122/04.

Da leitura das extensas peças apresentadas, verifico que a BEST foi


contratada pelo Estado para prestar os serviços de reboque de veículos,
guarda em pátio por ela administrado e sua devolução aos respectivos
proprietários, no estado no qual foram apreendidos.

A forma de remuneração seria a própria taxa de reboque e as diárias


pela manutenção no pátio, recolhidas diretamente pelos proprietários
à empresa. Caso o veículo fosse liberado por decisão judicial, cabia ao
Detran-RJ o pagamento integral da taxa de reboque e das diárias.

Após 90 dias sem o recolhimento das taxas, os veículos apreendidos


poderiam ir a leilão, que seria organizado pela contratada. Por esse serviço,
a BEST receberia 5% do valor do lance.

Ocorre que o lance vencedor poderia ser insuficiente para o


ressarcimento à BEST de todas as despesas com reboque e guarda dos
veículos, razão pela qual o Detran-RJ complementaria o valor após a
prestação de contas.

Portanto, não havia hipótese prevista em contrato para a prestação de


serviços pela empresa ocorrer sem o devido pagamento, que seria feito
através do próprio proprietário do veículo, diretamente, através do
pagamento das taxas, ou indiretamente através do leilão. E no caso do
lance vencedor não ser suficiente para a quitação junto à contratada, o
Detran-RJ se responsabilizaria pela complementação do valor.

84
Ocorre que, logo no início da execução contratual, verificou-se a existência
de veículos rebocados pela BEST, mantidos em seus pátios, e que eram
impedidos de ir a leilão ou de serem liberados aos seus proprietários por
força de decisões judiciais ou mesmo pela autoridade policial.

É óbvio que, pela prestação de serviços de reboque e pela guarda dos


veículos retidos nos pátios, era devido à BEST o pagamento dos valores
acordados em contrato. O que não estava claro era o momento em que seria
efetuado o pagamento pelo Detran-RJ caso o leilão não fosse permitido.
E como a guarda dos veículos nos pátios era remunerada por diárias, era
preciso definir rapidamente o que fazer para não onerar demasiadamente
o Detran-RJ.

Além disso, também precisava ser definido a quem caberia o reboque de


todos os veículos para o novo pátio, quando o contrato fosse encerrado.
Observei que o contrato original só previa um único reboque do veículo
até o pátio administrado pela contratada. Retirar esse veículo do pátio e
levar para um novo depósito de uma nova empresa contratada seria um
outro serviço a ser prestado.

Conforme dados extraídos da inspeção realizada pelo próprio Tribunal


(processo nº 107.865-6/08), o pátio chegou a ter 6.000 veículos impedidos
de ir a leilão. Reconhecendo o elevado custo para a manutenção deste
pátio, o Detran-RJ, através do pregão nº 018/12, cujo objeto é similar ao
do pacto com a BEST, previu uma despesa com a gestão de um pátio de
estocagem para 6.000 veículos impedidos de ir a leilão, no montante de
cerca de R$ 5,4 milhões por ano.

Creio ser relevante trazer alguns trechos da argumentação apresentada


pela BEST, às fls. 975/1.034:

Como dito, no Estado do Rio de Janeiro, a prestação dos serviços de


remoção e guarda dos veículos apreendidos foi delegada ao particular,
através do Pregão nº 016/2004, que deu origem ao Contrato nº 122/04.
Poucos meses antes, face à urgência na prestação dos serviços, a BEST já
havia sido contratada por dispensa de licitação (contrato 015/04 assinado
em 04/03/2004) pelo prazo de 6 meses, o que será detalhado em tópico
mais adiante. Portanto, após a autoridade de trânsito apreender e ordenar
a remoção do veículo, o particular contratado iniciava a prestação dos
serviços, rebocando-o e colocando-o em um pátio, onde ficaria retido até
a sua liberação.

85
Primeiramente, é fundamental destacar o que consistia a “colocação e
guarda do veículo em um pátio”. Conforme consta no projeto básico,
que será apresentado mais a frente, cabia à empresa contratada manter
o veículo em área confinada, nas mesmas condições encontradas por
ocasião do reboque, protegido quanto a furto, roubo ou incêndio, sendo
gerenciado por sistema informatizado, que permitisse com a máxima
brevidade a sua devolução ao proprietário, após cessadas as razões que
levaram a sua apreensão.

Outro aspecto a ser observado, refere-se à previsão contida no art. 328,


do CTB que autoriza a alienação, através de procedimento de leilão, dos
veículos apreendidos e não retirados dos depósitos públicos pelos seus
proprietários, no prazo de 90 (noventa) dias, o qual se transcreve a seguir:

“Art. 328 – Os veículos apreendidos ou removidos a qualquer título e os


animais não reclamados por seus proprietários, dentro do prazo de noventa
dias, serão levados à hasta pública, deduzindo-se, do valor arrecadado,
o montante da dívida relativa a multas, tributos e encargos legais, e o
restante, se houver, depositado à conta do ex-proprietário, na forma da lei.”

No mesmo Edital de Pregão nº 016/2004, o Detran-RJ também delegou


ao particular os serviços de organização do leilão dos veículos não
reclamados por seus proprietários, previsto na norma acima.

Sendo assim, a Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda foi contratada e


seria remunerada pela execução dos seguintes serviços:

- rebocagem dos veículos até pátios de estocagem;


- guarda dos veículos apreendidos enquanto permanecessem nos pátios e
gestão de sistema de controle; e
- realização de leilão.

A remuneração dar-se-ia pela cobrança pela rebocada dos veículos, pela


cobrança de diárias pela sua guarda e conservação, bem como pela
organização e execução de leilão público dos veículos apreendidos e não
recuperados.

A contraprestação cobrada diretamente pela BEST teria que ser calculada


considerando apenas os valores da efetiva prestação dos serviços ao
proprietário do veículo. Isto é, deveriam ser individualizadas, não havendo
hipótese legal que permitisse o rateio de despesas por eventuais não

86
recolhimentos das “taxas” devidas, como, por exemplo, quando os veículos
eram liberados aos seus proprietários por decisão judicial. Ou quando
permaneciam indefinidamente nos pátios de estocagem por serem
impedidos pela justiça de ir a leilão.

Tais valores foram estabelecidos no Edital de Pregão nº 016/2004 e


incluídos na Cláusula Décima do instrumento contratual em exame. Foram
estipulados valores máximos a serem praticados pela empresa contratada,
os quais se encontram abaixo do teto estipulado na Portaria DETRAN nº
3.250/04, conforme seguem:
Definições:

Tipo de Serviço Valor Unitário em R$


Rebocada (veículos e vans) 64,00
Rebocada (motocicletas) 20,00
Rebocada (ônibus, caminhões e similares) 120,00
Diária em depósito (veículos e vans) 32,00
Diária em depósito (motocicletas) 16,00
Diárias em depósito (ônibus, caminhões
60,00
e similares)
5% do valor arrecadado, a título de
remuneração, a ser debitado do
Leilão
valor destinado aos proprietários,
conforme artigo 328, do CTB.

- Rebocada – Valor a ser pago pelo proprietário do veículo rebocado


quando da retirada do mesmo do depósito;
- Diária - Compreende o valor a ser pago pelo proprietário do veículo
apreendido, referente ao período (contado em dias) em que o veículo
esteve sob a guarda da empresa contratada, no depósito.

Posteriormente, os valores máximos estabelecidos na Portaria nº 3.250/04


foram adequados pela Portaria PRES-DETRAN-RJ nº 3.502, de 07/06/2005,
que passou a adotar os valores utilizados como referência no Edital de
Pregão nº 016/2004. Como a primeira norma, a Portaria PRES-DETRAN-RJ
nº 3.502/05 dispõe sobre a apreensão, reboque, guarda de veículos sem
condições de trafegabilidade, objetos de infração do Código de Trânsito
Brasileiro, e venda de veículos em hasta pública, nos termos do art. 328, do
CTB, e estabelece valores máximos a serem cobrados.

Destacamos a seguir os valores estabelecidos pela Portaria nº 3.250/04,


que, como já mencionado, foram reduzidos para a licitação realizada

87
através do Edital de Pregão nº 016/2004. Pela tabela abaixo podemos notar
que houve a redução de quase 40% na rebocada de motos e nas diárias
para motos e ônibus e caminhões:

Tipo de Serviço Valor Unitário em R$


Rebocada (veículos e vans) 66,00
Rebocada (motocicletas) 33,00
Rebocada (ônibus, caminhões e similares) 120,00
Diária em depósito (veículos e vans) 33,00
Diária em depósito (motocicletas) 33,00
Diárias em depósito (ônibus, caminhões e
98,00
similares)
5% do valor arrecadado, a
título de remuneração, a ser
Leilão debitado do valor destinado
aos proprietários, conforme
artigo 328, do CTB.

Portanto, a forma de remuneração da empresa pelos serviços prestados


seria a seguinte:

- Os valores máximos acima estabelecidos seriam cobrados pela Contratada


diretamente do usuário, que recolheria a importância na rede bancária
através de guias com discriminação dos valores cobrados;

- Pelo leilão dos veículos e após terem sido quitados os débitos relativos a
tributos e multas, e as dívidas com rebocada e diárias, a Contratada receberia
5% (cinco por cento) do valor total apurado nos leilões, descontados do
repasse a ser feito aos proprietários;

- Caso o valor líquido apurado em favor do usuário não comportasse o


pagamento de 5% (cinco por cento) e das dívidas com rebocada e diárias,
o chamado “leilão negativo”, o Detran-RJ pagaria ou complementaria o
valor devido, sendo que possíveis despesas decorrentes do produto dos
leilões correriam à conta do orçamento próprio do Detran-RJ, conforme
estabelecido no Parágrafo 3º, da Cláusula Décima, do referido contrato.
(...)

IV.2 – Os veículos impedidos e o incontroverso desequilíbrio do contrato:

Cuidava-se de modelo operacional inédito no Estado do Rio de Janeiro,


implementado a partir de resolução do CONTRAN conforme explicitado acima.

88
Por isso, ao longo do primeiro ano de contrato ocorreram várias dúvidas
na lógica operacional e também na determinação dos valores a serem
restituídos pelo Detran-RJ e até pelo proprietário, quando por ocasião da
prestação de contas do leilão.

Por sua vez, o Detran-RJ sinalizava para a preocupação com o aumento dos
repasses que fazia à BEST ou que teria que fazer, face ao resultado negativo
dos leilões, à liberação judicial sem ônus para o proprietário e ao crescente
número de veículos impedidos de ir à hasta pública se acumulando nos
pátios, o que aumentava diariamente a dívida com a empresa.

Registre-se que a resolução desta última situação não era simples,


pois, embora o projeto básico reconhecesse que a receita atribuída à
BEST corresponderia à arrecadação proveniente de translado e guarda
dos veículos em depósito, havia uma lacuna contratual atinente ao
procedimento e critérios de cobrança nos casos de veículos impedidos,
conforme se pode verificar abaixo:

(...)

Com efeito, vencido o prazo de 12 meses do Contrato 122/04, o DETRAN e


a BEST celebraram, em 30/08/2005, o Termo Aditivo 181/05, que prorrogou
o prazo de execução dos serviços por mais 12 meses, retificou as hipóteses
de remuneração da CONTRATADA e ratificou as demais cláusulas. Por via
de consequência, a Cláusula Décima (fls. 64 do presente processo) passou
a vigorar com a seguinte redação, devendo ser observado que o termo
aditivo nº 153, assinado em 30/08/2006, manteve as mesmas alterações:

CLÁUSULA DÉCIMA – VALOR DO CONTRATO


Parágrafo 2º - Pelo leilão dos veículos e após terem sido quitados e/ou
desvinculados os débitos relativos a tributos e multas, as dívidas com
rebocada, diárias, publicações em Diário Oficial e jornais de grande
circulação, notificações, taxa de administração, serviço de retirada de
motor, recorte de número de chassi e outras porventura necessárias
à correta efetivação do leilão, a Contratada receberá 5% do valor total
apurado nos leilões, descontado do repasse a ser feito aos antigos
proprietários. (grifos nossos)
Parágrafo 3º - O DETRAN pagará as despesas abaixo relacionadas, ou
complementará o valor devido à Contratada, à conta de seu orçamento
oportunamente especificado
I – As despesas mencionadas no caput deste parágrafo são as seguintes:

89
a) Indenizações de reparos feitos em veículos leiloados e posteriormente
recomprados;
b) 5% (cinco por cento) de comissão, caso o valor líquido apurado em favor
do usuário não comporte;
c) Despesas de rebocada e 1/3 das diárias dos veículos impedidos de
leilão após 90 (noventa) dias de sua apreensão. (grifos nossos)

Em resposta aos questionamentos referentes à Cláusula Décima, parágrafo


3º, I, c, importante consignar os seguintes pontos:

1 - Foram inúmeras as vezes que surgiram dúvidas e soluções para os


problemas operacionais encontrados não previstos especificamente no
projeto básico, mas que precisavam solução urgente;

2 - Tornou-se imprescindível estabelecer o momento no qual o Detran-


RJ pagaria à BEST pelos serviços de reboque e pelas diárias dos veículos
retidos no pátio sem qualquer previsão de retirada. A CONTRATADA chegou
a propor que o Detran-RJ devolvesse os veículos com restrição judicial
ao proprietário, nomeando-o fiel depositário, pois o valor das diárias seria
altíssimo. De qualquer forma, o Detran-RJ só ficaria desobrigado de pagar
à BEST após a retirada do pátio. Ou seja, teria que gastar mais um reboque
e o aluguel de uma área para armazenamento de cerca de 6.000 veículos;

3 - Não havia previsão de quem seria o responsável pela retirada do


veículo e o seu transporte até o pátio da nova empresa contratada, após o
encerramento do pacto com a BEST;

4 - Não há nenhuma hipótese na qual a empresa prestaria os serviços com


ônus para ela. A única situação sem ônus é para o proprietário (art. 8º, par.
único da Portaria), caso o veículo fosse liberado judicialmente. Nesse caso,
a remuneração seria responsabilidade do Detran-RJ, que pagaria à BEST;

5 - O projeto básico previa expressamente no item 1 que à Best, além do


reboque, caberia a guarda dos veículos até a sua recuperação por parte de
seus proprietários. Ora, se os proprietários não recuperaram seus veículos
por força de decisões judiciais, por arresto, por sequestro, por penhora ou
qualquer ato judicial ou de ordem dos órgãos de segurança pública, a BEST
continuava a prestar o serviço de guarda e deveria ser remunerada pelo
Detran-RJ. Pensar diferente é considerar legal o enriquecimento sem
causa da Administração Pública, tese inadmissível no Estado de Direito.
Consagrando tal entendimento, o próprio projeto básico, no item 11.b,

90
previa o pagamento de R$ 239.500,00 por mês se não fosse realizada
nenhuma operação de reboque, reconhecendo o elevado custo para a
manutenção da estrutura montada;

6 - Tais situações de impedimento foram, inclusive, previstas no item 10.2


do projeto básico, devendo ser apresentada a definição legal para algumas
das expressões utilizadas, comprovando sim que havia previsão contratual
para o pagamento pelo Detran-RJ de veículos não retirados por decisões
judiciais:

Arresto: apreensão de quaisquer bens de um devedor necessário à garantia


de dívida líquida e certa.

Sequestro: é a apreensão judicial de um determinado bem, objeto de uma


lide.

Penhora: ato judicial pelo qual se tomam os bens do devedor.

(...)

Diante do exposto bem como das previsões contratuais, do projeto básico


e das normas que vedam o enriquecimento sem causa da administração é
irrefutável o direito da BEST de receber a integralidade das diárias enquanto
o veículo impedido estivesse sob a sua guarda.

Mesmo assim e a bem do interesse público, a empresa cedeu ao pleito do


Detran-RJ e aceitou limitar a cobrança a 1/3 de todas as diárias devidas.
Em contrapartida, os veículos permaneceriam sob a sua guarda até o fim do
contrato, fazendo com que o Poder Público economizasse com uma nova
taxa de reboque e o aluguel de um novo pátio, além de outras despesas
para a gestão.

Ou seja, a cláusula décima, parágrafo 3º, “c”, introduzida pelo novo


aditivo não criou uma nova forma de remuneração. Apenas estabeleceu
o momento em que a BEST deveria emitir a nota fiscal para a cobrança
de um serviço que havia sido prestado e que não poderia ser remunerado
pelo proprietário do veículo, mesmo através do leilão, impedido de ser
realizado. E ainda retirou da BEST o legítimo direito de cobrar por 100% do
tempo em que o veículo permaneceu sob sua responsabilidade.

Como se vê, é insofismável a conclusão de que não há qualquer ilegalidade

91
na alteração do parágrafo 3º da cláusula décima terceira à medida que a
BEST estava impedida de promover leilões por razões alheias a sua vontade,
chegando a ter mais de 6.000 veículos sob a sua guarda, nestas condições,
conforme apontado em inspeção realizada pelo próprio TCE/RJ.
(...)

IV.5 – Os reparos feitos em veículos leiloados e posteriormente recomprados:

Por último, ainda resta a questão da ilegalidade da cláusula décima, parágrafo


3º, “a”, que previa a possibilidade de “Indenizações de reparos feitos em
veículos leiloados e posteriormente recomprados” introduzida também pelo
novo aditivo. Ora, foi criada uma nova prestação de serviços: a execução de
reparos nos veículos para aumentar o valor de venda nos leilões.

Observa-se que, inicialmente, o Detran-RJ considerou que tal serviço


poderia ser remunerado pela maior arrecadação que a BEST teria com a
taxa de leilão (5% do arremate). Contudo, apesar de incomuns, ocorriam
situações nas quais, após o leilão, não era possível a regularização da
documentação, o que impedia a sua entrega ao arrematante, que já havia
efetuado o pagamento.

Assim, a BEST deveria ‘RECOMPRAR” o veículo do arrematante. Nesta


hipótese e somente nesta, a BEST deveria ser ressarcida pelo Detran-RJ
pelo serviço de reforma que prestou, e que acabou não remunerado com
a realização do leilão.

Ora, tal acréscimo de serviços com a consequente remuneração é


perfeitamente legal, e previsto no artigo 65, parágrafo 1º, abaixo transcrito:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as
devidas justificativas, nos seguintes casos:

I - unilateralmente pela Administração:


a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para
melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de
acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos
por esta Lei;
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou

92
serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação
técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição
de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada
a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro
fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens
ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre
os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de
sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado,
ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições


contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços
ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do
contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento,
até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.”

Portanto, as alterações promovidas através dos termos aditivos nºs


181/05 e 153/06 são perfeitamente legais e legítimas, devendo a BEST
receber integralmente o valor de R$ 548.416,00, referente as 4 notas
fiscais questionadas, além de todos os demais créditos da BEST, retidos
ilegalmente pelo Estado que serão detalhados no item VI.

(...)”

Face à análise dos argumentos apresentados, concluo que os dois


primeiros termos aditivos com a BEST, que esta Corte considerou ilegais,
apenas tornaram mais claras cláusulas estabelecidas no projeto básico e
no contrato nº 122/04 original. Todas as despesas são legítimas e geradas
pelo desempenho operacional dos serviços contratados. Ou seja, à BEST
era devido o pagamento pelo reboque dos veículos e pela sua gestão nos
Enriquecimento sem causa –
pátios de estocagem, independente do momento de sua retirada. Pensar Ganho não proveniente de causa
de forma diferente seria considerar legal o enriquecimento sem causa da justa. Aumento do patrimônio
sem qualquer fundamento
Administração Pública. jurídico, em detrimento do de
outrem. Locupletamento à custa
alheia. (Fonte: Dicionário Jurídico,
Assim, concluo que os termos aditivos nºs 181/05 (processo nº 114.784-1/05) Maria Helena Diniz)

93
e 153/06 (processo nº 112.645-7/06), julgados ilegais por esta Corte em
sessão de 19/08/2008, devem ser agora conhecidos.

Processualmente, não vejo dificuldade em propor tal decisão já que,


como bem apontado pela própria empresa em sua defesa, ela “NUNCA
foi chamada aos autos, apesar de ser interessada na decisão, que
acabou ocasionando enormes prejuízos financeiros à companhia, pois o
julgamento pela ilegalidade dos dois termos aditivos acabou por levar à
retenção de créditos líquidos e certos”.

Considerando que a falta de uma oportunidade da contratada, para contraditar


as alegações levantadas nos autos, poderia gerar evidentes prejuízos à esfera
jurídica da terceira interessada pelos atos sob exame, deveria esta Egrégia
Corte ter convocado a BEST a apresentar suas razões de defesa.

Sob este aspecto, veja-se entendimento paradigmático do egrégio


Supremo Tribunal Federal:

“O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou


sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX,
para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do
contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou.

II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de


contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal
e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados,
a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as
intervenções cabíveis.

Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou


injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em
começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se
desse ciência de sua instauração: nulidade.

Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório


e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do
processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a
produção de provas; de outro lado, se impõe a garantia do devido processo
legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável
que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de
controle do Tribunal de Contas, de colorido quase jurisdicional.

94
A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam
previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer
modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação
subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (L. 9.784/99),
que assegura aos administrados, entre outros, o direito a “ter ciência da
tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de
interessado, ter vista dos autos (art. 3°
, II), formular alegações e apresentar
documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo
órgão competente.

A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia


à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso,
mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo
plenário do TCU, de que emanou a decisão”. (MS 23.550/DF – Min.
Sepúlveda Pertence)”.

Portanto, concordo com o argumento da empresa quando afirma que


“é flagrante a nulidade do procedimento administrativo desta Corte
pelo simples fato de não ter sido chamado aos autos como interessado,
uma vez que a declaração de ilegalidade atingiu contrato em vigor,
envolvendo prestação de serviços ao Estado de natureza complexa,
com altos custos envolvidos e que não poderiam sofrer solução de
continuidade”.

Assim, entendo presente a “querela nulitattis” ou seja a impugnação da


regularidade do processo e da validade de todos os seus atos haja vista
a ocorrência de nulidade absoluta, já que foram desrespeitadas garantias
fundamentais amplamente asseguradas em precedentes do STF e do STJ:
“sempre que a decisão administrativa afetar interesses de particulares, é
imprescindível a observância do contraditório e da ampla defesa para que
se aprecie a nulidade do processo licitatório”.

Segundo entendimento dos Tribunais Superiores, “mesmo que haja


fortes indícios de ilegalidade do certame público, não há inutilidade
na prévia oitiva das partes interessadas, pois não se pode afastar a
hipótese, ainda que remota, de surgirem novos esclarecimentos
que afetem o juízo decisório”. “O exercício diferido do direito ao
contraditório e à ampla defesa apenas deve ser admitido em situações
devidamente justificadas, em razão do perigo na demora inerente às
tutelas de urgência, de modo a se preservar a utilidade e a efetividade
da medida constritiva adotada”.

95
Processo: RMS 27440 / AL
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2008/0162592-2
Relator(a): Ministro CASTRO MEIRA (1125)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 08/09/2009
Data da Publicação/Fonte: DJe 22/09/2009

Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEILÃO
DE DIREITOS CREDITÓRIOS E ATIVOS IMOBILIÁRIOS. ATO DE ANULAÇÃO
DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. SÚMULAS 346 E 473/STF. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
NÃO OBSERVÂNCIA. PAGAMENTO JÁ EFETUADO PELO PARTICULAR.
ILEGALIDADE DO ATO IMPUGNADO.

1. O mandamus foi impetrado contra ato do Governador do Estado de


Alagoas que, sem a prévia oitiva do licitante vencedor do certame, anulou
procedimento licitatório referente à alienação de ativos imobiliários e
direitos creditórios oriundos das carteiras imobiliárias do Instituto de
Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Alagoas
- IPASEAL -, cujo pagamento já foi efetuado pela empresa recorrente e
a quantia correspondente transferida aos cofres do Tesouro Estadual.
O Tribunal de Justiça de Alagoas reconheceu que, mesmo sem ter
sido observado prévio contraditório e ampla defesa, é inevitável o
reconhecimento da nulidade do certame, ante as várias irregularidades
detectadas no procedimento de cessão de créditos.

2. Ao mesmo passo que a Constituição da República impõe à Administração


Pública a observância da legalidade, conferindo-lhe o dever-poder de
autotutela, atribui aos litigantes, em geral, seja em processos judiciais seja
administrativos, a obediência à garantia fundamental do contraditório e
da ampla defesa (art. 5º. LV). Entretanto, não se deve confundir o poder de
agir de ofício, ou seja, de iniciar um procedimento independentemente de
provocação das partes, com a tomada de decisões sem a prévia oitiva dos
interessados. É nesse contexto, portanto, que se inserem os enunciados
das Súmulas 346 e 473/STF.

3. O contraditório e a ampla defesa devem ser compreendidos como a


garantia conferida constitucionalmente aos indivíduos em geral de ter
ciência da instauração do feito, participar do processo, produzir provas
e influenciar o órgão julgador na formação do juízo de mérito acerca do
caso analisado. Nesse sentido, confira-se o seguinte excerto do voto do
Ministro Adylson Mota, do Tribunal de Contas da União: “ou se admite que

96
o contraditório reclamado é condição necessária para um juízo seguro
quanto à correção do ato ou contrato, ou se o considera como procedimento
eventualmente inócuo (ou, no máximo, meramente acessório), o que
afastaria sua obrigatoriedade. E esta última solução afrontaria a Lei Maior,
em seu art. 5º, inciso LV. Note-se: a fixação do momento da oitiva – se
antes ou depois da decisão desta Corte de Contas -, não é uma questão
meramente operacional, mas, sob o aspecto jurídico, uma condição sine
qua non à formulação de um juízo legítimo sobre a regularidade do ato em
exame” (Acórdão nº 1.531/2003, Plenário do TCU, DOU 23.10.2003).

4. Sempre que a decisão administrativa afetar interesses de particulares,


é imprescindível a observância do contraditório e da ampla defesa para
que se aprecie a nulidade do processo licitatório. Precedentes do STF e do
STJ. Conseqüentemente, mesmo que haja fortes indícios de ilegalidade
do certame público, não há inutilidade na prévia oitiva das partes
interessadas, pois não se pode afastar a hipótese, ainda que remota, de
surgirem novos esclarecimentos que afetem o juízo decisório, a exemplo
da comprovação de que os vícios apontados não trouxeram prejuízos ao
interesse público.

5. A impetração da ação mandamental não é suficiente para convalidar


o ato administrativo que violou as referidas garantias, porquanto se trata
de procedimento instaurado após a tomada da decisão administrativa
prejudicial aos interesses do particular, de natureza especial, com instrução
probatória bastante limitada e que, no caso em concreto, destinou-se
precipuamente a impugnar um ato administrativo viciado, por ter anulado
um certame licitatório sem o devido processo legal.

6. O exercício diferido do direito ao contraditório e à ampla defesa apenas


deve ser admitido em situações devidamente justificadas, em razão do
perigo na demora inerente às tutelas de urgência, de modo a se preservar
a utilidade e a efetividade da medida constritiva adotada.

7. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.

Nesse mesmo sentido, o próprio STF já se fixou entendimento na Súmula


Vinculante 03:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório


e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade
do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Neste contexto, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro já


97
manifestou seu entendimento sobre o tema acima exposto, como, por
exemplo, nos processos nºs 226.952-1/2006 (sessão de 19.07.2011),
228.270-1/2009 (sessão de 21.08.2012), 224.913-2/2010 (sessão de
18.10.2011), 103.716-3/2009 (sessão de 14.12.2010) e 200.257-6/2011
(sessão de 05.07.2012).

Vale a pena destacar que a decisão apontada neste último processo se


deu em sede de recurso de revisão, tendo o Plenário reconsiderado o
julgamento que declarou ilegal ato de dispensa de licitação firmado
entre a Prefeitura Municipal de Barra Mansa e a Caixa Econômica Federal
para a prestação de serviços bancários. Neste novo julgamento, assim se
manifestou o Conselheiro Relator:

“III - Pelo CONHECIMENTO e PROVIMENTO PARCIAL do Recurso de Revisão,


interposto pela Caixa Econômica Federal, tão somente para anular a decisão
desta Corte proferida em 25.05.2010, visando garantir-lhe o contraditório e
a ampla defesa, conforme fundamentos constantes deste voto;”

Assim sendo, como a BEST nunca foi chamada para se manifestar quanto
às irregularidades apontadas nos termos aditivos nºs 181/05 (processo TCE
nº 114.784-1/2005) e 153/06 (processo TCE nº 112.645-7/2006), senão no
presente processo, é preciso anular a decisão aprovada em voto proferido
em 19/08/2008, tão somente na parte que julgou ilegal os referidos pactos.

O remédio para tal vício é ainda, em nossa jurisprudência, denominado


querela nullitatis insanabilis, em homenagem à denominação que recebia
no direito bárbaro. A querela nullitatis, ainda que tenha origem bárbara e
não se encontre expressamente prevista no direito positivo brasileiro, está
bem viva em nossa jurisprudência. Cito julgado que apresenta o remédio
jurídico para corrigir a decisão anterior:

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO


NECESSÁRIO. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. REJEIÇÃO.
CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. AUSÊNCIA. HIPÓTESE DE QUERELLA
NULITATIS. ARGÜIÇÃO POR SIMPLES PETIÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. As hipóteses excepcionais de desconstituição de acórdão transitado


em julgado por meio da ação rescisória estão arroladas de forma taxativa
no art. 485 do Código de Processo civil. Pelo caput do referido dispositivo
legal, evidencia-se que esta ação possui natureza constitutiva negativa,
que produz sentença desconstitutiva, quando julgada procedente. Tal

98
ação tem como pressupostos (i) a existência de decisão de mérito com
trânsito em julgado; (ii) enquadramento nas hipóteses taxativamente
previstas; e (iii) o exercício antes do decurso do prazo decadencial de dois
anos (CPC, art. 495).

2. O art. 485 em comento não cogita, expressamente, da admissão da ação


rescisória para declaração de nulidade por ausência de citação, pois não
há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em
que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. É que
nessa hipótese estamos diante de uma sentença juridicamente inexistente,
que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Falta-lhe, portanto,
elemento essencial ao cabimento da rescisória, qual seja, a decisão de
mérito acobertada pelo manto da coisa julgada. Dessa forma, as sentenças
tidas como nulas de pleno direito e ainda as consideradas inexistentes,
a exemplo do que ocorre quando proferidas sem assinatura ou sem
dispositivo, ou ainda quando prolatadas em processo em que ausente
citação válida ou quando o litisconsorte necessário não integrou o polo
passivo, não se enquadram nas hipóteses de admissão da ação rescisória,
face a inexistência jurídica da própria sentença porque inquinada de vício
insanável.

3. Apreciando questão análoga, atinente ao cabimento ou não de ação


rescisória por violação literal a dispositivo de lei no caso de ausência de
citação válida, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
já se posicionaram no sentido de que o vício apontado como ensejador
da rescisória é, em verdade, autorizador da querela nullitatis insanabilis.
Precedentes: do STF - RE 96.374/GO, rel. Ministro Moreira Alves, DJ de
30.8.83; do STJ - REsp n. 62.853/GO, Quarta Turma, rel. Min. Fernando
Gonçalves, unânime, DJU de 01.08.2005; AR .771/PA, Segunda Seção, Rel.
Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 26/02/2007.

4. No caso específico dos autos, em que a ação tramitou sem que houvesse
citação válida do litisconsórcio passivo necessário, não se formou a relação
processual em ângulo. Há, assim, vício que atinge a eficácia do processo em
relação ao réu e a validade dos atos processuais subsequentes, por afrontar
o princípio do contraditório. Em virtude disto, aquela decisão que transitou
em julgado não atinge aquele réu que não integrou o polo passivo da
ação. Por tal razão, a nulidade por falta de citação poderá ser suscitada por
meio de ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada
querela nullitatis, ou, ainda, por simples petição nos autos, como no caso
dos autos.

99
5. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1105944/SC, 2008/0259892-7, Relator Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 08/02/2011)

Por último, deve ser dada ciência desta decisão à Auditoria Geral do Estado
- AGE e ao Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro - Detran-
RJ para as providências devidas, quanto ao cancelamento de inscrições na
conta “Diversos Responsáveis”.

Assim sendo, face ao acima exposto e parcialmente de acordo com o Corpo


Instrutivo e o douto Ministério Público Especial junto ao TCE-RJ,

VOTO:

I - Pela CIÊNCIA AO PLENÁRIO dos elementos encaminhados pelos Srs.


Fernando Avelino B. Vieira, por meio do documento TCE-RJ nº 20.870-6/13;
Gustavo Carvalho dos Santos, por meio do documento TCE-RJ nº19.000-
4/13; e pela Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. – BEST, por meio do
documento TCE-RJ nº 26.412-2/13;

II – Pela REGULARIDADE DAS CONTAS, dando-se QUITAÇÃO PLENA ao Sr.


Gustavo Carvalho dos Santos, com base no inciso I do artigo 20 c/c o artigo
21, ambos da Lei Complementar Estadual nº 63/90;

III – Pelo CONHECIMENTO dos termos aditivos nºs 181/05 (processo


nº 114.784-1/05) e 153/06 (processo nº 112.645-7/06), anulando-se a
decisão desta Corte ocorrida em sessão de 19/08/2008, nos mesmos
processos, tão somente quanto ao julgamento pela ilegalidade dos
pactos;

IV - Pela CIÊNCIA ao atual Auditor-Geral do Estado e ao Presidente


do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro - Detran
do inteiro teor deste voto e, em especial, para que, por meio de seus
agentes competentes, providencie, em seus registros contábeis, a baixa
da responsabilidade relativa às apurações levadas a efeito no presente
processo, em atendimento ao Plano de Contas do SIAFEM/RJ (conta
“Diversos Responsáveis”);

V - Pela DESAPENSAÇÃO dos processos sobrestados até a decisão definitiva


do presente, TCE-RJ nos 103.100-2/06, 103.081-0/06, 105.396-7/06, 105.541-
4/06, 106.884-3/07, 110.709-3/05, 103.110-7/06, 105.921-8/06, 105.358-

100
5/06, 105.584-6/06, 105.934-5/06, 105.940-4/06, 105.941-8/06, 105.953-
1/06 e 115.649-2/05, referentes a Termos de Reconhecimento de Dívida, e
o posterior ENCAMINHAMENTO ao Corpo Instrutivo para prosseguimento
da análise.

101
José Gomes Graciosa
ATO DE DISPENSA DE LICITAÇÃO* Quando a
Administração,
por desídia ou com
Trata o presente processo do Ato de Dispensa de Licitação, fundamentado
intenção deliberada,
no inciso IV do art. 24 da Lei Federal nº 8.666/93, formalizado pelo Estado não adota
do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Educação, em favor providências cabíveis
da empresa Facility Central Serviços Ltda., cujo objeto é a contratação de para a realização
serviços de limpeza, asseio e conservação, incluindo serviços de limpeza de procedimento
de caixa d’água, desratização e desinsetização, com prazo de 180 (cento licitatório com a
e oitenta) dias e despesa decorrente de R$ 12.170.347,02 (doze milhões, devida antecedência,
ou, ainda, adota
cento e setenta mil, trezentos e quarenta e sete reais e dois centavos).
procedimentos
licitatórios
Tramita, junto a este, o processo que versa sobre o Contrato n.º 29/12, ineficientes,
decorrente do presente Ato de Dispensa de Licitação, para o qual apresento gerando a extrema
voto nesta mesma Sessão Plenária. necessidade para
a contratação,
O Corpo Instrutivo, após a devida análise às fls. 87/89, assim se posiciona: caracteriza burla ao
dever de licitar.
1. NOTIFICAÇÃO ao Sr. Wilson Risolia, Secretário de Estado de Educação,
signatário do ato em exame, nos termos do § 2º do art. 6º da Deliberação TCE-
RJ nº 204/96, para que apresente razões de defesa quanto as seguintes aspectos:

- contratação de mão de obra terceirizada para desempenho de atividades


afetas a cargos existentes nos quadros da SEEDUC, constituindo burla à
exigência constitucional do concurso público, como preconizado no art.
37, inc. II, da CFRB/88.

2. COMUNICAÇÃO ao atual Secretário de Estado de Educação, nos termos


do §1º do art. 6º da Deliberação TCE-RJ nº 204/96, para que atenda a
seguinte determinação:

- em futuras publicações de atos na imprensa oficial, observar o disposto


nos incisos II a V do artigo 1º da Lei 3.088/98.

O douto Ministério Público Especial, representado pelo Procurador Sergio


Paulo de Abreu Martins Teixeira, manifesta-se no mesmo sentido, à fl. 127.

É o relatório.

Cumpre, preambularmente, destacar que o presente Ato de Dispensa


de Licitação foi fundamentado no inciso IV, art. 24 da Lei Federal n.º
8.666/1993, que dispõe: *Voto aprovado por unanimidade.

103
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando
caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar
prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços,
equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os
bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa
e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo
máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados
da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos
respectivos contratos;

Concernentemente ao conceito de “emergência”, cabe trazer à presente


fundamentação o ensinamento do professor Marçal Justen Filho:

Observe-se que o conceito de emergência não é meramente ‘fático’.


Ou seja, emergência não simplesmente uma situação fática anormal. A
emergência é um conceito relacional entre a situação fática anormal e a
realização de certos valores. (...) A emergência consiste em ocorrência
fática que produz modificação na situação visualizada pelo legislador
como padrão. A ocorrência anômala (emergência) conduzirá ao sacrifício
de certos valores se for mantida a disciplina jurídica estabelecida como
regra geral. A situação emergencial põe em risco a satisfação dos valores
buscados pela própria norma ou pelo ordenamento em seu todo.

No caso específico das contratações diretas, emergência significa


necessidade de atendimento imediato a certos interesses. Demora em
realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores tutelados pelo
ordenamento jurídico. Como a licitação pressupõe certa demora para
seu trâmite, submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria
a concretização do sacrifício a esses valores. (JUSTEN FILHO, Marçal.
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Dialética, 12ª
edição, 2008, p. 292)

Assim, são dois os pressupostos da contratação direta: a efetiva existência


da potencialidade do dano e a demonstração de que a contratação direta
é a forma mais adequada para extinguir o risco.

Contudo, nas dispensas de licitação fundamentadas no inciso IV, do


art. 24 da Lei Federal n.º 8.666/1993, deve ser verificada a ocorrência do
que se denomina “emergência ou urgência fabricada”, situação na qual
a Administração, por desídia ou com intenção deliberada, não adota
providências cabíveis para a realização de procedimento licitatório

104
com a devida antecedência ou, ainda, adota procedimentos licitatórios
ineficientes, gerando a extrema necessidade para a contratação, fato que
caracteriza burla ao dever de licitar.

O Tribunal de Contas da União, evoluindo seu entendimento sobre o


tema, vem manifestando-se pela possibilidade de realizar a contratação
direta nos casos de “urgência/emergência fabricada”, para que não
seja afetado mais ainda o interesse público, alertando, contudo, para
necessidade de responsabilização da conduta do agente público que não
adotou tempestivamente as providências cabíveis, gerando a situação
emergencial.

Verifica-se entendimento neste sentido, na ementa do Acórdão TCU n.º


3521/2010 - 2ª Câmara, disponibilizada no Informativo de Jurisprudência
sobre Licitações e Contratos do TCU, edição nº 24, referente às sessões
realizadas em 6 e 7 de julho de 2010:

Contratação emergencial decorrente da desídia administrativa


Representação oferecida ao TCU apontou possíveis irregularidades
na “contratação emergencial de empresa para prestação de serviços
de gestão de sistemas de informação pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM”. O Diretor-Geral e o Diretor de Administração
foram chamados em audiência em razão da suposta “não adoção de
providências cabíveis para que fosse promovido o procedimento licitatório
com a devida antecedência, o que teria evitado duas contratações
emergenciais consecutivas da empresa Montana Soluções Corporativas
Ltda. e, posteriormente, da empresa CPM Braxis, para a prestação de
serviços técnicos especializados em informática”. A unidade técnica
propôs a rejeição das justificativas apresentadas pelos responsáveis,
com a consequente aplicação de multa, por entender que a situação de
emergência teria resultado, na verdade, da morosidade na condução do
certame, o que acarretara as contratações emergenciais. Em seu voto, o
relator frisou que a proposta da unidade instrutiva baseava-se “em antiga
jurisprudência deste Tribunal, Decisão n.º 347/94 - Plenário, segundo a qual
a dispensa de licitação é cabível desde que a situação adversa, dada como
de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou
Desídia – do latim desidia,
parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má de desidere (estar ocioso),
gestão dos recursos disponíveis”. No entanto, o relator chamou a atenção é tido, na terminologia
jurídica como o desleixo, a
para o fato de que “a jurisprudência desta Corte de Contas evoluiu, mediante desatenção, a indolência.
(SILVA, De Plácido e.
Acórdão n.º 46/2002 - Plenário”, no sentido de que também é possível a Vocabulário Jurídico. 30. ed.
contratação direta quando a situação de emergência decorre da falta de Rio de Janeiro: Forense, 2013)

105
planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos
públicos, devendo-se analisar, para fim de responsabilização, a conduta
do agente público que não adotou tempestivamente as providências
cabíveis. (Acórdão n.º 3521/2010-2ª Câmara, TC-029.596/2008-2, rel. Min.
Benjamin Zymler, 06.07.2010). (grifei)

Despertaram-me estranheza as justificativas apresentadas para a


celebração do presente Ato de Dispensa de Licitação, notadamente as
constantes às fls. 83/88, da qual extraímos o texto que segue:

Além disso, os contratos de limpeza e conservação atualmente vigentes


são decorrentes do Pregão SEEDUC n.º 14/2006, os quais se vigoram
desde 23 de junho e 31 de julho de 2006 já possuem duração contratada
de 72 (setenta e dois) meses com fulcro parágrafo quarto do art. 57 da
Lei Federal nº 8.666/93 visto que foi verificada, durante este período, a
essencialidade e, consequente, continuidade na prestação dos serviços
contratados. Estes serviços serão novamente licitados, pois existe a
necessidade de alterar, principalmente, a métrica de contratação dos
serviços, descaracterizando a terceirização de mão de obra. Para tanto,
foi aberto o processo administrativo nº E-03/12746/2011 (contratação de
serviços de limpeza em ambiente escolar).

Apesar de ter sido apresentada justificativa para a prorrogação


excepcional em junho de 2011 em outros processos apontando a demora
nos trâmites processuais para instalação dos procedimentos licitatórios
e o pequeno prazo para conclusão do certame como um dos fatores para
a excepcionalidade solicitada, cabe-nos informar que se repete a mesma
justificativa. Entretanto, cumpre-nos elucidar os motivos da repetição
dos mesmos fatores tendo em vista que a licitação para substituir os
atuais contratos não foi concluída.

Primeiramente, esclarecemos que houve a necessidade de modificar


o modelo de contratação apresentado anteriormente por exigência
do Procurador do Estado Dr. Gabriel Pacheco Ávila nos processos
administrativos nº E-03/3464/2011, E-03/5657/2011 e E-03/5658/2011,
conforme cópia do Parecer ASJUR/SEEDUC n.º 206/2011 - GAV e Parecer
ASJUR/SEEDUC 423/2009 - GPA. Com isto, os administrativos acima
mencionados foram arquivados e foi aberto, em 26 de outubro de 2011,
outro processo, já citado acima, para contratar os serviços de limpeza
com o objetivo de atender às demandas das unidades de ensino da Rede
Pública. Este novo modelo foi largamente apresentado para os órgãos de

106
controle externo em inúmeras reuniões realizadas para a aprovação como
substituição do atualmente contratado.

Com a elaboração e aprovação do novo Termo de Referência (TR), o


mesmo foi inserido no SIGA para pesquisa de mercado após as adequações
do referido sistema de modo que o mesmo aceitasse as peculiaridades
que o projeto trazia. Estas alterações levaram certo tempo para serem
concluídas tendo em vista o envolvimento de outra Pasta (Secretaria de
Planejamento e Gestão - SEPLAG) e a complexidade do processo técnico.

Depois desses trâmites, o processo passou por todas as etapas até a


marcação da data da licitação, a qual foi determinada para o dia 19 de abril
de 2012. Contudo, após a publicação da licitação, o Termo de Referência
e seu respectivo Edital sofreram impugnações e algumas tinham razões
no pedido. Assim sendo, a licitação foi suspensa e o TR foi revisto para que
a licitação fosse remarcada.

No entanto, tendo em vista o tempo necessário para os trâmites


processuais decorrentes para instauração dos procedimentos licitatórios,
atrelado ao exíguo prazo para a conclusão do certame, que se dará
quando da formalização do contrato administrativo, restou claro para a
Administração que a nova contratação não ocorrerá até 22 de junho de
2012. (grifei)

Observa-se que, após prorrogações e decorridos os 60 meses de duração


do contrato, na forma permitida pelo inciso II, do art. 57 da Lei Federal
n.º 8.666/1993, adicionado de excepcionais 12 meses, previstos no § 4º
do art. 57 da mesma lei, ou seja, após 72 meses de vigência do contrato
anterior, a SEEDUC não conseguiu promover adequadamente um
procedimento licitatório.

Não restam dúvidas, a meu ver, que a situação emergencial alegada não
pode ser vista como situação excepcional, imprevisível e alheia à vontade
do administrador, uma vez que esta tese nos levaria ao entendimento Termo de referência –
documento que deverá
de que a Lei Federal n.º 8.666/1993 e os procedimentos licitatórios são
conter elementos capazes de
instrumentos fadados ao fracasso. propiciar a avaliação do custo
pela Administração, diante
de orçamento detalhado,
considerando os preços
Assim, entendo que o jurisdicionado deverá apresentar razões de defesa praticados no mercado, a
pela não realização de procedimento licitatório válido, apesar de decorridos definição dos métodos, a
estratégia de suprimento
72 meses da última licitação finalizada para o objeto do presente Ato de e o prazo de execução do
contrato. (Decreto n°3.555,
Dispensa de Licitação emergencial. de 08/05/2000, art. 8°, II)

107
No que tange ao princípio da economicidade, destaca-se a criteriosa
manifestação da CEA, cujo trecho segue abaixo transcrito:

A dificuldade de análise da economicidade do contrato radica na imprecisão


do “projeto básico”, ou da definição do objeto (artigo 7º, § 9º da Lei nº
8.666/93), que não descreve eventuais categorias profissionais incluídas,
não elenca os serviços pormenorizadamente, não indica a periodicidade
de sua realização e, finalmente, menciona (fls. 95/98), mas não apresenta,
a memória de cálculo que fundamenta os quantitativos pactuados. Não
há uma alocação dos funcionários contratados a determinada unidade
de ensino, suas atribuições ou regime das escalas, enfim, elementos
que indiquem serem as quantidades contratadas de, essencialmente,
esse único item, adequadas. Sem esse detalhamento, a planilha de fls.
33 torna-se mera referência genérica, insuscetível de controle quanto à
legalidade, economicidade e eficiência, em termos de execução contratual
e, sobretudo, de liquidação da despesa.

Constata-se que fatos relevantes, como a ausência de projeto básico


adequado, a ausência de memória de cálculo dos quantitativos estimados,
a ausência de definição dos serviços e a sua periodicidade de realização,
fazem da planilha, como bem destacou a manifestação do Corpo Instrutivo,
mera referência genérica.

Destaca-se, portanto, que as impropriedades acima afrontam o disposto


nos §§ 2º e 9º do art. 7º da Lei Federal n.º 8.666/93, que estabelecem o
que segue:

Art. 7º - (...)

(...)
§ 2º - As obras e serviços somente poderão ser licitados quando:
I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível
para exame dos interessados em particular do processo licitatório;
II – existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição
de todos os seus custos unitários;
(...)

§ 9º - O disposto neste artigo aplica-se também, no que couber, aos casos


de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

Para que não pairem dúvidas quanto à aplicabilidade do dispositivo para

108
outros serviços que não os de engenharia, cumpre ressaltar entendimentos
do Tribunal de Contas da União no mesmo sentido:

Anexe aos instrumentos convocatórios para aquisição de produtos


e contratação de serviços o orçamento estimado em planilhas de
quantitativos e preços unitários, ressalvada a modalidade pregão, cujo
orçamento deverá constar obrigatoriamente do termo de referência,
ficando a critério do gestor, no caso concreto, a avaliação da oportunidade
e conveniência de incluir tal termo de referência ou o próprio orçamento no
edital ou de informar, nesse mesmo edital, a disponibilidade do orçamento
aos interessados e os meios para obtê-los.

Defina o objeto de forma precisa, suficiente e clara, não se admitindo


discrepância entre os termos do edital, do termo de referência e da minuta
de contrato, sob pena de comprometer o caráter competitivo do certame,
em atendimento aos arts. 3º, inciso II, e 4º, inciso III, da Lei nº 10.520/2002
c/c art. 8º, inciso I, do Decreto nº 3.555/2000.

Acórdão 531/2007 Plenário

Detalhe o valor estimado para o contrato em planilhas que expressem


todos os custos envolvidos, nos termos do art. 7º, § 2º, inciso II, da Lei nº
8.666/1993.

Acórdão 2553/2007 Plenário

Inclua nos processos licitatórios, em atenção ao disposto no art. 7º, § 2º, I,


da Lei nº 8.666/1993, bem assim de dispensa e inexigibilidade, orçamento
em planilhas que expressem de forma detalhada a composição de todos os
custos unitários do objeto a ser contratado.

Acórdão 818/2008 Segunda Câmara

Neste sentido, entendo que o jurisdicionado deverá apresentar, também,


razões de defesa pela formalização de Ato de Dispensa de Licitação
sem a existência de projeto básico ou termo de referência em nível de
detalhamento adequado e sem a apresentação da planilha de quantitativos
e preços unitários, dificultando o controle da economicidade, legalidade e
eficiência, bem como o controle da execução contratual.

Em face do exposto, julgo necessário, para obtenção dos elementos

109
indispensáveis à adequada decisão no presente feito, que o jurisdicionado
apresente razões de defesa pelas impropriedades abaixo elencadas:

I - contratação de mão de obra terceirizada para desempenho de atividades


afetas a cargos existentes nos quadros da SEEDUC, constituindo burla à
exigência constitucional do concurso público, como preconizado no art.
37, inc. II, da CFRB/88.

II - pela não realização de procedimento licitatório válido, apesar de


decorridos 72 meses da última licitação finalizada para o objeto do presente
Ato de Dispensa de Licitação emergencial, fundamentada no inciso IV, do
art. 24, da Lei Federal n.º 8.666/1993.

III - pela formalização de Ato de Dispensa de Licitação sem a existência de


projeto básico ou termo de referência em nível de detalhamento adequado
e sem apresentação da planilha de quantitativos e preços unitários,
dificultando o controle da economicidade, legalidade e eficiência, bem
como o controle da execução contratual.

Pelo exposto, manifesto-me parcialmente de acordo com o Corpo


Instrutivo e com o douto Ministério Público Especial, e

VOTO

Pela NOTIFICAÇÃO do Sr. Wilson Risolia Rodrigues, Secretário de Estado


de Educação, na forma prevista pela Lei Orgânica deste Tribunal em
vigor, para que, no prazo de 30 dias, apresente razões de defesa, nos
termos constantes da fundamentação do meu voto, e, ainda, em futuras
publicações de atos na Imprensa Oficial, observe o disposto nos incisos II a
V do art. 1º da Lei Estadual 3.088/1998.

110
111
Marco Antonio B. de Alencar
CONTRATO* O procedimento
licitatório na
modalidade pregão
Trata o presente processo sobre o Contrato nº 014/2012, decorrente
somente pode ser
do Edital de Pregão Presencial nº 013/2012, de interesse da Prefeitura
realizado quando
Municipal de Itaboraí celebrado com a empresa MAP 2002 Comercial Vídeo este tiver como fim
Ltda-ME., que tem por objeto contratação de empresa para publicação a aquisição de bens
e divulgação de atos sociais realizados pela Prefeitura, no valor de R$ ou a contratação de
760.000,00, que é submetido ao exame do Tribunal. serviços comuns,
ou seja, aqueles
O Colegiado deste Tribunal, em Sessão de 09/04/2013, nos termos do cujos padrões de
desempenho e
meu voto anterior, determinou a Comunicação do Responsável, para que
qualidade possam
encaminhasse os documentos ali solicitados, fls. 38/40.
ser definidos de
forma objetiva pelo
Visando dar cumprimento à decisão acima, o jurisdicionado encaminhou edital, através de
os elementos autuados nesta Corte como Doc. TCE/RJ nº 11.077-1/13. especificações usuais
no mercado.
O Corpo Instrutivo, após análise, conclui pelo Conhecimento do contrato e
o posterior Arquivamento do processo, nos termos propostos à fl. 57.

O douto Ministério Público, representado pela Procuradora Aline Pires


Carvalho Assuf, se reporta à sua manifestação anterior, e opina pela
Comunicação, visando o encaminhamento dos itens elencados às fls. 59.

É o relatório.

De fato, o jurisdicionado encaminhou toda a documentação solicitada,


demonstrando dessa forma o cumprimento total do julgado antes
prolatado.

Entretanto, compulsando detidamente os autos verifiquei que a


modalidade licitatória empregada pela Administração conflita com os
ditames do § único, art. 1º, Lei 10.520/2002, uma vez que os serviços
contratados não se enquadram como “bens e serviços comuns”.

Isso porque, em princípio, conforme consta no projeto básico, constante


de fl. 09, a justificativa da contratação se deu pela necessidade de informar
a sociedade sobre as ações realizadas pelo governo municipal.

Contudo, verifica-se que o objeto, ao menos em parte, exige produção


intelectual, com a possibilidade de soluções diversas para o atendimento
do resultado pretendido. * Voto aprovado por unanimidade.

113
De acordo com a descrição das atividades no citado projeto básico,
verifica-se que a contratação teve por objeto a prestação de serviços de
propaganda em carro de som; locação de equipamento de som; edição
digital de material audiovisual; criação e produção de vídeos institucionais
na área governamental, incluindo criação de roteiro, filmagem e edição;
fotografia e filmagens digitais; criação de panfletos, cartazes, folders e
adesivos, a serem executados por agência de publicidade, vencedora de
licitação realizada, na modalidade pregão.

Segundo o artigo 1°, da Lei Federal n°10.520/2002, o procedimento licitatório


na modalidade pregão somente pode ser realizado quando este tiver como
fim a aquisição de bens ou a contratação de serviços comuns, ou seja,
aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser definidos
de forma objetiva pelo edital, através de especificações usuais no mercado.

O ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, quando trata dos
aspectos pertinentes ao pregão no Manual de Direito Administrativo, 15ª
Ed, fls. 251, elucida:

A definição legal sobre o que são bens e serviços comuns está longe de ser
precisa, haja vista que as expressões nela contidas são plurissignificativas.
Diz a lei que tais bens e serviços são aqueles “cujos padrões de desempenho
e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de
especificações usuais no mercado.

Dessa forma, resta nítido que o ordenamento jurídico não oferece de modo
explícito todas as hipóteses de cabimento do pregão, cabendo à exegese,
a tarefa de aferir a compatibilidade do serviço/bem com a modalidade
licitatória, à luz da exigência legal no concernente à expressão comum.

Ao confrontar o objeto ajustado em tela com o requisito normativo acima


citado, a impropriedade da modalidade licitatória mostra-se clara.

Os serviços de publicidade não são encontrados usualmente no


mercado, pois são prestados de acordo com as necessidades
específicas de cada cliente, considerando todas as particularidades de
uma determinada situação.

Corroborando com o exposto, transcrevo parte do parecer elaborado


pelo consultor do Sindicato das Agências de Propaganda de Minas
Gerais - Sinapro:

114
“Já se tem notícia de órgãos públicos e empresas com capital público,
abrindo licitações para contratação de serviços de propaganda e
publicidade pela modalidade pregão. Tal iniciativa equipara os serviços de
publicidade e propaganda a todos aqueles listados pelo referido decreto,
de modo que serão contratados sem que se leve em conta a análise de
qualificações e critérios que lhe são próprios, até porque os padrões de
desempenho e qualidade relacionados aos serviços de publicidade e
propaganda não se podem definidos através do mercado. O que se tem por
relevante neste tipo de serviços é o projeto, a notoriedade e qualificação
da agência e seus profissionais. Não se trata da aquisição de um serviço
comum que é prestado da mesma forma para vários clientes, mas de um
serviço que é sempre exclusivo para cada cliente contratado.

As agências de propaganda devem ficar atentas a esta ilegalidade e


não aceitar contratação pela modalidade PREGÃO, mas sim denunciar e
combater a imposição, inclusive através do poder judiciário, se preciso for.

A modalidade pregão não leva em consideração a realidade da publicidade


e pode prejudicar sobremaneira o atual quadro financeiro da maioria
das pequenas e médias agências de propaganda, há muito combalido
pela situação financeira caótica do Brasil. Pode haver agravamento deste
quadro, na medida em que as agências, por uma condição emergencial,
aceitem a modalidade PREGÃO, aviltando suas comissões de modo a
impossibilitar pagamento de suas despesas.

A Fenapro chama a atenção de todos, para que não aceitem, sob


hipótese nenhuma, contratação de serviços pela modalidade PREGÃO, e
coloca-se à inteira disposição do associado para as medidas que se fizerem
necessárias na salvaguarda de seu direito.”

Seguindo idêntica orientação, a Associação Brasileira de Agências de


ABAP − Fundada em 1º de
Publicidade - ABAP emite o seguinte pronunciamento: agosto de 1949, a Associação
Brasileira de Agências de
Publicidade (ABAP) defende
e divulga os interesses
PROCEDIMENTO LICITATÓRIO DE SERVIÇOS PUBLICITÁRIOS PELA de agências brasileiras
MODALIDADE DE PREGÃO associadas à indústria de
comunicação. Está presente
em todos os estados do País
e é a maior organização do
Foi instituído o PREGÃO como nova modalidade de procedimentos licitatórios. setor na América Latina. Suas
associadas são responsáveis
por 78% do investimento
O pregão é, em realidade, a forma de obter a prestação de serviços (como publicitário brasileiro em
mídia, movimentando
seria também o caso de aquisição de bens) pelo MENOR PREÇO. um universo de 3.200
profissionais e 4.100 clientes.
(Fonte: site da ABAP)

115
Para a contratação de serviços publicitários, é a PIOR modalidade que
poderia ser escolhida.

Sendo serviços de notória especialização (considerada como


reconhecimento público da alta capacidade profissional e algo mais que
a simples habilitação profissional), os serviços publicitários deverão ser
examinados e avaliados, obviamente, muito mais pela técnica do que
pelo preço.

A lei baseia a notória especialização também através da aferição do


desempenho anterior da empresa licitante, através de seus estudos,
experiências, trabalhos desenvolvidos, organização, etc. Portanto,
a atividade publicitária é, essencialmente, de notória especialização
e incontestavelmente fruto da simbiose entre arte e técnica de
comunicação. E dentro dessa simbiose entre a técnica, que é o domínio
do modo de fazer e a arte, que envolve percepção estética com elementos
de criatividade e originalidade, existe inegavelmente a possibilidade
de realizar comparações objetivas entre os trabalhos apresentados
pelos concorrentes e, portanto, os critérios de julgamento podem ser
objetivos, como determina a lei de licitações.

Portanto, dentro da Proposta Técnica, o Agente Público licitante verificará


objetivamente quais as recomendações técnicas de comunicação mais
apropriadas à sua intenção, além da constatação da criatividade e
originalidade das propostas, que envolvem a arte.

Nessa condição, mesmo aos procedimentos licitatórios (ou modalidades)


de “tomada de preços” e “convite”, além da própria concorrência, devem
adotar preferencialmente a “técnica” como fator de decisão e o preço
apenas como complemento na definição final.

Aliás, o tipo de procedimento licitatório baseado apenas na técnica seria


o mais correto, tendo em vista que os serviços publicitários são de notória
especialização, mas à vista da possibilidade de haver competição entre
as agências, passíveis de uma comparação objetiva, a licitação não só é
possível, como é recomendável e obrigatória.

Entretanto, como as Normas-Padrão vigentes permitem não só o repasse


de parte do desconto de agência, desde que atendido o Anexo B das
mesmas normas, como também possibilidade de negociação dos custos
internos e dos honorários de serviços externos, sempre baseado na

116
expressividade da verba publicitária a ser gasta pelo anunciante, é possível
e até recomendável que o tipo de licitação seja de “técnica e preço”, dando
maior pontuação, na proporção de _ à “técnica” e _ ao preço.

Portanto, deve ficar fixado que o tipo “menor preço” fica excluído nos
procedimentos licitatórios para contratação de serviços publicitários, pelos
motivos a seguir expostos.

No caso de PREGÃO para a contratação de serviços publicitários, o


absurdo ainda é maior.

É sabido que a remuneração dos serviços publicitários está estabelecida


pelas Normas-Padrão da Atividade Publicitária e ainda que haja a
possibilidade de variações em decorrência do volume de verba e da
extensão dos serviços publicitários a serem prestados, não há como
escolher o melhor serviço através do menor preço.

(...)

Na esteira deste entendimento, considerando as peculiaridades que


envolvem as contratações de serviços publicitários, foi editada a Lei
Federal nº 12.232/2010, dispondo sobre as normas gerais para a licitação
e contratação pela Administração Pública de serviços de publicidade
prestados por intermédio de agências de propaganda.

No segundo capítulo da referida lei, mais especificamente no art. 5º,


encontra-se expresso que as licitações para contratação de serviços
publicitários respeitarão as modalidades definidas no art. 22 da Lei
8666/1993, obrigando ainda, como critério de seleção, a adoção dos tipos
“melhor técnica” ou “técnica e preço”.

Assim sendo, diante dos argumentos relacionados, penso que a opção


feita pelo administrador não se mostra correta, pois as características
dos serviços pactuados pelo município (publicidade) são incompatíveis
com a exigência legal que condiciona a adoção da modalidade pregão, à Pregão – modalidade de
licitação em que a disputa
existência do serviço comum. pelo fornecimento de
bens ou serviços comuns
é feita em sessão pública,
por meio de propostas
Dessa forma, antes de decidir sobre o mérito desta contratação, penso que
escritas e lances verbais, e,
deve o responsável ser chamado aos autos para prestar esclarecimentos inclusive, mediante o uso de
tecnologia de informação.
quanto a este fato, uma vez que o questionado não foi objeto da (DINIZ, Maria Helena.
Dicionário Jurídico. 3. ed.
comunicação anteriormente determinada. São Paulo: Saraiva, 2008)

117
Por fim, discordo da Comunicação sugerida pelo Ministério Público, uma
vez que os elementos exigidos pela Deliberação TCE/RJ nº 245/2007
encontram-se presentes neste processo.

Desse modo, em desacordo com o Corpo Instrutivo e com o Ministério


Público,

VOTO:

I- Pela COMUNICAÇÃO ao Sr. Helil Barreto Cardozo, prefeito do Município


à época dos fatos, nos termos do §1º do art. 6º da Deliberação TCE-RJ nº
204/96, a ser efetivada na forma do art. 3º da Deliberação TCE-RJ nº 234/2006,
alterado pela Deliberação TCE-RJ nº 241/2007, ou, na impossibilidade, nos
moldes do art. 26 do Regimento Interno deste Tribunal, para que, no prazo
legal, esclareça o fato de ter celebrado certame licitatório na modalidade
pregão para serviços de publicidade cuja natureza não são serviços
denominados comuns, nem possuem especificações “usuais no mercado”
nos termos da Lei nº 10.520/2002.

II - Por DETERMINAÇÃO à Secretaria Geral das Sessões - SSE, para que, ao


materializar a presente decisão, remeta cópia do inteiro teor deste voto.

118
119
José Maurício de Lima Nolasco

120
CONTRATO* O princípio da
publicidade
contribui para uma

ampla divulgação
Retorna o presente feito que trata, em sua essência, do controle de
do certame de modo
legalidade, legitimidade e economicidade do Contrato nº 017/10, a ensejar o acesso
decorrente de torneio público na modalidade concorrência pública (nº indistinto de todos
20/2010), celebrado em 28 de junho de 2010 entre o Município de Santo os interessados à
Antônio de Pádua e a sociedade empresária Construtora Aeroporto Pádua licitação e também
Ltda., visando a execução de obras de construção da Escola Municipal para a ampliação
Viva, com prazo de 8 meses para sua conclusão, e no valor global de R$ do universo de
propostas com vistas
3.630.448,24.
à realização do
melhor negócio para
Registro, ab initio, que na Sessão Plenária de 4 de junho de 2013, o eg. a Administração
Corpo Deliberativo desta Corte decidiu, acolhendo na íntegra os termos Pública,
do voto sob minha pena (fls. 170/171-verso), pela notificação ao Sr. José fortalecendo o
Renato Fonseca Padilha, ex-prefeito do Município de Santo Antônio de caráter competitivo
Pádua e autoridade signatária da avença sob exame, em reverência ao do certame.
princípio republicano do devido processo legal, para que apresentasse
suas razões de defesa acerca da inobservância do inciso III do artigo 21 do
Estatuto Licitatório.

Em atendimento ao referido decisum, o responsável encaminhou suas
razões de defesa autuadas nesta Corte sob o Doc. TCE-RJ nº 020.260-5/13
(fls. 176/179), que foram submetidas à análise da laboriosa Coordenadoria
de Exame de Editais - CEE, resultando na bem lançada Instrução de fls.
182/184-verso, cujos termos e conclusões trago à baila, in verbis:

[...]
Procederemos a seguir à análise das justificativas enviadas pelo responsável
pela municipalidade, tendo em vista haver sido exarado o seguinte
comando ao jursidicionado:

1 – NOTIFICAÇÃO ao Sr. José Renato Fonseca Padilha, Prefeito Municipal de


Santo Antônio de Pádua, nos termos do § 2º do art. 6º da Deliberação TCE-
RJ nº 204/96, para que apresente razões de defesa pelo descumprimento à
regra estabelecida no inciso III do art. 21 da Lei Federal nº 8666/93.

Foram apresentadas as seguintes razões pelo responsável (fls. 177/178):

“Como se pode observar... o Edital de Concorrência Pública nº 20/10 foi


publicado no A Folha, da Editora de Jornais e Revistas Folhas Ltda-ME, *Voto aprovado por unanimidade.

121
inscrita no CNPJ sob o nº 03.567.643/0001-00, com circulação comprovada
em todo o Noroeste Fluminense e Zona da Mata Mineira (anexo capa do
jornal), abrangendo um público de aproximadamente 600.000 (seiscentos)
mil leitores na região mencionada, que contempla a existência de inúmeras
empresas com capacidade de executar a obra em tela, e com cobertura
total na região do órgão licitador e em nosso domínio na internet, que
ampliou sensivelmente a área de competição e para comprovar o que
acima mencionamos segue anexo a capa do Jornal A Folha da época do
certame licitatório, para melhor apreciação dos senhores conselheiros.

Como mais um fato para justificar a nossa decisão de publicar em jornal


da nossa região e na internet informamos que estamos localizados numa
das regiões mais pobres do nosso País e do nosso Estado, onde a renda
per capita e as oportunidades de emprego são muito pequenas, com as
empresas aqui instaladas lutando bravamente para manter suas portas
abertas e a nosso ver se nas pouquíssimas vezes em que temos condições
de realizar uma obra de vulto para nossa região, já que os recursos
repassados pela União e pelo Estado para tal feito são escassos e raros, não
dermos oportunidade destas heróicas empresas de participar de certames
licitatórios em condições iguais não sabemos como seria o destino de
nosso povo.
(...)”

Complementando suas justificativas, o notificado anexa mais uma vez a publicação


realizada no Jornal A Folha, de 26.06.2010 (fl. 179), procurando demonstrar que
cumpriu as exigências necessárias ao cumprimento da Lei de Licitações.

Ocorre, porém, que a participação de interessados no certame está


embrionariamente condicionada ao conhecimento prévio de sua
existência. Consequentemente, o anúncio inicial da realização de
processo seletivo e das informações e condições necessárias ao ingresso
na disputa assume uma importância primordial, o que levou o legislador
ordinário a disciplinar com minúcias a publicação do aviso do instrumento
convocatório, conforme se pode observar no art. 21 da Lei nº 8.666/93:

“Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências e das


tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizadas no local
da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no
mínimo, por uma vez:

I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão

122
ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar
de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou
garantidas por instituições federais;

II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal, quando se tratar


respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração
Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;

III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver,


em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a
obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo,
ainda, a administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros
meios de divulgação para ampliar a área de competição.”

Assim, como exposto acima, a publicação dos editais de concorrência deve


ser feita: a) no diário oficial do Estado; b) em jornal de grande circulação no
Estado e, c) em jornal de circulação regional, se houver. Esse entendimento
é precisamente expresso, por exemplo, no Voto GC-3 60321/2013, do
Conselheiro Marco Antonio Barbosa de Alencar, no Processo TCE-RJ nº
231.942-8/12.

Nessa esteira, mesmo na hipótese de que “A Folha” seja considerado


como diário oficial do Município - em atendimento ao inciso II do art. 21
- verifica-se o não atendimento integral ao comando do inciso III, em que
se faz necessária a publicação do aviso do edital em veículo informativo de
impressão diária e de grande circulação no âmbito do Estado, característica
esta que não é atendida pelo Jornal “A Folha”.

Vale dizer, por oportuno, que a Lei Federal nº 8.666/93, ao abordar a


publicidade das licitações no artigo 21, adota um caráter diferenciado de
acordo com os valores envolvidos na contratação. Ou seja, quanto maior
o valor estimado da licitação, maiores são as exigências de publicidade
do edital. Assim, presumimos que as licitações com valor estimado acima
de R$ 650.000,00 devem obedecer a uma metodologia mais rigorosa nas
questões relacionadas à publicidade, para efeitos de divulgação do certame,
alcançando desta forma um número mais abrangente de empresas,
favorecendo a competitividade e possibilitando o conhecimento dos atos
pela sociedade.

Sob esse enfoque, ao atentarmos para o valor inicialmente estimado


para licitação (R$ 3.679.992,19), era de se esperar que a Administração

123
Municipal fizesse uso de meios mais abrangentes de chamamento ao
certame conforme ditado no inciso III do art. 21 da Lei nº 8.666/93 e não
deixasse que os avisos ficassem apenas restritos à circunvizinhança da
região de Japeri.

Nada obstante, apesar de ter encaminhado a cópia do protocolo de retirada


do edital (fls. 76/77) a fim de demonstrar que 06 (seis) empresas retiraram
o edital - sendo que apenas 03 (três) compareceram ao certame, conforme
contatado pela leitura da Ata de Abertura das Propostas (fl. 100) - não se
pode olvidar de que o Município descumpriu cabalmente o mandamento
legal contido no inc. III do art. 21 da Lei de Licitações e Contratos.

O item 3 do edital em análise (fl. 53) informa que o prazo de duração do


contrato decorrente do certame seria de 08 (oito) meses, prorrogáveis
nos termos do art. 57 da Lei nº 8.666/93. A cópia do Contrato (fls.
105/110) apresenta a informação de que o mesmo foi assinado em
28.06.2010. Compulsando o Sistema de Controle de Processos deste
Tribunal, não verificamos a existência de Termos Aditivos ao Contrato
em questão. Dessa forma, não nos sendo permitido afirmar com
certeza se o mesmo foi prorrogado, e prevalecendo a ideia de que o
seu objeto já tenha sido executado, entendemos que a declaração de
nulidade do contrato administrativo não produziria efeitos práticos
relevantes, apesar de ter havido uma patente falha na fase externa
do procedimento licitatório, quando da publicação do aviso de
convocação do certame, que deveria ter obedecido ao comando do
inciso III do art. 21 da Lei de Licitações.

Ademais, apesar de não ter se configurado a má-fé no caso em concreto,


a proposta de se “beneficiar” as empresas locais não pode servir de
escusa para que o chefe do executivo municipal atropele o mandamento
legal, descumprindo o que está ali determinado. Aliás, o próprio sistema
jurídico procura minimizar esse fato criando leis que venham a ”equilibrar”
a disputa (Microempresas, Empresas de Pequeno Porte, Cooperativas,
Consórcios etc).

Dessa forma, o entendimento seguido por esta Corte de Contas, consoante


demonstrado nos autos do Processo TCE-RJ nº 237.125-9/06, nos termos do
Voto exarado pelo Conselheiro Aluisio Gama de Souza enseja-se no sentido
de que os entes municipais devem encaminhar a cópia da publicação
do aviso de licitação em jornal de grande circulação, nos moldes abaixo
transcritos:

124
“O Corpo Instrutivo fez excelente explanação ao comentar que a não
divulgação do aviso de licitação em jornal diário de grande circulação, fere
o princípio da publicidade constante no artigo 21 da Lei de Licitações, uma
vez que constitui norma de caráter geral.

Esta Corte, como o destacou o Corpo Instrutivo, já se manifestou de forma


a não conhecer edital sem que fosse comprovada a publicação do aviso da
licitação em jornal diário de grande circulação, sob pena de nulidade do
ato, por infringir o princípio da ampla publicidade dos atos administrativos.

Inicialmente, é bom frisar que não se deve confundir o conflito de


competência entre a Lei nº 8.666/93 e a Lei Orgânica do Município sobre
forma de publicação de avisos de editais e a obrigatoriedade de se publicar
o aviso dos editais em jornal diário.

Já é pacífico o entendimento de que, para a publicação dos atos da


administração municipal é assunto de interesse local, não sendo obrigatória
a publicação no Diário Oficial do Estado, por exemplo. Contudo, no
caso, não se trata de definição da publicidade na imprensa oficial e sim
de atender disposição constitucional, tendo em vista que a validade da
licitação depende de sua ampla divulgação, feita a tempo necessário para
garantir a participação dos interessados.”

Portanto, o princípio da publicidade destaca-se como mais um instrumento


na busca da probidade administrativa, uma vez que a ampla divulgação do
certame possibilita o acesso indistinto de todos os interessados à licitação
e, em consequência, contribui para ampliar o universo de propostas.

Também a doutrina e a jurisprudência têm sido categóricos na exigência


do cumprimento da totalidade do art. 21 da Lei Federal nº 8.666/93, como
podemos concluir da análise do trecho colhido da sempre abalizada
doutrina do mestre paranaense MARÇAL JUSTEN FILHO1 que, ao discorrer
acerca do artigo 21, da Lei nº 8.666/93, assevera que:

“A validade da licitação depende da ampla divulgação de sua existência,


efetivada com antecedência que assegure a participação dos eventuais
interessados. O defeito na divulgação do instrumento convocatório constitui
indevida restrição à participação dos interessados e vicia de nulidade o
procedimento licitatório, devendo ser pronunciado a qualquer tempo. (...) 1 - Comentários à Lei de
Licitações e Contratos
Administrativos, Dialética,
A regra do inc. III torna obrigatória a publicação em jornal diário de grande 11ª edição.

125
circulação no Estado e, também, em jornal de circulação na região (ou
município) onde o contrato será executado.”

Não deveria, portanto, a administração municipal de Santo Antônio de


Pádua ter-se eximido à época de divulgar o aviso de licitação em jornal
diário de grande circulação no Estado, uma vez que o princípio da
publicidade, insculpido nos incisos do artigo 21 da Lei 8.666/93, constitui
norma de caráter geral. É através dela que a administração garante as
melhores condições de compra ao permitir o maior acesso de interessados
em participar do certame.

Por todo o exposto, apesar de afastada a possibilidade de anulação do


edital, pelos motivos expostos no decorrer da instrução, entendemos que
houve infringência não só ao mandamento insculpido no art. 21, inc. III da
Lei nº 8.666/93, mas também aos princípios que animam o artigo 37, caput,
da Constituição Federal, normas que regem o procedimento licitatório.

CONCLUSÃO

Face ao exposto e examinado, em conformidade com a Deliberação TCE/


RJ nº 245/07 e Resolução TCE/RJ nº 255/07, art. 2º, II, 3.1 a 3.3, sugerimos o
ENCAMINHAMENTO à 1ª CCM, para as providências cabíveis, no sentido de
que, após a análise do Documento TCE-RJ nº 13.953-3/13, encaminhado
em resposta ao Voto GC-6 1.166/2013, seja providenciada:

I – a aplicação de multa ao Sr. José Renato Fonseca Padilha, ex-Prefeito do


Município de Santo Antônio de Pádua, no valor a ser fixado pelo e. Plenário,
com fulcro no inciso II, do art. 63, da Lei Complementar nº 63/90, por não
ter publicado o aviso do Edital de Concorrência Pública nº 020/2010 em
jornal diário de grande circulação no Estado, conforme estabelecido pelo
inc. III, do art. 21 da Lei nº 8.666/93.”

Ato contínuo, às fls. 186/186-verso, encontra-se acostado o pronunciamento


da laboriosa 1ª Coordenadoria de Controle Municipal - 1ª CCM, concluindo,
em apertada síntese, pelo conhecimento do ajuste em tela

Mais adiante, à fl. 188, a Subsecretaria de Controle Municipal - SUM


manifesta-se subscrevendo as medidas preconizadas pela judiciosa CEE e,
bem assim, pela 1ª CCM.

O Ministério Público de Contas, representado pela Procuradora Marianna

126
Montebello Willeman, manifesta-se, à fl. 189, ratificando as medidas
preconizadas pela CEE e endossadas pela SUM.

Este, pois, o breve relatório.

Cotejados os elementos que constituem os autos do presente feito,


especialmente, as razões de defesa encaminhadas pelo Sr. José Renato
Fonseca Padilha, ex-prefeito do Município de Santo Antônio de Pádua
(Documento TCE/RJ nº 020.260-5/13, fls. 176/179), inarredável se me afigura
o acolhimento das proposições formuladas pela laboriosa Subsecretaria
de Controle Municipal - SUM (fl. 188), consubstanciada na bem lançada
Instrução da judiciosa CEE (fls. 182/184-verso) e ratificadas pelo Parquet
de Contas (fl. 189), motivo pelo qual adoto seus lídimos fundamentos e
conclusões como razões de decidir, que passam a fazer parte integrante do
presente voto, per relationem, sem prejuízo daqueles doravante deduzidos.

Nesse fio condutor, cumpre-me, de maneira perfunctória, tecer algumas


considerações sobre a matéria em testilha, de modo a concretizar o
princípio constitucional da motivação (art. 93, inciso X), corolário do Estado
Democrático de Direito, por meio do fornecimento das razões de decidir em
que se assenta minha concordância com os termos dos pronunciamentos
que precedem o presente.

Convém registrar, preliminarmente, que as razões de defesa manejadas


pelo defendente, de fato, não se prestam a elidir a irregularidade apurada
no âmbito deste processo administrativo de controle externo, qual seja,
menoscabo ao preceito legal entabulado no inciso III do artigo 21 da LLC.

Fadados ao insucesso, pois, se me afiguram os argumentos erigidos pelo


defendente, motivo pelo qual devem ser rejeitados.

Pois bem. Fixado o prumo, passo a expor.

Constitui fato público e notório que a Constituição Federal apontou


expressamente o princípio da publicidade como um dos princípios
basilares da Administração Pública, buscando, nesta senda, imprimir
transparência aos atos administrativos e, mais especificamente, em relação
às licitações, extinguir favoritismos, tratamento discriminatórios, tráficos
de influência e outras práticas que afrontam a moralidade e contribuem
para a malversação do dinheiro público.
Nesse contexto, o procedimento licitatório assumiu um duplo objetivo,

127
sabiamente abordado pelo eminente jurista EROS GRAU, Ministro
aposentado do Pretório Excelso, então Relator da ADI 2.716, que dispôs:

“[...] A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público,


pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo:
o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio
mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a
oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação
pretendida pela Administração. [...] Procedimento que visa à satisfação do
interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da
licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o
maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação
do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a
seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja
desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de
todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração [...].”
(destaques acrescentados)

Ressoa do excerto reproduzido, que o princípio da publicidade se insere


nesse contexto como mais um instrumento na busca da probidade
administrativa, contribuindo, de igual maneira, para uma ampla divulgação
do certame de modo a ensejar o acesso indistinto de todos os interessados
à licitação e, via reflexa, contribuindo para a ampliação do universo de
propostas com vistas à realização do melhor negócio para a Administração
Pública, fortalecendo, nesse toar, o caráter competitivo do certame.

Da análise do dispositivo legal deixado à mingua (inciso III do art. 21, LLC),
emerge a singela constatação de que a legitimidade da licitação está sujeita
à ampla divulgação de sua existência, realizada em prazo que assegure o
direito (público) subjetivo de participação daqueles que porventura vierem
a se interessar2.
2 - Registre-se, à guisa de
ilustração, que eventuais No que tange à observância, pela Administração Pública Municipal, do
falhas na divulgação do edital
constituem uma limitação à inciso III, do artigo 21 do Estatuto Licitatório, insta destacar, por relevante,
participação dos interessados
e podem gerar a declaração que o excelso Plenário desta Corte3 já teve a oportunidade de enfrentar a
de nulidade de todo o matéria, sedimentando o entendimento no sentido de que caso se trate
procedimento licitatório,
como já se pôde observar em de aviso contendo chamamento para uma concorrência – modalidade
decisão do TCU (Decisão nº
674/1997 – Plenário). de licitação que envolve valores de grande monta –, cabe ao Município
proceder à publicação do instrumento convocatório em jornal diário de
3 - Registre-se, v.g., os
Processos TCE/RJ nº 204.738- grande circulação nos termos entabulados no inciso III, do artigo 21 da Lei
7/07, nº 203.315-4/07 e nº
237.125-9/06. nº 8.666/93, devendo sua comprovação ser realizada antes da realização

128
da licitação – nos termos do artigo 4º, inciso I, alínea “d”, da Deliberação
TCE-RJ nº 245/07 –, sob pena de nulidade do ato, por afronta ao princípio
da ampla publicidade dos atos administrativos.

Confira-se, neste sentido, excerto do venerando aresto desta Corte de


Contas, prolatado na sessão de 17.05.2007, nos autos do processo TCE-RJ
nº 204.738-7/07, ipsis litteris:

“[...]
Para a modalidade de Concorrência, deve a Administração atender ao art.
21 que assim dispõe:

‘art. 21 – Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências e


das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizadas no
local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência,
no mínimo, por uma vez:’

O resumo dos editais das concorrências a que a lei se refere é a publicação


inicial, a que informa de forma resumida as características essenciais da
concorrência: seu valor, objeto, dia, hora e local da realização da licitação e
obtenção integral do edital.

Os incisos seguintes do mencionado artigo 21 especificam como dar-se-


ão estas publicações, posto que existem particularidades para quando o
órgão executor for a União, os Estados, os Municípios ou o Distrito Federal.

Uma licitação promovida por Município deverá efetuar a publicação do


resumo do edital no Diário Oficial do Estado (inc. II do art. 21) bem como
em jornal diário de grande circulação no Estado e no Município da Região
onde será realizado o serviço (inc. III do art. 21). (destacamos)

Assim, consoante tenho reiteradamente me manifestado, a ausência da


publicação nos termos exigidos no art. 21 e seus incisos da Lei nº 8.666/93,
compromete a legalidade dos atos administrativos. (destacamos)

Desta forma, entendo que a não publicação em jornal diário de grande


circulação nos termos exigidos no inc. III do art.21 da Lei nº 8.666/93 deve
ser comprovada antes da realização da licitação, devendo assim o Município
comprovar o atendimento desta Determinação, especificamente, sob
pena de nulidade do ato, por infringir o princípio da ampla publicidade
dos atos administrativos.” (destacamos)

129
Nessa ordem de raciocínio, colha-se, por oportuno, a sempre abalizada
doutrina do mestre paranaense MARÇAL JUSTEN FILHO4 que, ao discorrer
acerca do artigo 21, da Lei 8.666/93, assevera que:

“A validade da licitação depende da ampla divulgação de sua existência,


efetivada com antecedência que assegure a participação dos eventuais
interessados. O defeito na divulgação do instrumento convocatório
constitui indevida restrição à participação dos interessados e vicia de
nulidade o procedimento licitatório, devendo ser pronunciado a qualquer
tempo. (...)

A regra do inc. III torna obrigatória a publicação em jornal diário de grande


circulação no Estado e, também, em jornal de circulação na região (ou
município) onde o contrato será executado.”

Transcreva-se, ainda, a orientação contida no Boletim de Licitações e


Contratos Administrativos, de dezembro de 1999, fl. 622, in verbis:

“De acordo com o art. 21, incs. I, II e III da Lei 8.666/93, a necessidade de
publicação na Imprensa Oficial da União ou do Estado é situação distinta
da publicação em jornal de grande circulação no Estado e, se houver, no
Município ou região. Tanto a publicação do aviso, na Imprensa Oficial,
como aquela em jornal de grande circulação no Estado e, conforme o caso,
no Município ou região, devem obrigatoriamente operar-se, de sorte que
uma não substituirá a outra, sob pena de ilegalidade e burla aos princípios
da publicidade e da transparência. Frise-se que o espírito da norma consiste
em possibilitar a divulgação das licitações da maneira mais ampla possível,
aumentando-se o universo de possíveis interessados em contratar com a
Administração, a fim de que possa ser atingido o fim precípuo da licitação
que é a obtenção de propostas mais vantajosas para o interesse público.
O descumprimento das regras de publicidade apontadas no art. 21, na
medida em que podem implicar prejuízo à competição, acarreta a nulidade
da licitação e do contrato.”

Em razão de todo o exposto, não deve a Administração Pública municipal


eximir-se de divulgar o aviso de licitação por concorrência em jornal diário
de grande circulação no Estado, uma vez que o princípio da publicidade,
insculpido nos incisos do artigo 21 da Lei 8.666/93, constitui norma de
caráter geral e, portanto, cogente.
4 - Comentários à Lei de
Licitações e Contratos
Administrativos, Dialética, 11ª
edição. De bom alvitre destacar que, ao tratar do tema em voga, a excelsa

130
Corte Federal de Contas (Decisão n.º 233/1996 – 1ª Câmara) considerou
irregular a publicação dos avisos em jornal que não atende aos requisitos
estabelecidos no inciso III do art. 21.

Portanto, resta indisputável que o princípio da publicidade assume


elevado grau de importância, porquanto, além de constituir princípio
geral de Direito Administrativo, também se apresenta como condição
de eficácia da própria licitação5 e do contrato administrativo6. Ressoa,
ainda, que o princípio da publicidade enseja a realização do controle dos
atos administrativos pelo povo e contribui para efetivação dos demais
princípios, tais como moralidade e impessoalidade.

Neste sentido, e realçando a essencialidade da transparência dos


atos administrativos para o alcance de uma Administração proba e
eficiente, cumpre-me parafrasear COLAÇO ANTUNES7, para quem: “Uma
Administração opaca infantiliza, uma Administração transparente.”

Pois bem. Substructio in premissis, e considerando:

(i) que, em atendimento a decisão plenária de 4 de junho de 2013, o Sr.


José Renato Fonseca Padilha, ex-Prefeito do Município de Santo Antônio
de Pádua, encaminhou suas razões de defesa autuadas nesta Corte sob o
Documento TCE/RJ nº 020.260-5/13 (fls. 176/179);

(ii) que os argumentos engendrados pelo defendente aptos não estão


a justificar o descumprimento do inciso III do artigo 21, da Lei Geral de
Licitação e Contratos Administrativos, cuja ratio essendi assenta-se na
materialização do princípio constitucional da publicidade (artigo 37, caput);

(iii) que a irregularidade sob o foco de luz sujeita o responsável por sua
feitura aos ditames do inciso II do artigo 63, da Lei Complementar Estadual
nº 63/90;

(iv) que a marcha processual se deu em perfeita sintonia com o princípio


5 - Art. 21, Lei 8.666/93.
republicano do devido processo legal e, bem assim, de seus corolários, dentre
6 - Art. 61, § único, Lei
os quais se destacam os princípios do contraditório e o da ampla defesa;
8.666/93.

7 - Apud AMARAL,
(v) que o Tribunal de Contas deve levar em conta, na fixação de multas, Antônio Carlos Cintra
do. Licitação e contratos
entre outras condições, “as de exercício de função, a relevância da falta, administrativos: estudos,
o grau de instrução do servidor e sua qualificação funcional, bem assim pareceres e comentários.
Belo Horizonte: Fórum,
se agiu com dolo ou culpa”, nos termos do que preceitua o artigo 65 da 2007, p. 19.

131
Lei Complementar nº 63/90, arbitra-se, o valor da multa em R$ 7.219,80,
equivalentes, nesta data, a 3.000 vezes o valor unitário da UFIR/RJ, a serem
recolhidas e comprovadas pelo Sr. José Renato Fonseca Padilha, ex-Prefeito
do Município de Santo Antônio de Pádua, com recursos próprios aos cofres
do Erário Estadual, no prazo legal, posiciono-me parcialmente de acordo
com o Corpo Instrutivo e de acordo com o Ministério Público de Contas, e

VOTO:

I- Pela REJEIÇÃO DAS RAZÕES DE DEFESA manejadas pelo Sr. José Renato
Fonseca Padilha, Prefeito do Município de Santo Antônio de Pádua
(Documento TCE/RJ nº 020.260-5/13, fls. 176/179), pelos fundamentos
sobejamente expostos no corpo do presente voto e, bem assim, insertos
no pronunciamento da laboriosa CCE (fls. 182/184-verso);

II- Pelo CONHECIMENTO IN CASU do Contrato nº 017/10 sub oculis,


decorrente de prélio licitatório na modalidade Concorrência Pública (nº
20/2010), celebrado em 28 de junho de 2010 entre o Município de Santo
Antônio de Pádua e a sociedade empresária Construtora Aeroporto
Pádua Ltda., no valor global de R$ 3.630.448,24, no que se refere à sua
formalização e conteúdo (art. 4º, inciso XXV, do Regimento Interno desta
Corte), e o ulterior ARQUIVAMENTO do presente feito;

III- Pela APLICAÇÃO DE MULTA, mediante acórdão, ao Sr. José Renato Fonseca
Padilha, Prefeito do Município de Santo Antônio de Pádua, no valor de R$
7.219,80, equivalentes, nesta data, a 3.000 vezes o valor unitário da UFIR/RJ,
com arrimo no inciso II, do artigo 63, da Lei Complementar nº 63/90, a ser
recolhida e comprovada no prazo legal, com recursos próprios aos cofres
estaduais, ficando desde já autorizada sua COBRANÇA JUDICIAL, inclusive a
expedição de ofício ao titular do órgão competente para proceder à inscrição
em dívida ativa, nos termos entabulados na Deliberação TCE/RJ nº 166/92,
no caso de não recolhimento no prazo fixado, e

IV- Pela COMUNICAÇÃO ao atual Prefeito do Município de Santo Antônio


de Pádua, nos termos entabulados no §1º do artigo 6º, da Deliberação
TCE/RJ nº 204/96, dando-lhe ciência da presente decisão e, ainda, para que:

IV.1- em casos futuros e análogos ao presente, adote as providências


necessárias visando dar cumprimento integral às disposições legais
contidas no inciso III, do artigo 21, do Estatuto Licitatório, constituindo esta
DETERMINAÇÃO desta Corte, que poderá ser objeto de verificação futura.

132
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ACÓRDÃO Nº /2013

1- PROCESSO: TCE Nº 201.302-4/11


2- ASSUNTO: APLICAÇÃO DE MULTA
3- RESPONSÁVEL(S): Sr. José Renato Fonseca Padilha
4- UNIDADE: Prefeitura do Município de Santo Antônio de Pádua
5- RELATOR: Conselheiro José Maurício de Lima Nolasco
6- REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL: Procuradora
Marianna Montebello Willeman
7- ÓRGÃO(S) DE INSTRUÇÃO: CEE, 1ª CCM e SUM

8- ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo que trata, em sua


essência, do controle de legalidade, legitimidade e economicidade
do Contrato nº 017/10, decorrente de torneio público na modalidade
Concorrência Pública (nº 20/2010), celebrado em 28 de junho de 2010
entre o Município de Santo Antônio de Pádua e a sociedade empresária
Construtora Aeroporto Pádua Ltda., visando a execução de obras de
construção da Escola Municipal Viva, com prazo de 8 (oito) meses para sua
conclusão, e no valor global de R$ 3.630.448,24.

Considerando que compete a esta Corte de Contas a fiscalização contábil,


financeira, orçamentária e operacional das unidades dos Poderes do
Estado e dos Municípios sob sua jurisdição e, bem assim, das entidades da
administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo Poder Público estadual, os fundos e as contas daqueles que
derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano
ao erário;

Considerando que, em atendimento a decisão plenária de 4 de junho de


2013, o Sr. José Renato Fonseca Padilha, ex-Prefeito do Município de Santo
Antônio de Pádua, encaminhou suas razões de defesa autuadas nesta
Corte sob o Documento TCE/RJ nº 020.260-5/13 (fls. 176/179);

Considerando que os argumentos engendrados pelo defendente aptos
não estão a justificar o descumprimento do inciso III do artigo 21, da Lei

133
Geral de Licitação e Contratos Administrativos, cuja ratio essendi assenta-
se na materialização do princípio constitucional da publicidade (artigo 37,
caput);

Considerando que a irregularidade trazida ao foco de luz sujeita o


responsável às sanções previstas no artigo 63, inciso II da Lei Complementar
Estadual nº 63/90;

Considerando que a marcha processual se deu em perfeita sintonia com


o princípio republicano do devido processo legal e, bem assim, de seus
corolários, dentre os quais se destacam os princípios do contraditório e o
da ampla defesa;

Considerando que a alínea “b” do inciso IV, do artigo 115, do Regimento


Interno desta Corte de Contas, aprovado pela Deliberação TCE nº 167/92,
dispõe que a aplicação de multa se materialize mediante acórdão;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de


Janeiro, reunidos em Sessão Plenária Ordinária, em:

APLICAR MULTA individual ao Sr. José Renato Fonseca Padilha, ex-Prefeito


do Município de Santo Antônio de Pádua e autoridade signatária da
avença sob exame, no valor de R$ 7.219,80, equivalentes, nesta data, a
3.000, com arrimo no inciso II, do artigo 63, da Lei Complementar nº 63/90,
a ser recolhida e comprovada, no prazo legal, com recursos próprios aos
cofres estaduais, ficando desde já autorizada a cobrança judicial, no caso
de não recolhimento no prazo fixado, nos termos do artigo 29 da Lei
Complementar nº 63/90.

9-ATA Nº:

10- DATA DA SESSÃO:

JONAS LOPES DE CARVALHO JUNIOR JOSÉ MAURÍCIO DE LIMA NOLASCO


PRESIDENTE CONSELHEIRO-RELATOR

FUI PRESENTE:

REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO


JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

134
135
Julio L. Rabello

136
CONSULTA* Os servidores dos
Poderes Executivo,
Legislativo e
Judiciário deste
Trata o presente processo de Consulta formulada pela Presidente do
Estado, assim como
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargadora Leila os do Ministério
Mariano, por meio do ofício Pres. nº 336/2013, com vistas à emissão de Público e Tribunal
pronunciamento: (i) acerca da possibilidade do servidor, optando, como de Contas, optantes
lhe facultam as Emendas Constitucionais nºs 41/2003 e 47/2005, pelo pelo regime de
regime da integralidade, poder se valer da possibilidade de contribuição integralidade e
sobre as gratificações de função/cargo comissionado, como autorizado paridade, não devem
contribuir sobre
pelo art. 12, parágrafo único da Lei nº 5.260, de 11 de junho de 2008, e,
vantagens referentes
consequentemente, poderia ver integrada a referida parcela aos proventos;
a cargos ou funções
e (ii) se a redação original do art. 35 da Lei nº 5.260/2008, que teve seu gratificadas, assim
efeito temporal modulado nos termos do parecer Rioprevidência/DJU como parcelas
nº 03/2009, possui o condão de assegurar, àqueles que se enquadrarem transitórias,
nos requisitos nele estabelecidos, a integração da gratificação de função excepcionalmente
ou cargo comissionado aos proventos de aposentadoria, tendo o servidor poderão incorporar
optado pela inativação com proventos calculados à totalidade da as vantagens
remuneratórias,
remuneração e reajustados pelo princípio da paridade, com fundamento
desde que tenha
no art. 6°da Emenda Constitucional nº 41/2003 ou no art. 3°da Emenda
incidido, sobre
Constitucional nº 47/2005. estas, contribuição
previdenciária.
Em regular tramitação, o feito foi examinado pelo Corpo Instrutivo que
conclui por sugerir o CONHECIMENTO da presente consulta e, quanto ao
mérito, assim se manifesta em relação à primeira indagação:

Esta Corte de Contas entende não ser possível a incorporação de cargo


em comissão ou função de confiança, ainda que sobre tais parcelas tenha
incidido contribuição previdenciária.

A remuneração do cargo efetivo compreende as vantagens pecuniárias


permanentes, excluindo-se as de caráter transitório que, por consequência,
não constituem os proventos dos servidores. Neste sentido, merecem
destaque os artigos 2º, inciso IX e 43, §1°da Orientação Normativa MPS/
SPS Nº 2, de 31/03/2009, verbis:

“Art. 2º - (...)
IX - remuneração do cargo efetivo: o valor constituído pelos vencimentos
e pelas vantagens pecuniárias permanentes do respectivo cargo,
estabelecidas em lei de cada ente, acrescido dos adicionais de caráter
individual e das vantagens pessoais permanentes;” * Voto aprovado por unanimidade.

137
“Art. 43 - É vedada a inclusão, nos benefícios de aposentadoria e pensão,
para efeito de percepção destes, de parcelas remuneratórias pagas em
decorrência de local de trabalho, de função de confiança, de cargo em
comissão, de outras parcelas temporárias de remuneração, ou do abono
de permanência de que trata o art. 86.

§ 1º Compreende-se na vedação do caput a previsão de incorporação


das parcelas temporárias diretamente nos benefícios ou na remuneração,
apenas para efeito de concessão de benefícios, ainda que mediante regras
específicas, independentemente de ter havido incidência de contribuição
sobre tais parcelas. (grifamos)“

Deve-se salientar que tal entendimento não viola a previsão contida no art.
12 da Lei 5.260/08, mas especificamente, o seu §1° , que estabelece:

*”Art. 12. Considerar-se-ão, para determinação da base de cálculo dos


proventos de aposentadoria o subsídio ou a remuneração do cargo efetivo,
acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os
adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:

I - as diárias para viagens;


II - a ajuda de custo em razão de mudança de sede;
III - a indenização de transporte;
IV - o salário-família;
V - o auxílio-alimentação;
VI - o auxílio-creche;
VII - as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;
VIII - a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão
ou de função de confiança; e IX - o abono de permanência de que tratam o
§ 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º
da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

§ 1º. Integrarão a base de cálculo dos proventos de aposentadoria as


parcelas remuneratórias percebidas em decorrência de local de trabalho,
do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, sobre as
quais tenha incidido contribuição previdenciária, na proporção do tempo
de contribuição.
§ 2.º Os proventos de aposentadoria não excederão o limite máximo
de benefícios do regime geral de previdência social, em se tratando de
segurados:
a) que tenham ingressado no serviço público a partir da data do início do

138
funcionamento da RJPREV, independentemente de adesão ao regime de
previdência complementar ali instituído;
b) que tenham ingressado no serviço público em data anterior ao início
do funcionamento da RJPREV e tenham optado por aderir ao regime de
previdência complementar ali instituído; ou
c) que sejam oriundos do serviço público em outro ente da Federação e ali
estivessem vinculados ao Regime de Previdência Complementar, na forma
do artigo 40, §§ 14 a 16, da Constituição da República Federativa do Brasil,
independentemente de adesão ao plano de benefícios administrado por
entidade fechada de previdência complementar.

* Art 12 - nova redação dada pela Lei 6.243/2012. “

Embora seja vedada a incorporação de função de confiança e cargo em


comissão aos proventos de aposentadoria, não há óbice, todavia, a que
estes sejam considerados na base de cálculo do benefício concedido com
fundamento no art. 40 CRFB/88, na hipótese de sobre tais parcelas ter
incidido contribuição previdenciária.

Como se percebe, preenchidos os requisitos constantes no art. 12, §1°da


Lei 5.260/08, no cálculo da aposentadoria voluntária poder-se-á considerar
parcelas provenientes do exercício de cargo em comissão e função de
confiança. Frise-se, ainda, que tal possibilidade encontra limite na regra
trazida pelo §2°do art. 40 da Carta Constitucional, no sentido de que
os proventos não poderão exceder a remuneração do servidor no cargo
efetivo em que se deu a aposentadoria.

Atinente à segunda pergunta, a Instrução salienta que no processo TCE


nº 114.572-4/09 foi afastado o parecer Rioprevidência/DJU nº 03/2009,
tendo sido construída, para tanto, uma argumentação profunda em
relação à matéria, concluindo que a redação original do art. 35 da Lei
Estadual nº 5.260/2008, ao prever a incorporação de parcelas de natureza
precária aos proventos, contraria o disposto na Emenda Constitucional
nº 20 de 1998, não produzindo, portanto, efeitos. Por tratar-se de vício
ab origine, atinge-se a essência da norma, circunstância que impede a
aquisição de direitos nela lastreados.

A Procuradoria-Geral deste Tribunal concorda com o posicionamento


da instância instrutiva. Todavia, diferentemente do Corpo Instrutivo, em
relação ao segundo questionamento, propõe que a norma original do art.
35 da Lei nº 5.260/2008 – apesar de ofender o § 2º do art. 40 da CF – seja

139
entendida como uma linha de corte entre um regime inconstitucional (que
até ali vinha sendo aplicado na prática) para, daí para frente, o Estado do
Rio de Janeiro se adequar à Constituição.

O Ministério Público Especial, representado pelo Procurador Horácio


Machado Medeiros, manifesta-se de acordo com a PGT.

É o relatório.

Inicio trazendo a norma inserta no inciso VII, do art. 3.º da Lei Complementar
nº 63/90, com a redação introduzida pela Lei Complementar nº 124, de
15.01.2009:

“Art. 3º - Compete, também, ao Tribunal de Contas:


...........................................................................................
VII − responder a consulta formulada pelos titulares dos Poderes
Legislativo, Executivo ou Judiciário;”

A norma é taxativa: há identificação dos legitimados ativos.

Tomando por base este preceito normativo, vejo que no caso concreto ora
enfrentado se encontram satisfeitos os requisitos de admissibilidade. A
Consulente é a titular do Poder Judiciário.

Portanto, à vista desses fatos, reconheço a legitimidade da Consulente para


oferecer o presente expediente perante esta Corte de Contas, nos termos
do inciso VII, do art. 3.º da Lei Complementar nº 63/90, com a redação
introduzida pela Lei Complementar nº 124, de 15.01.2009.

Em sequência, devo aduzir que os requisitos de admissibilidade não se


encerram na legitimidade dos Consulentes. É indispensável que a consulta
contenha a indicação precisa do seu objeto.

Neste feito, é esta a situação apresentada.

Sequencialmente, relativamente ao mérito da consulta propriamente dito,


apresento a primeira pergunta elaborada pela Consulente:

1 − Optando o servidor, como lhe facultam as Emendas Constitucionais


n°. 41/2003 e 47/2005 pelo regime da integralidade, ele poderia
se valer da possibilidade de contribuição sobre as gratificações de

140
função/cargo comissionado, como autorizado pelo art. 12, Parágrafo
único da Lei n°5260, de 11 de junho de 2008? E, consequentemente,
poderia ver integrada a referida parcela aos proventos?

Preliminarmente, malgrado as diferenças entre os requisitos para a


concessão dos dois regimes estabelecidos nas Emendas Constitucionais
nºs 41/03 e 47/05, ambos têm em comum, para o que interessa ao tema
da consulta, o fato de serem regimes integrais de aposentadoria, nos
quais o servidor tem direito a proventos correspondentes à totalidade da
remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria.

Após 16/12/1998, os dispositivos legais que preveem a integração/


incorporação de cargos comissionados ou funções gratificadas, na
passagem à inatividade, encontram-se em rota de colisão com a nova
redação dada ao § 2º do art. 40 da CF/88, pela Emenda Constitucional
nº 20/98, quando dispõe que “os proventos de aposentadoria, por
ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do
servidor no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria”. Com esta
mudança, quis o legislador reformista “pôr termo” a várias situações
teratológicas que só traziam desequilíbrio financeiro e atuarial ao
regime.

O citado dispositivo, indubitavelmente, extinguiu todos os acréscimos


que o servidor percebia, quando passava para a inatividade. Dito por
outras palavras, foram abolidas todas as formas de gratificações de
serviço, adicionais de inatividade, prêmios, gratificações decorrentes
do local de trabalho etc., visto que os proventos de aposentadoria não
poderão exceder à remuneração do respectivo servidor. Tal medida visa
preservar, por ocasião da aposentadoria, a observância do princípio da
isonomia, quando proíbe a percepção de proventos em valores superiores
à remuneração dos servidores que ainda estão na ativa.

Até o advento da EC nº 20/98, era muito comum aposentar-se com o direito


de incorporar verbas que não eram inerentes ao cargo efetivo em que se dava
a aposentadoria, fazendo com que o valor dos proventos fosse maior do que
o valor da remuneração do servidor no cargo efetivo quando em atividade.

No conceito legal, remuneração do cargo efetivo é o valor constituído


pelos vencimentos e vantagens pecuniárias permanentes desse cargo
estabelecidas em lei de cada ente, acrescido dos adicionais de caráter
individual e das vantagens pessoais permanentes.

141
Também se objetivou extinguir a prática de se agregar aos proventos
de aposentadoria verbas denominadas adicionais de inatividade, o que
também garantia ao servidor aposentar-se com valores mais elevados
aos que percebia na ativa. Tais práticas desprestigiavam qualquer regra
atuarial, pois majorava o benefício da aposentadoria sem a correlata fonte
de custeio.

Logo, com a reforma, não mais se poderá adicionar, no momento da


inativação, qualquer verba que ultrapasse o valor da remuneração do
servidor no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. Agora, a regra
geral é a de que somente o vencimento do cargo efetivo, acrescido das
vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei e os adicionais
de caráter individual, poderão compor o salário de contribuição e servir de
base para o cálculo do benefício.

A única exceção está no § 2º do art. 4º da Lei Federal nº 10.887/2004,


que faculta ao servidor ocupante de cargo efetivo fazer a opção pela
inclusão, na base de contribuição, de parcelas remuneratórias percebidas
em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de
confiança, para efeito de majorar o cálculo da média aritmética simples
(concessões com fundamento no art. 40 da CF), quando for o caso,
com observância, porém, do teto de remuneração do servidor efetivo
constante do art. 40, §§ 2º e 3º, da Constituição.

Contudo, insta destacar que a citada lei federal trazia essa previsão da
opção pelo desconto somente em relação aos servidores federais, sendo
um dispositivo constante desta lei que não possuía caráter nacional, e,
sendo assim, a opção nos Estados-membros somente poderia ser feita
quando houvesse legislação apta a ensejá-la.

E assim o fez o nosso Estado com a promulgação da Lei Estadual nº 5.260,


de 11/06/2008, onde foi disponibilizada aos servidores do Estado do Rio
de Janeiro a opção pelo desconto nessas verbas que, em princípio, seriam
isentas. Mas, frise-se: para aqueles servidores que se aposentarem pelas
novas regras trazidas pela Emenda Constitucional nº 41/2003, isto é, média
das contribuições, ou seja, sem integralidade e paridade.

Portanto, com a EC nº 20/1998, o legislador reformista também objetivou


acabar com a prática que consistia em se conceder ao servidor, pouco
tempo antes de sua aposentadoria, funções de confiança ou cargos em
comissão (direção, chefia e assessoramento), a fim de que a gratificação

142
inerente a estes cargos fosse integralmente incorporada aos proventos, no
momento de sua inativação.

Ainda que o servidor contribuísse sobre a função de confiança ou o cargo


em comissão, verifica-se que nem de longe tal contribuição justificaria
a incorporação integral de tal gratificação. Do ponto de vista atuarial, o
servidor deveria contribuir por muitos anos para garantir a integralidade
de tal incorporação, fato este que não ocorria, já que, em muitos casos,
contribuía-se por pouco tempo e, mesmo assim, assegurava-se o direito
de incorporar a totalidade da gratificação aos proventos da aposentadoria.

O prejuízo ao regime de previdência era inquestionável, na medida em que


o valor da gratificação incorporada muitas vezes correspondia ao dobro ou
triplo da remuneração do cargo efetivo e a conta deveria ser paga pelos
cofres da previdência.

Conclui-se, portanto, que, após 16/12/98, qualquer norma existente, de


qualquer ente federativo, seja ela constitucional ou infraconstitucional, que
assegure ao servidor o direito de incorporar aos proventos da aposentadoria
(ou seja, na passagem à inatividade) a gratificação percebida em razão do
exercício de funções de confiança ou de cargos em comissão, exercido por
um determinado lapso temporal, encontra-se revogada pela EC nº 20/1998.

Assim é a orientação do Supremo Tribunal Federal quando, em 09/08/2006,


julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.821/PI,
sustentando, por unanimidade, o entendimento de que os artigos 136 da
Lei Complementar nº 13/94 e 254 da Constituição do Estado do Piauí foram
revogados pela EC nº 20/98, quando esta deu nova redação ao § 2º do art.
40 da CF/88, in verbis:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO SEGUIMENTO DA AÇÃO DIRETA EM
FUNÇÃO DA PERDA SUPERVENINETE DO INTERESSE DE AGIR. EC 20/98
QUE DISCIPLINOU A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA DOS SERVIDORES
PÚBLICOS. ARTIGO 40, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. REVOGAÇÃO
DOS PRECEITOS QUE CONFLITAM COM A NOVA REDAÇÃO DO TEXTO
CONSTITUCIONAL. 1. O cabimento da ação direta de inconstitucionalidade
está vinculado à eficácia das preceitos impugnados. 2. Os artigos
impugnados passaram a divergir do texto do artigo 40, § 2º, da Constituição
do Brasil, em decorrência da nova redação que lhe foi conferida pela EC
20/98. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

143
O Ministro-Relator, Eros Grau, salientou que os dispositivos acima citados
restaram revogados, uma vez que a Emenda Constitucional nº 20/98, entre
outras disposições, estabeleceu que os proventos de aposentadoria, por
ocasião de sua concessão, não poderiam mais exceder à remuneração
do respectivo servidor no cargo efetivo, o que veda a incorporação de
gratificações aos proventos. Por essa razão não conheceu da ADI em relação
a esses dispositivos legais, e negou provimento ao Agravo Regimental
interposto pelo Estado do Piauí.

Vejamos o que estabeleciam os citados dispositivos legais. Começando


pelo art. 136 da Lei Complementar nº 13/94:

Art. 136 - O servidor que tiver exercido função de direção, chefia,


assessoramento, assistência, cargo em comissão ou função gratificada,
por período de 5 (cinco) anos consecutivos, ou 10 (dez) anos interpolados,
poderá aposentar-se com a gratificação da função ou da gratificação do
cargo em comissão, de maior valor, desde que exercido por um período
mínimo de 2 (dois) anos.

Por sua vez, observemos o disposto no art. 254 da Constituição Estadual de


1989 do Estado do Piauí:

“Art. 254 - O servidor que contar tempo de serviço igual ou superior ao


fixado para aposentadoria passará à inatividade, com gratificação do cargo
de direção, em comissão, de função de confiança ou de função gratificada
que estiver exercendo ou tenha exercido na administração pública, por
cinco anos ininterruptos ou dez anos intercalados.”

Por conseguinte, o STF assinalou com o entendimento de que qualquer


lei pertencente ao ordenamento jurídico brasileiro, seja ela emanada de
qualquer ente federativo, que trate da matéria nos moldes do art. 136 da
Lei Complementar do Estado do Piauí nº 13/94 e art. 254 da Constituição
do Estado do Piauí, restou revogada pela EC nº 20/98.

Desta forma, consagrou-se, do ponto de vista jurisprudencial, o fim das


incorporações na passagem à inatividade a partir da publicação da EC nº
20/98.

Decerto que o reformador constitucional não poderia desprestigiar o


princípio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, mesmo que isso
represente a manutenção de benefícios que provoquem sangria ao erário.

144
Admitiu-se, portanto, que somente àqueles que, até a data da publicação da
referida emenda, implementaram o lapso temporal previsto na lei, poderão
ter seus proventos compostos por tais verbas, isto é, o interstício temporal
deverá ser integralmente cumprido até 16/12/98, pois só assim o servidor
garantirá a incorporação da dita gratificação em sua aposentadoria.

Todavia, aqueles que ainda não haviam implementado o tempo previsto


nos citados dispositivos não poderão mais fazer jus a tal benesse, posto
que a ninguém é dado o direito de ver-se amparado por regras de regime
jurídico modificado. Isto quer dizer que inexiste direito adquirido em face
da Constituição Federal. A mera expectativa de direito não pode assegurar
ao interessado o direito de ver-se amparado por normas do antigo regime,
não mais vigentes por ocasião da nova ordem constitucional estabelecida.

É necessário ressaltar que as incorporações que ocorram ainda em


atividade passam a compor a remuneração do servidor, constituindo direito
pessoal permanente, e, portanto, a inclusão das mesmas nos cálculos dos
proventos não ferem as disposições contidas na Emenda Constitucional
nº 20/98, no entanto, não é compatível o mesmo raciocínio em relação às
parcelas transitórias, que dependem da concessão da aposentadoria para
serem incorporadas aos proventos.

Por outras palavras, o exercício de cargo em comissão, pelo servidor


efetivo, pressupõe o pagamento de uma remuneração maior e, às vezes,
as leis locais preveem a incorporação desse plus ainda na atividade, o que
não gera problema, pois, nesse caso, a contribuição previdenciária incidirá
permanentemente na remuneração do servidor.

Portanto, depreende-se que as parcelas que estão atreladas ao


desempenho do cargo ou às condições e locais onde tal cargo
é exercido, a partir de 16/12/98, data da publicação da Emenda
Constitucional nº 20/98, somente poderão ser incorporadas na forma
expressa por lei, e frise-se: em atividade. Dito por outras palavras, é
necessário que a vantagem integre a remuneração do servidor, e não
se subordine quando da passagem à inatividade para ser inclusa nos
proventos de aposentadoria.

Assim, qualquer dispositivo legal que use, por exemplo, as frases “Para
efeito de aposentadoria” e “terá incorporado aos seus proventos”, com
ideia de futuro, dando a entender que a parcela se refere aos proventos
que virão, e não aos vencimentos da atividade restaram revogadas pela

145
EC nº 20/98. Não se pode conceber uma vantagem funcional que tenha
como condição aquisitiva o requerimento de aposentadoria. Sendo assim,
é suficiente invocar o § 2º do art. 40 da CF para concluir pela ilegalidade
de tais parcelas.

Não podemos ignorar que este Tribunal de Contas já se pronunciou


a respeito desta matéria nos autos do processo TCE nº 110.509-
1/05, cujo voto foi aprovado na Sessão Plenária de 06/07/2006,
acompanhando voto proferido pelo Conselheiro Jonas Lopes de
Carvalho Jr., dos quais extraio o seguinte trecho, aplicável ao caso
concreto com perfeição:

Com efeito, entendo, s.m.j., que, na hipótese de um servidor se aposentar


já sob a égide da Emenda Constitucional nº 20/98, mesmo na existência
de lei prevendo a incorporação/integração de cargos em comissão ou
funções gratificadas aos proventos quando da passagem à inatividade,
ainda assim, será forçoso reconhecer que os preceitos destas leis restaram
revogados por serem materialmente incompatíveis com a nova ordem
constitucional em vigor. Desta feita, concluo que a Emenda Constitucional
nº 20/98 também será fator limitador do direito de integração daquelas
parcelas financeiras aos proventos, a não ser que as mesmas já tenham
sido incorporadas à remuneração do cargo efetivo do servidor, ainda, em
atividade, oportunidade na qual estará albergada pelo manto do direito
pessoal.

Com o fito de corroborar o entendimento aqui esposado, destaco o trecho


a seguir no julgamento, já citado neste voto, Ag. Reg. na ADI nº 2.871-5 PI,
no voto do Relator, Min. Eros Grau:

Tendo em conta a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, que,


entre outras disposições, estabelece que os proventos de aposentadoria,
por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do
respectivo servidor, no cargo efetivo ..... o que veda a incorporação de
gratificações aos proventos ....., entendi revogados os preceitos atacados
editados antes da aludida emenda.

Tal assertiva é em virtude do texto do § 2º do art. 40 da CF/88, em sua


parte inicial, quando utiliza a expressão: “os proventos de aposentadoria,
por ocasião de sua concessão”, donde se conclui que a proibição da
incorporação limita-se apenas ao momento da aposentadoria, sendo
possível quando o servidor ainda está na ativa.

146
Logo, se a proficiência foi incorporada na ativa, corolário lógico que pode
ser levada para a inatividade.

Embora seja vedada a incorporação de função de confiança e cargo em


comissão aos proventos de aposentadoria, não há óbice, todavia, a que
estes sejam considerados na base de cálculo do benefício concedido com
fundamento no art. 40 CRFB/88 (média das contribuições), na hipótese de
sobre tais parcelas ter incidido contribuição previdenciária.

De qualquer maneira, preenchidos os requisitos constantes no art. 12, § 1°


da Lei Estadual nº 5.260/2008, não se pode olvidar que, tendo em vista o
disposto no § 2º do art. 40 da CRFB, a inclusão de tais parcelas transitórias
na base de cálculo da contribuição não afastará o limite máximo de que
os proventos de aposentadoria não poderão exceder a remuneração do
servidor no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria.

Conclusivamente, em resposta à primeira pergunta, considerando que o


instituto da incorporação de cargos em comissão ou funções gratificadas,
na atividade – assim como na inatividade –, não existe mais no âmbito
jurídico deste Estado (Lei nº 2.565/1996), de acordo com a sistemática
constitucional, não é possível ao servidor (que se aposente pelo regime
da integralidade e paridade) pretender que, contribuindo sobre o valor do
cargo em comissão ou da função gratificada, incorporará tais parcelas em
seus proventos de aposentadoria.

Apresento, a seguir, a segunda indagação realizada pela Consulente:

2 - Se a redação original do art. 35 da Lei n°5260/2008, que teve seu efeito


temporal modulado nos termos do mencionado parecer Rioprevidência/
DJU n°03/2009, possui o condão de assegurar, àqueles que se enquadrarem
nos requisitos nele estabelecidos, a integração da gratificação de função
ou cargo comissionado aos proventos de aposentadoria, tendo o servidor
optado pela inativação com proventos calculados à totalidade da
remuneração e reajustados pelo principio da paridade, com fundamento
no art. 6°da Emenda Constitucional n°41/2003 ou no art. 3°da Emenda
Constitucional n°47/2005?

Como já exposto, a Constituição Federal proíbe que os proventos da


aposentadoria excedam a remuneração do servidor no cargo efetivo (art.
40, § 2°
, CRFB); sendo certo que o conceito de remuneração para o direito
previdenciário não engloba as vantagens transitórias.

147
Entretanto, no Estado do Rio de Janeiro, a legislação e a prática administrativa
não acompanharam inteiramente as mudanças constitucionais desde a
promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98. Em outras palavras, em
que pese a contrariedade ao disposto no art. 40, § 2º, da CF, permanecia
sendo aplicado o art. 220 do Decreto estadual nº 2.479/79, in verbis:

Art. 220 - Além do vencimento, integram o provento as seguintes vantagens


obtidas durante a atividade:

I – adicional por tempo de serviço;

II – gratificações ou parcelas financeiras outras, percebidas em caráter


permanente.

§ 1º - Para os efeitos deste artigo, considera-se percepção em caráter


permanente a vantagem pecuniária inerente ao cargo e aquela em cujo
gozo o funcionário se encontre ininterruptamente, nos últimos 5 (cinco)
anos anteriores à passagem para a inatividade.

§ 2º - A base de cálculo para a incorporação no provento das vantagens a


que se refere o inciso II será:

1) quando o valor da vantagem for variável, considerar-se-á para efeito


de fixação em importância igual à percebida pelo funcionário no tempo
da passagem para a inatividade em todas as hipóteses previstas no inciso
I, do artigo 219; nos demais casos, observar-se-á proporcionalidade ao
tempo de serviço.

Corolário lógico, a incompatibilidade entre uma emenda


constitucional e um decreto estadual define-se em proveito da norma
hierarquicamente superior, isto é, a Emenda Constitucional nº 20/98
revogou o art. 220 do decreto.

No entanto, a revogação expressa do art. 220 somente se deu 10 anos mais


tarde, por intermédio do art. 4º da Lei Complementar nº 121, publicada em
12 de junho de 2008, lembrando que o art. 5º preservou expressamente os
direitos até ali adquiridos:

Art. 4º Ficam revogados, ressalvado o disposto no art. 5°desta Lei, os artigos


214, 215 e seu respectivo parágrafo único, 216, 219 e seus respectivos
parágrafos, 220 e seus respectivos parágrafos, 221 e seus respectivos

148
parágrafos, 222, 223 e seu respectivo parágrafo único e 224, todos do
Regulamento do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado,
aprovado pelo Decreto n°2.479, de 8 de março de 1979.

Art. 5°Fica assegurado o exercício dos direitos adquiridos anteriormente à


data de vigência desta Lei, com amparo nos dispositivos revogados pelos
arts. 3°e 4°da presente Lei.

Como se vê, a Lei Complementar nº 121/2008 reconheceu a vigência


do art. 220 do Decreto Estadual nº 2.479/79, preservando os direitos até
então adquiridos.

Entretanto, a Lei Estadual nº 5.260/2008, publicada no mesmo dia, previu,


no seu art. 35, expressamente, o direito de incorporação de vantagens
pecuniárias sobre as quais tenha incidido a contribuição previdenciária. É
ler a passagem:

Art. 35 - Integrarão os proventos dos segurados as vantagens pecuniárias


percebidas ininterruptamente, na data de publicação desta Lei, há pelo
menos 3 (três) anos, desde que o segurado permaneça no gozo da mesma
por período de tempo ininterrupto, a contar da data de publicação
desta Lei, e que, findo este período, totalize, pelo menos, 5 (cinco) anos
de percepção, ingresse na inatividade, hipótese em que se manterá a
incidência da contribuição previdenciária sobre a mencionada vantagem.

É nítido que se versava de uma norma de transição entre o regime do


Decreto nº 2.479/79 e o novo regime da Lei nº 5.260/2008, para aqueles que
recebiam vantagens pecuniárias ininterruptamente, na data da publicação
daquela última lei.

Contudo, é de fácil verificação que o dispositivo ora transcrito padecia


de vício de inconstitucionalidade, por acolher a integração de quaisquer
vantagens aos proventos dos servidores, mediante o cumprimento das
circunstâncias ali lavradas. Tanto que, em 19/12/2008, apenas 6 meses
após a sua edição, o texto em destaque foi revogado pela Lei Estadual nº
5.352/2008, que trouxe a seguinte redação:

Art. 35 - Não integrarão os proventos dos segurados as parcelas


remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho, de função
de confiança ou de cargo em comissão, exceto quando tais parcelas
integrarem a remuneração de contribuição do servidor que se aposentar

149
com fundamento no artigo 40 da Constituição da República, respeitado,
em qualquer hipótese, o limite do § 2º do citado artigo.

Porém, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, através do parecer


Rioprevidência/DJU nº 03/2009 - FDCB, defendeu a inconstitucionalidade
da nova redação do art. 35, em virtude de uma alegada violação do princípio
da segurança jurídica e da proteção da confiança, por vislumbrar uma
legítima expectativa dos servidores públicos da “possibilidade de cômputo
de gratificações de encargos especiais nos proventos de inatividade para
aposentadorias voluntárias.”

Logo, em decorrência dessa alegada inconstitucionalidade, argumentou-se


que a redação original do art. 35 deveria ser aplicada a todos os servidores
ativos e/ou inativos abrangidos pelo art. 6º da EC nº 41/2003 e pelo art. 3º
da EC nº 47/2005.

Por outras palavras, em consonância com o citado parecer, estes servidores,


se preencherem os requisitos da redação original do art. 35, incorporarão
as respectivas vantagens aos seus proventos de aposentadoria.

Assim, é evidente o descompasso entre a legislação e a prática


administrativa no Estado, de um lado, e as regras constitucionais sobre o
regime de aposentadoria estabelecidas a partir da EC nº 20/98, de outro.

A modificação do art. 35 teve por desiderato reparar a inconstitucionalidade


que alcançava a redação original, em obediência ao disposto no § 2º do art.
40 da Constituição Federal, pois vicejava, para quem preenchesse os seus
requisitos, uma incorporação de vantagens na aposentadoria, enquanto
o citado § 2º coloca, expressamente, a remuneração do cargo efetivo
em que se der a aposentadoria como limite máximo para os proventos,
adicionando também que previa a integração de quaisquer vantagens
pecuniárias aos proventos dos servidores.

Em virtude da inconstitucionalidade da redação original do art. 35 – e da


constitucionalidade da nova redação que recebeu, porque conformada
ao § 2º do art. 40 da Constituição – o Plenário deste Tribunal de Contas,
através do processo TCE n.º 114.572-4/09, afastou as conclusões do parecer
Rioprevidência/DJU n.º 03/2009 - FDCB.

1 - RMS 21.559/DF - Distrito


Federal. Relator: Ministro Não podemos olvidar que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu1 —
Luiz Fux. Julgamento em
02/10/2008.
inspirado em julgados do Supremo Tribunal Federal — que a incidência

150
de contribuição previdenciária sobre parcelas remuneratórias que não
integrem a remuneração do cargo efetivo do servidor, à míngua de
dispositivo legal que defina como base de cálculo, constitui violação aos
princípios da legalidade, da vedação de confisco e da capacidade econômica
(contributiva), insculpidos nos incisos I e IV do art. 150 e § 1º do art. 145
da Constituição Federal, bem como o princípio da proporcionalidade entre
o valor da remuneração-de-contribuição e o que se reverte em benefícios,
posto que, na aposentadoria, o servidor receberá tão somente a totalidade
da remuneração do cargo efetivo e não o quantum proporcional àquele
sobre o qual contribuiu.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu também que vantagens de


natureza propter laborem, não podem ser incorporadas aos proventos
de aposentadoria, como podemos verificar na ementa do Agravo
Regimental no Recurso Especial n.º 1.238.043/SP, julgado em 14/04/2011
pela Primeira Turma:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO.


ADICIONAIS (NOTURNO E INSALUBRIDADE) E HORA EXTRA. INCORPORAÇÃO
AOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA. SÚMULAS NºS 83/STJ E 280/STF.
PRECEDENTES.
1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento firmado em que
o adicional noturno, o adicional de insalubridade e as horas extras têm
natureza propter laborem, pois são devidos aos servidores enquanto
exercerem atividades no período noturno, sob exposição a agentes
nocivos à saúde e além do horário normal, razão pela qual não podem ser
incorporados aos proventos de aposentadoria, limitados à remuneração
do cargo efetivo. Precedentes.
2. “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.”
(Súmula do STF, Enunciado nº 280).
3. Agravo regimental improvido.

Vejamos também a ementa do Agravo em Recurso Especial n.º 117.402/PE,


julgado em 17/02/2012:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.


SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. DESCABIMENTO DA INCORPORAÇÃO
DE GRATIFICAÇÕES DE CARÁTER PROPTER LABOREM AOS PROVENTOS
DE APOSENTADORIA. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. IMPROPRIEDADE DO EXAME REFLEXO
DO DIREITO LOCAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 280 DO STF.

151
ART. 1º, II DA LEI 9.717/98. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211
DO STJ. DECESSO REMUNERATÓRIO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO DE SOLANGE DE
MOURA MORAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Agrava-se de decisão que negou seguimento ao Recurso Especial


interposto por SOLANGE DE MOURA MORAIS, com fundamento na
alínea a do art. 105, III da Constituição Federal, no qual se insurge
contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de Pernambuco assim ementado (fl. 14): PREVIDENCIÁRIO E
ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÕES DE DIFÍCIL ACESSO E DE FUNÇÃO
DE GRUPO DE MAGISTÉRIO. INCORPORAÇÃO À APOSENTADORIA.
IMPOSSIBILIDADE. VANTAGENS DE CARÁTER PROPTER LABOREM.
PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. DECISÃO
MONOCRÁTICA MANTIDA. DECISÃO UNÂNIME.

I - Das parcelas que compunham a remuneração da servidora recorrente,


existiam algumas, a exemplo das perseguidas, com caráter propter
laborem, cujos valores não fazem parte do cálculo para fins de benefício
previdenciário, em virtude de estarem atreladas ao desempenho de
atividades temporárias e especiais.
II - A recorrente não faz jus à incorporação a sua aposentadoria das
gratificações almejadas, embora as tenha percebido por vários anos, haja
vista terem as mesmas sido pagas em razão do exercício de funções de
caráter temporário.
III - Recurso de agravo improvido.
IV - Decisão Unânime.

Corroborando esta mesma linha de raciocínio, em recentíssima decisão,


tomada em 26/04/2013, assim decidiu a Nona Câmara Cível do Tribunal de
Justiça fluminense na Apelação Cível n.º 0001518-77.2011.8.19.0020:

APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.


APOSENTADORIA POR IDADE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.
INCORPORAÇÃO AOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA.
IMPOSSIBILIDADE. VERBA TRANSITÓRIA QUE VISA COMPENSAR O
SERVIDOR ENQUANTO ESTIVER EXPOSTO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE.
NATUREZA PROPTER LABOREM INCOMPATÍVEL COM A INATIVIDADE.
RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A VERBA
QUE NÃO TRANSMUDA SEU ESCOPO TEMPORÁRIO. REFORMA DA
SENTENÇA. O adicional de insalubridade é verba estipendial paga sob

152
condição e em caráter transitório, indenizando o obreiro em razão
do desempenho da atividade laboral em condições especialmente
desfavoráveis. Não mais subsistindo as condições que justificavam
tais acréscimos remuneratórios, o que ocorre pela superveniência
da aposentadoria do servidor, não remanesce o direito de recebê-
la na inatividade, quando, ao tempo da aposentadoria, não vigorava
norma local que assegurasse a incorporação da verba aos proventos
de aposentadoria. O fato de a Administração Pública ter efetuado
errôneas retenções a título de contribuição previdenciária sobre o valor
do adicional, não implica em se alterar a base jurídica constitucional
para o cálculo dos proventos de aposentadoria, cabendo ao segurado
pleitear, em via própria, a repetição do indébito tributário. Reforma da
sentença para julgar improcedente o pedido de revisão do benefício
previdenciário. Conhecimento e provimento ao recurso.

Em reforço à minha argumentação, trago as palavras de Hely Lopes


Meirelles2:

Gratificação de serviço (propter laborem) é aquela que a Administração


institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalhos
normais executados em condições anormais de perito ou de encargos
para o servidor, tais como os serviços realizados com risco de vida e saúde
ou prestados fora do expediente, da sede ou das atribuições ordinárias
do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua
vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais
para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço, mas que
acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa categoria
de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração paga
pelos trabalhões realizados com risco de vida e saúde; pelos serviços
extraordinários; pelo exercício do Magistério; pela representação
de gabinete; pelo exercício em determinadas zonas ou locais; pela
execução de trabalho técnico ou científico não decorrente do cargo;
pela participação em banca examinadora ou comissão de estudo ou de
concurso; pela transferência de sede (ajuda de custo); pela prestação de
serviço fora da sede (diárias).

Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está


prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias
“pro labore faciendo” e “propter laborem”. Cessando o trabalho que lhes
2 - MEIRELLES, Hely Lopes.
dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as Direito administrativo
Brasileiro. 33ª ed. São Paulo:
justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Malheiros, 2007.

153
Tais decisões e o entendimento doutrinário acima abordado robustecem
o fato de que a Constituição da República, em seu § 2º, do art. 40, com
a redação trazida pela EC n.º 20/98, modificou profundamente o sistema
previdenciário dos servidores, sendo certo que a aposentadoria passou
a ter como parâmetro, exclusivamente, o cargo efetivo, não mais se
cogitando do cargo em comissão, função gratificada, parcelas decorrentes
de local de trabalho ou outras vantagens transitórias.

Permissa venia, parece-me bastante ousado suplantar o mandamento


constitucional, em razão da clareza da redação do dispositivo mencionado
(art. 40, § 2º da CF), fundado no princípio da segurança jurídica para
defender direitos de servidores que nunca nasceram, ou seja, o que havia,
singelamente, era mera expectativa de direito.

Consolidando a tese exposta, milita o princípio da presunção da


constitucionalidade das leis, que dita pelo menos duas regras ao
intérprete: (i) não sendo flagrante o vício de constitucionalidade e havendo
interpretação razoável que permita considerar a norma como consentânea
com a Constituição, a norma não deve ser tida inconstitucional; (ii) o
intérprete deve atentar para as diversas possibilidades de interpretação da
norma, procurando extrair-lhe o sentido que a coloque em harmonia com
o texto constitucional de modo a mantê-la no ordenamento jurídico.

Ademais, não se vislumbra violação ao princípio da segurança jurídica


em razão das alterações promovidas pela Lei n.º 5.352/2008, já que tal
garantia constitucional não se presta a assegurar a inalterabilidade do
regime jurídico do servidor público, conforme entendimento pacífico
dos tribunais superiores. Diz-se, nestes casos, que a relação jurídica que
o servidor mantém com o Estado é legal ou estatutária, ou seja, objetiva,
impessoal e unilateralmente alterável pelo Poder Público. A disciplina geral
da função pública é considerada inapropriável pelo servidor público e,
portanto, tida como sujeita a modificação com eficácia imediata tanto no
plano constitucional quanto infraconstitucional.

Não se admite, porém, direito adquirido à mera sobrevivência no tempo do


regime jurídico regulador da função pública, em benefício de indivíduos
determinados, pois foi vencida no plano das ideias e na história a concepção
patrimonial da função pública (quando os cargos públicos eram bens
negociados, comprados ou doados, e integravam o patrimônio pessoal
do seu titular). Atualmente, os cargos adotam o regime legal da função
pública, estando à disposição do legislador, nos limites da Constituição,

154
repelindo-se a ideia de que o regime jurídico regulador do exercício da
função, em si mesmo considerado, possa ser incorporado ao patrimônio
jurídico dos servidores ou da Administração.

Portanto, não se olvide afirmar que direito adquirido é todo aquele que
preenche os requisitos legais ao seu tempo, postergando-se o seu exercício.
Melhor expõe o mestre Rubens Limongi França (A irretroatividade das leis
e o direito adquirido, 5.ed: Saraiva, 1998), quando traduz os ensinamentos
de Carlos Francesco Gabba:

É adquirido todo direito que:

a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do


tempo no qual foi consumado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se
tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo;

b) nos termos da lei sob cujo império se entabulou o fato do qual se origina,
entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Vê-se, nitidamente, que há dúplice condição para que se tenha por


adquirido o direito: o adimplemento das condições previstas na lei (fatto
cumpiuto) enquanto ainda vigente, mesmo que seu gozo venha a ser
diferido no tempo. Logo, volto a dizer: não há que se falar em direito
adquirido a regime jurídico, sendo o direito adquirido uma situação fático-
jurídica, e não uma posição de vantagem jurídica inadvertida no tempo.
Utiliza-se a voz do Min. Sepúlveda Pertence (ADI n.º 2.087-1/AM) para
melhor dizer o que se pretende:

O direito adquirido, quando seja o caso, pode ser oposto com êxito à
incidência e à aplicação de norma superveniente às situações subjetivas já
constituídas, mas nunca à alteração em abstrato do próprio regime anterior.

Além de que, como é sabido, o princípio da segurança jurídica destina-se


à proteção do particular frente ao Estado, buscando evitar que oscilações
procedimentais possam trazer prejuízo àquele que respeitou os parâmetros
anteriormente estabelecidos. Em outras palavras, espera impedir que
mudanças de procedimentos e entendimentos possam causar prejuízos
significativos a particulares que tenham atuado fielmente de acordo com
aqueles que então vigiam.

Ilustrativamente, trago o excerto doutrinário a seguir transcrito:

155
O princípio da segurança jurídica, que não tem sido incluído nos livros de
Direito Administrativo entre os princípios da Administração Pública, foi
inserido entre os mesmos pelo artigo 2.º, caput, da Lei n.º 9.784/99.

Como participante da Comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de


que resultou essa lei, permito-me afirmar que o objetivo da inclusão desse
dispositivo foi o de vedar a aplicação retroativa de nova interpretação de lei
no âmbito da Administração Pública. Essa idéia ficou expressa no parágrafo
único, inciso XIII, do artigo 2.º, quando impõe, entre os critérios a serem
observados, “interpretação da norma administrativa da forma que melhor
garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação
retroativa de nova interpretação.”

O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa,


haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a
conseqüente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando
situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação
anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém
gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua
situação será passível de contestação pela própria Administração Pública.
Daí a regra que veda a aplicação retroativa.

O princípio tem que ser aplicado com cautela, para não levar ao absurdo
de impedir a Administração de anular atos praticados com inobservância
da lei. Nesses casos, não se trata de mudança de interpretação, mas de
ilegalidade, esta, sim, a ser declarada retroativamente, já que atos ilegais
não geram direitos.
(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas,
2001. p. 84/85).

Da combinação dos elementos de convicção abordados até aqui, surge,


naturalmente, a conclusão de que não cabe a aplicação do princípio da
segurança jurídica ao caso concreto que se discute: não se pode usá-lo
para legitimar um descumprimento à CR − § 2º do art. 40; pensar em
resguardar o direito, que não surgiu, do servidor equivaleria a desrespeitar
o direito de todos os demais cidadãos que buscam ver cumpridas as
normas insertas em nossa Constituição.

Assim, algumas situações, se analisarmos sob um prisma crítico, podem


parecer-nos injustas, mas foram obras do legislador, que está acima
dessas questões, e que tem atributos para alterar o ordenamento jurídico,

156
caso obtido o consenso necessário no Congresso Nacional e/ou na
Assembleia Legislativa para a promulgação das emendas constitucionais
e leis ordinárias.

Há de se ressaltar que a Lei Estadual n.º 5.352/2008 teve origem em projeto


de lei enviado à Assembleia Legislativa pelo Executivo, que, após aprovado
pelo Poder Legislativo, retornou ao Chefe do Executivo que o sancionou,
obedecendo, assim, ao processo legislativo ditado pela Constituição Estadual.

Ademais, a lei supracitada foi objeto de controle de constitucionalidade


preventivo, realizado pela Comissão de Constituição e Justiça da
Assembleia Legislativa, “cuja função precípua é analisar a compatibilidade
do projeto de lei ou proposta de emenda constitucional apresentados com
o texto da Constituição Federal”3.

Lembremos que em diversos casos os servidores possuíam uma situação


jurídica que foi alterada em decorrência de novas emendas constitucionais
ou leis ordinárias, que modificaram o ordenamento jurídico vigente.
Quantos servidores inativos consideram injusto recolher contribuição
previdenciária após a inatividade? Quantos servidores consideraram
injusta a criação de “pedágio” para lograr uma aposentadoria?

Imaginemos a situação de servidores que, à beira da publicação da


Emenda de Constitucional n.°20/98, estavam prestes a aposentarem-se e
tiveram que trabalhar mais anos para preencherem os novos requisitos.
E os servidores que percebiam remuneração superior ao teto previsto
na Emenda Constitucional n.°41/2003 e tiveram redução remuneratória,
adequando os seus vencimentos a essa nova regra!

Idealizemos, também, quantos servidores entendem que tiveram suas


expectativas frustradas com a promulgação da Lei Estadual n.º 2.565/96,
que extinguiu o instituto da incorporação de cargos em comissão e/ou
funções gratificadas no sistema jurídico administrativo do Estado.

Vencida a questão controvertida, ainda há outra tormentosa a ser


enfrentada. Refiro-me, aqui, a pequena divergência entre a PGT e o
Corpo Instrutivo.

É verdade que nos autos do processo TCE n.º 114.572-4/09, o Plenário


deste Tribunal decidiu que para aquelas concessões cujos requisitos foram 3 - ALEXANDRE DE MORAES,
Direito Constitucional, 21ª
(e serão) concluídos após 19/12/2008, data da publicação da Lei Estadual Ed., p. 681.

157
n.º 5.352/2008, aplica-se o novo art. 35 da Lei n.º 5.260/2008, lembrando
que tal dispositivo trata do cálculo de proventos referentes à regra atual
(média prevista no art. 1º da Lei Federal n.º 10.887/2004).

Todavia, enfrentarei uma vez mais a questão.

Deveras, a Emenda Constitucional n.º 20/98 revogou o art. 220 do Decreto,


ou seja, a rigor, o art. 220 do Decreto Estadual n.º 2.479/79, por ir de encontro
ao § 2º do art. 40 da Constituição da República já estava revogado (ainda
que tacitamente) desde a promulgação da Emenda Constitucional n.º
20/98. Desta forma, foi despicienda a revogação expressa do supracitado
art. 220 pela Lei Complementar n.º 121/2008, ou, ainda, a preservação dos
direitos até ali adquiridos, assim como a regra de transição da redação
original do art. 35 da Lei 5.260/2008.

Enfim, não se pode revogar o que já está revogado, garantir direitos há


mais de 10 anos extintos, como também prever regras de transição para
um regime há muito ultrapassado.

A problemática que emerge aqui está voltada para o fato de que a


legislação e a prática do Estado do Rio de Janeiro não seguiram, como
deveriam ter feito, o modelo definido na Carta Magna. E o fato concreto é
que muitos servidores continuaram contribuindo sobre eventuais parcelas
transitórias, na expectativa de incorporarem tais valores aos seus proventos
de aposentadoria, na forma do art. 220 do Decreto n.º 2.479/79, o qual,
em que pese ter sido revogado tacitamente pela EC n.º 20/98, continuou
sendo aplicado na prática.

E, mormente essa expectativa se tornou legítima, quando, no ano de 2008,


duas leis estaduais – a Lei Complementar n.º 121/08 e a redação original
do art. 35 – asseguraram ao servidor que estivesse na data da publicação
daqueles dispositivos legais recebendo vantagens pecuniárias temporárias,
o direito de incorporá-las aos seus proventos.

Logo, foram os Poderes Legislativo e Executivo (este pelo Rioprevidência)


que fizeram o servidor acreditar que deveriam contribuir sobre as parcelas
temporárias para incorporá-las aos seus proventos.
4 - A verificação da legalidade
dos atos de pessoal para fins
de registro foi atribuída pelo Não podemos olvidar também, e não menos importante, que este
constituinte originário aos
Tribunais de Contas em caráter
Tribunal de Contas4 considerou que o art. 220 do Decreto Estadual
de jurisdição exclusiva. n.º 2.479/79 continuava vigente, mesmo após a entrada em vigor da

158
Emenda Constitucional n.º 20/98, haja vista que REGISTROU todos os
atos concessórios que continham parcelas fundamentadas no citado
dispositivo legal.

Portanto, coerentemente com o decidido no processo TCE n.º 114.572-


4/09, estou convencido de que a norma original do art. 35 da Lei Estadual
n.º 5.260/2008 – apesar de ofender o § 2º do art. 40 da CRFB – seja
entendida como uma linha de corte entre um regime inconstitucional (que
até ali vinha sendo aplicado na prática) para, daí para frente, ou seja, após
a sua revogação pela Lei Estadual n.º 5.352, publicada em 19/12/2008, o
Estado do Rio de Janeiro se adequar à Constituição da República.

CONSIDERANDO que a matéria tratada na presente Consulta é de grande


interesse para os demais órgãos deste Estado, entendo que é de bom
alvitre cientificar os Poderes Executivo e Legislativo deste Estado, assim
como o Ministério Público, acerca do inteiro teor desta decisão.

Conclusivamente, pode-se responder aos questionamentos colocados na


presente Consulta da seguinte forma:

1. os servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deste


Estado, assim como os do Ministério Público e Tribunal de Contas, optantes
pelo regime da integralidade e paridade (art. 6º da EC n.º 41/2003 e art.
3º da EC n.º 47/2005) não devem – uma vez que seria inevitável hipótese
de pagamento sem causa − contribuir sobre vantagens referentes
a cargos em comissão ou funções gratificadas, assim como parcelas
transitórias, como, por exemplo, aquelas decorrentes de local de trabalho
e gratificações de serviço, porque não poderão incorporar tais vantagens Pagamento sem causa –
conforme já acentuavam
aos seus proventos de aposentadoria, em virtude do disposto no § 2º do
os romanos, o pagamento
art. 40 da Constituição da República, exceto na hipótese abaixo; sem causa (condictio sine
causa) é generalizado do
princípio que que serve de
fundamento ou de base À
2. em consonância com a decisão proferida, à unanimidade, pelo Plenário condictio indebito. Nesta
deste Tribunal de Contas nos autos do processo TCE n.º 114.572-4/2009, razão, opera−se sempre que
se cumpre uma prestação ou
os servidores que se enquadram na redação original do art. 35 da Lei um pagamento sem causa,
embora não fundado em
n.º 5.260/2008, excepcionalmente, poderão incorporar as vantagens erro. Sem causa, portanto,
remuneratórias transitórias, desde que tenha incidido, sobre estas, não somente exprime a
obrigação inexistente como
contribuição previdenciária, tendo em vista a prática administrativa sem existência legal. O
pagamento sem causa, em
e legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que, somente a partir de regra, funda−se na evidência
19/12/2008, passou aplicar o disposto no § 2º do art. 40 da CRFB, com de um enriquecimento
ilícito. (SILVA, De Plácido
exceção, obviamente, das parcelas concernentes a cargos comissionados e. Vocabulário Jurídico. 30.
ed. Rio de Janeiro: Forense,
e funções gratificadas, haja vista que o instituto da incorporação destas 2013)

159
vantagens no âmbito do sistema jurídico administrativo do Estado do
Rio de Janeiro encontra-se extinto desde o advento da Lei Estadual n.º
2.565/96, ressaltando que o art. 35, em seu texto original, da Lei estadual n.º
5.260/2008, não existe mais no mundo jurídico desde 19/12/2008, uma vez
que foi textualmente alterado pelo art. 1º da Lei Estadual n.º 5.352/2008, ou
seja, para aquelas concessões cujos requisitos foram (e serão) concluídos
após 19/12/2008, data da publicação da Lei Estadual n.º 5.352/2008, aplica-
se o novo art. 35 da Lei n.º 5.260/2008, lembrando que tal dispositivo trata
do cálculo de proventos referentes à regra atual (média prevista no art. 1º
da Lei Federal n.º 10.887/2004).

Ante todo o até aqui exposto e o que nos autos está contido, posiciono-me
parcialmente de acordo com a sugestão do Corpo Instrutivo e de acordo
com os pareceres da PGT e do Ministério Público Especial.

VOTO:

I. Pelo CONHECIMENTO da presente Consulta.

II. Pela EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS, com destino à Consulente, ao Executivo e ao


Legislativo deste Estado, bem como ao Ministério Público, nas pessoas de
seus respectivos titulares, cientificando-lhes do inteiro teor desta decisão;

III. Por DETERMINAÇÃO à Secretaria-Geral das Sessões (SSE) para que, ao


efetuar a expedição dos ofícios, faça juntar àqueles, cópia do inteiro teor
deste voto, das manifestações do Corpo Instrutivo (fls. 6 a 12), do parecer da
Procuradoria-Geral deste Tribunal (fls. 13/48) e, também, do voto aprovado
na sessão de 15/03/2012 nos autos do processo TCE n.º 114.572-4/09;

IV. Pelo ARQUIVAMENTO dos autos.

160
161
Aloysio Neves Guedes
Tomada de Contas Especial Ex-Officio Deve o gestor público,
por meio de um
Relatório de Inspeção Ordinária* comportamento
ativo, criativo e
VOTO REVISOR desburocratizante,
tornar possível, de
Trata o presente de Tomada de Contas Especial ex-officio na Prefeitura um lado, a eficiência,
Municipal de Rio das Ostras, convertida em atendimento à decisão desta por parte do servidor,
Corte de Contas em 15.12.2011, em razão de despesas consideradas e a economicidade
como resultado
ilegítimas pelo Corpo Instrutivo.
das atividades,
impondo-se o
A Inspeção Ordinária, aprovada nos autos do processo TCE-RJ n.º exame das relações
300.114-2/08, teve por objeto a verificação do aspecto contábil, custo/benefício
orçamentário, financeiro e patrimonial dos atos praticados no exercício nos processos
de 2007. As despesas consideradas ilegítimas referem-se aos itens 1.1 administrativos que
a 1.3, discriminados às fls. 118-verso a 126-verso dos presentes autos, e levam a decisões,
detalhadas no voto do Conselheiro-Relator. especialmente as de
maior amplitude, a
fim de se aquilatar
O jurisdicionado foi citado, por meio do SICODI, em 13.01.2012,
a economicidade
apresentando suas razões de defesa no documento acostado aos autos em das escolhas entre
epígrafe sob o nº 7.100-2/12. O Corpo Instrutivo, por seu turno, analisou os diversos caminhos
argumentos proferidos pelo jurisdicionado às fls. 16696/16699. propostos para a
solução do problema,
Na sessão plenária de 18.12.2012, nos termos do voto do ilustre para a implementação
Conselheiro-Relator Marco Antonio Barbosa de Alencar, este Tribunal da decisão.
decidiu (fls.16.701/16.705):

VOTO:

I – Pela REJEIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE DEFESA ofertados pelo Sr. Carlos


Augusto Carvalho Balthazar (Prefeito do Município de Rio das Ostras), por
meio dos Doc. 4.281-1/12 (fls. 10.000/10.148);

II – Pela COMUNICAÇÃO ao Sr. CARLOS AUGUSTO CARVALHO BALTHAZAR,


na qualidade de Prefeito do Município de Rio das Ostras, com base no artigo
17, § 1º da Lei Complementar n.º 63/90, para que efetue o recolhimento da
importância equivalente a 46.162,99 vezes o valor da UFIR-RJ, com recursos
próprios, relativamente às irregularidades/ilegalidades a seguir descritas, devendo
o responsável comprovar o recolhimento junto ao Tribunal de Contas, e que
seja desde logo AUTORIZADA A COBRANÇA JUDICIAL, no caso de ausência de
manifestação do responsável, consoante o disposto no inciso II, art. 32 do Regimento *Voto aprovado por
unanimidade com a retirada
Interno deste Tribunal, respeitados os procedimentos e prazos recursais. do voto do Relator.

163
a. Desvio de finalidade da aplicação de recursos públicos, utilizados para
custeio de viagem de cunho particular a Funchal, Ilha da Madeira, Portugal,
na forma apontada neste relatório, causando dano ao erário constituído
pelos seguintes valores (fls. 36/39 e 9.909/9.9011) -- III.1:

Processo Valor UFIR-RJ Total em UFIR-RJ Fls.


12.912/2007 19.990,00 1,7495 11.426,12 36/39
13.150/2007 5.000,00 1,7495 2.857,95 36/39
13.151/2007 5.000,00 1,7495 2.857,95 36/39
Total 29.990,00 17.142,02

b. Não comprovação de finalidade pública no custeio de hospedagens


de terceiros, caracterizando despesa ilegal, ilegítima e antieconômica, na
forma apontada neste relatório, constituindo dano ao erário representado
pelo seguinte valor (fls. 91 e 9.926/9.9927) -- III.2:

Processo Valor UFIR-RJ Total em UFIR-RJ Fls.


24.925/2007 50.772,20 1,7495 29.020,97 91

O Corpo Instrutivo, diante do não recolhimento da importância devida,


sugere as seguintes medidas, discriminadas abaixo (fls. 16.711/16.714):

I - que sejam JULGADAS IRREGULARES a Tomada de Contas Especial ex-officio,


da Inspeção Ordinária realizada na Prefeitura Municipal de Rio das Ostras
relativa às despesas elencadas nos subitens III.1 e III.2, nos termos da alíneas
“a” e, “b”, do inciso III, artigo 20 c/c o artigo 23, ambos da Lei Complementar
Estadual nº 63/90, em face das irregularidades abaixo elencadas:

1.1 - Desvio de finalidade da aplicação de recursos públicos, utilizados para


custeio de viagem de cunho particular a Funchal, Ilha da Madeira, Portugal,
na forma apontada neste relatório, causando dano ao erário constituído
pelos seguintes valores:

Processo Valor UFIR-RJ Total em UFIR-RJ Fls.

12.912/2007 19.990,00 1,7495 11.426,12 36/39


13.150/2007 5.000,00 1,7495 2.857,95 36/39
13.151/2007 5.000,00 1,7495 2.857,95 36/39
Total 29.990,00 17.142,02

164
1.2 – Não comprovação de finalidade pública no custeio de hospedagens
de terceiros, caracterizando despesa ilegal, ilegítima e antieconômica, na
forma apontada neste relatório, constituindo dano ao erário representado
pelo seguinte valor (fls. 91 e 9.926/9.927):

Processo Valor UFIR-RJ Total em UFIR-RJ Fls.


24.925/2007 50.772,20 1,7495 29.020,97 91

II- CONDENAÇÃO EM DÉBITO, mediante Acórdão, nos termos do art. 23 da Lei


Complementar Estadual nº 63/90, com CITAÇÃO do Sr. CARLOS AUGUSTO
CARVALHO BALTHAZAR, na qualidade de ex-Prefeito do Município de Rio
das Ostras, com fulcro no § 3º do art. 6º da Deliberação TCE-RJ nº 204/96,
para que recolha, com recursos próprios, a quantia equivalente a 46.162,99
UFIR-RJ, relativamente às irregularidades/ilegalidades acima descritas,
devendo o responsável comprovar o recolhimento junto ao Tribunal de
Contas, e que seja desde logo AUTORIZADA A COBRANÇA JUDICIAL, no
caso de ausência de manifestação do responsável, consoante o disposto
no inciso II, art. 32 do Regimento Interno deste Tribunal, observado o
procedimento recursal.

O Ministério Público Especial, à fl. 16.715, manifesta-se favoravelmente às


medidas propostas pelo Corpo Instrutivo.

Em sessão plenária de 08.08.2013, nos termos do voto do Conselheiro-


Relator Marco Antonio Barbosa de Alencar, acolheu in totum a sugestão
prolatada pelo Corpo Instrutivo, decidindo pela irregularidade das contas
de responsabilidade do jurisdicionado, imputação de débito, além de
aplicação de multa, nos termos do voto acostado às fls. 16.717/16.719.

Nesta ocasião, pedi vista do processo a fim de examinar mais detidamente


a matéria discutida nos autos.

É o relatório.

A razão que me leva a proferir este voto revisor consiste no entendimento


diferenciado que tenho do assunto, visto que, no presente caso, há lastro
probatório acostado aos autos que permite ilidir a aplicação do débito e da
penalidade atribuída ao jurisdicionado. In totum – locução
latina. No todo; em geral;
na totalidade. (DINIZ,
Maria Helena. Dicionário
Como relatado, a imputação do débito e a aplicação da penalidade ao Jurídico. 3. ed. São Paulo:
citado se deram em função do suposto desvio de finalidade da aplicação Saraiva, 2008)

165
de recursos públicos, utilizados supostamente para custeio de viagem
de cunho particular a Funchal, na Ilha da Madeira (Portugal). Ao mesmo
tempo, o Corpo Instrutivo alega que não houve transparência na prestação
das contas dos recursos percebidos pelo responsável.

Em resumo, o jurisdicionado aduz os seguintes argumentos em sua defesa:


(i) trata-se de uma viagem com cunho oficial, em função da realização do
V Seminário Binacional de Gestão Pública Municipal, ocorrido na cidade
aludida; (ii) o evento proporcionou o fechamento de acordos, parcerias e
programas bilaterais de operação e intercâmbio na área de gestão pública
municipal entre os municípios brasileiros; (iii) o valor do pacote oferecido
pela empresa de turismo condiz com o folheto do evento. Os argumentos
de defesa do citado foram reproduzidos pelo Corpo Instrutivo à fl. 16.697.

No que se refere ao suposto desvio de finalidade na aplicação dos


recursos públicos, deve-se ressaltar a crescente importância das cidades,
e da consequente participação do chefe do executivo municipal, nas
relações internacionais, cuja conectividade foi facilitada pela globalização,
fenômeno político e social que tem repercussões significativas para os
Estados.

Lado outro, a Constituição Federal enuncia uma série de princípios, em


seu art. 4º, que devem ser observados pela República Federativa do Brasil,
nas suas relações internacionais. Ao mesmo tempo, o art. 84, incisos VII
e VIII da CF/88 prenuncia, expressamente, que compete ao Presidente da
República manter relações com Estados estrangeiros e assumir obrigações,
em nome da União, no plano internacional.
1 - PRAZERES, Tatiana
Lacerda. Por uma atuação
constitucionalmente viável das
unidades federadas brasileira.
Cumpre lembrar que historicamente as relações internacionais sempre
In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A foram travadas pelo Chefe do Executivo da União, na figura do Presidente
dimensão subnacional e as
relações internacionais. São da República. Essa regra inclusive é chancelada pela Convenção de Viena de
Paulo: Unesp, 2004.
1969 sobre Direitos dos Tratados, em seu art. 7º, que permite a delegação
2 - A doutrina mais abalizada da competência aos chefes das missões diplomáticas.
do Direito Internacional Público,
nos escritos dos professores
Celso Albuquerque Mello e
Valério Mazuoli, discute hoje a
Entretanto, observa-se um fenômeno importante nas relações
criação e o desenvolvimento internacionais e no direito internacional, denominado “paradiplomacia”1.
de uma espécie de “Direito
Internacional Regional”, É uma tendência crescente dos municípios de assumirem maior autonomia
voltado precipuamente para o
atingimento dos interesses de e independência nos contatos internacionais com o objetivo de defender
entes não centrais em diversos seus interesses no ambiente global2, razão pela qual a participação do
setores, sem a necessidade da
participação direta e às vezes responsável e assessor do município no seminário internacional era
burocrática de um ente central
na conclusão dos negócios. justificada pelo interesse público.

166
Nesse sentido, o seminário internacional, realizado na Ilha da Madeira,
tratava de temas de gestão pública, propiciando, inclusive, as tratativas
para assinatura de acordos e parcerias, em nível internacional, com o
escopo de melhorar os níveis de eficiência administrativa do município,
perfazendo o comando constitucional do art. 37, caput da CF/88.

O princípio da eficiência é contemplado na medida em que a participação


do chefe do executivo municipal em um seminário internacional, na área de
gestão pública, se assenta na denominada “Administração de resultados”3,
já que a interpretação e a aplicação do direito não podem se afastar das
consequências geradas pelas escolhas que são efetivas pelas autoridades O programa internacional
Cidades-Irmãs vem
estatais. Conforme prenuncia o professor Rafael Carvalho Oliveira: criando uma rede de
parcerias entre cidades,
implantando conceitos de
“o resultado destaca-se como um novo paradigma do Direito Administrativo: desenvolvimento sustentável,
conforme delineado pela
a legitimidade da ação estatal não se resume ao respeito aos procedimentos comunidade internacional.
Por meio de projetos
formais, mas, principalmente, ao alcance dos resultados delimitados pelo interculturais inovadores,
texto constitucional”4. as parcerias entre cidades
irmãs demonstram que ações
locais podem: catalisar o
avanço do desenvolvimento
Logo, a participação do chefe do executivo municipal em seminário sustentável mundo afora;
internacional atende aos interesses públicos, e se coaduna com os melhorar a qualidade de
vida dos cidadãos em suas
princípios que orientam a Administração Pública, insculpidos no próprio comunidades; fomentar o
conhecimento e a prática do
texto constitucional. desenvolvimento sustentável
por meio de relações de longo
prazo; reforçar mutuamente
Deve-se ressaltar que o Município de Rio das Ostras possui uma capacidade as metas de boa governança,
desenvolvimento sustentável
expressiva de internacionalização de suas relações, o que exigirá a e desenvolvimento social; e
atingir resultados concretos
participação de seus gestores em seminários internacionais com o intuito por meio de parcerias entre
de aprimorar técnicas de gestão pública. As razões que justificam tal os setores público e privado.
(Fonte: site das Nações
fato dizem respeito às potencialidades econômicas do município, tendo Unidas)

em vista a proximidade com a Bacia Petrolífera de Campos, o que gera


3 - SORRENTINO, Giancarlo.
externalidades na economia local e regional. Diritti e partecipazione
nell’amministrazione di
resultato. Napoli: Editoriale
A título exemplificativo, a Organização das Nações Unidas (ONU) fomenta Scientifica, 2003. O autor
coloca em sua obra que
um programa denominado “cidades-irmãs”, procurando identificar nichos não se trata de uma visão
de cooperação entre municípios, no âmbito internacional, para melhorar puramente econômica,
mas, sim, de uma
técnicas de gestão pública, intercâmbio tecnológico, cultural, entre outros dimensão democrática do
ordenamento constitucional
aspectos. No âmbito do Mercosul, pode-se citar também o programa que permite a efetivação
“Mercocidades”, com o objetivo de estreitar as relações de gestão pública da igualdade substancial
prevista no art. 3º da
dos municípios, além do compartilhamento de técnicas de experiência Constituição italiana.

na Administração Pública. Tais programas demonstram que os gestores


4 - OLIVEIRA, Rafael Carvalho
públicos, cada vez mais, devem participar de seminários internacionais, Rezende. Princípios do
com vistas ao aprimoramento das práticas de gestão. Direito Administrativo. São
Paulo: Forense, 2013.

167
No que tange à não comprovação de finalidade pública no custeio de
hospedagens dos envolvidos, caracterizando despesa ilegal, ilegítima e
antieconômica, deve-se ressaltar que os interessados tiveram participação
exclusiva nas atividades promovidas pelo seminário internacional, devido
ao caráter oficial da viagem.

Como modo de otimizar a participação no seminário, os participantes


procuraram ficar hospedados nas imediações do local do seminário, razão
pela qual o pacote turístico oferecido pela Empresa Tordesilhas se colocava
como viável, proporcional. O custo do pacote é justificado pelo pagamento
do translado entre os países, estadia, seguro viagem, participação em toda
programação do seminário, além do custeio das despesas diárias do Chefe
do Executivo, do Vice-Prefeito, além da assessora.

Dessa maneira, é razoável e proporcional o valor das despesas consignadas


para o custeio do seminário internacional. O professor Humberto Ávila
afirma que “a medida adotada pela administração pode ser a menos
dispendiosa e, apesar disso, ser a menos eficiente”.

Na lição do autor, a atuação administrativa é eficiente quando “promove


de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos
e probabilísticos. Não basta a utilização dos meios adequados para
promover os respectivos fins; mais do que adequação, a eficiência exige
satisfatoriamente na promoção dos fins atribuídos à administração”5. Isto
posto, a prestação de contas dos recursos percebidos é compatível com o
princípio da eficiência, inserto no texto constitucional, uma vez que:

“O gestor público deve, por meio de um comportamento ativo, criativo e


desburocratizante tornar possível, de um lado, a eficiência por parte do
servidor, e a economicidade como resultado das atividades, impondo-
se o exame das relações custo/benefício nos processos administrativos
que levam a decisões, especialmente as de maior amplitude, a fim de se
5 - ÁVILA, Humberto. aquilatar a economicidade das escolhas entre diversos caminhos propostos
Moralidade, razoabilidade,
eficiência. Revista Eletrônica para a solução do problema, para a implementação da decisão”6.
de Direito do Estado. Salvador:
Instituto de Direito Público da
Bahia, n.4, p.21 e 23-24, out.
O Corpo Instrutivo também suscitou questionamento (fl. 16.698) de que os
2005. Acesso em 27.11.2013.
participantes ministraram uma palestra no seminário, o que caracterizaria
6 - BUGARIN, Paulo Soares.
O princípio constitucional “possível interesse particular sobrepondo-se ao público”. Pelo contrário,
da eficiência, um enfoque
doutrinário multidisciplinar.
o fato de participar como palestrante reforça o entendimento de que o
Brasília: revista do Tribunal da gestor público procurou compartilhar suas experiências na Administração
União – Fórum Administrativo,
maio/2001, p. 240. do município, o que, no meu entendimento, tem caráter estritamente

168
público, relacionado ao cargo exercido pelo Chefe do Executivo municipal.
Não é razoável supor que, em caráter privado, o jurisdicionado tenha sido
convidado para participar do seminário.

O jurisdicionado, à fl. 9.983, também argumenta que o Sr. Ronaldo Barcellos,


Vice-Prefeito municipal à época dos fatos, foi convidado a participar do
evento para receber uma homenagem das instituições organizadoras
com a outorga de menção honrosa, como forma de reconhecimento pelo
trabalho realizado na melhoria da qualidade de vida da população nas áreas
de infraestrutura, meio ambiente, educação, saúde e bem-estar social. A
assessora, Sra. Angela Maria Toffano do Amaral, também proferiu palestra
no seminário, com temas vinculados às práticas de gestão ambiental no
município, conforme se constata à fl. 16.697. Tal fato corrobora o caráter
público da participação dos jurisdicionados no seminário internacional.

Ao mesmo tempo, o próprio jurisdicionado confirmou que houve erro


material no preenchimento da nota fiscal nº 0483, o que demonstra sua
boa-fé na prestação de informações, motivo pelo qual os responsáveis
devem ser protegidos, tendo em vista o princípio citado. Miguel Reale
explica a dupla faceta do princípio da boa-fé da seguinte maneira:

Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a


objetiva e a subjetiva. Esta última – vigorante, v.g., em matéria de direitos
reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude
psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento
individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva
apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta,
arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a
própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta,
proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-
se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consideração para com os
interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente
tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se
qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé
objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”7.

A boa-fé dos responsáveis determina a necessidade de proteção de suas


condutas, uma vez que, através da análise dos autos, percebe-se que estes
agiram com “honestidade pública” e acreditavam estar agindo conforme o
direito, motivo pelo qual, a desobediência do preceito previsto no art. 37, 7 - Disponível em: http://
www.miguelreale.com.br/
II, da Constituição Federal, deve ser afastada. artigos/boafe.htm.

169
Percebe-se, ainda, que não há indícios de que os jurisdicionados fizeram
valer as suas vontades pessoais, não havendo nos autos elementos que
evidenciem dolo ou má-fé das partes envolvidas.

Em que pesem as razões de defesa do jurisdicionado, é preciso que tecer


ressalva quanto ao aprimoramento do controle por parte Administração
Pública no sentido de especificar, detalhadamente, nos autos do processo
administrativo, o objeto dos acordos e o benefício trazido na participação
dos gestores públicos em eventos de caráter internacional e nacional.

Desse modo, verifica-se, nos termos dos documentos acostados aos autos,
que não houve desvio de finalidade na conduta dos gestores públicos, haja
vista que o interesse público foi contemplado, o que justifica o afastamento
do débito e da multa aplicada pelas razões aduzidas nos presentes autos.

Por todo exposto, manifesto-me em desacordo com o Corpo Instrutivo,


com parecer do Ministério Público Especial e com o voto do ilustre
Conselheiro-Relator.

VOTO:

I. Pela REGULARIDADE DAS CONTAS apresentadas pelo Sr. Carlos Augusto


Carvalho Balthazar, à época dos fatos Prefeito Municipal de Rio das Ostras,
com a seguinte RESSALVA:

- para que especifique, detalhadamente nos autos do processo


administrativo, o objeto dos acordos e os benefícios trazidos à
Administração Pública em função da participação dos gestores públicos
em seminários internacionais e nacionais;

II. Pela COMUNICAÇÃO ao Sr. Carlos Augusto Carvalho Balthazar para que
tome ciência da decisão proferida por esta Corte de Contas.

III. Pelo ARQUIVAMENTO dos autos.

170
171

Você também pode gostar