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TEMAS ESSENCIAIS DE

DIREITO ECONÔMICO PARA


CONCURSOS PÚBLICOS

INSTAGRAM
@PROF.FERNANDOOLIVEIRAJUNIOR

DEZEMBRO DE 2022

1
INTRODUÇÃO / APRESENTAÇÃO
Este e-book contém as publicações do meu perfil do Instagram,
@prof.fernandooliveirajunior, organizadas dentro dos 05 (cinco) temas principais de
Direito Econômico para concursos públicos: (i) Ordem Econômica na Constituição e
aspectos gerais; (ii) Direito da Concorrência; (iii) Sistema Financeiro Nacional; (iv)
Regulação e (v) Ordem Econômica Internacional. Dentro de cada tema, as publicações
estão em ordem cronológica de postagem.

Todos os textos foram escritos a partir de duas premissas: primeira, quais eram
os assuntos mais recorrentes em provas de concursos e, segunda, quais eram os debates
existentes naquele momento. Daí a preponderância de tópicos como “Ordem Econômica
na Constituição e aspectos gerais” e “Direito da Concorrência”, que, em média,
correspondem a cerca 75% do que é cobrado nos certames. Além do que uma ou outra
postagem está relacionada a reportagens publicadas no período.

Espero que seja uma leitura útil para quem está se preparando para concursos
públicos ou para quem, simplesmente, deseja ficar atualizado na matéria.

SOBRE O AUTOR
FERNANDO ANTONIO DE ALENCAR ALVES DE OLIVEIRA JUNIOR é
Procurador da República (MPF), pós-graduado, em sentido amplo, em Direito da
Concorrência pela FGV/SP, em Direito Regulatório pela UnB, em direito aplicado ao
Ministério Público Federal pela ESMPU, mestre e doutor em Direito Econômico pela
UnB. Foi, de 2006 a 2012, Procurador Federal (AGU) lotado no CADE, onde ocupou o
cargo de Procurador-Geral substituto. Aprovado também nos concursos de Procurador
do Bacen (2006) e Promotor de Justiça Adjunto do MPDFT (2012). Professor de Direito
Econômico e combate à corrupção em Pós-graduações (Universidade Católica de
Brasília) e em cursos preparatórios para concursos públicos (G7, MEGE, THEMAS,
dentre outros).

2
Sumário

ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO E OUTROS TEMAS .................................................5


O QUE ESTUDAR EM DIREITO ECONÔMICO PARA CONCURSOS ..............................................6
ESTATÍSTICAS DE ECONÔMICO NA PROVA DO MPF .................................................................7
ESTATÍSTICAS DE ECONÔMICO PARA A MAGISTRATURA FEDERAL ..........................................8
BIBLIOGRAFIA DE DIREITO ECONÔMICO PARA CONCURSOS PÚBLICOS ...................................9
DIREITO ECONÔMICO EM PROVAS DO MPF – 25º CONCURSO RESOLVIDO...........................11
A IMPORTÂNCIA DO ERRO NO APRENDIZADO .......................................................................19
STF, AS LEIS MUNICIPAIS E O UBER ........................................................................................20
LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA EM CONCURSOS PÚBLICOS .................................21
LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA.............................................................................22
FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ....................................24
SÚMULAS VINCULANTES IMPORTANTES PARA O DIREITO ECONÔMICO ...............................25
O QUE É O DIREITO ECONÔMICO? .........................................................................................26
DIREITO ECONÔMICO EM CONCURSOS PÚBLICOS .................................................................29
O QUE É ORDEM ECONÔMICA? .............................................................................................30
O ART. 170 E OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA ..........................................................31
FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ....................................39
ECONOMIA, MICROECONOMIA, MACROECONOMIA E TRADE-OFFS .....................................40
GLOSSÁRIO DE MICROECONOMIA – 10 TERMOS ...................................................................42
CUSTOS DE TRANSAÇÃO ........................................................................................................43
CURIOSIDADES SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO ..............................................................................45
DIREITO DA CONCORRÊNCIA .................................................................................................50
STJ E O SIGILO DO ACORDO DE LENIÊNCIA DO CADE .............................................................51
MINISTÉRIO PÚBLICO E LENIÊNCIA DO CADE .........................................................................53
LENIÊNCIA PLUS E LENIÊNCIA EM CONCURSOS......................................................................54
CURIOSIDADES DO PRIMEIRO CASO DE CARTEL DO CADE, O CARTEL DO AÇO ......................56
LIVRE CONCORRÊNCIA E BIG TECHS .......................................................................................57
CARTEL E ESFERAS ADMINISTRATIVA, PENAL E CÍVEL ............................................................58
O QUE É UM CARTEL? ............................................................................................................59
CLASSIFICAÇÕES RECORRENTES DE CARTEL ...........................................................................60
CARTEL HARDCORE ................................................................................................................61

3
CARTEL E CONCURSOS PÚBLICOS...........................................................................................62
CRIME DE CARTEL E COMPETÊNCIA .......................................................................................63
RAMO DE ATIVIDADE CAMPEÃO DE CONDENAÇÕES DE CARTEL NO CADE ...........................65
QUESTÃO SUBJETIVA CONCURSO MAGISTRATURA – CONTROLE DE ESTRUTURAS ...............66
CONTROLE DE CONDUTAS X CONTROLE DE ESTRUTURAS .....................................................68
STF E COMPETÊNCIA EM AÇÕES RELACIONADAS A AUTARQUIAS – O LEADING CASE
ENVOLVENDO O CADE ...........................................................................................................69
O PORVIR DA LIVRE CONCORRÊNCIA NO BRASIL ...................................................................71
ONDE ESTÁ A SEAE? ...............................................................................................................72
STF E A REVISÃO JURISDICIONAL DAS DECISÕES DO CADE ....................................................73
TRADE DRESS E CONCORRÊNCIA DESLEAL .............................................................................75
COMO MENSURAR ECONOMICAMENTE OS PREJUIZOS CAUSADOS PELOS CARTÉIS (O PESO
MORTO)?................................................................................................................................78
LEI DO CADE E CONCURSO PÚBLICO – 27º CONCURSO MPF .................................................83
ACORDO DE LENIÊNCIA, TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO E ACORDO EM CONTROLE
DE CONCENTRAÇÃO ...............................................................................................................85
SURGIMENTO DO ANTITRUSTE ..............................................................................................89
EXPRESSÕES ESTRANGEIRAS CORRIQUEIRAS NO DIREITO DA CONCORRÊNCIA .....................90
MODELOS DE AUTORIDADES DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO MUNDO ..........................93
FINALIDADE DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA ........................................................................94
O CADE E A ANALISE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ..........101
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL .......................................................................................104
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – ASPECTOS GERAIS ........................................................105
HISTÓRIA DA MOEDA NO BRASIIL ........................................................................................106
AUTONOMIA DO BACEN E LEI COMPLEMENTAR 179/2021 .................................................107
REGULAÇÃO ......................................................................................................................... 109
LEI DAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS .......................................................................110
REGULAÇÃO EM CONCURSOS PÚBLICOS .............................................................................113
ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL ...............................................................................115
SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC .......................................................... 116
SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC EM CONCURSOS PÚBLICOS ..............119
DUMPING E PREÇO PREDATÓRIO SÃO COISAS DISTINTAS! ..................................................121

4
ORDEM ECONÔMICA NA
CONSTITUIÇÃO E OUTROS
TEMAS

5
O QUE ESTUDAR EM DIREITO ECONÔMICO PARA CONCURSOS

Concursos

Post 01

Você sabia que, para concursos federais como Magistratura e Ministério Público, na
média dos últimos concursos, mais de 50% das questões das provas objetivas de Direito
Econômico focam nos temas de (i) Noções Introdutórias e Ordem Econômica na
Constituição e (ii) Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011)? Para ser mais exato,
aproximadamente 75% das questões estão centradas nesses dois assuntos. Surpreso?

Dividi as questões por cinco eixos centrais de temas, que são os seguintes: 1. Noções
Introdutórias e Ordem Econômica Constitucional; 2. Direito da Concorrência; 3. Direito
Administrativo Econômico (Agências Reguladoras); 4. Sistema Financeiro Nacional
(BACEN e CVM); 5. Ordem Econômica Internacional.

Então, diante da escassez de tempo, a dica é muito simples: privilegie, nesta ordem, o
estudo de material, doutrina e legislação, relacionada ao CADE e à Ordem Econômica
na Constituição Federal.

Para mais detalhes sobre quais concursos eu utilizei para fazer esse levantamento e a
porcentagem, com o respectivo quantitativo de questões para cada um dos temas aqui
destacados, você pode conferir o PDF que coloquei lá na minha página
fernandooliveirajunior.academia.edu, na aba “Research”, seção de “Drafts”. O arquivo
está nomeado como “Questões de Direito Econômico Magistratura e MP Federais por
tema”. Utilizarei esse site para compartilhar materiais relacionados às postagens daqui!

Forte abraço!

6
ESTATÍSTICAS DE ECONÔMICO NA PROVA DO MPF

Concursos

Estatísticas da prova de econômico do MPF: 25º ao 29º Concurso!

Para cada prova, de um total de 120 questões, 10 são destinadas para as matérias de
consumidor e econômico.

Dentre as 50 questões dos últimos 5 concursos, 35 foram de direito econômico e 15


foram de direito do consumidor. Uma preponderância de 70%.

O concurso que mais cobrou direito econômico foi o 25º concurso (o meu! Quando
ingressei no MPF! Ohh glória!), das 10 questões, todas tratavam de direito econômico.

O concurso que menos cobrou direito econômico foi o 29º concurso (o último), das 10
questões, 05 tratavam de direito econômico.

E a parte mais importante, a divisão das questões por temas! Das 35 questões de direito
econômico: 17 tratavam de direito da concorrência, 08 da parte geral e de ordem
econômica na Constituição, 05 de agências reguladoras, 03 de Mercosul e 02 de Sistema
Financeiro Nacional (sendo 01 sobre CVM).

Percebam que direito da concorrência e a parte geral, que engloba ordem econômica
constitucional, respondem por mais de 70% das questões!

É isso, pessoal! Aqui já temos uma sinalização do que devemos privilegiar nos estudos.
Agora, para antecipar mesmo o que vai cair mais (econômico ou consumidor e, dentro
de econômico, qual tema será preponderante), é importante acompanhar o examinador
das matérias para o 30º concurso (ainda sem previsão de edital)!

Até a próxima! Forte abraço!

7
ESTATÍSTICAS DE ECONÔMICO PARA A MAGISTRATURA FEDERAL

Concursos

Estatísticas das questões de econômico para Magistratura Federal, provas dos últimos
05 anos (09 concursos): TRF1- 2015, TRF2 – 2014, TRF 2 – 2017, TRF 2 – 2018, TRF
3 – 2016, TRF 3 – 2018, TRF 4 – 2016, TRF 5 – 2015 e TRF 5 – 2017. Vejam na
legenda!

Questões de direito econômico para magistratura federal!

De um total de 900 questões (09 provas com 100 questões cada), 30 foram destinadas
para as matérias de direito econômico.

Uma média aproximada de 03 questões por prova, com a curiosidade de que, vez ou
outra, a matéria também foi cobrada em outras disciplinas, como em direito
constitucional (ordem econômica na constituição) ou em direito administrativo
(agências reguladoras).

O concurso que mais cobrou direito econômico foi o TRF 1 – 2015, com 07 questões.

O concurso que menos cobrou direito econômico foi o TRF 4 – 2016, com 02 questões.

E a parte mais importante, a divisão das questões por temas! Das 30 questões de direito
econômico: 15 tratavam de direito da concorrência, 08 da parte geral e de ordem
econômica na Constituição, 05 de direito econômico internacional, 02 de agências
reguladoras.

Percebam que direito da concorrência e a parte geral, que engloba ordem econômica
constitucional, novamente, assim como ocorreu no levantamento das provas do MPF
(vide post de , respondem pela maioria das questões, cerca de 75%! É isso, pessoal! Já é
uma boa sinalização do que devemos privilegiar nos estudos.

Esqueci algum concurso da magistratura federal de 2015 pra cá?!

Até a próxima! Forte abraço!

8
BIBLIOGRAFIA DE DIREITO ECONÔMICO PARA CONCURSOS PÚBLICOS

Concurso

Meus amigos, algumas pessoas me pediram dicas de bibliografia de direito econômico


para concursos públicos, daí a ideia deste post, que vai abordar não só bibliografia, mas
também como se preparar para a disciplina em concursos de alto nível, tais como
advocacia pública, magistratura e ministério público. Vejam a legenda! ☺

1. Prestem atenção na tríade doutrina, lei e jurisprudência (como frequentemente lembra


meu amigo @Patrick Nilo). Entendimentos do STF, vez ou outra, são cobrados,
especialmente súmulas vinculantes.

2. Direito Econômico não está entre as matérias principais, fato, mas não é por isso que
deve ser menosprezada. Considero um erro grave descuidar do seu estudo, pois ele pode
fazer a diferença em avançar a outras fases do concurso, sobretudo porque o seu custo é
relativamente baixo: a quantidade de assuntos a serem estudados é pequena, se
comparada com a de outras disciplinas. O tempo dedicado ao seu estudo deve
considerar, pois, não só a quantidade de questões, mas também a possibilidade de os
assuntos estudados serem efetivamente cobrados. O grande exemplo é direito da
concorrência em provas do MPF: tem que ser estudado, pois as chances de ganhar
pontos preciosos na prova são altas.

3. Dito isso, para concursos públicos, há quatro livros que gosto, por motivos diversos.
A foto de cada um deles consta neste post. São os seguintes: (i) @Leonardo Vizeu –
Direito Econômico (Forense); (ii) Fernando Aguillar – Direito Econômico (Atlas); (iii)
Marcus Gouvêa e Fábio Bensoussan – Manual de Direito Econômico (@Jus Podivm) e
(iv) Danilo Vilela – Sinopse Direito Econômico (@Jus Podivm). Duas observações: O
livro do Fernando Aguillar não trata de Sistema Financeiro Nacional (mas pela
qualidade merece estar na lista) e o do Danilo Vilela, embora seja uma sinopse, tem
quase 600 páginas.

4. Posso ir bem numa prova de econômico sem estudar por livros? Se fizer algum bom
curso preparatório, que ofereça um material de qualidade, eu acho possível, devendo,
claro, ainda, atentar para a parte de lei e jurisprudência. Mas isso vai depender da
qualidade do professor, o que, de certa forma, é fácil de ser avaliado: veja a experiência
dele na matéria e assista uns 20 min de aula. Tenho certeza de que, depois disso, você
saberá se dá para confiar nele ou não.

5. Por fim, se forem comprar livros por agora, atentem que houve algumas alterações
legislativas importantes nos últimos anos, com destaque para Lei de Liberdade
Econômica (Lei 13.874/2019). Em breve devo fazer posts sobre algumas dessas
mudanças.

9
É isso, pessoal! Também em um futuro próximo faço uma lista aqui dos meus 20 livros
preferidos na matéria (para quem tenha interesse em aprofundar um ou outro ponto).
Forte abraço!

10
DIREITO ECONÔMICO EM PROVAS DO MPF – 25º CONCURSO RESOLVIDO

CONCURSO

PROVA MPF 25º CONCURSO

61. O conceito de “mercado relevante” usado no direito concorrencial:

a) Faz referência à importância relativa de um mercado em comparação a outro, para


efeito da imposição de sanção, como no caso de mercado de medicamentos, que é mais
relevante do que o mercado de brinquedos, por exemplo.
b) É utilizado para referir-se ao espaço onde determinada conduta possa causar impacto.
c) É utilizado para referir-se ao tipo de produto ou de serviço que teria sido afetado pela
prática de abuso de poder econômico sob investigação.
d) As respostas B e C estão corretas

Gabarito – D
...
Post 01 de 04

PROVA MPF 25º CONCURSO

Olá, meus amigos, tudo bem?! Eu costumo postar aqui questões de concursos para
contextualizar assuntos tratados na semana. Seguindo sugestão de um dos seguidores,
começarei a fazer posts para solucionar provas completas. O pedido especificamente foi
para solucionar provas do MPF, mas penso que podemos tratar também de Magistratura
Federal e de Advocacia Pública.

Começarei essa série com a prova do 25º concurso do MPF, não apenas para prestigiar o
seguidor que pediu resolução de provas do MPF, mas também porque foi um concurso
bem peculiar: das 10 questões de direito econômico e consumidor, TODAS foram
relacionadas ao direito econômico, com enorme destaque para o direito da concorrência.
Ainda, foi a prova do meu concurso de ingresso no MPF! ☺ Registro que,
particularmente, não acho uma prova fácil, pois há algumas questões dúbias (houve
inclusive duas anulações). Comentaremos tudo!

Como a prova foi aplicada em 2011, ainda vigia a Lei 8.884/1994, assim, nos
comentários, farei as devidas adaptações para atualizar conforme a legislação atual, Lei
12.529/2011, quando necessário. Vamos lá.

A questão 61 é relativamente fácil. A alternativa “a” está errada porque o termo


“mercado relevante” não se refere a uma comparação entre mercados, para fins de
aplicação de sanção. Aqui, o termo “relevante” não significa que determinado mercado
seja melhor do que outro. O mercado relevante é a unidade de análise para avaliação do
poder de mercado. É o que define a fronteira da concorrência entre as firmas. A
definição de mercado relevante leva em consideração duas dimensões: a dimensão
produto e a dimensão geográfica. E é justamente isso que consta nas alternativas “b” e
“c”. Portanto, a alternativa “d” está correta.

11
É isso, pessoal! Nos próximos posts continuamos resolvendo as questões dessa prova!

Forte abraço!

12
CONCURSO

PROVA MPF 25º CONCURSO

62. A prática ilícita conhecida como “venda-casada”, prevista tanto no art. 21, XXIII, da
Lei Antitruste, como no art. 39, I, do Código do Consumidor:

a) É rigorosamente o mesmo ilícito, podendo ser punida alternativamente por uma ou


por outra lei.
b) É distinta em uma e outra lei, pois pressupõe abuso de poder de mercado, na Lei
Antitruste, enquanto que não tem tal pressuposto no Código do Consumidor.
c) É distinta em uma e outra lei, em função da competência distinta das autoridades
incumbidas de investigar e punir.
d) Nenhuma das alternativas acima está correta.

Gabarito – B

...

PROVA MPF 25º CONCURSO

63. Se uma empresa com faturamento anual acima de R$ 400 milhões adquire outra
empresa:

a) Essa operação deverá necessariamente ser submetida à aprovação do CADE.


b) Essa operação somente deverá ser submetida ao CADE se a empresa adquirida for
concorrente.
c) Essa operação somente deverá ser submetida ao CADE se a empresa adquirida
também tiver faturamento anual acima de R$ 400 milhões.
d) Essa operação pode ser realizada bastando ser autorizada previamente pelo
Ministério Público Federal.

Gabarito - A

...

PROVA MPF 25º CONCURSO

64. A competência do CADE:

a) Compreende o poder de decidir conflitos intersubjetivos de interesse entre


concorrentes, envolvendo questões concorrenciais.
b) Não compreende o poder de decidir quaisquer conflitos intersubjetivos de interesse
entre concorrentes.
c) Não se aplica aos entes públicos estaduais e municipais, pois o CADE é uma
autarquia federal.
d) Também é exercida na solução de infrações ao Código de Defesa do Consumidor.

Gabarito – B

13
Post 02 de 04

PROVA MPF 25º CONCURSO

Olá, pessoal, tudo bem?!

A questão 62 trata de venda casada, que é infração conforme a Lei do CADE e o Código
de Defesa do Consumidor. Mas o que é venda casada? É quando o ofertante de
determinado bem ou serviço impõe, para a sua venda, que o comprador adquira outro
bem ou serviço. De fato, por conta da formatação dos ilícitos antitruste (antigo art. 20 da
Lei 8.884/1994, atual art. 36 da Lei 12.529/2011), questões como poder de mercado
devem ser sopesadas, diferentemente do Código de Defesa do Consumidor. Daí a
alternativa “b” estar correta.

Contudo, a alternativa “c” não me parece equivocada porque, de fato, as autoridades


competentes de investigar e punir um e outro ilícito são distintas. No site do próprio
CADE consta esta informação: “A prática de venda casada também é contemplada na
Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), tendo a mesma definição. Nesses
casos, por se tratar de uma relação de consumo e não existirem reflexos sobre o
ambiente concorrencial de mercado, o assunto deve ser tratado no âmbito dos órgãos
de defesa do consumidor, como os PROCON’s e a Secretaria Nacional de Defesa do
Consumidor – Senacon do Ministério da Justiça”. A questão não foi anulada.

A questão 63 demandava conhecimento dos critérios de notificação obrigatória de atos


de concentração à luz da Lei 8.884/1994. A resposta estava no §3º do art. 54, que trazia
como critérios faturamento (400 milhões) ou participação de mercado relevante (20%).
A Lei atual mudou isso. Adota-se hoje apenas o critério de faturamento. Devem ser
notificados quando preenchidos os requisitos do art. 88 da Lei 12.529/2011 (atentar para
a atualização dos valores com a Portaria Interministerial nº 994, de maio de 2012, para
os incisos I e II, respectivamente, faturamento R$ 750 milhões de um dos grupos
envolvidos na operação, desde que o outro tenha pelo menos faturamento de R$ 75
milhões). Alternativa “A” é a correta.

A questão 64 apresenta como alternativa correta a letra “B”. De fato, não compete ao
CADE decidir conflitos intersubjetivos de interesse entre concorrentes. Contudo, a letra
“C”, embora eu considere realmente equivocada, precisaria ser melhor contextualizada,
pois ele evoca discussão acerca da State Action Doctrine. A questão se refere a entes
públicos como reguladores (e aqui há um debate doutrinário relevante) ou agentes
econômicos?! Vou anotar aqui para esse tema (State Action Doctrine) ser assunto de
post futuro. A letra “D” está, de fato, errada porque o CADE não lida com infrações à
luz do CDC.

É isso, pessoal! No próximo post continuamos!

Forte abraço!

14
CONCURSO

PROVA MPF 25º CONCURSO

65. O acordo de leniência previsto na legislação antitruste:

a) Permite a suspensão e posterior arquivamento do processo administrativo ou da


averiguação preliminar, com pagamento de multa mínima pelo acusado.

b) Confere imunidade ao agente que tenha praticado cartel, em relação à pena


administrativa.

c) Confere imunidade ao agente que tenha praticado cartel, em relação à pena criminal.

d) Confere imunidade ao agente que tenha praticado cartel, em relação às penalidades


administrativa e criminal.

Gabarito – ANULADA.

66. Indique a única alternativa correta:

a) O CADE é órgão de cúpula do SNDC.


b) O DPDC reporta diretamente ao CADE.
c) O MPF tem competência concorrente com o CADE para aprovar os atos de
concentração econômica.
d) Deter monopólio de determinado mercado não é uma violação per se à Lei Antitruste.

Gabarito – D.

67. O propósito último da legislação antitruste é:

a) Proteger a pequena contra o poder econômico da grande empresa.


b) Servir de instrumento eficaz para a intervenção do Estado no domínio econômico.
c) Pacificar as relações comerciais entre empresas concorrentes.
d) Proteger o interesse do consumidor.

Gabarito – Anulada

...

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PROVA MPF 25º CONCURSO

Olá, meus amigos, tudo bem?!

A questão 65 foi uma das anuladas e, de cara, é fácil perceber o motivo: havia mais de
uma resposta certa. A alternativa “a” está errada. Uma simples leitura das disposições
acerca da leniência (neste ponto, a lei anterior se assemelha à atual) seria suficiente para

15
perceber que o processo administrativo não se suspende, nem existe essa previsão de
aplicação da multa mínima. O que há é a possibilidade de extinção da punibilidade
administrativa e criminal. Portanto, a alternativa “mais correta” seria a letra “d”, mas
“b” e “c” também estão certas.

A questão 66 é relativamente fácil. O CADE não faz parte do SNDC (Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor), mas do SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência). Daí, também, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
(DPDC) não se reportar ao CADE. Vale lembrar que a Lei 12.529/2011 criou a
Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, substituindo o antigo DPDC. Em relação
à alternativa “c”, o MPF não aprova ou reprova coisa alguma. Em processos de ato de
concentração, pode, por decorrência de atos infralegais, emitir pareceres, ou seja, ato
meramente opinativo. Correta é a letra “d”. É outra forma de dizer o que está previsto
hoje no §1º do art. 36 da Lei 12.529/2011 (antigo §1º do art. 20 da Lei 8.884/1994): a
conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de
agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza ilícito.

Quanto à questão 67, ela também foi anulada. Esse tema, finalidade do direito da
concorrência, é o mais debatido pela doutrina e operadores do direito no momento (e já
era na época da prova). Tirando a letra “c”, que é um ponto fora da curva, há doutrina
que afirma, por exemplo, que a letra “a” era o intento dos legisladores norte-americanos
quando aprovaram o Sherman Act em 1890; o antitruste como instrumento para
intervenção do Estado em domínio econômico, o que consta na letra “b”, vai na linha do
que defende a professora Paula Forgioni; por fim, proteger o interesse, mais
especificamente o bem-estar do consumidor, a partir da eficiência, é o preconizado por
Robert Bork e Richard Posner, principais expoentes da Escola de Chicago no antitruste.
Portanto, questão corretamente anulada.

É isso, pessoal! Na próxima terminamos essa prova! Forte abraço!

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Post 04 de 04

PROVA MPF 25º CONCURSO

68. As agências reguladoras

a) São entidades ligadas ao Estado, tendo em vista sua independência.


b) São entidades ligadas ao governo, considerando seu importante papel como
instrumentos de políticas públicas.
c) São entidades ligadas ao Poder Judiciário, tendo em vista o poder judicante de que
são dotadas.
d) São entidades ligadas ao Poder Legislativo, assim como os tribunais de contas, tendo
em vista o exercício independente de seu poder de polícia, inclusive em relação ao
Poder Executivo.

Gabarito – A.

69. Se determinada operação realizada por empresa causar restrição à concorrência:

a) Essa operação será considerada uma infração antitruste.


b) Essa operação poderá ser considerada ilícita, dependendo das eficiências que
ocasionar.
c) Essa operação será considerada lícita, se realizada por uma empresa estatal em
regime de monopólio legal.
d) Essa operação será considerada lícita se não houver oposição pelos demais
concorrentes nesse mesmo mercado.

Gabarito – B.

70. Um acordo de preços entre concorrentes:

a) Será lícito, se se tratar apenas de preço sugerido.


b) Será lícito, se for um acordo de preços máximo.
c) Será lícito, se autorizado previamente pela respectiva associação de classe, por
unanimidade.
d) Será considerado ilegal, como regra.

Gabarito – D.

Olá, meus amigos, tudo bem?!

A questão 68 é também relativamente fácil. A alternativa correta é a letra “a”, que


afirma que as agências são entes ligados ao Estado (ao Poder Executivo, não ao
Judiciário, nem ao Legislativo), haja vista sua independência. Eu prefiro o termo
autonomia, mas o professor Floriano de Azevedo Marques, por exemplo, não. Segundo
ele: “Prefiro utilizar o termo independência em vez de autonomia, pois este último
poderia dar a entender que estamos diante das tradicionais autarquias do direito
brasileiro quando, como já expus, entendo sejam as agências espécies muito
17
particulares de autarquias. Não obstante, o termo independência não deve dar a
entender que se tratem estes órgãos de entes absolutamente não submetidos a qualquer
controle” (livro “Agências Reguladoras Independentes”, p. 67).

Quanto à questão 69, a alternativa correta é a letra “b”. A “a” está errada porque não é
qualquer restrição à concorrência que é considerada infração. Também estão erradas as
letras “c” e “d”, porque o CADE tem atuação inclusive em mercados com monopólios
legais (vide parte final do art. 31), bem como sua atuação independe de oposição dos
demais concorrentes. O CADE pode perfeitamente atuar de ofício.

Por fim a questão 70, que também era relativamente fácil: um acordo de preços entre
concorrentes é, em regra, ilícito. Faz parte inclusive da definição de cartel hardcore (já
falamos aqui sobre isso! Vide publicação de 10/08/2020).

É isso, pessoal! Vejam que não é um bicho de 7 cabeças, não é?! Recordo-me que essa
foi uma prova muito questionada pelos meus colegas de concurso, haja vista as
anulações e uma ou outra polêmica. Mas, confesso, me dei muito bem nela na época!

Forte abraço!

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A IMPORTÂNCIA DO ERRO NO APRENDIZADO

Vídeo

A importância do erro para o processo de aprendizado.

“Percam o medo de errar! (...) O sucesso é o acúmulo de fracassos até que você chegue
ao ponto pretendido. Ninguém chega aonde chegou, ao cargo de professor, de
procurador da república, de advogado, de juiz, se não for por meio de diversos
insucessos e erros. Todos nós passamos por isso!”.

Olá, meus amigos! Tudo bem!? Ontem participei como expositor da semana jurídica da
UNIFIO (Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos) e, na introdução
da minha exposição, que teve quase 1h40min de duração, falei sobre “a importância do
erro para o processo de aprendizado”.

Por motivos diversos, ao longo de nossa vida, aguçamos o nosso medo de arriscar, de
errar, e isso impede o nosso aprimoramento acadêmico e profissional. Não é fácil, de
fato, estar na arena. É muito mais cômodo adotarmos uma posição de meros
expectadores críticos da vida e dos outros. Mas, pergunto a vocês, é mesmo isso que
queremos? Para sabermos o gosto da vitória teremos que, invariavelmente, passar por
algumas derrotas.

Na palestra, tratei sobre o que chamo de “abismos” do ensino jurídico no país,


especificamente no que se refere ao Direito Econômico e Empresarial. A íntegra pode
ser acessada no canal UNIFIO Play do Youtube ou neste link:
https://www.youtube.com/channel/UC0u35k153Yu3DblNZm_tRLA.

Meus agradecimentos ao aluno Matheus e aos professores Elisangela e Daniel pelo


convite!

Vocês já erraram hoje? Rs

Forte abraço!

19
STF, AS LEIS MUNICIPAIS E O UBER

Jurisprudência

Leis municipais podem proibir o serviço de transporte de passageiros mediante


aplicativo (UBER, CABIFY, 99, dentre outros)?

Não. Segundo o STF, são inconstitucionais leis municipais que proíbem o serviço de
transporte de passageiros mediante aplicativo. A proibição ou a restrição da atividade
econômica de transporte individual por motorista cadastrado em aplicativo é
inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência
(STF, Plenário, ADPF 449/DF, Relator Luiz Fux; e RE 1054110/SP, Relator: Roberto
Barroso, julgados em 08 e 09/05/2019).

Por unanimidade, foi julgada procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental (ADPF) 449, ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL) contra a Lei
10.553/2016 de Fortaleza (CE), que proibia o uso de carros particulares, cadastrados ou
não em aplicativos, para o transporte remunerado individual de pessoas e previa multa
de R$ 1.400 ao condutor do veículo. Também em votação unânime foi negado
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1054110, com repercussão geral
reconhecida, no qual a Câmara Municipal de São Paulo (SP) questionava acórdão do
Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) que declarou a inconstitucionalidade da Lei
Municipal 16.279/2015, que proibiu esta modalidade de transporte na capital paulista.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 1054110, salientou que a livre iniciativa
é um dos fundamentos do Estado brasileiro, ao lado do valor social do trabalho, e que o
modelo previsto na Constituição é o da economia de mercado. Para o ministro, não é
possível que uma lei, arbitrariamente, retire uma determinada atividade econômica do
mercado, a não ser que haja algum fundamento constitucional.

Em seu voto-vista, o ministro Ricardo Lewandowski, que seguiu os relatores em ambos


os processos, observou que a proibição do livre exercício da atividade de motoristas
profissionais vinculados a aplicativos enfraquece a livre iniciativa e a livre
concorrência, prejudicando os consumidores que terão seu direito de livre escolha
suprimido. Lewandowski citou estudo do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) que aponta não haver elementos econômicos que justifiquem a
proibição de novos prestadores de serviço de transporte individual e que a atuação de
novos agentes no setor tende a ser positiva.

O Estudo do CADE mencionado pelo ministro Lewandowski pode ser visto aqui:
http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/dee-
publicacoes-anexos/documento-de-trabalho-001-2018-uber.pdf.

Então, segundo o STF, leis municipais não podem proibir o serviço de transporte de
passageiros mediante aplicativo.

Forte abraço!

20
LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA EM CONCURSOS PÚBLICOS

Questão

TRF1 - 2015

O princípio da livre concorrência e o princípio da livre iniciativa são conceitos


coincidentes, entendidos como fundamento político garantidor da liberdade econômica.
Errado. Os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa não são coincidentes. A
Livre Iniciativa está relacionada à liberdade de empreender, contratar e trabalhar,
enquanto a Livre Concorrência é a faculdade de competir livremente no mercado.
Embora exista doutrina que considere a livre concorrência uma das faces da livre
iniciativa (Eros Grau), é equivocado afirmar que os princípios sejam coincidentes.
TRF2 – 2014
A exploração direta de atividade econômica pelo Estado há de ser limitada.
Correto. Esse é a essência do caput do art. 173 da CF (“Ressalvados os casos previstos
nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei”).
Inexiste tratamento favorecido para empresas brasileiras de qualquer natureza.
Errado. Em razão do princípio da livre concorrência, esse tratamento favorecido deve
ser exceção, mas ele existe. Vide art. 170, IX, da CF (“tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País”).
É possível a exploração de atividade econômica pelo Estado, desde que necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em atos
do Poder Executivo.
Errado. A Constituição, no caput do art. 173, fala, de fato, que é possível a exploração
da atividade econômica pelo Estado nos casos de imperativos de segurança nacional ou
de relevante interesse coletivo, conforme “definidos em lei”, não em “atos do Poder
Executivo”.
O exercício ou não de atividade econômica diretamente pelo Estado fica a critério do
poder público, quando o interesse estatal o exigir.
Errado. O exercício direta da atividade econômica pelo Estado não fica “a critério do
poder público, quando o interesse estatal o exigir”. As hipóteses de atuação direta do
Estado na economia, no regime de livre concorrência da Constituição Federal de 1988,
são restritas e dependem de definição em lei, nos termos do art. 173, caput.
Os temas da livre iniciativa e da livre concorrência foram cobrados desta maneira em
concursos para a magistratura federal! Só lembrando que as proposições aqui
comentadas foram retiradas de questões de múltipla escolha. Forte abraço!

21
LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA

Doutrina

Livre Iniciativa e Livre Concorrência

A Livre Iniciativa é fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1, inciso IV, da


CF), bem como fundamento da Ordem Econômica (caput do art. 170 da CF). A Livre
Concorrência é um dos princípios da Ordem Econômica (art. 170, inciso IV, da CF).

A Livre Iniciativa está diretamente relacionada ao direito fundamental de liberdade e


sua origem histórica é, geralmente, vinculada ao édito de Turgot, 1776, à Revolução
Francesa, 1789, e ao Decreto d´Allarde, 1791. Ao tratar do princípio, a doutrina
costuma falar em liberdade de (i) empreender, (ii) trabalhar e (iii) contratar. A presente
análise focará na liberdade de empreender, ou seja, liberdade de iniciativa econômica,
liberdade de constituir uma empresa. Trata-se de liberdade considerada fundamental
para um modelo de economia capitalista.

Eros Grau fala que a Livre Iniciativa engloba: (i) liberdade de empreender (“comércio e
indústria”) e (ii) liberdade de concorrência.

A liberdade de empreender é a (i.a.) faculdade de criar e explorar uma atividade


econômica privada (liberdade pública), bem como (i.b) não sujeição de qualquer
restrição estatal, senão em virtude de lei (liberdade pública).

A liberdade de concorrência é a (ii.a) faculdade de conquistar clientela, sendo vedada a


concorrência desleal (liberdade privada), a (ii.b) proibição de adoção de formas de
atuação que deteriorem a concorrência (liberdade privada) e a (ii.c) neutralidade do
Estado diante do fenômeno concorrencial (liberdade pública).

Portanto Livre Iniciativa não é sinônimo de Livre Concorrência. Segundo Eros Grau,
Livre Iniciativa engloba a Livre Concorrência ou, dito de outro modo, a Livre
Concorrência é uma face da Livre Iniciativa.

Três observações finais. (i) O exercício da atividade econômica estará condicionado ao


cumprimento das normas e poderá sofrer restrições que, por exemplo, visem preservar a
segurança, a saúde ou a própria higidez do mercado. (ii) No regime de livre iniciativa e
livre concorrência, ressalvados os casos previstos na Constituição 1988, o Estado
apenas poderá explorar diretamente a atividade econômica quando for necessária aos
imperativos de segurança nacional ou servir a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei (vide art. 173 da CF); (iii) Ainda, em razão da livre concorrência,
eventual tratamento do Estado de favorecimento a determinadas empresas apenas deve
ser admitido em casos excepcionais, devidamente adequados aos ditames

22
constitucionais (por exemplo, art. 170, inciso IX, tratamento favorecido para empresas
de pequeno porte nacionais).

É isso, pessoal! Forte abraço!

23
FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

Doutrina – Formas de intervenção do Estado em relação ao domínio econômico

O simples às vezes complica: vocês estão lembrados da classificação de Eros Grau das
modalidades de intervenção do Estado em relação ao domínio econômico? (i) por
absorção ou por participação, (ii) por direção e (iii) por indução. Confere na legenda!

Inicialmente, vale lembrar que Eros Grau, ao falar de intervenção em domínio


econômico, refere-se à atividade econômica em sentido estrito (lembrar que atividade
econômica em sentido amplo engloba serviços públicos e a atividade econômica em
sentido estrito). A partir das lições de Gerson Augusto da Silva, Eros Grau reconhece
três modalidades de intervenção: (i) por absorção ou por participação, (ii) por direção e
(iii) por indução.

Na intervenção (i) por absorção ou participação, o Estado desenvolve ação como sujeito
ou agente econômico. Por absorção, o Estado assume integralmente o controle dos
meios de produção e/ou troca em determinado setor, ou seja, atua em regime de
monopólio. Vide art. 177 da CF. Por participação, o Estado assume o controle de
parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor, mas atua em regime de
competição com empresas privadas que também exercem suas atividades no mesmo
mercado. Vide art. 173 da CF. Fala-se aqui que, nesses casos, o Estado intervém NO
domínio econômico.

Já nas intervenções (ii) por direção e (iii) por indução, o Estado desenvolverá ações
como regulador das atividades. Por direção, o Estado exerce pressão na economia a
partir de normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade
econômica. Enquanto que, por indução, o Estado manipula os instrumentos de
intervenção em consonância e na conformidade das leis, incentivando a conduta dos
agentes. Vide art. 174 da CF. Fala-se aqui que, nesses casos, o Estado intervém SOBRE
o domínio econômico.

Eu prefiro apreender esses conceitos de outra forma, vejam se ajuda: (a) Intervenção
NO domínio econômico: (a.1) por absorção e (a.2) por participação / (b) Intervenção
SOBRE o domínio econômico: (b.1) por direção e (b.2) por indução. O enfoque aqui é
diferenciar as modalidades NO e SOBRE, que já indicam de quais modalidades de
intervenção trataremos.

É isso, pessoal! Forte abraço!

24
SÚMULAS VINCULANTES IMPORTANTES PARA O DIREITO ECONÔMICO

Jurisprudência

Separei as 05 súmulas vinculantes mais importantes do STF relacionadas ao Direito


Econômico. Para cada uma, um breve comentário! Confiram na legenda!

Súmula vinculante 04. “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou
de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. Essa vedação está prevista no
art. 07, inciso IV (parte final), da própria CF, e se justifica para evitar que o acréscimo
do salário-mínimo cause uma cadeia de aumentos, o que poderia maximizar seus efeitos
inflacionários e inibir a concessão de novos reajustes.

Súmula vinculante 07. “A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela


Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano,
tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”. Desde 1993 o tema foi
debatido na ADIN 04 e o STF já havia afirmado que a regra não era autoaplicável, o que
foi confirmado pela Súmula 648, convertida depois na presente súmula vinculante.

Súmula vinculante 27. “Compete à Justiça estadual julgar causas entre consumidor e
concessionária de serviço público de telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte
passiva necessária, assistente, nem opoente”. A racionalidade dessa súmula se aplica a
outras agências reguladoras, por exemplo: causas consumeristas contra concessionárias
de distribuição de energia elétrica são, em regra, da Justiça estadual, salvo se presente a
ANEEL.

Súmula vinculante 38. “É competente o Município para fixar o horário de


funcionamento de estabelecimento comercial”. Aqui o STF entendeu que, por se tratar
de interesse local (art. 30, inciso I, da CF), o tema deve ser legislado por municípios.
Alguns julgados também analisaram se essa restrição de horários ofenderia a livre
iniciativa e a livre concorrência. Segundo o STF, não.

Súmula vinculante 49. “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que
impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada
área”. Já aqui, diferentemente da súmula 38, o STF reconheceu a inconstitucionalidade
material por ofensa ao art. 170, inciso IV (“livre concorrência”). Cuidado para não
confundir as Súmulas vinculantes 38 e 49!

Será que me esqueci de alguma?! Forte abraço, pessoal! Bom fim de semana pra gente!

25
O QUE É O DIREITO ECONÔMICO?

Doutrina

Legenda

Mas o que é esse tal de Direito Econômico?

Animado por essa indagação, o professor Modesto Carvalhosa escreveu, talvez, o mais
aprofundado estudo em língua portuguesa acerca da definição do Direito Econômico,
que ocupa cerca de 180 páginas do seu livro “Direito Econômico” de 1973 (que
constitui uma parte da obra publicada pela Revista dos Tribunais, “Direito Econômico:
obras completas” que conta ainda com dois outros livros do professor, “Poder
Econômico” de 1967 e “A Ordem Econômica na Constituição de 1969” de 1972).

Infelizmente, em razão da limitação de espaço, não podemos detalhar aqui todo o


trabalho do professor Carvalhosa. Mas inspirado nele, trago neste post algumas
definições de Direito Econômico, com destaque para as três últimas, que são as quais eu
geralmente trabalho em aulas: Eros Grau, Fábio Konder Comparado e do próprio
Modesto Carvalhosa.

Dessas definições, eu costumo destacar três elementos que bem explicam o que é o
Direito Econômico: (i) Normatização da atividade econômica, (ii) para que sejam
atendidos determinados fins públicos (política econômica), observando-se (iii) um
potencial conflito de interesses entre agentes econômicos privados e o Estado.

Por fim, atentem que alguns conceitos, devem ser compreendidos à luz do momento
histórico em que concebidos.

Boa semana pra gente!

Vamo que vamo!

...

Mas o que é esse tal de Direito Econômico?

Segundo HAMEL e LAGARDE (Traité de Droit Commercial, 1951), haveria


inadequação de concepções clássicas do Direito Privado às necessidades da vida
econômica. Para eles, o Direito Econômico teria por missão reger a vida econômica e,
notadamente, a produção e circulação de riqueza. O Direito Comercial, o Direito do
Trabalho, o Direito da Propriedade Industrial e o Direito Rural deveriam ser
compreendidos a partir dessa nova disciplina.

HAMEL e LAGARDE citam KLAUSING, que define o Direito Econômico como


àquele referente às medidas através das quais o Estado contemporâneo dirige a
economia nacional, sendo, portanto, o direito da economia dirigida. Atribui-se

26
particularmente a KLAUSING a ideia de um Direito Econômico regendo aquelas
relações econômicas que foram subtraídas do livre jogo concorrencial.

RADBRUCH (Introduzione ala Scienza del Diritto, 1958) entende que, face às novas
ideias e relações, as clássicas divisões entre Direito Público e Privado, Direito Civil e
Administrativo estão superadas, exemplificando tal fato com o Direito Econômico, cujo
surgimento ele associa à Alemanha no pós Primeira Guerra Mundial e, de maneira
universal, ao momento em que o Estado não mais outorga plena liberdade às relações
privatistas das forças econômicas, passando o Poder Público a governar as leis de
dinamismo do mercado, com normas jurídicas aptas a intervirem eficazmente no
movimento sociológico.

CANSACCHI (L´Insegnamento del Diritto dell´Economia, 1957) conceitua o Direito


Econômico como “aquela parte do Direito Administrativo concernente ao campo
econômico”. Trata, portanto, desse modo o Direito Econômico como uma parte do
Direito Administrativo, assim apto a ser estudado no âmbito de princípios e institutos já
próprios da ciência do Direito Administrativo.

Para Eros Grau (Elementos do Direito Econômico, 1981), o Direito Econômico é “o


sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação,
sob o ponto de vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma
disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal”.

Para Fábio Konder Comparato, definição que consta no seu visionário artigo “O
indispensável direito econômico”, publicado em 1965, no qual o autor destaca a
importância do estudo e da compreensão do Direito Econômico para o desenvolvimento
do país: “conjunto de técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na
realização de sua política econômica”.

Para Carvalhosa (Direito Econômico, 1973), “com base nos dois elementos constitutivos
do conceito central do Direito Econômico, no plano dogmático – dirigismo racional e
conflito de interesses – definimos a disciplina como o conjunto de normas que, com um
conteúdo de economicidade, vincula as entidades econômicas privadas e públicas, aos
fins constitucionais cometidos à ordem econômica, conciliando, ademais, os conflitos
de interesses entre esses fins e os objetivos próprios e naturais das entidades
econômicas privadas na condução das suas disponibilidades de dispêndio,
investimentos e empreendimentos; objetivos estes assegurados pelo princípio
constitucional da livre iniciativa”.

O conceito de Modesto Carvalhosa foi construído a partir da análise de mais de 50


conceitos de diversos juristas, especialistas em Direito Econômico, estrangeiros e
nacionais, e dois elementos centrais ali constantes merecem ser explicados com maiores
detalhes: dirigismo racional e conflito de interesses. Ao vincular entidades públicas e
privadas, o Direito Econômico busca proporcionar o dirigismo racional da atividade
econômica, de maneira que, a partir dela, fins sociais sejam alcançados. Essa busca por
fins diversos do lucro, elemento primeiramente almejado por todo e qualquer

27
empresário, traz em si um potencial conflito de interesses entre o Estado, ente público, e
o empresário, ente privado. Esse conflito é elementar e não pode passar despercebido
por quem estuda o Direito Econômico e permeia a aplicação das normas econômicas.

28
DIREITO ECONÔMICO EM CONCURSOS PÚBLICOS

Série Vídeos Ordem Econômica na Constituição

1. A importância do estudo da Ordem Econômica Constitucional para concursos


públicos

A importância do estudo da Ordem Econômica Constitucional para concursos públicos.

Depois do Direito da Concorrência, a Ordem Econômica Constitucional é o


tema mais importante a ser estudado para concursos públicos.

Na Magistratura Federal, das 30 questões de Direito Econômico das últimas


provas (TRF 1ª - 2015, TRF 2ª – 2014, TRF 2ª - 2017, TRF 2ª – 2018, TRF 3ª - 2016,
TRF 3ª – 2018, TRF 4ª – 2016, TRF 5ª – 2015, TRF 5ª – 2017), enquanto 16 eram de
Direito da Concorrência, cerca de 07 se referiam à Ordem Econômica Constitucional.
Algo em torno de 23,4%.

No Ministério Público Federal, nas últimas provas (25º, 26º, 27º. 28º e 29º
concursos), das 50 questões destinadas a Direito Econômico e Direito do Consumidor,
34 eram de Direito Econômico, sendo que 17 eram de Direito da Concorrência e
aproximadamente 09 de Ordem Econômica Constitucional. Ou seja, Ordem Econômica
correspondeu a cerca de 26,3% dos assuntos cobrados.

Ahhh, uma dica importante, que não mencionei no vídeo: dentre os temas,
princípios constitucionais é, sem dúvidas, o de maior incidência! Fica esperto!

29
O QUE É ORDEM ECONÔMICA?

2. “Ordem Econômica” como expressão equívoca

“Ordem Econômica” como expressão equívoca

Como bem observa Eros Grau, o sentido empregado pelo constituinte no


caput do art. 170 da Constituição Federal não foi, exatamente, o técnico-normativo,
porquanto quis “indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do
econômico, como fato entre nós”. Dessa forma, a expressão, no referido dispositivo,
para evitar equívocos, poderia ser substituída por “atividade econômica”, restando claro
que as normas que estão previstas no texto constitucional, no título denominado “Da
Ordem Econômica e Financeira”, visam, ou pelo menos deveriam visar, ao
disciplinamento do processo econômico, da atividade econômica, compondo, portanto,
parcela da ordem jurídica denominada de ordem econômica.

Deve-se destacar que Eros Grau critica a expressão “ordem econômica”,


atribuindo-lhe o poder de causar mais confusão do que esclarecimento. Três são os
motivos centrais elencados por Eros Grau para a crítica. Primeiro, existem diversas
disposições constitucionais que tratam da ordem econômica, mas que não estão no
capítulo destinado a ela, como, por exemplo, os arts. 1° e 3°. Segundo, a ordem
econômica não se esgota no nível constitucional, contendo também normas
infraconstitucionais (dai a distinção feita por ele entre “Constituição Econômica
Material” e “Formal”), além do que existem dispositivos que estão no título da Ordem
Econômica e a ela não se referem, como o art. 173, §3°. Finalmente, a própria
dubiedade de significados do termo, que ora se refere ao mundo do ser, ora ao mundo
do dever ser, prejudica sua aplicação. Entretanto, a expressão continua sendo utilizada
pela doutrina, inclusive pelo próprio Eros Grau: “Não obstante tudo isso, a inércia do
pensamento jurídico ou, pelo menos, o hábito de o processarmos desde uma perspectiva
marginalizante do senso crítico, nos impele à manutenção do uso da expressão”.

Da forma semelhante, Vital Moreira também compreende a expressão


“ordem econômica” em diferentes sentidos. Primeiramente, como um modo de ser
empírico de uma determinada economia, representando, portanto, um conceito de fato
relacionado ao mundo do ser. Trata-se, nesta acepção, da relação entre os fenômenos
econômicos e materiais, ou seja, relação entre os fatores econômicos concretos. Em uma
segunda acepção, “ordem econômica” significa o conjunto de todas as normas ou regras
de conduta que dizem respeito à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos,
não apenas normas jurídicas. Incluem-se nessa acepção normas ou regras religiosas ou
morais, desde que sirvam para moldar o comportamento do agente econômico. Em uma
terceira acepção, mais próxima à definição dada pelo professor Eros Grau, “ordem
econômica” é apresentada por Vital Moreira como ordem jurídica da economia.

30
O ART. 170 E OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA

Aspectos gerais do art. 170

Aspectos gerais do art. 170

O art. 170 é tão importante para a compreensão do disciplinamento


constitucional do Direito Econômico e, consequentemente, para a realização de
qualquer prova na matéria, que o seu texto está aqui transcrito na íntegra para leitura e
releitura.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função
social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do
consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução
das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

A livre iniciativa e o valor social do trabalho são princípios fundamentais


não apenas da Ordem Econômica (caput do art. 170), mas da própria República
Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV), e é a partir deles que os demais princípios da
ordem econômica, listados nos incisos I a IX, devem ser trabalhados.

Há, de fato, princípios de feição mais liberalizante (por exemplo,


propriedade privada e livre concorrência) e de feição mais intervencionista (como
função social da propriedade e defesa do meio ambiente), mas isso não impede a
conclusão de que o constituinte consagrou um sistema de liberdade de iniciativa e de
propriedade privada, portanto capitalista, moldado pela intervenção do Estado.

A complexidade do art. 170 está conforme a complexidade da própria


realidade da atividade econômica, motivo pelo qual será no caso concreto que os
princípios descritos deverão ser compreendidos e aplicados, não de forma isolada, mas

31
em coordenação uns com os outros, bem como com os demais princípios do
ordenamento jurídico, como a proporcionalidade e a razoabilidade.

Soberania Nacional

Soberania Nacional

Sobre a soberania nacional, importante atentar que o conceito de soberania


remonta a Jean Bodin e ao tratado de Westfália (1648), que encerrou a Guerra dos
Trinta anos e reconheceu que o mundo é dividido em Estados soberanos e iguais,
constituindo, portanto, noção de extrema relevância para a consolidação dos Estados
modernos. Importante constar expressamente a soberania como princípio da Ordem
Econômica, a fim de que a atividade econômica seja organizada com finalidade de
levar o Estado brasileiro a uma situação soberana face aos demais Estados.

A soberania das nações passa pela autonomia dos indivíduos, por certo, e o
desenvolvimento econômico dos agentes do mercado está diretamente atrelado ao do
Estado, mas é importante atentar para a necessidade de equilibrar os diversos princípios
elencados. Por exemplo, uma política de “campeões nacionais”, com a finalidade de
promover a soberania brasileira, deve observar também a necessária livre concorrência
nos mercados internos, sob pena de violação da Constituição.

Propriedade privada

Propriedade privada

A propriedade privada é um direito fundamental, conforme disposto no


art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal. Entretanto, já no inciso seguinte (art. 5º,
inciso XXIII), o constituinte afirma: “a propriedade atenderá a sua função social”. Dessa
maneira, a inserção da propriedade privada e da função social da propriedade reforça
como deve se dar o exercício desse direito no contexto da atividade econômica.

Quanto à propriedade privada, por um lado, este princípio limita a


atuação do Estado no exercício da atividade econômica, que deve ser exercido nos
termos da Constituição em situações específicas, e, por outro, restringe a forma com
que o Estado interfere na propriedade alheia, conferindo ao cidadão o direito de não
ver seu direito de propriedade aniquilado. Alguém pode sofrer expropriação por parte
do Estado? Pode, por exemplo, nos casos de bens envolvidos no cultivo de plantas
psicotrópicas e tráfico de drogas, sem direito à indenização, nos termos do art. 243 da
Constituição, mas a regra é que a perda de propriedade, caso seja do interesse da
Administração (necessidade ou utilidade pública ou interesse social), ocorra mediante
desapropriação, com prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvados os casos

32
previstos na Constituição1 (art. 5º, XXIV). Outro exemplo, o Estado pode cobrar
tributos, mas eles não podem ser de tal monta elevados a ponto de configurar verdadeiro
confisco (Princípio do não-confisco no Direito Tributário). Enfim, o direito à
propriedade funciona como um limitador da intervenção do Estado na e sobre a
atividade econômica. E a função social funciona como um limitador do exercício do
próprio direito de propriedade.

Função Social da Propriedade

Função Social da Proprieade

O direito de propriedade não é absoluto e deve ser exercido em


conformidade com a vivência em sociedade. O direito de construir é um exemplo
interessante para entender a função social e eventuais limitações à atividade
econômica. Por conta da função social da propriedade, o direito de edificar não é
absoluto, assim, as edificações devem obedecer às limitações administrativas, contidas,
por exemplo, nos planos diretores dos municípios2. Ainda, não é possível ao
proprietário também, simplesmente, não edificar ou, de forma mais genérica, não
produzir. Para a propriedade rural, a União pode cobrar ITR progressivo, a fim de
desestimular a manutenção de propriedades improdutivas (Art. 153, §4º, Inciso I),
enquanto para a propriedade urbana, os municípios podem exigir de proprietário de solo
urbano não edificado ou não utilizado, mediante lei específica para área incluída no
plano diretor, de forma sucessiva: (i) parcelamento ou edificações compulsórios, (ii)
IPTU progressivo no tempo ou até (iii) desapropriação mediante títulos da dívida
pública (art. 182, §4º, incisos I, II e III). Esses tributos progressivos, ITR e IPTU,
configuram exemplos de intervenção do Estado sobre o domínio econômico por meio
de indução.

Ainda sobre a função social da propriedade, é importante perceber que,


no contexto da atividade econômica, ela funciona como fundamento para a função
social da empresa (ou, dito de outro modo, a função social da empresa dela deriva) e
está relacionada, nessa perspectiva, até à busca do pleno emprego. Esse raciocínio foi
empregado pelo STF no julgamento da ADI 3.934-2/DF, que reconheceu a
constitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único, 83. I e IV, alínea “C”, e 141, II da

1
Nos termos da Constituição Federal, há ainda desapropriação mediante o pagamento de títulos da dívida
pública relacionada à política urbana (Art. 182, §4º, inciso III) e desapropriação com pagamento mediante
títulos da dívida agrária relacionada à política agrícola e fundiária (Art. 184, caput).
2
Restrições administrativas supervenientes a negócios já instalados podem gerar direito à indenização,
mas se tais restrições preexistirem à aquisição do terreno, ou seja, forem do conhecimento do adquirente
do imóvel, não serão passíveis de indenização, conforme já se pronunciou o STF no RE 140436, REl.
Carlos Velloso.

33
Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei 11.101/2005). O STF confirmou que o
arrematante das empresas em recuperação não responde pelas obrigações do devedor,
em especial aquelas derivadas da legislação do trabalho, com a finalidade de se tentar
facilitar a manutenção da atividade produtiva.

Livre Concorrência

Livre Concorrência

Como será estudado no tópico seguinte, Eros Grau chama atenção para o
fato de que a livre concorrência decorre da livre iniciativa e assim estaria dividida em
duas liberdades privadas: (i) faculdade de conquistar clientela, sendo vedada a
concorrência desleal, e (ii) a proibição de adoção de formas de atuação que
deteriorem a concorrência.

A proibição de adoção de formas de atuação que deteriorem a


concorrência é a vedação ao abuso de poder econômico, prevista expressamente na
Constituição no art. 173, §4º (“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise
à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros”), que pode gerar punição tanto para os dirigentes, quanto para a própria
pessoa jurídica, nos termos do art. 173, §5º (“A lei, sem prejuízo da responsabilidade
individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta,
sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a
ordem econômica e financeira e contra a economia popular”), cuja fiscalização é
exercida pelo CADE (Lei 12.529/2011), também chamada de defesa da concorrência.
Essa é a parte mais estudada (e mais importante) do princípio da livre concorrência (e,
por consequência, a mais mencionada), e será esmiuçada mais adiante no nosso curso.

Já o combate à concorrência desleal, que também tem por fundamento


o Princípio da Livre Concorrência, é um assunto que não é tratado pela Lei
12.529/2011 e, por isso, não está no âmbito da atribuição do CADE. Essa matéria
está disciplinada na Lei 9.279/1996 (LPI), Lei de Propriedade Industrial e, no
Brasil, tem proteção de caráter nitidamente privado. É importante, pois, aproveitar este
espaço para entender aqui alguns aspectos gerais do combate à concorrência desleal.

O art. 2º da LPI prevê que a proteção dos direitos relativos à


propriedade industrial efetua-se também mediante a repressão à concorrência
desleal (além da concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;
concessão de registro de desenho industrial; concessão de registro de marca;
repressão às falsas indicações geográficas). No Brasil, os atos de concorrência desleal
podem ser divididos em duas modalidades: a concorrência desleal específica e a
concorrência desleal genérica, a depender da existência ou não de tipo penal.

As quatorze condutas tipificadas nos incisos do art. 195 da LPI são as


hipóteses de concorrência desleal específica, todas previstas dentro do Capítulo “Dos
Crimes de Concorrência Desleal”. Por sua vez, a previsão do art. 209 ressalva a

34
possibilidade de indenização dos prejudicados por atos de concorrência desleal não
previstos na LPI, desde que “tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios
alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou
prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio”. Esta é
a hipótese genérica.

Em síntese, qualquer ato de concorrência desleal poderá ser objeto de


reparação na esfera cível, mas apenas os atos de concorrência desleal específica são
sancionados penalmente por meio de ação penal privada, ou seja, procedem-se mediante
queixa-crime, nos termos do art. 199 da LPI. Atentar que os crimes previstos no art. 195
têm pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa, portanto são crimes de menor
potencial ofensivo. Esse assunto já foi objeto de jurisprudência do STJ a partir do
debate acerca da violação ao Trade dress.

Trade dress ou conjunto-imagem é o aspecto geral de como um produto


ou serviço é apresentado, a sua soma dos elementos visuais. A violação de trade
dress ocorre quando um concorrente não copia exatamente a marca ou o desenho
industrial, mas imita uma série de características que identifica o produto ou serviço de
outrem, causando confusão nos consumidores. É um tema de concorrência desleal,
diretamente afeto à propriedade industrial. A proteção ao Trade Dress não tem
previsão legal específica e, apesar de não se confundir com outros direitos de
propriedade industrial, já teve sua proteção jurídica reconhecida em alguns
precedentes do STJ (REsp 1.353.451/MG e 1.677.787/SC, por exemplo). Estaria
abarcada no art. 209 da LPI (Lei 9.279/1996), sendo, pois, uma hipótese de
concorrência desleal genérica.

Assim, é possível e até didaticamente interessante colocar sob o guarda-


chuva do (i) Princípio da Livre Concorrência as normas de (i.a) defesa da concorrência
(CADE) e de (i.b) combate à concorrência desleal, embora haja em cada uma delas
características distintas e, em regra, seja dada maior atenção à defesa da concorrência e
a atuação do CADE.

Direito do Consumidor

Direito do Consumidor

A defesa do consumidor como princípio da ordem econômica não apenas é


o fundamento constitucional do CDC, como também impõe uma importante diretriz
para os agentes econômicos: o lucro não pode ser obtido por meio de violação aos
direitos dos consumidores. É também um importante parâmetro para definição
acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas
infraconstitucionais que violem interesses dos consumidores. Dois exemplos de
entendimento do STF, sendo um deles capcioso. Primeiro, há muito o STF decidiu
que o CDC, mesmo não sendo lei complementar, aplica-se às instituições
financeiras, com espeque no princípio de defesa do consumidor (ADI 2.591/DF,
Relator Eros Grau, DJ de 07/06/2006). Segundo, o capcioso: nos termos do art. 178

35
da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores
da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as
Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de
Defesa do Consumidor (STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e
ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017, Repercussão
Geral – Tema 210)3.

Esse entendimento é capcioso porque, até esse julgamento do STF, a


doutrina apontava que, neste debate acerca do valor de indenização por danos materiais
decorrente de bagagem extraviada, prevalecia o CDC em face dos Pactos de Varsóvia e
Montreal. Entretanto, o STF entendeu que, no caso, deve prevalecer o disposto no art.
178, também previsto no título da Ordem Econômica, que prevê: “a lei disporá sobre a
ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do
transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o
princípio da reciprocidade”. Três observações: (i) As convenções de Varsóvia e de
Montreal regulam apenas o transporte internacional, portanto, no caso de transporte
nacional, aplica-se o CDC; (ii) Essas convenções devem ser aplicadas não apenas nos
casos de extravio de bagagem, mas em outras questões envolvendo o transporte
internacional (por exemplo, atraso de voos); (iii) o precedente do STF aqui citado trata
dos danos materiais: no que se refere aos danos morais, tem prevalecido o entendimento
do STJ de que não se aplicam as convenções, mas o CDC4

Defesa do meio ambiente

Defesa do meio ambiente

Em relação à defesa do meio ambiente, de início, deve-se atentar que esse


é um dos dois incisos do rol do art. 170 alterados pelo legislador (o outro é o IX,
que dispõe sobre o “tratamento favorecido a empresas de pequeno porte”). O texto
originário da Carta de 1988 simplesmente previa “defesa do meio ambiente” e, agora,
após a Emenda Constitucional nº 42 de 2003, que tratou da Reforma Tributária, prevê
“defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação”.

3
Esse entendimento foi seguido pelo STJ: “É possível a limitação, por legislação internacional especial,
do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem” (STJ. 3ª
Turma. REsp 673.048-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 626).
4
Até porque, na época da assinatura da Convenção de Varsóvia, 1929, a indenização por danos morais
não era cogitada. Segundo o STJ: “As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem
e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal,
devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC” (STJ, 3ª
Turma, REsp 1.842.066-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 09/06/2020).

36
Trata-se de norma programática e, ao que parece, quis o legislador
demonstrar que tratamentos diferenciados podem ser aplicados, de acordo com o nível
de agressão ambiental que a atividade econômica cause. Por exemplo, admite-se
licença ambiental simplificada para empreendimentos ou atividades de pequeno
porte e baixo potencial poluidor. O estabelecimento deste princípio como norteador
da atividade econômica, em síntese, conforme já compreendeu o STF, significa dizer
que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses
empresariais. Por fim, é importante relembrar que esse princípio foi bastante debatido
pelo STF quando do julgamento da ADPF 101, quando o Tribunal decidiu pela
constitucionalidade dos atos normativos que proíbem a importação de pneus usados.

Redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e


tratamento favorecido.

A redução das desigualdades regionais e sociais consta como princípio da


Ordem Econômica e como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art.
3º, inciso III). Portanto, deve ser por meio da atividade econômica que este objetivo será
alcançado. Um exemplo de aplicação deste princípio é o estabelecimento, pelos Estados,
de salários-mínimos regionais, que nunca deverão ser inferiores ao valor federal. O STF
já teve oportunidade de declarar norma desse tipo como constitucional5.

A busca do pleno emprego visa consagrar a valorização do trabalho


humano como alicerce da Ordem Econômica. Há alguns exemplos práticos de sua
aplicação, como, por exemplo, nos debates relacionados aos princípios da função social
da empresa e da preservação da empresa na sistemática da Lei de Recuperação de
Empresas e de Falências (vide, por exemplo, ADI 3.934-2/DF, comentada aqui quando
abordado o princípio da função social da propriedade).

Ainda, consta no inciso IX o “tratamento favorecido para as empresas de


pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País”. Na redação originária constava “tratamento favorecido para
empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte” e foi alterado pela Emenda
Constitucional nº 06 de 1995. Essa alteração está relacionada com a revogação do art.
171 da própria Constituição, que distinguia (i) empresa brasileira constituída sob
as leis brasileiras da (ii) empresa brasileira de capital nacional, que seria “aquela
cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta
de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público
interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu

5
Vide o caso da ADI que trata de lei em Santa Catarina que estabeleceu o salário-mínimo regional: “A lei
questionada não viola o princípio do pleno emprego. Ao contrário, a instituição de piso salarial regional
visa, exatamente, reduzir as desigualdades sociais, conferindo proteção aos trabalhadores e assegurando
a eles melhores condições salariais” (STF, ADI 4364. Min Dias Toffoli, DJe 16/05/2011).

37
capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas
atividades” (conforme art. 171 revogado). A Emenda Constitucional nº 06 de 1995
extinguiu essa diferenciação, estabelecendo que o tratamento favorecido a empresas de
pequeno porte se dá para aquela constituída no Brasil, pouco importando se o capital é
nacional ou estrangeiro. Existem projetos de lei e de PECs em tramitação no Congresso
que objetivam restaurar essa distinção.

O inciso IX do art. 170 deve ser lido em conjunto com o art. 179, o qual
estabelece que os entes federativos “dispensarão às microempresas e às empresas de
pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.
Como resultado dessa política constitucional de favorecimentos a pequenos agentes
econômicos, foi criado o Simples Nacional por meio da Lei Complementar nº 123/2006,
conhecida como “Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, que
estabelece uma série de benefícios tributários para os empresários que se enquadrem em
seus parâmetros de faturamento. O STF já teve oportunidade de se manifestar pela
constitucionalidade da isenção das contribuições sindicais estabelecida pelo Simples
Nacional6.

Por fim, o parágrafo único do art. 170 enuncia o cerne do princípio da


livre iniciativa, que será aprofundado no tópico seguinte, ao afirmar que “É assegurado
a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Esse é também o
fundamento constitucional da “Lei de Liberdade Econômica”, inserida neste curso
quando do estudo do Direito Regulatório.

6
Contribuição social patronal. Isenção concedida às microempresas e empresas de pequeno porte.
Simples Nacional ("Supersimples"). LC 123/2006, art. 13, § 3º. (...) O fomento da micro e da pequena
empresa foi elevado à condição de princípio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a
conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente à
concorrência. Por tal motivo, a literalidade da complexa legislação tributária deve ceder à interpretação
mais adequada e harmônica com a finalidade de assegurar equivalência de condições para as empresas de
menor porte. Risco à autonomia sindical afastado, na medida em que o benefício em exame poderá tanto
elevar o número de empresas a patamar superior ao da faixa de isenção quanto fomentar a atividade
econômica e o consumo para as empresas de médio ou de grande porte, ao incentivar a regularização de
empreendimentos. [ADI 4.033, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 15-9-2010, P, DJE de 7-2-2011.]

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FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

A intervenção do Estado por participação

Inicialmente, vale lembrar que Eros Grau, ao falar de intervenção em


domínio econômico, refere-se à atividade econômica em sentido estrito (lembrar que
atividade econômica em sentido amplo engloba serviços públicos e a atividade
econômica em sentido estrito). A partir das lições de Gerson Augusto da Silva, Eros
Grau reconhece três modalidades de intervenção: (i) por absorção ou por participação,
(ii) por direção e (iii) por indução.

Na intervenção por participação, o Estado assume o controle de parcela dos


meios de produção e/ou troca em determinado setor, mas atua em regime de competição
com empresas privadas que também exercem suas atividades no mesmo mercado. Vide
art. 173 da CF.

Intervenção do Estado por Absorção

Na intervenção por absorção, o Estado assume integralmente o controle dos


meios de produção e/ou troca em determinado setor, ou seja, atua em regime de
monopólio. Vide art. 177 da CF.

Intervenção do Estado por direção

Já nas intervenções (ii) por direção e (iii) por indução, o Estado


desenvolverá ações como regulador das atividades. Por direção, o Estado exerce pressão
na economia a partir de normas de comportamento compulsório para os sujeitos da
atividade econômica. Vide art. 174 da CF. Fala-se aqui que, nesses casos, o Estado
intervém SOBRE o domínio econômico.

Intervenção do Estado por indução

Na intervenção por indução, o Estado manipula os instrumentos de


intervenção em consonância e na conformidade das leis, incentivando a conduta dos
agentes.

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ECONOMIA, MICROECONOMIA, MACROECONOMIA E TRADE-OFFS

Curiosidade

Preciso estudar economia para compreender bem o direito econômico? Precisa. Por
exemplo, você sabe o que é a economia, trade-off ou a diferença entre microeconomia e
macroeconomia? Confere nas fotos do lado e na legenda!

A Economia estuda como pessoas, empresas, governos e outras organizações da


sociedade fazem escolhas e como essas escolhas determinam a forma como a sociedade
utiliza seus recursos. E as escolhas são importantes porque os recursos são escassos. Ter
mais de algo significa abrir mão de alguma coisa.

Como consequência da escassez, têm-se os trade-offs: a quantidade de um bem (ou um


objetivo desejável) que é necessário sacrificar para obter mais do outro bem (ou para
atingir mais do outro objetivo desejável).

Microeconomia se concentra no comportamento das unidades – firmas, famílias e


pessoas – que compõem a economia. Está preocupada com a maneira como as unidades
individuais tomam suas decisões e com os fatores que afetam essas decisões.

Macroeconomia examina o comportamento da economia como um todo, em particular


o comportamento de indicadores agregados como as taxas de desemprego, a inflação, o
crescimento econômico e a balança comercial.

As perspectivas micro e macro são simplesmente duas maneiras de olhar a mesma coisa.
A microeconomia é a economia vista de baixo para cima; a macroeconomia é a
economia vista de cima para baixo.

Se você pretende trabalhar com direito econômico, profissional ou academicamente, é


fundamental estudar economia. Acho que é o ramo do direito em que existe a maior
interdisciplinaridade com outra ciência. Mas e se você apenas quer passar em um
concurso público da área jurídica? Estudar economia agora, de fato, não será
determinante, mas o tornará um profissional melhor, qualquer que seja o concurso
pretendido: é sempre bom quando dispomos de “mais ferramentas” para analisar o
mundo complexo em que vivemos.

Como fazer isso? Posso dar o meu testemunho. Eu não fiz graduação em economia,
embora tenha estudado a disciplina no curso de direito e de administração de empresas.
Quando cheguei ao CADE (trabalhei lá por 5 anos e meio como procurador federal),
tive que me virar. Comecei (i) lendo notícias sobre o tema; depois (ii) busquei obras que
fornecessem uma visão geral (como os livros de “Introdução de Microeconomia” e
“Introdução de Macroeconomia” do Joseph Stiglitz, ou o “Curso de Economia” do
Fábio Nusdeo); (iii) então me interessei pela história do pensamento econômico (gosto
muito do livro “From Political Economy to Economics” do Dimitris Milonakis e Ben
Fine); (iv) somente depois passei a me interessar por alguns economistas específicos
(Adam Smith, Karl Marx, John Maynard Keynes, Friedrich Hayek etc. Recentemente,

40
por conta do doutorado, estou estudando a economia da complexidade pelo Brian
Arthur). Claro, a leitura das decisões do CADE também contribuiu enormemente.

O processo de aquisição de conhecimento é muito pessoal e essa ordem aqui sugerida,


que deu certo para mim, não é, por óbvio, uma regra absoluta. Tenho vários colegas que
primeiro se interessaram pelos estudos de um ou outro autor para, somente então,
compreender os conceitos básicos de economia. Mas é fato que, somente depois dos
passos (i) e (ii) acima descritos, comecei e entender melhor as discussões de
microeconomia travadas no CADE. Considero, portanto, esses passos essenciais para
uma aplicação prática do conhecimento econômico.

Pensando nisso (na importância do estudo da economia e no fato de que a maioria dos
juristas não tem esse background), vou começar a compartilhar nesta seção de
“curiosidades” alguns ensinamentos básicos da economia. Todos retirados da obra do
Joseph Stiglitz, “Introdução à Microeconomia”. Claro, os conceitos trazidos aqui podem
ser problematizados (rs), mas como a ideia é simplificar, podemos aprofundar um ou
outro ponto nos comentários ou nos directs. Para iniciar, neste primeiro post, vamos dos
conceitos de economia, trade-offs, microeconomia e macroeconomia. Já dando um
spoiler, no próximo post vou trazer um glossário com 10 termos importantes de
microeconomia. Espero que ajude!

Forte abraço a todos!

41
GLOSSÁRIO DE MICROECONOMIA – 10 TERMOS

Curiosidade

Olá, pessoal! Tudo bem?! A parte mais difícil aqui foi escolher os 10 termos mais
importantes... rs Existem vários! O meu norte foi pensar naqueles termos que podem ser
úteis no estudo do direito econômico, mais especificamente o direito da concorrência.
São eles:

Custos fixos: os custos devidos aos insumos fixos, algumas vezes chamados de
overhead.

Custos variáveis: os custos que resultam de insumos variáveis.

Custo marginal: o custo adicional que corresponde a produzir uma unidade adicional de
produto.

Custo de oportunidade:. o curso de um recurso medido pelo valor máximo que esse
recurso obteria se usado de outra forma

Lucro: receita total menos custo total.

Preço: é o valor que tem que ser dado em troca de determinado bem ou serviço.

Preço de equilíbrio: preço pelo qual a oferta é igual à demanda.

Oferta: A quantidade de bens ou serviços que um vendedor decide vender a um dado


preço.

Demanda: A quantidade de bens ou serviços que um consumidor decide comprar a um


dado preço.

Concorrência perfeita: É uma situação em que cada firma é tomadora de preços – não
consegue influenciar o preço de mercado. Ao preço de mercado, a firma pode vender a
quantidade que dispuser e quiser, mas se aumentar o preço, suas vendas são zero.

É isso, pessoal! Forte abraço e bom fds pra gente!

42
CUSTOS DE TRANSAÇÃO

Concursos

TRF3-2018

Maiores os custos de transação em um mercado, maior o grau de dependência


econômica nele existente.

Gabarito: Errado. É justamente ao contrário. Em tese, quanto maiores os custos de


transação, maior tende a ser o grau de independência do agente econômico, que
preferirá produzir seus próprios produtos e serviços a adquirir eles de outros agentes
econômicos.

A celebração de acordos verticais tende a diminuir os custos de transação a serem


incorridos pelos agentes econômicos partícipes.

Gabarito: Certo. Para a afirmação ficar mais precisa, seria importante ter especificado
que as “integrações” verticais tendem a diminuir os custos de transação. Essa foi a ideia
do examinador e, de fato, um das eficiências costumeiramente apontada por integrações
verticais é a redução dos custos de transação (vide explicação nos comentários).

...

Olá, meus amigos, tudo bem? Seguindo a sugestão de @, vamos tratar de custos de
transação hoje!

Custos de Transação, segundo Stiglitz, são os custos extras (além do preço de compra)
de conduzir uma transação, sejam esses custos em dinheiro, tempo ou desconforto.

O conceito de custo de transação foi desenvolvido por Ronald Coase (O livro “The firm,
the market and the law” reúne artigos importantes do autor que detalha essa ideia) e está
relacionado às razões que levam os agentes econômicos a produzir seus próprios bens e
serviços ou terceirizar partes de sua produção. Os agentes econômicos não possuem
apenas os custos de produção, mas também os custos de transação, relacionados às
negociações que estabelece com os demais agentes econômicos.

Já em seu artigo de 1937 intitulado “The Nature of the Firm”, Coase tinha afirmado que
“para determinar o tamanho de uma firma, nós temos que considerar os custos do
mercado (ou seja, os custos de utilizar o mecanismo de preços) e os custos de
organização de diferentes empreendedores, e então nós podemos determinar quantos
produtos serão produzidos por cada firma”.

Pensemos bem. Para firmar contratos com outros agentes econômicos é preciso, ao
menos, (i) buscar pela informação, (ii) negociar, (iii) realizar e formalizar os contratos,
(iv) monitorar o negócio em termos dos parceiros contratuais e (v) a correta aplicação
do contrato, englobando eventuais indenizações. Daí porque se afirma que integrações
verticais (reunião de dois agentes econômicos que atuam em etapas diferentes da cadeia
produtiva) tende a diminuir os custos de transação.

43
Um cenário de custos de transação reduzidos indica, nesse sentido, que a firma tende a
manter mais relações com outras firmas, adquirindo seus produtos, o que torna o agente
econômico mais dependente dessas relações. Ao contrário, custos de transação elevados
apontam para uma tendência de maior produção própria, o que acarreta uma maior
independência da firma face aos demais agentes.

É isso, pessoal! Forte abraço a todos e bom fds pra gente!

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CURIOSIDADES SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO

05 PERGUNTAS SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO (POST 01 de 05)

(i) Por que fazer uma pós-graduação em direito econômico?; (ii) Onde fazer pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado)?; (iii) Como conciliar atividade
profissional e pós-graduação?; (iv) Dá para conciliar pós-graduação e concurso
público?; (v) 03 dicas de “ouro” para você fazer uma boa pós-graduação (caso opte por
esse caminho)!

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Semana muito puxada! Prometi a mim mesmo que iria
terminar uma parte da minha tese e me enrolei. Já que estou mergulhado no assunto,
preparei estes posts sobre “pós-graduação”. Vou responder por aqui as 05 perguntas
mencionadas nas fotos, com base em minha experiência.

Uma observação preliminar: muito mais do que uma “orientação”, considerem esses
posts como um compartilhamento de experiências. Portanto, e obviamente, minhas
considerações estão pautadas nas minhas tentativas e erros neste processo de quase 15
anos de estudos em pós-graduação, considerando as 03 especializações que fiz, o
mestrado e o doutorado em curso.

Vamos lá! Primeira pergunta, por que fazer uma pós-graduação? Comecei esta
caminhada porque queria dar aulas. Já na faculdade, me envolvi com monitoria (uma
espécie de assistente de professores) de direito comercial e com pesquisa acadêmica.
Achava que era essencial se quisesse ser professor. Entretanto, no meio do percurso,
mudei de motivações. Hoje faço pós-graduação, basicamente, porque acho muito
importante conciliar teoria e prática, sobretudo no direito econômico, bem como porque
adoro o processo de pesquisa.

Não é que desisti de lecionar, mas apenas percebi que essa titulação não é essencial para
ser um bom professor. Trata-se, em minha opinião, de mero requisito formal para
ocupar cargos em universidades, mas todos nós sabemos que não garante qualidade na
docência. E hoje, na internet, as possibilidades de trocar conhecimento e experiências de
maneira verdadeiramente enriquecedora são diversas.

Isso eu percebi antes mesmo de entrar no mestrado. Contudo, continuei a caminhada


porque vi que manter o convívio acadêmico concomitantemente à atividade profissional
seria uma experiência rica. Além disso, o processo de identificar e delimitar um
problema, analisando-o a partir de uma metodologia específica, que é a pesquisa
propriamente dita, me instiga. Claro, há outras motivações, e todas são perfeitamente
legitimas: melhorar o currículo, progredir na carreira (como sou do MPF, ter mestrado e
doutorado influencia em nada na minha remuneração), até mesmo morar fora do país.
Este último ponto é por onde começarei nossa próxima pergunta: onde fazer pós-
graduação?

Até a próxima!
45
CURIOSIDADES

05 PERGUNTAS SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO (POST 02 de 05)

Olá, meus amigos! Tudo bem? Neste post, tentarei responder a esta pergunta: onde fazer
pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado)?

No meu percurso, tive que decidir ser iria fazer pós-graduação fora ou aqui e se em
instituição pública ou privada. As “minhas” circunstâncias moldaram “minhas”
escolhas. Fazer pós-graduação fora implicaria gastos com os quais apenas em um
momento mais recente de minha vida eu poderia arcar. Além disso, penso que o fato de
eu não ter aprendido outros idiomas na infância (falo inglês e francês relativamente
bem, mas aprendi depois dos 18 anos) e de nunca ter morado fora pode ter me causado
algum travamento de pensar mais seriamente nesta experiência (a qual acho em tese
enriquecedora e não está descartada, não é @laura?! rs).

Optei, então, por estudar aqui no Brasil. Caímos no segundo dilema: instituição pública
ou privada? Aqui, minha escolha foi guiada por um critério preponderante: qual
professor que eu gostaria de ter como orientador. Lá em 2010/2011, quando iniciei o
processo de ingresso no mestrado, tinha profunda admiração por alguns professores da
USP e, mais especificamente, pela professora @Ana Frazão da UnB (a melhor
orientadora do mundo!). Então tentei o processo seletivo nas duas universidades. Não
passei na minha primeira tentativa na USP e, por outro lado, fui aprovado de primeira
na UnB. Além disso, morava em Brasília.

A UnB, portanto, não foi apenas a opção mais lógica, mas, olhando hoje
retrospectivamente, penso que foi a minha melhor opção! Tem professores fantásticos e
alunos incrivelmente dedicados, o que propicia um ambiente de debates enriquecedor.
Veja: assim como na graduação em direito, a qualidade da sua pós-graduação
dependerá, sobretudo, dos seus próprios esforços. Então, você pode se perguntar, qual
seria a importância do ambiente em que você estuda? Ao meu ver, uma essencial: estar
entre os bons fará com que você se esforce ainda mais para se aprimorar!

Por fim, houve um diferencial importante que, penso, foi decisivo para eu ser aprovado
na UnB e não na USP, o qual deixo aqui como dica: eu procurei, antes de prestar o
processo seletivo, vivenciar o ambiente da universidade e conhecer sua “forma de
pensamento”! Fui aluno especial (me matriculei em uma disciplina da Pós antes mesmo
de ter ingressado no processo seletivo) e participei de um grupo de pesquisa da
universidade (vários estão abertos para o público em geral), com o intuito de já me
ambientar à instituição. Acho que isso fez toda a diferença para “moldar” meu projeto
de uma forma que ficasse atraente para a banca examinadora.

É isso, pessoal. Na próxima continuamos com a pergunta (iii) como conciliar atividade
profissional e pós-graduação? Até a próxima!

46
CURIOSIDADES

05 PERGUNTAS SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO (POST 03 de 05)

Olá, meus amigos, tudo bem? Neste post vou responder a pergunta de como conciliar
atividade profissional e pós-graduação.

Pela própria pergunta, já é possível perceber que, durante todo este meu percurso, salvo
algumas férias tiradas para fins acadêmicos, conciliei os estudos da pós-graduação com
as atividades profissionais, inicialmente, na AGU e, hoje, no MPF. Não acho que é a
melhor forma, embora seja um costume aqui no Brasil no Direito.

O ideal seria que pudéssemos nos dedicar exclusivamente à pós-graduação por cerca de
um período mínimo de 06 meses a 01 ano, pelo menos enquanto escrevemos o trabalho.
Entretanto, em algumas instituições, como o Ministério Público Federal, isso é quase
impossível, se a pós-graduação é feita no Brasil.

O segredo para mim sempre foi dividir o período da pós-graduação em duas etapas: a
primeira, da realização dos créditos (assistir às aulas), enquanto a segunda seria a da
confecção do trabalho propriamente dito (dissertação ou tese). Considerando os 02
(dois) anos para o curso do mestrado e os 4 (quatro) anos para o doutorado (em regra), a
divisão pode ser metade-metade. Quanto antes terminar os créditos, melhor.

A primeira etapa é mais simples, embora já demande uma leitura cotidiana considerável,
se a intensão for aproveitar as disciplinas da melhor maneira possível. Dica: importante
casar as disciplinas e os temas dos trabalhos delas com o tema da dissertação ou da tese,
de maneira que tudo que vc estude e produza já possa ajudar na confecção do trabalho
final. Neste período, embora não seja ideal, é admissível ainda não ter uma constância
no estudo para a pós-graduação. Dá para assistir as aulas, estudar um pouco mais
quando da realização dos trabalhos finais. Fica mais fácil conciliar com períodos mais
pesados da atividade profissional.

Na segunda etapa, aconselho fortemente a adoção de uma rotina de estudos diários (no
meu caso, incluo também sábados e domingos) de umas 03 (três) horas, para engrenar
nas leituras e na escrita da dissertação ou tese. Aqui fica mais complicado o acúmulo
com a profissão. Guarde férias e licenças para este momento. Uma dissertação ou tese
de qualidade demanda um aprofundamento que requer não apenas o estudo constante,
mas estar pensando nos problemas de maneira constante. É estressante. Não vejo outra
forma de fazer bem feito e manter concomitantemente a atividade profissional.

É isso, pessoal! Na próxima continuamos!

47
CURIOSIDADES

05 PERGUNTAS SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO (POST 04 de 05)

Olá, meus amigos, tudo bem? Continuando nossa série, e aí: dá para conciliar pós-
graduação e estudo para concurso público?!

Veja, a resposta ideal é que, se você já tiver que lidar com uma rotina diária de trabalho,
é praticamente impossível conciliar, ainda, a rotina de estudos para concurso público e a
preparação para ingresso ou de estudos em pós-graduação. Então, no mundo ideal, não
aconselho conciliar os dois projetos. Qual é o problema? Concurso e pós-graduação são
projetos de médio prazo (demanda investimento de tempo de mais de ano). E, às vezes,
as oportunidades simplesmente aparecem na mesma hora.

Embora já viesse estudando para o MPF (trabalhava como procurador federal, AGU, no
CADE), eu iniciei meu ano de 2011 dedicado a ingressar no mestrado. Entrei em um
grupo de pesquisa na UnB e me matriculei em uma disciplina como aluno especial,
quando o edital para o 25ª concurso do MPF foi publicado em março. Tinha havido um
hiato de mais de 03 anos do 24º concurso para o 25ª, portanto não queria ter de esperar
mais 03 anos. Fiz uma opção arriscada de conciliar os projetos que deu, felizmente,
certo. Iniciei formalmente em fevereiro de 2012 no mestrado na UnB e tomei posse no
MPF em abril de 2012. Ainda, no mesmo período, passei no MPDFT. Houve um pouco
de sorte e, claro, um pouco de suor. Então é possível, mas, por experiência e stress
próprios, desaconselho fortemente.

O que acho mesmo impossível é conciliar a segunda etapa da pós-graduação (a que me


referi no post passado, que é a de elaboração da dissertação ou da tese), com o estudo
para concurso. Ai é uma coisa ou outra mesmo, porque, para uma ou outra empreitada
dar certo, o foco deve ser total.

Então, se seu objetivo for passar em algum concurso público, como advocacia pública,
magistratura ou ministério público, recomendaria, como regra geral, deixar a pós-
graduação para um segundo momento.

É isso, pessoal! No próximo post, último dessa série, vamos falar de 03 dicas para uma
boa pós-graduação! Até lá!

48
05 PERGUNTAS SOBRE PÓS-GRADUAÇÃO (POST 05 de 05)

Olá, meus amigos, tudo bem? Para finalizar esta série de posts sobre pós-graduação,
vou deixar minhas 03 dicas de “ouro” para você fazer uma boa pós-graduação (caso
opte por esse caminho)! Vamos lá.

Primeira dica, que foi até mencionada pelo professor @Andre na nossa live gravada
aqui: cuidem do estudo de idiomas. Inglês é tão necessário quanto português (eu diria
até que mais importante, pensando em ter acesso a mais fontes de pesquisa e na difusão
do que será escrito). Ainda, além do inglês, pense em mais um idioma. Isso independe
da opção de fazer pós-graduação aqui ou fora, pois há inúmeras oportunidades de
cursos, palestras e até mesmo livros e artigos que apenas serão úteis se houver domínio
da língua estrangeira.

Segundo, esteja certo da sua resposta à pergunta “por que fazer uma pós-graduação”. O
caminho é árduo, estressante, envolve sacrifícios e o retorno não é imediato ou, muitas
vezes, não vem em forma de recompensas concretas, como uma promoção ou um
aumento salarial. E essa sua resposta vai, inclusive, moldar suas escolhas. Algumas
especializações podem ser mais interessantes do que mestrado e doutorado, a depender
dos seus propósitos. O tema que vc pretende estudar tem que ser algo realmente
importante para você, caso contrário o trem desanda... rs

Terceiro, organize seu tempo. É um treinamento que pode começar desde já, dedicando
uma parte da semana ou dos seus dias ao estudo, sobretudo se você tiver “enferrujado”,
um pouco distante da época em que as leituras para alguma matéria jurídica eram
constantes e necessárias. Mesmo que você já tenha o costume de ler muito (ficção,
romance, jornais etc.), acho que é a leitura para estudo da pós é diferente, pois envolve
lidar com autores e subtemas não necessariamente interessantes e demanda repetição
(muita repetição) para fixação de conceitos, quando não o preparo de resumos ou
fichamentos.

É isso, pessoal! Espero que eu tenha ajudado! Vamo que vamo! Forte abraço!

49
DIREITO DA CONCORRÊNCIA

50
STJ E O SIGILO DO ACORDO DE LENIÊNCIA DO CADE

Direito Econômico Descomplicado

Jurisprudência

Segundo o STJ, até qual momento deve se estender o sigilo do acordo de leniência
firmado pelo CADE? Até o julgamento do processo administrativo, conforme restou
decidido nos embargos de declaração do REsp 1554986 /SP, publicado em 06/03/2018.
Mas é preciso compreender todo o contexto do julgado.

Inicialmente, é importante entender o que é o acordo de leniência antitruste. Nos termos


do art. 86 da Lei 12.529/2011, o CADE, por intermédio da Superintendência-Geral,
pode celebrar acordo de leniência para extinguir a ação punitiva ou reduzir a pena de
1/3 a 2/3, com pessoas físicas ou jurídicas que forem autoras de infração à ordem
econômica, desde que colaborem com as investigações, de modo a (i) identificarem os
demais envolvidos na infração e (ii) fornecerem informações e documentos que
comprovem a infração.

Em seguida, deve-se entender exatamente qual sigilo estava sendo analisado pelo STJ.
O próprio §9º do art. 86 estabelece que a proposta do acordo de leniência é sigilosa, nos
seguintes termos: “considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo,
salvo no interesse das investigações e do processo administrativo”. E o RI-CADE, no
art. 207, estabelece, sobre a leniência propriamente dita, em síntese: (i) A identidade do
signatário do acordo de leniência será mantida como de acesso restrito em relação ao
público em geral até o julgamento do processo pelo Cade; (ii) os representados do
processo administrativo terão acesso ao acordo de leniência e a seus anexos, para
exercício da ampla defesa; (iii) é vedada a divulgação ou o compartilhamento, total ou
parcial, com outras pessoas físicas, jurídicas ou entes de outras jurisdições, do acordo de
leniência e de seus anexos.

O STJ analisou, mais especificamente, a extensão do item (iii) acima descrito. No caso,
empresas prejudicadas por determinado cartel no mercado de compressores para
fabricação de geladeiras e freezers queriam ter acesso à documentação da leniência, a
fim de promoverem a responsabilização civil dos agentes econômicos cartelizadores. O
STJ entendeu, em um primeiro momento, que essa documentação não poderia ficar
sigilosa indefinidamente e que deveria ser compartilhada quando da conclusão da
instrução, ou seja, quando da remessa “do relatório circunstanciado pela
Superintendência-Geral ao Presidente do Tribunal Administrativo”.

Ocorre que houve embargos de declaração opostos pelo próprio CADE. No julgamento
desses embargos, embora o recurso tenha sido rejeitado, o STJ alterou o marco, nos
seguintes termos: “o assistente admitido traz considerações relevantes quanto à
inadequação da utilização do envio do relatório circunstanciado pela
51
Superintendência-Geral ao Presidente do Tribunal Administrativo como marco
temporal do termo ad quem do sigilo, as quais são acolhidas para estender o sigilo até
a prolação de acórdão pelo Tribunal Administrativo”. Em síntese, o CADE registrou a
possibilidade ainda de realização de novas diligências, mesmo que o processo seja
remetido ao Tribunal, bem como o risco de que a antecipação do levantamento do sigilo
pudesse ter como efeito adverso o desincentivo aos acordos de leniência.

Dessa forma, para o STJ, o sigilo da leniência deve se estender, para terceiros
interessados, até a prolação do acórdão pelo Tribunal Administrativo do CADE.

52
MINISTÉRIO PÚBLICO E LENIÊNCIA DO CADE

Curiosidade

O Ministério Público participa da assinatura da leniência no CADE?

Embora não exista previsão legal, foi constituída no CADE a prática administrativa de o
Ministério Público participar dos acordos de leniência como interveniente.

A antiga Lei do CADE (Lei 8.884/1994), nos seus arts. 35-B e 35-C, não previa a
participação do Ministério Público na leniência antitruste. De modo semelhante, os arts.
86 e 87 da Lei 12.529/2011, que tratam do instituto da leniência no CADE, mantiveram-
se silentes quanto à necessidade de anuência do Parquet ao acordo.

Entretanto, o CADE, apesar deste silêncio legislativo, constituiu a prática administrativa


de incluir o Ministério Público nos acordos de leniência, na condição de órgão
interveniente, com a finalidade de conferir segurança jurídica ao instrumento. Por que
isso ocorreu?

Ora, são efeitos da leniência, uma vez assinada, a suspensão da prescrição penal e o
impedimento do oferecimento da denúncia, bem como, uma vez cumprida, a extinção
da punibilidade do crime de cartel e seus correlatos (como cartel em licitação ou
associação criminosa). Tinha-se, então, um acordo administrativo com efeito de
extinguir a punibilidade penal sem a participação do Ministério Público. Havia, aqui,
um risco de insegurança jurídica, sobretudo quanto à discussão acerca da
constitucionalidade do instituto, uma vez que o Ministério Público é dominus litis da
ação penal pública (art. 129, inciso I, da Constituição Federal).

Desconheço jurisprudência sobre o tema, pois, desde a primeira leniência firmada, ainda
em 2003, o CADE inclui o Parquet na assinatura dos acordos. Hoje a prática está
consolidada no guia de leniência do CADE, nos seguintes termos: “Apesar de os arts.
86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exigirem expressamente a participação do
Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência, a experiência
consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a participação do Ministério Público,
titular privativo da ação penal pública e detentor de atribuição criminal, tendo em vista
as repercussões criminais derivadas da leniência. Assim, o Ministério Público Estadual
e/ou o Federal participa como agente interveniente no acordo, a fim de conferir maior
segurança jurídica aos signatários do Acordo de Leniência, além de facilitar a
investigação criminal do cartel”.

Por fim, qual Ministério Público assinará a Leniência? Aquele que tiver atribuição para
a ação penal, portanto pode ser tanto o Ministério Público Federal, quanto o Ministério
Público Estadual.

É isso, pessoal! Sobre o primeiro acordo de leniência firmado na história do CADE, o


assunto será objeto de um post futuro. Forte abraço!

53
LENIÊNCIA PLUS E LENIÊNCIA EM CONCURSOS

Doutrina

O que é “Leniência Plus”?

É um acordo de leniência que gera efeitos para dois casos distintos. Admite-se a
redução de 1/3 da pena para o processo em que o infrator não possa ser leniente, desde
que ele traga informações e seja leniente de outro ilícito que o CADE não tinha
conhecimento prévio (recomendo fortemente a leitura das legendas! ☺).

“Leniência Plus”, no Direito da Concorrência, é uma espécie de “Nulidade de


Algibeira” do Processo Civil ou de “Principio da Serendipidade” no Processo Penal:
algo bastante simples, mas se você nunca ouviu falar, vai se enrolar para responder.

A “Leniência Plus” está disciplinada nos §§ 7º e 8º do art. 86 da Lei 12.529/2011, de


uma forma um pouco, digamos, complicada. Um exemplo, neste caso, será bastante útil.

Empresa A praticou cartel em um determinado mercado e deseja colaborar com a


investigação. Contudo ela não pode ser leniente porque a Empresa B chegou antes dela
e já firmou leniência com a SG do CADE. Vale lembrar que o art. 86, §1º, traz alguns
requisitos para ser assinada a leniência, dentre eles o da primazia, descrito no inciso I:
“a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob
investigação”. Então, assim, seria impossível a empresa A ser beneficiada com os
benefícios da leniência neste caso? Não.

Se a empresa A, por um acaso, tiver, por exemplo, praticado outro cartel em um


mercado diferente com a empresa C e decidir colaborar também neste novo caso, ela
poderá firmar a “Leniência Plus”, desde que: (i) o faça até a remessa do processo (cartel
A e B) para julgamento, bem como (ii) o CADE não tenha ciência dessa nova infração
denunciada (Cartel A e C). A empresa A irá se beneficiar com a redução da pena em 1/3
(caso cartel com a empresa B), bem como irá ganhar os benefícios normais da leniência
para o novo caso de cartel revelado (caso cartel com a empresa C).

Agora ficou mais claro o nome “Leniência Plus”? Algo como “Leniência a mais”.
Atentem que ela gera um interessante incentivo para que os infratores revelem ilícitos
até então desconhecidos pelo CADE, no intuito de obterem benefícios para mais de um
caso. Simples, né? Forte abraço!

Ps. Até onde sei, “Nulidade de Algibeira” é aquela guardada “no bolso”, escondida, por
uma das partes para ser alegada em um momento mais oportuno. Seria uma ofensa à
boa-fé objetiva e tende a ser rechaçada pelo STJ. E o “Princípio da Serendipidade”, “do
acaso”, está relacionado ao encontro fortuito de provas em uma investigação criminal.
Provas colhidas acidentalmente, ainda que decorrentes de uma decisão judicial de um
juízo ordinariamente incompetente, por exemplo, são válidas, conforme o referido

54
princípio, também segundo o STJ. Não arrisco mais do que isso. Qualquer dúvida,
consultar meus amigos feras em Processo Penal e Processo Civil.

Concursos

Meus amigos, o tema da leniência antitruste, objeto das últimas postagens, foi cobrado
desta maneira nos últimos 03 concursos do MPF:

29ª Concurso do MPF. A Lei n. 12.529, de 30/11/11, prevê que o CADE poderá
celebrar acordo de leniência, com pessoas físicas e jurídicas autoras da infração, com a
interveniência do Ministério Público (Prova de Penal).

Resposta: Errada. A Lei 12.529/2011 não prevê a participação do Ministério Público na


leniência antitruste. Mesmo assim, o CADE constituiu a prática administrativa de
incluir o Ministério Público nas leniências como órgão interveniente.

28º Concurso MPF

O acordo de leniência é celebrado pelo presidente do Tribunal Administrativo de Defesa


Econômica com todas as empresas ou pessoas jurídicas que possam colaborar com as
investigações de infrações à ordem econômica.

Resposta: Errada. O acordo de leniência é celebrado com a Superintendência-Geral do


CADE.

O acordo de leniência não impede o oferecimento de denúncia criminal com relação ao


agente beneficiário da leniência e nem suspende o curso do prazo prescricional dos
crimes contra a ordem econômica e dos demais crimes relacionados à prática de cartel.

Resposta: Errada. É justamente o contrário. A celebração do acordo de leniência impede


o oferecimento de denúncia criminal com relação ao agente beneficiário da leniência e
suspende o curso do prazo prescricional dos crimes contra a ordem econômica e dos
demais crimes relacionados à prática de cartel.

27º Concurso MPF

O acordo de leniência pode ser celebrado pela Superintendência-Geral do CADE em


qualquer fase investigativa, com pessoa física, ou jurídica, autora da infração à ordem
econômica que colabore efetivamente com a investigação identificando os demais
envolvidos na infração e fornecendo informações e documentos que comprovem a
infração noticiada ou sob investigação.

Resposta: Correta. É o que está disposto na Lei 12.529/2011, no caput do art. 86 e nos
seus incisos.

É simples e, felizmente, também pode ser fácil. Forte abraço! No próximo post a gente
complica um pouco mais... ☺

55
CURIOSIDADES DO PRIMEIRO CASO DE CARTEL DO CADE, O CARTEL DO
AÇO

Curiosidade

Você sabia que, no primeiro caso de cartel condenado pelo CADE, as empresas tinham
comparecido na SEAE e “confessado” que iriam aumentar conjuntamente seus preços?

Em 27/10/1999, na 142ª Sessão Ordinária de julgamento, o CADE condenaria o


primeiro cartel na vigência da Lei 8.884/1994, antiga lei de defesa da concorrência. Era
o caso do “Cartel do Aço”: COSIPA, CSN e USIMINAS teriam praticado cartel no
mercado de aços planos do Brasil e, por isso, receberam multas que totalizaram cerca de
20 milhões de reais em valores históricos.

É um caso muito conhecido no antitruste brasileiro, pois, além de ser a primeira


condenação de cartel na vigência da Lei 8.884/1994, a decisão foi embasada, sobretudo,
em provas indiretas. O relator Ruy Santacruz identificou no mercado “as condições
clássicas para a formação de cartel” e entendeu que a única explicação plausível para a
identidade de preços naquele caso seria o acordo ilícito entre os concorrentes.

O curioso do caso é que, segundo consta nos autos, dias antes do reajuste, em
30/07/1996, foi realizada reunião pelos representantes de COSIPA, CSN e USIMINAS,
com a Secretaria de Acompanhamento Econômico - SEAE, órgão do Ministério da
Fazenda, em que foi informada a intenção das empresas mencionadas de praticarem,
conjuntamente, o reajuste de preços para os aços planos a partir de 01/08/1996! Esse
fato motivou a SEAE a enviar fax no dia seguinte da reunião, em 31/07/1996, às usinas
siderúrgicas, a fim de alertá-las acerca da possibilidade de aquilo configurar infração à
ordem econômica!

Apesar de a livre concorrência ter sido prevista como princípio da ordem econômica na
Constituição Federal de 1988 e de a Lei 8.884/1994, á época da reunião, contar com
mais de dois anos de vigência, grandes agentes econômicos ainda não tinham
compreendido e assimilado a necessária competição que deveria haver entre eles!

É isso, pessoal! Agente econômico que combina preço pratica cartel, viu?! Rs Mas isso
é assunto para outros posts. Até a próxima!

56
LIVRE CONCORRÊNCIA E BIG TECHS

Notícia

Nesta semana que falo aqui sobre livre iniciativa e livre concorrência, uma notícia
veiculada ontem, diretamente relacionada com o assunto, movimentou bastante as redes
sociais: os executivos das quatro maiores Big Techs do mundo (Jeff Bezos – Amazon;
Tim Cook – Apple; Mark Zuckerberg – Facebook; e Sundar Pichai – Google) prestaram
depoimentos no Congresso dos Estados Unidos a respeito de acusações sobre práticas
anticompetitivas.

No último ano, deputados norte-americanos do Comitê Antitruste investigaram as


quatro companhias para analisar se suas condutas poderiam ser consideradas
prejudiciais à concorrência e aos consumidores. Ainda que democratas e republicanos,
aparentemente, tenham focado em questões distintas: os primeiros no controle do
mercado, os segundos em remoção de conteúdos, o fato é que os congressistas dos dois
partidos miraram artilharia pesada contra as práticas das companhias.

Contra o Google, questionam a forma com que ele utilizaria sua ferramenta de pesquisa
para manutenção do seu poder de mercado, induzindo buscas e escolhas dos
consumidores. A Amazon foi fortemente demandada sobre o relacionamento da
empresa (possivelmente abusivo) com os revendedores que usam a sua plataforma de e-
commerce. Quanto ao Facebook, documentos teriam revelado que a compra do
Instagram (isso, aqui mesmo onde estamos) em 2012 teria tido por objetivo principal
“eliminar um competidor”. A Apple foi questionada acerca da App Store e de como a
empresa prioriza seus aplicativos em detrimento de apps de terceiros.

Das notícias em português, achei esta a mais interessante:


https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2020/07/big-tech-depoe-nos-eua-
quais-acusacoes-contra-amazon-apple-facebook-e-google-e-quais-os-argumentos-de-
seus-ceos.html. Para quem está com o inglês em dia, recomendo fortemente este vídeo:
https://youtu.be/Yf-JsLpebbA (Apple, Google, Facebook & Amazon hearing: what you
need to know).

Recentemente fui chamado para dar uma palestra na Escola do MPU sobre “O PORVIR
DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA E A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA”. Estava
em dúvida qual enfoque priorizar, mas acho que acabei de encontrar... rs

Forte abraço, pessoal!

57
CARTEL E ESFERAS ADMINISTRATIVA, PENAL E CÍVEL

Vídeo

Cartel é um ilícito punível na esfera administrativa, penal e cível.

No ordenamento jurídico brasileiro, o cartel configura ilícito administrativo antitruste,


cuja previsão encontra-se na Lei nº 12.529/2011, mais especificamente no art. 36, §3º, I.
Assim, porque o cartel fere a livre concorrência, é investigado (e o respectivo processo
administrativo é instruído) pela SG/Cade (artigo 13, inciso V da Lei nº 12.529/2011) e,
posteriormente, é julgado pelo Plenário do Tribunal do CADE (artigo 9º, III da Lei nº
12.529/2011), que pode aplicar às pessoas jurídicas e pessoas físicas multas, além de
outras penalidades previstas na Lei. Vale lembrar que o CADE tem jurisdição em todo
território nacional – art. 4º da Lei 12.529/2011.

A conduta de cartel também constitui crime contra a ordem econômica, previsto no


artigo 4º da Lei nº 8.317/1990, sendo a competência para julgar da Justiça Estadual ou
Federal, a depender do caso concreto (vide post sobre jurisprudência). Vale lembrar que
apenas as pessoas físicas estão aqui sujeitas à sanção, que pode ser pena de reclusão de
dois a cinco anos e multa. Diferentemente dos crimes ambientais, os crimes contra a
ordem econômica (como de regra) não possibilitam a responsabilização das pessoas
jurídicas. Se for um caso de cartel em licitação, o tipo penal está previsto no artigo 90
da Lei nº 8.666/1993.

Por fim, os membros de um cartel também estão sujeitos, no âmbito civil, a ações
privadas de reparação de danos, que podem ser ajuizadas por qualquer prejudicado
(agente econômico ou consumidor), conforme disposto no artigo 47 da Lei nº
12.529/2011 e art. 927 do Código Civil. Ainda, podem sofrer ações coletivas propostas
pelo Ministério Público e por outro legitimado para respectiva a ação civil pública, nos
termos da Lei 7.347/1985.

É isso, pessoal! Forte abraço!

58
O QUE É UM CARTEL?

Doutrina

Cartel I

O que é um cartel?

“São acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo


parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de
produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros
conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio”.

Essa definição consta nos anexos da antiga Resolução nº 20/1999 do CADE (cujo texto
principal foi revogado, mas algumas partes dos seus anexos continuam sendo um
importante referencial teórico mesmo à luz da lei 12.529/2011, como no caso da
definição de cartel, por exemplo. Essa definição tem sido utilizada como parâmetro para
resposta em um ou outro concurso público já na vigência da Lei 12.529/2011).

Apenas atenção para não confundir “acordo tácito” com “paralelismo”. Em


determinados mercados, as circunstâncias levam os agentes, por exemplo, a praticarem
os mesmos preços. Isso ocorre no setor de revenda de combustíveis (produto
homogêneo e os preços são expostos ostensivamente para os consumidores). O
paralelismo de preços, por si, não é ilícito. Tem que se provar o conluio. O grande
problema desta definição é, na prática, separar o que é um acordo tácito (ilícito) de um
mero paralelismo (lícito).

Ainda, cartel pode ser definido como “acordos, ajustes ou mesmo troca de informações
sobre variáveis comercialmente sensíveis entre concorrentes com o objetivo de alterar
artificialmente as condições de mercado com relação a bens ou serviços, restringindo
ou eliminando a concorrência” (Ana Paula Martinez em “Repressão a Cartéis”) ou “um
ato colusivo entre concorrentes tendente à dominação de um mercado relevante” (Ivo
Gico em “Cartel”). É considerada a mais grave infração à ordem econômica, segundo a
OCDE: “Cartéis são universalmente reconhecidos como a mais prejudicial de todas as
condutas anticompetitivas. Ademais, eles não oferecem nenhum benefício social ou
econômico legítimo que poderia justificar as perdas que acarretam”.

É isso pessoal, forte abraço e boa semana!

59
CLASSIFICAÇÕES RECORRENTES DE CARTEL

Cartel II

Classificações recorrentes de cartéis.

Algumas classificações recorrentes.

Cartel de (i) preço/quantidade e (ii) cartel de alocação de mercado. Os dois tipos estão
relacionados à variável concorrencialmente sensível objeto da conduta. No primeiro,
como o próprio nome sugere, os agentes econômicos combinam o preço ou a
quantidade a ser vendida. No segundo, a intenção é replicar um ambiente de monopólio,
em que cada agente reserva uma área ou um perfil de cliente para a sua atuação
(conduta também conhecida por market-allocation ou market-sharing. Atenção, não
confundir com market-share, que é a participação que o agente econômico detém no
mercado relevante).

Cartel de (i) compra e cartel (ii) de venda. Cartel de compra envolve um arranjo
colusivo entre os adquirentes de um insumo (exemplo: fabricantes de suco de laranja
que se organizam para impor um preço de aquisição aos produtores da fruta). Já o cartel
de venda (tipo mais comum e que historicamente recebe maior atenção das autoridades
de defesa da concorrência) atua na ponta contrária, afetando diretamente o consumidor
(exemplo: postos de combustível que combinam o preço da gasolina).

Cartel de (i) exportação e cartel (ii) de importação. O primeiro envolve ajustes


comercialmente sensíveis entre concorrentes com relação a produtos ou serviços
vendidos no exterior, portanto um cartel de venda. Por sua vez, o segundo envolve
agentes econômicos que importam produtos ou serviços. Trata-se, pois, de um cartel de
compra. Importante mencionar que algumas jurisdições não punem e até incentivam os
cartéis de exportação, sob a alegação de que os efeitos danosos da conduta não seriam
sofridos em sua jurisdição.

A distinção entre cartel (i) clássico ou hard-core e (ii) cartel difuso ou soft-core tem
algumas peculiaridades que precisam ser explicadas em um post específico!

É isso, pessoal! Forte abraço!

60
CARTEL HARDCORE

Cartel III

Distinção entre cartel (i) clássico ou hard-core e (ii) cartel difuso ou soft-core.

Segundo a OCDE, o cartel clássico ou hard-core é “um acordo anticompetitivo, uma


prática anticompetitiva concertada ou um arranjo anticompetitivo entre concorrentes
para fixar preços, fraudar licitações, estabelecer restrições em ofertas ou quotas, ou
dividir mercados por meio de alocação de clientes, fornecedores, áreas geográficas ou
linhas de comércio”. Dois são os elementos importantes para a sua configuração: (i) um
acordo explícito ou tácito, (ii) relativo a variáveis comerciais sensíveis, tais como
preços, quantidades, áreas de atuação ou clientes e licitações. Não são eficientes do
ponto de vista econômico.

Cartel difuso ou soft-core é definido por exclusão ao conceito de cartel clássico ou


hardcore. Um exemplo, segundo a doutrina, seria “a mera troca de informações
comercialmente sensíveis”, quando não há exatamente um acordo estabelecido (vide
Ana Paula Martinez, “Repressão a Cartéis”).

Mas é importante dizer que o CADE, no caso do Cartel das Britas, diferenciou um ou
outro tipo aqui descrito a partir do elemento da “institucionalidade”: cartel clássico ou
hardcore seria institucionalizado (haveria reuniões periódicas, princípios de
comportamento, manuais de operação), enquanto o cartel difuso ou soft seria eventual e
não institucionalizado.

A jurisprudência do CADE é no sentido de que cartéis clássicos ou hardcore podem ser


condenados com base na regra per se (basta provar a conduta, não se discute
eficiências), diferentemente da regra da razão (devem ser analisados os efeitos no
mercado para se determinar se houve licitude ou não na conduta).

Esse tema de regra da razão e ilícito per se está relacionado ao de “ilícitos por objeto” e
“ilícitos por efeitos” e tem várias peculiaridades. Certamente será objeto de post futuro!

Forte abraço.

61
CARTEL E CONCURSOS PÚBLICOS

Questões

TRF 1ª Região – 2015

O acordo tácito para a uniformização de preços e condições de venda entre concorrentes


não caracteriza colusão horizontal, visto que esta deve ser expressamente acordada entre
os concorrentes.

Gabarito: Errado. Um acordo tácito também configura cartel, conforme estava previsto
nos anexos da antiga Resolução nº 20/1999 do CADE. A definição ali contida de cartel
(“acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo
parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de
produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros
conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio”) encontra respaldo
também na Lei 12.529/2011.

MPF - 26º Concurso.

O cartel se caracteriza pela celebração de acordo vertical entre agentes econômicos que
desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos, mas complementares.

Gabarito: Errado. O cartel é um acordo entre agentes econômicos que atuam em um


mesmo mercado relevante. Isso não significa dizer que acordo vertical entre agentes
econômicos (que atuam em mercados relevantes distintos) não possa configurar uma
infração a ordem econômica. Pode, uma vez preenchidos os requisitos do art. 36 da Lei
12.529/2011, mas essa infração não é denominada de cartel.

62
CRIME DE CARTEL E COMPETÊNCIA

Jurisprudência

Quando um crime de cartel é da competência da Justiça Federal?

Quando praticado “em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas


entidades autárquicas ou empresas públicas” (Art. 109, inciso IV, CF) – jurisprudência
do STJ exemplificada no AGRHC 269029.

Quando praticado em conexão com outro crime de competência federal – jurisprudência


do STJ exemplificada no HC 218796.

Quando se tratar de cartel internacional – Orientação nº 09 da 2ª CCR do MPF.

Por fim, quando se tratar de cartel interestadual - Orientação nº 09 da 2ºCCR do MPF e


julgados do STJ (atenção ao comentário na legenda!).

...

Convenhamos que este não é bem um tema do Direito Econômico. Está muito mais
relacionado ao Processo Penal. Contudo, porque ajuda a entender qual membro do MP
(se federal ou estadual) vai assinar a leniência no CADE (vide post de 21/07), vou
comentar aqui rapidamente.

A Constituição, em seu art. 109, inciso VI, estabelece que compete à Justiça Federal “os
crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”. Nos crimes contra o sistema
financeiro, o legislador determinou a competência da Justiça Federal (art. 26 da Lei
7.492/1986). Entretanto, no caso dos crimes contra a ordem econômica, não há
dispositivo normativo nesse sentido. Quanto a esse aspecto, a Lei 8.137/90 é silente até
hoje (mesmo depois de algumas reformas legislativas, como a da Lei 12.529/2011). Por
isso, em regra, o crime de cartel será da Justiça Estadual, salvo se configurada(s)
outra(s) hipótese(s) do art. 109 da CF.

Os dois primeiros exemplos não suscitam muita dúvida, né? Presentes os requisitos do
art. 109, inciso IV, da Constituição Federal (por exemplo, um cartel de licitação
promovida pela União ou por autarquia federal), a competência será da Justiça Federal
ou, ainda, quando o crime de cartel for conexo a crime de competência federal. Essa é a
jurisprudência do STJ, exemplificada nos dois julgados mencionados (AGRHC 269029
e HC 218796).

As outras duas hipóteses estão fundamentadas na Orientação nº 09 da 2ª CCR do MPF,


que trata de matéria criminal. Estes são os exatos os termos da orientação: “considera
que o crime de formação de cartel, quando envolve outros Estados e países, é de
competência federal, atraindo a atribuição do Ministério Público Federal”. Portanto, se
você vai prestar concurso para o MPF, importante saber esse entendimento. Mas eu
queria aprofundar aqui o ponto do crime interestadual (no caso de cartel internacional
acredito que a competência é federal mesmo, sem maiores discussões).

63
Essa orientação de que cartel interestadual é crime de competência federal tem
fundamento em um precedente do STJ (HC 32292, Relator José Arnaldo da Fonseca, de
01/04/2004, que depois foi utilizado para embasar o HC 117169, Relator Napoleão
Nunes Maia Filho, de 19/02/2009), no qual se estabelece: “a figura do crime sobrevindo
da prática de cartel, onde a atuação do agente teve reflexo em vários estados-membros,
restringindo o livre exercício da atividade profissional de transportadores pelo Brasil
afora, resta patente o interesse supra-regional pelo qual se firmam a necessidade de
interferência da União e a competência da Justiça Federal”.

Entretanto, mais recentemente, o STJ, julgando caso semelhante, entendeu em sentido


diverso. Assim: “Esta Corte de Justiça possui entendimento no sentido de que os crimes
contra a ordem econômica, previstos na Lei nº 8.137/90, são, em regra, de competência
da Justiça Estadual, salvo se comprovada a efetiva lesão a bens, interesses ou serviços
da União, a teor do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. Na hipótese, o
eventual monopólio de empresas responsáveis pelo transporte interestadual de veículos
novos, na verdade, somente teria o condão de causar dano às montadoras e aos
consumidores finais dos automóveis, não se vislumbrando ofensa direta a interesses,
serviços e bens da União. Precedente da 3ª Seção. Fixação da competência da Justiça
Estadual. (AGRHC – 166909, Rel Des Haroldo Rodrigues, 08/06/2011).

Há, no meu entender, dois problemas aqui. Não dá para falar que seja a jurisprudência
do STJ, bem como essa hipótese não se adequa bem a quaisquer dos incisos do art. 109
da CF (um jeito delicado de falar que não está prevista na Constituição... rs).

Em síntese, sem dúvidas, cartéis que afetem bens, interesses e serviços da União,
autarquias ou empresas públicas serão de competência da Justiça Federal, bem como
cartéis que forem conexos a outros crimes federais. Para a 2ª CCR do MPF, ainda
seriam federais os cartéis internacionais e interestaduais. Contudo, em relação aos
cartéis interestaduais, penso que é um entendimento não consolidado do STJ, bem como
que não encontra respaldo no art. 109 da Constituição. Se tiver na dúvida e numa prova
do MPF, pelo amor de Deus, siga a 2ª CCR... rs

É isso, pessoal! Atenção com o assunto! Forte abraço e bom fds!

64
RAMO DE ATIVIDADE CAMPEÃO DE CONDENAÇÕES DE CARTEL NO CADE

Curiosidade

Você sabe qual o ramo de atividade campeão de cartéis condenados pelo CADE?

A dica é que já houve, desde 1994, pelo menos 12 (doze) condenações nesse setor!
Ajudou?

Olá, meus amigos, tudo bem?

O ramo de revenda de combustíveis é o campeão de condenações de cartel no CADE.

De 1994 até 2019 foram pelo menos 12 (doze) condenações de postos de combustíveis
pela prática de cartel nas seguintes cidades: Cartel dos Postos de Florianópolis/SC,
Cartel dos Postos de Lages/SC, Cartel dos Postos do Distrito Federal, Cartel dos Postos
de Guaporé/RS, Cartel dos Postos de Londrina/PR, Cartel dos Postos de Caxias do
Sul/RS, Cartel dos Postos de Santa Maria/RS, Cartes dos Postos de Londrina/PR II,
Cartel dos Postos de Bauru/SP, Cartel dos Postos do Espírito Santo, Cartel dos Postos
de São Luiz/MA e Cartel dos Postos de Belo Horizonte/MG. E ai, achou a sua? Rs Isso
equivale mais do que 1/7 dos casos de cartel condenados pelo CADE no mesmo
período.

Chamo a atenção dessa curiosidade aqui para reforçar que o CADE tem jurisdição em
todo território nacional (Art. 4º da Lei 12.529/2011), bem como que ele pode atuar
independentemente de um caso atrair “interesse federal”. Não se discute aqui quaisquer
dos critérios debatidos corriqueiramente para a competência da Justiça Federal na
matéria. É cartel, o CADE pode, por meio da SG, investigar e, do seu tribunal,
condenar. Os crimes de cartel de postos de combustível são, em regra, da competência
da Justiça Estadual.

É isso, pessoal! Forte abraço!

65
QUESTÃO SUBJETIVA CONCURSO MAGISTRATURA – CONTROLE DE
ESTRUTURAS

Concurso

Questão discursiva – TRF2:

As empresas de laticínios OST S/A e MANDEL S/A, com sede no Município do Rio de
Janeiro, realizam uma fusão em março de 2013, passando a se chamar KAYA S/A. Já
em pleno funcionamento, recebem uma notificação do CADE sobre a abertura de
processo administrativo para a análise do negócio societário, bem como a imposição de
multa de vinte mil reais, para cada uma, por ausência de comunicação prévia à autarquia
sobre a fusão.

Inconformadas, ingressam com ação anulatória na Justiça Federal no Rio de Janeiro em


face do CADE, buscando anular o processo administrativo instaurado e a própria multa.
Alegam que o negócio: 1) pode sofrer controle prévio ou posterior pelo CADE; 2)
diminuirá o preço do produto, em razão do aumento da produção; 3) aumentará a oferta
de emprego.

Como Juiz Federal Substituto da Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para
a qual foi distribuída a demanda, como V. Sª decidiria a questão? Resposta na legenda!

...

Olá, meus amigos! Tudo bem? Essa questão discursiva foi enviada pelo Pedro Amaral,
a quem desde já agradeço! Vou postar aqui uma sugestão de resposta. Pela limitação de
espaço, serei sucinto, mas tentarei colocar o maior número de informações possível.

Inicialmente, deve-se confirmar a competência territorial do Rio de Janeiro. O STF


decidiu no RE 627709 (julgado em 20/08/2014), com repercussão geral em um caso que
envolvia o próprio CADE, que o disposto no art. 109, §2º, da Constituição Federal se
aplica às autarquias federais. Logo a demanda pode ser ajuizada no domicílio do autor
(sede da pessoa jurídica KAYA S/A).

A fusão realizada entre OST S/A e MANDEL S/A está prevista no art. 90, inciso I, da
Lei 12.529/2011 como um “ato de concentração” notificável ao CADE. Essa notificação
é obrigatória quando preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 88, que,
respectivamente, tratam dos parâmetros de faturamento bruto anual ou volume de
vendas no Brasil equivalente ou superior a R$ 750 milhões de, pelo menos, um dos
grupos envolvidos na operação, no ano anterior, desde que pelo menos outro grupo
envolvido tenha obtido, nos mesmos termos, R$ 75 milhões de reais de faturamento
bruto anual ou volume de vendas no Brasil, valores atualizados pela Portaria
Interministerial nº 994/2012 (vide §1º do art. 88 da Lei 12.529/2011).

66
Deve-se anotar ainda que a instauração de procedimento administrativo pelo CADE tem
fundamento no §3º do art. 88 da Lei 12.529/2011 e, uma vez que a obrigatoriedade da
notificação não é objeto de controvérsia (não foi inserida como causa de pedir pelo
autor), entende-se que, no caso, ocorreu de fato a conduta conhecida com gun jumping
(consumação de atos de concentração econômica antes da decisão final da autoridade
antitruste).

Ocorre que a multa apenas poderá ser aplicada após o devido processo administrativo
(vide parte final do §3º do art. 88 e art. 69 e ss. da Lei 12.529/2011), observados os
princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, vale o registro, seu valor
ainda contraria o patamar mínimo de R$ 60 mil estabelecido no próprio §3º do art. 88
da Lei 12.529/2011.

Os motivos trazidos pelo autor, contudo, não são suficientes para anular o processo
administrativo.

A uma, não é verdade que, à sua escolha, pode sofrer controle prévio ou posterior pelo
CADE. A grande novidade trazida pela Lei 12.529/2011 foi implantar no Brasil o
controle prévio de atos de concentração, em contraposição à sistemática da legislação
anterior, que previa o controle posterior (o ato poderia ser notificado em até 15 dias
úteis depois de concretizado). Hoje não é facultado ao agente econômico optar pela
submissão posterior do ato de concentração. A duas, as eficiências alegadas devem ser
avaliadas pelo CADE e, ainda que presentes, não justificam a falta de apresentação do
ato de concentração à autoridade antitruste.

Nestes termos, julgo parcialmente procedente a demanda para tão somente para anular a
multa, a qual, para ser aplicada, deve ser precedida de processo administrativo, em que
serão observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Essa é apenas uma sugestão de resposta. Dúvidas e comentários são bem-vindos!


Atentem que essa prova foi aplicada em 2013 e a decisão do STF aqui mencionada
sobre a competência foi em 2014. Essa decisão será objeto de post específico ainda
nesta semana. Forte abraço, pessoal! Boa semana pra gente!

67
CONTROLE DE CONDUTAS X CONTROLE DE ESTRUTURAS

Doutrina

Autoridades de defesa da concorrência do mundo, em regra, organizam suas atividades


em duas grandes áreas, o controle de condutas e o controle de estruturas. O controle de
condutas (análise de processos administrativos) é a investigação e responsabilização por
infrações contra a ordem econômica, como o cartel e o abuso de posição dominante.

O controle de estruturas (análise de atos de concentração) é a submissão à autoridade de


defesa da concorrência de determinados atos entre agentes econômicos para avaliar se
são potencialmente prejudiciais à livre concorrência. No Brasil o controle é prévio,
portanto antes da realização do ato. Quatros pontos importantes sobre atos de
concentração: (i) o que são atos de concentração, (ii) quando eles devem ser notificados
ao CADE, (iii) qual o prazo máximo de análise no CADE e (iv) que tipos de decisão
podem ser proferidas pelo CADE?

O art. 90 da Lei 12.529/2011 trata do que seriam atos de concentração e a Resolução 02,
de 29 de maio de 2002, do CADE (que disciplina a notificação de atos de concentração)
exemplifica: 1. fusão; 2. aquisição de controle; 3. aquisição de quotas/ações sem
aquisição de controle; 4. consolidação de controle; 5. aquisição de ativos; 6.
incorporação; 7. joint venture clássica (criação de empresa para explorar outro
mercado); 8. joint venture concentracionista (criação de empresa para explorar mercado
já explorado pelas empresas associadas); 9. outra forma de operação não coberta pelas
alternativas anteriores.

Devem ser notificados quando preenchidos os requisitos do art. 88 da Lei 12.529/2011


(atentar para a atualização dos valores com a Portaria Interministerial nº 994, de maio
de 2012, para nos incisos I e II, respectivamente, R$ 750.000.000,00 e R$
75.000.000,00). Atenção que a não notificação pode implicar multa (prática de gun
jumping, prevista no §3º do art. 88 da Lei 12.529/2011).

O artigo 88 da Lei 12.529/11 prevê também que o controle prévio dos atos de
concentração deve ser realizado em, no máximo, 240 dias, a contar do protocolo de
petição ou de sua emenda. Esse prazo poderá ser dilatado por, no máximo, até 90 dias,
mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificadas as razões para
a extensão, ou por 60 dias, por requisição das partes.

O CADE poderá simplesmente aprovar a operação, caso não vislumbre problemas


concorrenciais decorrentes dela; poderá aprovar com restrições (estruturais ou
comportamentais); ou poderá reprovar a operação.

É isso, pessoal! Forte abraço!

68
STF E COMPETÊNCIA EM AÇÕES RELACIONADAS A AUTARQUIAS – O
LEADING CASE ENVOLVENDO O CADE

Jurisprudência

O plenário do STF decidiu, em 20 de agosto de 2014, no RE 627.709 (caso envolvendo


o CADE), com repercussão geral, que o art. 109, §2º, da Constituição Federal se aplica
a todas as autarquias federais.

Olá, meus amigos! Tudo bem com vocês? O CADE, até esse julgado, era usualmente
demandado na Justiça Federal do Distrito Federal, onde se situa a sua sede. Esse
entendimento decorria da aplicação das regras ordinárias de competência do antigo
CPC, mais especificamente do art. 100, inciso IV, alínea “a” (reproduzido no art. 53,
inciso III, alínea “a” do atual CPC): é competente o foro do lugar onde está a sede para
as ações em que for ré pessoa jurídica. Registre-se que o CADE não tem escritório ou
sucursal fora do DF.

Contudo, no caso do Cartel de Vigilantes (já falei dele por aqui, foi o primeiro em que
houve leniência antitruste), várias empresas condenadas pelo CADE por cartel em 2007
ingressaram com demandas no Rio Grande do Sul, mais exatamente nos seus
domicílios. A tese debatida era a aplicação do art. 109, §2º, da Constituição Federal ao
CADE. Esse dispositivo estabelece que “as causas intentadas contra a União poderão
ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver
ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou,
ainda, no Distrito Federal”.

Apesar de a Constituição falar expressamente em “União”, o STF ponderou, por meio


do voto do Relator Ministro Ricardo Lewandowski, que a faculdade atribuída ao autor,
quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da
Constituição Federal, tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário daqueles que
se encontram afastados das sedes das autarquias. Já havia julgados nesse sentido em
casos envolvendo a ANS, o IBAMA, o CFM e o INSS.

A tese então adotada foi de que se aplica às autarquias federais de uma maneira geral o
art. 109, §2º, da Constituição Federal. Restaram vencidos os ministros Teori Zavascki,
Luiz Fux e Rosa Weber.

O ponto que merece ser aqui destacado é o de que para matérias especializadas, como
de direito econômico, isso pode ter uma influência efetiva na qualidade da prestação
jurisdicional. Nesse sentido pontuou o Ministro Barroso, apesar de ter seguido o voto do
relator: “A vantagem de as demandas contra o CADE serem no Distrito Federal, as
demandas contra o INPI serem no Rio de Janeiro, por exemplo, é que se cria um corpo
de juízes que têm uma expertise que não é ordinária. Tanto as questões do CADE como
as questões de propriedade industrial fazem a diferença”.

69
Assim, desde 2014, a tendência é que demandas de direito econômico, as quais antes
ficavam centradas em uma ou outra seção judiciária (CADE no DF, INPI no RJ, CVM
no RJ), sejam julgadas em todo o país. Fiquem atentos!

Forte abraço!

70
O PORVIR DA LIVRE CONCORRÊNCIA NO BRASIL

Vídeo – Evento ESMPU

O porvir da livre concorrência no Brasil

Olá, meus amigos, tudo bem? Na sexta-feira passada tive a “felicidade incontida”, como
falo no final do vídeo, em participar de evento promovido pela ESMPU para tratar do
futuro da Constituição Econômica. Foi uma honra estar do lado de professores que tanto
admiro, como @José Maria, @ Amanda de Oliveira, Paulo Gonet e Manoel Jorge.

O vídeo que posto aqui é uma parte da minha fala, na qual chamo atenção para, na
minha visão, duas tendências do direito da concorrência brasileiro nos próximos anos:
(i) a necessária propagação da política de combate aos cartéis por meio dos MPs e (ii) o
controle de abusos de posição dominante nos mercados tecnológicos.

Revendo o vídeo, dois pontos me chamaram atenção.

Primeiro, é engraçado como conscientemente (e inconscientemente) citamos aqueles


que admiramos. No trecho da apresentação aqui postado, menciono, pela ordem:
@Paula Forgioni (antitruste como túmulo do positivismo), @Amanda Athayde (Ondas
do antitruste no Brasil), @ Vinicius Carvalho (Cartéis e mastiffs), @Ângelo Gamba (de
maneira indireta, na crítica ao Harari rs), @ Juliana Oliveira (Antitruste 4.0) e @Ana
Frazão (Algoritmos e Inteligência Artificial).

Segundo, vocês percebem o desespero da intérprete de libras para acompanhar minha


fala acelerada?! No meio do vídeo, ela é substituída por outra intérprete... Que
vergonha! Rs

Reitero aqui os meus agradecimentos à direção da ESMPU e ao coordenador da 3ª CCR


do MPF pelo convite!

Forte abraço a todos e boa semana pra gente!

71
ONDE ESTÁ A SEAE?

Curiosidade

Onde está a SEAE?

Meus caros, tudo bem? Os arts. 3º e 19 da Lei 12.529/2011 preveem que a SEAE –
Secretaria de Acompanhamento Econômico, do então Ministério da Fazenda, compõe o
SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ao lado do CADE. Se você está
começando a estudar direito da concorrência agora, deve estar se perguntando: onde
está a SEAE? Não está.

A SEAE foi extinta pelo art. 5º do Decreto 9.266/2018 e sucedida pela Secretaria de
Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC) e pela Secretaria
de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (SEFEL), em uma reformulação de
órgãos do então Ministério da Fazenda. Ocorre que, em 2019, o Ministério da Fazenda
também foi extinto (!) pela Medida Provisória nº 870/2019, sendo substituído pelo
Ministério da Economia (que agregou funções também de outras pastas, como
Ministério do Planejamento e Ministério do Trabalho).

Hoje, dentro do Ministério da Economia, existe a Secretaria Especial de Produtividade,


Emprego e Competitividade. E, dentro dessa secretaria, existe a Secretaria de
Advocacia de Concorrência e Competitividade. Na estrutura do atual Governo,
portanto, essa secretaria exerce as funções que seriam da SEAE, à época da
promulgação da Lei 12.529/2011, relacionadas à defesa da concorrência. De todo esse
quiproquó, o que é importante entender:

(i) SEAE e Ministério da Fazenda não existem mais. Suas funções foram incorporadas
por outros órgãos, apesar de o texto da Lei 12.529/2011 fazer referência a eles.

(ii) Hoje o órgão do governo federal responsável por exercer as funções da antiga
SEAE, atinentes à advocacia da concorrência, é a Secretaria de Advocacia de
Concorrência e Competitividade da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e
Competitividade, que está dentro do Ministério da Economia.

(iii) Ao ler o art. 19 da Lei 12.529/2011, entende-se o que se chama de “advocacia da


concorrência”. Em muita apertada síntese, é a promoção, por meio de opiniões e
estudos, da defesa da concorrência.

É isso! Espero que tenha ajudado! Agradeço desde já @seguidor pela pergunta
formulada no direct!

Forte abraço a todos e boa semana pra gente!

72
STF E A REVISÃO JURISDICIONAL DAS DECISÕES DO CADE

Jurisprudência

As decisões do CADE podem ser revisadas pelo Judiciário? Em que termos?

RE 1083955 AgR, julgado em 28/05/2019, Relatoria Ministro Luiz Fux. O Poder


Judiciário não pode fazer a revisão judicial do mérito da decisão administrativa
proferida pelo CADE. Segundo o STF, “A expertise técnica e a capacidade
institucional do CADE em questões de regulação econômica demanda uma postura
deferente do Poder Judiciário ao mérito das decisões proferidas pela Autarquia. O
controle jurisdicional deve cingir-se ao exame da legalidade ou abusividade dos atos
administrativos, consoante a firme jurisprudência desta Suprema Corte”.

O dever de deferência do Judiciário às decisões técnicas adotadas por entidades


reguladoras repousa na (i) falta de expertise e capacidade institucional de tribunais
para decidir sobre intervenções regulatórias, que envolvem questões policêntricas e
prognósticos especializados e (ii) possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos
sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa.

A Administração Pública ostenta maior capacidade para avaliar elementos fáticos e


econômicos ínsitos à regulação. Consoante o escólio doutrinário de Adrian Vermeule, o
Judiciário não é a autoridade mais apta para decidir questões policêntricas de efeitos
acentuadamente complexos (VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: An
institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006,
p. 248–251).

Os controles regulatórios, à luz do consequencialismo, são comumente dinâmicos e


imprevisíveis. Consoante ressaltado por Cass Sustein, “as normas regulatórias podem
interagir de maneira surpreendente com o mercado, com outras normas e com outros
problemas. Consequências imprevistas são comuns. Por exemplo, a regulação de novos
riscos pode exacerbar riscos antigos (...). As agências reguladoras estão muito melhor
situadas do que os tribunais para entender e combater esses efeitos” (SUSTEIN, Cass
R., "Law and Administration after Chevron”. Columbia Law Review, v. 90, n. 8, p.
2.071-2.120, 1990, p. 2.090).

Olá, meus amigos, tudo bem? O STF julgou ano passado, em um agravo interno de
recurso extraordinário, um caso que envolvia a Cascol Combustíveis para Veículos Ltda
(e outros) contra o CADE, referente a um caso de suposto cartel condenado em 2004 no
processo administrativo 0800.024581/1994-77.

É um julgado bem interessante, pois nele o STF, com base em forte arcabouço
doutrinário e jurisprudencial estrangeiro, delimitou até onde deve ir a revisão
jurisdicional das decisões do CADE (e a argumentação tem aplicação também para as
agências reguladoras de uma maneira geral). Da ementa do julgado (que é extensa),
destaquei os seguintes trechos que constam nos cards deste post. Em síntese, não cabe
ao Judiciário adentrar no mérito da decisão, devendo se restringir ao exame de
legalidade e abusividade do ato administrativo.

73
Vale lembrar que, na origem, o processo é uma ação anulatória contra multa por cartel
aplicada ao CADE. Mas o caso não era um cartel comum (como o de preços, por
exemplo). O CADE concluiu que as empresas de postos de combustível do Distrito
Federal se valeram de seu poder econômico para eliminar a possibilidade da
concorrência, que seria exercida por redes de hipermercados locais que pretendiam
ingressar no ramo de revenda de combustíveis. Segundo a Autarquia, os agentes
econômicos exerceram pressões em membros do executivo e do legislativo para que não
fosse autorizada a entrada de concorrente no mercado relevante, bem como fosse
editada lei impeditiva de tal entrada, com o intuito de atendimento de seus interesses
econômicos.

Em síntese, portanto, no caso concreto, o que teria existido foi uma pressão de agentes
econômicos em face de representantes do legislativo e do executivo local para a edição
de legislação que os favorecessem. A lei editada, de fato, parece-me inconstitucional,
por violar o princípio da livre concorrência (vedar a abertura à época de postos de
combustíveis em supermercados). Agora vocês acham que essa conduta dos agentes
econômicos configura cartel ou está dentro do legitimo exercício de interesses
democráticos deles? Eu acho uma decisão polêmica, tanto que, na história do CADE,
desconheço outra em sentido semelhante. De toda forma, a autoridade antitruste com
expertise na matéria entendeu ter havido um ilícito e puniu os agentes econômicos, não
podendo, segundo o STF, o mérito dessa decisão ser revisado.

É um precedente importante para quem trabalha com a matéria ou deseja fazer


concursos públicos. Fiquem atentos! Forte abraço!

74
TRADE DRESS E CONCORRÊNCIA DESLEAL

CURIOSIDADE

“Violação de Trade Dress é um problema do Direito da Concorrência?” - Post 01 de 03.

Olá, meus amigos, tudo bem?! Se você nunca ouviu falar de Trade Dress, aconselho
fortemente um post do @professorAndreSantaCruz na sessão dele de glossário (vou
colocar o link nos meus stories). Mas, em síntese, trade dress ou conjunto-imagem é o
aspecto geral de como um produto ou serviço é apresentado, a sua soma dos elementos
visuais.

Violação de trade dress ocorre, portanto, quando um concorrente não copia exatamente
a marca ou o desenho industrial, mas imita uma série de características que identifica o
produto ou serviço de outrem, causando confusão nos consumidores. É um tema de
concorrência desleal, diretamente afeto à propriedade industrial.

A proteção ao Trade Dress não tem previsão legal específica e, apesar de não se
confundir com outros direitos de propriedade industrial, já teve sua proteção jurídica
reconhecida em alguns precedentes do STJ (REsp 1.353.451/MG e 1.677.787/SC, por
exemplo). Estaria abarcada no art. 209 da LPI (Lei 9.279/1996). E o que isso tem a ver
com o Direito da Concorrência?

A concorrência desleal está inserida no campo jurídico da propriedade industrial e, de


fato, isso foge do escopo de atuação do CADE. Todavia, as normas de concorrência
desleal e de infrações à ordem econômica possuem sinergias, tendo em vista que ambas
regulam o comportamento de empresas em ambiente concorrencial.

Assim, é possível e até didaticamente interessante colocar sob o guarda-chuva do (i)


Direito da Concorrência as normas de (i.a) defesa da concorrência (CADE) e de (i.b)
concorrência desleal (nesse sentido, vide post que tratei aqui sobre a noção livre
concorrência por Eros Grau), embora haja em cada uma delas características distintas.
Por exemplo, enquanto a tutela da defesa da concorrência evoca um interesse público, a
concorrência desleal é protegida a partir da iniciativa privada do agente econômico
lesado.

Feitas essas observações iniciais, nos próximos dois posts vamos tratar, pois, de
aspectos gerais da concorrência desleal. Vamo que vamo!

direitoeconomicodescomplicado

75
DOUTRINA

É possível dividir as hipóteses de concorrência desleal em específicas, quando


configurarem crimes, nos termos do art. 195, e em genéricas, nos termos do art. 209,
ambos da LPI - Post 02 de 03.

Olá, meus amigos, tudo bem?!

O art. 2º da LPI prevê que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial
efetua-se também mediante a repressão à concorrência desleal (além da concessão de
patentes de invenção e de modelo de utilidade; concessão de registro de desenho
industrial; concessão de registro de marca; repressão às falsas indicações geográficas).
No Brasil, os atos de concorrência desleal podem ser divididos em duas modalidades: a
concorrência desleal específica e a concorrência desleal genérica, a depender da
existência ou não de tipo penal.

As quatorze condutas tipificadas nos incisos do art. 195 da LPI são as hipóteses de
concorrência desleal específica, todas previstas dentro do Capítulo “Dos Crimes de
Concorrência Desleal”. Por sua vez, a previsão do art. 209 ressalva a possibilidade de
indenização dos prejudicados por atos de concorrência desleal não previstos na LPI,
desde que “tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão
entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os
produtos e serviços postos no comércio”. Esta é a hipótese genérica.

Em síntese, qualquer ato de concorrência desleal poderá ser objeto de reparação na


esfera cível, mas apenas os atos de concorrência desleal específica são sancionados
penalmente por meio de ação penal privada, ou seja, procedem-se mediante queixa-
crime, nos termos do art. 199 da LPI.

No próximo post tentaremos classificar as hipóteses de concorrência desleal específica!


Forte abraço!

direitoeconomicodescomplicado

76
DOUTRINA

As hipóteses de concorrência desleal específica podem ser separadas em quatro grupos:


(i) indução do consumidor em erro, (ii) violação do segredo de empresa; (iii)
aliciamento de empregado de concorrente; e (iv) informação falsa sobre existência de
direito de exclusividade (patente ou registro de desenho industrial) – Post 03 de 03.

Olá, meus amigos, tudo bem?

Para tratar das hipóteses de concorrência desleal específica temos que, necessariamente,
nos reportar aos tipos penais do art. 195 da LPI. Contudo, para facilitar a compreensão
do assunto, o professor Paulo Burnier sugere uma classificação que pode ajudar.
Haveria quatro grandes grupos, identificados pela natureza do bem jurídico tutelado.

O primeiro grande grupo abrange as condutas que objetivam ou têm por efeito induzir o
consumidor a erro. Nessa categoria estariam incluídos os tipos penais dos incisos I, II,
III, IV, V, VI, VII e VIII do art. 195. Por exemplo, o agente que se utiliza de meio
enganoso (fraudulento) para desviar clientela de um concorrente em benefício próprio
comete o crime do inciso III.

A segunda categoria de atos de concorrência desleal específica engloba atos de violação


de segredo de empresa (incisos XI, XII e XIV do art. 195). Esses atos podem ser
cometidos tanto por um concorrente, quanto por um empregado ou outra pessoa
contratada.

O terceiro grupo de atos de concorrência desleal específica refere-se às condutas


relativas ao aliciamento de empregados de concorrentes e engloba os incisos IX e X do
art. 195 da LPI.

Por fim, temos o inciso XIII do art. 195, que não se enquadra em nenhum dos três
grupos anteriormente identificados. É que o bem jurídico tutelado por essa modalidade
de concorrência desleal específica, além do interesse individual do concorrente
prejudicado, é a livre concorrência. O dispositivo criminaliza o agente de mercado que
mente sobre a existência de uma patente ou de registro de desenho industrial.

Os crimes previstos no art. 195 têm pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa,
portanto são crimes de menor potencial ofensivo. E, como já dito, a ação penal aqui é de
iniciativa privada (art. 199), portanto se procede mediante a propositura de uma queixa-
crime.

Fiquem atentos! Concorrência desleal é um tema normalmente relacionado ao direito


empresarial, mais especificamente à propriedade industrial, mas pode também ser
estudado no contexto do direito da concorrência.

Forte abraço a todos! Bom fds pra gente!

Direitoeconomicodescomplicado

77
COMO MENSURAR ECONOMICAMENTE OS PREJUIZOS CAUSADOS PELOS
CARTÉIS (O PESO MORTO)?

Doutrina

O que é o peso morto (ou como mensurar economicamente os prejuízos causados pelos
cartéis)? - Post 01 de 05.

Olá, meus amigos, tudo bem?! Gráficos como os que estão postados acima geralmente
assustam aqueles que começam a estudar o direito da concorrência ou, mais
especificamente, a teoria dos monopólios. Não se assustem.

Não vou falar que se trata exatamente de um tema fácil. Há muita discussão relevante
sobre a aplicabilidade do modelo em mercados reais. Mas a sua compreensão é simples,
apesar da ENORME quantidade de linhas e figuras geométricas para nós, operadores do
direito (nem são tantas assim, né?! Rs). Esta série de posts, portanto, é dedicada a este
tema: o que é o peso morto ocasionado pela prática de cartel?

Para compreendê-lo, temos que conhecer um pouco: (i) o modelo de concorrência


perfeita, (ii) os excedentes do produtor e do consumidor; (iii) a teoria de monopólio e,
por fim, (iv) o próprio peso morto. Cada um dos seguintes posts tratará de um desses
temas.

Os gráficos foram extraídos do capítulo II, “Teoria do Monopólio (Fato e Valor)”, do


excelente livro do professor @ Ivo Gico, “Teoria Unificada da Colusão”, que também
serviu de fonte para os textos. Espero que eu faça, aqui, jus à qualidade do livro!

Vamo que vamo!

Forte abraço!

78
Doutrina

O que é o peso morto (ou como mensurar economicamente os prejuízos causados pelos
cartéis)? - Post 02 de 05.

O modelo de concorrência perfeita

O mercado é o espaço social em que ocorrem trocas entre indivíduos e empresas. É,


portanto, onde interagem ofertantes e consumidores. Chamamos a vontade agregada dos
consumidores de “demanda” e a vontade agregada dos ofertantes de “oferta”. Até aqui,
tudo bem?!

Para fins de comparação e de análise de mercados, os economistas criaram um modelo


de mercado “totalmente perfeito”, também chamado de “totalmente competitivo”, em
que as seguintes características estariam presentes: bens homogêneos; inexistência de
barreiras à entrada ou de saída; ofertantes e consumidores plenamente informados;
ausência de custos de transação; agentes tomadores de preço e ausência de
externalidades. Admito que uma ou outra noção aqui mencionada pode lhe ser estranha
(e podemos aprofundá-los nos comentários). Mas, atente.

Uma vez identificadas essas características, os preços seriam determinados por um


mecanismo natural de acomodação dos interesses dos consumidores, em maximizar seu
bem-estar ao adquirir o produto pelo menor preço possível, e dos fornecedores, em
vender o produto pelo maior preço possível. Aqui já começamos a entender o gráfico
acima.

O eixo vertical é o do preço, enquanto que o horizontal é o da quantidade do produto.


Quanto maior o preço, menor a demanda e, por outro lado, quanto maior o preço, maior
a oferta. Isso explica o sentido das curvas da demanda (A – D) e da oferta (E – O). O
ponto B (onde as curvas de oferta e demanda se encontram) é, justamente, o
preço/quantidade de equilíbrio. Em mercados competitivos, o preço tende a se igualar
ao custo marginal.

Penso que já começamos a observar os gráficos, digamos, de maneira mais amistosa.


No próximo post continuamos! Até lá!

79
Doutrina

O que é o peso morto (ou como mensurar economicamente os prejuízos causados pelos
cartéis)? - Post 03 de 05.

Excedentes do consumidor e do produtor

O excedente do consumidor está representado no gráfico pela área do triângulo A – B –


C. É uma ilustração visual e matemática da diferença entre o que cada consumidor
estaria disposto a pagar e o que efetivamente paga pelo produto no mercado
competitivo. Mercados competitivos tendem a maximizar o excedente do consumidor, a
partir da redução do preço do produto.

Situação semelhante ocorre com os fornecedores. O triângulo B-C-E representa a parte


dos produtores que estaria disposta a vender seu produto por preços inferiores ao preço
de equilíbrio de mercado. Lembrem-se que, normalmente, os agentes econômicos
possuem custos de produção distintos e os mais eficientes, em tese, estariam dispostos a
vender seus produtos por preços inferiores.

Ainda, observando o gráfico da oferta e da demanda, verifiquem que quanto maior for o
preço, mais a esquerda do ponto “B” ele estará na curva da demanda (A-D), o que
implica constatar que menor tenderá a ser o excedente do consumidor (e maior o do
produtor).

No caso dos cartéis, para além da expropriação de parte do excedente do consumidor


(com o acréscimo do excedente do produtor), é gerado também um “peso morto” no
mercado. Agora, para compreendê-lo, precisamos analisar o gráfico II, intitulado
“Transferência de Renda e Perda Estática do Monopólio”. Continuamos no próximo
post!

Até a próxima, pessoal!

80
Doutrina

O que é o peso morto (ou como mensurar economicamente os prejuízos causados pelos
cartéis)? - Post 04 de 05.

Teoria do Monopólio

Cartéis mimetizam uma situação de monopólio (ou tendente ao monopólio). Os agentes


econômicos coordenam suas atividades para agir conjuntamente como se fossem um
monopolista. Assim, compreender os efeitos de um monopólio no mercado ajuda
também a entender as consequências deletérias dos cartéis. A partir daqui falaremos,
então, em monopólio/cartel.

O nível de produção maximizador do lucro no monopólio/cartel é inferior ao nível de


produção competitivo. Assim, em um mercado monopolizado/cartelizado, a quantidade
ofertada tenderá a ser menor e o preço superior que aquele praticado em um mercado
competitivo. Percebemos isso no gráfico 2 quando comparamos os pontos E e C na
curva da demanda, que correspondem, respectivamente, ao preço/quantidade em um
mercado competitivo e preço/quantidade em um monopólio/cartel.

O primeiro e mais óbvio efeito negativo do monopólio/cartel é a transferência de


riqueza do consumidor para o produtor. Apesar de todos os consumidores que
continuam a consumir os bens monopolizados terem preços de reserva iguais ou
superiores (ou seja, podem pagar pelo produto), a renda correspondente à diferença
entre o preço monopolista e o preço competitivo lhes foi retirada, tendo sido
parcialmente expropriada pelo poder econômico do monopólio/cartel.

Já teríamos aqui um problema. Ocorre que a prática também gera um peso morto, que é,
justamente, o triângulo C-D-E no gráfico. O que significa, então, peso morto? Veremos
no último post desta série!

Forte abraço!

81
Doutrina

O que é o peso morto (ou como mensurar economicamente os prejuízos causados pelos
cartéis)? - Post 05 de 05.

Peso Morto

Os livros de economia e a doutrina de direito da concorrência referem-se à perda


estática gerada pelo monopólio como perda de peso morto ou peso morto do
monopólio. A expressão é uma tradução literal do termo em inglês deadweight loss. O
peso morto resulta, justamente, do desalojamento de recursos causado pelo
monopólio/cartel.

Na prática, o peso morto representa todos os consumidores que estivam dispostos a


pagar acima do preço competitivo, contudo possuam preços de reserva abaixo do preço
mopolístico/cartelizado. Esses consumidores não serão atendidos e isso representa um
resultado socialmente ineficiente, pois sequer será apropriado pelo monopolista, sendo
simplesmente desperdiçado. Dessa forma, diminui-se a riqueza da sociedade como um
todo.

Assim, no gráfico, para além do retângulo A-B-C-D, o qual representa a transferência


de renda do consumidor (disposto a pagar o preço) para o produtor (também
denominado de “lucro do monopólio/cartel”), o triângulo C-D-E simboliza o peso morto
(consumidores que deixam de ser atendidos). Esses seriam os principais efeitos
maléficos dos monopólios/cartéis nos mercado.

E ai, os gráficos ficaram mais fáceis?! Deu pra entender o que significa peso morto ou
perda estática dos cartéis?! Dúvidas, só mandar um direct ou deixar um comentário!

Forte abraço! Vamo que vamo!

82
LEI DO CADE E CONCURSO PÚBLICO – 27º CONCURSO MPF

Concurso

27º Concurso do MPF

67. SOBRE A LEGISLAÇÃO ANTITRUSTE BRASILEIRA É CORRETO AFIRMAR


QUE:

a) A Lei 12.529/11 instituiu o controle prévio dos atos de concentração, exigindo que
todas as empresas aguardem a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) antes de implementarem os seus processos de fusão, sob pena de
nulidade;
b) O acordo de leniência pode ser celebrado pela Superintendência-Geral do CADE em
qualquer fase investigativa, com pessoa física, ou jurídica, autora da infração à ordem
econômica que colabore efetivamente com a investigação identificando os demais
envolvidos na infração e fornecendo informações e documentos que comprovem a
infração noticiada ou sob investigação;
c) O termo de compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos
lesivos é um acordo firmado pela Superintendência-Geral do CADE que poderá ser
realizado em qualquer fase do procedimento administrativo e ter caráter confidencial.
d) A apresentação de proposta de termo de compromisso de cessação importa em
confissão da ilicitude da conduta, impõe o fornecimento de provas acerca das práticas
que o compromissário reconhece a priori como ilícitas e suspende o andamento do
processo administrativo.

Gabarito: B
...

Olá, meus amigos! Tudo bem?!

Essa questão foi cobrada no 27º concurso do MPF e, ao comentá-la com os alunos do
projeto Identidade, falei que faria um post aqui específico sobre ela. Vamos lá!

A alternativa “A” pode gerar alguma dúvida, porque está quase perfeita. De fato a Lei
12.529/2011 instituiu o controle prévio de atos de concentração (§2º do art. 88) e a
consequência de um ato implementado sem a autorização do CADE pode ser a nulidade
(§3º do art. 88), mas não é preciso que “TODAS” as empresas aguardem decisão do
CADE. Aqui está o problema. A regra do §3º se aplica apenas para aqueles casos em
que a notificação do ato de concentração seja obrigatória, ou seja, hipóteses dos incisos
I e II do art. 88.

A alternativa “C” está errada, pois o TCC não é firmado pela SG (diferentemente da
Leniência), mas pelo CADE, por meio do plenário do TADE, ainda que, a depender da
fase do processo, a iniciativa decorra de despacho do SG ou de conselheiro-relator.
Além disso, quanto ao caráter confidencial, a lei fala que a proposta “poderá ter caráter
confidencial” (§5º do art. 85).

83
A alternativa “D” está errada, primeiro, porque a proposta de TCC não suspende a
tramitação do processo administrativo (§6º, art. 85). Segundo, falar em reconhecimento
de participação da conduta e em colaboração com a investigação apenas faz sentido em
TCCs de cartéis (infrações plurissubjetivas). Trata-se de requisitos previstos no RI do
CADE e consolidados em maio de 2016, quando da publicação do Guia de TCCs em
cartéis da autarquia.

A alternativa “B” está correta e, portanto, era a resposta que deveria ser assinalada.

É isso, pessoal! Vamo que vamo! Forte abraço a todos!

84
ACORDO DE LENIÊNCIA, TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO E
ACORDO EM CONTROLE DE CONCENTRAÇÃO

DOUTRINA

Principais acordos administrativos do antitruste brasileiro (Post 01 de 04).

Aspectos Gerais

Olá, meus amigos?! Tudo bem! Esta série de posts vai tratar dos chamados acordos
administrativos ou instrumentos consensuais que podem ser firmados entre o CADE e
os administrados. São eles: (i) no controle repressivo ou de condutas, o (i.a) acordo de
leniência (Leniência) e o (i.b) termo de compromisso de cessação (TCC), bem como,
(ii) no controle preventivo ou de estruturas, o (ii.a) acordo em controle de concentração
(ACC).

Sobre a importância dos instrumentos consensuais para solução de conflitos no âmbito


da Administração Pública brasileira, Juliana Bonacorsi de Palma comenta que o
“recurso ao clássico esquema de atuação administrativa por meio de atos
administrativos unilaterais, cunhados no exercício de prerrogativa imperativa, parece
não mais dar conta do satisfatório exercício dos deveres cometidos à Administração
Pública. A complexidade do atual direito administrativo coloca em xeque respostas
binárias do tipo ‘proibido/permitido’ a algumas situações concretas, como nos casos de
conflito entre Administração Pública e administrado, as quais poderiam ser mais bem
conformadas com acordos que valorizem decisões mais consentâneas às especificidades
do caso e, assim, mais eficientes. Ademais, a configuração do Estado Democrático
enseja a participação do administrado no desenvolvimento das atividades
administrativas – fator que propicia a ascensão da consensualidade” (DE PALMA,
Juliana Bonacorsi. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo:
Malheiros, 2015, pp. 25-26).

Por óbvio, pelas limitações deste espaço, apenas serão abordados os principais aspectos
de cada um deles. O objetivo principal aqui é possibilitar que eles sejam bem
diferenciados entre si, bem como identificar os seus requisitos. Vamos lá?! No próximo
post começamos com a Leniência!

Forte abraço!

85
DOUTRINA

Principais acordos administrativos do antitruste brasileiro (Post 02 de 04).

Leniência

Leniência

A Leniência está prevista nos arts. 86 e 87 da Lei 12.529/2011. É firmada pelo CADE,
por intermédio da Superintendência-Geral (SG), com pessoas físicas e jurídicas
responsáveis pela prática de infração, e possibilita a redução da pena administrativa de
1/3 a 2/3, para os casos em que a SG já tinha conhecimento prévio da infração, ou a sua
extinção, quando não se sabia da infração noticiada.

Atentem que se aplica apenas para as infrações plurissubjetivas, notadamente o cartel!


Isso porque é necessário que o leniente colabore efetivamente com as investigações e
que desta colaboração resulte (i) identificação dos demais envolvidos na infração e (ii) a
obtenção de informações e documentos comprobatórios.

A própria lei traz os requisitos cumulativos para a assinatura da leniência: (a) primazia,
ou seja, o agente econômico seja o primeiro a se apresentar; (b) cessação da conduta; (c)
a SG não pode já dispor de provas suficientes para uma condenação; e (d) confissão e
cooperação.

Importantíssimo perceber que a assinatura da leniência antitruste com o CADE (por


intermédio da SG) tem o condão de, no caso do cartel, suspender o curso do prazo
prescricional penal e de impedir o oferecimento de denúncia. Uma vez cumprida,
extingue a punibilidade penal! Detalhe: a lei não prevê expressamente a participação do
Ministério Público, mas a praxe do CADE, reconhecida no seu Guia de Leniência, é de
participar o acordo ao Parquet, que será um “agente interveniente”.

Na próxima continuamos com o TCC! Até mais!

Forte abraço!

86
DOUTRINA

Principais acordos administrativos do antitruste brasileiro (Post 03 de 04).

Termo de Compromisso de Cessação (TCC)

Termo de Compromisso de Cessação (TCC)

Assim como a Leniência, o TCC é um acordo administrativo firmado no contexto de um


processo administrativo que apura infração contra a Ordem Econômica (controle de
condutas ou repressivo) e está previsto no art. 85 da Lei 12.529/2011. É interessante
falar do TCC a partir das suas principais diferenças para Leniência. Eu destacaria três!

Primeiro, o TCC pode ser firmado em casos de infrações plurissubjetivas, como os


cartéis, ou monossubjetivas, como os de abuso de posição dominante. Segundo, não se
aplica o requisito da primazia, ou seja, pode haver mais de um TCC para um mesmo
processo. Terceiro, não há previsão de extensão de efeitos para a esfera penal.

Ainda, quanto aos procedimentos, vale frisar que a leniência é assinada pela SG, sem
necessidade de homologação pelo Tribunal (quando do julgamento do processo, o
TADE verifica se a leniência foi cumprida ou não, aplicando seus benefícios), enquanto
que o TCC deve ser homologado pelo TADE.

Em síntese, no TCC, o CADE poderá, em juízo de conveniência e oportunidade, firmar


um termo com o administrado no qual ele se compromete a cessar/não praticar a
conduta investigada, mediante a suspensão do processo administrativo por um período
determinado. Uma vez cumpridas as obrigações estabelecidas no termo, este será, então,
arquivado.

Detalhes importantes: o termo deve prever multa para o caso de descumprimento de


suas obrigações, bem como pode prever contribuição pecuniária a ser recolhida pelo
signatário para o Fundo de Direitos Difusos. Nos casos de TCCs de cartel, essa
contribuição pecuniária é obrigatória (vide §2º do art. 85).

No próximo post trataremos do ACC! Até mais!

87
DOUTRINA

Principais acordos administrativos do antitruste brasileiro (Post 04 de 04).

Acordo em Controle de Concentração (ACC)

Acordo em Controle de Concentração (ACC)

O caso do ACC é curioso porque o dispositivo da Lei 12.529/2011 que o previa foi
vetado (vide art. 92) e a sua previsão hoje consta apenas no Regimento Interno do
CADE (RI-CADE)! Mas é preciso entender o contexto. A redação do caput do art. 92
previa que o ACC podia ser firmado apenas pelo SG, antes de impugnar a operação
(posicionar-se por reprovação ou aprovação com restrições). Isso restringiria o escopo
do acordo que, por exemplo, não poderia ser negociado com o conselheiro-relator
quando o processo já estivesse no Tribunal.

Assim, consta nas razões de veto: "Os dispositivos restringem a possibilidade de


celebração de acordos à etapa de instrução dos processos, limitando indevidamente um
instrumento relevante para atuação do Tribunal na prevenção e na repressão às
infrações contra a ordem econômica." Daí a previsão no RI-CADE nos seguintes
termos, art. 124: “O Cade poderá receber propostas de Acordo em Controle de
Concentrações - ACC desde o momento da notificação até 30 (trinta) dias após a
distribuição do Ato de Concentração ao Conselheiro-Relator”.

Em síntese, esse tipo de acordo é muito útil para aqueles casos em que há uma
sinalização por parte do CADE de que um ato de concentração deve ser reprovado ou
aprovado com restrições, pois permite que autoridade e administrado possam moldar
juntos, de maneira mais efetiva, os remédios necessários para a aprovação da operação.

As propostas de ACC são submetidas à aprovação do Tribunal, inclusive quando o ACC


é negociado com o SG, uma vez que necessariamente deverá ser encaminhado ao
Tribunal para homologação.

É isso, pessoal. Com este post terminamos nossa série sobre “Principais acordos
administrativos do antitruste brasileiro”. Vamo que vamo!

Forte abraço a todos!

88
SURGIMENTO DO ANTITRUSTE

Surgimento do Direito Antitruste – Video 01

Olá, meus amigos! Tudo bem?!

Quando estudamos as origens do Direito da Concorrência, também chamado de Direito


Antitruste, costumamos nos reportar ao histórico do Sherman Act de 1890 nos Estados
Unidos. E, de fato, embora este não tenha sido a primeira legislação no mundo sobre o
tema (a lei canadense data de 1889), foi o diploma legislativo que de fato pegou e
influenciou diversas outras jurisdições. Daí se falar nos Estados Unidos como “o berço
da matéria”.

Ocorre que a história econômica norte-americana é diferente da história econômica


brasileira, que é diferente da história econômica de qualquer país. Para a finalidade aqui
pretendida (análise do desenvolvimento do Direito da Concorrência), a atividade
econômica deve ser estudada dentro do seu contexto histórico e político específico.
Embora os Estados Unidos tenham mais de 100 anos de aplicação do Direito da
Concorrência, por motivos diversos, no Brasil, apenas em meados de 1990 foi possível
verificar condições necessárias para a efetiva aplicação deste ramo do Direito.

Além disso, embora seja comum a denominação “Direito Antitruste”, como referência
ao combate ao trusts, é importante compreender que esse instituto jurídico é estranho à
realidade brasileira. Por meio dos trusts (que vem de “confiar”, “confiança”), no final
do século XIX, agentes econômicos concentravam poder nas mãos dos trustees, que
ficavam responsáveis por administrar verdadeiros conglomerados, sendo um dos mais
conhecidos o da Standard Oil de John Rockefeller.

Tudo isso (e um pouco mais), vocês podem conferir o vídeo de hoje!

Vamo que vamo!

#direitoeconomicodescomplicado

89
EXPRESSÕES ESTRANGEIRAS CORRIQUEIRAS NO DIREITO DA
CONCORRÊNCIA

DOUTRINA

Olá, meus amigos! Tudo bem?!

Post 01 de 02.

Quem começou a estudar o Direito da Concorrência há pouco tempo pode se assustar


com o excesso de vocábulos estrangeiros. Na verdade são “estadunidenses” mesmo:
utilizam-se diversas expressões em inglês, como market share, market power, player e
por ai vai. Daí a ideia deste post! Separei 10 expressões em inglês comuns nos textos
brasileiros e escrevi breves comentários, para que não nos atrapalhemos. Segue o fio!

“Antitruste” – Direito Antitruste ou Direito da Concorrência ou Antitrust Law são


expressões que se referem ao mesmo ramo do direito, relativo à defesa da concorrência.
O termo “antitruste” vem dos Estados Unidos e remete às origens dessa matéria. O
Sherman Act de 1890 visava combater o poder econômico exercido pelos trusts (para
saber o que eram os trusts ou um pouco da história do surgimento do Sherman Act,
confere meu vídeo no post anterior).

Relevant antitrust market ou relevant market – É o chamado mercado relevante, que,


em síntese, é o locus material (mercado relevante produto) e territorial (mercado
relevante geográfico) em que os agentes econômicos competem, ou seja, é o universo
sobre o qual se realizará a análise concorrencial.

Market share – É o grau de participação ou a fatia que determinado agente econômico


detém no mercado relevante, comumente chamada de “participação de mercado”. Pode
ser estimada pelo valor das vendas e, quando elevada, é um importante indicativo da
existência de poder econômico.

Market sharing – É o cartel que segmenta o mercado relevante (por regiões, por clientes
etc.) entre seus membros. Mais comum vermos a expressão “market-sharing cartel”,
mas aqui coloquei propositadamente após market share para não confudirmos: market-
sharing (com ING é um tipo de cartel), enquanto market share é participação de
mercado.

Market power – É o “poder econômico”, também traduzido para “poder de mercado”.


Em apertada síntese, é o poder que um agente econômico eventualmente possui que o
permite agir de maneira independente e com indiferença para com os demais agentes no
mercado, em razão da ausência de efetiva concorrência.

90
Separei em dois posts pelas limitações de espaço aqui do Insta! E ai, qual é a sua
expressão estrangeira favorita (ou detestada) na matéria?! Amanhã mando as minhas
outras 05 expressões!

Vamo que vamo!

DOUTRINA

Olá, meus amigos! Tudo bem?!

Post 02 de 02.

Continuando com nosso post sobre estrangeirismo no Direito da Concorrência, mas 05


expressões comumente utilizadas!

Player – é simplesmente o agente econômico que atua em determinado mercado


relevante. Eu confesso que, toda vez que vejo player nos textos, associo a jogos de
videogame e me desconcentro nos estudos. Mas é comum lermos: “FULANO é um
player importante no mercado”.

Merger – É o nosso ato de concentração, previsto nos arts. 88 e seguintes da Lei


12.529/2011. É comum ver a expressão “mergers and acquisitions”, que seriam as
nossas fusões e aquisições, em uma tradução livre. As autoridades de defesa da
concorrência, em regra, têm “horizontal merger guidelines”, inclusive o CADE.

Upstream e Downstream – Mercados relacionados em uma mesma cadeia produtiva ou


de distribuição podem estar à montante ou à jusante. Eu sei, “montante” e “jusante”
lembram muito as aulas de geografia, mas a ideia aqui é semelhante: estão à montante
os mercados mais acima da cadeia produtiva, enquanto à jusante os mais abaixo, ou
seja, respectivamente, upstream e downstream. Esse é o único exemplo em que eu acho
o termo em inglês menos feio do que o em português... rs

Cross Elasticity – prestigiando o nosso seguidor que sugeriu este vocábulo, elasticidade
cruzada da demanda é a medida de quanto varia a demanda por determinado bem,
quando o preço de outro bem muda. Para produtos substitutos, a elasticidade cruzada
será positiva (a demanda de um produto aumenta quando o preço do outro aumenta),
enquanto para produtos complementares, a elasticidade cruzada será negativa (a
demanda de um produto diminui, quando o preço do outro aumenta). Evitem decorar
isso e entendam com exemplos. Para quem café e chá são substitutos entre si (pra mim
não são. Chá não substitui café... rs), se o preço do café aumenta, você tende a comprar
mais chá, confere? Agora considere arroz e feijão, que são complementares (pra mim o
exemplo fica melhor com feijão e farinha): se o preço do feijão aumenta, é possível que
você diminua seu consumo de arroz, né?! Esses, em síntese, são exemplos da
elasticidade cruzada da demanda.

91
Essas foram as 10 expressões que primeiro vieram à mente! Será que esqueci de alguma
expressão estrangeira importante do Direito da Concorrência?! Me fala ai! Deixa seu
comentário!

Forte abraço!

92
MODELOS DE AUTORIDADES DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO MUNDO

Modelos de autoridades de defesa da concorrência no mundo – Video 02

Olá, meus amigos! Tudo bem?!

A grande maioria dos países possue autoridades de defesa da concorrência e, em regra,


elas se estruturam de duas formas básicas: uma denominada de prosecutorial (ou
inquisitorial), de origem anglo-saxã, e outra chamada de administrativa, de tradição da
Europa continental.

No sistema prosecutorial, a autoridade de defesa da concorrência assume um papel


acusatório, restando geralmente ao Poder Judiciário decidir sobre a existência de uma
infração concorrencial. É assim nos EUA, Canadá, Áustria, Austrália e Nova Zelândia.

No outro sistema, administrativo, a autoridade de defesa da concorrência exerce dupla


função de investigação e julgamento, normalmente com divisão funcional interna e
possibilidade de revisão judicial das decisões. Assim funcionam vários países europeus,
a própria União Europeia, por meio da Comissão Europeia, e diversos países da
América Latina, tais como Argentina, México e, propositadamente deixado para o final,
Brasil.

Quer saber um pouco mais, dá uma olhada no vídeo!

Forte abraço! Boa semana pra gente!

93
FINALIDADE DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Doutrina

POST 01

Legenda

Qual é o fim do Direito da Concorrência (ou “Existirmos, a que será que se destina”)?

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Essa talvez seja a questão mais debatida no Direito da
Concorrência na atualidade. Acadêmicos e operadores do direito que atuam na área
escrevem constantemente sobre qual deve ser o seu objetivo, ou, ainda quais devem ser
os seus objetivos (porque a singularidade da pergunta também é repleta de
controvérsias).

Este e o próximo post pretendem fazer um breve panorama nessa discussão, a qual não é
recente, porquanto remonta ao surgimento do Sherman Act em 1890, mas,
aparentemente, tem se acentuado no Brasil e no mundo depois da crise financeira de
2008. A ideia deste post surgiu quando eu e o professor André Santa Cruz gravamos a
primeira aula do nosso curso e ventilamos essa discussão. Ainda, vem para responder
alguns seguidores que pediram para explicar a vinculação entre Direito da Concorrência
e Políticas Públicas (vide último card do segundo post).

Então, segue o fio. Para você não se perder, cada card foi baseado na obra de
determinado autor. Na ordem, serão os seguintes citados neste post: (i) Herbert
Hovenkamp, The Federal Antitrust Policy; (ii) Robert Bork, The Antitrust Paradox; (iii)
Herbert Hovenkamp novamente, em The Antitrust Enterprise; (iv) Phillip Areeda,
Antitrust Analysis e (v) Massimo Motta, Competition Policy.

Atentem que essa não é uma questão meramente teórica. A depender das premissas
adotadas, a política de defesa da concorrência de determinado país pode sofrer guinadas
impressionantes. Destaco aqui, por exemplo, que Tim Wu e Lina Khan assumiram,
recentemente, importantes cargos no governo Biden, o que pode indicar mudanças
sensíveis de rumos no antitruste dos Estados Unidos.

Quando minha filha mais nova, Clara, nasceu, postei fotos do nascimento dela com a
pergunta da canção do Caetano, Cajuína, “existirmos, a que será que se destina”? O
Direito da Concorrência sofre do mesmo dilema. Claro, de forma muito menos
relevante... ☺.

...

Qual é o fim do Direito da Concorrência (ou “Existirmos, a que será que se destina”)? –
POST 01

94
Ao analisar o surgimento do Direito da Concorrência (cuja primeira norma data de
1889, no Canadá, mas tem o Sherman Act dos Estados Unidos como referência, em
1890), tenta-se identificar, ali, qual seria exatamente seu propósito. Há inúmeras teorias,
as quais estão, de certa forma, resumidas nesta passagem do Hovenkamp, em “Federal
Antitrust Policy”: “Alguns estudiosos têm argumentado que os autores do Sherman Act
estavam preocupados quase exclusivamente com a eficiência alocativa, medida pela
economia neoclássica moderna. Outros concluíram que o Congresso muitas vezes
expressava preocupação com a ‘justiça’ ou a equidade no comportamento empresarial,
mas nunca articulou qualquer conceito de eficiência alocativa, nem mesmo nas leis
antitruste. Ainda outros argumentam que a principal preocupação do Congresso era
evitar transferências de riqueza dos consumidores para os detentores de posição
dominante ou monopolistas (...) Uma teoria com maior poder explicativo é, realmente,
que o Sherman Act foi aprovada a mando de pequenas empresas que tinham sido
feridas pela formação de grandes empresas, mais eficientes“. Convenhamos, não é cool
dizer que o Direito da Concorrência tem por fim proteger os pequenos empresários dos
grandes, mais eficientes.

A Escola de Chicago, na década de 1970, de alguma forma revoluciona a aplicação do


Antitruste, sobretudo por conta de um livro publicado por Robert Bork, “The Antitrust
Paradox”. Nele, Bork defende o bem-estar do consumidor como fim do Direito
Antitruste, por meio da promoção de eficiência. Esta seria o único parâmetro seguro
com base no qual o Direito Antitruste poderia atingir um alto grau de coerência,
transparência e previsibilidade. Nesse sentido, para Bork, haveria uma forte correlação
entre bem-estar do consumidor e preços mais baixos nos mercados.

A partir de Bork, os pontos de vista acerca do(s) fim(ns) do Direito da Concorrência


podem ser divididos em dois grandes grupos: (i) dos defensores da métrica econômica
como sendo a única viável e (ii) dos partidários a uma maior abertura (para outros
valores não econômicos inclusive). Essa divisão e denominação aqui utilizadas são
minhas próprias (propositadamente redundante) e, justamente por isso, sujeitas a críticas
pela arbitrariedade (como, aliás, estão todas as classificações). No primeiro grupo incluo
autores como o Hovenkamp, Philip Areeda ou Maximo Mota. No segundo, estariam
Tim Wu, Lina Khun, Maurice Stucke e, no Brasil, Ana Frazão, Calixto Salomão e Paula
Forgioni. Vamos lá.

Hovenkamp, expressamente registra em outro livro, “The Antitrust Enterprise”, que o


antitruste deve ser uma empreitada econômica, e não moral. A intervenção no mercado
apenas seria defensável se economicamente justificada. Ainda, relembra que o direito da
concorrência não é a única forma de atuação do Estado e outras finalidades podem ser
perseguidas por ferramentas distintas, como a regulação ou o regime de propriedades.
Dessa maneira, ele reconhece que o modelo neoclássico de bem-estar econômico,
pautado nas lições dos economistas William Jevons e Alfred Marshall, forneceu ao
direito antitruste muitos dos seus princípios. Assim, o antitruste é uma empreitada
defensável apenas se, a partir dele, for possível tornar os mercados mais

95
competitivos. Nesse sentido, reforça que, na dúvida, em cenários complexos, para o
qual o Estado não pode oferecer uma resposta precisa, é melhor não intervir.

Em “Antitrust Analysis”, o professor Phillip Areeda, que foi um dos mais influentes
juristas na área do antitruste e lecionou na Universidade de Harvard por mais de 30
(trinta) anos, reconhece que, para o mainstream, a concorrência perfeita é o standard
a ser perseguido, apesar de toda a dificuldade de a realidade se adequar à teoria, bem
como que o uso da economia é indispensável para o antitruste, apesar de suas
limitações. Porque não será possível prever as consequências das proibições de um ou
outro comportamento específico, as autoridades e os doutrinadores do direito da
concorrência deverão responder à seguinte pergunta repetidamente: até que ponto se
deve buscar a verdade econômica em um caso particular no qual as hipóteses podem ser
controversas ou indefinidas e o ordenamento jurídico não possa dar uma solução clara.
Phillip Areeda trabalha com o conceito de workable competition, o qual, conforme o
próprio autor reconhece, não é preciso, mas pelo menos tenta, por aproximação, melhor
apreender a realidade dos mercados.

O economista Massimo Motta, em “Competition Policy”, por sua vez, adota o conceito
de bem-estar econômico como elemento central para a avaliação do desempenho de
determinado mercado e, a partir dele, pauta a sua compreensão acerca do direito da
concorrência. Segundo Motta, semelhantemente a Hovenkamp, objetivos ou
considerações de política pública diferentes de eficiência não são importantes e se os
governos quiserem atingi-los, isso não deveria ocorrer por meio da política de defesa da
concorrência, mas sim pela utilização de instrumentos diversos, desde que estes
interfiram na concorrência o mínimo possível. Maximo Motta, de maneira bastante
sincera, embora reconheça a eficiência como norte do antitruste, afirma que o faz na
condição de economista. E afirma que cabe aos políticos, sociólogos e juristas
decidirem se, diante de um conflito, irão priorizar considerações econômicas ou outras
de natureza diversas.

Por limitações do Instagram, encerro por aqui este post. Vimos até aqui o primeiro
grupo de opiniões acerca do(s) objetivo(s) do Direito da Concorrência, que denominei
de (i) “defensores da métrica econômica como sendo a única viável”. No próximo post,
vamos ver os (ii) “partidários a uma maior abertura”. Vamo que vamo!

96
Doutrina

POST 02

Legenda

Qual é o fim do Direito da Concorrência (ou “Existirmos, a que será que se destina”)?

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Essa talvez seja a questão mais debatida no Direito da
Concorrência na atualidade. Acadêmicos e operadores do direito que atuam na área
escrevem constantemente sobre qual deve ser o seu objetivo, ou, ainda quais devem ser
os seus objetivos (porque a singularidade da pergunta também é repleta de
controvérsias).

Este post, que é uma continuação do anterior, pretende fazer um breve panorama nessa
discussão, a qual não é recente, porquanto remonta ao surgimento do Sherman Act em
1890, mas, aparentemente, tem se acentuado no Brasil e no mundo depois da crise
financeira de 2008. A ideia deste post surgiu quando eu e o professor André Santa Cruz
gravamos a primeira aula do nosso curso e ventilamos essa discussão. Ainda, vem para
responder alguns seguidores que pediram para explicar a vinculação entre Direito da
Concorrência e Políticas Públicas (vide último card).

Então, segue o fio. Para você não se perder, cada card foi baseado na obra de
determinado autor. Na ordem, serão os seguintes citados neste post: (i) Tim Wu,
Antitrust in the New Gilded Age; (ii) de Lina Khan, “Amazon´s Antitrust Paradox” e
“Book Review: The End of Antitrust History Revisited”; (iii) Maurice Stucke,
“Reconsidering Antitrust’s Goals”; (iv) Calixto Salomão, “Direito Concorrencial”, (v)
Ana Frazão, “Direito da Concorrência” e (vi) Paula Forgioni, “Fundamentos do
Antitruste”.

Atentem que essa não é uma questão meramente teórica. A depender das premissas
adotadas, a política de defesa da concorrência de determinado país pode sofrer guinadas
impressionantes. Destaco aqui, por exemplo, que Tim Wu e Lina Khan assumiram,
recentemente, importantes cargos no governo Biden, o que pode indicar mudanças
sensíveis de rumos na política antitruste dos Estados Unidos.

Quando minha filha mais nova, Clara, nasceu, postei fotos do nascimento dela com a
pergunta da canção do Caetano, Cajuína, “existirmos, a que será que se destina”? O
Direito da Concorrência sofre do mesmo dilema. Claro, de forma muito menos
relevante... ☺.

Esses são os pontos que eu considero mais essenciais nesta discussão acerca do(s)
objetivo(s) Direito da Concorrência. Para saber mais, não perde a live que eu e o
professor @André vamos fazer nesta quinta, 19h. Vamo que vamo!

...

97
Qual é o fim do Direito da Concorrência (ou “Existirmos, a que será que se destina”)? –
POST 02

Tim Wu, em “Antitrust in the New Gilded Age”, chama atenção para o fato de que, nas
quatro últimas décadas, a política de defesa da concorrência nos Estados Unidos e em
outros grandes países teria sido propositalmente enfraquecida para propiciar o acúmulo
de poder econômico, em uma repetição da chamada “Era Dourada” da segunda metade
do século XIX, a qual foi marcada por níveis extremos de concentração de renda,
desigualdade e pelo florescimento de regimes ditatoriais fascistas. E esse movimento se
deve, segundo Wu, ao triunfo da Escola de Chicago e das lições de Bork, sobretudo no
final dos anos 70, que são notadamente contra o controle de estruturas. Para Wu,
qualquer Estado pautado em princípios como o da igualdade e da descentralização de
poder deve adotar uma Neo-Brandeisian Agenda, que reforce as preocupações com
fusões e aquisições, bem como reconheça a proteção do processo de concorrência como
objetivo do antitruste. Você não faz a mínima ideia do que seria essa Neo-Brandeisian
Agenda, né?! Aportuguesando, Neo-Brandesiana. Vamos lá

Conforme explica o próprio Wu, essa agenda Neo-Brandesiana seria: “[...] a return to
Brandeis wrote, ‘the true test of legality is whether the restraint imposed is such as
merely regulates and perhaps thereby promotes competition or whether it is such as
may suppress or even destroy competition’”. Louis D. Brandeis nasceu em Louisville,
no Estado de Kentucky, Estados Unidos, em 13 de novembro de 1856, e foi apontado
como ministro da Suprema Corte norte-americana em 1916. Ele criticava a
concentração econômica verificada no seu país no final do século XIX e início do
século XX. Em publicação para celebrar o centenário do seu nascimento, intitulada “Mr.
Justice Brandeis, Competition and Smallness: a Dilemma Re-examined”, publicada em
“The Yale Law Journal”, consta o seguinte resumo do seu pensamento: “Distrustful of
all concentration of power, he maintained that the giant corporation was a menace to
the democratic process. Brandeis believed that the social development of the individual,
neglected in a concentrated economy, would be fostered by an atmosphere of small
business. He thus concluded society would profit if the government shattered the big
enterprises which dominated industry” (Yale Law Journal, 1956, p. 69). É possível
também encontrar, como referência a essa agenda de pensamento sobre o direito da
concorrência, de forma mais crítica, a expressão “Hipster Antitrust”.

Os escritos recentes de Lina Khan, “Amazon´s Antitrust Paradox” e “Book Review: The
End of Antitrust History Revisited” também partem desta premissa: nas últimas décadas,
a legislação antitruste dos Estados Unidos tem se concentrado no bem-estar dos
consumidores, de maneira que, provavelmente, concentrações ou condutas que
resultem, ao menos imediatamente, em preços mais baixos não seriam consideradas
ilegais. Em “Amazon´s Antitrust Paradox”, publicado em 2017, Khan defende que esse
foco é muito estreito, devendo o Estado se preocupar com objetivos mais amplos de
concorrência, a partir do estudo de caso da Amazon. O seu argumento central é que não
deveria ser abandonada, conforme propõe a Escola de Chicago, cujo propósito central é
a promoção de eficiência e bem-estar do consumidor, a preocupação com estruturas e
com o próprio processo competitivo. Por essa razão, na visão de Lina Khan, o livro de

98
Tim Wu mencionado anteriormente foi lançado em um momento extremamente
propício, a fim de que os fins do antitruste, especialmente nos Estados Unidos, sejam
rediscutidos.

Ainda, pelo menos desde 2012, Maurice Stucke, em “Reconsidering Antitrust’s Goals”,
chama atenção para o fato de identificar os objetivos a serem perseguidos pela defesa da
concorrência não é apenas uma discussão acadêmica, mas também prática, porquanto
pode ajudar na aplicação e na efetividade da política, norteando os agentes públicos que
lidam com a matéria, facilitar a transparência e a avaliação acerca das medidas já
efetivadas, bem como evitar que diferentes atores, por exemplo, agentes públicos do
Poder Executivo e membros do Poder Judiciário, decidam de maneira contraditória.
Para ele, os indivíduos, inseridos em um determinado ambiente cultural e social,
condicionam suas escolhas não apenas com fundamento em critérios econômicos,
racionais, mas também em outros valores. A complexidade do ser humano não fica
adstrita ao modelo previsível de comportamento estabelecido pela economia. E, em uma
democracia, essa complexidade, de certa forma, está representada por diversos grupos
sociais e políticos. A partir dessas premissas, Maurice E. Stucke conclui que “a política
de defesa da concorrência em qualquer democracia com razoável pluralismo não pode
ser reduzida a uma meta única, bem definida. Qualquer política de defesa da
concorrência, que pretenda promover o bem-estar, deve balancear objetivos múltiplos
de caráter político, social, moral e econômico”.

No Brasil, diversos autores criticam as premissas da Escola de Chicago e, uma das


críticas, justamente a formulada pela professora da USP Paula Forgioni, é a de que o
direito da concorrência deve ser compreendido como instrumento para a formulação de
políticas públicas. Vamos, antes de entender esse posicionamento da professora Paula
Forgioni, verificar o ponto de vista de outros dois especialistas da matéria no Brasil, os
professores Calixto Salomão e Ana Frazão.

Calixto Salomão, por exemplo, em “Direito Concorrencial”, critica essa visão do


“homem unidimensional” da Escola de Chicago, de que ao consumidor apenas
interessaria o preço do produto. Salomão, utilizando-se de bases do institucionalismo
alemão de Carl Schimitt, elabora o “conceito institucional de concorrência”, o qual não
impõe um resultado ou efeito econômico, mas garante que o relacionamento entre os
concorrentes se dê de forma leal e que a concorrência efetivamente exista, não sendo
substituída por relações de poder, típicas dos mercados livres. Pretende-se, assim,
assegurar que os agentes econômicos descubram as melhores opções e ordenem as
relações econômicas da forma mais justa e equilibrada. Privilegia-se, ao serem fixados
os objetivos e sentidos das regras concorrenciais, a supremacia do valorativo sobre o
instrumental econômico, o que não implica abrir mão da economia. Essa mudança
apenas é possível por meio da discussão política dos valores protegidos pelas normas
jurídicas, sobretudo constitucionais.

99
Para Ana Frazão, em “Direito da Concorrência”, o controle do poder econômico é não
apenas um dos instrumentos mais efetivos da tutela dos consumidores, mas também um
dos principais pilares da democracia. Daí ser um assunto que deveria interessar a todos
os cidadãos e, por isso, submetido ao amplo escrutínio social. Esse é um argumento
relevante para que as questões concorrenciais não sejam decididas sob uma perspectiva
exclusivamente técnica, desconectada dos princípios constitucionais que regem a ordem
econômica e o Estado Democrático de Direito. Frazão reconhece a centralidade da
Constituição para a aplicação do direito da concorrência no Brasil. O art. 173, §4º7,
apenas pode ser entendido a partir da compreensão de sua natureza instrumental e de
sua conformidade com o art. 1708, o qual centra a ordem econômica na valorização do
trabalho e na livre iniciativa, princípios que, necessariamente, devem ter por finalidade
assegurar a existência digna. Assim, o direito da concorrência não pode ser reduzido a
um viés meramente economicista, pautado no conceito de eficiência, nem a um mero
instrumento de política econômica: é imprescindível perquirir, na atividade de controle
do poder econômico, em que medida os princípios constitucionais estão sendo
observados.

Por fim, Paula Forgioni, em “Os Fundamentos do Antitruste”, a partir da experiência da


União Europeia, trabalha um conceito instrumental do direito da concorrência. Este
seria uma das formas de atuação do Estado sobre a economia, portanto, dentre as
técnicas de organização dos mercados, estão as normas destinadas a regular a
concorrência entre os agentes econômicos e o abuso do poder econômico. Afirma, pois,
que no Brasil, em decorrência da Constituição Federal, com destaque para os arts. 3º e
170, o direito da concorrência não pode ser considerado um fim em si mesmo:
“entende-se, assim, o direito antitruste como técnica de que lança mão o Estado
contemporâneo para implementação de políticas públicas, mediante a repressão ao
abuso do poder econômico e a tutela da livre-concorrência”.
É isso, pessoal! Essa é uma brevíssima síntese dessa discussão sobre o(s) objetivo(s) do
Antitruste. Para saber mais sobre Direito da Concorrência, não perde a live que eu e o
professor André Santa Cruz vamos fazer nesta quinta, 19h. Vamo que vamo!

7
Assim estabelece o art. 173, §4º, da Constituição Federal: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico
que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”
(BRASIL, 1988).
8
O art. 170 dispõe: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV -
livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX -
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei (BRASIL, 1988).

100
O CADE E A ANALISE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO DE INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS

O CADE analisa atos de concentração relacionados a instituições financeiras?!

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Essa notícia da aquisição da Easynvest pelo
Nubank faz a gente relembrar o quiproquó entre CADE e BACEN sobre a análise de
atos de concentração envolvendo instituições financeiras. Estão lembrados disso?!
Não?! Então vamos lá, para um breve resumo!

Se gostou, curta! Se tem alguém que também pode gostar, compartilhe! Se a


informação lhe será útil posteriormente, salve!

Vamo que vamo!

O CADE, ao analisar o Ato de Concentração 08012.002381/2001-23, verificou,


nos documentos ali acostados, que havia ocorrido uma operação não notificada, que
seria a aquisição do controle do Banco de Crédito Nacional S.A. - BCN pelo Banco
Bradesco, e determinou que o ato de concentração fosse apresentado. As instituições
financeiras se insurgiram contra essa determinação, ao argumento central de que atos de
concentração envolvendo instituições financeiras deveriam apenas ser notificados ao
BACEN, não ao CADE. Alegavam em defesa desta tese o art. 192 da Constituição
Federal, as disposições da Lei 4.595/64 e o Parecer GM-20 da AGU, aprovado pelo
Presidente da República, portanto vinculativo, em tese, para a Administração Pública
Federal.

Esse parecer data de 2001 e concluiu, analisando a querela entre CADE e


BACEN, “pela competência privativa do Banco Central do Brasil para analisar e
aprovar os atos de concentração de instituições integrantes do sistema financeiro
nacional, bem como para regular as condições de concorrência entre instituições
financeiras e aplicar-lhes as penalidades cabíveis”.

Segundo CADE, nos termos da então Lei de defesa da concorrência


(8.884/1994, mas o raciocínio se aplica para a atual), a autarquia detinha a última
palavra, no âmbito do Poder Executivo para decidir sobre questões concorrenciais, bem
como que não havia qualquer exceção, para as instituições financeiras, de apresentação
de atos de concentração à autoridade de defesa da concorrência, que ficaria responsável
pelos aspectos concorrenciais da operação, restando ao BACEN deliberar sobre os
aspectos regulatórios próprios do setor financeiro. Portanto, deveria haver uma
complementaridade de atribuições.

101
Essa discussão chegou ao Judiciário em 2002, no caso BCN-BRADESCO aqui
mencionado, e o TRF1, por maioria, deu razão ao CADE. Em síntese, decidiu que a Lei
Bancária e a Lei Antitruste deveriam ser aplicadas tendo presente a regra da
complementaridade. O BACEN analisaria o equilíbrio do Sistema Financeiro, ao passo
que o CADE tutelaria a concorrência. Ainda, decidiu o TRF1 que mesmo os pareceres
da Advocacia-Geral da União aprovados pelo Presidente da República não seriam de
observância obrigatória pelo CADE no tocante à interpretação e aplicação das normas
da legislação de defesa da concorrência, nem no que diz respeito à delimitação de sua
esfera de atribuições jurídicas.

Em 2010, dessa vez no STJ, por maioria, as instituições financeiras ganham o


Recurso Especial. Em síntese, segundo o tribunal, em havendo conflito de atribuições
entre CADE e BACEN, solução deveria ocorrer pelo princípio da especialidade. O
Parecer GM-20, da Advocacia-Geral da União, adota solução hermenêutica e tem
caráter vinculante para a Administração, inclusive para o CADE, sobrepondo-se à Lei
8.884/1994. Por fim e mais importante, o Sistema Financeiro Nacional não poderia se
subordinar a dois organismos regulatórios. Dessa decisão, houve a interposição de
Recurso Extraordinário para o STF (nº 664189), ainda pendente de julgamento, sob a
relatoria atualmente do Ministro Nunes Marques.

Nesse período, houve pelo menos uma tentativa legislativa de colocar um ponto
final nessa discussão, com destaque para projeto de lei aprovado no Senado (vide
https://g1.globo.com/economia/noticia/senado-aprova-projeto-que-define-atribuicoes-
de-cade-e-banco-central-no-controle-de-instituicoes-financeiras.ghtml, notícia de 2018),
ainda pendente de aprovação no Congresso, que reconhece a complementaridade da
análise das instituições. Esse era o entendimento que, em 2018, prevalecia entre as
instituições.

Dessa forma, no final daquele ano, CADE e BACEN assinam ato normativo
conjunto para tentar por fim ao problema (Ato Normativo Conjunto nº 01, de 10 de
dezembro de 2018), adotando a tese da complementaridade. Em síntese, os atos de
concentração econômica de instituições financeiras deverão ser submetidos tanto ao
BACEN quanto ao CADE, que os examinarão de forma independente, em processos
próprios, observados os prazos e condições previstos na legislação que disciplina a
atuação de cada uma das autarquias (vide art. 2º). E existe uma possibilidade
excepcional de o BACEN aprovar unilateralmente os atos de concentração quando
“aspectos de natureza prudencial indiquem haver riscos relevantes e iminentes à solidez
e à estabilidade do Sistema Financeiro Nacional” (vide art. 6º).

Assim, hoje, de certa maneira está sedimentado o entendimento de que as


instituições financeiras devem apresentar seus atos de concentração tanto ao BACEN,
quanto ao CADE que, dentre de suas esferas de atribuição, irão analisar as operações. O
BACEN, questões regulatórias atinentes ao sistema financeiro, enquanto o CADE
avaliará aspectos concorrenciais. Essa, aliás, é a regra geral para todos os mercados

102
regulados, conforme disposto no art. 26, §1º, da Lei 13.848/2019 (Lei da Agências
Reguladoras Federais).

Por fim, para acabar com esta novela (digo, esse post), o caso Easynvest /
Nubank, já havia sido aprovado pelo CADE, desde outubro de 2020, mais
especificamente pela SG, que entendeu se tratar de operação que não trazia
preocupações concorrenciais, conforme notícia que segue. FIM! ☺

103
SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL

104
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – ASPECTOS GERAIS

Doutrina

Sistema Financeiro é o conjunto de instituições e instrumentos que viabilizam o fluxo


financeiro entre os poupadores e os tomadores de recursos na economia.

Sistema Financeiro Nacional

Sistema Financeiro é o conjunto de instituições e instrumentos que viabilizam o fluxo


financeiro entre os poupadores e os tomadores de recursos na economia. Para fins
didáticos, é possível dividi-lo em (i) mercado financeiro, (ii) seguros privados (que
engloba seguros privados, capitalização e previdência complementar aberta) e (iii)
previdência fechada (fundos de pensão). O Banco Central do Brasil propõe, para cada
um desses segmentos, uma subdivisão em três níveis: (a) órgãos normativos, (b)
supervisores e (c) operadores.

No (i) mercado financeiro, o órgão normativo é o (a) Conselho Monetário Nacional


(CMN), os supervisores são o (b.1) Banco Central e a (b.2) Comissão de Valores
Mobiliários CVM) e os principais operadores são, respectivamente (c.1) bancos, caixas
econômicas, administradores de consórcios e cooperativas de crédito, bem como (c.2)
bolsa de valores e bolsa de mercadorias e futuro.

Nos (ii) seguros privados, o órgão normativo é o (a) Conselho Nacional de Seguros
Privados (CNSP), o supervisor é a (b) Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e
os operadores são as (c) seguradoras e resseguradores, entidades abertas de previdência
e sociedades de capitalização.

Quanto à (iii) previdência fechada, o órgão normativo é o (a) Conselho Nacional de


Previdência Complementar (CNPC), a supervisora é a (b) Superintendência Nacional de
Previdência Complementar (PREVIC) e os operadores são as (c) entidades fechadas de
previdência complementar (fundos de pensão).

Essa informações estão representadas no quadro postado acima (que pode ser obtido no
endereço https://www.bcb.gov.br/pre/composicao/composicao.asp?frame=1) e são úteis
para a compreensão, de forma sistêmica, da organização do sistema financeiro nacional.
O (i) mercado financeiro, por sua vez, é também dividido em quatro outros mercados:
de capitais, monetário, de crédito e de câmbio. Mas isso será tema de um post futuro.

Por fim, tem um livro excelente e gratuito da CVM sobre mercado de capitais,
intitulado “Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro”, cuja 4ª edição foi lançada ano
passado. A definição aqui utilizada de sistema financeiro foi retirada dele. Ele e outros
livros da série TOP estão disponíveis no portal do investidor
(https://www.investidor.gov.br/publicacao/LivrosCVM.html#TOP). Vale muito à pena!

É isso, pessoal! Forte abraço e boa semana pra gente!

105
HISTÓRIA DA MOEDA NO BRASIIL

Curiosidade

Você sabe um pouco da história da moeda no Brasil?

No Brasil, com as expedições, chegaram as primeiras moedas. A intensificação das


viagens à terra recém-descoberta e a implantação de núcleos de colonização fizeram
com que circulassem as primeiras moedas por aqui, trazidas pelos portugueses,
invasores e piratas. A partir de 1580, com a união das coroas de Portugal e Espanha,
moedas de prata espanholas passaram a circular no Brasil em grande quantidade.

Durante o domínio holandês no nordeste brasileiro (1630- 1654), surgiram as primeiras


moedas cunhadas no Brasil, os florins e os soldos. Essas moedas foram fabricadas pelos
holandeses para pagar aos seus fornecedores e às suas tropas cercadas pelos
portugueses. Os florins e os soldos traziam a marca da Companhia de Comércio da
Índias Ocidentais. A palavra “BRASIL” aparecia no reverso dos florins.

Em 1694, D. Pedro II, rei de Portugal, criou a primeira Casa da Moeda, na Bahia. Todas
as moedas de ouro e de prata em circulação na Colônia deveriam ser enviadas à Casa da
Moeda para serem transformadas em moedas provinciais. No entanto, as dificuldades e
os riscos do transporte fizeram com que a Casa da Moeda fosse transferida de uma
região para outra. Em 1699, mudou-se para o Rio de Janeiro; no ano seguinte, para
Pernambuco; e de novo para o Rio, em 1703.

As patacas foram as moedas que circularam por mais tempo no Brasil, de 1695 a 1834.
Essa série era composta pelas moedas de prata nos valores de 20, 40, 80, 160, 320 e 640
réis. O valor de 320 réis – pataca – deu nome à série. É a primeira foto do post acima.

Entre 1918 e 1935, com a finalidade de facilitar o troco, foi cunhada uma nova série de
moedas em cuproníquel que substituiu cédulas de valores pequenos e moedas antigas. A
moeda de 100 réis, dessa série, ficou conhecida como “tostão”.

Considerados apenas os últimos 80 anos, tivemos como moedas, na sequência: Cruzeiro


(1942 – 1967), Cruzeiro Novo (1967 a 1970), Cruzeiro (1970 a 1986), Cruzado (1986 a
1989), Cruzado Novo (1989 a 1990), Cruzeiro (1990 a 1993), Cruzeiro Real (1993 a
1994) e Real (1994 a até hoje). São as fotos seguintes do post, na ordem!

E ai? Eu já vivi período de 06 moedas diferentes no Brasil! Rs E vcs?

Forte abraço!

Fonte: Cartilha “Dinheiro no Brasil”, do Banco Central. Disponível em:


<https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/museudocs/pub/Cartilha_Dinheiro_
no_Brasil.pdf>, 2ª Edição, Dezembro de 2004.

106
AUTONOMIA DO BACEN E LEI COMPLEMENTAR 179/2021

Doutrina

Legenda

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Este post poderia ir para a série “(Not too) Old, but
gold”, mas quando a Lei foi sancionada, eu estava em “licença paternidade”... rs

A Lei Complementar nº 179/2021, de 24 de fevereiro de 2021, atribuiu autonomia ao


Banco Central. Basicamente, estabeleceu mandato para o presidente e diretores da
instituição, com hipóteses restritas de exoneração.

Mas o que significa exatamente esta “autonomia” do BACEN? Não era autônomo
antes?

O post de hoje é sobre isso!

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Vamo que vamo!

...

Você está por dentro da Lei Complementar nº 179/2021, que conferiu autonomia ao
BACEN? Segue o fio.

Em 24 de fevereiro de 2021 foi sancionada a LC nº 179/2021 que “Define os objetivos


do Banco Central do Brasil e dispõe sobre sua autonomia e sobre a nomeação e a
exoneração de seu Presidente e de seus Diretores”.

O Banco Central do Brasil (BACEN) é uma autarquia federal criada pela Lei nº
4.595/64 que, dentre as competências previstas nos arts. 9º, 10 e 11, deve cumprir e
fazer cumprir as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), emitir
moeda-papel e moeda metálica, nas condições e limites autorizados pelo CMN, exercer
o controle do crédito e conceder autorização para o funcionamento das instituições
financeiras.

Já o Conselho Monetário Nacional (CMN) é órgão superior do Sistema Financeiro


Nacional. Suas competências estão elencadas no art. 4º da Lei nº 4.595/64, sendo ele
responsável por formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso
econômico e social do País (art. 3º). O CMN é composto pelo Ministro da Fazenda (na
formatação do atual governo, é o Ministro da Economia), que é o seu presidente, pelo
Secretário Especial da Fazenda e pelo Presidente do BACEN.

O art. 1º da LC 179/2021 explicita que o objetivo fundamental do BACEN é assegurar a


estabilidade de preços, o que não é propriamente uma novidade, haja vista que essa é a
função principal, em regra, dos bancos centrais pelo mundo. Ainda, deve o BACEN

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zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do
nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Sobre a autonomia, não sei se você sabia, mas a Lei 4.595/64 concedia mandatos fixos
ao presidente e diretores do Banco Central, sinalizando para a autonomia da instituição.
Na prática, porém, a autonomia da instituição não vigorou, até que pela Lei 6.045, de
maio de 1974, os mandatos fixos foram formalmente revogados.

Alguns estudos de Arnone, Laurens, Segalotto e Sommer indicam que o processo de


autonomia de um BC envolve, na maioria dos casos, três estágios: (i) Estabelecimento
do marco legal para a autonomia; (ii) Desenvolvimento da autonomia operacional; (iii)
Aprofundamento da autonomia política em termos de formulação de políticas [(a)
ARNONE, M; LAURENS, B.J.; SEGALOTTO, J-F. The Measurement of Central Bank
Autonomy: Survey of Models, Indicators, and Empirical Evidence. IMF WP/06/227.
IMF. 2006; (b) ARNONE, M; LAURENS, B.J.; SEGALOTTO, J-F. Measures of
Central Bank Autonomy: Empirical Evidence for OECD, Developing, and Emerging
Market Economies. IMF WP/06/228. IMF. 2006; (c) ARNONE, M; LAURENS, B.J.;
SEGALOTTO, J-F; SOMMER, MARTIN. Central Bank Autonomy: Lessons from
Global Trends. IMF WP/07/88. IMF. 2007].

Sobre a autonomia, destaco três dispositivos da LC 179/2021. Primeiro, o art. 3º que,


em síntese, prevê: “a Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil terá 9 (nove)
membros, sendo um deles o seu Presidente, todos nomeados pelo Presidente da
República entre brasileiros idôneos, de reputação ilibada e de notória capacidade em
assuntos econômico-financeiros ou com comprovados conhecimentos que os
qualifiquem para a função” (art. 3º).

Segundo, o art. 4º que estabelece que o Presidente e os Diretores do Banco Central do


Brasil serão indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação
de seus nomes pelo Senado Federal. Tanto o Presidente, quanto os diretores terão
mandatos de duração de quatro anos, com a diferença que o do presidente se inicia no
terceiro ano de mandato do Presidente da República, enquanto que os dos diretores são
escalonados. Tanto presidentes, quanto diretores poderão ser reconduzidos uma vez.

Por fim, o art. 5º, que limita as hipóteses de exoneração do Presidente e dos Diretores da
seguinte forma: (i) a pedido; (ii) no caso de acometimento de enfermidade que
incapacite o titular para o exercício do cargo; (iii) quando sofrerem condenação,
mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática
de ato de improbidade administrativa ou de crime cuja pena acarrete, ainda que
temporariamente, a proibição de acesso a cargos públicos; (iv) quando apresentarem
comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do
Banco Central do Brasil. Neste último caso, compete ao Conselho Monetário Nacional
submeter ao Presidente da República a proposta de exoneração, cujo aperfeiçoamento
ficará condicionado à prévia aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal.

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REGULAÇÃO

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LEI DAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

Doutrina

Lei das Agências Reguladoras – Lei 13.848/2019, Aspectos gerais (Post 01 de 03)

Olá, meus amigos, tudo bem?

Em 2019 houve algumas mudanças legislativas importantes relacionadas ao Direito


Econômico. Nesta semana, os posts serão dedicados a uma delas, que é a Lei
13.848/2019, também chamada de “Lei das Agências Reguladoras”. Em breve farei
também uma série semelhante sobre a Lei 13.874/2019, famosa “Lei de Liberdade
Econômica”. Chamarei atenção para os seus pontos mais relevantes.

A Lei das Agências Reguladoras (13.848/2019) pretende estabelecer um regramento


geral relativo à gestão, organização, processo decisório e controle social das agências
federais (lembrem que pode haver também agências reguladoras estaduais e
municipais). O art. 2º dispõe que “consideram-se agências reguladoras para os fins desta
lei” e elenca na ordem: ANEEL, ANP, ANATEL, ANVISA, ANS, ANA, ANTAQ,
ANTT, ANCINE, ANAC e ANM. Essas são todas as agências reguladoras federais
existentes hoje. Duas observações.

Primeira, atentem que não foram revogadas as legislações particulares de cada setor
(apenas um ou outro dispositivo expressamente previsto). Por exemplo, a Lei
9.427/1997 (da ANEEL), a Lei 9.472/1997 (da ANATEL) e Lei 9.478/1997 (da ANP)
continuam em vigor. A nova lei, expressamente, ressalvou o que dispuser a legislação
específica e previu sua aplicação para as agências reguladoras futuramente criadas
(parágrafo único do art. 1º).

Segunda, o CADE não está incluído no rol do art. 2º, por um motivo simples, mas que
vez ou outra ainda suscita dúvidas: o CADE não é uma agência reguladora. É uma
autarquia especial (como são as agências reguladoras) e ainda que alguns aspectos das
agências reguladoras, como a investidura a termo dos dirigentes e estabilidade durante o
mandato, sejam aplicados ao CADE, ele não regula os mercados. As agências
reguladoras tratam de regulação setorial, sobretudo em mercados que carecem de
concorrência, como os em que haja monopólios naturais. O CADE, por sua vez, é a
autoridade de defesa da concorrência, agindo de modo transversal.

Recordem que a Lei 9.986/2000 já dispunha de forma genérica acerca da gestão de


recursos humanos das agências reguladoras, mas não havia uma lei geral que
sistematizasse os demais aspectos em comum delas. Ainda que existam particularidades
de cada setor regulado, as quais justificam uma ou outra distinção, é indiscutível que
existe uma identidade material, pela similitude da natureza jurídica e atuação. Dessa
maneira, a padronização de comportamentos afina-se com a ideia de segurança jurídica,
como ressaltam Cristiana Fortini e Gabriel Fajardo (https://www.conjur.com.br/2019-
jun-27/interesse-publico-lei-agencias-reguladoras-impressoes-iniciais).

Continuamos no próximo post! Até lá! Boa semana pra gente!

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Doutrina

Lei das Agências Reguladoras – Lei 13.848/2019, Principais dispositivos (Post 02 de


03)

Olá, meus amigos, tudo bem? Vou elencar aqui meus “top 05” dispositivos da lei.
Vamos lá:

O art. 3º explica quais são as características de autarquia especial das agências


reguladoras, ao dispor que: “A natureza especial conferida à agência reguladora é
caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela
autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a
termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas
demais disposições constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua
implementação”.

O §3º do art. 3º traz a previsão de uma política de compliance anticorrupção para as


agências, nos seguintes termos: “As agências reguladoras devem adotar práticas de
gestão de riscos e de controle interno e elaborar e divulgar programa de integridade,
com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à
prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção”.

Houve preocupação com as consequências práticas das decisões proferidas, em diálogo


com o que dispõe o art. 20 da LINDB, ao se prever a necessidade de análises de
impacto regulatório (AIR), no art. 6º, nos seguintes termos: “A adoção e as propostas
de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos,
consumidores ou usuários dos serviços prestados serão, nos termos de regulamento,
precedidas da realização de AIR, que conterá informações e dados sobre os possíveis
efeitos do ato normativo”.

A obrigatoriedade de consulta pública prévia para criar ou alterar atos normativos, nos
termos do art. 9º: “Serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de
decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de
alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores
ou usuários dos serviços prestados”.

Por fim, o necessário diálogo entre as agências reguladoras e o CADE, nos termos do
art. 25: “Com vistas à promoção da concorrência e à eficácia na implementação da
legislação de defesa da concorrência nos mercados regulados, as agências reguladoras
e os órgãos de defesa da concorrência devem atuar em estreita cooperação,
privilegiando a troca de experiências”.

Que difícil! Deixei de fora a criação de ouvidorias em todas as agências (art. 22) e a
previsão delas firmarem TACs (art. 32) com o coração na mão... rs É isso, pessoal!
Próximo post vamos tratar das principais revogações promovidas. Forte abraço!

111
Doutrina

Lei das Agências Reguladoras – Lei 13.848/2019, Principais revogações (Post 03 de


03).

Olá, meus amigos, tudo bem? O último capítulo da Lei 13.848/2019, “Disposições
Finais e Transitórias”, alterou diversos dispositivos de textos normativos variados
relacionados a agências reguladoras.

Um primeiro grupo de mudanças foi o das legislações específicas de cada agência


reguladora. Uma leitura atenta dos dispositivos permite concluir que, em síntese, essas
mudanças se referem (i) à uniformização do prazo de 05 anos de mandato para os
diretores das agências reguladoras federais e (ii) proibição de recondução desses
diretores ao término do mandato.

Um segundo grupo de mudanças se refere à Lei nº 9.986/2000, a qual dispõe sobre a


gestão de recursos humanos das agências reguladoras. Essas alterações estão centradas:
(i) na previsão expressa de que os mandatos dos membros do Conselho Diretor ou da
Diretoria Colegiada das agências reguladoras serão não coincidentes, de modo que,
sempre que possível, a cada ano, ocorra o término de um mandato e uma consequente
nova indicação (art. 4º, § 1º); (ii) na previsão de que integrarão a estrutura
organizacional de cada agência uma procuradoria, que a representará em juízo, uma
ouvidoria e uma auditoria (art. 8º, § 3º); finalmente, (iii) ficaram estabelecidos novos
requisitos para o Presidente, Diretor-Presidente ou Diretor-Geral e os demais membros
do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada das agências reguladoras, tais como
experiência profissional e formação acadêmica compatível com o cargo a ser ocupado;
(iv) foram previstas vedações para indicação de pessoas ao Conselho Diretor ou
Diretoria Colegiada, como, por exemplo, de pessoa que tenha atuado, nos últimos 36
(trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político.

A Lei 13.848/2019 entrou em vigor 90 dias depois de sua publicação, portanto vige
desde 24/09/2019 (publicada no DOU em 26/06/2019).

É isso, pessoal! Forte abraço!

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REGULAÇÃO EM CONCURSOS PÚBLICOS

CONCURSO

TRF5 – 2015. QUESTÃO 39. Assinale a opção correta acerca do papel do Estado como
agente regulador e da competência para a atividade regulatória.

A. A regulação econômica exercida pelo Estado consiste na intervenção direta nos


setores econômicos considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional, ora por
meio de indução (incentivo e planejamento), ora por meio de direção (fiscalização e
controle).
B. Apenas duas agências reguladoras brasileiras possuem previsão constitucional
específica: a ANATEL e a ANP.
C. As empresas estatais que exercem atividade econômica em regime de monopólio
sujeitam-se às normas de regulação do setor correspondente, estando isentas, porém, da
aplicação de penalidades.
D. No Brasil, diferentemente das agências do direito norte-americano, cujos atos não se
submetem ao judicial review, as agências reguladoras estão submetidas ao controle
jurisdicional de seus atos, da mesma forma que quaisquer outros órgãos estatais.
E. Predomina no Brasil a modalidade regulatória denominada autorregulação, na qual o
agente estatal assume as funções de normatização, fiscalização e fomento dos setores
econômicos.

Gabarito: B (Confere as legendas!)

Olá, meus amigos! Tudo bem?

A alternativa B está correta, pois, de fato, na Constituição Federal há apenas duas


passagens em que há referência expressa a “órgão regulador”: no art. 21, inciso XI, que
se refere ao serviço de telecomunicações (ANATEL) e no art. 177, §2º, inciso III, que
trata do monopólio da União de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos
(ANP). Talvez, como eu, você tenha se perguntado “e a energia elétrica”? Pois é, não há
previsão constitucional expressa. O art. 21, XII, “b”, não trata de “órgão ou ente
regulador”. Questão difícil, hein?!

A alternativa A está errada ao afirmar que a regulação econômica constitui uma


“intervenção direta”. Lembrem-se da classificação de Eros Grau já vista aqui em outro
post: (a) Intervenção NO domínio econômico (ou intervenção direta): (a.1) por absorção
e (a.2) por participação / (b) Intervenção SOBRE o domínio econômico (ou intervenção
indireta): (b.1) por direção e (b.2) por indução.

A alternativa C está errada. Não apenas podem sofrer penalidades por parte da agência
reguladora do respectivo mercado, como também podem sofrer penalidades do CADE.
A Lei 12.529/2011, no seu art. 31, por exemplo, foi expressa em prever sua aplicação a
agentes econômicos “mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal”.

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A D está errada ao falar que as agências nos Estados Unidos não se submetem ao
judicial review. Submetem-se de forma parametrizada por precedentes como os das
doutrinas Chenery (1943) e Chevron (1984). Esta última forjou o princípio da
deferência técnico-administrativa, aplicada pelo STF no precedente já comentado aqui
também (RE 1083955 AgR, julgado em 28/05/2019, Relatoria Ministro Luiz Fux).
Neste caso, o STF decidiu que o mérito da decisão do CADE não poderia ser revisto.
Esse entendimento torna errada, também, a parte final da assertiva.

Por fim, a E está equivocada porque predomina no Brasil a heterorregulação, já que é


exercida por um ente estatal sobre os agentes econômicos. A autorregulação, em síntese,
pressupõe que os regulados sejam também os reguladores.

É isso, pessoal! Forte abraço! Boa semana pra gente!

#direitoeconomicodescomplicado

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ORDEM ECONÔMICA
INTERNACIONAL

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SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC

Doutrina

Sistema de solução de controvérsias da OMC – Aspectos Gerais (Post 01 de 04)

Olá, pessoal! Tudo bem?! Nesta semana teremos uma série com 04 publicações sobre o
“sistema de solução de controvérsias da OMC”, que se insere no contexto do chamado
Direito Econômico Internacional. Esta é a primeira!

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada por meio de acordo assinado
em Marrakesh, em 15 de abril de 1994 (incorporado no Brasil pelo Decreto
1.355/1994), como resultado final da chamada “Rodada Uruguai” (1986-1993), com a
finalidade de auxiliar no cumprimento do GATT (General Agreement on Tariffs and
Trade ou, em português, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), assinado em 1947 e
em vigor desde 1948. O seu objetivo é, em síntese, expandir o comércio mundial por
meio da redução de barreiras alfandegárias.

O chamado Sistema de Solução de Controvérsias (SSC) da OMC tem permitido, ao


longo dos anos, definir o alcance dos acordos que compõem o acervo normativo da
OMC, contribuindo, dessa forma, para conferir maior segurança e transparência ao
funcionamento da Organização. O órgão da OMC competente para administrar o SSC é
o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).

Somente os Membros da OMC – isto é, Estados, territórios aduaneiros autônomos e


determinadas organizações internacionais (no caso, a União Europeia) – podem
participar desse mecanismo, sendo o recurso vedado a outros atores, como empresas,
pessoas físicas e organizações não-governamentais.

O objetivo maior do sistema é reforçar a observância das normas comerciais


multilaterais e a adoção de práticas compatíveis com os acordos negociados. Esse
objetivo prevalece sobre o propósito de punir Membros pela adoção de práticas
consideradas incompatíveis com as regras da OMC. Assim, o sistema permite, a
qualquer momento, a solução do conflito por meio de acordo entre as partes em
contenda.

As informações dessa série de posts foram extraídas do site do Itamaraty


(http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-
e-financeira/15581-o-sistema-de-solucao-de-controversias-da-omc), que conta com um
link para uma obra bem interessante, intitulada “O Sistema de Solução de Controvérsias
da OMC”. Vale muito à pena!

Nas próximas três publicações, vamos tratar (i) das principais características do sistema
de controvérsias, (ii) de suas fases e seus procedimentos e (iii) de como o tema já foi
cobrado em concurso público! Boa semana pra gente!

116
Doutrina

Sistema de solução de controvérsias da OMC – Principais Características (Post 02 de


04)

O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é um mecanismo obrigatório para os


Membros da OMC, sem necessidade de acordos adicionais para firmar a jurisdição
daquela organização internacional em matéria de conflitos relativos a seus acordos, e
tem as seguintes características:

(i) abrangência: os procedimentos previstos no mecanismo aplicam-se a todas as


controvérsias apresentadas com base nos chamados “acordos abrangidos” da OMC, isto
é: a) Acordo de Marraqueche; b) acordos multilaterais que cobrem o comércio de bens,
o comércio de serviços e os aspectos dos direitos de propriedade intelectual
relacionados ao comércio (Anexo 1 do Acordo de Marraqueche); c) o próprio
Entendimento sobre Solução de Controvérsias (Anexo 2 do Acordo de Marraqueche); e
d) acordos plurilaterais (Anexo 4 do Acordo de Marraqueche), em controvérsias nas
quais tanto o Membro demandante quanto o demandado sejam signatários do respectivo
acordo plurilateral;

(ii) automaticidade: foi estabelecida uma jurisdição “quase obrigatória”, com base na
regra do consenso negativo, a qual estabelece que somente não será estabelecido painel
se todos os Membros votarem contra o estabelecimento, inclusive o demandante. Do
mesmo modo, só não será adotado um relatório se todos votarem contra sua adoção,
inclusive o Membro vencedor na disputa.

(iii) duplo grau de jurisdição: criação de um órgão revisor permanente dos relatórios dos
painéis, denominado Órgão de Apelação (“OA”), que representa a existência de um
duplo grau de jurisdição no âmbito do SSC da OMC;

(iv) exequibilidade: existência de meios específicos para estimular o cumprimento das


recomendações dos relatórios adotados pelo OSC. Destaca-se, nesse contexto, a
“retaliação”, por meio da qual o Membro vencedor é autorizado a “suspender
concessões ou outras obrigações” em relação ao Membro vencido, bem como a
possibilidade de oferecimento de compensações pelo Membro perdedor até a
implementação total do que foi estipulado no relatório adotado.

Nas próximas duas publicações, vamos tratar (i) de suas fases e seus procedimentos e
(ii) de como o tema já foi cobrado em concurso público! Até a próxima!

117
Doutrina

Sistema de solução de controvérsias da OMC – Fases e Procedimentos (Post 03 de 04)

Os contenciosos da OMC desenrolam-se em quatro fases principais: (i) consultas; (ii)


painel; (iii) apelação; e (iv) implementação.

(i) Consultas: fase inicial do contencioso, momento em que a parte demandante solicita
à parte demandada informações sobre sua legislação e suas práticas comerciais, e requer
modificações das medidas questionadas, conforme os acordos da OMC. A parte
demandada tem o prazo de 10 dias para responder à parte demandante, e as consultas
devem ser realizadas em 30 dias. Se as consultas não solucionarem a disputa em 60 dias
do recebimento do pedido, a parte demandante pode requerer o estabelecimento de
painel.

(ii) Painel: os painéis são constituídos por três membros, que deverão ser escolhidos de
comum acordo pelas partes. As partes apresentam ao painel petições escritas e
participam de audiências, oportunidade em que podem apresentar e defender oralmente
seus argumentos. Ao final de seus trabalhos, o painel emite um relatório sobre a
compatibilidade das medidas questionadas em relação aos acordos da OMC. Em teoria,
o prazo para a apresentação deste relatório é de até 6 meses, prorrogáveis por mais três.
Na prática, a fase de painel tem durado cerca de 12 meses ou mais, para casos de maior
complexidade.

(iii) Apelação: eventuais apelações dos relatórios dos painéis deverão ser apresentadas
ao Órgão de Apelação (AO), órgão permanente que tem a função de revisão de aspectos
jurídicos dos relatórios emitidos pelos painéis. O OA é composto por 7 membros
permanentes, com mandato de 4 anos, renovável uma vez. Apenas 3 desses 7 membros
participam de cada controvérsia. O relatório do Órgão de Apelação deverá ser adotado
pelo OSC e incondicionalmente obedecido pelas partes, a não ser que o OSC decida,
por consenso, pela não adoção desse relatório.

(iv) Implementação: se o relatório do painel ou do Órgão de Apelação adotado pelo


OSC concluir pela incompatibilidade das medidas de um Membro com as regras da
OMC, a parte demandada deve modificar aquela medida, a fim de recompor o equilíbrio
entre direitos e obrigações no âmbito do sistema multilateral de comércio. O Membro
vencido deverá informar a maneira como implementará as recomendações e indicará, se
necessário, um período razoável de tempo para fazê-lo.

Na próxima publicação vamos ver como o tema foi cobrado em concurso público! Até a
próxima!

118
SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC EM CONCURSOS
PÚBLICOS

Concurso

TRF5 – 2017. 37. Considere que haja controvérsia entre determinado país que se
posicionou contrário à política de outro Estado de concessão de subsídios à exportação
de produtos automobilísticos. A respeito desse caso, assinale a opção correta
considerando as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) bem como as
fases do processo decisório desse organismo.

A) Ao Órgão Especial da OMC compete a fase de conciliação, na qual se decidem


questões de fato e de direito.

B) Em caso de apelação, o plenário da OMC deve decidir, nessa fase, sobre as questões
fáticas trazidas à revisão, em audiência.

C) Mesmo que o país interessado leve o caso a outro foro internacional, a jurisdição
compulsória recairá sobre a OMC, se as partes envolvidas forem membros da
organização.

D) O país descontente poderá postular diretamente em face das empresas


automobilísticas envolvidas, desde que sejam empresas multinacionais.

E) Recebida a petição acerca da controvérsia, a OMC deverá organizar um painel com


sete membros, escolhidos entre uma lista de trinta especialistas, a fim de decidir a
questão.

Gabarito: C (Vejam os comentários abaixo).

A alternativa “A” está errada ao falar que na fase de conciliação se decidem as questões
de fato e de direito. A chamada fase de “Consultas” é a inicial do contencioso, momento
em que a parte demandante solicita à parte demandada informações sobre sua legislação
e suas práticas comerciais, bem como requer modificações das medidas questionadas,
conforme os acordos da OMC. Se não for resolvido o problema nesta fase, a parte
demandante pode solicitar que seja constituído um órgão especial, chamado de Painel,
para solucionar a querela.

A alternativa “B” está errada porque a apelação não vai para o “Plenário da OMC”, mas
para o Órgão de Apelação (AO), órgão permanente que tem a função de revisão de
aspectos jurídicos dos relatórios emitidos pelos painéis. O OA é composto por 7
membros permanentes, com mandato de 4 anos, renovável uma vez. Apenas 3 desses 7
membros participam de cada controvérsia.

A alternativa “D” está errada porque somente os Membros da OMC – isto é, Estados,
territórios aduaneiros autônomos e determinadas organizações internacionais (no caso, a

119
União Europeia) – podem participar desse mecanismo, sendo o recurso vedado a outros
atores, como empresas, pessoas físicas e organizações não-governamentais.

A alternativa “E” está errada, pois, como visto, os painéis são constituídos por três
membros, que deverão ser escolhidos de comum acordo pelas partes.

A alternativa “C” trata da obrigatoriedade do Sistema de Solução de Controvérsias entre


os membros da OMC. Para ser perfeita mesmo a afirmação, poderia ser complementada
com a informação de que apenas não seria estabelecido o painel se todos os Membros
votarem contra, inclusive o demandante. Mas a falta dessa informação, a meu ver, não
faz a assertiva ficar equivocada.

Resposta, portanto, é a letra “C”.

É isso, pessoal! Bom final de semana pra gente!

120
DUMPING E PREÇO PREDATÓRIO SÃO COISAS DISTINTAS!

Doutrina

Legenda

Olá, meus amigos! Tudo bem?! Por incrível que pareça, quando eu estava no último ano
do ensino médio, estudei, nas aulas de Geografia, Direito da Concorrência. O livro
trazia, como exemplo de uma das práticas investigadas pelo CADE, o Dumping.

Trabalhei no CADE por 06 anos, estudo sua jurisprudência (e de outras autoridades de


defesa da concorrência pelo mundo) há tantos outros, e ainda não achei casos relativos a
práticas de dumping.

Recentemente, olhando editais de provas da Magistratura Federal, percebi que um deles,


dentro do Direito da Concorrência, como atribuição do CADE, listava o Dumping.
Então descobri que o problema não era apenas daquele livro de geografia do ensino
médio, mas algo um pouco mais complexo. Tenho a ligeira impressão de que dois
problemas distintos estão sendo confundidos. O post de hoje é sobre isto:

Dumping (comércio internacional) e preço predatório (direito da concorrência) são


coisas distintas!

Gostou?! Curta, compartilhe ou comente!

Vamo que vamo!

O dumping não é a única prática desleal de comércio internacional, mas talvez seja a
mais conhecida. Certamente é a mais confundida. É comum associarem a prática de
dumping ao preço predatório, infração de defesa da concorrência. Há até editais de
concursos públicos que inserem no contexto da Defesa da Concorrência, portanto do
CADE, o dumping.

De início, portanto, deve-se destacar o seguinte: dumping não é sinônimo de preço


predatório. Enquanto o dumping é uma prática desleal de comércio internacional, o
preço predatório é uma prática ilícita concorrencial. Compete ao CADE, no caso do
Brasil, investigar e, se for o caso, punir a prática de preço predatório, a qual está descrita
no art. 36, §3º, inciso XV, da Lei 12.529/2011, da seguinte maneira: “vender
mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo”. Não é da
competência do CADE punir práticas de dumping. E, registre-se, a confusão entre esses
ilícitos causa prejuízo na compreensão do próprio dumping.

Contrariamente do que se possa imaginar, o dumping não está diretamente relacionado à


venda de um produto abaixo do preço de custo. O artigo VI do GATT assim define este
ilícito: “produtos de um país são introduzidos no comércio de outro país por menos do

121
que o valor normal dos produtos, deve ser condenado se causar ou ameaçar dano
material a uma indústria estabelecida no território de um contratante ou atrasa
materialmente o estabelecimento de uma indústria nacional”. O critério, portanto, é o
do “valor normal do produto”.
E considera-se valor normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas
operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno do país exportador (art.
8º do Decreto 8.058/2013). Em síntese, se um país exportador vende um produto no
mercado externo por preço menor do que ele oferta no mercado interno, isso pode
caracterizar dumping. O dumping até pode ser praticado com o produto sendo vendido
abaixo do seu preço de custo, mas não é esse exatamente o critério analisado (e sim o de
preço normal, praticado no mercado interno do exportador) para configuração desse
ilícito.

Os órgãos envolvidos nos procedimentos pra investigar práticas de dumping e aplicar


medidas antidumping sofreram reformulação em 2019 com a criação do Ministério da
Economia (que absorveu os Ministérios da Fazenda; Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão; Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços - MDIC; e
Ministério do Trabalho). Hoje, acredito que os órgãos principais são: (i) a Câmara de
Comércio Exterior (CAMEX), cuja composição está disciplinada no Decreto nº
10.044/2019, tendo como órgão principal o “Conselho de Estratégia Comercial”,
composto pelo Presidente da República, que o presidirá, Ministro de Estado Chefe da
Casa Civil da Presidência da República, Ministro de Estado da Defesa, Ministro de
Estado das Relações Exteriores, Ministro de Estado da Economia e Ministro de Estado
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (ii) a Secretaria de Comércio Exterior –
SECEX (responsável pela formulação da política de comércio exterior); e o (iii)
Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público – SDCOM, antigo DECOM
(responsável pela execução da política de comércio exterior). O SDCOM está dentro da
SECEX que, por sua vez, está dentro da Secretaria Especial de Comércio Exterior e
Assuntos Internacionais – SECINT, que faz às vezes do antigo MDIC, todos dentro do
Ministério da Economia.

Portanto, dumping é uma prática desleal de comércio internacional, enquanto preço


predatório é um ilícito concorrencial. A confusão entre seus conceitos muito mais
atrapalha do que ajuda. Esse é um erro tão comum, que eu até já estou considerando a
hipótese de o meu livro de geografia estar correto... rs E ai, me ajude nesta “lenda” do
Direito da Concorrência. Você já viu alguma vez o CADE julgar caso de dumping?

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