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Amante Eterno.
Título original: "Reach the Splendor".
Copyright: © by Judith Duncan.
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Roberta mergulhou na banheira e se espreguiçou, deixando que
a água morna a envolvesse por completo. Fechou os olhos e, à
lembrança do jantar da noite anterior, sorriu feliz.
No intuito de resolver o problema de Bernie, fora ao hospital na
segunda-feira à tarde e persuadira Lisa Gordon a tomar café com ela. A
moça estava muito pálida e mantivera uma atitude fria e distante.
Ouvira educadamente o que Roberta tinha a lhe dizer, mas não fizera
comentário algum. Aparentemente, não acreditava na sinceridade do
pobre Bernie.
Para esclarecer a confusão, Roberta convidara-a para jantar em
sua casa, sem lhe dizer, no entanto, que também pretendia chamar
Bernie. Depois de muito refletir, telefonou a Paul e lhe fez idêntico
convite, afirmando que entenderia, caso ele não aceitasse.
Afinal, percebia que, expondo a situação de ambos a outra
pessoa além de Bernie, estaria correndo um risco muito grande. Se
soubessem que ela e Paul andavam se encontrando, a notícia logo se
espalharia pelos corredores do hospital e Paul não era tão tolerante
quanto ela àquele tipo de coisa.
Mas ficara provado que sua ansiedade não tinha razão de ser.
Depois de passar meia hora com Lisa, concluíra que a jovem era uma
pessoa muito séria, que jamais se prestaria a qualquer fofoca.
Quando Paul e Bernie chegaram, a enfermeira foi colhida de
surpresa, tanto pela presença do médico com quem brigara, quanto
pela imponente figura do chefe da Cirurgia.
Bernie estava em forma naquele dia e logo dominou a conversa,
fazendo-os rir até as lágrimas. A noite foi um sucesso.
Com um sorriso nos lábios, Roberta começou a ensaboar-se,
cheia de lembranças. Seu mundo parecia tomar outra dimensão. Agora
que Paul tornava-se parte integrante dela, cada acontecimento era visto
sob uma perspectiva nova, excitante e promissora.
Suspirando de alegria, pensou em qual vestido usaria naquela
noite. Paul iria sair mais cedo do consultório e tinham planejado jantar
em Banff.
O ruído insistente do telefone interrompeu suas divagações. Com
um gesto de impaciência, enrolou-se na tolha e saiu do banheiro.
— Alô?
— Temos de mudar nossos planos — disse Paul, parecendo
muito zangado. — Meus pais apareceram inesperadamente e preciso
acertar alguns negócios com eles. De nada adiantou eu dizer que ia sair
com você... Eles insistiram em nos acompanhar!
— Ótimo.
— Não é nada ótimo! Vou buscá-la às oito.
— Paul, há algo errado?
— Claro que sim. Mas você não iria entender... Preciso desligar.
Tenho um paciente à espera.
Murmurando um até-logo, Roberta recolocou o fone no gancho e
ficou um longo tempo sem saber o que fazer. Desconhecia o motivo da
fúria de Paul, mas tinha a inquietante impressão de que ele estava
aborrecido com ela.
Por mais que tentasse, não conseguiu afastar da mente essa
sensação. Procurou entreter-se com uma coisa ou outra, mas mesmo
assim a incerteza continuou a atormentá-la.
Por volta das sete, a campainha da porta tocou. Era Paul, muito
elegante no terno escuro de talhe impecável. Bastou apenas um olhar,
entretanto, para Roberta perceber que estava tão abatido quanto ela.
— Posso entrar?
— Claro que sim!
Depois que ele entrou, fez-se um longo silêncio na sala, até que
Paul aproximou-se e a tomou pela cintura. Logo segurou-lhe o queixo e
examinou seu rosto atentamente.
— Sinto muito, Roberta — disse, com voz sincera. — Eu me
comportei como um idiota ao telefone.
— Não tem importância...
— Tem, sim! — soltou um suspiro exasperado e a envolveu num
grande abraço. — Fui rude com você sem motivo!
— Não acredito que tenha ficado aborrecido comigo
gratuitamente.
— Meu mau humor não tem nada a ver com você.
— Não quer me contar o que houve?
Ele balançou a cabeça em sinal de negativa e perguntou a
seguir:
— Tem certeza de que ainda quer jantar comigo, apesar do modo
como a tratei pelo telefone?
— Claro Paul.
— Bem, devo preveni-la de que não será uma noite agradável.
Acho que estou sendo egoísta levando-a comigo.
Percebendo que ele não iria contar o problema que o
preocupava, ela preferiu deixar de lado o assunto. — Com você, as
noites sempre serão agradáveis.
— Ah, Roberta... Você é tão compreensiva.
Paul só se mostrou um pouco mais animado quando alguns
minutos depois a viu vestida num lindo conjunto de seda branca.
Porém, durante o percurso até o hotel, seu semblante voltou a carregar-
se tanto que ela desejou tocá-lo, na tentativa de fazer desaparecer as
linhas de preocupação que lhe vincavam a testa.
Ao descerem do carro, ele a segurou pelo braço, ainda sem nada
dizer. À medida que se aproximavam do saguão do hotel, apertou-a com
mais força. Era óbvio que a noitada seria uma provação para ele...
Roberta não demorou a descobrir o porquê disso. Sentados à
mesa do bar, os Wilcox os esperavam. A Sra. Wilcox devia estar na casa
dos cinqüenta anos e era uma mulher extremamente bonita e elegante,
embora uma expressão de infelicidade lhe marcasse as feições
delicadas. O pai de Paul, um pouco mais velho do que a esposa, não era
exatamente bonito, mas possuía a mesma virilidade característica do
filho.
Feitas as apresentações, os recém-chegados sentaram-se e
quase no mesmo instante o absurdo comportamento do casal revelou a
Roberta o motivo da cólera de Paul. Era evidente que seus pais se
detestavam e nada faziam para esconder isso.
Não levaram em consideração que havia uma estranha entre
eles, nem que colocavam Paul numa posição delicada. Com uma
insensibilidade que a chocou, humilhavam-se um ao outro a cada
minuto, ao mesmo tempo em que faziam esforços infantis para disputar
a preferência do filho.
Paul tomou dois uísques duplos em menos de meia hora e
fumou um cigarro depois do outro. Roberta esperava que o clima tenso
cedesse ao entrarem na sala de jantar, mas nada disso ocorreu. Pelo
contrário, foi ainda pior.
Diante da expressão a cada instante mais sombria de Paul, teve
vontade de esganar o casal que não parava de se agredir. Nervosa, tirou
um cigarro do maço dele, ignorando-lhe o ar de censura. Por uma
fração de segundo, pensou que Paul fosse retirá-lo de seus dedos, mas,
parecendo refletir, ele esboçou um sorriso irresistível, antes de acendê-
lo. O brilho de seus olhos intensificou-se ao observar o ar de alegria
estampado no rosto dela quando deu a primeira tragada.
— Espero que fique doente!
— O mesmo desejo a você — murmurou ela, piscando o olho.
Esse foi o único momento de descontração que tiveram. No
instante seguinte, a Sra. Wilcox fez um aparte sarcástico e de novo
recomeçou a troca de insultos entre o casal, que parecia unicamente
empenhado em se destruir.
Mais tarde, quando entraram no carro para voltar ao
apartamento, Paul suspirou, repousando a cabeça no encosto do
assento. Ficou assim um longo momento, depois engrenou a marcha e
pôs o carro em movimento.
Roberta sentiu uma pontada de compaixão. Daria a vida para
afastar a mágoa que o corroia, provocada pelo sofrimento que seus pais
lhe infligiam.
Na chegada ao apartamento, ele a acompanhou até a porta e
beijou-lhe a mão.
— Agora você já sabe de tudo — disse, num tom cheio de
desgosto.
— Foi sempre assim?
— Sempre. Pelo menos desde que eu me lembre.
— Por que não se divorciaram? Paul riu com sarcasmo.
— Para deixarem ao único filho um lar desfeito?
— Teria sido melhor.
— Concordo. Mas parece que preferem torturar-se a se
concederem à liberdade.
— É uma maneira destrutiva de conservar um casamento.
— A situação toda é uma loucura. Foi por isso que saí de
Toronto. Se tivessem me oferecido um emprego no Alasca, eu teria ido
de bom grado só para ficar distante deles.
— Não quer entrar e tomar um drinque?
— Obrigado, mas não vou aceitar.
— Por quê?
— Não acho prudente.
Passou o braço por sua cintura e, apertando-a contra si, tomou-
lhe a boca num beijo quente e úmido. Com o coração quase parando de
bater, ela se abandonou nos braços dele e, sentindo o desejo florescer
de modo exigente, moldou o corpo ao seu, enquanto emoções primitivas
desencadeavam-lhe uma sensualidade que não imaginava possuir.
Segurando-a pelos quadris, Paul iniciou um movimento lento e
ritmado que a fazia enlouquecer. O desejo, crescente e imperioso,
chegou ao auge, fluindo por suas veias como fogo líquido.
Bruscamente, com o semblante alterado pela mesma paixão que
a consumia, ele se afastou.
— Roberta... não posso entrar hoje... Você está tão quente e
convidativa que eu não seria capaz de resistir.
Ela quase soluçou os olhos cheios de lágrimas.
— Eu o amo, Paul. Eu o amo muito.
— Minha querida... Pensei que eu ia passar uma das piores
noites de minha vida e, no entanto, você me oferece um momento
precioso, inesquecível.
— Paul...
— Não há palavras para descrever o que você me faz sentir. Você
me completa, me faz sentir inteiro. Não pensei que isso pudesse
acontecer comigo. Quero você, mas acima de tudo, quero protegê-la. —
Sua voz transformou-se num sussurro ao completar: — Por isso não
vou entrar. Não essa noite.
— Por favor, Paul...
— Ouça minha querida. A necessidade que sinto de você vai
além do desejo físico. Não quero estragar a perfeição deste momento
com um ato impensado. Você é tão especial...
Sua boca sensual moveu-se sobre a dela, num beijo que falava
de amor, de ternura, da realização de um desejo profundamente
ansiado.
— Entre, amor. Quero vê-la a salvo, antes de fechar a porta.
— Não vai me dar um beijo de boa-noite?
— Você está tornando as coisas difíceis para mim. — Voltou a
beijá-la longamente na boca, aprofundando-se na exploração
apaixonada com a língua, pondo à prova o pouco de resistência que
ainda lhes restava.
De repente, erguendo-a nos braços, ele entrou no apartamento e
bateu a porta atrás de si. A sala estava iluminada apenas pela luz que
vinha da rua. Sem dizer palavra, carregou-a para o sofá. Tirou o paletó
e deitou-se ao lado dela, beijando-a de maneira delirante e apaixonada.
— Eu não queria que as coisas terminassem dessa maneira —
sussurrou Roberta, logo depois.
— Não quero pressioná-la, querida.
— Não está me pressionando...
— Não sou um adolescente de sangue quente, que não sabe
medir as conseqüências do que faz. Não quero magoá-la.
— Você pode não ser um adolescente, mas discordo que não
tenha sangue quente.
— Acho que não me expressei bem — disse ele com um toque de
humor na voz. — Mas, se fizermos amor, quero que seja por uma
decisão consciente sua, não por um ato ditado pela paixão do momento.
Quero ter certeza de que é isso mesmo que quer. E, se tiver de
acontecer, gostaria que houvesse um significado profundo, um
compromisso real tanto para mim, quanto para você.
Essas palavras calaram fundo na mente de Roberta. Pela
primeira vez percebeu que não gostaria de ser responsável por aquela
decisão. Ansiava que aquilo acontecesse com naturalidade, embora
temesse que Paul encarasse sua reserva como falta de amor.
No entanto, os cuidados dele a emocionaram. Sentiu um assomo
de felicidade tão embriagador quanto o champanhe. E esse sentimento
perdurou até bem depois que Paul saiu.
Na manhã seguinte, ao acordar, Roberta relembrou a triste cena
do jantar no hotel. A atitude dos pais de Paul explicava muitas coisas
que a tinham intrigado. Ficava fácil saber por que ele era tão
fundamentalmente contra o casamento. E essa descoberta não a
agradava nem um pouco.
Muito sensível Paul fora obrigado a viver num meio onde os
únicos sentimentos que contavam eram a autopiedade e um ódio
terrível. Portanto, não era de admirar que encarasse o casamento com
tanta desconfiança.
Ela, pelo contrário, não se diferenciava da maioria das mulheres.
Queria o mesmo que todas: amor, um lar, família, segurança,
casamento. Fora criada num ambiente de união e carinho, de amor e
harmonia. E ansiava por esse tipo de vida no futuro.
A fantasia da adolescente sonhadora que almejava entrar na
igreja vestindo um lindo traje de cetim e renda já não tinha grande
importância. Mas o sonho do casamento, mesmo com seus altos e
baixos, permanecia igual. Neste sonho só havia lugar para uma pessoa:
Paul Wilcox.
Com um suspiro fundo, rolou na cama e consultou o relógio de
cabeceira. Eram apenas seis horas. Sabendo que não voltaria a dormir,
enquanto a mente continuasse a remoer pensamentos tão
perturbadores, ela se levantou.
Estava saindo do chuveiro, quando o telefone tocou.
— Alô?
— Bom dia, Roberta.
A voz profunda e insinuante de Paul provocou-lhe uma onda de
calor que se espalhou pelo corpo inteiro.
— Bom dia.
— Gostaria de tomar o café da manhã comigo?
— Depende do que pretende me oferecer. — Ele deu uma
risadinha.
— Algo melhor do que bacon e ovos.
— Ótimo!
— Passarei para apanhá-la dentro de cinco minutos.
— Tenha dó, Paul! Vai me encontrar de toalha de banho
enrolada no corpo.
— Quinze minutos, então. Se bem que toalhas de banho são
muito excitantes...
Mais tarde, quando o Jaguar estacionou diante da casa de
tijolinhos vermelhos, Roberta já estava sentada nos degraus da
varanda. Paul olhou-a com um alegre sorriso estampado no rosto.
— Você está sensacional! — exclamou, admirando o conjunto de
linho que ela vestia. — Mas confesso que teria preferido à toalha de
banho.
— Onde acha que podemos tomar um bom café da manhã a
estas horas? É muito cedo! — disse ela, acomodando-se no assento do
carro.
Paul inclinou-se em sua direção e beijou-lhe os lábios.
— Espere e verá!
Roberta ficou imóvel, hipnotizada por seus provocantes olhos
negros.
— No que está pensando? — perguntou ele.
— Sabe que você tem olhos maravilhosos? Voltando a beijá-la,
Paul declarou:
— E você sabe que seus lábios têm um gosto delicioso? É difícil
resistir a eles.
Ela sorriu maliciosamente.
— O leiteiro está nos olhando.
— Verdade?
— Veja você mesmo!
— Será que ele não tem coisa melhor para fazer?
— Acho que não.
— Você está vivendo perigosamente, Roberta Mitchell!
— Dize-me com quem andas...
— Vamos sair daqui?
— Não vai dar adeusinho ao leiteiro?
Paul engrenou a marcha e pôs o pé no acelerador. Ao fazer a
curva, acenou alegremente para o leiteiro, depois de lançar a Roberta
um olhar triunfante.
Ainda sorrindo, ela fez menção de apanhar o maço de cigarros
que estava sobre o painel, mas Paul interceptou-lhe a mão.
— Ah, não! Hoje não vou contribuir para seu vício.
— Está parecendo meu pai!
— Minhas intenções não são nada paternais. Aproveitando um
instante em que ele estava com a atenção voltada para o trânsito, ela
não resistiu à tentação: acendeu dois cigarros, passando um a Paul.
— Vai se arrepender — ele a advertiu.
— Provavelmente...
— Você podia pelo menos ter a bondade de mostrar-se
arrependida!
— Vou me arrepender amanhã.
Depois de um breve silêncio, Paul observou:
— Nesta semana você vai pegar o plantão da noite, não vai?
— Certo.
— Teremos pouco tempo à nossa disposição. Gostaria de ficar
com você até a hora em que fosse para o hospital.
— Por que não passa lá por casa, quando terminar seu
expediente? Poderia preparar meu jantar...
— Você aceitaria? — perguntou ele, interessado.
— Mas é claro!
— E quando iria dormir?
— Normalmente, vou direto para a cama quando termino o
plantão. Posso dormir até a tarde. Tempo suficiente para um bom sono.
— Nesse caso, acaba de conseguir um cozinheiro, Dra. Mitchell!
— Sempre sonhei em ter um mestre-cuca! Você também lava a
louça?
— Não abuse da sorte! Está exigindo demais.
— Não custa nada tentar...
— E você? Não quer passar seu dia de folga me ajudando? Tenho
três operações a fazer.
— De jeito nenhum. Vou passar minha folga na oficina
mecânica.
— Que história é essa?
— Tenho de levar meu carro para o conserto. Vai ser uma briga
na hora do orçamento. Só espero poder saldar a conta com uma de
suas operações!
— Você conviveu tempo demais com Bernie Radcliffe, Roberta.
Seu senso de humor é muito desenvolvido!
Roberta sempre tivera dificuldades em se preparar para o
plantão noturno e aquele dia não foi diferente. Revirou-se na cama,
tentando abstrair-se dos problemas, mas seus pensamentos convergiam
sempre para Paul.
Completavam-se com perfeição, sem dúvida. No entanto, tinha
certeza de que nada do que pudesse fazer ou dizer mudaria o ponto de
vista dele. Mas... como gostaria de experimentar o calor e a segurança
de uma união estável, antes de acreditar que pudesse existir o reverso
da medalha!
Sentia-se dividida. Não podia ignorar as emoções que ele lhe
provocava. Por outro lado, jamais conseguiria esquecer os valores
morais em que fora educada. Uma voz interior lhe dizia que, não
importava o que acontecesse, sairia machucada da experiência, porque,
com Paul, era tudo ou nada.
Passadas duas horas, ainda estava se revirando na cama. Por
fim, teve a certeza de que, se fosse obrigada a fazer uma escolha, esta
recairia em Paul, pois o amava e o simples reconhecimento disso a
enchia de felicidade.
Era noitinha quando tomou um chuveiro rápido e começou a
preparar o jantar. Paul chegou logo em seguida, elegante na camisa
esporte que lhe acentuava o físico robusto.
Deu-lhe um abraço apertado e beijou-a com carinho. Então
aspirou o aroma que vinha da cozinha e sorriu.
— Que é isso? Não tínhamos combinado que eu faria o jantar?
Ou não confia nas minhas habilidades culinárias?
— Confiar, eu confio. Mas fiquei com pena!
— Vai acabar me acostumando mal com tantos mimos. Rodeou-
a com os braços e ela fechou os olhos, enquanto Paul lhe acariciava o
rosto. Não podia negar que estava se tornando cada vez mais
dependente de seus carinhos. Sufocando a emoção que a dominava,
voltou à realidade.
— As bistecas vão queimar!
Pouco depois, sentada à mesa ao lado do homem que amava, se
sentia como se o sonho de sua vida tivesse se tornado realidade.
Enquanto comiam, Paul contou-lhe que Davy Martin já iniciara as
sessões de fisioterapia.
— Ele vai indo bem? — ela perguntou interessada.
— É difícil dizer. O garoto tem muita força de vontade e isso
ajuda bastante. Pergunta sempre por você.
— Vou vê-lo amanhã de manhã.
— Davy vai gostar. Tem um fraco por você.
— Ele é um amor.
De repente, Paul encarou-a, sorridente.
— Está interessada em saber qual foi o veredicto do mecânico
sobre o seu carro?
— Não diga que você passou pela oficina!
— Passei. E ouvi uma história horrorosa.
— Aquele sujeito tem uma língua muito comprida!
— Nem tanto. Na verdade, seu carro não está em condições de
rodar numa estrada... Sendo assim, vendi-o no ferro-velho.
— Você... o quê? Não acredito no que estou ouvindo.
— Pois é, vendi seu carro pelo peso. Neste momento aquele
calhambeque deve estar reduzido a um monte de metal amassado.
— Você não podia ter feito isso! Vou agora mesmo à oficina e...
— Sabendo que reagiria dessa forma, falsifiquei uma nota de
venda. O mecânico, pensa que você vendeu o carro a mim. O que
pretende fazer agora, Dra. Mitchell? — perguntou, com um sorriso
divertido.
Logo, porém, percebendo seu ar desconcertado, assumiu uma
expressão séria e esboçou uma explicação.
— Roberta, os freios estavam em péssimo estado, à direção com
folga e o motor queimando óleo. Não valia a pena consertá-lo.
— Mas eu preciso de um carro...
— Sei disso.
— Não posso comprar outro.
— Calculei isso também. — Inclinou-se para frente, colocando a
mão sobre a dela. — Eu gostaria de lhe emprestar o Jaguar, mas todos
no hospital sabem que é meu. Em compensação, desconhecem que o
Bronco me pertence. Você pode usá-lo.
— Não vou fazer isso, Paul. Não é certo.
— Por acaso vai querer andar a pé ou de ônibus à noite? É muito
arriscado. E eu ficaria preocupado.
— Mas não posso usar seu carro.
— O que prefere? Que a leve de casa ao hospital e vice-versa?
Não quero vê-la sozinha na rua altas horas da noite!
Se outra pessoa ousasse lhe dizer o que fazer, ela teria
explodido. Mas, embora aborrecida, a preocupação que Paul
demonstrava emocionou-a, desarmando-a. Fitou-o, sem saber o que
responder.
As feições de Paul suavizaram-se no mesmo instante. Ele se
levantou e tomou-a nos braços.
— Não quero que nada de mal lhe aconteça, Roberta. Por favor,
faça como eu disse.
Ela apoiou o rosto no peito dele.
— Você não é responsável por mim.
— Sou sim. Quero cuidar de você. As coisas estão acontecendo
rápido demais e é preciso se acostumar com elas. — Acariciou-lhe o
rosto e continuou: — Não desejo pressioná-la. Você tem todo o tempo de
que necessita. Mas lembre que, quando estiver pronta, eu a estarei
esperando.
— Paul...
— Enquanto isso deixe que eu faça algo por você, amor. Não
ficaria sossegado, vendo-a ao volante de um carro que não está em
condições.
Ela esboçou um sorriso.
— Você sempre consegue o que quer?
— Quase sempre. E então?
— Tudo bem... Vou usar seu carro.
— Ótimo! — ele exclamou com tanta satisfação, que Roberta não
pôde deixar de rir.
— Você está me acostumando mal...
— É justamente o que eu quero. Vou lavar os pratos e depois
iremos dar um passeio.
Resolveram dar um passeio pelo Parque do Riacho do Pescador.
O parque, que limitava o lado sudeste da cidade, englobava centenas de
acres de terra. Era magnificamente bem situado, especialmente o lado
oeste, que terminava na reserva dos índios sarcee.
Bosques de pinheiros e choupos, entremeados de carvalhos de
ramos nodosos, cobriam o vale pitoresco. De mãos dadas, eles
caminharam ao longo do borbulhante riacho de águas claras que corria
por entre as árvores copadas. Os raios do sol refletiam-se no contínuo
enovelar-se de água provocado pela brisa que trazia um odor fresco de
resina de pinho.
Bandos de pássaros fugiam em revoada, enquanto eles
atravessavam um bosque de bétulas novas que vergavam seus ramos
flexíveis e delicados até o chão. Transpuseram uma pequena ponte de
madeira e atingiram a outra margem do rio.
Ali o vale ampliava-se, transformando-se num prado verdejante,
cheio de chorões e roseiras selvagens. Castores nadavam nos açudes
formados pelo riacho que se alargava de quando em quando.
Mais adiante, dois meninos pescavam, sentados à margem das
águas cristalinas. Roberta lançou um olhar risonho a Paul.
— Não sente cócegas na mão?
— Será que eles me emprestariam a vara?
Nesse instante, um dos meninos começou a gritar. Em seguida,
mostrou a bota presa à terra lodosa da margem.
— É melhor que eu vá auxiliá-lo, antes que ele se atole mais na
lama — comentou Paul.
— Faça isso, meu Cavalheiro da Távola Redonda.
A brisa morna acariciava-lhe o rosto, enquanto Roberta o
observava seguir a margem do rio, erguer o garoto e levá-lo para terra
firme. Quase perdendo o equilíbrio, ele retirou as botas da lama e
ajudou o menino a calçá-las. Então, pegou a vara de pesca, afastando-
se à procura de um bom lugar para arremessar a linha.
Os dois meninos o seguiram, e seu modo fácil e natural de tratá-
los revelou uma nova faceta de sua personalidade que
Roberta ainda desconhecia. Ela quase riu quando, com um
arremesso hábil, a linha mergulhou na água. "Esse incrível charme
funciona com todo o mundo", pensou.
Depois de alguns momentos, Paul deixou os garotos pescando e
aproximou-se dela com um sorriso nos lábios.
— Agora que você já deu um jeito em tudo, como está se
sentindo? — perguntou ela, sorridente.
— Muito bem! Vamos andando, amor?
— Não se atreva a me dizer que quer me levar para casa! Ele riu.
— É tarde. Você precisa descansar um pouco, antes de pegar o
plantão da meia-noite.
Enquanto seguiam uma pequena trilha em campo aberto, Paul
disse:
— Fui convidado para um churrasco no domingo. Gostaria que
você fosse comigo, mas será que esse plantão noturno vai permitir?
— Darei um jeito de voltar mais cedo para casa. Terei tempo de
dormir algumas horas. — Depois acrescentou, com malícia: — Conheço
você, Paul! Quer me levar ao churrasco para não ter de fazer o jantar.
— Hum, você me deu uma boa idéia! Com a desculpa de seu
plantão, poderemos chegar mais tarde à reunião e sairmos logo em
seguida.
— Parece que não está com muita vontade de ir.
— Não estou mesmo. Sei que vai ser aborrecido, mas sou
obrigado a comparecer. Keith e eu fomos colegas de faculdade por um
certo período. Depois ele tomou um rumo diferente do meu. Mas éramos
bons amigos. Ele e a família mudaram-se para cá faz alguns meses.
Amanhã será a inauguração da nova casa deles.
Ela o olhou intrigada.
— Se são tão amigos, por que não está com vontade de ir a casa
dele?
— Keith e a mulher não se dão bem.
— Que pena...
Paul aconchegou-a mais.
— Quero que saiba que a amo, Roberta.
Aquelas palavras foram ditas com tamanha ternura, que os
olhos dela encheram-se de lágrimas.
— Eu sei.
O ruído monótono do limpador de pára-brisas era o único som
que rompia o estranho silêncio que pesava no ar.
Roberta recostou-se no banco dianteiro do Jaguar e fechou os
olhos. A reunião na casa dos Dennison tinha sido uma provação do
começo ao fim.
Acontecera num daqueles dias em que nada dava certo. Para
começar, Paul atrasou-se. Fora chamado para uma cirurgia de
emergência e, devido à inexperiência de um dos internos, a operação
não transcorrera satisfatoriamente. Em conseqüência disso, ele estava
de mau humor quando chegou para apanhá-la e parecia que
continuaria assim pelo resto da vida.
Para tornar as coisas piores, a casa dos Dennison ficava numa
zona residencial exclusiva, localizada numa área isolada, distante
quarenta quilômetros da cidade. Absorto durante o percurso, Paul
passou reto pelo desvio que devia tomar.
Desse modo, foram os últimos a chegar e a dona da casa, Nicole,
não se mostrou compreensiva. Não disse nada, mas o ar de impaciência
com que os recebeu expressava claramente seu aborrecimento. Roberta,
que já não gostava de reuniões sociais, ficou constrangida.
Os convidados formavam estranhos grupos. Alguns eram colegas
de Keith, outros membros de um clube de campo exclusivo ao qual os
Dennison pertenciam, e havia ainda uns poucos vizinhos. Mas nenhum
laço unia aquelas pessoas. Todos permaneciam encerrados em seu
próprio círculo, parecendo sentir-se ameaçados pela presença de
estranhos.
Talvez a situação pudesse ter sido contornada se não houvesse
chovido, forçando todo mundo a ficar no interior da casa. Os grupos
olharam-se com desconfiança mútua, criando uma atmosfera pesada.
Todos falavam alto demais, bebiam além da conta, entregavam-se a
gargalhadas incontroláveis.
Roberta não via a hora de voltar para casa, principalmente
porque os modos secos de Paul não ajudavam a diminuir a tensão
reinante. Ele ainda estava aborrecido com o que acontecera no hospital,
mas seu mau humor era devido, em boa parte, ao comportamento rude
de Keith.
O anfitrião estava bêbado e alguns de seus comentários,
sobretudo os dirigidos à esposa, foram bastante ofensivos. Se Nicole não
tivesse frisado que o jantar atrasara-se por causa deles, Roberta teria
sugerido a Paul que deixassem a reunião naquele mesmo instante.
Tinha a desagradável impressão de que a situação iria culminar numa
cena desagradável.
Infelizmente, seus receios se confirmaram. E, para cúmulo do
azar, a cena começou por sua causa.
Os convidados estavam se servindo no rico bufê armado junto às
amplas janelas do living. Um dos garçons encarregados dos vinhos
estendeu uma taça de champanhe a Roberta que, gentilmente, recusou.
Por algum tolo motivo, sua atitude incomodou uma das senhoras
presentes, que fez um comentário maldoso.
Por educação, ela deixou passar a indelicadeza. Mas Paul
revoltou-se. Com o mesmo gélido desdém que usava para intimidar sua
equipe, disse:
— Roberta é uma cirurgia competente. Ela estará de plantão
hoje à noite. Seu senso de responsabilidade não lhe permite beber.
Um silêncio constrangedor caiu sobre a sala. Depois de alguns
minutos de tensão intolerável, alguém iniciou uma conversa, mas as
vozes tinham baixado consideravelmente de tom. Keith, depois de se
desculpar com Roberta, abordou a esposa e um terrível bate-boca
irrompeu entre o casal.
— Sua esnobe mesquinha! — gritou ele, no auge da exaltação. —
Se não tivesse engravidado de propósito, eu jamais teria casado com
você.
No mesmo instante, armou-se uma briga terrível. Os convidados
fingiam não ouvir, mas cada palavra insultuosa era claramente
pronunciada. Um horror!
Lembrando-se disso tudo, Roberta enrolou o xale em volta dos
ombros, acomodando-se melhor no assento do carro.
— Está com frio? — perguntou Paul.
— Não, estou bem.
— Sinto muito... Detesto essas cenas familiares horrorosas. Elas
me, deixam um gosto amargo na boca. Sinto-me culpado por ter
envolvido você nessa confusão.
Uma expressão de mágoa estampava-se no rosto dele. Talvez
estivesse relembrando cenas semelhantes que ocorreram com seus pais.
Se para ela a reunião fora desagradável, para Paul devia ter sido ainda
pior.
— Quer falar a respeito, ou prefere esquecer o assunto, Paul?
— Não há muito que falar. É apenas mais um casamento
arruinado.
— É verdade o que Keith disse sobre a gravidez da mulher?
— Eles moraram juntos durante três anos, antes de se casarem.
Ambos pareciam realmente felizes nessa época. Uma vez casados, as
coisas mudaram.
— A gravidez foi mesmo proposital?
— Ele diz que sim, ela nega. — Paul encolheu os ombros. — Mas
isso é irrelevante. Quando o bebê nasceu, Nicole deixou o emprego e
eles passaram por dificuldades. Keith ainda estava cursando a
faculdade e o relacionamento tornou-se um pesadelo.
— Você acredita que teria sido diferente, se não existisse o
bebê... ou o próprio casamento?
— Sim, acredito. É preciso encarar os fatos. Os casamentos de
antigamente duravam porque os papéis do homem e da mulher estavam
bem definidos. Mas os tempos são outros e tudo mudou.
Havia certa verdade nisso, ela admitiu. Dentre as mulheres da
geração de sua mãe, poucas seguiam uma carreira. A maior parte ficava
em casa para cuidar do lar e dos filhos.
Mas não aceitava a idéia de que todos os casamentos estivessem
fadados à destruição. Queria discutir o assunto com ele, convencê-lo de
que estava enganado. No entanto, sabia que seria tempo perdido.
Nutrira uma secreta esperança de que, com o tempo, pudesse mudar a
opinião de Paul. Depois da cena desta noite, admitia que jamais
conseguiria.
Ele fora franco, mas, após os acontecimentos daquela tarde, ela
não se atrevia a lhe expor com igual franqueza seus sentimentos.
Desejava um lar, uma família. Se lhe dissesse isso, porém, Paul se
afastaria, e ela o amava demais para correr esse risco. Ele teria de
aprender a confiar nela e talvez um dia...
— Roberta, olhe para mim.
Simulando uma calma que não sentia, ela o encarou. Seus
expressivos olhos escuros transbordavam de amor.
— Não se deixe afetar pelo comportamento dos Dennison. Isso
não vai acontecer conosco. Você é importante demais para mim.
Ela percebeu que aquela era a última chance que tinha de se
abrir, de lhe confessar seus mais íntimos desejos. Mas não conseguiu
encontrar as palavras adequadas. Sabia o que ele pretendia: morar com
ela, amá-la, cuidar dela. Porém, definitivamente, não queria ouvir falar
de casamento.
Tinha consciência de estar passando por cima de seus valores,
mas esse preço era pequeno pelo amor do homem que amava.
Sufocando a vontade de gritar, inclinou-se para ele e o beijou
ternamente na boca. Depois, com um trêmulo suspiro, murmurou
suavemente:
— Vamos para casa, Paul.
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Com o fim do verão, o céu azul e o clima quente deram lugar aos
dias frescos, de manhãs enevoadas, e às folhas cor de ferrugem do
outono. Num ambiente de alegria e felicidade, Roberta compartilhava
com Paul não apenas o amor, mas também o trabalho. Eram ambos
dedicados à profissão e ela encarava o talento e os conhecimentos dele
com um respeito que beirava a reverência. Paul passava horas
instruindo-a nas diversas técnicas cirúrgicas e, devido àquela
dedicação, os conhecimentos dela aumentaram.
Os dias maravilhosos de outubro foram substituídos pelos dias
cinzentos de novembro, mas Roberta teve pouco tempo para pensar em
outra coisa que não fosse o trabalho. Um surto epidêmico de uma nova
espécie de gripe assolou a cidade, sobrecarregando de serviço todos os
hospitais.
A doença caracterizava-se por vômitos e febres altas que
deixavam a vítima severamente desidratada. Para completarão quadro
clínico, uma persistente pneumonia quase sempre acompanhava
aqueles sintomas.
Depois de provocar alguns casos fatais, a gripe passou a ser
enfrentada com seriedade pela comunidade médica. Como medida de
segurança, todas as cirurgias que não fossem de emergência foram
adiadas. Eram executadas apenas as operações inadiáveis e, mesmo
assim, cercadas de um rígido esquema de precauções.
Membros do corpo clínico da Cirurgia foram deslocados para
outras alas mais sobrecarregadas de trabalho. Roberta e Paul tiveram
de cobrir turnos de doze horas, ele na ala Cirúrgica, ela na Pediátrica.
O coração dela confrangia-se pelos pequenos doentes, fracos e
assustados. Mas o hospital estava tão necessitado de pessoal, que não
havia gente disponível para dispensar-lhes outros cuidados, além do
tratamento médico. Entristecia-lhe observar o sofrimento das crianças e
dos bebês e sentia não poder fazer mais por eles.
A estafa, a preocupação, as longas horas de vigília produziram
seus efeitos. Roberta ficou completamente exausta. Vezes sem conta
teve de permanecer até tarde, confortando as crianças desamparadas.
Paul a observava, os olhos escuros cheios de apreensão, mas em
momento algum reclamou por causa das horas extras.
Aos poucos, a epidemia foi sendo debelada e o trabalho voltou ao
normal. No entanto, Roberta ainda se sentia exaurida. Tinha direito a
cinco dias de folga e pretendia passá-los na cama. Não via a hora que
chegasse sexta-feira para começar a desfrutá-los.
Na quinta-feira teve de participar de uma cirurgia longa e
cansativa. Naquela tarde, a sala operatória parecia mais quente do que
o normal. O calor roubava-lhe toda a energia. Suas costas estavam
molhadas de suor e tão doloridas quanto os músculos dos ombros e das
pernas. Mas preferia morrer a deixar que Paul percebesse seu cansaço.
Olhou-o por sobre a mesa operatória e sentiu um profundo
respeito por seu desempenho. Ele não era apenas brilhante:
demonstrava uma energia de campeão!
— Vamos fazer uma pequena incisão a partir daquela artéria,
Dra. Mitchell. Isole-a.
Roberta sentiu uma leve sensação de enjôo, quando os longos
dedos de Paul manejaram o bisturi e o sangue jorrou. Estava mais
exausta do que pensava; nunca se sentira tão nauseada na sala
operatória desde seus tempos de estudante.
— Como está à pressão sangüínea, Mac?
— Dez por quatro. Um pouco baixa, mas o pulso está firme —
respondeu o anestesista.
Embora cansada, Roberta sorriu. Gostava de trabalhar com
MacDonald, que era o melhor anestesista do hospital. Quando tinha de
enfrentar uma crise, ele desempenhava suas funções com rapidez,
segurança e presença de espírito.
— Wilcox, há muito tempo quero lhe fazer uma pergunta. O que
aconteceu com você? Quando veio para cá, praticamente morava no
hospital. Agora, temos sorte quando nos dedica "apenas" dezesseis
horas diárias.
Paul sorriu.
— Tenho um hobby.
— Qual?
— Observar pássaros.
Roberta mordeu o lábio para não rir.
— Observar pássaros? Deve estar brincando — retrucou Mac.
— Nada disso — confirmou Paul, ainda sorrindo sob a máscara.
— Que hobby estranho... Pássaros de duas pernas, suponho.
Roberta não conseguiu resistir.
— Nunca vi um pássaro de quatro pernas, doutor. — Mac riu.
— Fique fora disto, Dra. Mitchell. Como posso encostar esse
sujeito na parede, se você lhe fornece uma desculpa?
Roberta limpou a área em volta da incisão e jogou a gaze suja no
recipiente esmaltado.
— Fiz apenas uma observação — disse ela.
— Você está rindo debaixo dessa máscara. Acredita, realmente,
que nosso amigo seja um ornitologista?
— Eu não disse que era ornitologista — disse Paul. — Afirmei
que gostava de observar pássaros. Essa é a diferença.
— Esta pobre mulher teria um choque se soubesse que estamos
falando de pássaros, em vez de lhe removermos os cálculos biliares.
— Olha que eu ponho você nesta mesa, Dra. Mitchell —
ameaçou Mac, com um sorriso.
— Não tenho cálculos biliares, Dr. MacDonald. Paul soltou um
suspiro.
— Muito bem, terminei minha parte. Parem de discutir, vocês
dois. Termine a operação, Dra. Mitchell.
O anestesista observou Roberta, que fazia a sutura.
— Você maneja a agulha com habilidade — elogiou, balançando
a cabeça.
Ela se voltou para que a enfermeira lhe enxugasse o suor.
— Obrigada.
— Onde aprendeu a suturar desse jeito?
— Bordando toalhas de linho, nos meus dias de folga.
Ao ouvir a risadinha de Paul, que deixava a sala, ela terminou a
operação com o coração mais leve. Porém o corpo parecia pesar uma
tonelada, quando finalmente saiu da Cirurgia. Arrancou a máscara e o
gorro e pôs-se a flexionar os músculos das costas na tentativa de
amenizar-lhes a rigidez.
Quando se voltou, viu Paul parado junto à porta, observando-a
com ar preocupado. Nesse instante, Mac saiu também da sala
operatória. Depois de arrancar o gorro, a máscara e o avental, ele
exclamou:
— Se eu não tivesse de trabalhar amanhã, iria para casa e me
anestesiaria com alguns drinques. Deus, como estou cansado!
— Foi um dia estafante! — concordou Paul. — Vamos tomar um
café?
Roberta tirou o avental e consultou o relógio da parede.
— Vão vocês dois. Tenho de fazer a ronda.
Mac agarrou firmemente pelo braço e levou-a para a porta.
— Você vai descer e descansar, antes de começar essa ronda.
No instante em que ela entrou na cantina, o cheiro de comida
provocou-lhe uma forte tontura, seguida de náuseas. Apoiou-se no
braço de Paul para firmar-se, enquanto a sala parecia ondular sob seus
pés.
Ouviu o Dr. MacDonald dizer alguma coisa, mas não entendeu o
que era. Com o braço passado pela cintura dela, Paul guiou-a para fora
da cantina, rumo à saleta de espera. Acomodou-a no sofá e abaixou-lhe
a cabeça até os joelhos.
— Quer que eu peça uma maca? — perguntou Mac. Roberta
ergueu lentamente a cabeça.
— Não... por favor — balbuciou.
Paul a fitava apreensivo, enquanto lhe enxugava o suor da testa.
— Vou levá-la para casa, Mac. As chaves do carro estão na
minha escrivaninha. Quer pedir a alguém que as leve ao
estacionamento?
— Eu mesmo me encarrego disso.
Assim que o anestesista desapareceu de vista, Paul sentou-se ao
lado dela e apertou-a de encontro ao peito, os braços rodeando-lhe o
corpo trêmulo.
— Por que não avisou que não estava passando bem, Roberta?
Sabia que você estava exausta, mas não imaginava que estivesse
doente.
Ela fechou os olhos.
— Eu também não sabia, até entrarmos na cantina.
— Vamos à Emergência. Quero examinar-lhe a garganta.
— Leve-me para casa, Paul... Chega de hospital por hoje. Ele
beijou-lhe gentilmente a testa.
— Está bem. Fique sossegada.
No instante em que chegaram em casa e Paul a acomodou na
cama, Roberta sentiu-se vagamente culpada. Estava ainda com um
pouco de dor de cabeça e sentia um certo cansaço, embora a náusea e a
tontura tivessem desaparecido.
Depois de tomar um chuveiro rápido, Paul voltou ao quarto e
começou a vestir-se.
— Não lhe passou pela cabeça que eu pudesse estar fingindo? —
ela perguntou.
Ele enfiou a camisa e subiu o zíper das calças.
— Ninguém, nem mesmo você, pode transpirar quando bem
entende. — Sentando-se na beirada da cama, esfregou-lhe as costas
nuas. — Tem certeza de que está bem?
— Estou ótima,
— Vou dar um jeito de voltar para casa mais cedo.
— Não se preocupe, Paul. Estou bem de verdade. Ele tomou-lhe
a mão entre as suas.
— Detesto ter de deixá-la sozinha. Vou de táxi ao hospital, assim
posso trazer o Bronco. Onde estão as chaves?
— Peça a Lisa, ela sabe onde está minha bolsa.
— Certo. Telefone, se precisar de mim.
— Preciso sempre de você — murmurou ela docemente.
— É bom saber disso.
Roberta adormeceu no instante em que Paul saiu do quarto.
Dormiu durante cinco horas sem mover um só músculo do corpo.
Estava emergindo do estado de sonolência, quando um leve ruído
despertou-a por completo. O quarto estava em penumbra, iluminado
apenas pela luz que chegava do corredor.
— Paul?
— Oi! Eu estava começando a pensar que você dormiria até
amanhã — observou ele, levantando-se da poltrona.
— Que horas são?
— Oito horas. — Ele tocou-lhe a testa com a palma da mão. —
Como está se sentindo?
— Bem.
— Quer comer alguma coisa?
— Não. Estou com vontade de tomar um suco.
— Do quê? Maçã ou tomate?
— Não se preocupe. Vou descer — disse ela, fazendo menção de
se levantar.
Ele a impediu.
— Não vai, não.
— Mas, Paul...
— Vai ficar na cama — ele insistiu categoricamente.
— É uma proposta? Ele sorriu.
— Talvez.
Pouco depois, ao retornar com o suco, Paul não pôde impedi-la
de ir tomar uma ducha rápida.
Ao levantar-se, Roberta ficou espantada por perceber como
estava fraca. Depois do chuveiro, no entanto, sentiu-se melhor.
Enxugou os cabelos, envolveu-os numa toalha e voltou ao quarto.
Paul vestira um roupão de veludo e se estendera sobre as
cobertas, lendo o jornal. Ao vê-la, deixou-o cair.
— Sabe que é a primeira vez, nesses últimos dias, que estamos
indo para a cama numa hora decente?
Roberta aproximou-se dele e, insinuando a mão por dentro de
seu robe, correu os dedos de leve, do estômago até as coxas.
— Depende do que você quer dizer com isso.
— Roberta...
A respiração dele estava entrecortada e ela sorriu. Afinal, não
estava tão mal assim...
— Quer que eu lhe faça uma massagem nas costas? — ofereceu-
se ele.
— Como adivinhou?
— Eu sei tudo, querida. Vamos, deite-se de bruços.
— Sim, doutor.
Adorava que ele lhe fizesse massagens. Fechou os olhos,
deliciada, enquanto as mãos fortes trabalhavam os músculos doloridos
de suas pernas. Quando lhe massageou as costas, ela soltou um
suspiro de prazer.
— Não imagina como isso é gostoso!
— Claro que imagino!
Roberta sorriu e rolou na cama, aconchegando-se a ele. Com
gestos lânguidos, desatou-lhe o cinto do roube.
— Você está brincando com fogo, menina. Vai se queimar. Ela
riu, passando os braços em volta de seu pescoço.
— Gosto de calor.
Paul roçou a língua por seus lábios.
— Hum... que gostinho bom! — exclamou, agarrando-a com
paixão.
Na sexta-feira, Roberta percebeu que não amanhecera nada bem
e fingiu que dormia quando Paul saiu de casa. Não queria que ele
ficasse preocupado durante o turno no hospital. Ao meio-dia, notou que
estava com febre. Sentia uma dor de cabeça tão forte que pensou que
fosse enlouquecer. Quando Paul retornou à noitinha, ela admitiu que
estava realmente doente. Ele a examinou com o cenho franzido de
preocupação.
— Vamos direto ao hospital. Quero que faça uns exames de
laboratório.
Roberta engoliu em seco.
— Já sabemos do que se trata, não? Ele enxugou-lhe o rosto
úmido de suor.
— É exatamente por isso que você deve ser hospitalizada.
Lágrimas de frustração encheram-lhe os olhos. A garganta doía e falar
custava-lhe um esforço enorme.
— Faço o que você quiser, mas não me leve para o hospital.
— Roberta, esse vírus é muito perigoso.
— Por favor, Paul. Vamos esperar mais um dia.
Embora a contragosto, Paul acabou concordando. E, durante a
noite, sem que ela percebesse, foi obrigado a trocar-lhe várias vezes a
camisola empapada de suor.
De manhãzinha, Roberta foi sacudida por violentos espasmos de
náusea. Mergulhada num estado de torpor, percebeu, vagamente, que
Paul fazia vários telefonemas. Estava tão fraca, que não conseguiu falar
quando Lisa e Bernie chegaram.
Com a ajuda da enfermeira, Paul vestiu-lhe uma camisola mais
recatada e passou-lhe uma toalha úmida pelo rosto e pescoço. Nesse
instante, Bernie entrou no quarto, ofegante.
— A ambulância chegou.
— Mande os enfermeiros subirem — ordenou Paul.
— Paul... — sussurrou Roberta.
— Que foi amor?
— Vai cuidar de mim?
Ele tomou-lhe o rosto quente entre as mãos.
— Acha que eu deixaria outro médico cuidar de você? —
Voltando-se para Bernie e Lisa, informou: — Irei na ambulância com
ela. Vejo vocês no hospital.
— Deixe que Bernie vá em seu lugar — sugeriu a enfermeira.
— Nada disso!
— Pense bem, Paul — interveio Bernie. — Se você aparecer no
hospital ao lado de Roberta, o que os outros não irão pensar? Isso vai
provocar a maior fofoca. O percurso até o hospital é pequeno. Nada de
mal acontecerá a Roberta nesse curto espaço de tempo.
— Bernie tem razão, Paul — reforçou Roberta.
Minutos depois, a ambulância seguia velozmente pelas ruas
desertas. Quando chegou ao hospital, Paul já se encontrava no saguão,
à espera. Segundo as regras, Roberta deveria ficar na ala destinada aos
médicos e seus familiares, mas Paul conduziu-a ao departamento de
Cirurgia que estava sob seu controle direto.
Quando a retiraram da maça e a colocaram na cama, ela
começou a tremer convulsivamente. Fez um esforço sobre-humano para
relaxar os músculos rígidos, mas não conseguiu. Sua mente tinha
perdido o controle do corpo. Fechou os olhos e perdeu o conhecimento
do que se passava ao redor.
Durante as dezoito horas que se seguiram, Roberta flutuou num
mundo de trevas que parecia disposto a engoli-la. Mas, mesmo nesse
estado, percebia que Paul estava sempre ao seu lado.
Era madrugada quando saiu da inconsciência. Por um momento
ficou desorientada, ao notar que estava num leito de hospital. Com
grande esforço voltou-se para Paul, que descansava na poltrona, a
barba por fazer, os olhos fundos de preocupação e cansaço. Apesar da
pouca luz da lâmpada de cabeceira, conseguiu perceber a tensão que o
dominava. Desejou tocá-lo, mas o braço não correspondeu ao comando
dá mente.
O peito e a cabeça doíam-lhe terrivelmente, mas a febre baixara.
Com a boca seca, teve de umedecer os lábios várias vezes antes de
poder falar.
— Paul...
Ele levantou a cabeça no mesmo instante.
— Posso beber alguma coisa?
Ele a soergueu e ofereceu-lhe um copo de água.
— Só um pouquinho. Como está se sentindo?
— Melhor... Não se preocupe, vou ficar boa em poucos dias.
— Você me deu um susto! A febre continuava a subir e... —
havia uma angústia profunda na voz dele.
— Não vai se livrar de mim tão facilmente assim, Dr. Wilcox.
Ele sorriu, satisfeito.
— Que bom ouvir isso! Agora durma, minha querida!
— E você vá para casa. Precisa descansar.
— Não vou sair daqui, Roberta.
— Paul...
— Vou continuar aqui! Fico mais descansado do que estando em
casa. Além do mais, quero ter certeza de que você não fala enquanto
dorme.
— Bobinho.
Na segunda-feira, Roberta tinha superado a crise e Paul, diante
de seus insistentes pedidos, deixou o quarto. Cancelando as aulas da
parte da manhã, ele foi para casa e dormiu algumas horas.
À medida que recuperava as forças, ela percebeu que não
gostava de desempenhar o papel de paciente. Era como viver num
aquário. Sempre havia alguém rondando pelo quarto: enfermeiras que
lhe controlavam a temperatura e lhe ministravam os medicamentos,
fisioterapeutas que a obrigavam a fazer exercícios respiratórios para
desobstruir os pulmões congestionados... era uma procissão que não
tinha fim. Ressentia-se dessa contínua invasão de sua privacidade. E
depois havia Paul. Ele apresentava um ar tão cansado...
— A senhorita realmente impressionou alguém! — exclamou a
ajudante de enfermagem, na terça-feira, entrando no quarto com um
enorme buquê de rosas.
Roberta leu o cartão que acompanhava as flores e ficou
repentinamente saudosa do lar.
"Annie e eu estamos sentindo enormemente sua falta!
Com todo amor, P."
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Fim