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V Rio Branco , 185 - Lj 10 - Centra R
A DIMENSÃO OCULTA iel (21) 2532-3646
-

Espaço — parece haver demais.


Entretanto, sua efetiva utilização na
vida pública e privada tornou-se um
dos mais prementes problemás da
atualidade. Em simples conversas
ou em negociações profissionais, na
arrumação dos móveis ou na distri-
buição dos utens í lios pela casa, na
arquitetura, na renovação urbana e A Dimensão Oculta
no planejamento das cidades, os es-
paços que nos rodeiam afetam,
enormemente, o desempenho e os
sentidos humanos.
Em que ponto a aglomeração
num escritório reduz a eficiência in-
dividual ? Um grupo de pessoas sob
tensão tem, como os lemingues, um
ponto de explosão? Perguntas co-
mo estas Edward T. Hall, autor do
grande sucesso The silent language ,
formula e responde neste estudo
fascinante.
Hall, de in ício, focaliza o mundo
animal. Descreve estudos recentes
com ratos mostrando que um grupo
estressado pela superaglomeração é
capaz de produzir um terr í vel co-
lapso no comportamento normal,
manifestando inclusive canibalismo
(empresários, atenção !) . Segue apre-
sentando os resultados dos mais sig- J!

nificativos estudos até agora reali-


zados sobre a aglomeração humana
e suas tensões, tanto em termos de
grandes multidões, como de indiv í-
duos no círculo familiar e profissio-
nal. '

í
i

I
Edward T. Hall

COLEÇÃ O CI ÊNCIAS SOCIAIS

Coordenação

Anna Maria de Castro


Roberto Oswaldo Cruz
Alba Zaluar Guimarães
Thé o Araújo Santiago
A Dimensão Oculta
Tradução
1 ICHA CATALOGR Á 11CA Sônia Coutinho
( Preparada pelo Centro de Catalogação- na- fonte do
SINDICATO NACIONAL DOS LDITORLS DL LIVROS, RJ )
2 .a edi ção

Hall , Edward T.
Hl 84 d A Dimensão oculta ; tradu ção de Só nia Coutinho. Rio de Janeiro,
L. Alves, 1977 .
200 p. ilust. (Ciê ncias sociais)

Do original em ingl ê s: The hidden dimension


Ap ê ndice : Resumo . das treze variedades da perspectiva de James
Gibson , extra ídas de lhe perception of the visual world
Bibliografia

1. Comunicaçã o intercultural 2. Espa ço pessoal 3. Interação


social I . T ítulo II . Sé rie

CDD 301.1
301.2
76 -0797 CDU 301.161:008
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S. A .
© 1966, Edward T. Hall

T í tulo original: The Hidden Dimension

Capa :

Sum ário
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

1981

Fotos: Todas as fotos foram tiradas pelo autor,


à exceção das seguintes:
1. Sven Gillsá ter Pref á cio do autor 9
3. H. Hediger
5. Bud Daley, Chicago Daily News . I. Cultura como comunicação 13
8. Serge Boutourline
21. Howard F. Van Zandt II . A regulaçã o da dist â ncia entre os animais 19
23. Judith Yonkers 1 . Mecanismos de espaçamento entre os animais n
1.1 Distância de fuga 22
1.2 Distâ ncia cr í tica 23
1.3 Espécies de contato e não-contato 23
1.4 Distâ ncia pessoal 24
1.5 Dist â ncia social 25
2. Controle populacional 25
3. -
A seqiiê ncia do esgana gata 26
4. Malthus reconsiderado 27
5. A morte em massa nas Ilhas James 28
6. Predação e população 30

III. Superpopulação e comportamento social entre os animais 33


1. As experiê ncias de Calhoun 33
1.1 Esquema da experiê ncia 34
1.2 Desenvolvimento do esgoto 35
1.3 Corte e sexo 36
Todos os direitos desta tradu ção reservados à 1.4 Construção de ninhos 37
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A . 1.5 Cuidados com os filhotes 37


20.050 — Rio de Janeiro RJ

Rua Sete de Setembro, 177 Centro
5
X. As distâncias entre os homens 105
1.6 Territorialidade e organização social 38
1.7 Conseqiiências fisiol ógicas do esgoto 39 1. O dinamismo do espaço 106
1.8 Comportamento agressivo 39 2. Dist ância í ntima 108
1.9 O esgoto que n ão se desenvolveu 39 3. Dist ância pessoal 110
1.10 Resumo das experiê ncias de Calhoun 40 4. Dist â ncia social 111
5. Distância pú blica 113
2. A bioqu ímica da superpopulação 41
2.1 Exocrinologia 6. Por que “ quatro” dist â ncias? 115
41
2.2 O modelo do banco de açú car 42
2.3 As supra- renais e o estresse 43
2.4 Os usos do estresse 46
XI . Proxemia num contexto intercultural : alem ã es, ingleses e 119
IV. A percepção do espaço: receptores à dist â ncia - olhos, ouvidos e nariz franceses
49 119
1. Os alem ães 120
1. Espaço visual e auditivo 50
1.1 Os alemães e as intrusões 122
2. Espaço olfativo 53 1.2 A “ esfera privada ” 124
2.1 A base qu ímica do olfato 53 1.3 Ordem no espaço
125
2.2 O olfato nos seres humanos 56
2. Os ingleses 127
2.1 O uso do telefone 128
V. Percepção do espaço: os receptores imediatos - a pele e os m úsculos 57 2.2 Vizinhos 128
1. Zonas ocultas nos escrit ó rios americanos 58 2.3 De quem é o quarto de dormir ? •
128
2. Espaço té rmico 2.4 Falar alto e baixo 129
60
3. Espaç o t áctil*
64 2.5 Comportamento do olho 129
3. Os franceses 130
VI. O espaç o visual 67 3.1 Lar e fam ília 131
3.2 O uso francês dos espaç os abertos 131
1. Visão como s íntese 68 3.3 A estrela e a grade
2. O mecanismo da visão 71
3. Visão estereoscópica 73

XII . A proxemia num contexto de mistura cultural : o Japão e o 135


VII. A arte como chave para a percepção 75 Mundo Á rabe
135
1. Contraste das culturas contemporâneas 76 1. O Japão 137
2. A arte como hist ória da percepção 77 1.1 Apinhado, como? 138
1.2 O conceito japonês de espaç o, incluindo o Ma
139
VIII . A linguagem do espaço 87 2. O Mundo Á rabe 139
A literatura como chave para a percepção 89 2.1 Comportamento em pú blico 141
2.2 Conceitos de isolamento 143
IX A antropologia do espaço: um modelo em formação 95 2.3 Dist âncias pessoais á rabes 144
2.4 Encarar e n ão encarar 145
1. Espaço de caracter ísticas fixas 97 145
2.5 Envolvimento
2. Espaço de características semifixas 100
2.6 Sentimentos a respeito de lugares fechados 146
3. Espaço informal 103
2.7 Fronteiras
7
6
XIII. As cidades e a cultura 147
1. A necessidade de controles 148
2. Psicologia e arquitetura 150
3. Patologia e aglomeração 152
4. Tempo monocrônico e policrô nico 153
5. A s índrome do automóvel 155
6. Prédios comunitários abrangentes 157
7. Perspectivas para o planejamento urbano do futuro 158 .
Pref á cio do autor
XIV. A proxemia e o futuro do homem 161
1. Forma x fun ção, conte ú do x estrutura 162
2. O passado biol ógico do homem 163
3. A necessidade de respostas 165
4. Nã o se pode largar a cultura 166

Apê ndice
Resumo das treze variedades da perspectiva de James Gibson , Falando de modo geral , atualmente existem dois tipos de livro que interessam
extra ídas de The Perception of the Visual World 169 ao leitor sé rio: aqueles que se voltam para o conteú do, visando transmitir um corpo
de conhecimentos, e aqueles que lidam com a estrutura , a maneira pela qual os
Bibliografia e referê ncias acontecimentos se organizam. Não é certo que o autor tenha qualquer controle
173
sobre um ou outro destes tipos de livro que escreva , embora seja desejável ele ter
consciência da diferenç a. O mesmo aplica-se ao leitor, cuja satisfação depende , em
grande medida , de suas expectativas não declaradas. No mundo atual, quando todos
nós somos esmagados com dados provenientes das mais diversas fontes, é f ácil
compreender por que as pessoas tendem a sentir que estão perdendo o contato com
os progressos realizados mesmo em seus próprios campos de atividade. Sentem que
existe tamb ém a crescente percepção de uma perda de ligação com o mundo em
geral, o que leva a uma necessidade cada vez maior , de ordenar pontos de referê ncia
que ajudem a integrar a massa de informações em rá pida mudanç a, com que o
homem é obrigado a lidar. A Dimensão Oculta tenta fornecer exatamente isso.
Livros deste tipo, desde que são independentes de linhas disciplinares, n ão se
limitam a um pú blico ou campo espec íficos. Esta falta de orientação disciplinar
pode ser desconcertante para leitores que estão procurando respostas fixas e
desejam encontrar tudo classificado em termos de maté rias e profissão.
-
Como antropólogo, acostumei me a retroceder ao in ício e procurar as subes -
truturas biológicas das quais se origina um aspecto determinado do comporta -
mento humano. Esta abordagem salienta o fato de que o homem é , antes de tudo e
definitivamente , como outros membros do reino animal, um prisioneiro de seu
organismo biológico. O abismo que o separa do resto do reino animal não é , de
maneira alguma, tão vasto como pensa a maioria das pessoas. Quanto mais apren -
demos a respeito dos animais e dos intrincados mecanismos de adaptação que a

9
1

evolu çã o produziu , de maior import â ncia se tornam estes estudos para a solução de minha mulher , Mildred Reed Hall, também co-participante do meu trabalho, e que
alguns dos mais desnorteantes problemas humanos. me ajudou nesta pesquisa de tantas maneiras, a ponto de tornar dif ícil separar sua
Ambos os meus livros, The Silent Language e este , tratam da estrutura da contribuição da minha.
experiê ncia, na medida que ela é moldada pela cultura. Ou seja, as experiê ncias
O apoio para minha pesquisa foi generosamente proporcionado por subven -
profundas, comuns, assimiladas, que os membros de uma dada cultura partilham,
ções do National Institute of Mental Health. A Wener-Gren Foundation for Antro-
comunicam sem o saber, formando o pano de fundo contra o qual todos os outros
pological Research e o Human Ecology Fund deram a ajuda e o apoio essenciais
eventos são julgados. O conhecimento da dimensão cultural como um vasto com-
para as viagens ao campo de trabalho e o equipamento, alé m de fundos para auxiliar
plexo de comunicações, em muitos n íveis, seria realmente desnecessá rio, se n ão a custear as grandes despesas no preparo do manuscrito.
fossem duas coisas: nosso envolvimento cada vez maior com gente de todas as partes
Quero fazer uma menção especial a esta instituição sem paralelo que é a
do mundo e a mistura de subculturas dentro do nosso próprio ambiente, à medida
Washington School of Psychiatry , à sua diret ória , professores e quadro de funcio-
que pessoas de á reas rurais afluem para nossas cidades.
Torna-se cada vez mais evidente que os choques entre sistemas culturais n ão ná rios. Como pesquisador da escola e membro de seu corpo de professores, por
muitos anos, lucrei enormemente com meus contatos com esse grupo criativo. A
se restringem às relações internacionais. Tais choques estão assumindo proporções
significativas dentro de nosso próprio pa ís, e são exacerbados pela superpopulação Washington School patrocinou minha pesquisa e proporcionou uma atmosfera
nas cidades. Pois, ao contrá rio do que geralmente se acredita, os diversos grupos que estimulante e acolhedora para meu trabalho.
compõem a naçã o mostraram-se surpreendentemente persistentes na manutenção de Os seguintes redatores me ajudaram na produção deste manuscrito: Roma
suas identidades separadas. Superficialmente, todos esses grupos podem parecer McNickle , de Boulder , Colorado, Richard Winslow e Andrea Balchan , da Double-
semelhantes e dizer mais ou menos as mesmas coisas mas, sob a superf ície , residem day , e minha mulher, Mildred Reed Hall. Sem a ajuda deles, eu n ão poderia preparar
m ú ltiplas diferen ças nã o declaradas e n ã o formuladas, na estruturação de compo- este volume. Recebi valiosa e leal assistê ncia de Gudrun Huden e Judith Yonkers,
nentes e relações de tempo e espaç o. São estes fatos que, embora dêem significação que também providenciaram os grá ficos para este livro.
às nossas vidas, t ão freqiientemente resultam em distorção de significado, apesar das Tenho uma d ívida intelectual muito especial para com meu amigo Buck-
boas inten ções, quando pessoas de diferentes culturas interagem. minster Fuller. Embora os detalhes do nosso trabalho sejam diferentes, ele foi uma
Ao escrever a respeito de minha pesquisa sobre o uso que o homem faz do fonte contínua de descobertas e um modelo de pensamento abrangente que achei
espaço — o espaço que ele manté m entre si mesmo e seus companheiros, e constrói particularmente adequado.

em torno de si, em casa e no trabalho meu objetivo é trazer à luz muita coisa Quero mencionar três amigos e colegas, pois cada um deles deu sua contri-
-
tomada como certa. Desta forma, espero aumentar a auto identidade, intensificar a buição ímpar ao meu pensamento e me proporcionou valioso apoio moral , bem
experiê ncia e diminuir a alienação. Numa palavra, dar um pequeno passo na estrada como esclarecimentos e est ímulo: Moukhtar Ani, Warren Brodey e Frank Rice.
do autoconhecimento, a fim de ajudar a reapresentar o homem a si pró prio. Desejo també m agradecer às seguintes editoras e entidades, pela permissão de
Nenhum livro chega ao ponto de poder ser publicado sem a cooperação e a citar as obras mencionadas: Atheneum , por The Making of the President I 960, de
participação ativa de muitas pessoas, todas elas essenciais e, embora seja o nome do Theodore H. White ; Harcourt, Brace & World , por Flight to Arras e Night Flight, de
autor aquele que aparece na capa, ele sabe que o produto final é conseqiiê ncia dos Antoine St.-Exupé ry ; Harper & Row , por Captain Stormfield ' s Visit to Heaven , de
esforç os conjugados de uma equipe. Nela, há sempre alguns membros, cujos papéis Mark Twain ; Holt , Rinehart & Winston , Inc., por The Painter' s Eye , de Maurice
são mais claramente definidos e sem cuja ajuda o manuscrito nunca teria chegado ao Grosser ; Houghton Mifflin , por The Perception of the Visual World , de James J .
editor. É a contribuição dessas pessoas que desejo agradecer. Gibson ; Alfred A. Knopf , Inc., por The Trial, de Franz Kafka eSnow Country , de
A natureza da comunicação é tal que, em suas etapas iniciais e mal defi - Yasunari Kawabata , da Sé rie Obras Contemporâ neas da UNESCO (Sé rie Japonesa ),
nidas, qualquer elocução só se revela no papel de maneira parcial, enquanto, traduzido por Edward G. Seidensticker ; a Language , por “ The status of linguistics
muitas vezes, sua parte mais essencial está oculta na mente do autor. Ele n ão as a science ” , de Edward Sapir ; ao Massachusetts Institute of Technology , por
sabe disso entretanto, porque, ao 1er seu próprio manuscrito, automaticamente Science and Linguistics, de Benjamin Lee Whorf ; à University of Toronto Press, por
insere as partes que faltam. A primeira necessidade de um autor, portanto, é de Eskimo, de Edmund Carpenter; e à Yale Review, Yale University Press , por “ The
algué m que fique junto dele e suporte sua reação exasperada, e com freqiiência hare and the haruspex: a cautionary tale ” , de Edward S. Deevey.
hostil, quando lhe mostram que deixou de fazer uma distinção clara entre o que Parte do material do Capítulo X apareceu previamente em meu artigo inti-
sabe e o que escreveu. Para mim, escrever é algo que não se faz casualmente. tulado “ Silent assumptions in social communication ” , publicado nas atas da
Quando estou escrevendo, todo o resto pá ra. Isto significa que as outras pessoas Association for Research in Nervous and Mental Disease. Sou muito reconhecido
tê m de carregar um fardo pesado. Meu primeiro agradecimento é, como sempre, à pela permissão para usar este material.

10 11
I . Cultura como comunicação

O tema central deste livro é o espaço social e pessoal , e a percepção que o


homem tem do mesmo. Proxemia foi o termo que criei para me referir às observa-
-
ções e teorias inter relacionadas, relativas ao uso que o homem faz do espaço como
elaboração especializada da cultura.
Os conceitos aqui desenvolvidos n ão se originaram de mim. Há cerca de
cinq ü enta e três anos, Franz Boas estabeleceu os fundamentos de que a comunica -
ção constitui o n úcleo da cultura e , na verdade , da própria vida. Nos vinte anos
subseqüentes, Boas e dois outros antropólogos, Edward Sapir e Leonard Bloom -
field , todos falando idiomas indo-europeus, defrontaram -se com as l ínguas, radi-
calmente diferentes, dos índios americanos e dos esquimós. O conflito entre esses
dois sistemas de linguagem distintos produziu uma revolução, no tocante à natureza
da linguagem em si. Até ent ão, os estudiosos europeus tomavam as l ínguas indo-
européias como modelos para todas as l ínguas. Boas e seus seguidores descobriram ,
com efeito, que cada fam ília de idiomas é uma lei em si, um sistema fechado, cujos
modelos os lingiiistas precisam revelar e descrever . Era preciso que o cientista da
lingii ística evitasse , conscientemente , a armadilha de projetar as regras ocultas de
sua própria l íngua naquela que estava sendo estudada .
Na década de 30, Benjamin Lee Whorf , qu ímico e engenheiro, porém dile-
tante do campo da lingii ística , começ ou a estudar com Sapir. Os ensaios de Whorf ,
baseados em seu trabalho com os índios Hopi e Shawnee, tiveram implicações
revolucion á rias para a relação da l íngua com o pensamento e també m com a
percepção. A l íngua, disse ele, é mais do que apenas um meio de expressão do
-
pensamento. Trata se , na verdade , de um elemento importante na formação do
pensamento . Alé m disso, para empregar uma imagem bem atual, a própria per-
cepção que o homem tem do mundo em tomo de si é programada pela l íngua que

13
fala, exatamente como um computador. Como este , a mente do homem só registra Minha pesquisa dos últimos cinco anos demonstra que norte-americanos e
e estrutura a realidade externa de acordo com o programa. E já que dois idiomas á rabes vivem em diferentes mundos sensoriais, grande parte do tempo, e não
muitas vezes programam o mesmo tipo de eventos de maneira completamente dife - empregam os mesmos sentidos nem sequer para estabelecer a maioria das distâ ncias
rente, nenhuma crença ou sistema filosófico devem ser considerados isolados da mantidas durante conversações. Como veremos mais tarde , os á rabes empregam
l íngua. mais o olfato e o tato do que os norte-americanos. Eles interpretam seus dados
Só nos últimos anos, e apenas para um punhado de pessoas, as implicações do sensoriais de modo diferente e os combinam de maneiras diversas.
-
pensamento de Whorf tornaram se evidentes. Dif íceis de captar, elas se mostraram Aparentemente , até mesmo a experiê ncia que os árabes t ê m do corpo, em sua
algo assustadoras, quando analisadas cuidadosamente. Chocam-se com a raiz da relação com o ego, é diferente da nossa. Mulheres norte-americanas que se casaram
doutrina do ‘livre arbítrio” porque, segundo indicam, todos os homens são prisio- com á rabes em nosso pa ís , e só conheciam o lado da educação norte-americana em
neiros de sua l íngua, na medida em que n ão dão maior atenção a ela. sua personalidade, muitas vezes observaram que seus maridos assumem personali-
A tese deste livro, e a de The Silent Language, anterior a ele, é de que os dades diferentes, ao voltarem para sua terra natal, onde, outra vez, mergulham na
princípios estabelecidos por Whorf e seus companheiros lingú istas com relação à comunicação á rabe e ficam prisioneiros de percepções á rabes. Tornam-se , em todas
l íngua aplicam-se, também, ao resto do comportamento humano - na verdade, a as acepções da palavra , pessoas completamente diferentes.
toda cultura. Era crença antiga que a experiê ncia fosse partilhada por todos os Apesar de os sistemas culturais modelarem o comportamento de maneiras
homens e que existisse sempre a possibilidade de ultrapassar a l íngua e a cultura e, radicalmente distintas, eles est ão profundamente enraizados na biologia e na fisio-
de alguma forma, recorrer à experiê ncia, para alcançar outro ser humano. Esta logia. O homem é um organismo com um passado maravilhoso e extraordin á rio. Ele
crença impl ícita (e, muitas vezes, expl ícita), referente à relação do homem com a se diferencia dos outros animais em virtude de ter elaborado o que designamos
-
experiência, baseava se em suposições de que, quando dois seres humanos são como extensões de seu organismo. Desenvolvendo estas extensões, o homem pode
submetidos à mesma “ experiência ” , virtualmente os dois sistemas nervosos centrais melhorar, ou especializar , vá rias funções. O computador é uma extensão de parte do
est ão sendo alimentados com os mesmos dados, e os dois cé rebros tê m registros cé rebro, o telefone estende a voz, a roda estende as pernas e os pés. A l íngua
similares. estende a experiê ncia no tempo e no espaço, enquanto a escrita estende a l íngua. O
A pesquisa proxê mica coloca em sé ria dúvida a validade desta suposição, homem elaborou suas extensões em tal grau que tendemos a esquecer o fato de sua
particularmente quando as culturas são diferentes. Os Capítulos X e XI descrevem humanidade enraizar-se em sua natureza animal . O antropólogo Weston La Barre
como pessoas de culturas diferentes não apenas falam l ínguas diversas mas, o que salientou que o homem deslocou a evolução do seu corpo para suas extensões e ,
é talvez mais importante, habitam em diferentes mundos sensoriais . O peneira - assim fazendo, acelerou tremendamente o processo evolucionário.
mento seletivo dos dados sensoriais admite algumas coisas, enquanto elimina Portanto, qualquer tentativa de observar, registrar e analisar os sistemas
outras, de modo que a experiência, como percebida através de uma sé rie de proxê micos, que fazem parte da cultura moderna , devem levar em conta os sistemas
filtros sensoriais, culturalmente padronizados, é bastante diferente daquela comportamentais nos quais se baseiam , como se expressam em formas de vida
percebida através de outros. O meio ambiente arquitetônico e urbano que as anteriores. Os Cap ítulos II e III deste livro deverão ajudar a fornecer uma base e
pessoas criam são expressões deste processo de flltragem peneiramento. Na
- uma perspectiva a serem empregadas na an álise das complexas elaborações humanas
verdade, através destes meios ambientes alterados pelo homem, é possível desco - do comportamento espacial dos animais. Grande parte das idéias e da maneira de
brir como povos diferentes usam seus sentidos. A experiê ncia, portanto, não pode interpretar os dados que se encontram neste livro foi influenciada pelo imenso
ser tomada como ponto de referê ncia est ável, porque ocorre num cenário mol - progresso alcançado nos últimos anos pelos et ólogos, cientistas que estudam o
dado pelo homem. comportamento animal e a relação dos organismos com seu meio ambiente.
O papel dos sentidos neste contexto é descrito do Capítulo IV até o VII. Esta À luz dos conhecimentos proporcionados pela etologia, pode ser proveitoso,
análise foi inclu ída para dar ao leitor alguns dados básicos sobre o aparelhamento a longo prazo, encarar o homem como um organismo que elaborou e èspecializou
que o homem usa na construçã o de seu mundo perceptivo. Uma descrição dos suas extens ões a ponto destas controlarem a natureza e substitu írem-na , rapida -
sentidos assim é análoga àquelas que falam do aparelho vocal como uma base para a mente . Em outras palavras, o homem criou uma nova dimensão, a cultural, da qual
compreensão dos processos da fala. a proxemia é apenas uma parte. A rela ção entre o homem e a dimensão cultural é de
O exame da maneira como os sentidos são usados por povos diferentes, ao ordem a permitir que o homem e seu meio ambiente participem da formação um do
interagirem com seus meios ambientes, vivos óu n ão, fornece dados concretos com -
outro. O homem se encontra , hoje , na posição de criar , verdadeiramente, a totali
-
relação a algumas diferenças entre, por exemplo, á rabes e norte americanos. Aqui, dade do mundo em que vive , e ao qual os etólogos se referem como o seu bió topo.
na própria fonte da interação, é possível detectar variações significativas entre Ao criar este mundo, est á, na verdade , determinando que tipo de organismo ser á.
aquilo que é levado em conta e o que se elimina pela filtragem. Este é um pensamento assustador , diante do pouco que sabemos sobre o homem.
14 15
També m significa que, num sentido muito profundo, nossas cidades est ão criando como normais, para os vertebrados de sangue quente e, possivelmente, para todas as
tipos diferentes de pessoas, em suas favelas, hospitais de alienados, prisões e formas de vida. Ao contrário da crença popular, o abastecimento de comida só está
subú rbios. Estas sutis interações tornam o problema da renovação urbana e da envolvido com esses ciclos de maneira indireta, como foi demonstrado por John
integração das minorias na cultura dominante muito mais dif ícil do que, com Christian e V. C . Wynne -Edwards.
freqiiência, as pessoas prevêem. Da mesma forma, nossa falta de compreensão plena À medida que o homem desenvolvia a cultura, domesticava a si próprio e, no
das relações das pessoas com seu bió topo complica o processo de desenvolvimento processo, criava toda uma nova sé rie de mundos, todos diferentes um do outro.
técnico das chamadas nações subdesenvolvidas do mundo. Cada mundo tem sua pr ópria sé rie de insumos sensoriais, de modo que os fatores de
O que acontece quando pessoas de diferentes culturas se encontram e se aglomeração para uma cultura n ão são, necessariamente , os de outra. De modo
envolvem mutuamente ? Em The Silent Language, sugeri que a comunicação ocorre , an álogo, um ato que deflagra agressão e, portanto, seria estressante para um povo,
simultaneamente, em n íveis diferentes de consciê ncia, oscilando da plena cons- pode ser neutro para o seguinte.
-
ciência para a ausê ncia da mesma. Recentemente, tornou se necessário alargar este Não obstante , é bastante óbvio que os negros norte-americanos e os povos de
ponto de vista. Quando as pessoas se comunicam, fazem muito mais do que, cultura espanhola que afluem para nossas cidades estão sofrendo sé rio estresse. Não
simplesmente, atirar a bola da conversa de um lado para outro. Meus próprios apenas se encontram num cenário que não lhes convém, mas passaram dos limites
estudos, bem como os de outras pessoas, revelam a existê ncia de uma sé rie de de sua própria tolerâ ncia ao estresse. Os Estados Unidos enfrentam o fato de que
servomécanismes delicadamente controlados e condicionados pela cultura , que dois de seus povos criadores e sensíveis est ão sob processo de destruição e , como
mantê m a vida equilibrada, de maneira muito parecida à de um piloto autom á tico, Sansão, poder ão derrubar a estrutura que nos abriga a todos. Assim , é preciso que
num avião. Todos nós somos sens íveis a mudanças sutis na conduta da outra pessoa , arquitetos, planejadores urbanos e construtores convençam-se de que, para evitar a
quando ela reage ao que estamos dizendo ou fazendo. Na maior parte das situações, catástrofe , devem começar a ver o homem como um interlocutor de seu ambiente,
as pessoas evitarão, primeiro, de modo inconseq üente e, depois, conscientemente, a um ambiente que estes mesmos planejadores, arquitetos e construtores est ão agora
escalada do que designei como o lado indiciativo ou prenunciador de uma comuni- criando, com pouca referê ncia às necessidades proxê micas do homem.
cação, desde os sinais mal percept íveis de aborrecimento, até a hostilidade decla Àqueles, entre n ós, que produzem a renda e pagam os impostos que susten-
-
rada . No mundo animal , se o processo indiciativo se der em curto-circuito , ou caso tam o governo, seja qual for o custo da reconstrução de nossas cidades, este custo
seja ultrapassado, tende a ocorrer uma luta feroz. Nos seres humanos situados na terá de ser pago, se a Amé rica quiser sobreviver ; e, o que é mais importante , a
esfera de vida intemacional- intercultural, muitas dificuldades podem ser atribu ídas reconstrução de nossas cidades deve basear-se em pesquisa conducente a uma
à ausê ncia de interpretação correta das indicações. Em tais casos, quando as pessoas compreensão das necessidades do homem e a um conhecimento dos muitos mundos
descobrem o que est á acontecendo , já est ão t ã o profundamente envolvidas a ponto sensoriais dos diferentes grupos de pessoas que habitam as cidades norte-americanas.
de n ão poderem recuar. Os cap ítulos seguintes visam a transmitir uma mensagem b ásica sobre a
Os capí tulos subseqiientes incluem muitos exemplos de distorção da comuni natureza do homem e seu relacionamento com o meio ambiente. A mensagem é
cação devidos basicamente ao fato de nenhuma das duas partes estar consciente de
- esta: existe uma grande necessidade de reexaminar e alargar nossa visão da situação
que cada uma delas habita um mundo perceptivo distinto. Ambas estavam, també m, humana, uma necessidade de sermos mais compreensivos e também mais realistas,
interpretando as palavras ditas pela outra num contexto que inclu ía o comporta
- n ão apenas com relação aos demais, mas a n ós mesmos. E essencial aprendermos a
mento e també m o cená rio, com o resultado de que o reforço positivo das aberturas 1er as comunicações silenciosas com tanta facilidade como as impressas e faladas.
amistosas era muitas vezes fortuito, ou até se encontrava ausente. Apenas fazendo tal coisa poderemos, também , alcançar outras pessoas, tanto dentro
Na verdade, et ólogos como Konrad Lorenz acreditam, agora , que a agressão é como fora de nossas fronteiras nacionais, como , cada vez mais, se exige de n ós.
um ingrediente necessá rio à vida ; sem ela, a vida, como a conhecemos, provavel-
mente n ão seria poss ível. Normalmente, a agressão conduz a um espacejamento
adequado dos animais, a menos que se tornem tão numerosos a ponto de destruir
seu meio ambiente e a si mesmos, junto com ele. Quando a aglomeração se torna
demasiada, depois de aumentos de população, as interações se intensificam, condu-
zindo a um estresse cada vez maior. À medida que o estresse psicológico e
emocional aumenta, e os â nimos se inflamam, mudanças sutis, mas poderosas,
acontecem na qu í mica do corpo. A natalidade diminui, enquanto a mortalidade
aumenta progressivamente, até acontecer uma situação conhecida como colapso
populacional. Tais ciclos de aumento e colapso são agora, em geral, reconhecidos

. J 16 17
1

II . A regulação da distância
entre os animais

Estudos comparativos de animais ajudam a mostjar como as exigências de


espaço do homem são influenciadas pelo seu meio ambiente. Nos animais, podemos
observar a direção , a proporção e a extensão das transformações do comportamento
que se seguem a modificações no espaço dispon ível para eles, de uma maneira que
nunca poderemos esperar observar nos homens. Em primeiro lugar , usando animais ,
6 possível acelerar o tempo, pois as gerações são relativamente curtas. Um cientista
pode , em quarenta anos, observar quatrocentas e quarenta gerações de ratos,
enquanto, no mesmo espaço de tempo, veria só duas gerações de sua pró pria
espécie. E, naturalmente , ele pode ter um maior distanciamento com relação ao
destino dos animais.
Alé m disso, os animais n ão racionalizam seu comportamento, obscurecendo
as coisas. Em seu estado natural, reagem de maneira surpreendentemente sistemá-
tica, possibilitando a observação de desempenhos repetidos e virtualmente idê nticos.
Restringindo nossas observações à maneira pela qual os animais lidam com o espaço,
é possível aprender uma quantidade espantosa de coisas que poderiam ser tradu-
zidas para termos humanos.
A territorialidade , um conceito básico no estudo do comportamento animal , é
geralmente definida como o comportamento através do qual um organismo , de
modo caracter ístico, reivindica uma á rea e a defende contra membros de sua
própria espécie. É um conceito recente, descrito pela primeira vez pelo ornit ólogo
inglês H. E. Howard , em seu livro Territory in Bird Life, escrito em 1920. Howard
expôs o conceito mais ou menos detalhadamente , embora os naturalistas já no
século dezessete tivessem registrado v á rios eventos que Howard reconheceu como
manifestações de territorialidade.

19
Estes estudos est ão dando lugar a uma revisão de muitas de nossas idéias Assim , reforça a dominâ ncia na procriação seletiva , por -
b ásicas sobre a vida animal e també m a vida humana. A expressão “ livre como um que os animais menos dominantes tê m menor possibili-
pássaro” é uma forma resumida da concepção do homem quanto à sua relação com dade de estabelecer territ órios. Por outro lado, facilita a
a natureza, que vê os animais como seres livres para errar pelo mundo, enquanto ele procriação, fornecendo um lar básico seguro. Ajuda a
pr ó prio é prisioneiro da sociedade. Estudos de territorialidade mostram que o
proteger os ninhos e os filhotes que lá se encontram. Em
contrá rio est á mais próximo da realidade e que os animais est ão, muitas vezes,
algumas espécies, localiza a disposição do lixo e inibe ou
aprisionados em seus territ órios pr ó prios. É de se duvidar se Freud, caso soubesse o
que hoje sabemos a respeito da relaçã o dos animais com o espaço, teria atribu ído os impede parasitas. Entretanto, uma das mais importantes
avan ços do homem à energia retida e novamente dirigida , através de inibições funções da territorialidade é o espaçamento adequado, que protege contra a
impostas pela cultura. exploração excessiva da parte do meio ambiente da qual uma espé cie depende
para viver.
Muitas funções importantes são expressas na territorialidade e novas fun - Além da preservação das espécies e do meio ambiente , fun ções pessoais e
ções estão constantemente sendo descobertas. H. Hediger, famoso psicólogo de
animais de Zurique , descreveu os aspectos mais impor- sociais est ão vinculadas à territorialidade. C . R . Carpenter testou os papéis relativos
tantes da territorialidade e explicou sucintamente os me- do vigor sexual e da domin â ncia , num contexto territorial, e descobriu que at é um
canismos através dos quais ela opera. A territorialidade, pombo dessexuado vencer á regularmente, em seu pró prio territ ório, combates- testes
diz ele, garante a propagação das espécies, através da com um macho normal , ainda que a dessexualização, em geral, resulte numa perda
regulação da densidade. Fornece uma moldura dentro da de posição na hierarquia social. Assim , embora os animais dominantes determinem a
qual as coisas sã o feitas — lugares para aprender, lugares direção geral do desenvolvimento das espé cies, o fato dos subordinados vencerem e
para brincar, lugares seguros para esconderijo. Assim, procriarem em seu territ ório ajuda a preservar a plasticidade das espécies, aumen -
coordena as atividades do grupo e o manté m reunido. tando a variedade , impedindo os animais dominantes de congelaram a direção
Conserva os animais a uma certa dist â ncia, permitindo a
assumida pela evolução.
comunicação de um com o outro, de modo que a pre - A territorialidade também é associada com status . Uma sé rie de experiê ncias
sen ça de alimento, ou de um inimigo, possa ser assina - do ornitólogo brit ânico A. D. Bain com o chapim incluiu uma alteração , e mesmo
lada. Um animal com um territ ório pró prio pode desen -
volver um estoque de reações reflexas às caracter ísticas uma reviravolta, nas relações de dominâ ncia , através da modificação da posição de
do terreno. Quando surpreendido pelo perigo, o animal, postos de alimentação, em relação a pássaros vivendo em á reas adjacentes. A medida
em seu territ ó rio pr ó prio, pode tirar vantagem de reações automá ticas, em vez de que um posto de alimentação era colocado cada vez mais perto da á rea de habitação
perder tempo pensando onde se esconder. de um pássaro, este teria vantagens de que n ão dispunha , quando distante de seu
O psicólogo C. R. Carpenter, pioneiro na observa- próprio territ ório.
ção de macacos em seu cená rio nativo, fez uma lista de O homem també m tem territorialidade e inventou muitas maneiras de defen -
trinta e duas fun ções da territorialidade, incluindo algu- der aquilo que considera sua própria terra, prado ou extensão. A remoção de
mas importantes, relativas à proteção e evolução das es-
marcos de fronteiras e a invasão da propriedade de outro
pécies. A lista que se segue n ão est á completa , nem é
homem são atos passíveis de punição em grande parte do
representativa de todas as espécies, mas indica a natureza
crucial da territorialidade como sistema comportamental, mundo ocidental. O lar de um homem tem sido o seu
um sistema que se desenvolveu de modo muito parecido castelo, na lei comum inglesa , há séculos, e se encontra
ao do desenvolvimento dos sistemas anatômicos. Na
-
verdade, as diferenças da territorialidade tornaram se t ão
amplamente reconhecidas que são empregadas para distin-
protegido por proibições à busca ilegal e captura , mesmo
por autoridades do governo. Existe uma distinção cuida- 1
^
^
dosa entre propriedade privada , que é o territ ório de um indiv íduo, e propriedade
guir as espécies, de maneira semelhante à das caracter ísti - p ú blica, o território do grupo.
cas anatômicas. Esta revisão apressada das funções da territorialidade deveria bastar para
-
A territorialidade oferece proteçã o contra os predadores e expõe os inca - estabelecer o fato de que ela representa um sistema comportamental básico caracte-
pazes à predação, demasiado fracos para estabelecer e defender um territ ório. r ístico dos organismos vivos, incluindo o homem.

20 21
1. MECANISMOS DE ESPA Ç AMENTO ENTRE OS ANIMAIS rcferem-se a tudo que ocorre dentro de sua “ dist â ncia de fuga ” como se aconte-
cesse , literalmente , dentro de si mesmos. Ou seja , as fronteiras do ego estendem -se
ulém do corpo. Estas experiê ncias registradas por terapeutas que trabalham com
Alé m do territ ório, que se identifica com uma nesga de terreno particular , esquizofré nicos indicam que a percepção do eu , como a conhecemos, está intima-
cada animal é cercado por uma série de bolhas, ou balões de forma irregular, que mente associada com o processo de delimitar as fronteiras. Esta mesma relação
servem para manter o espaçamento adequado entre eles. Hediger identificou e entre fronteiras e o eu també m pode ser observada em contextos onde h á culturas
descreveu v á rias de tais dist âncias, que parecem ser usadas, sob maneiras diferentes, misturadas, como veremos no Capítulo XI.
pela maioria dos animais. Duas delas - a dist â ncia de fuga e a dist ância cr ítica - são
empregadas quando indiv íduos de espécies diferentes se encontram ; ao passo que a \
dist â ncia pessoal e a distância social podem ser observadas durante interações entre 1.2 Distância crí tica / \
membros da mesma espécie. I
As distâ ncias ou zonas cr íticas, aparentemente, es- \ /
I y
tão presentes onde e quando existir uma reação de fuga. A \
1.1 Distância de fuga “ dist ância cr ítica ” abrange a zona estreita que separa a
<¥>
dist â ncia de fuga da distância de ataque. Um le ão no
Qualquer pessoa observadora nota que um animal selvagem só permitirá a zoológico fugirá de um homem que se aproximar, até
aproximação de um homem , ou outro inimigo potencial, até uma certa dist â ncia encontrar uma barreira intransponível. Se o homem conti-
antes de fugir. “ Dist â ncia de fuga ” é uma expressão de Hediger para este mecanismo nuar a se aproximar, logo penetrará na distâ ncia cr í tica do
de espa çamento entre as espécies. Regra geral, existe uma correlação positiva entre leão, ponto em que este, acuado, muda de direção e

o tamanho de um animal e sua dist â ncia de fuga quanto maior o animal , maior a começa , lentamente , a se aproximar do homem .
.
dist â ncia que deve manter entre si mesmo e o inimigo Um ant ílope foge quando o No clássico ato com animais, no circo, a caça silen-
intruso se encontra at é a quinhentos metros de dist â ncia. A dist â ncia de fuga de ciosa do leão é t ão deliberada que ele passará por cima de
uma lagartixa de parede, por outro lado, é de cerca de dois metros. um obstáculo interposto, como um tamborete, a fim de
alcançar o homem. Para fazer o leão permanecer no ban-
quinho, o domador , rapidamente , caminha para fora da
zona crítica. A esta altura, o leão pára sua perseguição. Os
elaborados dispositivos “ protetores” do treinador — a

cadeira , o chicote ou o revólver são, em grande parte,
fachada. Hediger diz que a dist â ncia cr ítica para os ani-
mais que conhece é t ão precisa , a ponto de poder ser
medida em cent í metros.

Há, naturalmente, outras maneiras de enfrentar um predador, como a camu


- 1.3 Espécies de contato e não-contato
flagem, couraça ou espinhos protetores, e o cheiro desagradável. Mas a fuga é o
mecanismo básico de sobrevivê ncia para criaturas m óveis. Ao domesticar outros Em relação ao uso do espaço, é possível observar uma dicotomia básica e ,
animais, o homem eliminou ou reduziu radicalmente a reação de fuga. Nos zooló- ulgumas vezes, inexplicável, no mundo animal. Algumas espécies amontoam -se e
gicos é essencial modificar a reação de fuga o bastante para o animal cativo poder exigem contato f ísico m ú tuo. Outras evitam completamente o toque. Nenhuma
movimentar-se, dormir e comer sem entrar em pâ nico por causa do homem. l ógica aparente regula a categoria na qual est á inclu ída cada espécie . Entre as
Embora o homem seja um animal autodomesticado, o processo de domesti criaturas de contato temos a morsa , o hipopótamo, o porco, o morcego castanho, o
-
cação é apenas parcial. Vemos isso em certo tipo de esquizofrénicos que, aparen
- periquito e o ouriço, além de muitas outras espécies. O cavalo, o cão, o gato, o rato,
temente, experimentam algo muito similar à reação de fuga. Quando algué m se o rato almiscarado, o falcão e a gaivota de cabeça negra, são espécies de não-contato,
aproxima demais, entram em pânico de maneira muito parecida à de um animal muito curioso que animais bastante pr óximos podem pertencer a categorias dife-
recentemente enjaulado no zoológico. Ao descrever seus sentimentos, tais pacientes rentes. O grande pingú im Imperador é uma espécie de contato. Conserva o calor
22 U-
através do contato com seus companheiros, aglomerando se
!
- em grandes grupos,
aumentando a adaptabilidade ao frio. Seu raio de ação estende-se por 1.5 Distância social
muitas partes
da Antá rtida. O ping üim Adelie, de tjpo menor, é uma espé
cie de não-contato. Os animais sociais precisam manter-se em contato uns com os outros. A perda
Assim, toma-se um pouco menos adaptável ao frio do que o Imperador
, e seu raio de contato com o grupo pode ser fatal , por v á rias razões, incluindo exposição aos
de ação é, aparentemente, mais limitado.
Que outras funções podem ser servidas pelo predadores. A distância social n ão é simplesmente aquela na qual um animal perderá
comportamento de contato,
ainda não se sabe. Podemos arriscar um palpite de que, estando
os animais de

contato com seu grupo ou seja , a distância da qual n ão possa mais ver, ouvir ou
cheirar o grupo — trata-se, antes, de uma distância psicológica e o animal, aparen-
contato mais “ envolvidos” um com o outro, sua organiza
ção social e, possivel- lemente , começa a se sentir ansioso quando ultrapassa seus limites. Podemos
mente, sua maneira de explorar o meio ambiente , talvez sejam
diferentes dos í maginá-la como uma fita escondida que amarra o grupo.
animais de n ão-contato. As espé cies de n ão-contato, segundo
se poderia pensar, A dist â ncia social varia de uma espécie para outra. É bastante curta — aparen-
seriam mais vulneráveis aos estresses exercidos pela aglomera
ção. É claro que todos temente, apenas alguns poucos metros - entre flamingos, e muito longa entre
os animais dê sangue quente começam a vida na fase do contato
. Esta fase é apenas alguns outros pá ssaros. O recentemente falecido E. Thomas Gilliard , ornit ólogo
temporá ria para as muitas espécies de não-contato, pois os filhotes
abandonam a norte-americano, conta que clãs de aves-do-paraíso machos mantêm contato, à
aproximação logo que deixam seus pais e ficam por conta pr
ópria. A partir deste dist â ncia de centenas de metros, por meio de fortes assobios e notas ásperas e
ponto do ciclo vital de ambos os tipos, observa-se o espa
çamento regular entre dissonantes.
indiv íduos.
A dist ância social nem sempre é rigidamente estabelecida , mas determinada,
em parte, pela situação. Quando os macacos e seres humanos na infância já podem
1.4 movimentar-se , mas não se encontram ainda sob o controle da voz materna, a
Distância pessoal
distância social pode ser a extensão que a m ãe alcanç a. Isto é prontamente
Distância pessoal é a expressão aplicada por Hediger ao espa
observado entre os babu ínos, num zoológico. Quando o filhote vai chegando a um
çamento normal certo ponto, a mãe estende o braço para agarrar a extremidade de sua cauda e
que os animais de n ã o-contato mantê m entre si e seus companheiros
. Esta dist â ncia puxá-lo de volta para ela . Quando se torna necessá rio um maior controle , por causa
age como uma bolha invis ível que rodeia o organismo.
Fora da bolha, dois de perigo, a distância social diminui. Para documentar tal coisa no homem, basta
organismos n ão se envolvem tão intimamente um com
o outro como no caso de observar uma fam ília com várias crianças pequenas dando-se as mãos ao cruzar uma
uma superposição das bolhas. A organização social é um fator
de distância pessoal. rua movimentada.
Animais dominantes tendem a ter maiores distâ ncias pessoais do que
os ocupantes A dist â ncia social no homem foi ampliada pelo telefone, a televisão e o
de posições mais baixas na hierarquia social, enquanto os
animais subordinados, walkie-talkie, tomando poss ível integrar as atividades de grupos a grandes distân-
segundo se observou, cedem espaço aos dominantes.
Glen McBride, professor cias. O aumento da dist â ncia social est á , atualmente , dando lugar a uma remodelação
australiano de agricultura de criação, fez detalhadas observações
sobre o espaç a- de instituições sociais e pol íticas, e só recentemente começaram a ser estudadas.
mento de aves domésticas como uma funçã o da dominâ ncia.
Sua teoria sobre
“ organização e comportamento social ” tem na disposição do
espaço um elemento
central. Esta correlação entre dist â ncia pessoal e status , sob
vá rias formas, parece
ocorrer em todo reino animal. Foi observada nos pássaros e em muitos mam
íferos, 2. CONTROLE POPULACIONAL
incluindo a colónia de macacos terrestres do Velho Mundo, no Centro
Japonês de
Macacos, perto de Nagoya.
A agressão é um componente essencial na constituição d òs
vertebrados. Um Nas águas frias do Mar do Norte , vive um tipo de caranguejo, Hyas araneus. A
animal forte e agressivo pode eliminar rivais mais fracos. Parece haver
uma relação caracter ística distintiva da espécie é que , em certas ocasiões do ciclo vital , o
entre agressã o e ostentação, de modo que os animais mais agressivos
exibem-se com indiv íduo torna-se vulnerá vel a outros da mesma espécie e alguns são sacrificados
maior vigor. Deste modo, també m a exibição e a agressão
servem como auxiliares no para manter a população reduzida. Periodicamente, quando o caranguejo muda a
processo de seleção natural. Para garantir a sobrevivência das esp
écies, entretanto, a carapaça, sua única proteção é o espaço separando-o dos caranguejos que se
agressão precisa ser regulada. Isto pode ser feito de duas
maneiras: através do encontram na etapa da carapaça dura. Logo que um caranguejo com carapaça dura
desenvolvimento de hierarquias e pelo espaçamento. Os et ólogos parecem
concordar chega suficientemente perto para sentir o cheiro de seu companheiro de carapaça
que o espaçamento é o mé todo mais primitivo, não apenas por
se tratar do mais mole - ou seja, quando a fronteira olfativa é ultrapassada - o odor leva o predador
simples, mas porque tem menos flexibilidade.
dc carapaça dura para a sua próxima refeição.
24
25
1
O Hyas araneus fornece- nos um exemplo de “ espaço cr ítico” e també m de Na primavera , cada esgana-gata macho cava um territ ó rio circular , defende-o
“ situação cr ítica ” . Estes termos foram usados inicialmente por Wilhelm Sch ãfer , v á rias vezes contra todos os que se aproximam , e constrói um ninho. Seu discreto
diretor do Museu de História Nacional de Frankfurt. Sch ãfer, numa tentativa de colorido cinzento, então, muda, ficando com o queixo e a barriga de um vermelho
compreender os processos básicos da vida, foi um dos primeiros a examinar as vivo, o dorso azul-esbranquiç ado e os olhos azuis. A mudan ça de coloração serve
maneiras através das quais os organismos lidam com o espaço. Seu estudo de 1956 para atrair as fê meas e repelir os machos.
foi inigualável no sentido de dirigir a atenção para as crises de sobrevivê ncia. As Quando uma fê mea , com a barriga cheia de ovos, aproxima-se do ninho do
sociedades animais, declarou ele, crescem até uma densidade crítica ser alcançada,
criando assim uma crise, que precisa ser enfrentada, para a sociedade sobreviver. A
-
esgana gata , o macho ziguezagueia em sua direção, alternadamente exibindo a cara e
o perfil colorido. A cerimó nia de aproximação , em duas etapas, deverá ser repetida
importante contribuição de Sch ãfer foi classificar as crises de sobrevivê ncia e v á rias vezes, antes de a fêmea seguir o macho e entrar no ninho. Passando do modo
descobrir um padrão nos vários meios, que as formas simples de vida elaboraram
para enfrentar o abarrotamento causador de tais crises. Schãfer analisou o processo
visual de comunica ção para o mais b ásico do tato, o macho , com o nariz , ritmada -
mente cutuca a fêmea , na base da espinha dorsal, até ela pôr os ovos. O macho,
que relaciona o controle populacional com a solução de outros importantes pro- ent ão, entra no ninho, fertiliza os ovos e afasta a f ê mea. Ele repete esta seq üê ncia
blemas vitais. até quatro ou cinco f ê meas terem depositado ovos em seu ninho.
Como já vimos, todos os animais tê m uma exigência mínima de espaço, sem a A essa altura , o impulso para o acasalamento desaparece , e se observa uma
qual a sobrevivência é impossível. Este é o “ espaço crítico” do organismo. Quando nova sé rie de reações. O macho volta ao seu antigo colorido cinzento. Seu papel,
a população aumenta , a ponto de o espaço cr ítico n ão se encontrar mais dispon ível, agora, é defender o ninho e manter os ovos abastecidos com oxigé nio, abanando a
cria-se uma “ situação cr í tica” . A maneira mais simples de água através do ninho com suas barbatanas peitorais. Quando os ovos d ão cria , o
lidar com esta situação é eliminar alguns indiv íduos. Isto macho protege os peixinhos até serem suficientemente grandes para cuidarem de si
pode realizar-se de várias maneiras, uma das quais é ilus- mesmos, pegando aqueles que se afastam demais, trazendo- os na boca, cuidadosa-
trada pelo Hyas araneus. mente , de volta para o ninho.
Os caranguejos são animais solitá rios. Na ocasião do —
A seq üê ncia de comportamento do esgana -gata incluindo a luta , o acasala-
ciclo vital, quando precisam localizar outros caranguejos, a mento e o cuidado com os pequenos — é t ão previs ível que Tinbergen pô de realizar
fim de se reproduzirem, encontram um ao outro através uma sé rie de experiê ncias propiciadoras de valiosas descobertas sobre os sistemas ou
do cheiro. Assim, a sobrevivência das espécies depende dos sinais de mensagem , que liberam rea ções aos diferentes impulsos. A aproximação do
indiv íduos não se afastarem dos outros até uma distância macho à f ê mea , em ziguezague , é uma reação a um ímpeto de atacar , que tem de
onde n ão possam cheirar-se. Mas o espaço crítico de que seguir seu curso antes do ímpeto sexual passar a dominar . A forma inchada da
os caranguejos precisam també m é bem definido. Quando fê mea cheia de ovos provoca a reação de galanteio no macho. Depois que ela põe
seu n ú mero aumenta a ponto de não se encontrar dis- seus ovos, o vermelho n ã o mais a atrai. Ela n ão por á os ovos at é ser cutucada pelo
pon ível ò espaço necessário , uma quantidade desses macho. Assim , a vis ão e o tato deflagram os vá rios elementos da seq üê ncia .
indiv íduos, na etapa da carapaça mole, é devorada, fazen- A natureza previs ível da seq üê ncia capacitou Tinbergen a observar , em situa-
do a população voltar a um n ível no qual tenham espaç o ções experimentais , o que acontece quando é interrompida pela presen ça de machos
bastante. demais e conseq üente superpovoamento, nos territ ó rios individuais. O vermelho de
machos em demasia interrompe a corte. Algumas etapas da seq üê ncia são omitidas,
de modo que os ovos n ã o s ã o postos no ninho, nem fertilizados. Em condições de
grande aglomeraçã o, os machos lutar ão uns com os outros, at é alguns serem mortos.
3. A SEQ ÜÊNCIA DO ESGANA-GATA

Vários pontos acima do caranguejo, na escala evolucion á ria , situa-se o


esgana-gata, peixinho comum em águas rasas e limpas, na Europa. O esgana-gata 4. MALTHUS RECONSIDERADO
ficou famoso quando o etólogo holandês Niko Tinbergen identificou a com -
plexa seqüência que o peixe desenvolveu para se reproduzir. Tinbergen , mais O caranguejo e o esgana -gata fornecem informações ú teis a respeito da relação
-
tarde , mostrou que um curto circuito na seq üê ncia resulta numa redução da do espaço com a reprodução e o controle populacional. O sentido do olfato no
população. caranguejo é a chave para a dist â ncia exigida pelo indiv íduo e determina o n ú mero

26
27
má ximo de caranguejos que pode viver numa
gata, a vista e o tato deflagram uma
determinada á rea do mar. No esgana-
criando à vontade, a manada aumentou constantemente, até contar entre 280 e 300
I
seqtiê ncia ordenada, que deve seguir seu
para o peixe, se reproduzir. A aglomera curso cervos, uma densidade de cerca de um animal por acre. A essa altura, em 1955,
ção interrompe esta seqiiência e, assim,
interfere na reprodução. Em ambos os animais, tomou-se evidente que algo teria de mudar , sem muita demora.
a acuidade dos reeeptores — olfato, Naquele ano, Christian começou sua pesquisa, matando a tiros cinco veados,
vista , tato, ou uma mistura dos três determin
podem viver e continuar a desempenhar
— a a dist ância na qual os indiv íduos
para realizar detalhados estudos histol ógicos das glândulas end ócrinas, timo, baç o,
o ciclo da reprodução. Sem a manutenção
adequada desta distância, eles perdem o tireoide , gônadas, rins, f ígado, coração, pulmões e outros tecidos. Os veados foram
combate para outro de seu próprio tipo, em
vez de sucumbirem à falta de alimento, por doen pesados, os conte ú dos de seu est ômago registrados, bem como a idade, sexo e
ça, ou ação de um predador.
Existe uma crescente necessidade de se condições gerais, além de se observar a presença ou ausência de depósitos de gordu-
que relaciona a população com o reconsid erar a doutrina malthusiana ras sob a pele, no abdome e entre os músculos.
abastecimento de alimentos. Durante séculos,
escandinavos observaram a marcha dos lemingu os Uma vez feitos estes registros, os observadores ficaram à espera. Em 1956 e
es para o mar. Atividades suicidas
parecidas foram observadas entre os
coelhos, em épocas de aumentos populacionais 1957, nenhuma mudan ça ocorreu , mas nos primeiros trê s meses de 1958, mais da
em larga escala, seguidos por mortes em metade dos veados morreu e 161 carcaças foram recolhidas. No ano seguinte, mais
massa . Os nativos de algumas ilhas do
Pac ífico viram os ratos fazerem o mesmo veados morreram e houve outra queda. A população estabilizou-se em cerca de
tipo de coisa. Esse comportamento estra
nho por parte de certos animais levou a - oitenta. Doze veados foram recolhidos para estudos histológicos, entre março de
todas as explicações imagináveis, mas não
foi sen ão recentemente que se alcanç
aram algumas descobertas quanto aos fatores 1958 e março de 1960.
subjacentes ao impulso louco dos lemingues A que atribuir a morte sú bita de cento e noventa veados, num período de dois
.
Mais ou menos por ocasião da Segunda Guerra anos? Não foi fome, porque o abastecimento de alimentos era adequado. Na
tistas começaram a suspeitar que havia Mundial, alguns poucos cien- verdade , todos os veados recolhidos estavam em excelentes condições, com pêlos
outros fatores relacionados com o controle
populacional alé m dos predadores e do brilhantes, mú sculos bem desenvolvidos e depósitos de gorduras entre os m úsculos.
abastecimento de alimentos, e o comporta
mento dos lemingues e coelhos poderia
basear-se neles. Na ocasião das mortes em
- As carcaças recolhidas entre 1959 e 1960 assemelhavam-se às apanhadas em
massa, parecia haver bastante comida dispon 1956 e 1957, em todos os aspectos exteriores, com exceção de um . Os veados
ível e as carcaças n ão apresentavam
nenhum sinal de fome aguda. recolhidos após a queda e estabilização da população tinham o tamanho do corpo
Entre os cientistas que estudavam esse fen ômeno, acentuadamente maior do que os apanhados antes da morte em massa , e durante
et ólogo com estudos de patologia estava John Christian, um ela. Os veados de 1960 eram, em média, 34 por cento mais pesados do que os de
m édica. Em 1950 , ele expôs a tese de que
aumento e a diminuição das populações o 1958. J á as corç as apanhadas em 1960 eram , em mé dia, 28 por cento mais pesadas
de mam íferos são controlados por meca
nismos fisiológicos que respondem à
densidade. Apresentou provas mostrando que,
- do que as de 1955-57.
quando aumenta o nú mero de animais O peso das gl â ndulas endócrinas dos veados Sika permaneceu constante de
numa dada á rea, o estresse cresce a ponto
deflagrar uma reação end ócrina cujo efeito de 1955 a 1958, durante o per íodo da máxima densidade e da morte em massa. Nos
é uma queda
Christian precisava de mais dados e procurou populacional. veados imaturos, que formavam grande proporção dos mortos, o peso das gl ândulas
uma população de mamíferos no processo uma oportunidade de estudar endócrinas caiu 81 por cento, depois de iniciada a morte em massa. Houve,
de colapso. A situação ideal seria aquela
na qual estudos endócrinos pudessem também , importantes modificações na estrutura das células das glândulas endó-
ser feitos antes, durante e depois do colapso
Felizmente, o aumento na população de . crinas, que indicavam um grande estresse, mesmo entre os sobreviventes. Embora
veados nas Ilhas James chamou-lhe a dois casos de hepatite fossem descobertos, acreditou-se serem resultado da dimi-
atenção, antes de ser tarde demais.
nuição de resistê ncia ao estresse , devido a supra-renais demasiado ativas. Ao inter-
pretar os dados de Christian , é importante esclarecer a significação das glândulas
endócrinas. Estas desempenham importante papel na regulação do crescimento,
5. reprodu ção e n ível de defesas do corpo. O tamanho e o peso dessas importantes
A MORTE EM MASSA NAS ILHAS
JAMES gl â ndulas n ão é fixo, mas corresponde ao estresse. Quando os animais sofrem
estresse com demasiada freqüência, as supra-renais, para enfrentar a emergência,
Cerca de dezoitoquilómetros a oeste da cidade de Cambrid
ge, Maryland, e
-
tornam-se excessivamente ativas e aumentam de tamanho.-As supra renais aumen-
menos de dois quilómetros ao largo na Ba ía de tadas, com estrutura celular caracter ística indicando o estresse , foram , portanto,
Chesapeake, fica a Ilha James, com altamente significativas.
aproximadamente um quil ómetro quadrado
( 280 acres) de terra desabitada. Em
1916, quatro ou cinco veados Sika ( Cervus Outro fator que contribuiu , sem d úvida , para o estresse, foi o fato de o clima
nippon ) foram soltos na ilha. Pro-
gélido, em fevereiro de 1958, ter impedido os veados, coiflo era seu hábito, de
28
29
nadarem à noite para o continente, viagem que
proporcionava alívio, pelo menos ser exterminados. Ele descobriu que: (a) os lobos eram responsáveis por apenas um
temporá rio, da aglomeração. Uma morte em massa
seguiu -se ao frio glacial. A falta pequeno n ú mero de mortes de caribus; ( b) eles eram importantes para os caribus, a
de al ívio do confinamento, combinada com o
frio, que também provoca estresse, fim de manter as manadas saud áveis e fortes ( fato que os esquimós sabiam , o tempo
pode ter sido a última gota.
lodo); e (c) era a morte de caribus por caçadores e indivíduos que colocavam
Apresentando um resumo num simpósio sobre
superpopulação, estresse e armadilhas, com a finalidade de alimentar seus cães no inverno, a causa do decrés-
seleção natural, em 1961, Christian declarou: “
A mortalidade, evidentemente, resul
tou de choque subseq üente a uma sé ria perturba
ção metabólica, provavelmente
- cimo das manadas. Apesar das provas convincentes, cuidadosamente ordenadas, que
como resultado de prolongada atividade adreno aparecem em seu livro Never Cry Wolf , os lobos est ão sendo sistematicamente
lógico. N ã o havia nenhuma evidê ncia de infec
-cortical, a julgar pelo material histo- envenenados, segundo Mowat. Embora não seja possível calcular antecipadamente o
ção, inanição ou outra causa ó bvia que significará a perda dos lobos ao Á rtico, a lição n ão deve ser ignorada. Este é
para explicar a mortalidade em massa.”
No aspecto fisiol ógico, o estudo de Christian apenas um dos muitos exemplos de como a cupidez imprevidente pode ameaçar o
é completo e nada deixa a equil í brio da natureza. Quando os lobos desaparecerem, os caribus continuarão a
desejar . Há , entretanto , algumas perguntas a respeito
do comportamento dos cervos, diminuir de n ú mero, porque os caçadores estarão por lá. Os remanescentes n ão
sob estresse, que ficarão sem resposta até se
apresentar outra oportunidade. Por serão mantidos tão fortes quanto antes, devido à remoção da pressão terapêutica,
exemplo, mostraram um aumento da agressividade
? Foi esta uma das razões pelas antes fornecida pelos lobos.
quais cerca de nove décimos das baixas,
durante a mortalidade em massa, foram de Os exemplos acima incluem-se na categoria geral da experiência natural. O
corças e crias?
que acontece , quando um elemento de controle é introduzido, e as populações
Espera-se ser possível ter um observador ininterrup
to da próxima vez. animais têm condições para aumentar livremente, com bastante alimento, mas na
ausência de predadores? As experiê ncias e estudos descritos no próximo cap ítulo
révelam , claramente , que a predação e o abastecimento de alimentos podem ser
menos significativos do que pensamos. Eles documentam , em detalhe, o papel do
6. PREDA ÇÃ O E POPULA ÇÃO estresse decorrente da aglomeração como um fator no controle populacional, e
fornecem alguns esclarecimentos sobre os mecanismos bioqu ímicos do estresse.
Menos dramá ticas, poré m ú teis para fornecer provas
adicionais de que a
doutrina malthusiana n ão pode explicar a maioria das
mortes em massa, foram as
investigações sobre a predação, do recentemente
falecido Paul Errington. Errington
descobriu , examinando o conte ú do do est ômago de
corujas, que uma proporção
muito alta do material consistia em animais imaturos
, velhos ou doentes (que eram
demasiado lentos para escapar ao predador). Num
estudo de ratos almiscarados,
descobriu que uma maior quantidade morria de
doença, aparentemente como
conseq üê ncia de uma diminuição de resist ê ncia
devida ao estresse da aglomeração,
sendo menor o n ú mero daqueles capturados pela
voraz marta. Duas vezes num ano,
ratos almiscarados mortos por doença eram encontrad
os num pavilhão. Errington
declara que os ratos almiscarados partilham com o
homem a propensão para se
tornarem selvagens sob o estresse decorrente da
superpopulação. Ela també m
mostra que a aglomeraçã o, ultrapassado determin
ado limite, resulta numa redução
do índice de natalidade dos ratos almiscara
dos.
Muitos etólogos já chegaram à conclusão de que o
dador com sua presa é de sutil simbiose, sendo
relacionamento do pre-
que o predador não controla a
população, mas, antes, representa uma constante pressã
o ambiental para melhorar as
espécies e, o que é bastante interessante, presta
Um exemplo recente foi descrito com detalhes pelo bi
-se pouca atenção a esses estudos.
ólogo Farley Mowat, enviado
ao Á rtico pelo governo canadense, a fim de estabelec
er o n ú mero de caribus mortos
por lobos. As manadas de caribus vêm diminuindo,
de modo que os lobos poderiam
30
ï
III . Superpopulação e comportamento social
entre os animais

1. AS EXPERI Ê NCIAS DE CALHOUN

Qualquer pessoa dirigindo um autom óvel por uma estrada rural , nas imedia-
ções de Rockville , Maryland , em 1958, mal teria notado um celeiro de pedra
comum, recuado da pista. Lá dentro, entretanto, ele era bastante fora do comum ,
pois abrigava uma estrutura , criada pelo et ólogo John Calhoun , para suprir as
necessidades materiais de vá rias coló nias de ratos brancos da Noruega domestica-
dos. Calhoun queria criar uma situação na qual fosse possível observar o com-
portamento das colónias de ratos em qualquer ocasião.
Na verdade, as experiê ncias no celeiro representavam apenas a fase mais
recente de um programa de pesquisas de catorze anos. Em março de 1947,
Calhoun iniciou seus estudos sobre din â mica da população sob condições natu -
rais, introduzindo cinco ratas selvagens da Noruega num cercado aberto de um
quarto de acre. Suas observações duraram vinte e oito meses. Mesmo com bas-
tante alimento e sem nenhuma pressão da predação, a população' jamais excedeu
200 indivíduos, e estabilizou -se em 150. Esses estudos ressaltam a diferença entre
as experiê ncias realizadas no laborat ó rio e o que acontece com os ratos selvagens
vivendo sob condições mais naturais. Calhoun enfatizou que , nos vinte e oito
meses cobertos pelo estudo, as cinco ratas poderiam ter produzido uma des-
cendê ncia de 50.000 animais. Entretanto , o espaço dispon ível n ão poderia
acomodar este n ú mero. Não obstante , 5.000 ratos podem ser mantidos em estado
saudável, num espaço de 350 metros quadrados, se conservados em cercados de
60 cent ímetros quadrados. Casp o tamanho da gaiola seja reduzido para 20
cent ímetros, os 50.000 ratos poderão ser acomodados e també m permanecerem

33
î

150, no estado selvagem?


-
saud áveis. A pergunta que Calhoun fez foi : por que a população estabilizou se em do compartimento iluminado, a qualquer hora do dia ou da noite , sem perturbar
os ratos. Cada compartimento era dividido em quatro cercados, por separações
Calhoun descobriu que, mesmo com 150 ratos, num cercado de um quarto de eletrificadas. Cada cercado consistia numa unidade habitacional completa , con -
acre, as brigas interrompiam os cuidados maternos normais a ponto de apenas tendo um comedouro , uma tina de água , locais para fazer ninhos (elevados , a fim
alguns poucos filhotes sobreviverem. Alé m disso, os ratos n ão se espalharam ao de permitir a observação ) e materiais para os mesmos. Rampas sobre a cerca
acaso em toda a á rea, mas se organizaram em doze ou treze discretas colónias eletrificada ligavam todos os cercados , com exce ção do I e do IV. Estas á reas,
localizadas, com uma d úzia de ratos cada. Ele també m notou que doze ratos são o ent ã o, tornavam -se os cercados finais de uma fileira de quatro, duplicados para
n ú mero má ximo podendo viver harmoniosamente num grupo natural, e mesmo este
economizar espaç o.
n ú mero pode induzir o estresse, com todos os efeitos fisiológicos colaterais descri- A experiê ncia com os ratos selvagens mostrara que entre quarenta e quarenta
tos no fim do Cap í tulo II.
e oito ratos podiam ocupar a sala. Se fossem igualmente divididos, cada cercado
A experiê ncia obtida com o cercado ao ar livre capacitou Calhoun a projetar
ueomodaria uma col ó nia de doze ratos, o n ú mero máximo de um grupo normal ,
uma sé rie de provas, nas quais as populações de ratos poderiam aumentar de
I antes de ocorrer sé rio estresse , devido à aglomeração.
n ú mero livremente, em condições que permitissem uma observação minuciosa , sem
Para iniciar seus estudos, Calhoun colocou , em cada cercado , uma ou duas
influenciar o comportamento dos ratos em suas relações um com o outro.
fé meas grá vidas , pró ximas de dar à luz , retirou as rampas e permitiu que os filhotes
Os resultados desses experimentos são sufícientemente surpreendentes para
umadurecessem . Uma proporção sexual equilibrada foi mantida através da remoção
merecerem uma descrição detalhada. Dizem- nos muita coisa a respeito de como os
do excesso de animais, de modo que a primeira sé rie começou com trinta e dois
organismos se comportam, sob diferentes condições de aglomeração, e lançam uma
nova luz sobre as maneiras pelas quais o comportamento social que acompanha a
ratos, prole das cinco fê meas. Depois , as rampas foram recolocadas e todos os ratos
tiveram completa liberdade para explorar inteiramente os quatro cercados. A
superpopulação pode ter conseq úê ncias fisiol ógicas significativas. Combinados com
segunda sé rie começou com cinq ü enta e seis ratos, e as m ães foram retiradas,
o trabalho de Christian antes mencionado, e com centenas de outras experiências e
depois de desmamarem seus filhotes. Como na primeira série, as rampas de ligação
observações de animais, desde doninhas e ratos, até seres humanos, os estudos de
foram recolocadas , de modo que os ratinhos já amadurecidos pudessem explorar
Calhoun ganham significação ainda maior.
todos os quatro cercados.
Os experimentos de Calhoun são incomuns porque os psicólogos realizando
A partir desse ponto , a intervenção humana cessou , a n ão ser pelo afasta-
esse tipo de pesquisa, tradicionalmente , tentam controlar ou eliminar todas as
mento dos recé m -nascidos excedentes. Isto foi feito a fim de impedir a população
vari á veis, com exceção de uma ou duas, que eles podem, ent ão, manipular à
de ultrapassar um limite de oitenta , duas vezes o n ú mero no qual o estresse foi
-
vontade. També m, a maioria de suas pesquisas aplica se às reações de organismos
definitivamente detectado. Calhoun percebeu que , se n ão mantivesse essa margem
individuais. Os experimentos de Calhoun , entretanto, foram feitos com grupos
de seguranç a , as coló nias sofreriam um colapso populacional , ou uma morte em
grandes, razoavelmente complexos. Ao escolher pacientes com curto prazo de vida ,
massa , semelhante à ocorrida com os veados Sika, e da qual n ão se recuperariam .
ele pode corrigir um defeito comum aos estudos de comportamento de grupo em
geral , abrangem um espaço de tempo demasiado pequeno e, assim, n ão conseguem
— Sua estratégia foi manter a população numa situação de estresse , enquanto três
gerações de ratos eram criadas, de modo a poder estudar os efeitos do estresse n ão
mostrar o efeito de acumulaçã o de uma dada sé rie de circunstâ ncias sobre vá rias upenas sobre indivíduos, mas també m sobre vá rias gerações.
gerações. Os mé todos de Calhoun inseriram-se na melhor tradição da ciê ncia. Não
satisfeito simplesmente com um ou dois per íodos de dezesseis meses, nos quais
permitia que a popula ção aumentasse , observou dezesseis, começando em 1958 e 1.2 Desenvolvimento do esgoto
terminando em 1961 . As descobertas feitas nesses estudos são t ão variadas e amplas
em suas implicações, que é dif ícil fazer-lhes justiça. Deverão produzir novas desco-
A palavra “ esgoto” é usada també m em sentido figurado, com a signi-
bertas, em anos vindouros.
ficaçã de um recept áculo de sujeita ou detritos. Calhoun inventou o termo
o
“ esgoto comportamental ” para designar as totais distorções de comportamento
que apareciam entre a maioria dos ratos no celeiro de Rockville. Tal fen ômeno,
1.1 Esquema da experiência
segundo ele acredita , é “ o resultado de qualquer processo comportamental que
reúna animais em n ú mero desusadamente grande. As conotações insalubres do
Dentro de seu celeiro em Rockville, Calhoun construiu três compartimentos
termo não são acidentais: um esgoto comportamental realmente age no sentido
de 3, 5 m por 4, 5 m, abertos à observação através de janelas de vidro de lm x l ,5m
de agravar todas as formas de patologia que possam ser encontradas dentro de
no ch ã o do palheiro. Esta disposição permitiu aos observadores uma visão completa
um grupo ” .

1 34
35
ï

O esgoto comportamental incluiu interrupções à construção de ninhos, à lorno da abertura do ninho e realiza uma pequena dança. Quando esta acaba , a
corte, ao comportamento sexual, à reprodução e à organização social. Ratos fê mea sai do ninho e acontece o ato sexual, durante o qual o macho prende a pele
autopsiados mostraram, també m, sé rios efeitos fisiológicos. do pescoço da fê mea suavemente entre os dentes.
O esgoto foi alcançado quando a densidade da população atingira aproxima- Quando o esgoto se desenvolveu nos cercados II e III , tudo mudou. Vá rios
damente o dobro daquela que, de acordo com as observações, produzira um tipos diferentes de machos podiam ser identificados:
m á ximo de estresse na col ónia de ratos selvagens. A expressão “ densidade” deve ter 1. O agressivamente dominador, que surgia até em n úmero de três, apresen-
seu sentido ampliado para alé m de uma simples proporção de indivíduos num
tava comportamento normal.
espaço dispon ível. Com exceção dos casos mais extremos, só a densidade já causa
estresse nos animais. 2. Os machos passivos evitavam tanto a briga como o sexo.
Para captarmos a idéia de Calhoun , precisamos passar agora para os ratos 3. Os machos subalternos hiperativos passavam todo seu tempo perseguindo
pequenos, e acompanh á-los desde a ocasião em que tiveram liberdade para percorrer fê meas. Três ou quatro acompanhavam , ao mesmo tempo, uma fê mea atormen -
os quatro cercados, quando o esgoto foi produzido. No estado normal de n ão aglo- tada. Durante a fase da perseguição, n ão observavam as amenidades ; em vez de
meração, existe um curto per íodo em que os ratos machos ainda novos, porém fisi- parar na entrada do “ ninho” , seguiam «a fê mea até o interior , de modo que ela
camente maduros lutam uns com os outros at é estabelecerem uma hierarquia n ão tinha al ívio. Durante o ato, esses ratos machos com freqüê ncia mantinham a
social razoavelmente est ável. Na primeira das duas series de fê mea agarrada durante vá rios minutos, em vez dos costumeiros dois ou três
Rockville descritas aqui, os dois ratos machos dominantes esta- segundos.
beleceram territ órios nos cercados I e IV. Cada um mantinha
um haré m de oito a dez fê meas, de modo que sua colónia era 4. Os machos pansexuais perseguiam tudo: fê meas receptivas ou n ão, tanto
equilibrada e compat ível com o agrupamento natural entre os machos como fê meas, novos e velhos. Qualquer parceiro servia.
ratos, segundo se observara no cercado de um quarto de acre. 5. Alguns machos afastaram -se do intercurso social e sexual e só circulavam
Os restantes catorze ratos machos distribu íram-se nos cercados na hora em que os outros ratos dormiam .
II e III. Quando a população aumentou para sessenta ou mais,
as chances de um rato poder comer sozinho eram m ínimas. Isto
ui
porque os comedouros haviam sido planejados de forma que os
grãos aliment ícios, por trás de uma tela de arame , levavam 1.4 Construção de ninhos
muito tempo para serem extra ídos. Os ratos nos cercados II e
IV
III tornaram-se condicionados, portanto, a comer com outros Tanto os ratos machos como fê meas participam da construção, mas a fê mea
ratos. As observações de Calhoun revelaram que, quando a atividade aumentava realiza a maior parte do trabalho. O material do ninho é carregado até a toca ,
nos cercados do meio, com os comedouros sendo usados três a cinco vezes mais empilhado e escavado, de modo a formar uma cavidade para conter os filhotes. No
freqüentemente do que nos cercados da ponta, o esgoto começava a se desen- estudo de Rockville , fê meas dos “ haré ns” , nos cercados I e IV, e outras que não
volver. Os padrões normais de comportamento eram perturbados, como se verá a tinham alcançado a etapa do esgoto , mostravam -se “ boas donas-de -casa ; eram
seguir. limpas e mantinham a á rea em torno do ninho sem sujeira. As fê meas na fase do
esgoto, nos cercados II e III , muitas vezes n ão chegavam a terminar o ninho. Era
possível observá-las carregando um pedaço de material para o ninho por uma rampa
1.3 Corte e sexo e , de repente, deixando-o cair. O material que chegava ao ninho era atirado na á rea
geral ou juntado a uma pilha jamais escavada, de modo que os filhotes dispersa-
A corte e o sexo, no rato da Noruega, normalmente envolvem uma seqiiência vam-se ao nascer, e poucos sobreviviam.
fixa de acontecimentos. Os ratos machos tê m de ser capazes de estabelecer três
distin ções básicas na escolha de uma companheira. Primeiro, precisam fazer a
costumeira diferenciação básica entre macho e fê mea, e saber a diferença entre 1.5 Cuidados com os filhotes
indivíduos maduros e imaturos. Depois, precisam descobrir uma fê mea em estado
receptivo (cio). Quando esta combinação aparece dentro de seu campo visual e Normalmente , as fê meas trabalham duro para manter as ninhadas separadas e ,
olfativo, o rato macho persegue a fê mea. Ela corre, mas n ão demasiado depressa, se um filhote estranho fosse introduzido no ninho, a fê mea o afastaria. No caso dos
-
mergulha no ninho, vira se e levanta a cabeça, para espiar o macho. Ele corre em ninhos serem descobertos, os filhotes eram transportados para um novo local, mais

36 37
!
protegido. As mães na etapa do esgoto, no estudo de Rockville, nã o distinguiam os
hiperativos poderia estar testando-o, para ver se conseguia entrar. Ele só precisava
filhotes. As ninhadas tornaram-se misturadas; os filhotes eram pisados e , com abrir um olho, para desencorajar a invasão.
freqiiê ncia, devorados por machos hiperativos que invadiam os ninhos. Quando um
De vez em quando, uma das fê meas sa ía de um ninho, passava diante do
ninho ficava exposto, a mãe começava a tirar os filhotes, mas n ão completava
macho adormecido, disparava pela rampa acima, sem acord á-lo, e voltava mais
sequer uma fase da mudança. Os filhotes levados para fora, para outro
ninho, tarde, seguida por um bando de machos hiperativos, que parava ao alcançar o topo
muitas vezes ca íam e eram devorados por outros ratos.
da rampa. Alé m deste ponto, ela n ão seria molestada e podia engravidar e criar seus
filhotes sem ser perturbada pelo constante torvelinho do esgoto. A medida regis-
trada de suas realizações como mãe era de dez a vinte e cinco vezes superior à das
1.6 Territorialidade e organizaçao social fê meas do esgoto. Não apenas tinha duas vezes mais filhotes, mas metade , ou mais ,
de sua cria sobrevivia à desmama.
O rato da Noruega desenvolveu um padrão organizacional simples, que
impli-
ca a vida em grupos de dez a doze indiv íduos, hierarquicamente classificados,
ocupando um territó rio comum, que defendem. O grupo é dominado por um
macho maduro e sua composição inclui proporções vari á veis de ambos os 1.7 Consequências fisiológicas do esgoto
sexos.
Ratos de alto escalão n ão precisam submeter-se a outros ratos, tanto quanto os de
baixo escal ão. Seu status é indicado, em parte, pelas á reas, dentro do territ ó rio, que Como no caso dos veados Sika, o esgoto afetava mais duramente as ratas
lhes estão franqueadas. Quanto mais elevado o status, maior n ú mero de á e os filhotes. O índice de mortalidade das fê meas no esgoto era três vezes e
reas
podem visitar. meia superior ao dos machos. Dos 558 filhotes nascidos no auge do esgoto, apenas
Os ratos machos dominantes, na experiê ncia do esgoto, sendo um quarto sobreviveu até a desmama. As ratas grávidas tinham problemas para
incapazes de
estabelecer territórios, substitu íram o espaço pelo tempo. Três vezes por dia , havia manter a gravidez. Não apenas aumentaram significativamente os abortos de ratos,
uma tempestuosa “ mudan ça da guarda ” em torno dos depósitos de comida , mas as fê meas começaram a morrer por dist ú rbios no ú tero, no ová rio e nas trompas
carac-
terizada pelas brigas e escaramuças. Cada grupo era dominado por um ú nico de Falópio. Tumores das gl ândulas mam á rias e dos ó rgãos sexuais foram identifica-
rato.
Esses três machos eram iguais entre si em escalão, mas, ao contrá rio das hierarquias dos em ratos submetidos a autópsia. Os rins, f ígados e supra-renais também estavam
normais, de natureza extraordinariamente est á vel, os escal ões sociais na aumentados, ou doentes, e apresentavam ind ícios usualmente associados com
experiê ncia
do esgoto eram muito inst á veis. “ Em intervalos regulares, durante o extremo estresse.
curso de suas
horas de trabalho, esses machos de alto escalão empenhavam se em rixas gene
- -
ralizadas, que culminavam com a transferência da domin â ncia de um macho para
outro” . 1.8 Comportamento agressivo
Outra manifesta çã o social era o que Calhoun chamava de “ classes” de ratos,
as quais partilhavam territ ó rios e apresentavam comportamento parecido. A Como Konrad Lorenz , o et ólogo alemão , deixou claro em Man Meets Dog , o
fun çã o
da classe, aparentemente, é reduzir o atrito entre os ratos. Normalmente, comportamento agressivo normal tem avisos correlacionados, que extinguirão o
existem
até três classes numa col ó nia . impulso agressivo, quando o derrotado tiver “ recebido uma lição ” . Os ratos machos
O aumento da densidade populacional leva à proliferação de classes e no esgoto não suprimiam mutuamente a agressividade e empenhavam-se em mordi-
sub-
classes. Os machos hiperativos violavam n ão só os costumes de acasalamento, das de cauda demoradas, muitas vezes n ão provocadas e imprevisíveis. Este com-
invadindo o ninho quando perseguiam as fêmeas, mas també m outros hábitos portamento continuou durante cerca de três meses, até os ratos amadurecidos
territoriais. Corriam de um lado para outro, aos bandos, empurrando,
esquadri- descobrirem novas maneiras de suprimir a agressividade de seus companheiros. Mas
nhando, explorando, testando. Aparentemente, só tinham medo do macho
domi- os ratos novos, que n ão tinham aprendido como impedir que suas caudas fossem
nante, que dormia ao pé da rampa, nas áreas do cercado l ou IV, protegendo seu mordidas, ainda estavam sujeitos a grandes danos.
territ ó rio e seu haré m contra todos aqueles que se aproximavam.
As vantagens, tanto para a espécie como para o indivíduo, conferidas pela
territorialidade e pelas relações hierá rquicas estáveis , foram claramente demonstra O esgoto que não se desenvolveu
das pelos ratos que ocupavam o cercado I. Da janela de observação, no alto do
- 1.9
compartimento, podia-se olhar para baixo e ver um grande e saud á vel rato, adorme Uma segunda sé rie de experiê ncias demonstrou a relação estratégica entre o
-
cido ao pé de uma rampa. No alto da rampa, um pequeno grupo de
machos esgoto e a necessidade condicionada de comer com outros ratos. Nessas experiê n-

I 38 39
I I

cias, Calhoun mudou o tipo de alimento de gr ãos para comida, de ticas quanto complexas. Entretanto , é de se duvidar se os muitos fatores de
••v; maneira que esta podia ser ingerida rapidamente. A água, por
outro lado, era fornecida por uma fonte vagarosa , de modo que os
interação, que se combinam para manter um equil íbrio populacional adequado,
poderiam ser identificados apenas com observações dos ratos brancos da Noruega.
-
ratos condicionaram se a beber , em vez de comer, junto com Felizmente , no entanto, a observação de outras espécies esclareceu os processos
outros ratos. Esta mudança manteve a população distribuída de através dos quais os animais regulam sua própria densidade, em função da auto-
maneira mais uniforme entre os cercados; devido ao fato de que preservação.
os ratos, normalmente, bebem logo depois de acordar, eles
tendiam a permanecer em sua á rea de dormida. ( Na experiê ncia
pré via, a maioria dos ratos deslocara-se para o cercado onde
comiam.) Existem alguns ind ícios de que, na segunda sé rie , um
esgoto finalmente iria desenvolver-se , mas por razões diferentes. 2. A BIOQUÍ MICA DA SUPERPOPULA ÇÃ O
Um macho assumiu o controle dos cercados III e IV, expulsando
todos os outros ratos. Um segundo macho encontrava-se no
processo de estabelecer direitos territoriais no. cercado II. Quando a experiê ncia
terminou, 80 por cento dos machos estavam concentrados no cercado I e os

Como pode a superpopulação produzir os resultados dramá ticos da agressão

restantes, menos um, encontravam-se no cercado II.



e várias formas de comportamento anormal, até a morte em massa que vimos em
animais t ão diferentes como o cervo, o esgana-gata e o rato? A procura de respostas
para esta pergunta produziu descobertas com amplas implicações.
Dois pesquisadores ingleses, A. S. Parkes e H. M. Bruce, que investigavam os
1.10 Resumo das experiências de Calhoun diferentes efeitos da estimulação visual e olfativa em pássaros e mam íferos, infor-
maram , em Science, que a gravidez , no camundongo, é suprimida pela presenç a de
Evidencia-se, através das experiências de Calhoun, que até o rato, resistente um macho da espécie que não o companheiro inicial, durante os primeiros quatro
como é, n ão pode tolerar a desordem e, como o homem, precisa de algum tempo dias depois da concepção. No começo, os segundos machos reprodutores tinham
para ficar sozinho. As fê meas no ninho sã o particularmente vulneráveis, do mesmo permissão para acasalar-se com as f ê meas durante o per íodo de vulnerabilidade.
modo que os filhotes, necessitando estes de serem protegidos, do nascimento até Mais tarde, ficou demonstrado que a simples presença de um segundo macho na
a
desmama. També m, se as ratas gr á vidas forem demasiado atormentadas, tê m uma gaiola bloqueava a gravidez. Afinal, descobriu-se que o bloqueio ocorria se uma
dificuldade crescente de levar a termo a gravidez. fê mea grávida fosse introduzida numa á rea da qual um macho fora recentemente
Provavelmente, n ão existe nada patológico na aglomeração em si, para pro- retirado. Desde que o macho n ão estava mais presente para ser visto pela f êmea
duzir os sintomas que vimos. A aglomeração , entretanto , perturba importantes
vulnerável , tornou-se ó bvio que o cheiro, mais do que a vista, era o agente ativo.
funções sociais e, deste modo, leva à desorganização e , em última inst â ncia , ao
Esta suposição ficou provada quando se demonstrou que a destruição do lobo
colapso populacional ou morte em massa. olfativo no cérebro do camundongo fêmea tornava-a invulnerável à capacidade de
Os hábitos sexuais dos ratos submetidos à experiência do esgoto pertur- bloqueio à gravidez pelo macho estranho.
baram-se, e a pansexualidade e o sadismo tornaram-se end é micos. A criação dos
Aut ó psias das f ê meas cuja gravidez fora bloqueada mostraram que o corpo
filhotes desorganizou-se quase inteiramente. O comportamento sexual dos machos l ú teo, que prende o óvulo fertilizado à parede do ú tero , n ão se desenvolvera. A
deteriorou-se, de modo que irromperam as brigas. As hierarquias sociais ficaram formação normal do corpo lú teo é estimulada por um hormônio, a prolatina, e o
inst áveis e os tabus territoriais eram desrespeitados, a menos que fossem mantidos bloqueio à gravidez pode ser impedido injetando-se ACTH.
através da força. Os índices extremamente altos de mortalidade das fê meas dese
-
quilibravam a proporção sexual e, assim, exacerbavam a situação das fêmeas
sobreviventes, que ainda eram mais atormentadas pelos machos, durante o per íodo
da entrada no cio. 2.1 Exocrinologia
Infelizmente, não existem dados comparáveis, no caso de populações de ratos
selvagens sob estresse extremo e em processo de colapso, para serem confrontados Atravé s de seu trabalho, Parkes e Bruce modificaram radicalmente as teorias
com os estudos de Calhoun. É poss ível, entretanto, que se ele levasse adiante por correntes sobre a relação entre os delicados sistemas de controle qu ímico do corpo
mais tempo seus estudos, o efeito de esgoto aumentaria até proporções de crise. e o mundo exterior. As glâ ndulas de secreção interna, ou endócrinas, t êm influ ê ncia
Nã o importa como sejam encaradas; as experiências com ratos foram tanto dramá
- sobre praticamente tudo que o corpo faz, e h á muito eram consideradas como um

40
41
sistema fechado, selado no corpo, ligado ao mundo exterior apenas de modo entre o córtex supra -renal, atuando como serviço de caixa, e a pituitá ria , como
indireto. Os experimentos de Parkes e Bruce demonstraram que isto n ão é sempre junta de diretores. Danos e infecções são formas comuns de estresse e, ao
verdadeiro. Eles criaram o termo “ exocrinologia ” ( para contrastar com endocri- encaminhar a inflamação controlada para combatê-los, o có rtex desconta cheques
nologia ) a fim de expressar a visã o modificada dos reguladores qu ímicos, incluindo do caixa contra o f ígado. Se o estresse persistir, um horm ô nio chamado cortisona
envia uma mensagem aflita para a pituit á ria. Preocupada com o quadro geral, a
os produtos das glândulas odor íferas espalhadas pelo corpo dos mam íferos. As pituitá ria recorre a uma espécie de vice-presidente, o ACTH , ou horm ônio adreno-
subst â ncias odor íferas são segregadas por glâ ndulas especiais, anatomicamente situa- corticotr ó pico , cujo papel é , literalmente, o de apoiar o córtex supra-renal. Como
das em vá rios pontos, como entre os cascos do veado, sob os olhos do ant ílope, nas os estudantes de Parkinson poderiam prever, o córtex, animado, contrata mais
solas dos pés dos camundongos, na parte posterior da cabeça do camelo á rabe e nas pessoal e expande suas atividades, incluindo a de reunir mais ACTH. Deveria ser
axilas do homem. Alé m disso, subst â ncias odor íferas são produzidas pela genit ália, e evidente a natureza viciosa da espiral iminente, c assim é , comumente ; mas,
embora as retiradas continuem , o volume de açú car em circulação mant ém uma
aparece na urina e nas fezes. const â ncia ilusó ria ( trabalho de outro servomecanismo ) e n ão existe nenhum
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Atualmente, reconhece se que as secreções externas de um organismo traba - meio, a não ser a aut ópsia , para fazer um balanç o no banco.
lham diretamente na qu í mica corporal de outros organismos e servem para ajudar a Se a pituit á ria for induzida, pelo estresse cont ínuo, a dar maior apoio ao
integrar as atividades das popula ções ou grupos, de vá rias maneiras. Exatamente ACTH, as grandes transações começam a sofrer cortes. Uma redu ção do horm ô-
como as secreções internas integram o indivíduo, as externas auxiliam a integrar o nio ovariano , por exemplo, pode fazer com que o córtex trate um feto bem
iniciado como se fosse uma inflamação a ser curada . Do mesmo modo, as
grupo. O fato dos dois sistemas estarem interligados ajuda explicar, em parte, a fontes glandulares da virilidade e da maternidade , embora desproporcionalmente
natureza auto- reguladora dos controles populacionais e o comportamento anormal pr ódigas em açú car , tê m igual possibilidade de secar. Deixando de lado a hiper-
que acompanha a aglomeraçã o excessiva. Uma síndrome relaciona-se com as reações tensão ( porque envolve outra mercadoria , o sal, que n ão precisa, por enquanto,
corporais ao estresse. .
ser examinado ), o sintoma fatal pode ser a hipoglicemia Um pequeno estresse
Hans Selye, austr íaco que trabalha em Ottawa, e cujo nome vem sendo muito suplementar , como um ru ído alto . . . corresponde a uma visita n ão anunciada
de um investigador bancá rio: a medula supra-renal, sobressaltada, envia um jato
associado com estudos do estresse, demonstrou que os animais podem morrer de de adrenalina para os m ú sculos, o sangue fica sem açú car e o cérebro, de
choque, se forem repetidamente estressados. Qualquer aumento de exigê ncias repente, encontra-se à m íngua . Eis a í, conseq üentemente , a razão do choque
orgâ nicas precisa ser satisfeito com um acréscimo de energia . Nos mam íferos, esta parecer com o hiperinsulinismo.
fonte de energia é o açúcar do sangue . Se exigê ncias repetidas esgotarem o Um pâ ncreas hiperativo, como uma supra-renal em pâ nico, parece um
abastecimento do açú car dispon ível, o animal entra em choque. contador n ão merecedor de confian ça , com a mão na gaveta do dinheiro.

2.2 O modelo do banco de açúcar 2.3 As supra-renais e o estresse

Sob o t í tulo curioso de The hare and the haruspex *, o biólogo de Yale O leitor , certamente , lembra-se de que os veados Sika apresentavam glâ n-
Edward S. Deevey , recentemente explicou a bioqu ímica do estresse , com uma dulas supra - renais bastante aumentadas, pouco antes da morte em massa , e duran-
met á fora impressionante: te ela. Este aumento de volume estava associado, segundo se supôs, com as
crescentes exigê ncias de ACTH , devidas à acentuação do estresse , em conseqiiê n -
É possível dizer-se que as necessidades vitais podem ser pagas com açúcar,
para o qual o f ígado age como um banco. As retiradas de rotina são suavemente cia da superpopulação.
cobertas pelos horm ô nios do pâ ncreas e pela medula supra-renal, que agem como Seguindo essa orientação , Christian , no final da dé cada de 50, fez um
contadores do pagamento ; mas as decisões de alto n ível ( como se haver á cresci - estudo das mudan ças, a cada estação do ano , nas gl â ndulas supra- renais das
mento, ou reprodu ção ) est ã o reservadas para as autoridades do banco, o córtex marmotas. Entre os 872 animais recolhidos e autopsiados num per íodo de quatro
supra- renal e as gl â ndulas pituitá rias. O estresse, segundo o ponto de vista de
anos, o peso médio das supra-renais aumentou até 60 por cento, de março até o
Selye , equivale a uma crise administrativa entre os horm ô nios, e o choque
acontece quando a direção saca em excesso do banco. fim de junho , fase em que as marmotas machos estavam competindo por compa-
Se o modelo do banco for suavemente dissecado, revela seu primeiro e mais nheiras, mantinham -se ativas durante partes mais longas do dia e maior número
importante servomecamismo: um esquema de ligação notavelmente burocr á tico delas encontrava-se concentrado numa determinada área, ao mesmo tempo. O
peso das supra - renais declinou em julho, quando a maior quantidade de animais
estava ativa , mas a agressividade encontrava-se em n ível muito baixo. O peso
* “ A lebre e o ar ú spice” . ( N. do T. ) aumentou outra vez, de maneira radical , em agosto, quando houve amplo movi-

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demonstraram que existe uma relação entre agressividade e distância nos animais.
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procriaçã o, a dist â ncia mé dia de interaçã o entre os animais aumentava . O peso As atuais suposições a respeito da evolu ção do homem ilustram os efeitos de
médio das supra- renais correlacionava-se com a distância média de interação, bem ambas as pressões. Tendo sido originalmente um animal que vivia no chão, o
como com o n ú mero de interações. ancestral do homem foi forçado pela competição interespécies, e por mudanç as no
Em outras palavras, parafraseando Christian , quando a agressividade aumenta , meio ambiente , a desertar o solo e mudar-se para as á rvores. A vida arbórea exige
os animais precisam de mais espaço. Caso n ão se encontre dispon ível , como ocorre vista aguçada e diminui a dependê ncia do olfato, crucial para organismos terrestres.
quando as populações aproximam-se de um limite má ximo, começ a uma reação em Assim, o sentido do olfato no homem deixou de se desenvolver e seus poderes de
cadeia. Uma explosão de agressividade e atividade sexual , bem como dos estresses visão foram muito reforçados.
conseq úentes, sobrecarregam as supra- renais. O resultado é um colapso popula- Uma das conseqüências do abandono do olfato como meio importante de
cional, devido à diminuiçã o do índice de fertilidade, aumento da susceptibilidade às comunicação foi uma alteração na relação entre os seres humanos. Talvez este fato
doen ças e mortalidade em massa , decorrente de choque hipoglicê mico. No curso tenha dotado o homem de maior capacidade para suportar a aglomeração. Se os
deste processo, os animais dominantes sã o favorecidos e , em geral , sobrevivem. seres humanos tivessem narizes como os dos ratos, estariam sempre presos a toda a
Paul Errington , recentemente falecido, talentoso et ólogo e professor de zoolo- sé rie de mudanç as emocionais que ocorressem nas pessoas em torno de si. A raiva de
gia da Iowa State University , passou anos observando os efeitos da aglomeração em outra pessoa seria algo que poder íamos farejar. A identidade de qualquer pessoa que
ratos almiscarados dos pâ ntanos. Chegou à conclusão de que, se o colapso fosse visitasse uma casa , e as conotações emocionais de tudo ali ocorrido seriam do
demasiado severo, o per íodo de recuperaçã o prolongava-se infinitamente. O pesqui- conhecimento pú blico , enquanto o cheiro persistisse. O psic ótico começaria a nos

sador ingl ês H. Shoemaker mostrou que os efeitos da superpopulação podiam ser pô r todos loucos, e o ansioso faria com que ficássemos ainda mais ansiosos. Para
bastante contrabalanç ados, fornecendo-se o tipo de espaç o certo para certas situa- dizer o m ínimo, a vida seria muito mais complicada e intensa. Estaria sob menor
ções cr í ticas. Caná rios que ele reuniu em n ú mero excessivo, numa ú nica gaiola controle consciente , porque os centros olfativos do cé rebro são mais antigos e mais
grande , elaboraram uma hierarquia de domin ância que interferiu na constru ção de primitivos do que os centros visuais.
ninhos dos pássaros de escalão mais baixo, até lhes serem dadas pequenas gaiolas, A mudança do apoio no nariz para o apoio no olho, como resultado de
onde os pares podiam aninhar-se e criar seus filhotes. Os caná rios machos de escalã o pressões ambientais, redefiniu completamente a situação do homem. A capacidade
mais baixo tinham, deste modo , um territ ó rio pró prio inviol á vel e obtinham, humana de planejar tornou-se poss ível porque o olho abrange uma extensão maior ;
conseqiientemente, maior sucesso na produção de uma ninhada do que se a situação codifica dados muito mais complexos e , deste modo, encoraja o pensamento
fosse diferente. abstrato. O cheiro, por outro lado , embora profundamente satisfat ó rio do ponto de
O fornecimento de territ órios individuais para as fam ílias e a proteção dos vista emocional e sensual , empurra o homem justamente na direção contrá ria .
animais contra seus companheiros, em é pocas cr í ticas, durante a temporada de A evolução do homem foi marcada pelo desenvolvimento dos “ receptores à
acasalamento, pode contrabalan çar os maus efeitos da superpopula çã o, at é mesmo —
dist â ncia ” a vista e a audição. Assim , ele pode desenvolver as artes que empregam
em animais de grau t ã o baixo na escala evolucion á ria como o esgana-gata . esses dois sentidos at é a virtual exclusão de todos os outros. Poesia , pintura , m úsica ,
escultura, arquitetura , dança, dependem todas, basicamente , embora n ão de modo
exclusivo , dos olhos e ouvidos. Assim també m os sistemas de comunicação que o
homem criou . Em cap ítulos posteriores, veremos como a ê nfase diferente na visão ,
2.4 Os usos do estresse audição e olfato , por parte de culturas que o homem desenvolveu , levou a percep-
ções grandemente diferenciadas do espaç o e das relações do indiv íduo no espaç o.
Se tendemos a deplorar os resultados da superpopula ção, n ã o devemos esque-
cer que o estresse por ela produzido teve valores positivos. Tal estresse foi um
instrumento eficiente a serviço da evoluçã o, porque emprega as forças da compe-
tição intra-espé cies, em vez da competiçã o interespé cies, para nós mais familar
como a “ luta com unhas e dentes” da natureza.
Existe uma diferen ça muito importante entre essas duas pressões evolucion á-
rias. A competiçã o entre as espécies prepara o palco no qual os primeiros tipos
podem desenvolver-se. Envolve espé cies inteiras, em vez de variedades diferentes do
mesmo animal. A competiçã o dentro de uma espécie , por outro lado, refina a prole
e reforç a seus traços caracter ísticos. Em outras palavras, a competição intra-espécies
serve para reforçar a forma incipiente do organismo.
47
46
IV . A percepção do espaço:
receptores à distâ ncia - olhos ,
ouvidos e nariz

.. . náo podemos jamais perceber o mundo em si, mas apenas . . . o choque das
for ças f ísicas com os receptores sensoriais.
F. P. KILPATRICK
Explorations in Transactional
Psychology

O estudo das engenhosas adapta ções apresentadas pela anatomia, fisiologia,


e o comportamento dos animais , leva à conclusão familiar de que cada um
desenvolveu -se para se adaptar à vida em seu canto particular do mundo . . . cada
animal també m habita um mundo privado subjetivo, que não é acessível à
observação direta. Este mundo é composto de informações comunicadas à criatura
a partir do exterior , sob a forma de mensagens captadas pelos seus órgãos
sensoriais.

H. W. LISSMAN
“ Electric location by fishes”
Scientific American

Essas duas declarações focalizam a importância dos receptores na construção


dos muitos diferentes mundos perceptuais que todos os organismos habitam . As
declarações também enfatizam que as diferenças desses mundos não podem ser
ignoradas . A fim de compreender o homem , precisamos saber algo da natureza de
seus sistemas receptores , e de como as informações recebidas através desses recep-
tores são modificadas pela cultura . O aparelhamento sensorial do homem insere -se
em duas categorias que podem ser classificadas mais ou menos como:

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