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UNIVERSIDADE MANDUME YA NDEMUFAYO

FACULDADE DE DIREITO

A FAMÍLIA TRADICIONAL BANTU Á LUZ DO DIREITO DE FAMÍLIA


CONSUETUDINÁRIO E ESCRITO

LUBANGO/12/01/202

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


1

Notas do autor do artigo científico


Os princípios jurídicos de Direito de Família Geral, na família romana-germânico e
outras são todos afins em parte. Contudo o Direito é um campo bastante rico e
dinâmico, ele acompanha o desenvolvimento de cada povo, pois embora se destine às
pessoas humanas e colectivas o Direito para ser mais eficaz e se efectivar a própria
justiça deve ser olhado segundo o modus vivendi de cada povo, porque é o povo que
legisla, é povo receptor das normas jurídicas; a pior injustiça que se pode dar a outrem
é lhe dar uma justiça que não faz parte dos seus actos aceitáveis e lícitos entre si.

Defendemos um Direito Consuetudinário da Família angolana, e mormente da África


em geral, o africano desde à chegada dos europeus e americanos dentro dos seus
territórios já eram regido por normas e práticas costumeiras segundo suas culturas e os
moldes de viver dos mesmos. Falar da família em Angola, não é mesmo que falar da
família portuguesa e romana, embora haja traços semelhantes da manifestação do
Direito entre estes povos, nada obsta de existir magnas divergências também. Portanto,
o presente artigo científico é um ensaio verídico, de que chegou a hora dos juristas e
estudantes em Direito serem introduzidos a pensar sobre o Direito no geral e de maneira
particular de Angola e sem exclusão dos seus povos e circunscrições territoriais.

O autor:

Albert MN Fina

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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Introdução Geral
Como escreveu-nos a professora Maria do Carmo Medina, dizendo que, ‘o
Direito da Família é mais desenvolvido nas comunidades africanas ‘, com espírito de
honestidade concordamos, pelo que optaremos por abordar o tema cujo título é: A
Família tradicional Bantu á luz do Direito de Família Consuetudinário e Escrito.
Vamos nos discorrer pelos seguintes pontos organizados em capítulo: I capítulo; breve
noção histórica da família e dos sistemas familiares, II capítulo; As comunidades bantu,
III capítulo; a constituição da pessoa humana e os princípios da família tradicional
bantu, face aos do Direito da família angolano e por último, debruçaremos acerca dos
impedimentos matrimoniais.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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I CAPÍTULO

Breve noção histórica da família e dos sistemas familiares


A família é uma das primeiras instituições a dealbar desde o desenvolvimento
sociopolítica. Cada indivíduo tem seu conceito de família, pelo que não há unicidade
conceptual de saber o que é a família. A família é1 o núcleo fundamental da
organização e é objecto de especial protecção do Estado, quer se funde em
casamento, quer em união de facto, entre o homem e mulher.

Sistemas familiares são formas de estrutura ou composições familiares, são as


várias maneiras de ser de uma determinada família na sociedade, obedecendo princípios
próprios e universais para uma boa convivência entre os membros na comunidade
política, social, cultural e económica.

1.2.A organização política bantu


De todas as áreas habitadas por povos ágrafos, a África é aquela em que mais
abundam estruturas governamentais complexas. Se atendermos à organização e
administração, o génio político destas instituições em todas as tribos, iguala, se não
excede, tudo quanto se conhece no mundo ágrafo. Um dos pontos relevantes em África
são as entidades dos seus reinos, das suas áreas tão vastas, que podemos classificar sua
sociedade composta por certo habitantes protótipos, toda ela tendo uma base de
sociedade negra.C.K.Meek, diz-nos que, a maioria dos reinos da África foram
estruturados a partir de um modelo comum. M.Delafosse, acabou de afirmar-nos «Seja
qual for o grau de desenvolvimento alcançado pelas instituições políticas negros de
África e o grau de desenvolvimento dos seus Estados, a sua organização e
funcionamento apresentam, sempre e em todas as partes as mesmas características
fundamentais.» Hilda Kuper, assegura que: «em África, ao Sul do Zambeze, domina um
modelo tradicional: cada tribo agrupa-se à volta de um chefe hereditário. As sociedades
africanas podem ser classificadas a partir de um número limitado de categorias
económicas e políticas».

Numa primeira instância cá em África notabilizou-se sociedades nómadas, que


porquanto careciam de chefes políticos, sendo os mais velhos dos outros velhos
conselheiros, os quais deliberavam para o bem do grupo, a este elementar intento de
organização política pertencem as organizações paleonegras.Com costumes próprios,
transformados em leis, e uma solidariedade de grupo, baseada na unidade cultural,
étnica ea,. linguística, não vão além do estado de horda. Essas organizações, por não
estarem hierarquizadas formam, contudo um sistema familiar equilibrado, estável,
flexível e coerente. As formas políticas sistematizadas com regras precisas, têm a sua
origem na família alargada que pode abarcar uma ou várias aldeias. Ninguém,
porquanto contesta a autoridade política, religiosa e tradicional dos chefes, que
constituem um estado-família e ampliando-se em numerosas famílias elementares.

1
Cfr.Constituição da República de Angola, de 2010, artigo 35º nº 01.

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Mais tarde nasce o estado-clã, onde há patriarca da família- cepa primitiva, é o


chefe incontestado. O poder deste fica diminuído porque o conselho dos chefes de
família, que decide juntamente com ele, pode coarctar2 o seu despotismo e até aniquilá-
lo, caso atraiçoe os costumes ou passe acima das suas atribuições, portanto formam-se
depois sociedades democráticas com um chefe.

Quando vários estados-clãs se unem, aglutinados pela língua, costumes, ritos,


crenças ou necessidades peremptórias, formam o estado-tribo, cujo chefe, em momentos
periclitantes, assume plenos poderes. Entretanto, um regime democrático, representativo
das várias famílias e clãs, regula a política do grupo.(ALTUNA, 2014)

O mais característico da história política negro-africana tem sido os reinos e


chefias que abarcavam territórios reduzidos e limitados, como províncias na época pré-
colonial. Na África tradicional o governo correspondeu sempre à forma monárquica: no
topo de cada emaranhado político encontrava-se sempre um chefe ou rei. Quando o
número de súbditos e sua concentração permitiam ao monarca governá-los
directamente, essa unidade política resultante era chamada, ‘chefferie’;3 quando era
necessário ao soberano delegar as suas prerrogativas em funcionários, que as exerciam
em seu nome, chamando-se reino.

Em suma, falar da organização política com extensão até as demais instituições


sociais do povo bantu, é uma tarefa árdua, pois o nosso continente é vasto, quão grande.
Pelo que, coube-nos agora apenas nos circunscrever em Angola, o povo angolano
tradicionalmente pelos seus reinos, cada tribo tem um rei ou chefe, e há uma
nomenclatura genuína de estado-família, como se pode imaginar, reino do bailundo,
reino do ovakwanyama, reino do ovanyaneka, do ndogo e lá mais para adiante, cada
grupo étnico linguístico em Angola, constitui um agrupamento de pessoas ricas com
diversidades culturais e obedecendo regras constitucionais do Estado angolano,
internacionais e de cada autoridade tradicional dos seus reinos, resolvendo assim, os
vários dilemas que venham eventualmente a surgir no seio da sociedade angolana,
portanto o Estado angolano tomou preponderância sobre as agrupações familiares, que
se restringiu bastante o papel do rei ou chefe de família bantu.

1.3 Sistemas parentesco e grupos de filiação


As organizações sociais bantu, baseadas na consanguinidade real ou mística,
exigem um meio de transmissão, de herança e de preferência que as liguem a uma das
genealogias biológicas que toda pessoa recebe ou transmite: a paterna e a materna. As
sociedades humanas adoptam um sistema de descendência, cujo ponto de referência se
situa num dos progenitores ou em ambos.4

2
Coarctar- significa restringir, reduzir, etc.
3
Ob.cite, pg.100
4
Cfr. Altuna, Raul Ruiz de Asúa, Cultura Tradicional Bantu, Paulinas editora, 2ª ed.2014,Luanda,pp.106-
107.

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Na África bantu, o sistema de descendência ou de parentesco é unilinear ou


unilateral. Existem, pois, dois sistemas: o patrilinear e o matrilinear. A descendência
está ligada a uma só linhagem. As relações entre pessoas que se consideram aparentadas
por consanguinidade real, fictícia ou putativa, são chamadas «parentesco».

O parentesco é muito amplo, alastra-se para além da consanguinidade e da


afinidade. Uma das razões para instaurar este sistema de linhagens pode ter sido a
divisão de trabalho por sexos. Notemos que, no ocidente a preponderância do homem
vem sendo posta em questão, desde que a mulher teve acesso a postos de trabalho
competitivos com os dos homens e supletórios.

Nas sociedades mais rudimentares, recolectoras-caçadoras, a sucessão é


bilateral. É que o trabalho de cada sexo é igualmente importante para a subsistência
familiar e comunitária. O homem caça e defende; a mulher colhe fruto, pequenos
animais, cozinha e cuida dos filhos, porém ambos os sexos são necessários,
imprescindíveis.

Nas sociedades pastoris nómadas impõe-se o ramo patrilinear. O grupo deve


conseguir coesão, solidez, força e disciplina. Não pode prescindir de uma autoridade
política forte que proteja os terrenos de pastoreio e os rebanhos. O mesmo sucede com
os povos bantu, cá em Angola lá nas nossas aldeias, que vivem da caça colectiva, do
cultiva das suas lavras, tendo um intensivo vigor físico, espírito aguerrido, organização
e disciplina, com tudo a mobilidade, resistência e agressividade, caracterizam o homem
bantu. Apesar da diarquia que se tem vislumbrado nos tempos actuais no seio da
comunidade angolana bantu e não só, é natural que nestes grupos se imponha a
actividade masculina e se perpetue a sua autoridade. A importância social, económica e
política da mulher fica minimizada lá mais para as zonas rurais, o princípio da igualdade
de direitos e deveres entre o homem e a mulher que se consagra na lei angolana, artigo
3º do Código da Família Angolano e da Constituição da República de Angola, no seu
artigo 23º e 35º nº 03.

Nas sociedades agrícolas sedentárias impõe-se o sistema matrilinear. A mulher


está associada à agricultura; mas ainda, parece ter sido ela quem decidiu a passagem do
estádio primário de recolectora para o estádio mais eficaz e rendável de agricultura
sedentária. A mulher na agricultura ocupa um lugar preponderante obedecendo o
princípio de solidariedade feminista e da estabilidade do grupo familiar. Garante
subsistência e fundamenta a economia, nacional e internacional, daí que é mister o
Estado angolano apostar particularmente na família angolana das aldeias, visto que a
maioria dos produtos de consumo de cesta básicas, como por exemplo: a farinha, o
milho, feijão, jinguba e omamyata (tomates), etc.

Com a agricultura e sedentarismo aumenta a concentração demográfica e a vida


desenvolve-se à volta da casa e dos campos onde a mulher ocupa lugar central e
decisivo, ao ponto de polarizar a vida social e económica.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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1.4. Sistema patrilinear ou agnatício


O filho aqui pertence à família do pai. Os sistemas reagrupam os descendentes,
por via masculina, de um antepassado varão, conhecido ou mítico, o estado social e os
bens são herdados por linha paterna. O sangue em que vão incluídas a filiação, sucessão
e autoridade, transmite-se pelos homens. As funções sociais ficam reservadas à
linhagem masculina agnatícia.

O filho recebe o sobrenome dessa linhagem, além da pertença social, educação,


tabu totémico, caso exista, património e formação religiosa, o varão tem o direito à
posse de seus filhos.

A este sistema não degenera numa prepotência masculina, embora os homens


exerçam as funções sociais e transmitam este estilo aos filhos varões.

A autoridade repousa sobre o homem mais velho dessa linhagem, a autonomia


da família nuclear torna-se mais sólida do que no sistema matrilinear.

As mulheres deixam o seu clã de origem para passarem a residir na povoação do


marido, o matrimónio é patrilocal e a virilocalidade regra geral. O marido dispõe dos
serviços reprodutores, domésticos e sexuais da esposa, aqui o varão manda na sua
esposa, e essa deve ser submissa.

1.5. Sistema matrilinear ou uterino


O etnólogo belga Luc de Heusch, tenta-nos explicar a origem desse sistema com
hipótese, de que o sistema teria nascido crença numa «situação incestuosa simbólica»,
na qual o trio materno seria considerado o pai ideal. Para evitar o incesto, que se
tornaria inevitável, cede os direitos sexuais sobre a sua irmã, a um homem estranho de
outra linhagem.

Tal dedução foi-lhe sugerida por este mito recolhido no Kassai: Woot, herói
lendário do kassai, apareceu estendido no chão, em casa, despido e completamente
embriagado. Os seus filhos fizeram troça dele e puseram-no a ridículo. Pelo contrário,
as suas filhas, aproximaram-se de costas com o maior pudor e cobriram-no com um
manto. Woot indignou-se com o procedimento dos filhos, deserdou-os e impôs-lhes os
ritos de iniciação; quanto às filhas, premiou-as com a matrilinearidade e com a
obrigação do casamento uxorilocal.

Neste sistema, a descendência passa através das mulheres, aparecendo sempre


um epónimo feminino. A parentela vem marcada pela sucessão de mulheres. A filiação
é uterina e o filho passa para a linhagem da mãe, cujo sangue o integra na sociedade. A
mulher transmite a dignidade.

O estatuto social e os bens herdam-se por linha materna, a qual se prolonga até à
mulher fundadora, a mãe-cepa-originária, conhecida ou mítica. O marido deixa o seu clã
de origem ou moradia dos seus ascendentes passando a viver na aldeia ou no clã da
esposa, ora o sistema si cá, não se evidencia conforme os ditos aqui, olhando-se mais

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para o primeiro sistema, isto é o patrilinear, a herança aqui passa ao ramo uterino, os
filhos não herdam directamente do pai, e sim da mãe, a herança do tio materno passa
para o sobrinho do 3º grau colateral, o pai biológica tem unicamente algumas
autoridades e influência no grupo, passando todas outras funções a cargo da mulher ou
da família materna.

1.6.Avunculato
O termo avunculato, dimana do verbo avuncular5, que do latim dá-se na
expressão ‘avunculu’, que significa: tio ou tia.Ora, pois bem nos sistemas matrilineares
distingue-se com clareza entre «pai» e «genitor». Sendo o último o marido, o pai é o
irmão uterino da mãe, o tio materno mais velho, chefe de linhagem, cuja autoridade
permanece incontestada pelos filhos de suas irmãs uterinas.

A íntima e complexa relação de irmão e irmã uterinos contêm um dos dados


mais importantes para explicar a nossa sociedade bantu. Os dois, isto é irmão e irmã da
mesma linhagem são considerados verdadeiros pais dos filhos dos seus irmãos da
mesma linhagem familiar. O tio materno, é considerado pai, para todos os efeitos
dentem uma autoridade em permanente tensão com a do genitor.

O tabu horrendo do incesto obriga a que, a irmã fique separada do irmão e seja
dada, como esposa, a um homem de outra linhagem distinta.

A matrilinearidade confere direitos e posição, quase iguais ao do tio, ao sobrinho


primogénito da sua irmã mais velha, o qual herda os seus bens, títulos, chefia e, em
certos casos, as próprias mulheres. Em certas religiões, o sobrinho chama «suas» às
mulheres do tio. Em todo caso goza de amplas liberdades com elas.

O tio deve ajudar sobremaneira os sobrinhos. Estas relações são as mais


importantes do sistema matrilinear, já que excluem a «patria potestas» do genitor,
embora este conserve certa autoridade e o dever de vestir e alimentar os filhos.

O matrimónio uxorilocal e avunculocal tradicional, neste sistema, reforçam


ainda mais a autoridade do tio, sobrinhos e irmãos uterinos.

O tio materno fica o responsável social, jurídico, político e religioso do grupo


mãe-filhos. Intervém em todos os litígios familiares, defende os seus direitos e exige a
indemnização. Se o pai se excede no castigo de um filho, o tio pode exigir-lhe
explicações. Se a mulher é maltratada, ele encarrega-se da separação e assume as
responsabilidades. Se ela abandona o lar marital por futilidades, ele pode obrigá-la a
regressar. Portanto, o tio é também o protector da mãe, sua irmã, e de todos os seus
sobrinhos que lhe chamam «pai».6

5
Cfr.Dicionário Integral de Língua portuguensa Universal, 1996,Textos editores.
6
O avuncularismo, na sociedade bantu angolana, ainda se verifica sobretudo na região Sul de Angola,
nas tribos de Ovanyaneka-humbe e outros. O direito consuetudinário desses povos reconhecem forças,

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II CAPÍTULO

As comunidades bantu

À luz do padre Altuna e segundo o entendimento de alguns antropólogos, dizem


que os verdadeiros protagonistas da existência individual e social bantu são os grupos,
as comunidades: família, clã, tribo e antigamente também o reino, o império e a
confederação de reinos.

O bantu não pode viver sem família nem clã, os dois grupos primários,
fundamentais e vitais que dão sentido e consistência à sua vida. Não se pode conceber
nem explicar o indivíduo bantu isolado de uma comunidade. Também não se
compreende a sua cultura sem estas células iniciais e vivificantes, essencialmente
comunitárias.

A sociedade bantu, se vai alargando em círculos concêntricos escalonados,


sobrepostos e cada vez mais amplos, apoia-se nas famílias, como células-base. Várias
famílias formam clã. Quando vários clãs sentem uma origem comum, irmanados pela
mesma língua, religião, tradições, costumes, espalhados por religiões geográficas
contíguas, inauguram a tribo. Várias tribos, com afinidades linguísticas, geográficos ou
interesses comuns, podem estruturar um reino. Os grandes impérios negros pré-
coloniais formaram-se a partir da integração, conquista ou confederação de vários
reinos.

Angola é uma sociedade plural, composta por vários grupos culturais. Antes da
chegada dos europeus, e a maior parte dos povos de Angola são falantes de língua bantu
integrando um grupo que ocupa cerca de um terço do continente africano. Em Angola
estes grupos compreendem cerca de 8 a 9 etnias ou sub grupos.

Em suma,7 os principais grupos etnolinguísticos entre os povos angolanos são os


seguintes: os bacongo, Kimbundo, ovimbundo, os lunda-quioco, nganguela, os
nyaneka-humbe, os herero e os ovambos. Com as suas respectivas línguas, e assim no
geral foi-se construindo o povo angolano, de Cabinda ao Cunene e do Mar ao Leste, os
bacongos, se encontram mais a Norte, no enclave de Cabinda, os kimbundo, estão
localizados sobretudo na área de Luanda e no baixo do vale Cuanza, os ovimbundo, nos
planaltos centrais de Angola, nas províncias de; Huambo, Benguela e Bié, com a maior
abrangência, os lunda-quiocos, vivem no nordeste do país, os nganguela se localizam na
província do Kuando Kumbango, os nyaneka-humbe, ao contrário dos outros povos do
norte, esses povos sempre tenderam a resistir as influências exteriores, vivem na região

de validades, por exemplo na questão da herança, além dos herdeiros legítimos (filhos), os sobrinhos
também têm direito à herança do avuncular. O mesmo acontece com o sorolato e levirato.
7
Apontamentos de História de Angola I Parte, Seminário propedêutico Imaculado Coração de Maria em
Omupanda, Cunene, 2015.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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da província da Huíla e no vale da província do Cunene, os herero, povos migratórios,


vivem nas planícies áridas, esse povo ao contrário dos demais não têm chefes,
pertencem as culturas da Namíbia, tanto quanto do sudoeste de Angola, os ovambo, os
mais fortes e famosos dos membros desse grupo são os ovakwanyama, esses povos
também em participaram imenso na luta da resistência, preservando até hoje sua
identidade cultural.8 Portanto, apesar das respectivas localidades de origem destes povos
cá no país, hoje devido a procura de melhores condições de vida e de busca de
oportunidades, é raro encontrar numa província de Angola, habitada por apenas um ou
dois grupos.9

2.Família elementar, nuclear ou conjugal


A primeira célula social bantu é a família elementar, conjugal, nuclear ou
reduzida que compreende pai, mãe e filhos. Mas não é a verdadeira família bantu.

As famílias nucleares, unidas e integradas entre si, são o fundamento da


solidariedade que dá origem às instituições sócio-políticas as quais não são mais do que
o alargamento do núcleo primário. A família nuclear é o pilar da sociedade bantu,
embora não se possa conceber separada dos círculos mais amplos e fecundos: família
alargada, clã e tribo, contudo a verdadeira família bantu é a família alargada, pois o
bantu precisa viver em conjunto, participar, sentir-se amparado e acolhido num grupo
numeroso e defender-se contra hostilidade da natureza, inimigos, acções dos seres
invisíveis da magia ou do homem.

A família elementar, monogâmica desde os tempos remonto e até hoje é a mais


corrente em Angola, isto não obsta porquanto a existência da família poligâmica. A
participação vital do bantu, no seu núcleo e seiva da sua cultura, impõe-lhe uma vida
comunitária e acomodar-se no grupo, participando da mesma corrente vital comunicada
pelo sangue.

E é no matrimónio, que a família elementar, o homem e a mulher realizam a


mais profunda aspiração da sua existência: prolongar-se, reviver, assegurar a
sobrevivência, e da mesma forma satisfazendo as esperanças das comunidades: crescer,
enriquecer-se e assegurar o património social, político e religioso.

Sem família nuclear, faltaria a base para as estruturas sociais e políticas que se
inauguram a partir da consanguinidade, no centro e como suportes, o pai e a mãe,
realizados nos seus filhos; a família elementar certamente se desenvolve nas
comunidades, uma família elementar isolada levaria ao individualismo conceito
ignorado na nossa sociedade bantu, visto que, nós nos desenvolvemos em grupo. Em
síntese , a família elementar é uma raiz na árvore frondosa da família alargada, nem esta

8
Além desta classificação dos povos bantu, em Angola existem três grupos não bantu. Que são: os
povos de língua khoisan, que originaram nos grupos bosquimanos, os cuissi e os cuepe, habitam os
confins áridos do Sul de Angola, no deserto do Namibe.
9
Douglas Wheeler e René Pélisser, Tradutor: Pedro Gaspar Serras Pereira, História de Angola,2009,
pgs.32-36.

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cresce sem aquela, nem aquela se realiza sem esta, portanto a família nuclear seria
derivada, da união entre o esposo e esposa e a linhagem destes.

2.1. A família alargada ou extensa


O jovem bantu, enquanto está ainda dependente da família elementar, começa a
integrar na sua existência a parentela numerosa na qual está imerso.10 Vê-se atraído
pelas exigências da sua linhagem e deve conviver com os seus membros. Esta unidade
comunitária, superior e mais categorizada, apresenta-se como o seio genuíno onde se
forma a sua personalidade.

A família alargada ou extensa é um grupo-comunidade compostos pelos


membros das famílias nucleares aparentados por consanguinidade real, patrilinear ou
matrilinear, que engendra a solidariedade vertical e horizontal, globalmente, constitui
uma sociedade-comunidade bem determinada e ligada por fortes laços de sangue que se
vai reiterando de geração a geração, os traços dessa família seguem uma tradição.

O grupo bantu, solucionou a necessidade social, espiritual e psicológica de


sentir-se pessoa integrada numa comunidade própria, protectora, acolhedora e
realizadora da sua dimensão humana.

2.2.O chefe familiar-pater familias


A família alargada conserva uma unidade superior a todas as instituições bantu,
porque se fundamenta numa realidade sangrada. A comunidade de vida encontra a sua
estabilidade numa sólida organização social comunitária, ao mesmo tempo religiosa e
económica.

O chefe da família faz a ligação directa com os antepassados presentes na vida


comunitária, cuja influência, benéfica ou maléfica deve ser cuidada por ele, ainda o
mesmo resolve os conflitos e responsabiliza-se pelo bem-estar da família.11

Cada tribo e localidade em Angola tem os seus sobas, e reis que constituem os
respectivos chefes familiares, com a autoridade e poder máximo para dirimir os litígios
entre os povos angolanos, sobretudo das nossas Aldeias ou nas zonas rurais do país,
pois há acontecimentos relevantes que acontecem no seio da comunidade bantu, que o
direito positivo escrito não traz soluções, todavia somente o direito costumeiro tende a
resolver de maneira mais justa, segundo a realidade da sociedade bantu em Angola.

10
Cfr. Altuna, Raul Ruiz de Asúa, Cultura Tradicional Bantu, Paulinas editora, 2ª ed.2014,Luanda,pp.116-
117.
11
Hoje o chefe das famílias bantu, em Angola, é representado pelas autoridades tradicionais, os
chamados de Sobas, estes resolvem questões ligadas ao direito positivo não escrito, isto é; o Direito
consuetudinário, como se pode ler na Constituição da República de Angola, seus artigos 223º e
seguintes. Lá nas Aldeias há locais próprios que, alguns chamam de Ondjango e outros Otchótos.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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2.3.Uniões não consanguíneos e pactos de sangue-fraternidade de sangue


Os grupos intermédios bantu admitem a inclusão total de membros não
consanguíneos. A introdução na corrente vital participada, nas suas leis e solidariedade,
opera-se através de certos processos, (Altuna, 2014).

Pelo matrimónio, cada um dos contraentes fica introduzido na família do seu cônjuge, o
matrimónio, como aliança de duas famílias, realiza esta união vital dos cônjuges que
passam a ser membros de ambas as famílias, entre os bantu o matrimónio inaugura a
afinidade entre os consanguíneos dos esposos. Quando um indivíduo estranho se
enraíza num território pertencente a outra família e se acomoda ao seu modo de
vida, depois de aceitar os usos, costumes e a autoridade legal, não só passa a ser
membro dessa família no sentido jurídico, político, religioso e social, mas dá até a
impressão de passar por uma transformação ôntica. O seu ser fica conectado e
impregnado da corrente vital que circula pela sua nova família, ficando assim
plenamente integrado, ao solidarizar-se no que há de mais íntimo e sagrado, na união
vital, o mesmo costuma acontecer com os indivíduos que têm nomes idênticos ou
chamados os ‘’ xaras’’ segundo os bantu.

Quanto aos pactos de sangue-fraternidade de sangue, tem-se a dizer segundo


(Heródoto, Apud Altuna, pagina 125, 2014), é uma instituição que aparece desde a
Antiguidade, que se fez uma descrição prática de muitos povos europeus e, sobretudo,
dos árabes, era também conhecida entre os chineses, idianos, australianos, nas ilhas do
Pacífico e entre os índios americanos.

Os pactos de sangue é uma pratica tradicional, realizada pela a maioria dos


povos africanos bantu e não bantu, como sinal de juramento e compromisso que cada
indivíduo tem para com a sua família. Um pacto-aliança que, liga dois representantes
das famílias, trocando sangue ritualmente ligando cada um obrigações severíssimas e
cria uma fraternidade de sangue, melhor uma ficção de como se fossem irmão. A
mistura do sangue significa uma comunhão entre os membros inviolável e inseparável é
um simbolismo bantu muito forte e dos demais povos africanos. Por isso muitas das
vezes alguns dos membros em caso de violarem ou fazerem mal um membro familiar
recorrem em adivinho que pode comprometer no pacto do feitiço. Portanto
invisivelmente o pacto de sangue ou o rito do pacto brota um poder capaz de vulnerar o
infractor.

2.4. O clã e exogamia


Relativamente ao clã, dizer que é formado por grupos familiares, por várias
famílias alargadas situadas num plano social mais amplo, constituindo um arquétipo
político. O clã é uma unidade de várias linhagens, de várias famílias alargadas que se
supõem ser descendentes de um antepassado, epónimo comum, o clã desempenha uma
função política, sendo porquanto estrutura intermédia entre a família alargada e a tribo
reino ou império, cada clã tem a sua designação própria ou especifica, um nome
esotérico, honorifico ou um nome que tem muito a ver com a sua história, e assim cada

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


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membro que nascerá desta geração terá um nome segundo os sinais que o caracteriza ou
das circunstâncias de vida que foi criado e gerado. Com a presença do clã as famílias
bantu tornam-se mais unidas, a solidariedade e cooperação entre os povos é mais
notável com a presença do clã ou com ausência do mesmo. O clã está presente na vida
familiar para incentivar na vida económico-financeira, sócio-cultural e na organização
multiforme dos membros familiares12.

O bantu, é fruto da exogamia regra geral, é que as pessoas são naturalmente


obrigadas a se casar com uma outra pessoa fora da sua família, que não têm os
primeiros, segundo, terceiros e quartos graus da linhagem colateral, pois o não
cumprimento da exogamia incorre ao incesto é perigo para a família.

Ninguém pode casar-se ou relacionar-se sexualmente com quem tem o mesmo


totem, (E. Durkheim, Apud, Altuna, página, 134, 2014). Portanto se costuma dizer, que
casando a mesma linhagem familiar, o sangue comum encerra perigos mágicos,
sobretudo na mestrução.

Mas na verdade proíbe-se o incesto, por uma questão apenas de cumprimento de


regras, quem violá-las poderá arcar consequências no seio da sua família e não será bem
vista na sociedade em geral, ferido portanto os hábitos dos bons costumes, a excepção
de se casar é unicamente permissível nos últimos graus ou em graus muito distante da
linhagem familiar, famílias muito próximas não se podem casar, por uma proibição
legal e socia

12
Por exemplo, nas aldeias, o clã ou membro da família ajuda uma família que não tiver meios para
lavrar a terra, e condições básicas para viver, há sempre uma pessoa disputa a se prontificar para ajudar
outrem, princípio da solidariedade e cooperação, é muito mais vivo nas zonas rurais em Angola, apesar
de actualmente se verificar nas cidades por força dos incentivos dos órgãos estaduais.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


13

III CAPÍTULO

A constituição da pessoa humana e os princípios da família tradicional bantu, face


aos princípios gerais do Direito da Família.

A pessoa humana se constitui no seio da família, e como sabemos a partir do


casamento ou da união de facto, entre um homem e uma mulher. O nascimento da
pessoa humana é um acto natural e divino, por isso universalmente o ser humano é
protegido e regido por vários princípios, e com o povo bantu, também sucede o mesmo,
há entre os bantu princípios genuínos, que o direito escrito angolano e dos portugueses
não faz menção, ou se os faz não de acordo a nossa realidade como bantu.

Daí ser pertinente, tecer notas sobre os princípios bantu numa primeira instância, que os
mesmos apresentam uma semelhança com os do Direito da Família geral, que se estuda
nas nossas universidades faculdades de Direito.

São princípios familiares bantu, os seguintes:

1) Princípio da igualdade entre o homem e a mulher, a igualdade aqui é


vista no sentido mais amplo, que homem deve respeitar à sua esposa, e a
mesma deve ser submissa ao seu marido. No que tange as tarefas as
mulheres que seguem os parâmetros bantu puramente falando, têm suas
próprias tarefas e deveres na família, como mulher dona da casa, cuidar dos
filhos, ir à lavra ajudando o seu marido e os filhos, o marido se preocupa em
manter condições dignas de sobrevivências da família. A tarefa da mulher
bantu é muito complexa, na sua maioria. O nosso direito costumeiro busca
complementaridade do fundamento deste princípio nos diplomas legais do
direito escrito, na Constituição da República de Angola no seu artigo 23º e
no Código de Família angolano, artigo 3º.Portanto apesar de tudo, cabe ao
homem e mulher os mesmos direitos e mesmos deveres como pessoa
humana.
2) Princípio da liberdade de constituir a família no casamento, ao contrário
do que sucede no princípio geral do Direito da Família, onde o indivíduo tem
o direito à liberdade de constituir sua família, como bem desejar. Em
algumas sociedades bantu, a pessoa é direccionada ou recomendada desde o
seu berço a casar-se com alguém, que os familiares do homem ou da mulher
conhecem muito e gostaram como nora ou genro. Uma outra liberdade é a
dada pela parte masculina de ficar com duas mulheres se ele tiver condições
de assumir como homem duas mulheres, ao contrário da mulher apenas tem
a liberdade de ficar com um único homem, dando lugar aos sub princípios
monogâmicos e poligâmicos.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


14

3) Princípio da solidariedade familiar, entre os bantu vigora esse princípio


não só no seio do lar entre os cônjuges e filhos, todavia também entre todos
os membros da família ou da comunidade no geral, todos devem cooperar
para o bem-estar da comunidade bantu.
4) Princípio da protecção, cabe ao chefe da família, clã ou reis proteger a
família, contra os males da natureza e dos inimigos, os espíritos malignos e
em caso da ausência do poder protector dos chefes ou reis da família, toma a
responsabilidade o marido ou os tios mais velhos da família.
5) Princípio da educação aos filhos, cabe a mulher instruir a filha nos deveres
de casa e ensinar como deve ser boa dona de casa em todas as tarefas e cabe
ao marido instruir o filho, os trabalhos do homem, por isso muita das vezes o
filho, junto do seu pai vai à caça e outras actividades ligadas aos cuidados
dos animais, bois e cabritos e outras. Os tempos foram mudando e a
sociedade bantu, tem desenvolvido cada vez mais, com o contacto as zonas
urbanas, e sistemas de educação em Angola, e com final da guerra civil, já se
verifica escolas nas aldeias, onde as crianças aprendem o conhecimento
escolar, a ler, escrever e sobre a situação do mundo que se vive, que por
detrás desta realidade bantu, há outros mundos, que um dia qualquer criança
quando se desenvolver poderá enfrentar, por isso lhe dar com a escola é
importante de modo a desenvolver mais as aldeias e o país.
6) Princípio da estabilidade familiar, o casamento do homem bantu, é
estável, ninguém pode destruir, até em casos de acidentes e doenças os
cônjuges devem prevalecer juntos, o fundamento da união entre o homem e a
mulher é o amor, somente a morte deve separar os casados, portanto os
casamentos na família tradicional bantu, são muito mais duradouros em
relação aos casamentos ocidentais.

Portanto, há muitos princípios no estudo do Direito da Família do povo


bantu, que muitos deles já estudamos no Direito da Família Geral, que no
entanto cabe-nos continuar com os nossos estudos, desvendando mais esse
ramo do direito que regula as relações jurídicas familiares bantu.

3.1 O casamento tradicional bantu e os ritos matrimoniais


Sob o ponto de vista sociológico o casamento é um fenómeno humano muito
antigo, que se celebrava sem qualquer acto solene. Entre os romanos se distinguia o
casamento e o simples concubinato pela affectio maritalis13, isto na idade antiga, o
casamento da organização familiar tradicional bantu, difere muito do casamento da
família europeu pelos vários aspectos que no decorrer da nossa abordagem
notabilizaremos claramente.
13
Elemento subjectivo que evidenciava o propósito comum de convivência duradoura entre o homem e
a mulher. Que literalmente significa afecção entre os cônjuges. Os romanos queriam dizer que, o
casamento seria para sempre sem nenhuma hipótese de separação entre o homem e a mulher,
concomitantemente entre os bantu, também a ideia do casamento como sendo duradouro é afim essa
concepção do affectio maritalis.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


15

Entre os bantu, o casamento é um acontecimento entre um homem e


mulher, socialmente aceites, é um acto sagrado também, pois muitas vezes é
pactuado entre os interessados e seus familiares, há rituais específicos para se
celebrar o casamento tradicional bantu.

Antes da chegada dos europeus, em África já se celebrava o matrimónio, apesar


de obedecer institutos diferentes que apresentam o actual direito positivo escrito, por
exemplo a questão do Alambamento, é muito antigo entre os povos tradicionais bantu,
contudo apesar de ser antigo até hoje é notório nos ritos de celebração do casamento
entre estes; o nosso legislador vem reconhecer todas as práticas costumeiras entre as
pessoas, desde que não fira a dignidade da pessoa humana, e o ónus da prova cabe a
cada pessoa sujeita destas práticas costumeiras.14

Na idade média, com frequência do cristianismo o casamento passa a ser visto


como um sacramento, que se intervêm a vontade divina, de forma canónica o casamento
era celebrado pelos sacerdotes, e isto continuam até hoje em alguns povos bantu e não
bantu, a intervenção sacerdotal no casamento foi a partir do Concílio de Trento do
século XVI. (da Costa, 2012).

No advento, com o protestantismo e seu predomínio nalguns países do mundo, a


parte da Europa toda e da Inglaterra, se retira da Igreja o controlo do casamento
submetendo ao Estado, de tal sorte isso também se propala na sociedade bantu, onde as
autoridades tradicionais têm o controlo das aldeias, desde a sua constituição até ao
desenvolvimento da mesma.

No final do século XVIII, com a revolução francesa, se passou a encarar o


casamento como um acto meramente civil, mas nas zonas urbanas e quanto nas zonas
rurais há uma liberdade de se constituir, pois há rituais costumeiras próprias para
celebrar o casamento na cultura bantu. Hoje em Angola o casamento válido é
unicamente o do registo civil nas zonas urbanas e o casamento tradicional bantu,
reconhecido e confirmada pela comunidade inteira, entre os membros familiares dos
nubentes, nas zonas rurais ou aldeias.

A nossa realidade social é caracterizada pela presença maioritária de valores e


referências espirituais da cultura tradicional africana, a que se sobrepõem valores e
referências da cultura ocidental de importação, e por força dessa combinação e
globalização existem dois tipos de organização familiar na nossa actual sociedade
angolana: a família tradicional bantu, das aldeias que reservam os seus valores culturais
e a família do tipo europeu que o africano angolano, tendem a imitar certos costumes e
hábitos de vivências dos povos ocidentais.

14
Artigo, 07º da Constituição da República de Angola e o artigo 348º do Código Civil vigente no nosso
ordenamento jurídico.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


16

Na família tradicional bantu, o casamento15 na sua maioria das vezes é realizado


pela união de facto apenas, basta as pessoas se gostarem e viverem juntos, seguindo as
formalidades exigidas pela família dos dois interessados.

Por exemplo, em Angola há o chamado Alambamento, que consiste na entrega


de certos bens à família da noiva ou da rapariga pretendida, como sinal de que a filha
alheia estará nas mãos do homem que, que tem as mínimas condições para se viver. 16

Mas antes do casamento, algumas famílias só entregam sua filha depois de ela
passar nas chamadas festas de puberdade ou iniciação feminina, isto é; ou olufuko ou
efiko, ou efundula. Quando porventura achem-na já adulta para ser dona de casa.

Hoje as famílias angolanas das zonas urbanas estão a perder as suas raízes como
bantu, imitando mais os rituais dos europeus, que esses a promessa do casamento basta
entregar uma aliança de compromisso e ambos serem apresentados nas duas famílias.

A época contemporânea que se vive em Angola, é bastante preocupante, as


famílias estão a perder os seus valores que lhes identificam como africanos, e fruto
também dos fenómenos pandêmicos que enfrentam o mundo.

3.2.Os impedimentos matrimoniais

O casamento celebrado segundo os costumes, é de per si, indissolúvel, mesmo


no caso de infecundidade constatada por parte da mulher ou do homem no caso de
perder sua potência sexual ou atingir a menu pausa ou problemas do útero. Neste
sentido os impedimentos matrimoniais surgem como acidentes do casamento, eles
obstam a pessoa a manter-se casada com outrem, são rupturas de laços matrimoniais.

O divórcio, as infracções cometidas pela exogamia, no caso de um membro


casar com outro do mesmo sistema matrilinear e patrilinear, dará lugar ao incesto, pelo
que servirá como fundamento de impedimento do matrimónio na cultura tradicional
bantu angolana, os irmãos e primos ou meios-irmãos, isto é, apenas de um dos
progenitores não se devem casar, as regras da sociedade bantu e gerais não permite.
Portanto hoje em toda parte do mundo é um impedimento a endogamia.

A pessoa que, irá se casar na cultura tradicional bantu e não só deve ter a plena
capacidade de discernimento sobre as realidades do mundo, e ser idóneo para casar, pois
o casamento é muito importante na constituição da família, se não haver essa idoneidade
podem desestabilizar a sociedade inteira. Por isso que, todos os interessados para o
matrimónio passam para os devidos rituais, e apresentados no seio da sua comunidade.

15
O artigo 20º do Código da Família angolano, se define o casamento como sendo a união voluntária
entre um homem e uma mulher, formalizado nos termos da lei, e com o objectivo de estabelecer uma
plena comunhão de vida.
16
In apontamentos das aulas do professor e advogado Moisés Mbambi, da Universidade Mandume Ya
Ndemufayo Faculdade de Direito, Lubango, 2019.
»Que sua alma descanse em paz e a terra lhe seja leve»

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


17

Conclusão
Como se pode deduzir o Direito da Família Consuetudinário no ordenamento
jurídico angolano, encontra a sua consagração legal nas disposições legais da
Constituição artigos 7º, 223º e 348º do Código Civil, com maior realce no Código da
Família angolano, onde a maioria das fontes do Direito da Família é estudada com
pormenores, o direito não escrito dos povos bantu, busca complementaridade de
explicações dos seus fenómenos sociais com bases aos princípios gerais direito escrito,
para entender o homem bantu, mas vemos que apesar destas subsidiariedade, o povo
bantu, é bastante cauteloso quando o assunto se refere da família, ela dificilmente se
deixa influenciar com os novos tempos. Portanto, consegue-se concluir que em Angola
há duas famílias, as famílias das zonas urbanas que foram bastante influenciadas pelo
ocidente e as famílias tradicionais das zonas rurais, algo deve ficar patente entre nós,
quando fala-se de família tradicional bantu refere-se no geral das sociedades africanas
no seu todo, e tecnicamente num sentido mais restrito, das famílias que habitam nas
zonas rurais dos países africanos, no caso do nosso país das chamadas Aldeias, é nas
aldeias onde o Direito da Família é muito mais rico e desenvolvido, na sua maioria dos
actos lá praticados são à margem do costume e das culturas que identificam cada povo
bantu, o nosso ordenamento jurídico escrito é muito omisso no que tange aos
fundamentos do direito não escrito angolano, cabe a cada jurista africano defender e
tecer notas sobre esse rico direito africano e os seus variados institutos jurídicos para a
construção saudável e realização da justiça de todo povo africano e particularmente
angolano.

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


18

Referências bibliográficas:
-Altuna, Raul Ruiz de Asúa, Cultura Tradicional Bantu, Paulinas editora Luanda, 2ª
edição, 2014.

. - Apontamentos de História de Angola I Parte, Seminário propedêutico Imaculado


Coração de Maria em Omupanda, Cunene, 2015.

-Apontamentos de Direito da Família das aulas do Professor Moisés Mbambi,


Universidade Mandume Ya Ndemufayo Faculdade de Direito, Lubango, Março de
2019.

- Medina, Maria do Carmo, Direito de Família, escolar editora, 2ª dição, 2013, Angola.

-da Costa, Manuela Maria, União de Facto, sine data.

-da Costa, Manuela Maria, O casamento, Huambo, 07 de Março de 2012.

-Constituição da República de Angola, 2010.

-Código da Família Angolano, escolar editora, 20 de Fevereiro.

-.Dicionário Integral de Língua portuguesa Universal, textos editores1996.

- Douglas, Wheeler e René, Pélisser, Tradutor: Pedro Gaspar Serras Pereira, História de
Angola, 2009.

-Coelho, pereira Curso de Direito de Família, sine data.

-Código Civil Vigente em Angola

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.


19

Índice
Notas do autor do artigo científico ................................................................................... 1
Introdução Geral ............................................................................................................... 2
I CAPÍTULO .................................................................................................................... 3
Breve noção histórica da família e dos sistemas familiares ............................................. 3
1.2.A organização política bantu ...................................................................................... 3
1.3 Sistemas parentesco e grupos de filiação ................................................................... 4
1.4. Sistema patrilinear ou agnatício ................................................................................ 6
1.5. Sistema matrilinear ou uterino ................................................................................... 6
1.6.Avunculato ................................................................................................................. 7
II CAPÍTULO ................................................................................................................... 7
As comunidades bantu ...................................................................................................... 8
2.Família elementar, nuclear ou conjugal ......................................................................... 9
2.1. A família alargada ou extensa ................................................................................. 10
2.2.O chefe familiar-pater familias ................................................................................. 10
2.3.Uniões não consanguíneos e pactos de sangue-fraternidade de sangue ................... 11
2.4. O clã e exogamia ..................................................................................................... 11
III CAPÍTULO ............................................................................................................... 13
A constituição da pessoa humana e os princípios da família tradicional bantu, face aos
princípios gerais do Direito da Família. ......................................................................... 13
3.1 O casamento tradicional bantu e os ritos matrimoniais ............................................ 14
Conclusão ....................................................................................................................... 17
Referências bibliográficas: ............................................................................................. 18

Albert MN Fina/Nelson Tchipelequece Fina, licenciando em Direito.

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