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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


DISCIPLINA DE
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
AVALIAÇÃO GERAL – SEMESTRE 2014/1

CURSO: Ciências Biológicas (Diurno)


QUESTÕES
[1] Quando alude à estrutura conceitual da Biologia, Mayr (1998, p.87) diz que ela não é uma ciência homogênea, mas
dividida em dois campos, não antagônicos e sim complementários. Quais são esses campos? Explique a diferença entre eles
apelando para a distinção entre causas próximas e remotas (ou últimas), e considerando também o papel da experimentação
num e noutro campo disciplinar. Para explicar a distinção entre questões biológicas que tem a ver com causas remotas e
questões biológicas que tem a ver com causas próximas, forneça dois exemplos: um exemplo que deixe clara a distinção
entre Fisiologia e Biologia Evolucionária; e outro exemplo que deixe clara a distinção entre Autoecologia e Biologia
Evolucionária.
Tais campos tratam-se da biologia funcional e da biologia evolutiva. A biologia funcional corresponde à biologia
das causas próximas, objeto das ciências fisiológicas, sendo quantitativa. Já a biologia evolutiva caracteriza-se pelo estudo
das causas remotas, últimas ou evolutivas, objeto da história natural, sendo qualitativa. As causas próximas tratam da
decodificação do programa genético de um indivíduo, ou seja, de que maneira a informação por ele armazenada resulta em
diferentes respostas aos estímulos ambientais; dessa forma, ocupa-se do nível individual. Já as causas remotas são
responsáveis pela evolução de um programa genético, pelas suas mudanças ao longo do tempo, investigando a origem
desses programas genéticos, bem como o porquê de suas mudanças; sendo sua abordagem voltada ao nível de linhagem.
Quanto ao papel da experimentação na biologia funcional, o biologista funcional procura controlar e eliminar todas
as variáveis a fim de isolar um componente particular sob exame, repetindo experiências sob condições preestabelecidas até
esclarecer a função do elemento estudado. Assim, a biologia funcional é caracterizada pela experimentação, já que por
meio desta, isola o objeto estudado das propriedades emergentes dos sistemas biológicos e da complexidade inerente aos
organismos, levando a uma aproximação simplificada. Por sua vez, essa aproximação direta é necessária para atingir os
objetivos pretendidos pela biologia funcional.
Já no campo da biologia evolutiva, há uma aproximação baseada em inferências, provenientes de estudos
comparativos e descritivos. Seu método característico é o observacional ou comparativo, podendo prescindir do método
experimental. Dessa forma, a experimentação não exerce tanta importância na biologia evolutiva quanto o trabalho
descritivo, uma vez que esse campo lida com programas genéticos historicamente adquiridos e suas mudanças no tempo
histórico, sendo uma ciência histórica. Além disso, as explicações propostas pela biologia evolutiva não são derivadas de
teorias formuladas a partir de experimentos, mas por narrativas históricas, que se propõem a descobrir as causas
responsáveis pelos acontecimentos subsequentes.
Embora todos os processos biológicos apresentem, ao mesmo tempo, uma causa próxima e uma causa remota, existe
uma clara distinção entre as questões biológicas relacionadas às causas próximas e as questões biológicas relacionadas às
causas remotas. Por exemplo, diante da questão concernente ao sentido da fertilização, a causa próxima para esse
fenômeno, relacionada à fisiologia, seria a de dar início ao desenvolvimento. Contudo, segundo uma aproximação da
biologia evolucionária, o objetivo da fertilização seria o de efetuar a recombinação dos genes paternos e maternos,
produzindo variabilidade genética, a qual atua como matéria-prima para a seleção natural.
Outro exemplo que sugere uma clara distinção entre causas próximas e causas remotas de um fenômeno biológico é
o porquê de um indivíduo migrar em uma determinada época do ano. As causas próximas estariam relacionadas ao
comprimento do dia, às condições do tempo favoráveis à partida do indivíduo e ao seu preparo fisiológico, ou seja, à sua
autoecologia. Já as causas remotas, propostas pela biologia evolucionária, justificam o fenômeno biológico em questão
abordando o genótipo adquirido através da seleção natural. Afinal, apenas os indivíduos que emigraram diante da escassez
de alimentos foram capazes de transmitir seus genes, em detrimento daqueles que não emigraram e morreram de fome, não
tendo seu genótipo passado adiante.
[2] Explique a distinção entre reducionismo teórico, reducionismo constitutivo e reducionismo explicativo (Mayr: 1998,
pp.78-83; 2005, pp.87-91), e forneça dois exemplos de disciplinas biológicas nos quais os objetivos do reducionismo
explicativo pareçam viáveis, e dois outros exemplos de disciplinas biológicas nos quais os objetivos do reducionismo
explicativo não pareçam viáveis. Explique os exemplos escolhidos, e veja se eles têm algo a ver com a distinção entre
Biologia Funcional e Biologia Evolucionária proposta por Mayr.
O reducionismo teórico ou epistemológico distingue-se dos demais ao limitar um ramo da ciência a outro, ou seja,
trata-se da dedução de leis de um campo da ciência a partir das leis de um outro ramo da ciência, bem como da definição
de termos de um campo da ciência em termos de outra disciplina. Assim, o reducionismo teórico desconsidera a autonomia
de uma determinada ciência, ao reduzir suas teorias às teorias de outra disciplina. Tal reducionismo, portanto, é uma
falácia, uma vez que desconsidera a multiplicidade de sentidos que um evento pode apresentar de acordo com a estrutura
conceitual e linguagem adotadas. Trata-se de uma forma de restrição das possibilidades de interpretação de um
determinado processo.
O reducionismo constitutivo, por sua vez, prega a equivalência, em nível atômico e molecular, entre os processos dos
organismos vivos e os fenômenos físico-químicos. Dessa forma, a constituição material do organismo é equivalente à
constituição da matéria inorgânica. Segundo o reducionismo constitutivo, é a organização dos sistemas biológicos que
determina a diferença entre o organismo vivo e a matéria inorgânica, não a substância de que são compostos.
Já o reducionismo explicativo ou metodológico propõe que a compreensão de um todo somente é atingida mediante a
dissecação de seus constituintes básicos, até um nível ínfimo de integração.
Tal dissecação de um sistema funcional em suas partes oferece valor explicativo em disciplinas biológicas
fundamentadas na biologia molecular. Por exemplo, a elucidação da estrutura da molécula de DNA permitiu a compreensão
do funcionamento dos genes e dos mecanismos de transmissão de caracteres. Outro exemplo na fisiologia, em que o
reducionismo explicativo viabiliza a compreensão, é o funcionamento dos órgãos a partir do domínio dos processos
moleculares que ocorrem em nível celular. A biologia molecular atua como programa reducionista da biologia funcional,
representando o progresso desse campo da biologia. O reducionismo explicativo vem ao encontro da metodologia de
simplificação proposta pela biologia funcional, a qual atenta às funções de um organismo e às suas partes, bem como ao
seu desenvolvimento, considerando aspectos de ordem bioquímica. Além disso, a proposta do reducionismo explicativo de
elucidar fenômenos biológicos em termos físico-químicos é o próprio objetivo da biologia funcional, a qual isola o objeto de
estudo de quaisquer propriedades sobrevenientes.
Por outro lado, o desmembramento de um todo em seus componentes é irrelevante quando se trata, por exemplo, de
sistemas complexos. A ecologia de comunidades e a genética de populações são exemplos de disciplinas biológicas em que o
reducionismo explicativo não é viável, já que desconsidera o valor da interação entre os componentes de um sistema. Em
tais disciplinas, as partes constitutivas são tão interdependentes que tornam-se desprovidas de sentido quando analisadas
isoladamente. Em ecologia de comunidades, o enfoque comunitário é fundamental à investigação apropriada de uma série
de fenômenos ecológicos emergentes, como a ciclagem de nutrientes, o mimetismo, a partilha de recursos e a sucessão
ecológica; que não poderiam ser explicados ou reduzidos ao nível populacional. Da mesma forma, considerando-se a
ecologia de populações, os atributos populacionais não podem simplesmente ser reduzidos ao nível individual. E, em
genética de populações, não é viável considerar o genótipo de um indivíduo como um agregado de genes independentes,
sem considerar que o que é transmitido de uma geração a outra é um sistema inteiro de desenvolvimento, não apenas genes.
As disciplinas biológicas que não admitem um reducionismo analítico estão mais próximas do campo da biologia
evolucionária. A biologia evolucionária, ao contrário da biologia funcional, não apresenta qualquer programa reducionista,
uma vez que se ocupa de propriedades sobrevenientes, as quais independem de propriedades físicas mais básicas para a
explicação de seus fenômenos.
[3] Enumere (explicando em que consiste cada um deles) quais devem ser os elementos que compõem a explicação
científica segundo o Modelo Nomológico-Dedutivo de Explicação (Hempel, 1974; Menna, 2013), e - considerando o que
Mayr (1998, p.54 e ss) diz sobre as leis na física e nas ciências biológicas - aponte quais as dificuldades que esse modelo
coloca para a Filosofia da Biologia. Na sua resposta considere a distinção entre Biologia Funcional e Biologia Evolucionária.
De acordo com o Modelo Nomológico-Dedutivo de Explicação, os componentes de uma explicação científica devem
ser o explanans e o explanandum. O explanandum trata do fenômeno a ser explicado, ou seja, é a conclusão de
argumentos dedutivos. O explanans constitui o referencial teórico geral, além de descrições de fatos particulares
importantes na explicação do explanandum. Assim, o explanans explica o explanandum pela demonstração de que o
explanandum ocorreu em obediência a certas leis da natureza como resultado de certas circunstâncias particulares.
No Modelo Nomológico-Dedutivo de explicação, o elemento teórico geral deve apresentar conteúdo nômico, ou seja,
deve ser amparado por leis. Tal modelo visa à inclusão do particular no geral e admite noções causais. As leis causais
caracterizam-se pela assimetria entre duas magnitudes, de forma que um valor y possa ser considerado como resultante do
valor de x, e não inversamente; além disso deve haver a universalidade estrita, o que confere poder explicativo à explicação
causal, ou seja, a possibilidade de construir situações hipotéticas e prevê-las. Nas ciências físicas, explica-se um evento
particular quando se demonstra que ele é devido a fatores causais particulares de acordo com as leis gerais. Nas ciências
biológicas, porém, muitas regularidades e tendências apresentam exceções e são apenas regras, não leis gerais. Além disso,
predomina uma concepção probabilística na biologia, as generalizações são quase sempre de cunho probabilístico, ao
contrário do que ocorre nas ciências físicas. De acordo com as filosofias da física, a causalidade na natureza é regulada por
leis que podem ser expressas em termos matemáticos.
Assim, a principal dificuldade do Modelo Nomológico-Dedutivo para a Filosofia da Biologia é a inaplicabilidade de
leis causais em disciplinas da biologia evolucionária. Em tal campo da biologia, as relações causais se estabelecem a partir
de invariantes locais, muitas vezes efêmeros, não a partir de leis ou invariantes extremas com universalidade estrita. Nesse
caso, a causalidade desvincula-se da lei. São as leis consequenciais que definem a biologia evolucionária. Tais leis
referem-se às consequências das causas processadas.
Contudo, não há grande problema no campo da biologia funcional, uma vez que as explicações baseiam-se, de
maneira implícita, nas leis da física e da química. Embora a biologia funcional se apoie no pragmatismo dos fundamentos
da físico-química, muitas relações causais são estabelecidas a partir de invariantes não nômicos.
Uma Filosofia da Biologia que esclareça os problemas conceituais da área não deve aplicar o reducionismo teórico,
nem concentrar sua atenção nas leis, uma vez que estas desempenham um papel bastante reduzido em muitas teorias
biológicas. Afinal, as leis não são imprescindíveis à explicação causal biológica. Ademais, são consideravelmente
frequentes e poderosos os processos estocásticos na natureza, ocorrendo em cada nível hierárquico.
A complexidade dos sistemas hierárquicos e as inúmeras possibilidades de interações de processos simultâneos
tornam impossíveis as predições absolutas, nas ciências biológicas. Tal impossibilidade de previsões contraria o princípio
da universalidade estrita das leis causais, as quais atuam como o referencial teórico geral no Modelo
Nomológico-Dedutivo.
[4] Explique as concepções sistêmica e etiológica do conceito de função (cf. El Hani & Nunes, 2011), e forneça dois
exemplos razoáveis e habituais de atribuições funcionais que os biólogos possam vir a fazer:
[Ex1] O primeiro exemplo deve ser uma atribuição funcional que seja aceitável na base das duas concepções; mas mostre
isso fazendo duas apresentações diferentes do mesmo exemplo: uma que mostre claramente sua compatibilidade com
a concepção sistêmica e outro que mostre claramente a sua compatibilidade com a concepção etiológica. Explique em
cada caso essa compatibilidade.
[Ex2] O segundo exemplo deve ser uma atribuição funcional que exemplifique claramente a concepção sistêmica, mas que
não seja aceitável na base da concepção etiológica. Explique a razão de essa incompatibilidade.
De acordo com a concepção sistêmica do conceito de função, a razão de ser de um determinado traço biológico não
está diretamente relacionada com a sua função, ou seja, desvincula-se da teleologia. Tal abordagem explica o
funcionamento de sistemas complexos pelo estudo das disposições ou capacidades das partes desses sistemas, sem levar em
conta considerações históricas e evolutivas. A análise funcional da concepção sistêmica procura responder como um traço
funciona, em vez de se concentrar no porquê de ele existir. Assim, a função, em uma abordagem sistêmica, explica a
capacidade de um sistema complexo e não o porquê da existência de algum dos itens do sistema continente. Ainda, a
abordagem sistêmica procura elucidar qual contribuição uma parte de um sistema faz para a capacidade de um sistema
continente.
Já a concepção etiológica de função defende que a razão de ser de um traço biológico é a função que ele
desempenha. Segundo essa abordagem, o conceito de função vincula-se à seleção natural, de forma que um traço tenha sido
desenhado por um agente inteligente. A aproximação etiológica confunde a imputação funcional com desenho ou desígnio
de um caráter biológico, como se o desenho natural de uma estrutura servisse a um objetivo preestabelecido. Assim, trata-se
da tese de que a função de um traço biológico é o que ele foi selecionado para fazer, logo, enunciar a função de um traço
com referência à sua história seletiva corresponde a explicar o porquê de o traço existir.
Nas ciências biológicas, um exemplo de atribuição funcional que se aplique às duas abordagens de função, tanto a
sistêmica quanto a etiológica, diz respeito ao papel das hemácias no organismo. De acordo com a concepção sistêmica, a
função das hemácias está relacionada à questão de como tais estruturas contribuem para a capacidade de um sistema
continente, ou seja quais são suas disposições no contexto da complexidade sistêmica. Dessa forma, o transporte de gases é
a função das hemácias, uma vez que essas células apresentam tal disposição no organismo, de forma a contribuir para a
realização de uma disposição do organismo por inteiro, no caso a de trocas gasosas e oxigenação dos órgãos para o
funcionamento adequado dos sistemas do corpo.
Já uma abordagem etiológica consideraria como função das hemácias o simples fato de transportar oxigênio, ou
seja, sua razão de ser. Como o transporte de gases é o desígnio pelo qual as hemácias foram selecionadas no processo
evolutivo, esta é a sua função.
O principal limite da explicação funcional segundo uma abordagem etiológica está na dualidade entre os conceitos
de função e adaptação biológica, representada pelo conceito de exaptação. Assim, um exemplo de atribuição funcional
incompatível com a concepção etiológica seria a relação entre penas, asas e o vôo. As penas e asas das aves sempre foram
consideradas como adaptações ao vôo. Evidentemente, elas tornam o vôo possível, porém, uma vez que penas já estavam
presentes em pequenos dinossauros terópodes não-voadores, possivelmente envolvidas no isolamento térmico, tais
estruturas não podem mais ser vistas como adaptações ao vôo. A relação entre asas e o vôo em insetos também parece ser
exaptada do deslizamento sobre uma superfície de água.
A importância do conceito de exaptação está em indicar que o programa adaptacionista, que vem ao encontro da
concepção etiológica de função, pode explicar alguns padrões evolutivos, porém é insuficiente para a compreensão do
processo evolutivo. Assim, o conceito de exaptação é incompatível com a concepção etiológica de função, uma vez que a
exaptação indica traços que são construídos e úteis em virtude de sua organização e estrutura interna, e não pelo processo
de seleção natural.
[5] No décimo capítulo de Biologia ciência única, Mayr (2005) examina diferentes conceitos de espécie e defende o
chamado conceito biológico de espécie [CBE]. Explique e compare esses conceitos [incluído o CBE], mostrando as
dificuldades que cada um deles pode apresentar.
Mostre ainda como é que cada um desses conceitos pode ser considerado na base da disjuntiva entre pensar os táxons como
tipos ou como indivíduos (cf. Caponi, 2011).
O conceito tipológico considera a espécie como uma classe constante e imutável ao longo do tempo, de forma que
quaisquer desvios que possam aparecer entre os indivíduos dessa classe sejam atribuídos a manifestações imperfeitas de
sua essência inerente. De acordo com tal conceito, as espécies diferem entre si por diferenças diagnósticas constantes,
gerando classes desprovidas das propriedades de uma espécie biológica. Assim, as espécies são determinadas de acordo
com o grau de diferença fenotípica entre elas, sendo reconhecidas apenas por seus aspectos morfológicos refletidos em um
determinado momento.
Porém, o conceito tipológico de espécie trata-se de um meio biologicamente arbitrário e artificial de delimitar
táxons de espécies, uma vez que muitas espécies são reconhecidas por características não morfológicas, como
comportamento e feromônios. Tal conceito de espécie, fundamentado no grau de diferença fenotípica, torna-se inválido ao
se considerar as espécies-irmãs ou crípticas, as quais são extremamente similares, praticamente indistinguíveis e, no
entanto, não cruzam umas com as outras, mantendo a integridade de seu genoma. Outra contradição, frente ao conceito
tipológico de espécie, trata-se da existência de espécies com características fenotípicas intra-específicas tão diferentes que
poderiam ser julgadas como pertencentes a diferentes espécies. Tais diferenças morfológicas intra-específicas podem ser
atribuídas ao sexo, idade, estação ou, ainda, variação genética comum.
O conceito biológico de espécie, por sua vez, utiliza uma barreira invisível, em vez de fenotípica e meramente
superficial, a fim de distinguir uma espécie da outra. Tal barreira é o potencial intercruzante entre os indivíduos de uma
espécie, os quais formam uma comunidade reprodutiva em que cruzam uns com os outros sem limitações biológicas. Dessa
forma, cada comunidade reprodutivamente isolada representa uma espécie biológica. A ênfase do conceito biológico reside
na relação genética, no isolamento genético entre grupos similares e se aplica a populações, não a indivíduos. Ao contrário
dos outros conceitos de espécie, o conceito biológico é representado de forma concreta na natureza, ou seja, a delimitação
de táxons de espécies é desprovida de artificialidade humana. Além disso, procura elucidar o significado biológico de
espécies, o que o conceito tipológico não propõe. O conceito biológico trata a especiação como uma vantagem no decorrer
do processo evolutivo, uma vez que conserva os genótipos harmoniosos e bem integrados. Além disso, uma vantagem do
conceito biológico sobre os demais é que propõe um padrão de medida para a delimitação do táxon de espécie: o
isolamento reprodutivo.
Dentre as dificuldades do conceito biológico de espécie está a incerteza em definir se uma determinada população
corresponde a uma espécie ou não, principalmente as populações geograficamente isoladas. Tal condição de uma
população só pode ser definida por inferência. Além disso, o CBE não se aplica a organismos assexuados, já que, por não
apresentarem entrecruzamento, prescindem de mecanismos de isolamento para manter a integridade de seu genótipo.
Porém, a maior das dificuldades do conceito biológico reside na evolução em mosaico, na qual populações podem
apresentar isolamento reprodutivo resultando em diferenças fenotípicas mínimas, enquanto outras populações, sem nenhum
mecanismo de isolamento, podem adquirir grandes diferenças morfológicas. Assim, o isolamento reprodutivo não é uma
premissa para que ocorra divergência molecular e aquisição de especialização em populações.
Já o conceito ecológico de espécie utiliza como critério para a delimitação de espécies o nicho ecológico que
ocupam. Dessa forma, se dois grupos populacionais ocupam diferentes nichos ecológicos, são considerados como
pertencentes a espécies diferentes, ainda que não o sejam de acordo com o conceito biológico ou tipológico. Outra
dificuldade de aplicação do conceito ecológico de espécie reside na existência de casos frequentes de espécies simpátricas,
geneticamente divergentes, as quais ocupam o mesmo nicho ecológico. Além disso, tal conceito não procura elucidar o
porquê de existirem espécies ecológicas, ao contrário do conceito biológico de espécie.
Referente à abordagem dos táxons como tipos ou indivíduos, o conceito biológico de espécie considera os táxons
como entidades individuais reais, enquanto os conceitos tipológico e ecológico tratam os táxons como tipos ou classes
artificiais. De acordo com o conceito biológico, os táxons participam efetivamente do processo evolutivo, sendo
considerados como indivíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPONI, Gustavo. Os táxons como indivíduos. In STEFANO, W. & PECHLIYE, M. (Eds.): Filosofia e História da Biologia. Universidade
Presbiteriana Mackenzie: São Paulo, 2011.
EL-HANI, Charbel & NUNES, Nei. “O que é função? Debates na Filosofia da Biologia contemporânea”. Scientiae Studia 7 (3): 353-402, 2009.
MAYR, Ernst. O desenvolvimento do pensamento biológico. Brasilia: UnB, 1998.
MAYR, Ernst. Biologia, Ciência Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MENNA, Sergio. O modelo nomológico-dedutivo e os problemas da explicação e da causalidade. In MENNA, S. (Ed.): Conhecimento e linguagem.
Redes: Porto Alegre, 2013, pp.147-157.
PAPINEAU, David. Filosofia da Ciência. In BUNNIN, Nicholas & TSUI-JAMES, Eric (eds): Compêndio de filosofia. Loyola: São Paulo, 2007, pp.
305-337.

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