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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

CONTEÚDOS METODOLÓGICOS DE
CIÊNCIAS NATURAIS

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1
1 INTRODUÇÃO 3

2 CONCEITO DE CIÊNCIAS NATURAIS E SEU ENSINO 4

3 EPISTEMOLOGIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS 7

3.1 Epistemologia e contexto pedagógico 10

3.2 A corrente empirista/comportamentalista 15

3.3 O inatismo (intelectualismo e apriorismo) 18

3.4 A posição interacionista/construtivista 23

4 O CONTEÚDO DAS CIÊNCIAS NATURAIS (DIMENSÕES TOPOLÓGICAS


E HISTÓRICAS) 24

5 O ENSINO DAS CIÊNCIAS NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS. 29

6 ENSINO DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO INCLUSIVA 34

7 ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E A QUESTÃO DAS DROGAS 41

8 ENSINO DE CIÊNCIAS E SEXUALIDADE 43

9 O ENSINO DAS CIÊNCIAS NATURAIS E CITOLOGIA 50

9.1. Citologia: conceitos básicos. 53

10 ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E FONTES ALTERNATIVAS DE


ENERGIA 61

11. ENSINO DE CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE 71

11.1. O contrato natural 71

11.2 O conceito de educação ambiental 73

12. BIBLIOGRAFIA 78

2
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirem a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 CONCEITO DE CIÊNCIAS NATURAIS E SEU ENSINO

Existem cinco grandes ciências naturais: a biologia, a física, a química, a geologia


e a astronomia.
A biologia estuda a origem, a evolução e as propriedades dos seres vivos,
fenômenos associados aos organismos vivos.
A física é a ciência natural que tem como objeto as propriedades da matéria
conforme sua constituição energética, espacial e temporal. Assim, o estudo da física
tem como horizonte o mundo natural que trata dos componentes fundamentais do
universo, as forças que eles exercem e os resultados destas forças. Ela tem como
objetivo a descrição e o entendimento dos processos que ocorrem na natureza e a
partir destes conhecimentos pretende contribuir para evolução espiritual e material da
humanidade. Os componentes fundamentais do universo enquadram-se no seu
campo de ação.
A química se orienta para o estudo da matéria conforme a investigação da sua
composição, estrutura, propriedades e alterações. O estudo sistemático de química
começou com os egípcios e os gregos antigos, que foram os primeiros a proporem a
existência do átomo. A grande importância da química passa despercebida no
cotidiano, mas a questão é que reações químicas estão acontecendo o tempo todo e
estão na base do funcionamento da nossa vida mental e material. O atual estágio de
desenvolvimento científico e civilizacional da espécie humana não teria sido atingido
sem o estudo da química, que é uma prática milenar.
A geologia analisa o interior do globo terrestre (matéria, alterações, estruturas,
etc.). Campos de investigação como a hidrologia, a meteorologia e a oceanografia
são ciências que podem ser incluídas no âmbito da geologia.
A astronomia, no que lhe concerne, é a ciência dos corpos celestes. Os
astrônomos estudam os planetas, as estrelas, os satélites e todos os corpos e
fenômenos que se encontram além da fronteira terrestre.
As ciências naturais estão relacionadas com tudo aquilo que a natureza oferece.
O ser humano, enquanto corpo físico e organismo vivo é estudado pela biologia; mas
ele ultrapassa esse campo estrito e se torna fenômeno para ciências humanas como
a sociologia e antropologia, pois sua experiência não se restringe aos modelos de
causalidade possíveis no nível dos fenômenos físicos.

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No entanto, as fronteiras entre as ciências da natureza e as ciências humanas
não exigem que elas sejam incomunicáveis. Atualmente, encontramos inflexões entre
os dois campos, o que torna possível entender, por exemplo, a biologia como um
projeto humano voltado ao entendimento da natureza e da vida, a qual também
interessam questões relacionadas com a ética, com a filosofia da ciência e a
epistemologia.
Por outro lado, temas como efeito estufa, contaminação, energia nuclear, extinção
de espécies, engenharia genética, tecnologia militar e emprego de cientistas nas
indústrias de defesa e controles da investigação científica não possuem apenas um
sentido científico, mas também político, social e ético (Matthews, 1991, p.268).
Assim, mais do que nunca somos chamados a compreender como as ciências da
natureza se inserem historicamente em projetos de liberação e controle da vida
humana, sendo possível até falar de uma biopolítica enquanto forma de controle não
apenas do indivíduo considerado em si mesmo, mas de populações e grupos sociais
que são dominados segundo ação do poder em suas estruturas biológicas mais
elementares, seja através da educação, da economia, do uso da fome e de desejos
liberados e construídos pelo mercado.
Segundo Foucault, a biopolítica é uma forma de manifestação de poder por
meio da qual os mecanismos da vida biológica dos seres humanos são
incluídos na gestão política passando a ser gerenciados e administrados.
Assim, em 1978, no curso intitulado Segurança, território, população, Foucault passa
tomar como base de sua análise das sociedades contemporâneas o biopoder que ele
define da seguinte maneira:

(...) o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na


espécie humana, constitui suas características biológicas
fundamentais, vai poder entrar numa política, numa estratégia
política, numa estratégia geral do poder" (Foucault, 2008b, p. 3).

Não se trata, deste ponto de vista, de elidir a fronteira entre as disciplinas de


ciências humanas e naturais, mas perceber como elas se comunicam e são tecidas a
partir das redes de transmissão relacionadas à existência humana em suas
heterogêneas e múltiplas dimensões.
Nesse sentido, o ensino das ciências naturais constitui um desafio tanto no âmbito
das salas de aulas da educação básica, como também no que tange a formação de

5
professores. Apesar da convergência de posições quanto à necessidade do ensino
das ciências, o qual já se apresenta nos currículos e planejamentos escolares, ainda
hoje a formação científica oferecida nas primeiras séries não é suficiente.
Conforme o último exame PISA, de importância internacional, realizado em 2018,
o Brasil se apresenta abaixo da média no ensino das ciências e da matemática, como
também estagnação nessas disciplinas. Ainda que os parâmetros de avaliação
possam ser questionados, o que se vê é que no Brasil é um problema geral da
educação e esse tem no ensino das ciências uma de suas dimensões agravadas (C.f
Relatório Pisa, INEP, 2018).
Há também uma dificuldade de formação da docência. Os cursos de licenciatura,
em sua grande maioria, estão muito distantes da realidade escolar, sendo quase
impossível um professor recém-formado chegar preparado à sala de aula. O professor
deve atuar possibilitando o contato dos estudantes com as estruturas conceituais das
disciplinas científicas e sua imersão no mundo social e cultural. No entanto, isso só é
possível a partir de uma formação adequada, ou no mínimo, orientada para o
enfrentamento dos problemas surgidos na sala de aula.
Existem ainda dificuldades de ordem cultural, sendo, portanto, necessário uma
reflexão específica sobre o assunto, isto é, de âmbito pedagógico, como também
segundo as relações de fuga que a organização social constrói para com a educação
e principalmente ao ensino das ciências, que, para ser efetivo deve envolver alunos
de qualquer série em um processo de conceitualização claro do perfil das disciplinas
científicas e sua reverberação na vida cotidiana.
Isso não significa que as crianças estão convidadas a tratar a ciência como
cientistas, mas que o ensino das ciências deve se configurar segundo suas
especificidades em relação outros campos de experiência de aprendizado, tanto em
seus aspectos formativos educacionais quanto aqueles relativos à visão de mundo
que as crianças recebem em suas famílias. As ciências devem ser ensinadas segundo
seus métodos e estruturas, como também segundo sua capacidade de ampliar nossa
visão de mundo.
Visando estes aspectos, o objetivo da disciplina é expor conteúdos que possam
contribuir para uma melhor conceitualização do campo das ciências naturais e seu
ensino, descrevendo como eles podem ser utilizados para formulação de programas
de ensino capazes de cumprir sua missão; isto é, a possibilidade de uma experiência

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mais ampla do mundo através das ciências naturais; entendendo que o conhecimento
deve ter impacto prático e ético na vida dos seres humanos.
O conteúdo de uma disciplina precisa ser abordado segundo a especificidade
do grupo ao qual ele se destina, fazendo aparecer a função que eles cumprem na vida
daqueles que o recebem. Não se trata apenas de receber passivamente informações,
mas aprender utilizá-las de modo prático, crítico e cotidiano. Assim, nosso objetivo é
tratar de temas que possam ser úteis em sala de aula, como apresentar uma
conceitualização das ciências naturais e sua relação com campos de investigação
epistemológico e social.
Iniciaremos por uma abordagem pela via epistemológica do ensino das ciências
naturais, para em seguida traçar aspectos do desenvolvimento histórico do ensino de
ciências naturais no contexto brasileiro, indicando suas fases, suas modificações e
sua conformação contemporânea. Por fim trataremos de temas como vida,
sexualidade, uso de drogas, conteúdos de citologia, ecologia e meio ambiente.

3 EPISTEMOLOGIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Estudaremos neste tópico as principais correntes epistemológicas que


sustentam as práticas escolares e se voltam para uma interpretação da relação entre
o saber e a experiência no âmbito das práticas pedagógicas, conforme a consideração
das diferenças entre as ciências e as não ciências, como também acerca das
diferenças entre disciplinas de humanidades e aquelas de caráter científico natural.
O privilégio dado a essas teorias no âmbito desta exposição levaram em conta
dois aspectos: 1) primeiramente, são posturas epistemológicas que funcionam como
verdadeiros vetores dos discursos sobre a experiência na modernidade, sendo
referidas constantemente nas abordagens contemporâneas sobre o conhecimento
científico e os processos de aprendizagem. 2) Elas têm grande impacto no cenário
educacional brasileiro, sendo muitas vezes admitidas inconscientemente pelos
educadores, sendo também desdobráveis e utilizáveis de acordo com as dificuldades
impostas pelo trabalho escolar.
Faremos, nesse sentido, uma incursão pelo campo da epistemologia das
práticas pedagógicas, das disciplinas que estão envolvidas nos processos de

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aprendizado e por questões universalizantes acerca das formas de apropriação do
mundo e dos fenômenos através do conhecimento e das disciplinas científicas.
A epistemologia constitui-se como um ramo da filosofia que estuda a gênese
do conhecimento e das ciências, considerando suas estruturas, métodos e padrões
de validade.
Em alguns estudiosos encontramos a epistemologia como sinônimo de teoria
do conhecimento; mas enquanto a teoria do conhecimento se restringe aos modos
mais imediatos da experiência cognitiva (percepção e memória, por exemplo), a
epistemologia é a disciplina que expõe os fundamentos da experiência científica.
Nesse caso, ela não aborda somente questões relativas aos modos como
conhecemos o mundo, mas também se voltará às formas específicas de saber, de
acordo com suas tecnologias e redes de apropriação e transformação do mundo e da
experiência.
A Epistemologia engloba estudos realizados por diferentes filósofos e cientistas
de heterogêneas tradições de pensamento. Assim, se torna necessário delimitar um
terreno ou conjunto de teorias a serem trabalhados. Faremos, nossa abordagem,
tomando como referência a epistemologia histórica de Bachelard.
Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo e poeta francês, defendeu uma
epistemologia histórica, postulando uma concepção descontínua da ciência, ou seja,
ele não considera o conhecimento científico um tesouro cumulativo, mas um conjunto
de apropriações da realidade a partir de uma rede conceitual marcada pela sua
inserção em um tempo histórico. Além disso, entendeu que, na ciência, existem
obstáculos epistemológicos como a experiência imediata (senso comum); o animismo,
o substancialismo, o realismo e o pragmatismo que devem ser enfrentados segundo
a mudança de hábitos de pensamento. Segundo o filósofo, um obstáculo
epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado, impedindo o acesso a
conteúdo científico renovado. Hábitos intelectuais que foram úteis e sadios, se tornam,
assim, um entrave à pesquisa, sendo necessário seu questionamento e
desconstrução (BACHELARD, 1989, p. 221). Ainda nesse sentido ele acrescenta:

Para muitos, o único meio de vencer o obstáculo é rebaixá-lo, convertê-


lo. Não percebem que o obstáculo está no próprio pensamento
(BACHELARD, 2000, p. 223).

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O pensamento de Bachelard aponta, portanto, para a necessidade de
ultrapassar os conceitos embalsamados e obsoletos pela via da crítica aos conteúdos
epistemológicos e ontológicos ingenuamente admitidos. Um aspecto fundamental do
seu pensamento é a ruptura com o determinismo científico, com o método cartesiano
e com o pensamento objetivo. Para o filósofo, a epistemologia cartesiana é uma
epistemologia em crise, porque não responde à complexidade da prática científica.
Por ter se sedimentado em formas dogmáticas e doutrinárias, o pensamento
cartesiano se torna para si mesmo um pensamento inquestionado e auto evidente,
afastando-se da complexidade apresentada pela multiplicação das ciências no mundo
contemporâneo.
Na crítica da epistemologia objetivista, Bachelard considera ainda que “o método
cartesiano é redutivo, não é indutivo” (BACHELARD, p. 2000, p. 121), e afirma que os
métodos de pesquisa, podem ser desenvolvidos até certo ponto, sendo necessário,
identificar quando eles perdem sua vitalidade. Contrapondo ao determinismo científico
que se aplica e se prova nos fenômenos simplificados, à intuição, às impressões
primeiras, ao equívoco das primeiras ideias, ele afirma que o pensamento complexo
é um “pensamento ávido de totalidade” (BACHELARD, 2000, p. 123). É essa noção
de pensamento complexo que deve fundamentar a pedagogia científica necessária a
ciências contemporâneas. Para Bachelard (2000):

Na realidade não há fenômenos simples; o fenômeno é um tecido de


relações. Não há natureza simples, nem substância simples, porque a
substância é uma contextura de atributos. Não há ideia simples, porque
uma ideia simples, como viu Dupréel, deve ser inserida, para ser
compreendida, num sistema complexo de pensamentos e experiências.
A aplicação é naturalmente complicada. As ideias simples são hipóteses
de trabalho, conceitos de trabalho, que deverão ser revisadas para
receber seu justo papel epistemológico. As ideias simples não são a
base definitiva do conhecimento; aparecerão, por conseguinte, com um
outro aspecto quando forem dispostas numa perspectiva de
simplificação a partir das ideias completas. (BACHELARD, 2000, p. 130)

A epistemologia de Bachelard rompe com as ideias de distinção e simplicidade


teórica oriundas do pensamento cartesiano. Não se trata de tentar construir o
fenômeno complexo a partir de suas partes mais simples, mas entender como a
complexidade caracteriza o fenômeno e como o pensamento deve mover-se para dar
conta da complexidade estrutural da experiência, da realidade que ela visa e do
esforço científico de compreendê-la.

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Dos temas tratados pela epistemologia bachelardiana alguns são de fundamental
importância para os objetivos desta exposição: a) as origens do conhecimento (nível
perceptivo e cognitivo, como também histórico e social); b) influências das
experiências básicas (percepção, memória, raciocínio) na formalização e origem do
conhecimento científico; c) as novas formas de conhecimento e exploração da
experiência, como também a relação entre educação e ciência e a noção de obstáculo
epistemológico.
Seguindo os caminhos Bachelard vamos explorar as seguintes correntes
epistemológicas: empirista/comportamentalista, apriorista/inatista e
interacionista/construtivista, buscando onde e quando elas contribuem para o âmbito
das práticas pedagógicas, como também analisando os possíveis prejuízos que elas
trazem para nossa compreensão do mundo educacional, especificamente ao
tratamento do tema das ciências naturais.

3.1 Epistemologia e contexto pedagógico

Umas das dificuldades enfrentadas por aquele que se depara com uma sala de
aula onde é necessário lecionar disciplinas “cientificas”, seja no nível básico ou
mesmo superior é que os estudantes apresentam grande dificuldade em entender e
aplicar conceitos científicos. Parece existir um histórico de fracassos na educação
científica, a ponto de amplos grupos de estudantes apresentarem uma resistência
quase psicanalítica à ciência e aos conhecimentos que ela produz.
A ciência não deveria ter para nós nenhum aspecto esotérico ou ser
considerada extremamente difícil, já que ela se apresenta disseminada em nossa vida,
responsável por inúmeros confortos que caracterizam a vida moderna, sendo
imediatamente familiar a nossa experiência, aliás, constituindo-se enquanto parte
dela. Porém, a dificuldade é real e a proximidade prática não inclui o conhecimento
das causas que tornam a ciência tão efetiva em nossa vida, seus produtos que
perpassam todos os setores da nossa vida.
Essa situação nos remete a constatação célebre de Bachelard que identificava
com o espanto a falta de percepção dos professores sobre as dificuldades do ensino
das ciências: “Eu tenho sido constantemente surpreendido pelo fato dos professores
não compreenderem que não se compreenda” (BACHELARD, 2000, p. 89). Ainda

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hoje, na segunda década do século XXI, a constatação de Bachelard descreve um
aspecto da situação que professores de ciência vivenciam em sala de aula. No Brasil,
por exemplo, temos índices muito baixos de aprendizado de matemática,
impossibilitando a aproximação mais consistente a conteúdos de física e de química.
Até mesmo o aprendizado da biologia é prejudicado, pois o hábito de pensar
cientificamente e a utilização do método não é um hábito cultivado em nossas
escolas.

Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo da ciência.


Fonte: vancouver.com.br

Ainda hoje, portanto, os professores não conseguem identificar o que produz


tanta dificuldade no âmbito da aprendizagem das ciências. Aponta-se a falta de
motivação; em algumas abordagens se fala de estratégia pedagógica e se procura
trazer a ciência para vida cotidiana, o que é estranho, pois a ciência está por todos os
lados, sendo talvez o maior problema ser aquele da sua identificação e ligação com a
vida cotidiana; o que se considera muito pouco é que problemas de ensino e
aprendizagem no âmbito da ciência, ou seja, a apreensão dos conteúdos, pode estar
relacionada a aspectos inerentes das ciências segundo especificidades que devem
ser investigadas, ou seja, colocadas ao nível epistemológico.

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Assim, neste momento de nossos estudos colocaremos a questão no nível
epistemológico, apontando para problemas de aprendizagem ligados à estrutura dos
conteúdos das ciências naturais. A escolha deste posicionamento reverbera
diretamente o argumento sugerido pelo bom senso, que nos indica ser delicado falar
sobre algo que não se domina com profundidade. Geralmente, os discursos
educacionais sobre a ciência subestimam as principais dificuldades da ciência, ou
seja, é como se eles se fundassem em um esforço de não identificar autenticamente
o objeto a ser conhecido. Em outras palavras, muitas vezes as ciências são pensadas
e ensinadas de maneira não científica.
As dificuldades não se vinculam apenas ao domínio operacional medido pela
capacidade em resolver problemas científicos padrões. Professores e educadores
costumam ter uma ideia muito estereotipada sobre o que seja a ciência, tendo
dificuldade para descrever o funcionamento das disciplinas científicas e o valor
intrínseco e extrínseco do conhecimento que elas produzem. O que prevalece no
mundo escolar é a concepção lógico-positivista da ciência, onde o conhecimento é
concebido através da suposição de um método empírico atemporal e pela ideia de
que a verdade conquistada pela ciência tem caráter absoluto. O visado e o proliferado
é cientificamente provado e não a ciência enquanto construção histórica e embate da
experiência humana com o mundo. Muito menos se imagina que a ciência possa ser
uma linguagem que tente exprimir o real; mas uma linguagem muito especial porque
além de exprimir o real, também consegue construir instrumentos pelos quais esse
mundo é constantemente transformado.
O estudo histórico das fases de elaboração do conhecimento científico nos
parece facilitar aprendizagem das ciências. Não se trata de colocar a ciência numa
história que seja aquela de todas as outras manifestações culturais; mas fazer
aparecer as especificidades dos seus atos de produção; considerando, por exemplo,
a curiosidade primitiva que caracteriza o olhar humano: origem do ato científico e do
conhecimento em geral, como também a necessidade de sobrevivência que
impulsionou a humanidade para aplicação da ciência. Através dos estudos históricos
é possível, portanto, adentrar em um questionamento autêntico das posições triviais
acerca do mundo da ciência, tendo mais clareza acerca do alcance e sentido do
conhecimento por ela produzido e suas consequências práticas ao nível social,
econômico e pedagógico.

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Fonte: humornaciencia.com.br

Na análise dos processos de ensino/aprendizagem é importante não evitar a


tarefa de refletir criticamente sobre o conhecimento que se ensinará. Essa reflexão
acontece o tempo todo, mas ingenuamente e não orientada, permanecendo na
superfície do processo pedagógico.
A imagem que temos da ciência dirige parte importante das ações
empreendidas em ambiente escolar, no que tange ao ensino dos conteúdos
científicos, principalmente aqueles oriundos das ciências naturais. Nesse caso,
encontramos uma representação nunca pensada orientando a prática pedagógica
Assim, nos diversos níveis de ensino, discussões sobre os processos de
construção dos conceitos científicos não devem ser evitadas, mas desenvolvidas
como parte fundamental da disciplina presente na cena. Tais discussões, se
orientadas da maneira certa, estruturam o entendimento do estudante e o abrem para
a abordagem científica do mundo. Nisso a ciência está próxima da arte. Um sujeito
não se torna artista se não modular seu corpo e seu mundo conforme a arte que pulsa
em sua existência.
Para isso, ele precisa estudar a paisagem que o circunda consoante o olhar do
artista. Se deseja ser um pintor, ele precisa ver com o olhar do pintor. Este é também
fenômeno histórico, já que esse “olhar do pintor” é algo que aconteceu antes dele e
onde ele se insere por apetite (aptidão e desejo), mas também pelo deslocamento e
suspensão do olhar cotidiano que o perpassa. A ciência e arte nunca estão no mesmo

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tempo e espaço do cotidiano, ainda que seja no cotidiano que eles construam suas
preocupações e formas de agenciamento sobre o mundo.
Cabe ainda salientar, que a ciência não se relaciona com os fatos brutos tais
como eles se apresentam na experiência, ela já inicia seu processo segundo um
campo estrutural sedimentado. Conceitos como espaço e tempo, energia, seleção
natural, herança genética, são resultados de processos histórico-científicos ocorridos
nos últimos três séculos e integram a estrutura operatória onde a prática científica se
desdobra. Desse modo, manipular, desconstruir e desdobrar tais conceitos torna o
cientista capaz de interpretar e descrever o mundo segundo a ciência que é a sua.
A formação conceitual que não é uma simples manipulação de um campo
abstrato de ideias, mas de preparação concreta para dar conta da prática científica e
da região da experiência a que ela está referida; estudar os fenômenos segundo sua
conceitualização habilita o cientista para pelo menos três dimensões básicas que
caracterizam o ato de investigar cientificamente o mundo: reconhecimento dos
fenômenos e sua problematicidade, proposição de questões em torno do modo de
aparecer dos fenômenos e sua relação com uma história científica mais ampla, busca
de respostas e sistematização. No entanto, o ensino das ciências na escola
desconhece o valor metodológico dos conceitos, pensando que eles servem apenas
para substituir fenômenos que subsistem no mundo para além da prática científica.
Assim, a dificuldade do aluno de dar conta da realidade científica não advém
simplesmente de uma facilidade de entender, mas de operacionalizar essa mudança
de perspectiva que para o cientista já dada porque ele recebeu a formação necessária
para dar conta de um real pensado cientificamente.
Considerando esse contexto, concordamos com a afirmação de A. Giordan
para quem “a importância da 'análise da matéria' reside no fato que ela é uma
condição e um antecedente necessário a um ensino renovado em profundidade” (-
GIORDAN, 1983, p. 48). Ou seja, é preciso tornar o objeto das ciências inteligível
segundo suas circunstâncias, pondo em cena o caráter conceitual do trabalho
científico. Não se trata de tornar o estudante um cientista, mas de abrir caminho para
a entrada nas condições de existência do objeto científico, segundo conceitos
historicamente conquistados por anos de trabalho das comunidades científicas e seu
reconhecimento enquanto dimensão prática, concreta e científica do contato da
experiência com a realidade.

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3.2 A corrente empirista/comportamentalista

O empirismo entende que o conhecimento humano provém da experiência, ou


seja, do uso dos sentidos e das percepções no meio físico e social. Para o empirista,
não existe no espírito do homem concepção e compreensão do mundo que não tenha
primeiramente, na totalidade ou em parte, passado pela experiência. (KENNY, 1999,
p. 289). A posição da consciência como uma tábua rasa, desenvolvida por John Locke,
em sua obra Ensaio sobre o entendimento humano (1978), ilustra os pressupostos
básicos dessa corrente epistemológica, isto é, a consideração de que o indivíduo é
uma experiência que se forma de acordo com impressões e condições recebidas de
seu ambiente. Ao nível epistemológico básico, o empirismo entende, assim, que as
formas de ser da consciência (conteúdos e funções) se originam da relação com o
mundo sensível, entendido primeiramente como um conjunto de eventos físicos
coordenados em terceira pessoa. Dessa maneira, ele nega a existência de ideias
inatas e o mundo exterior é postulado como base para construção do conhecimento.
A exterioridade assume dois sentidos para o empirista:
1) ela pode ser física, ou seja, referir-se às condições de formação da
experiência objetiva/subjetiva de acordo com princípios causais próximos aqueles
presentes na natureza;
2) ou assumir sentido social, pela consideração de que habilidades cognitivas
são construídas de acordo com condições sociais e históricas; esse último caso
encontramos um possível momento de transição de uma posição empirista estrita para
uma espécie de teoria interacionista rudimentar. Como veremos, adiante, o
interacionismo é uma teoria muito importante para compreensão do processo
pedagógico na atualidade nas diversas disciplinas.
O comportamentalismo, uma das correntes mais influentes da psicologia no
mundo atual, principalmente no âmbito dos estudos dos transtornos de aprendizagem
tem relação direta com as posições epistemológicas defendidas pelo empirismo. No
âmbito da educação, ele remete para uma concepção educacional voltada para a
alteração do comportamento e dos elementos envolvidos no processo de
aprendizagem, e aposta que essa mudança, conforme a identificação dos pontos
necessários a modificar, contribui para melhora da aprendizagem.
Para Watson (1958-1978), por exemplo, a educação é um importante elemento
capaz de transformar a conduta de indivíduos. Além disso, ele considera que com os
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estímulos específicos torna-se possível "transformar" e "moldar" o comportamento de
uma criança, para que ela pudesse exercer qualquer profissão ou ocupação por ele
escolhida (WATSON, 2018).

Fonte: psicoativo.com

Encontramos uma relação de fundação e continuidade entre o empirismo


(oriundo da filosofia) e o naturalismo e o cientificismo das correntes
comportamentalistas da psicologia, pois em ambas posições encontramos o primado
do mundo natural sob a experiência subjetiva. Cabe ainda salientar, que ambas
posições transplantam para seu interior a imagem do mundo oferecida pelas ciências
da natureza em sentido clássico.
Nesses termos, os processos de construção e exercício da experiência no
âmbito do ensino, em uma perspectiva empirista/comportamentalista, são pensados
e desenvolvidos segundo ideia de que os comportamentos são reforçados pelo meio.
O conteúdo é transmitido visando o desenvolvimento de uma competência e
construção de um comportamento. Podemos caracterizar a compreensão
comportamentalista e suas bases da seguinte maneira:
Fundamento antropológico: o ser humano não é outra coisa que uma
consequência das influências ou forças do mundo exterior. No caso do empirismo
clássico, encontramos noções como a natureza humana que podem situar ainda com
mais clareza essa conjunção entre o exterior e a determinação que caracteriza essa
compreensão. Assim, a condição humana surge fundada no mundo natural. Conforme
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Skinner (1953), por exemplo, a realidade é um fenômeno objetivo; o mundo já é
construído e o ser humano é produto do meio. Nessa direção, o autor ainda afirma
não ser nem plausível nem conveniente conceber o organismo como um complexo
boneco de molas que pode ser reduzido a uma longa lista de truques, postos em
funcionamento quando se o botão apropriado (c.f. Skinner, 1953), mas como um ser
em relação de determinação e relativa liberdade com seu meio.
Liberdade e condicionamento: o meio pode ser manipulado por aqueles que
conhecem as regras de seu funcionamento e tomam como base o pressuposto de que
os comportamentos podem ser reforçados ou enfraquecidos conforme o
conhecimento da estrutura comportamental pela qual um indivíduo reconhece seu
exterior. Entende-se, portanto, que o comportamento pode ser mudado pela
modificação das condições das quais ele é uma função, ou seja, através da alternação
dos elementos ambientais (c.f. Skinner, 1953).
Cultura, história e sociedade: para Skinner (1953), o ambiente social é o que
chamamos de uma cultura, e no que lhe concerne conforma e preserva o
comportamento dos que nela vivem. A cultura é o espaço experimental utilizado no
estudo do comportamento. É um conjunto de contingências de reforço, onde a escola
também está inserida. Segundo o autor, qualquer ambiente, seja físico ou social, deve
ser considerado de acordo com seus efeitos sobre a natureza humana (c.f. Skinner,
1953).

Fonte: portaldasescolas.com.br/

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Conhecimento: a base do conhecimento é a experiência planejada. Nesse
caso, o percurso da aprendizagem deve ser uma experiência realizada enquanto
projeto, distinguindo em seu interior fases (começo, desenvolvimento e finalidade),
com o objetivo de alcançar determinados resultados. Assim, a educação está
intimamente ligada à transmissão cultural. O processo educacional deve ser ensino e
formação, desenvolvendo-se o reforço de comportamentos morais e teóricos
desejáveis.
Nesse caso, o ensino no âmbito das ciências naturais deverá produzir não
apenas uma rede de informações que pode ou não ser utilizada pelos estudantes,
mas deve permitir a construção de um comportamento teórico necessário à
aprendizagem das ciências e da sua utilização moral.
O estudante deve assumir uma relação científica com os dados que ele recebe
no âmbito das aulas de ciências naturais, por isso também deve ser valorizada a
construção de um ambiente pedagógico que imite o mundo científico: a aula de ensino
de ciências precisa, nesta perspectiva, ser até onde for possível um laboratório de
psicologia (para o professor) e de disciplinas científicas para os alunos.

3.3 O inatismo (intelectualismo e apriorismo)

A definição mais simples e consistente que podemos dar da postura inatista é a


seguinte: trata-se daquela compreensão filosófica que defende a ideia de que o sujeito
traz em sua estrutura de ser existente a bagagem necessária ao conhecimento do
mundo, sem precisar passar pela experiência para adquiri-la. Nesse sentido, podemos
falar de um inatismo clássico (Platão), de um inatismo moderno e cartesiano
(Descartes) e um inatismo genético.
Opondo-se aos princípios do empirismo e do comportamentalismo, a corrente
inatista pressupõe a existência nos seres humanos de capacidades ou aptidões inatas
para o conhecimento que não correspondem a nenhuma determinação do mundo
exterior. O sujeito ao nascer surge dotado de capacidades e potencialidades que irão
motivar seu desenvolvimento intelectual.
Essa posição encontra sua primeira formulação na filosofia grega: Platão era
inatista a ponto de considerar que a sociedade poderia ser dividida em funções

18
condizentes com capacidades inatas dos sujeitos humanos, conforme aptidões e
habilidades correspondentes a sua essência espiritual.
Assim, em seu livro A República (2001), Platão propõe uma divisão da sociedade
baseada nas capacidades intelectuais dos indivíduos e utiliza uma artimanha
mitológica para justificar sua proposta. Ele fala de seres humanos que nascem com
almas de ouro, prata e bronze, correspondentes ao lugar que cada pessoa deve
ocupar na sociedade, segundo as condições intelectuais e aptidões próprias a cada
um dos tipos de alma. Não se trata apenas de uma distinção política ou social, mas
de um modo de identificar que cada sujeito nasce com predisposições inatas e que a
sociedade mais justa é aquela que se organiza visando essas diferenças (C.f. História
concisa da filosofia ocidental de KENNY, 1999, p. 75).
As ideias do inatismo ou apriorismo tais como as concebemos atualmente
procedem do intelectualismo filosófico. Em Descartes — o pensador que concebe as
bases do intelectualismo moderno —, encontramos valorização do ser humano
enquanto ser pensante em detrimento de qualquer circunstância onde ele esteja
inserido. As indagações de Descartes sobre a capacidade humana em conhecer a
verdade se baseiam na ideia de que a formação da inteligência de um indivíduo está
ligada à sua capacidade em manifestar conteúdos mentais (Dutra, 2010). Ao pensar
a separação entre mente e corpo, o pensamento cartesiano revela-se como uma
forma de compreender pautada pela dicotomia entre pensamento e mundo, teoria e
prática, existindo a ordem do essencial (espírito e pensamento) e a ordem do mundo
material (científica, mundana, contingente) enquanto dimensões ontologicamente
diferentes. Daí a ideia de que o verdadeiro conhecimento não se origina a partir do
contato da experiência com o mundo material, mas pelo contato do espírito (o ser
pensante) consigo mesmo (C.f. MERLEAU-PONTY, 2016, p. 16).
Atualmente, encontramos versões diversas dessa posição; a mais interessante e
consistente é aquela que compreende o sujeito a partir de suas condições genéticas.
Como lembra Becker (1994, p. 91),

[...] esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o


conhecimento já programado na sua herança genética. Basta um
mínimo de exercício para que se desenvolvam ossos, músculos e
nervos e assim a criança passe a postar-se ereta, engatinhar,
caminhar, correr, andar de bicicleta... assim também o conhecimento.
Tudo está previsto. É suficiente proceder a ações quaisquer para que
tudo aconteça em termos de conhecimento, a interferência do meio –
físico ou social – deve ser reduzida ao mínimo. (BECKER, 1994, p. 91).

19
Ao fundamentar que o conhecimento tem sua origem em capacidades inatas do
indivíduo, esse comportamento epistemológico parece inverter a posição
comportamentalista, pois coloca em cena uma instância de determinação da
experiência anterior ao envolvimento do indivíduo com seu meio, mas que não nega
uma história da experiência em sentido coletivo, já que as condições genéticas são
transmitidas de geração para geração, segundo os possíveis e impossíveis da história
natural. Se não é verdade que toda a experiência é determinada geneticamente, por
outro lado, as condições genéticas são um lastro importante para entender a vida
humana. O problema seria apenas o seguinte: reeditar uma pedagogia do
condicionamento “espiritual” e da determinação da experiência como “destino” através
da defesa da conformação genética da existência; por outro lado, abandonar as
dimensões genéticas seria suspender o alcance de dados científicos de fundamental
importância conquistados pela biomedicina e outras ciências naturais e que tem dito
impacto autêntico em setores variados e exigentes da vida cultural, como a medicina,
por exemplo.
Uma forma sofisticada de apriorismo surge com a teoria da forma ou da Gestalt,
importante corrente da psicologia desenvolvida no século XX. A psicologia da Gestalt
se apresenta como uma tendência teórica extremamente coerente e coesa. Seus
teóricos se preocuparam em construir não apenas um conjunto e estruturas
conceituais consistentes, mas uma base metodológica fundada pelo encontro ele
filosofia e ciências naturais.
A palavra Gestalt é um termo de origem alemã, basicamente intraduzível para o
português. Conforme Engelmann (2002), ela pode assumir dois sentidos: (a) forma,
estrutura ou configuração; (b) uma entidade concreta que possui entre seus vários
atributos a forma. O segundo significado é aquele que os gestaltistas utilizam,
referindo-se, principalmente, às formas perceptivas que tem em suas pesquisas uma
função predominante. Ainda segundo Engelmann: “É por isso que a tradução da
palavra “Gestalt” não se acha nas outras línguas e a melhor maneira encontrada pelos
próprios gestaltistas ao escrever em idiomas diferentes é simplesmente mantê-la"
(Engelmann, 2002, p. 2)
A teoria dos gestaltistas se destaca por tentar fazer uma descrição imediata da
experiência, colocando-a como base da análise psicológica e comportamental e com

20
isso pretende encontrar conexões entre essa experiência (de caráter perceptivo e
imediato) e as estruturas do sistema nervoso.
Ainda que possamos colocar a teoria da Gestalt no âmbito de uma teoria apriorista
é importante notar que ela não concebe conteúdos cognitivos anteriores à experiência
sensível, sendo impossível ligá-la diretamente ao intelectualismo. Se a Gestalt pode
ser compreendida como um processo de organização temporal e espacial da
experiência, a partir da qual dimensões se articulam de modo inteligível, realizando
assim um conjunto e uma configuração cujas características não são dadas pelas
partes consideradas isoladamente, é preciso ver que é pelo contato da experiência
com o mundo que uma estrutura gestáltica se torna presente. Para eles, não é um
conteúdo mental que determina a relação do organismo com seu meio, tampouco
pode se explicar enquanto uma mecânica nervosa; é como estrutura que se volta ao
mundo, ou como um corpo vivido que organismo é uma Gestalt se relaciona com seu
meio circundante.

Fonte: ex-isto.com

No campo estrito da educação, a psicologia da Gestalt desenvolve a ideia de


“aprendizado por insights” através da qual questiona as teorias empiristas da
educação. Para isso, descreveu traços de memória e efeitos que as experiências
perceptivas podem inscrever no sistema nervoso. Estes traços de memória formam
totalidades chamadas Gestalt que formam e estruturam o repertório intelectual dos

21
seres humanos. Assim, aprender não é uma questão de simplesmente adicionar
traços novos e subtrair os antigos, mas uma questão de transformar uma Gestalt em
outra, pela reorganização das estruturas de contato e apreensão de uma existência
com seu mundo circundante. No caso da educação, o conhecimento não é transmitido
como se ele viesse somar a quantidade já determinada de habilidades e informações,
mas pela estruturação em termos novos de uma estrutura de experiência cognitiva já
existente.
A obra de Wertheimer (1980-1943), um dos importantes pesquisadores da
Gestalt, aplica os princípios gestaltistas ao pensamento criativo em seres humanos,
afirmando que o pensamento se processa enquanto totalidade e que a resolução de
problemas se baseia e se torna possível a partir da maneira como um ser humano
apreende totalidades. O processo educacional passa, em uma perspectiva como
está, pelo esforço de compreender a percepção do outro, ou seja, desse lugar
inacessível pelo qual o outro é “radicalmente outro” porque é impossível atingir ou se
apropriar de sua visão de mundo. Desta forma, diante da totalidade que compreende
o ambiente social, físico e psicológico do contexto escolar — tido como uma unidade
total de significações —, é o mundo da pessoa, sua percepção e o significado
existencial do ambiente que determinarão a figura e o fundo da sua maneira de entrar
no processo pedagógico. Em outras palavras, é o aluno que, conforme as suas
necessidades e interesses singulares que identificará e direcionará sua percepção
para aspectos específicos do que lhe é oferecido pela escola.
Visto que o processo de ensino e aprendizagem se inicia de acordo com as
possibilidades e as necessidades dos alunos, pode-se verificar que, numa visão
gestáltica, o importante é esse contato da experiência do aluno com o sentido tal como
o mundo se apresenta a ele, trata-se de uma teoria que tende a valorizar a percepção
de mundo do aluno, suas formas de relação interpessoal e curiosidade epistémica,
aspectos que podem e devem ser utilizados e explorados em ambiente escolar.
Assim, o ensino das ciências dependerá muito do envolvimento perceptivo do
aluno com o mundo que o circunda. Não existirá passagem para o discurso da ciência
se não pelo caminho da percepção, a qual ela busca responder e do qual ela é
expressão (c.f. MERLEAU-PONTY, 1945. p. 16).

22
3.4 A posição interacionista/construtivista

O comportamento epistemológico interacionista/construtivista se opõe às duas


posições que tratamos anteriormente. Ela afirma que tanto o meio físico como o social
são importantes para construção do conhecimento e se esforça por descrever o
conjunto de relações as quais um indivíduo se lança quando envolvido por uma
situação de aprendizado.
Não encontramos referências diretas desta corrente à filosofia, já que são
comportamentos teóricos que surgem exatamente no momento em que as ciências
do aprendizado buscam independência da filosofia. No entanto, desde o século XIX,
é possível notar que existe uma tendência na história do pensamento para colocar em
cena os condicionamentos sociais que perpassam a existência humana.
O advento de um pensamento híbrido através da filosofia de Karl Marx; ou seja,
uma forma de investigação em que não se separa filosofia e economia, tampouco
história, antropologia física e análise social; ou ainda o esforço ainda que arbitrário de
tratar a sociedade pelo viés da teoria evolutiva de Darwin (darwinismo social); são
exemplos de maneiras de pensar que descrevem a inserção do sujeito em um mundo
intersubjetivo e cultural.
No caso de Karl Marx (1818-1883), o aprendizado estaria condicionado por
situações econômicas e sociais que escapam à vontade do sujeito. Assim, torna-se
necessário perspectivar o ensino das ciências conforme as relações políticas e
econômicas que o perpassam, como também entender os condicionantes sociais e
culturais do aprendizado.
A educação não aparece nos textos de Marx como objeto central de
interpretação, análise ou como o cerne de alguma proposição na perspectiva de sua
teoria da revolução ou análise do capitalismo. O tratamento do tema se dá mais como
uma das consequências da realização de seu pensamento.
No caso interacionismo construtivista essa reverberação pode ser observada na
obra de Lev Vygotsky (1896 – 1934): o autor desenvolve um comportamento
epistemológico que confere ao sujeito e ao objeto uma relação de interdependência e
aponta para uma leitura dialógica dos condicionantes exteriores que determinam a
formação educacional do sujeito. Para ele, o conhecimento não está realizado no
sujeito, nem se encontra realizado no meio físico e social, mas é dado pela relação,
entendida como relação social. Nesse sentido, ele se difere da perspectiva Gestalt,
23
centrada no sentido perceptivo e se volta para o significado social dos processos
pedagógicos.

4 O CONTEÚDO DAS CIÊNCIAS NATURAIS (DIMENSÕES TOPOLÓGICAS E


HISTÓRICAS)

O conteúdo das ciências revela dimensões topológicas e históricas. Em


sentido topológico encontramos a relação interna entre os conceitos.
Compreendemos essa característica quando observamos que um conceito não se
mostra fora de uma rede relações, que o conteúdo pelo qual é reconhecido mantém
uma relação diacrítica com outros.
A noção de diacríticidade faz referência aqui aos estudos de linguística, mais
precisamente, à obra de Saussure (1960). Segundo esse autor, as palavras significam
a partir da relação que ela mantém com outras palavras, ou seja, em uma dada cadeia
verbal ou rede de significação. Da mesma maneira, podemos dizer que em uma teoria,
a dimensão topológica é diacrítica, pois um conceito funciona e significa no âmbito de
uma estrutura e na relação que ele mantém com outros.

Fonte: reflexaomatematica.wordpress.com

A outra dimensão se refere ao “tempo” das teorias, a relação que uma teoria
mantém com a outra, conforme uma historicidade própria ao discurso científico e
específica a ciência considerada. Nesse caso, a história da física não será escrita nos

24
mesmos termos que uma histórica da química, cabendo o historiador de uma ciência
ser também um conhecedor da ciência que procura historicizar. Tratemos das duas
dimensões.
A dimensão topológica do conhecimento científico se mostra quando
observamos que os elementos de uma teoria são dimensões de um sistema que
significam em uma rede de remissões e não isoladamente. As teorias são diacríticas,
isto é, os conceitos, princípios e problemas se articulam dialeticamente e segundo
normas determinadas (c.f. GIORDAN, 1983).
Quando falamos de ciências físicas é interessante notar que elas adquirem
precisão lógica e formal pela disposição matemática de seus conteúdos. Os
elementos se arranjam segundo leis axiomáticas definidas pela lógica e a linguagem
matemática. A mecânica newtoniana, por exemplo, apresenta os conceitos básicos
de massa e força e eles têm sentido em um conjunto de relações através das quais
as leis da dinâmica e a lei da gravitação universal são expressas. Trata-se de uma
estrutura conceitual que fornece um referencial global para interpretação do
movimento dos corpos macroscópicos e dos astros. Interessante notar que existe
uma complementaridade entre as leis e elas se explicam por remissão. Elas se bastam
a si mesmas e não precisam de se referir a um exterior para adquirir validade formal
e científica, ainda que tenham como base o esforço descritivo de fenômenos da
natureza e cosmológicos.
O aprendizado de uma estrutura conceitual torna-se algo complicado quando
se considera não haver uma senda prioritária de apresentação dos elementos que a
compõem. Não se trata de uma questão de sensibilização ou dinâmica, mas do exame
do melhor modo de fazer essa estrutura aparecer ao estudante e ser entendida. Deve-
se dar conta aspectos auriculares e supremos de uma estrutura teórica se se espera
um resultado positivo ao explicá-la a alguém. Não se trata de adotar ingenuamente a
ideia de que o conhecimento deve ser mediado pela realidade, mas compreender que
o ensino da ciência acontece quando o estudante começa a utilizar conceitos e
conteúdos científicos para pensar sua realidade.
Para isso, é preciso entender que os conceitos só se tornam compreensíveis
tomando-se como referencial as estruturas nas quais eles estão incorporados.
Segundo Robilotta, explicações em física, por exemplo, somente adquirem sentido
completo quando olhadas de dentro da teoria, quando já se conhece a Física, ou seja,

25
quando se aprendeu a lidar com o conjunto conceitual inerente às teorias científicas
desenvolvidas pela física. Segundo o autor: (...) para saber eletrostática é preciso
conhecer bem o campo elétrico, o que só é possível sabendo eletrostática” (Robilotta,
1988, p. 17)
A dimensão temporal se mostra quando entendemos que as teorias científicas
resultam de complexas relações históricas que são formadas segundo dimensões
econômica, culturais e políticas, inseridas no cotidiano humano. Assim, como aponta
Oliveira (2021), o uso da análise histórica na prática de ensino de ciências permite
entender porque as teorias das ciências se distanciam do senso comum (C.f. Oliveira,
2021, p. 58) Assim, as sofisticadas teorias científicas hoje ensinadas na escola não
têm nada de “natural”, pois estão situadas temporalmente em mundo humano.
Apesar de bastante discutida nas últimas décadas, não podemos considerar que
a utilização da história da ciência no ensino seja uma tendência contemporânea. No
século XVII, o cientista e filósofo Francis Bacon, apontava para necessidade de um
ensino de ciências, baseado na história das ciências e da filosofia (CASSONATO,
1993). No início do século XX, encontramos também autores e pedagogos que
afirmam a importância da relação entre história e ciência para o desenvolvimento da
educação científica. Na tradição americana, por exemplo, Taylor (1941), publica na
década de 40 o livro Physics, the pioneer science, destinado aos estudantes de nível
médio e apresentando os conteúdos da Física numa perspectiva histórica.
Nas décadas de 50 e 60, Gerald Holton (1922), professor emérito de Havard,
hoje com 100 anos, escreveu materiais instrucionais com forte apelo histórico, como
o Foundations of Modern Physical Science, culminando com o excelente Projeto de
Física de Harvard. Esta lista poderia ser ampliada, incluindo livros atuais que
propõem a fornecer uma abordagem histórica da ciência ou fazem forte uso dela. No
Brasil, encontramos também uma tendência própria aos livros didáticos, em que se
tenta unir conhecimentos históricos sobre a ciência, com noções de sua aplicabilidade
e aspectos conceituais das teorias científicas (c.f. CASSONATO, 1993;
GIROUX,1997).
Ainda nesse sentido, podemos considerar que os programas de pós-graduação
em ciências também costumam, pelo menos no Brasil, contemplar os estudantes com
cadeiras de ensino dedicadas ao estudo da história da ciência, principalmente pelo
esforço de colocar o debate sobre a “natureza" da história da ciência em cena. Outra

26
maneira instrutiva de tratar o tema é considerar a existência de uma historicidade
cosmológica através do tema da evolução e da origem do universo. Através destes
encontramos uma história do universo que excede a história humana, como também
possíveis encontros entre física, biologia e filosofia.

Fonte: ex-isto.com

Entre os críticos clássicos sobre o uso da história no ensino de ciências,


destacam-se as posições de Augusto Comte. Ele defende o ensino das ciências a
partir de exposições de seus produtos, segundo os critérios internos das ciências
consideradas. No entanto, reduz a realidade a qual as ciências a uma realidade
positiva, constituída por leis universais, que podem ser apreendidas diretamente pela
experiência humana. A questão é que as leis científicas podem até ser descrições
exatas dos fenômenos, mas elas não são os fenômenos que descrevem, mas formas
de expressão pelas quais entramos em relação de conhecimento com os fenômenos,
ou tentamos manipulá-los visando a resolução de problemas práticos. Nesse caso, a
posição positiva de Comte é ingênua e dogmática. Primeiro, porque parte da crença
de uma correspondência entre a descrição dos fenômenos pelas ciências e os
fenômenos considerados, segundo, porque só consegue intuir a experiência da
natureza nesses termos, na medida, em que exclui a ‘natureza’ humana da natureza
Entre as críticas mais recentes, podemos considerar um artigo importante, de
Whitaker, escrito em 1979, onde se questiona o uso feito da história da ciência com
propósitos educacionais. Diferentemente das críticas de Comte, fundadas em sua
27
filosofia positivista e cientificista, Whitaker analisa textos históricos dedicados à
ciência, inclusive didáticos. Sua conclusão é que a maioria dos textos desta
modalidade apresentam qualidade duvidosa, incapazes de fornecer as bases para um
ensino das ciências conectado à história das ciências. Estes textos apresentam uma
história estereotipada da experiência científica que pode ser definida como
uma quase-história ou história de folhetim. A conclusão de seu trabalho é que seria
impossível conciliar os compromissos de um bom ensino das ciências com os
conteúdos de textos onde a história das ciências aparece reduzida a contar a vida e
os feitos de personagens; o que só poderia ser resolvido se a história do conhecimento
científico fosse pensada a partir da ideia de uma comunidade científica e não do
cientista como personagem histórico e caricatural.
Embora pertinentes, as críticas de Whitaker são hoje apenas um marco
importante na história da pesquisa em ensino de ciências. Hoje parece existir a certeza
de que um autêntico ensino de ciências não pode prescindir das contribuições da
história dos objetos aos quais a ciência se dedica, como também ao desenvolvimento
temporal das históricas e as metodológicas e técnicas de investigação utilizadas.
Esse posicionamento se reforça quando as contribuições de filósofos como Thomas
Kuhn começam a tomar popularidade e se torna impossível considerar o objeto das
ciências, sua estrutura e desenvolvimento sem conceber uma história da experiência
científica.
Um dos resultados importantes produzidos nesse contexto foi a valorização do
conhecimento trazido pelos alunos para sala de aula, algo que se tornou parte do
discurso institucional sobre o ensino em todas as disciplinas nas últimas décadas,
apesar da dificuldade de implementação. Algumas contribuições teóricas, nesse
sentido, podem ser encontradas na área da psicologia cognitiva e da filosofia do corpo,
onde se destacam os trabalhos de Jean Piaget e de filósofos como Merleau-Ponty.
Não se trata aqui só da história dos conceitos e dos cientistas, ou das práticas
pedagógicas de uma determinada disciplina, mas do aprendizado de como usar a
história do aluno em sala de aula.
Nesse sentido, entende-se que historicidade pedagógica é algo como muitas
dimensões. A introdução de termos como ciência das crianças, concepções intuitivas
e referenciais alternativos que reverberam o vocabulário da fenomenologia e da
psicologia construtivista fizeram e ainda fazem parte das discussões sobre o

28
ensino/aprendizagem, referindo-se também a inserção da história do aluno no campo
do ensino das ciências. Trata-se de uma historicidade que assume três aspectos:
existencial, social e conceitual. Em sentido conceitual é a história dos objetos
científicos e das práticas em torno dele; em sentido social podemos elencar impactos
sociais da descoberta científica na vida humana, aliás, a ciência é o modo a partir do
qual a existência humana se conforma tal como a conhecemos hoje. Por fim, a história
existencial é a entrada do corpo vivido na escola, enquanto momento privilegiado de
uma pedagogia que não está restituída apenas a uma suposta racionalidade, mas ao
modo como o corpo da criança (ou do aluno, ou do adolescente, ou do professor) se
inserem no mundo.

5 O ENSINO DAS CIÊNCIAS NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS.

Os primeiros séculos da educação no Brasil foram marcados pela influência dos


jesuítas.
O cenário era incipiente no que diz respeito ao ensino das ciências. No entanto,
alguns eventos merecem atenção:
a) a formação da Sociedade Científica de Lavradio (772);
b) a abertura para a comunidade brasileira das exposições do Museu Real,
sediado no Campo do Santana (1821);
c) e as palestras realizadas por cientistas para elite brasileira, que apesar de
completamente distantes da realidade nacional manifestavam algum interesse
pela ciência em terras brasileiras.

Entende-se, portanto, que o ensino das ciências naturais é um experimento


relativamente recente no Brasil.
É justamente com essa constatação que se inicia os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) para ciências naturais. Além disso, ele aponta para ideia de que as
diferentes propostas educacionais praticadas nas escolas brasileiras são
manifestação de uma inomogeneidade em que formas mais novas de abordagem
convivem a técnicas e perspectivas tradicionais ou consideravelmente arcaicas.
Ao estudamos a história do ensino das ciências naturais no Brasil, percebemos
que ela pode ser considerada da seguinte maneira:

29
a) de um lado, a remissão do experimento educacional a uma perspectiva
tradicionalista, conforme a ideia de que o conhecimento científico estabelece sua
transmissão como uma doutrina;
b) por outro, o esforço de difusão e construção do experimento educativo
através da apropriação de metodologias e técnicas pedagógicas consideradas mais
avançadas.
Até a década de 1950, o ensino das ciências naturais se realizava somente a
partir de aulas teóricas e despido de qualquer impulso de experimentação.
Nos livros didáticos da época, por exemplo, comumente cópias de obras
francesas, aparelhos complexos, muitas vezes inacessíveis em território pátrio, eram
descritos através de uma abundância de detalhes que beirava a pedantice.
Além disso, o ensino das ciências surgia restrito a um círculo minúsculo de
iniciados, pois os filhos das classes subalternas não tinham fácil acesso à formação
escolar.
Esse modelo permaneceu hegemônico até a década de 70.
Conforme Wortmann (c.f. 2015, p. 38), o interesse pelo ensino em Ciências
começa a se modificar a partir dos anos 50 através de investimentos e da participação
de entidades e associações científicas não relacionadas diretamente a atividades
educacionais, mas que entendiam que o ensino das ciências era um desafio a ser
enfrentado por uma sociedade cada vez mais industrial e tecnológica. Tratava-se, de
uma tendência mundial, surgida e consolidada segundo cenários de desenvolvimento
científico e cultural específicos. No caso do Brasil, a questão do ensino e do ensino
das ciências se dará segundo a motivação de um país que a partir dos anos 50 se
esforça por valorizar cada vez mais suas indústrias e capacidade de transformação
tecnológica do meio natural, tendo em vista desenvolvimento econômico e social.
Entende-se, assim, que a história da ciência e do ensino de ciências do Brasil
se insere em um contexto de desenvolvimento social, que busca libertar o Brasil de
seus traços coloniais, o que não foi realizado, mas ainda é um esforço em curso no
país.
A exploração colonial pela Europa a que nossa cultura faz referência e tem
origem, dependeu de um esforço científico no sentido de obter informações
geográficas e produzir uma cartografia e, em seguida, de comunicar-se com os nativos

30
e obter informações botânicas, zoológicas e mineralógicas, através dos quais o
território poderia ser melhor habitado e mais facilmente dominado.
Em uma fase posterior, técnicas, princípios científicos e culturais foram
transplantados para as paisagens colonizadas, sendo esse um momento de mudança
destinado a viabilizar a criação de bases de exploração econômica, que acabaram,
em alguns lugares, sendo também base de desenvolvimento social.
A técnica do plantio da cana-de-açúcar desenvolvida nas ilhas atlânticas iria se
ampliar nos trópicos, por exemplo; os engenhos logo se tornariam a base de
empreendimentos pioneiros de um sistema industrial no campo, no qual se instalava
a produção em série junto a aplicação de processos químicos.
O conhecimento científico conquistado se torna aí momento de uma prática
econômica, mas ainda não faz parte de um ensino de ciências.
Aliás, o ensino de ciências enquanto domínio conceitual de uma disciplina,
como base para criação de quadros que possam produzir ciência em um território,
será uma questão de vida ou morte para o país, pois ainda vivemos um quadro de
defasagem e a condição de um país ‘colonizado’, principalmente hoje, é não dominar
tecnologias de pontas e padrões de pesquisa altamente sofisticados, condizentes com
padrões internacionais.
A autora ainda ressalta que houve também o reforço dessa área de estudos em
ambientes escolares. A proposta e implantação do uso de Livros Didáticos comuns às
escolas públicas podem ser considerados exemplos disso. Por conseguinte,
investigações associadas à missão do livro didático, a formação do professor e o papel
da experimentação no processo ensino aprendizagem começam a apontar para a
imprescindível renovação da conjuntura educacional em território pátrio e
internacional. No caso do Brasil, encontramos a absorção de quase todas as
iniciativas do período pela divulgação dos princípios da Escola Nova, oriunda de uma
tradição norte-americana e transplantada para o Brasil quase sem nenhum senso
crítico.

31
Cena do documentário Frêle Bonheur, l´Éducation Nouvelle entre les deux Guerres Mondiales
(Uma frágil felicidade, a Educação Nova entre as duas guerras mundiais), de 2014. Fonte:
educador.brasilescola

A Escola Nova é conhecida como um movimento internacional, mas no Brasil


ela teve um impacto maior e também foi erroneamente interpretada como uma
alternativa absolutamente oposta ao ensino tradicional, no sentido assumido por este
nas escolas brasileiras.
A perspectiva da Escola nova era a valorização do sujeito da aprendizagem,
considerando-o como sujeito de autonomia. Apesar de ter possibilitado o
questionamento de aspectos autoritários da escola tradicional, ela foi uma resposta
bastante enviesada ao contexto nacional, marcado pela desigualdade de acesso à
formação escolar.
O indispensável, na perspectiva da Escola Nova, era encaminhar o ensino pelo
ponto de vista de que o educando é um sujeito ativo e precisa ser incentivado a adotar
sua ‘liberdade’ na construção do conhecimento. Uma postura fundamental, mas que
para ser implementada precisa de recursos e formação continuada dos professores.

32
Fonte: novosalunos.com.br

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) sugerem inovações em relação


às duas posições pela aceitação de uma visão interdisciplinar ou mesmo
transdisciplinar, através da valorização de temas transversais oriundos do campo da
ética, do meio ambiente, da orientação sexual, entre outros. Na perspectiva do
documento, a escola além de ensinar, precisa formar e informar o aluno utilizando de
discussões que possam conectar o conhecimento científico em seu sentido estrito a
questões oriundas do mundo-da-vida ou mundo da cultura.
A história do ensino de ciências no Brasil deixa manifesto que tanto o ideário
educacional quanto as ideias a respeito do artefato científico e tecnológico
influenciaram e continuam influenciando os processos pedagógicos. O
desenvolvimento do capitalismo industrial e seu desdobramento nas formas mais
avançadas e consolidadas do capitalismo tardio (mundo contemporâneo), as ciências
não assumem apenas a função de conhecimento no sentido de uma teoria (teoria),
mas interferem e multiplicam as formas de ação e manipulação do ser humano no
mundo e na natureza.
Assim, o ensino das ciências nas escolas não se sustenta nem como uma corda
de transmissão de conteúdo, tampouco pode estar apenas vinculada a uma imagem
“sem dores” da ciência. Não há para o ser humano contemporâneo como fugir da
ciência, aliás, os seres humanos estão habituados ao conforto de suas conquistas,
mesmo quando não entendem seus impactos sociais, econômicos e existenciais.

33
6 ENSINO DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Se consideramos o tema da inclusão do ponto de vista de sua história,


buscando entender como as práticas inclusivas e exclusivas marcam a experiência
humana, percebemos que desde a era cristã, pelo menos, as pessoas consideradas
diferentes e desviantes são objetificadas por ações de exclusão e preconceito.
A questão a se notar é que o discurso da inclusão envolve aquele da exclusão;
a discriminação é o fundamento do discurso da igualdade e a luta pelo reconhecimento
da igualdade passa pela identificação da diferença enquanto constitutiva da existência
humana. Temos, de um lado, a igualdade que deve ser de direitos e acesso aos bens
produzidos socialmente, base do que chamamos de direito à vida. Mas temos ainda
aquele corpo marcado por uma necessidade especial, por um mundo que se
desenvolve conforme sua percepção e sua forma de se instalar no mundo. Mas de
que diferença é de que igualdade estamos falando aqui?

Fonte: funcesi.br

Podemos elencar que existem formas de diferença e de igualdade que incluem


e se desdobram em níveis de igualdade e desigualdade muito diferentes, que não
podem ser colocados um ao lado do outro. A desigualdade física oriunda do
nascimento é natural: ela determina o desenvolvimento social da pessoa humana e
sua inserção na vida cotidiana, mas vários de seus aspectos não podem ser

34
modificados, sendo necessário a criação de um sistema de facilitações para que
determinados bens e experiências possam ser acessíveis a pessoas em determinada
condição. A desigualdade social e econômica é produzida e pode ser superada, mas
também determina o acesso à vida social, colocando uma pessoa em um lugar na
qual sua forma de ver e pensar o mundo se conforma e é determinada. A diferença,
portanto, gera desigualdade de acesso à experiência do mundo, mas não se trata de
uma regra universal, um ‘destino’, mas algo que se torna responsabilidade, pelo
menos em nível pedagógico, da sociedade pensar, considerando que todos os
sujeitos sejam quais forem sua conformação física e espiritual tem direito a vida e
acesso ao mundo. Direito à vida não significa apenas direito a viver, mas a viver com
dignidade, desfrutando das conquistas humanas e podendo contribuir com elas de
acordo com as suas capacidades.
Não se trata de apenas dar condições iguais para os diferentes, para que o
“diferente” possa acessar uma realidade que deve ser comum a todos, mas criar as
condições para que uma estrutura humana, marcada por uma determinada
singularidade possa encontrar os meios necessários ao seu desenvolvimento.
Nesse caso, o problema da educação inclusiva não é aquele de um
igualitarismo infantil, mas de uma busca de possibilidades de desenvolvimento
condizente com as condições inerentes ao sujeito. Ou seja, é pelo reconhecimento da
sua diferença, das suas necessidades, que uma pessoa pode ser incluída e não de
outra maneira (BRASIL, 2008).
Um marco decisivo para a educação inclusiva é a Declaração de Salamanca,
documento resultante da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais, realizada em 1994, na Espanha. Esta declaração apresenta a importância
de as pessoas com necessidades educacionais especiais receberem a mesma
educação em relação às demais, sem qualquer modo de segregação e preconceito
quanto às suas singularidades (BRASIL, 1994).
O documento determinou uma série de cenários a partir dos quais a educação
inclusiva começou a ser considerada um problema pedagógico de primeira ordem,
colocando em destaque a necessidade de implementação de políticas pedagógicas
de inclusão ao nível regional, nacional e mundial (BRASIL, 1994). Desde então, a
educação inclusiva se faz presente em todos os níveis e modalidades do processo

35
educativo, surgindo amparada por decretos e legislações que estabelecem a
legalidade jurídica do assunto.
A realização de uma educação verdadeiramente inclusiva depende, no entanto,
de conhecimentos, recursos e práticas específicas que apenas podem ser
conquistadas a partir de um projeto nacional de educação que vise reparar diversas
insuficiências do modelo educacional e suas condições atuais. O que queremos dizer
com isso é que não basta a legalidade jurídica, tampouco as determinações de um
plano geral, mas necessita-se de uma orientação prática visando englobar sociedade,
escola e governo, tendo o ‘Estado’ a responsabilidade de assumir através de seus
agentes um programa de transformação construindo com a comunidade escolar e com
a opinião pública.
Considerando o contexto da educação no Brasil, encontramos um cenário marcado
por grande desigualdade de acesso em termos de quantidade e qualidade. Ainda que
o percurso histórico tenha feito surgir um novo contexto educacional, um pouco menos
desigual em termos quantitativos, marcado pelo aumento da demanda de uma maior
escolarização e resposta a ela, estamos ainda distantes de qualquer rompimento com
os modelos pedagógicos geradores de exclusão. Sim, houveram importantes
avanços, mas é preciso considerar que elas ainda não são suficientes (SAVIANI,
2010).
No âmbito da luta pela educação inclusiva, que implica em uma nova forma de
conceber e respeitar a diversidade que forma a nossa sociedade, é preciso ainda
investimento em recursos humanos e pedagógicos, como também a estruturação
mais inclusiva das condições físicas das escolas.
Temos por um lado, a luta pela formação de recursos humanos que possam agir
no processo de inclusão escolar, oferecendo os subsídios necessários para que os
alunos sejam capazes de se desenvolver, produzir e conviver em sociedade, como
também a necessidade de criação de espaços que possam receber com mais
assertividade aqueles que precisam de atenção especial.
Assim, consideramos que o ensino de Ciências é de extrema relevância para a
participação efetiva de indivíduos com necessidades especiais em todos os campos,
visando através das disciplinas de ciências fortalecimento da pessoa humana em
todos os seus níveis de integração, passando pelo outro humano, pela natureza e pela
cultura, pilares nos quais a diferença não é apenas falta, mas estruturação de

36
condições peculiares de existência. O ensino de Ciências deve contribuir para que a
pessoa humana se torne agente ativo potencial de seu mundo.
Todavia, para um ensino de ciências substancial na educação contemporânea,
é necessário que além da mediação de conceitos científicos, o professor realize a
reconstrução constante de sua prática pedagógica para que os alunos possam
estabelecer a coerência entre estes e o contexto em que vivem e, assim, também
estabelecer relações de pertencimento e laços comunitários em sala de aula,
mediante a uma nova leitura de mundo.
Como apontamos anteriormente, a estruturação conceitual (os conteúdos)
deve ser mediada pela construção de habilidades que são analíticas, éticas e
intuitivas. Para que isso se torna possível, é necessário, sobretudo, para o professor,
aprender a lidar com a diversidade na sala de aula, não apenas pela consideração de
um discurso raso sobre a diferença, mas de um discurso profundo, que se abra para
compreensão da diferença como estrutura ontológica do real e da experiência.
Nesse caso, deve-se compreender os pormenores da aprendizagem dos
alunos, sua faixa etária e identidade sociocultural. O ensino de ciências na perspectiva
da inclusão escolar requer, portanto, a ressignificação do papel do professor, da
função da escola, do papel da educação e da práxis educativa e principalmente de
uma clara compreensão da ciência na formação da pessoa humana e na construção
de sociabilidades calcadas no respeito à diferença. Segundo Martins (2012) a
qualidade do ensino e a construção do perfil do professor inclusivo são aperfeiçoadas
apenas pela formação continuada, pois, o processo de formação do profissional não
se restringe apenas no momento inicial, é no fazer cotidiano que a educação inclusiva
é e deve ser aprimorada.
Um dos pressupostos da educação inclusiva é oferecer um ensino comum a
todos. Assim, um dos objetivos de um programa de educação inclusiva é realizar as
adequações necessárias visando o desenvolvimento de todos os sujeitos da
educação, isto é, estudantes de uma determinada escola, grupo, ou lugar no qual um
processo de aprendizagem esteja em curso.
Nessa perspectiva, torna-se necessário a apropriação de recursos didáticos
que possam ser pertinentes a realização efetiva do processo pedagógico em
desenvolvimento. Conforme Cerqueira e Ferreira (2000), em nenhuma outra forma
de educação os recursos didáticos se mostram tão importantes como na educação

37
especial, já que é quase impossível alguma forma de improviso quando se tem em
vista situações especiais de ensino. (C.f. CERQUEIRA E FERREIRA, 2000, p.24).
Os recursos didáticos usados no ensino são aqueles que tornam o processo
educacional mais adequado e, por consequência, contribuem para sua realização
mais eficaz. A identificação e a possibilidade de utilização dos recursos didáticos
pertinentes em um ambiente de educação especial são fundamentais para o processo
de ensino/aprendizagem. Assim, entendemos que os recursos didáticos proporcionam
aos alunos elementos, informações e saberes e situações que facilitam a apreensão
dos conteúdos e temáticas apresentadas em ambiente escolar, promovendo, portanto,
uma aprendizagem autêntica. A sua utilização na perspectiva da inclusão é visa para
auxiliar a aprendizagem e, ao mesmo tempo, preencher as lacunas do ensino
tradicional. Eles devem facilitar a aprendizagem e a socialização dos alunos com
necessidades especiais no ambiente da escola regular. Conforme CARGNIN (2015)

Cientes de que somos todos diferentes, os olhares profissionais devem


ser, igualmente, diferenciados para suprir cada aluno que necessita de
atenção especial, criando mais oportunidades para que, através de
materiais didáticos apropriados, o desenvolvimento da aprendizagem
acompanhe o currículo obrigatório do ensino regular (CARGNIN et al.,
2015, p. 66).

O planejamento da aula e a orientação através de um programa de ensino bem


definido é de fundamental importância no processo pedagógico, principalmente
quando se tem em vista ampliar as possibilidades de educação inclusiva. É através
do planejamento que o professor poderá definir os recursos didáticos necessários,
como também investigar a melhor maneira de utilizá-los em sala de aula. Em outras
palavras, a valorização do planejamento didático e da investigação analítico
pedagógico são instrumentos que devem nortear a prática do professor, sendo, nesse
processo, que ele desenvolverá as habilidades para lidar e identificar os problemas
que surgem em sala de aula. O professor deve ponderar a necessidade dos recursos,
seus objetivos e sua contribuição para realização do processo de inclusão pedagógica
e escolar. Segundo Souza (2013):

A utilização de recursos didáticos no âmbito escolar requer uma profunda


reflexão pedagógica quanto a sua verdadeira utilidade no processo de ensino
e aprendizagem, para que se alcance o objetivo proposto. Não se pode perder
em teorias, mas também não se deve utilizar qualquer recurso didático por si
só sem objetivos claros (SOUZA, 2013, p. 113).

38
Compreender a diversidade é ainda um dos grandes desafios culturais da
espécie humana. Trata-se de um desafio coletivo, cultural e político, que não encontra
como se efetivar e se desenvolver através de discursos rasos sobre a igualdade
identidade, principalmente aqueles que procuram mascarar ou distorcer teorias
científicas através de considerações ideológicas, sejam de quaisquer formas ou
orientações. Nesse caso, quando falamos de igualdade, sociabilidade e diversidade
existe também a necessidade do questionamento do uso que se faz dessas palavras,
tendo em vista o processo pedagógico, ou seja, é necessário a crítica do pensamento
que se quer muito crítico, mas pode estar repetindo ‘miasmas’ que não alcançam de
modo nenhum a complexidade do ambiente escolar. Nesse caso, o recurso didático
também tem uma função e através do planejamento. Através dele não se visa apenas
coisas a serem utilizadas em sala, mas também ideias, pois ideias e comportamentos
e o modo de utilizá-los também podem cumprir (e cumprem sempre) o papel de
recursos didáticos. Conforme Laplane (2004) é de suma importância a criação de
condições para a reorganização da prática pedagógica, para a promoção da educação
inclusiva, pela aquisição, adaptação e desenvolvimento de recursos didáticos,
materiais e de apoio, com a intenção de promover e facilitar o processo.
Assim, é necessário que as instituições escolares se adaptem para o
atendimento global e específico aos alunos com necessidades educacionais
especiais, e não o oposto, mas que o objetivo da educação também permaneça. Trata-
se de incluir pessoas que apresentam necessidades especiais, para que elas possam
ter acesso a determinados conhecimentos e habilidades. Nessas circunstâncias, é
que se inserem os recursos didáticos, enquanto ferramentas de ensino para a
educação inclusiva. Eles podem se apresentar como uma gama variedade de objetos,
recursos, ideias, com formas e tipos variados, que podem ser aplicados de maneira
dinâmica e significativa em sala de aula e no ambiente escolar como um todo.
Conforme a exposição de Cerqueira e Ferreira (2000) alguns exemplos de
recursos didático e pedagógicos são os seguintes: cartazes, jogos, slides, maquetes
e filmes. Eles podem ser aplicados tanto no ensino das ciências como também em
outras disciplinas e podem ser utilizados na perspectiva da inclusão escolar. Para
alunos com deficiência visual, por exemplo, os recursos didáticos possíveis de serem
utilizados no âmbito das ciências devem valorizar seu mundo sensorial. Maquetes que

39
eles possam tocar, em que possam ter a experiência do objeto para além de sua
impossibilidade de ver e principalmente pela compreensão de que o mundo é
acessível à estrutura do seu corpo, ainda que ele esteja dimensionado de modo
diferente em relação aqueles que veem. Consideramos esse aspecto de suma
importância. Muitas vezes uma necessidade especial pode envolver a existência de
uma estrutura existencial que tem acesso ao mundo pela falta de uma determinada
habilidade sensorial. Nesse caso, sendo a ciência, em boa parte, algo que lida com o
mundo sensível, torna-se necessário abertura ao mundo sensível de outra maneira.
Trabalhar com recursos didáticos no ensino de ciências em uma perspectiva
inclusiva, pode, portanto,
[...] trazer inúmeras vantagens à aprendizagem dos alunos
deficientes visuais, pois facilita a assimilação dos conteúdos de
forma mais concisa, favorece a fixação do conhecimento e
complementa as informações transmitidas dentro das salas de
aula (CERQUEIRA, J. B.; FERREIRA 2010, p. 24)

No que diz respeito à deficiência auditiva a estratégia tem o mesmo princípio, mas
obviamente não será possível através dos mesmos recursos. Trata-se, nesse sentido,
de valorizar o sentido da visão e do tato que caracteriza a estrutura identificada. Assim,
é possível a utilização de recursos e práticas que possam contribuir com a
compreensão efetiva dos conteúdos apresentados, chamando atenção para as
dimensões do mundo que ele pode ver e tocar, firmando, ainda laços comunitários e
intersubjetivos através da língua de sinais, que não deve ser utilizada apenas pelo
professor, mas deve ser incentivado seu aprendizado pelos outros alunos.

Fonte: cenpec.org.b

40
Para estudantes com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) é
necessário a utilização de recursos que auxiliem em seu processo de socialização,
uso de habilidades intersubjetivas, através do estímulo da linguagem, da motricidade
e do cuidado pessoal. Jogos em dupla, quebra-cabeças e jogos de memória são
recursos de suma importância, que podem ser utilizados tanto no ensino de ciências
como em outras disciplinas. Em casos de alunos com altas habilidades, é preciso
considerar e estimular sua criatividade, criando em sala de aula circunstâncias de
valorização das capacidades incomuns do aluno. Ainda que tais alunos não
apresentem dificuldades de aprendizagem, eles precisam de um ambiente em que
possam desenvolver seus potenciais através de procedimentos capazes de preencher
suas necessidades educacionais diferenciadas.

7 ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E A QUESTÃO DAS DROGAS

Os temas relacionados ao contexto sociocultural são muito importantes para o


ensino das ciências. Eles têm, pelo menos, duas funções gerais que precisam ser
observadas e valorizadas. A primeira diz respeito ao poder de sensibilização. A partir
de um tema próximo à vida dos estudantes é possível que um conteúdo específico
seja valorizado, tornando o aprendizado mais interessante e conectado à realidade
dos alunos. O segundo é que eles têm enorme poder formativo e são úteis para que
alunos possam criar um repertório para lidar com determinadas situações e possam
ler sua existência de modo mais amplo.
Entre estes temas, o tema do uso de drogas se destaca. Muito frisado em
disciplinas de didática das licenciaturas e formação continuada de professores, pois é
um dado que adolescentes e jovens se envolvem, atualmente, com drogas cada vez
mais cedo e que o peso social e existencial da droga não é uma situação que possa
ser negada. Logo, torna-se crucial o desenvolvimento de medidas de prevenção. Uma
das possibilidades é a informação e a conscientização acerca das consequências
físicas e mentais ocasionadas pelo uso de entorpecentes, o que pode ser trabalhado
com muita desenvoltura no âmbito do ensino fundamental e médio através de temas
e conhecimentos oriundos do mundo científico.
As primeiras experiências com drogas ocorrem, em grande maioria das vezes,
na adolescência; atualmente, encontramos também muitos casos onde o uso se inicia
na infância ou bem no começo da puberdade. Na adolescência e na infância, os
41
indivíduos são particularmente vulneráveis, tanto do ponto de vista social quanto
psicológico.
O tema das drogas é sugerido pelos Parâmetros curriculares nacionais para
ser abordado como um tema interdisciplinar, transversal, ou seja, pela relação e
remissão de uma disciplina a outra. Todavia, seja pela polêmica que ele envolve, ou
pela formação insuficiente dos professores, que não conseguem criar um sistema de
encontro entre o tema e outros conteúdos da sua disciplina, ele quase não entra em
cena com autenticidade em ambiente escolar.
Além de tudo, existe uma máquina ideológica que supera a força da escola para
lidar com o tema do uso das drogas. Se o consumo é quase ideologizado pela cultura
do consumo, ele é também totalmente estigmatizado pelos valores morais de um
estado ainda policialesco, que não pretende responder ao problema das drogas, já
que o mercado de entorpecentes e psicoativos ilícitos, ainda que ilícitos, continua
sendo um grande e lucrativo mercado.
Nesse sentido, existem problemas de sentido cultural. No mundo contemporâneo,
para o nosso susto, o reconhecimento e a percepção que os jovens e adolescentes
têm sobre sua própria saúde é muito baixo. Assim, eles tendem a colocar em último
plano problemas relacionados à saúde, o que pode dificultar o tratamento destes
temas em sala de aula. Além disso, muitas vezes é a escola, o professor de ciências,
de biologia, que busca, com recursos pífios, trazer aos jovens e adolescentes algum
conhecimento sobre sua própria saúde, depara-se, então, com uma máquina de
produzir comportamento muito maior que a sala de aula.
Enfrenta-se aí outro problema cultural: em nossa sociedade a relação entre uso
de drogas (dependência química, epidemia química) não estão pautadas ainda pelo
conceito de saúde pública. Ou seja, não se trata o problema do uso das drogas como
problema sanitário, que envolve uma complexa conjunção de fatores que passam pela
vida familiar, pela constituição genética do indivíduo ainda por problemas de ordem
cultural e educacional, como também econômicos e políticos. Assim, o ensino das
ciências enquanto um marcador pedagógico de abertura para temas da saúde pode
ser um caminho privilegiado para o tratamento consciente e planejado para o tema
das drogas. Nesse sentido, podemos evidenciar tantos conteúdos de química e
biológica, no caso do ensino médico, como o encontro entre conteúdo das duas
disciplinas no ensino fundamental. O ensino destas disciplinas deve dar ao aluno a

42
compreensão dos processos químicos e biológicos em si, quanto a construção de um
conhecimento científico que se apresente em estreita relação com as aplicações
ambientais, sociais, sanitárias, políticas e econômicas dos conhecimentos químicos e
biológicos conquistados pela investigação científica.
O primeiro passo para isso é a imediata relação dos conteúdos de tais disciplinas
com o contexto social e cultural dos estudos. Não de acordo com o jargão “formar
cidadãos críticos”, o que pode ser interpretado de muitos modos e se apresentar como
algo destituído de sentido em alguns contextos. Trata-se, primeiramente, de formar
seres humanos, constituir subjetividades e singularidades que possam se assumir em
sua diferença e agir sobre o mundo: pensá-lo, descrevê-lo, transformá-lo e ligar o que
é aprendido na escola com as condições de sua existência.
No caso dos temas de saúde, incluindo a temática das drogas, um dos primeiros
movimentos é o reconhecimento do próprio corpo pelo aluno e sua relação com ele.
O estudante deve ser conduzido a habilidades que lhe sirvam para identificar no seu
próprio corpo e em sua própria vida o que o uso de determinadas substâncias pode
causar. O que se coloca, então, é a necessidade de conscientizar os alunos sobre as
consequências causadas pelo uso dessas substâncias, abordando conceitos de
biologia, de química orgânica, de funcionamento cerebral, saúde psicológica e
desenvolvimento existencial, tornando acessível a oportunidade de uma compreensão
mais profunda do que significa a droga na sociedade contemporânea, destituindo de
valor determinados preconceitos e muitas concepções que buscam, atualmente,
tornar a droga algo desejável. Não se trata da velha proibição, que nunca funcionou,
mas das informações e formação necessária para que escolhas possam ser feitas.

8 ENSINO DE CIÊNCIAS E SEXUALIDADE

O que se chama educação sexual é tema de discussão em âmbito pedagógico


desde o século XIX, sendo parte estruturante da formação dos currículos escolares e
das preocupações ‘históricas’ dos adultos com as crianças.
Atualmente, no Brasil, a abordagem se apresenta enquanto esforço de disposição
para crianças, adolescentes e jovens de conteúdos necessários à construção efetiva
de prevenção de fenômenos e experiências tais como doenças sexualmente

43
transmissíveis, gravidez indesejada, defendendo ainda uma educação sexual para
higiene dos jovens e voltada a preparação de sujeitos saudáveis e responsáveis
A história brasileira com a educação sexual toma corpo somente a partir dos anos
30 quando encontramos em alguns colégios brasileiros, entre eles o colégio Batista
do Rio de Janeiro, enquanto pioneiro, amostras em seu currículo de preocupação com
a educação sexual através do ensino da evolução das espécies e da educação sexual,
tendo como objetivo descrever a reprodução feminina.
No entanto, apenas a partir de 1935, no mesmo colégio, se falará da anatomia
sexual masculina e sua relação com o processo de reprodução. A inclusão do assunto
em grade curricular foi idealizada por um professor chamado Victor Stawiarski (1903
– 1979) que inclusive foi processado pelo seu esforço de fazer os jovens ouvirem o
próprio o corpo (c.f. GUIMARÃES, 1995);
A influência de concepções principalmente europeias, de caráter médico-
higienistas, em meados do século XX originaram as primeiras práticas de
preocupação com a educação sexual no Brasil, influenciando de modo peremptório
trabalhos e propostas pedagógicas nas décadas seguintes.
Trata-se, de um modelo que coloca em primeiro plano a questão de uma saúde
sexual que consiste na defesa do corpo da criança e do jovem como algo que deve
ser preparado para resistir a sexualidade, defendendo-se das doenças advindas do
sexo e ao pecado que no inconsciente social torna a sexualidade uma experiência (ou
tendência humana) que deve ser formada, conformada e controlada através da
educação severa e da religião.
Encontramos, assim, dois formatos de iniciativa de tratamento da educação
sexual no mundo educacional do Brasil. De um lado, a tendência médico-higienista
vista com péssimos olhos pelos setores conservadores tanto os populares quanto
aqueles da elite. De outro, o controle da sexualidade por uma visão de mundo católica
que reduzirá a experiência do sexo a ideia de reprodução e pecado, ainda que toda
posição nesse sentido apenas pudesse se redundar em um moralismo hipócrita.
Nesse caso, todas as iniciativas para não ser repreendidas deviam estar em
consonância com os valores e ideologia da Igreja Católica sobre o assunto, que
possuía domínio quase total do sistema educacional brasileiro voltado para jovens e
adolescentes.

44
Eram publicados livros referentes à educação sexual, mas consoante a moral
católica e enfatizando uma educação de responsabilidade paternal, com intuito de
responder questões de caráter biológico e reprodutivo, passíveis de não
ultrapassarem a concepção católica da prática sexual. Para além de qualquer ideia de
que o sexo era uma dimensão necessária a experiência humana, tinha-se como
horizonte que o sexo era tolerável quando coubesse no âmbito das práticas do
matrimônio e fosse exclusivamente voltado a reprodução (GUIMARÃES, 1995).
Na década de 60 ainda surgiram várias tentativas para implantação de Educação
Sexual nas escolas públicas e particulares, mas devido às mudanças políticas
geradas pelo golpe militar de 64, esses programas foram proibidos ou sabotados,
devido à repressão do moralismo vigente, isso porque a Igreja Católica ainda possuía
domínio do sistema educacional.
Guimarães (1995), nos lembra, nesse sentido, que entre 63 a 68 ocorreram várias
tentativas de implantação da Educação Sexual nos currículos das escolas do estado
de São Paulo; assim, foram idealizados vários programas experimentais, com intuito
de prevenção e informação no campo da educação sexual. A maioria quando
conseguia algum alcance prático durava apenas três meses e eram rejeitados pelas
famílias e pela igreja.
A partir de 1964, algumas escolas do Rio de Janeiro, adotaram a Educação
Sexual em todas as séries e implantou-se o ensino em 1968, mas com fortes
consequências: como exoneração da direção, suspensão de alguns professores e
expulsão de alunos.
O cenário sofreu leves transformações nos anos finais da década de 70 e início
dos anos 80. A sociedade brasileira começa a vivenciar a reabertura política,
possibilitando inúmeras mudanças de viés político e social que vão impactar também
no campo da sexualidade. Abre-se, assim, o caminho para que novas maneiras de
compreender a Educação Sexual pudessem ser discutidas em âmbito pedagógico e
surgissem incipientemente nas escolas.
Um marco importante foram os Congressos Nacionais sobre Educação Sexual
nas escolas de iniciativa privada que ocorreram entre 1978 e 1979, revelando o grande
interesse dos profissionais da educação sobre o tema. Assim, as argumentações
referentes à inclusão da orientação sexual no currículo das escolas se intensificaram.
A questão da necessidade de uma política de prevenção do risco de infecção do vírus

45
HIV e o aumento de casos de gravidez não planejada entre as adolescentes faz com
que o cenário surgisse mais aberto à discussão. Tal interesse é notado ao
observarmos que no ano de 1983, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia
realizou o 1.º Encontro Nacional de Sexologia, tendo como objetivo o controle
preventivo de doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada entre
adolescentes e jovens, ambos fenômenos em alto crescimento no Brasil
(GUIMARÃES, 1995).
. O campo de estudos da sexualidade cresceu muito nos últimos anos,
principalmente no que tange a investigação sobre as relações entre educação e
sexualidade. As discussões sobre o assunto assumem caráter metodológico, visando
conteúdos e até as denominações que devem ser utilizadas para o tratamento e
reconhecimento da educação para sexualidade na infância, como também na
juventude e adolescência.
Os parâmetros curriculares nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental, por
exemplo, indicam que a prática pedagógica voltada para a sexualidade deve ser
reconhecida pelo sintagma ‘orientação sexual’ e tratado através da transversalidade
entre as disciplinas. Se de um lado, a escola teria a função de dar orientação aos
estudantes utilizando conteúdos de todas as disciplinas, inclusive através das ciências
naturais; por outro, encontramos uma demarcação do terreno: a educação sexual é a
‘coisa’ da família e não é objeto de formação pedagógica em âmbito escolar. A
nomenclatura Orientação Sexual, enquanto tema transversal dos PCNs, busca,
portanto, demarcar um terreno: é como se a escola pudesse se defender dos valores
tradicionais indicando sua função e preservando uma função de educação sexual na
família. No entanto, esse esforço resultou em confusão terminológica no mundo
acadêmico e mesmo na opinião pública.
Segundo Altmann (2001), a expressão “orientação sexual” é utilizada no campo
de estudo de gênero e sexualidade, nos movimentos sociais e na literatura sobre
sexualidade para indicar o corpo (gênero) pelo qual uma pessoa se sente atraída ou
escolhe como objeto de desejo. A orientação sexual diz respeito a práticas sexuais,
passando pelas esferas da homossexualidade, da bissexualidade e das posições
hétero-eróticas, como também sob os inúmeros desdobramentos possíveis da
sexualidade humana (CÉSAR, 2008). Porém, ao analisar o texto dos PCNs,
entendemos que a ideia de orientação sexual considera a sexualidade primeiramente

46
como algo inerente à vida e saúde, aspecto verdadeiro, mas insuficiente para tratar a
sexualidade humana. Assim, a escola não quer tratar de sexualidade, não tem direito
a isso e por isso se coloca no nível da orientação sexual, sendo muitos os desafios
para constituição de uma educação para sexualidade que possa transitar pelo
biológico, o histórico e o cultural que constituem o ‘existencial’ enquanto fundamento
e expressão da sexualidade.
A orientação sexual em ambiente escolar contribui para a desconstrução de tabus
e preconceitos, apresentando-se ainda necessária à formação holística do indivíduo.
Através dela é possível colocar em destaque dimensões de uma existência saudável
e prazerosa, para além da ideia que o sexo precise ser reduzido ao pecado ou
reprodução. Além disso, é notável que o ideal de orientação e formação devem ser
mantidas, ainda que seja fundamental que ele não seja orientado por uma prática
originalmente higienista e medicamentosa.
Nesta perspectiva, surgiram na década de 90 uma proposta oriunda do Ministério
da Educação e Cultura desdobrada sob os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 2000), que tinha como objetivo a valorização dessa dimensão da
experiência, buscando estar em consonância com espírito da época, ou seja,
compreensão mais específica da experiência da sexualidade e sua não redução ao
âmbito da reprodução, do pecado ou do ato biológico do sexo.
Surgiram, então, na década de 90 uma proposta oriunda do Ministério da
Educação e Cultura desdobrada sob os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
2000), para a efetivação da orientação sexual enquanto tema transversal a ser
trabalhado por educadores no interior das salas de aula. O trabalho de orientação
sexual deverá, portanto, se dar de duas formas: na programação, por meio dos
conteúdos já transversalizados nas diferentes áreas do currículo, e extra programa
curricular quando surgirem questões relacionadas ao tema (BRASIL, 2000, p. 129).
As contribuições do PCN (BRASIL, 2000) embate-se à histórica omissão e
repressão dos conteúdos ligados ao sexo e ao prazer, somado às concepções e
ideologias sedimentadas socialmente pela cultura familiar e pela escola, que no caso
do Brasil, vimos ter se sustentado através de ações de caráter religioso. Assim, a
transmissão de conteúdos previamente estipulados pelo currículo no que se refere a
conhecimentos de reprodução humana constitui a restrição da maioria dos trabalhos
desenvolvidos pelas instituições escolares, ainda hoje, sendo que a passagem de uma

47
concepção apenas biológica da sexualidade para uma compreensão existencial algo
extremamente difícil e frustrante.
Isto é, a passagem do corpo biológico para o corpo vivido também se encontra
travada por princípios que devem ser questionados pelo professor e certamente o são
pelos alunos: seja pela sua não adesão ao tratamento do tema pela escola; ou por
uma vivência da sexualidade orientada mais pela mídia e por condições culturais de
origem do que por qualquer programa escolar de educação para a sexualidade.

Fonte: webjornalunesp.wordpress.com

Partindo do que dissemos acima, pretendemos nessa seção problematizar alguns


discursos sobre a sexualidade apresentados pelas práticas de ensino de ciências
naturais e currículos escolares, buscando compreender os sentidos e os significados
sobre a educação para a sexualidade na escola. Gostaríamos que fosse observado
desde o início o seguinte aspecto: falaremos, a partir de agora, de educação para
sexualidade e não simplesmente de educação sexual, já que o campo de educação
sexual é mais estrito e se refere a práticas já sedimentadas, enquanto que ao falarmos
de educação para sexualidade podemos, com muito esforço, tentar abranger aspectos
mais amplos que passam pela psicologia do sujeito, seu comportamento social em
relação a sexualidade e o corpo do outro, como a sua maneira de vivenciar seu próprio
corpo.
Importante pensar que o corpo assume a dimensão biológica e física do mundo
da natureza – aquela que é imediatamente tratada pelas ciências naturais – mas

48
também existe a dimensão humana do corpo que emerge como única e singular em
cada sujeito, atravessada pelo anonimato da cultura e da natureza, mas também
desdobrada em uma forma de vida que se reverbera em outras, buscando
singularizar-se enquanto ser no mundo.
Segundo Merleau-Ponty (1999), a experiência do corpo não deve ser
compreendida apenas em sua dimensionalidade física, objetiva, própria aos
fenômenos da natureza, enquanto em si. Essa dimensão é aquela que pode ser
decomposta, encontrada nos estudos de anatomia e fisiologia. O corpo é tudo isso,
mas ele é também o ator da experiência. Isso quer dizer que ele é o sujeito disso que
experimentamos como realidade, apresentando também como a primeira dimensão a
ser circunscrita e atingida pelo meio circundante. Por isso, além de objetivo, o corpo
é também um feixe de relações existenciais. O corpo objeto da ciência tem como
dimensão primitiva, isto é, primeira, primordial e original (ou originária), um corpo
sujeito, que podemos chamar também de um corpo pessoa.
Entendemos ser preciso orientar a prática de abordagem da sexualidade na
escola pela valorização das ciências naturais como um lugar conforme o qual
podemos falar da vida sexual humana, do corpo anatômico, fisiológico e biológico,
mas também pela restituição desta dimensão a seu sentido social e cultural, que diz
respeito a comportamentos que não são nem fabricados e nem exatamente naturais
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 12), ou seja consideramos que é preciso falar do corpo
vivido porque é dele que se fala quando se fala em sexo e sexualidade.
A sexualidade, enquanto construção histórica e cultural, seguida de seus
substitutivos, o amor, a paixão, o desejo e o sexo, bem como os desdobramentos
destas experiências em relações com outros seres humanos, merecem ser
profundamente discutidos em todos os níveis de organização social e principalmente
na escola. Assim, entendemos também que as ciências naturais devem contribuir de
modo decisivo para uma educação para sexualidade, proporcionando caminhos para
discussão da temática para além do viés biologicista comumente praticada nas salas
de aula; pautando-se, portanto, em favor de uma abordagem transdisciplinar que
busque situar o cultural em relação ao biológico e vice-versa.
Por outro lado, entendemos ser necessário situar a sexualidade em relação a
uma certa química e biologia do organismo, que não seja ocasião para definir
comportamentos sexuais naturais e não naturais, mas que possa abrir caminho para

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educação para sexualidade que envolva a valorização do próprio corpo enquanto
dimensão central da existência, que pode adoecer e desenvolver, que corre risco
diante o mundo segundo sua frágil condição de mais uma dimensão material do
mundo. Um corpo compreendido em seu valor é um corpo que precisa ser cuidado,
amado e defendido contra comportamentos de risco; é também um corpo com direitos
à sexualidade como uma das dimensões de sua saúde. Não se trata de uma educação
que deve começar apenas na adolescência, mas deve ser vivenciada desde a
infância, de modo condizente com o desenvolvimento cronológico, biológico e
psicológico do sujeito.
Perante todas essas questões, pode-se observar que, apesar de atualmente se
falar muito de sexo, principalmente nos meios de comunicação, ele continua sendo
um tema delicado para se trabalhar em sala de aula, mas é necessário evitar os tabus
e preconceitos que envolvem a vida sexual humana. Nesses termos, o professor de
Ciências deve enriquecer seu planejamento com aulas diferenciadas, tornando-as
prazerosas, despertando a curiosidade e interação dos alunos. É necessário também
que toda equipe de professores contribua nesse processo de evolução dos
adolescentes, não passando a responsabilidade somente para o professor da área de
Ciências, sendo que em todas as disciplinas se possa falar e orientar os alunos quanto
a sua sexualidade. O professor também pode trabalhar o tema em parceria com a
Unidade de Saúde, que por sua vez irá auxiliar nos quesitos de informativos referentes
à saúde.

9 O ENSINO DAS CIÊNCIAS NATURAIS E CITOLOGIA

Encontramos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino


fundamental, o esforço de definir a educação como um instrumento capaz de dar
formação holística ao ser humano, pondo em relevo a ideia de que o ser humano
completo é aquele tenha o perfil de um cidadão crítico, capaz de utilizar aquilo que é
aprendido na escola como base para uma compreensão crítica da realidade social,
podendo inclusive acreditar que sua criticidade pode gerar mudança.
Interessante notar que a responsabilidade das disciplinas científicas nesse
sentido não é pequena, de acordo com os parâmetros curriculares nacionais.

50
Destaca-se, por exemplo, que através da ciência o aluno pode adquirir uma
visão crítica da sociedade, porque a ciência abre caminho para uma compreensão
não convencional da experiência e ampliação da nossa visão de mundo para além do
nicho estreito dos valores culturais aos quais temos a tendência a ser naturalmente
arraigados.
Entre tais disciplinas um lugar especial é dedicado a biologia, que tem conteúdo
específico, mas pode servir de base para uma compreensão crítica da realidade,
ampliada para uma definição mais ampla da vida, já que a vida não se restringe
somente a vida humana, aos nossos valores, que teriam simples proeminência em
relação a vida e existência de outros seres vivos. Assim, vimos anteriormente como
temas de caráter sociocultural, mas também de cunho específico as ciências naturais
tais como drogas e sexualidade podem abrir caminho para o ensino de ciências.
Vimos também, que os temas socioculturais podem e devem trazer para sala de aula
conteúdos conceituais específicos que possam servir para traçar um perfil das
disciplinas de ciências naturais pela valorização epistemológica e técnica de seus
conteúdos.
O estudo da citologia, isto é, da disciplina que trata das células, pode ser
trabalhado em muitos momentos de um curso destinado ao ensino das ciências, em
todas as séries e níveis de trabalho docente. Através dele, o professor é chamado a
tratar de temas que podem colocar em cena tanto dados descritivos da biologia e das
ciências da natureza em seu conjunto (princípio da transdisciplinaridade ou do
pensamento complexo de Edgar Morin) como também discussões de nível
epistemológico e filosófico
Alguns temas pertinentes para desenvolvimento a partir da citologia são:
diversidade da vida (há diversidade na escala mais primitiva da vida biológica – seres
unicelulares –, sendo, portanto, possível considerar que o diverso é como que
característica ontológica da existência viva — biologia e filosofia); exposição de
processos celulares em um nível fenomenológico: fotossíntese, respiração celular,
digestão celular, ou seja, tratados segundo sua especificidade fenomênica e relação
de figura e fundo com o horizonte de eventos que formam nossa experiência da
natureza.
O estudo da citologia se inicia pela consideração de que a célula é a estrutura
básica que forma um ser vivo, sendo assim, possível considerá-la como parte

51
constitutiva de toda forma de vida possível, a sua menor parte. A estrutura celular
encontra sua primeira descrição por Robert Hook e sua análise de um corte de cortiça.
O termo célula vem do latim cella, que significa pequeno compartimento, e faz
referência ao que Hooke visualizou ao analisar o corte do vegetal. Ao observar células
mortas, o pesquisador viu apenas a parede celular de uma célula. No entanto, a partir
daí, as técnicas de observação microscópicas foram sendo desenvolvidas e aparelhos
mais potentes foram criados. Assim, pode-se comprovar que as células de um mesmo
organismo possuem o mesmo número de cromossomos e a complexidade da vida
celular se tornou tema central da biologia celular.
Em termos funcionais, a célula se apresenta enquanto um todo microscópico,
inserida no ambiente através de uma membrana, que é identificada pelo nome a
membrana plasmática. Trata-se de uma película extremamente fina e delicada, que
exerce a função de controlar e fiscalizar todas as substâncias que entram e saem das
células. Através da percepção de uma única célula começa -se a compreender como
o ar que respiramos e os alimentos têm um sentido que escapa nossa existência
exclusivamente humana, enquanto processos de que são aparentemente humanos,
exclusivamente nossos, pertencem primeiramente ao mundo celular.
A escola, no entanto, quase nunca tem os recursos necessários para que o
conhecimento profundo e consequente das células possa ser realizado,
principalmente no âmbito do ensino público brasileiro. O livro didático em relação à
citologia é uma 'planta' muito insuficiente, não sendo possível aos alunos a
reconstrução da célula total, tampouco uma representação válida delas. A utilização
de recursos diversos pode colaborar para que o aluno tenha entusiasmo em aprender
e possa construir o seu conhecimento baseado no que já sabe, isto é, é fundamental
em ciências, pois é o reconhecimento de um outro mundo através da imaginação e é
pela imaginação orientada por determinadas materiais que o conhecimento científico
se torna familiar a nossa experiência. Nesses termos, um dos caminhos para melhorar
a aprendizagem é um ambiente de reconhecimento do conteúdo que seja mais direto
a experiência do aluno, apenas assim que se pode tirar de um tema como citologia
todas as consequências necessárias.

52
9.1. Citologia: conceitos básicos.

Cada célula desempenha uma atividade “comunitária” porque trabalha de


maneira integrada com outras células. No caso dos seres pluricelulares, é como se
eles fossem imensas sociedades de células, que cooperam umas com as outras,
dividindo o trabalho.

Fonte: biologo.com.br

Em conjunto, portanto, elas realizam uma quantidade heterogênea de


atividades que tem como finalidade a manutenção e reprodução da vida. Há também
seres vivos que são formados por uma única célula (unicelulares) e aqueles que vivem
na linha tênue entre o orgânico e o inorgânico, como o vírus, por exemplo.
A estrutura viral contém algumas formas de moléculas celulares, mas estes
seres se apresentam incapazes de reprodução independente e se desenvolvem
somente através de parasitismo da estrutura celular de outros seres. São
denominados acelulares, porque não possuem célula no sentido estrutural do termo,
ainda que tenham essa capacidade de se reproduzirem a partir do contato parasitário
com outros seres. Eles são classificados conforme o tipo de ácido nucléico e de
acordo com a forma do capsídeo e também pelos organismos que eles são capazes
de infectar. Alguns exemplos: Adenovírus: formados basicamente por DNA, por
exemplo o vírus da pneumonia. Retrovírus: constituídos somente por RNA, o vírus
HIV. Arbovírus: aqueles que são transmitidos por insetos, o vírus da dengue.

53
Bacteriófagos: aqueles vírus que infectam bactérias. Micrófagos: aqueles vírus que
infectam fungos.

Fonte: grupoevolucao.com.br

A constituição e o funcionamento da célula foram sendo progressivamente


conhecidos, ao longo do desenvolvimento da Biologia no último século. Atualmente,
encontramos um conhecimento acumulado sobre o assunto bastante considerável.
Duas características são de grande interesse para o estudo da estrutura celular,
porque se referem à diferença entre as células e os sistemas físicos.
a) a autorregulação, ou seja, o fato da célula, enquanto sistema aberto, ser
capaz de regular seus níveis de atividade e o intercâmbio de materiais com seu
exterior, mantendo sua organização e funcionalidade fundada em sua estrutura quase
estável.
b) a capacidade de autorreplicação, seja na mitose, em que as células
engendram processos de divisão, ou na meiose, em que geram gametas que se unem
para formar um novo organismo.
Essas duas características das células as tornam objeto para biologia e
permitem a caracterização da biologia enquanto ciência da vida, diferindo-a de outras
ciências da natureza como a física e a química, por exemplo. Assim, o estudo da
citologia pode ser considerado como estruturante do discurso da biologia e a teoria
celular como um dos seus alicerces epistemológicos.
Podemos resumir a teoria celular surgida da citologia nas seguintes premissas:

54
a) as células são unidades morfológicas e fisiológicas de todos os seres vivos
b) as propriedades e características de uma célula são fatores determinantes
da estrutura biológica total de um organismo pluricelular e das formas de
vida mais primitivos da cadeia evolutiva;
c) As células só podem surgir de outras células preexistentes e a continuidade
é mantida através do material genético que é capaz de replicar e ampliar
sua existência através de um conjunto de informações que são transmitidas.
d) A célula é a unidade básica do que em biologia se entende por vida.

A identidade celular, como dissemos, foi atingida através de um longo e duro


processo de evolução da natureza e que posteriormente se tornou objeto de um olhar
humano, constituído enquanto ciência biológica.
Somente a partir do momento em que a primeira célula conquista sua
membrana plasmática, que é a camada protetora e reguladora da vida celular, isto é,
de entrada e saída de substâncias das células que a vida como entendemos hoje se
torna possível. Isso torna o meio intracelular diferente, do ponto de vista físico-
químico, do meio externo.
Nesse sentido, o grande avanço adaptativo sofrido pelas células foi a formação
de dobras, cisternas, vesículas, compartimentos e retículos originados da membrana
primordial - era o nascimento da estrutura celular eucarionte, com seu sistema de
endomembranas. Surge, assim, a composição celular como a temos hoje. Células
compostas pelas seguintes estruturas básicas: membrana plasmática, citoplasma e
núcleo e organelas.
No entanto, essas estruturas não estão presentes em todos os tipos de células.
Todas possuem membrana e citoplasma, mas nem todas têm o núcleo
individualizado. Deste modo, elas podem ser divididas em sistemas ou estruturas
eucariotas e procariotas (ou eucariontes ou procariontes), diferenciando-se ainda
enquanto vegetais e animais.

55
Fonte: diferenca.com

As estruturas eucariontes são sistemas mais complexos que os procariontes,


pois possuem um sistema de endomembranas, que como afirmamos foi um grande
avanço adaptativo porque funda a possibilidade de diferenças entre a célula e o
mundo exterior, do ponto de vista físico-químico.
O surgimento de endomembranas, ou seja, as membranas internas as células,
tornou possível uma maior especialização de tarefas entre as estruturas formadoras
das células, permitindo maior eficiência metabólica, maior proteção do material
hereditário (ou seja, da dimensão informacional da célula) e maior diversidade de rotas
metabólicas.
As células eucariontes, portanto, são aquelas que têm o núcleo individualizado
e maior organização/especialização através de suas organelas. No que tange a
origem deste processo de especialização, há segundo estudiosos evidências muito
sugestivas de que as organelas envolvidas nas transformações energéticas,
cloroplastos e mitocôndrias, por exemplo, se originaram de bactérias que foram
fagocitadas, escaparam dos mecanismos de digestão intracelular e se estabeleceram
como simbiontes (endossimbiontes) nas células eucariontes hospedeiras, criando um
relacionamento mutuamente benéfico.
As principais evidências nesse sentido são as seguintes: encontramos nas
mitocôndrias e nos cloroplastos genoma de DNA circular, semelhante àqueles das
bactérias; essas organelas têm duas membranas, sendo a membrana interna
semelhante, em sua composição, às membranas bacterianas, enquanto que a
56
membrana externa, que seria a parede do vacúolo fagocitário, assemelha-se à
membrana das células eucariontes hospedeiras. Compreende-se, assim, que a
endossimbiose tenha evoluído de bactérias aeróbicas e cloroplasto de bactérias
fotossintéticas, como as cianobactérias
As células procariontes não possuem um núcleo definido envolto por
membranas.
As células procariontes geralmente são menores e mais simples do que as
células eucariontes; não possuem núcleo e seus genomas são menos complexos.
Entre as formas de vida procariontes podemos encontrar as bactérias. São seres que
não possuem núcleo individualizado, são formados por uma única célula e são
bioquimicamente simples. No entanto, são os seres mais inventivos e diversos da
história da natureza, reproduzem-se por cissiparidade, ou seja, por divisão simples ou
bipartição. Estão na natureza muito antes dos seres humanos e são ainda parte
insistente da natureza, desenvolvendo-se e criando-se. Podemos considerá-las
exemplares no que diz respeito à plasticidade da natureza.
A membrana plasmática: trata-se de uma estrutura lipoprotéica que separa a
célula do meio externo. Nesse sentido, se trata de uma formação que estrutura as
relações que a célula mantém com seu meio. Ela não compreende apenas a forma
das células, mas modela as relações que ela manterá com o seu exterior. Nesse
sentido, sua principal função é controlar aquilo que sai e entra nas células. Assim, ela
modula as relações fisiológicas que o organismo vivo mantém com o mundo,
precisando de carboidratos e proteínas para realizar esse objetivo.
Além disso, a membrana plasmática é capaz de identificar estímulos das mais
variadas formas e origens, sendo capaz de reconhecimento fisiológico no percurso a
partir do qual ela se dá ao mundo exterior. Esta notável capacidade é possível porque
a célula não só é capaz de responder adequadamente a variados fatores físicos ou
químicos, como também torna possível a existência de uma complexa comunicação
intercelular, essencial para a existência de organismos multicelulares.
Nas células eucariontes, o núcleo guarda o genoma, o conjunto de genes
responsável pela codificação das proteínas e enzimas que determinam a constituição
e o funcionamento da célula e do organismo. O núcleo é envolvido por uma dupla
membrana porosa, chamada envelope nuclear, que controla a passagem de
moléculas entre o interior do núcleo e o citoplasma. Os genes são segmentos de

57
‘DNA’, o ácido desoxirribonucleico, é a molécula orgânica que armazena em sua
estrutura as informações genéticas. O ‘DNA’ se combina fortemente a proteínas
denominadas histonas, formando um material filamentoso intranuclear, a cromatina.
Todas as moléculas de ‘RNA’ do citoplasma são sintetizadas no núcleo, e todas as
moléculas proteicas do núcleo são sintetizadas no citoplasma.
O termo citoplasma foi introduzido no léxico da biologia por Rudolf von Kölliker
em 1862. O citoplasma é a estrutura gelatinosa que pode ser identificada nas formas
celulares. Em estruturas celulares procariontes ela se espalha em todo interior da
célula. Ou seja, o citoplasma da célula procarionte, uma célula que não possui núcleo,
corresponde a toda a região delimitada através da membrana plasmática. Ele é
formado pelo citosol e contém o DNA e vários ribossomos, organelas relacionadas
com a síntese de proteínas.
O citoplasma nas células eucariontes corresponde ao conteúdo celular
localizado entre a membrana plasmática e o núcleo da célula. Nesse local encontram-
se várias organelas, tais como mitocôndrias, lisossomos, retículo endoplasmático e
Complexo Golgi. Abaixo uma descrição breve das funções de cada uma das
organelas.
Complexo de Golgi - O complexo de Golgi ou, se quisermos, aparelho de
Golgi, é identificado através desta nomenclatura em homenagem ao cientista Camillo
Golgi que no século XIX o descreveu pela primeira vez. O complexo de Golgi é uma
organela formada por uma série de vesículas achatadas, denominadas de cisternas,
que possuem porções laterais mais dilatadas. Sua função é processar lipídeos e
proteínas, além de separar moléculas para serem secretadas. Tanto as proteínas
como os lipídios que circulam pela via secretora em vesícula de transporte, brotando
de uma organela e se fundindo com outra, transitam do retículo endoplasmático para
compartimentos intermediários e depois para o complexo de Golgi. Enquanto passam
pelo Golgi, as proteínas são modificadas e separadas para serem transportadas para
seus destinos na célula. O processamento e separação parecem ocorrer em uma
sequência ordenada nas diferentes regiões do Golgi, de maneira que este seja
formado por muitos compartimentos discretos.
Lisossomos — Os lisossomos são organelas de tamanho e estrutura variada
contendo de diversas enzimas hidrolíticas, apresentando atividade máxima em PH
ácido. As enzimas lisossomais são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso e

58
são responsáveis pelos processos de digestão de substâncias incorporadas na célula
através de endocitose ou degradação de organelas envelhecidas da própria célula por
autofagia.
Mitocôndrias – Caracterizam-se por formas que oscilam entre a do oval ao
esférico. São denominadas as usinas da célula, pois sua principal função é dar energia
através de processos relacionados a glicose e oxigênio. Elas podem ser
caracterizadas da seguinte maneira:
A mitocôndria é uma organela membranosa das células eucariotas que tem a
peculiaridade de ter duas membranas, organizadas numa bicamada de fosfolipídios
(sintetizados pelo retículo endoplasmático liso da célula) associada a proteínas
As mitocôndrias são organelas que se destacam de modo bastante
interessante no mundo descrito pela citologia. Primeiro, podemos lembrar que sua
natureza peculiar fez com que se levantasse várias hipóteses sobre sua origem, uma
delas que já citamos, diz respeito a sua relação com o mundo das bactérias.
Segundo a Teoria Endossimbiótica ou Endossimbiogênese, organismos
procariotas antigos teriam se hospedado com sucesso dentro das células eucariotas
de organismos primitivos, evoluindo para as atuais mitocôndrias. O mesmo teria
acontecido com os cloroplastos, que se assemelham às mitocôndrias pela presença
de membrana dupla e sua capacidade de autoduplicação.
Como nos referimos anteriormente, as mitocôndrias, portanto, teriam sido
bactérias que em um determinado momento teriam se adaptado de tal modo a vivência
no citoplasma que se tornaram parte dele. Em termos morfológicos e funcionais, as
mitocôndrias apresentam capacidade de auto reprodução, processo de produção de
energia através de respiração celular e possuem duas membranas lipoprotéicas. A
distribuição, a quantidade, o tamanho e a forma das mitocôndrias variam de modo
significativo de uma célula para outra. Quando se trata de uma célula humana pode
existir entre 3000 mitocôndrias.
O processo de respiração consiste na oxidação de moléculas orgânicas, tais
como ácidos graxos e glicídios, especialmente a glicose. Trata-se de um processo de
obtenção de energia realizado pela célula e pela qual ela se prepara para muitas
tarefas. Proveniente da alimentação e produzida por organismos autotróficos através
da fotossíntese, a glicose, através do processo de respiração celular, se converte em
gás carbônico e água produzindo moléculas de ATP (adenosina trifosfato),

59
A respiração celular é um processo de oxidação de moléculas orgânicas, tais
como ácidos graxos e glicídios, em especial a glicose, trata-se de um processo de
obtenção de energia a partir do qual as células se preparam para realizar muitas
tarefas. A glicose é proveniente da alimentação (sendo produzida pelos organismos
autotróficos através da fotossíntese) e convertida em gás carbônico e água,
produzindo moléculas de ATP (as quais são usadas em diversas atividades celulares.
Esse processo de produção de energia é muito eficiente, pois são produzidas cerca
de 30 moléculas de ATP (por cada molécula de glicose), cuja capacidade de
armazenar energia é maior do que qualquer motor construído pelo ser humano.
A degradação da glicose envolve diversas moléculas, enzimas e íons e
acontece em 3 etapas: Glicólise, Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa. As duas
últimas fases são as que mais produzem energia e ocorrem na mitocôndria, enquanto
a glicólise acontece no citosol.
A equação química geral do processo é representada da seguinte forma:
C6H12O6 + 6O2 + 30ADP + 30Pi → 6CO2 + 6H2O + 30ATP.
Para além da função de produção de energia, essencial às células como já foi
destacado anteriormente, as mitocôndrias parecem ter outros importantes papéis que
ainda não estão bem esclarecidos, mas despertam o interesse dos estudiosos.
Elas parecem estar relacionadas com diversos processos celulares, como por
exemplo o envelhecimento celular e a morte programada de células (apoptose).
Algumas pesquisas indicam que haja associações entre defeitos mitocondriais e
doenças que afetam órgãos com maiores necessidades energéticas como o cérebro,
o coração e os músculos.
A maneira por meio da qual as mitocôndrias se movem no citosol demonstram
que elas podem estar associadas a microtúbulos, os quais possivelmente determinam
a orientação e a distribuição que elas têm nos diferentes tipos de células. (ALBERTS
et al., 2017).
Ribossomos - São grânulos citoplasmáticos constituídos de substâncias
ribonucleoproteínas. São formados por duas unidades de tamanhos diferentes.
Podem estar livres no citoplasma ou aderidos à face externa da membrana do retículo
endoplasmático rugoso. Os ribossomos são locais da síntese protéica nas células,
associando-se a filamentos de ‘RNA’ mensageiro (‘RNA’ mensageiro) para formar os
polirribossomos.

60
Peroxissomos - Apresentam formato esférico e funcionam visando oxidar
ácidos graxos para sintetização do colesterol e uso na respiração da célula. São
vesículas delimitadas por membrana e guardam enzimas envolvidas em uma grande
variedade de reações metabólicas, dentre elas, enzimas oxidativas. Essas enzimas
realizam reações de oxidação, tornando possível a produção de peróxido de
hidrogênio. Como o peróxido de hidrogênio é tóxico para as células, os peroxissomos
possuem também a enzima catalase, que decompõe esse composto orgânico,
convertendo-o em água ou utilizando-o para oxidar outros compostos orgânicos.
Apesar de os peroxissomos serem em sua forma semelhantes aos lisossomos, suas
proteínas são sintetizadas em ribossomos livres no citoplasma (cf. BOUZON, Z.L;
GARGIONI, R. OURIQUES, L.C, 2010, p. 32).
Retículo Endoplasmático Liso — Caracteriza-se por ser uma rede de
membranas ligadas em forma de tubos: sua função é sintetizar lipídeos e hormônios;
efetuam armazenamento de cálcio e lançam processos de desintoxicação.
Retículo Endoplasmático Rugoso (ou granular) — Possui forma semelhante
ao do Retículo Endoplasmático Liso. Apresenta forma achatada e ribossomos
aderidos na sua superfície externa. Os ribossomos associam-se às membranas do
retículo na forma de polissomos, encontrando-se em plena atividade de síntese
proteica.
Além dessas organelas, no citoplasma ainda apresenta as seguintes estruturas
em seu interior: a) as Inclusões Lipídicas, que participam no metabolismo dos lipídeos;
os Glicogênios, que guardam a glicose dos animais; o Citoesqueleto, responsável por
movimentos coordenados ou por dar forma às células; os centríolos, funcionam em
sentido à divisão da célula e os cloroplastos, presentes nos vegetais e tornam possível
o processo de fotossíntese

10 ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA

O embate do ser humano com a natureza, enquanto estratégia de


desenvolvimento e poder de transformação da realidade, produziu maiores índices de
longevidade e conforto, principalmente nos últimos séculos. Uma das características
deste embate é a utilização de recursos naturais como fonte de energia, produzindo,
assim, mecanismos de perpetuação física e técnica das conquistas

61
humanas. Entende-se, assim, que uma das características da racionalidade prática
que caracteriza o humano é a utilização da energia como fonte de transformação da
realidade e perpetuação da espécie.
Com isso, a densidade populacional no planeta aumentou significativamente,
principalmente nos dois últimos séculos. Disciplinas como a medicina e a agricultura,
impulsionaram fortemente esse processo. Assim, os temas da sustentabilidade, do
meio ambiente e das fontes de energia alternativas podem ser um caminho
privilegiado para introduzir em sala de aula aspectos das ciências naturais em seu
conjunto.
Por isso, nesse momento de nossos estudos, nos preocupamos em apresentar
coordenadas de como isso pode funcionar, principalmente considerando os temas
elencados acima, no que eles têm de complexos e próximos à vida cotidiana.
Observamos nas seções anteriores que o ensino da ciência deve ser norteado pela
história das ciências e pelo esforço de dar ao aluno condições conceituais para se
inserir no campo das disciplinas científicas. Nesse caso, os processos de
sensibilização não devem apenas ser ocasião para substituir esses dois objetivos,
mas meios para torná-los possíveis.

Fonte: mundoeducacao.uol.com.br

Para produção de energia elétrica, a fonte energética mais utilizada pela


humanidade no mundo contemporâneo são as fontes fósseis e não renováveis, mais
precisamente o carvão mineral e o gás natural.

62
A grande dependência humana destas fontes resulta em duas categorias de
preocupação que devem ser consideradas: a primeira diz respeito à possibilidade de
seu esgotamento; a segunda se refere aos impactos do uso delas ao meio ambiente.
Os combustíveis fósseis surgem da decomposição de animais e vegetais
oriundos do ‘habitat’ terrestre, principalmente antes da entrada em cena da espécie
humana na história evolutiva do planeta. Para que as estruturas fósseis se tornem
base de matriz energética deve ser necessário que tenham passado por condições de
pressão e temperatura determinada.
Através do petróleo, por exemplo, são fabricados mais de 6 mil produtos e dele
provém cerca de 34% de toda a energia utilizada no mundo. O petróleo pode ser
encontrado no subsolo do continente ou dos oceanos em jazidas (depósitos naturais)
que variam em quantidade e em qualidade.
A exploração do petróleo para fins comerciais e energéticos aconteceu pela
primeira vez nos Estados Unidos em 1859. Em território brasileiro, ele foi descoberto
pela primeira vez em 1939, na Bahia. A questão do petróleo no Brasil toma corpo
social, econômico e político a partir de 1953, quando foi a criada a Petrobrás,
impulsionando, assim desenvolvimento industrial brasileiro no setor petroleiro e
outros.

Fonte: ecodebate.com.br

Atualmente, o Petróleo continua representando boa parte da matriz energética


mundial, motivo de conflitos políticos e econômicos. Trata-se, de um recurso finito,
apesar de se considerar que ainda existe muito a ser explorado no subsolo do
63
continente e, no fundo dos oceanos. Contudo, o grande desafio que se coloca é ao
nível ambiental. É inexorável que a extração do petróleo resulte em impactos
ambientais e sociais diretos e indiretos, pois a atividade se constitui enquanto
intervenção do meio ambiente para extração de um recurso natural, com potenciais
impactos ambientais.
Se há um impacto social positivo, conforme o aumento da arrecadação
tributária e do desenvolvimento dinâmico de amplas regiões do planeta; por outro ele
gera conflitos ao nível econômico e no campo da natureza, colocando em pauta a
necessidade de um programa de substituição desta matriz energética por outras mais
sustentáveis. No entanto, estamos bastante longe desta situação, ainda que em vários
países existam programas nesse sentido.
Deste modo, muitos são os motivos para o fomento às fontes renováveis de
energia, buscando, portanto, alternativas de ordem econômica para desenvolvimento
social e principalmente para conservação e preservação do meio ambiente.
Por isso, na atualidade, os recursos naturais e renováveis têm sido objeto de
inúmeras pesquisas, impulsionadas pelo aumento das preocupações com o meio
ambiente, devido aos problemas ecológicos e do aquecimento global, gerados pela
utilização de combustíveis fósseis.
Através do esforço de fundação de uma visão sustentável das relações
humanas com a terra e com a natureza, entende-se que o aproveitamento correto das
fontes renováveis é um excelente modo de substituir as 'energias sujas' e evitar danos
ao planeta.
A questão da energia não passa apenas pela natureza considerada
isoladamente ou pela simples exploração humana das condições naturais, mas
também pelo mundo da economia e da política, ou mesmo pelo questionamento de
valores que cultivamos há séculos, já que nossa relação com natureza é determinada
pela cultura da qual emergimos enquanto seres sociais e existenciais.
O uso de temas como meio ambiente, recursos naturais e experiência ecológica
do mundo em sala de aula podem, nesse sentido, trazer para cena educacional mais
uma possibilidade para o tratamento unitário do conhecimento, segundo a remissão
de um campo disciplinar ao outro. Podemos, assim, passar pelas ciências naturais e
humanas, conforme a linha tênue que une e separa a experiência humana ao mundo
da natureza.

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Consideram-se fontes de energia renováveis os recursos naturais que podem
se regenerar, ou seja, podendo até certo ponto ser considerados inesgotáveis.
As fontes mais conhecidas e utilizadas no mundo contemporâneo são as
seguintes: a energia eólica, hidráulica, marítima, solar, geotérmica e biomassa.
A utilização dessas fontes em substituição aos combustíveis fósseis é viável e
tem se mostrado economicamente vantajosa. Além de serem até certo ponto
inesgotáveis, apresentam, em princípio, impacto ambiental muito baixo, pois não
afetam o balanço térmico ou a composição atmosférica do planeta.
O desenvolvimento de tecnologias que visem aproveitar as energias renováveis
pode beneficiar comunidades rurais e regiões afastadas, bem como a produção
agrícola através da autonomia energética e consequentemente tornar possível
mudanças qualitativas favoráveis no conjunto do planeta e para os seus habitantes.
No entanto, apesar das vantagens, o uso dessas fontes de energia é muito
baixo. O mundo ainda utiliza uma matriz energética composta quase totalmente
por fontes não renováveis, como o carvão, o petróleo e o gás natural.
A ilustração abaixo é um bom registro dessa estatística que nos faz pensar que
a questão da energia renovável e a busca por alternativas de menor impacto ao meio
ambiente ainda é uma luta longa da humanidade.
Nesse caso, é preciso ter em vista que apesar dos anúncios de um futuro onde
o petróleo seja uma fonte de energia obsoleta, o que se observa no mundo atual é a
crescente dependência dos mercados pelo petróleo, enquanto este é gerador de
acumulação para o capital.
Assim, não podemos estranhar que as fontes de energia renováveis apenas
serão admitidas de modo global e terão exploradas seu alcance e benefícios se
mostrarem como um negócio lucrativo.

11 Formas de energia renovável (descrição)

Biomassa

Através da fotossíntese, as plantas absorvem energia solar e a convertem em


energia química; esse processo perpassa toda vida de um ecossistema, sendo a base
de transmissão de energia entre os seres vivos. Esta energia pode ser transformada

65
em modalidades energéticas a serem utilizadas pela espécie humana, convertida,
portanto, em eletricidade, combustível ou calor.

Fonte: lippel.com.br

As fontes orgânicas que são usadas para produção destas fontes são
chamadas de biomassa. As tecnologias empregadas na produção de energia elétrica
a partir da biomassa são muitas, mas todas têm como característica comum a
conversão de matéria orgânica através de processos de tratamentos termomecânicos
processos mais utilizados (BARRETO; RENDEIRO; NOGUEIRA, 2008). Os processos
mais utilizados são:

a) Torrefação: o resultado é um material de caráter intermediário entre a biomassa


e o carvão, apresentando variados níveis de densidade energética, conforme
os protocolos utilizados.
b) Briquetagem: trata-se um movimento de prensagem de materiais sólidos e
pretende aumentar a densidade e o PCS, alcançando qualidade superior à da
lenha.
c) Péletes: semelhante ao briquete, diferenciando-se somente nas dimensões do
material.
d) Trituração: é o tratamento pelo qual se procura adequar o tamanho da matéria
tendo como fim sua utilização em fornalhas.

66
Existem muitas tecnologias empregadas para a produção de energia elétrica a
partir da biomassa, porém todas trabalham com a conversão de matéria orgânica em
um produto utilizado em uma máquina capaz de gerar energia. Assim, é possível
descrever o funcionamento de uma usina de biomassa como semelhante à uma usina
termelétrica, ou seja, ela converte o calor da queima da matéria orgânica em energia
que pode ser aproveitada de muitas formas, inclusive no setor industrial.

Energia Eólica

A expressão energia eólica tem como referência à divindade grega Éolo, o deus
do vento, que, conforme os textos homéricos, era o deus controlador dos ventos e das
tempestades, responsável pela tarefa auxiliar e proteger as embarcações nos
processos e caminhos da navegação (HOMERO, 2011, p. 8).

Fonte: veja.abril.com.br

A energia eólia é uma das mais antigas formas de energia natural utilizadas
pelos seres humanos. Em períodos muito antigos da história humana era ela que
movia a vela das embarcações, expressando o esforço de ampliação e metamorfose
da energia física e biológica de origem imediatamente humana com fins de exploração
da paisagem e conquista geopolítica. A ideia de utilizar o vento para gerar energia
elétrica é uma das consequências finais desta longa história e encontra no século XIX
suas primeiras tentativas, mais precisamente em países da Europa e nos Estados
Unidos, no período da Revolução industrial.
67
No mundo contemporâneo, os dispositivos tecnológicos utilizados para geração
de energia eólica são os aerogeradores. Eles têm como função otimizar o
aproveitamento do vento para produção de energia elétrica. O uso da fonte eólica
para geração de eletricidade tem algumas vantagens. Dentre elas, podemos citar seu
reduzido impacto ambiental. Tratando-se de uma fonte renovável seu uso não causa
impactos químicos no ambiente e nem modificações de estrutura na constituição física
das paisagens. Ele está disponível de forma contínua com base na incidência solar e
nos movimentos do planeta.

Energia Geotérmica

A energia geotérmica é obtida por meio do calor do interior da Terra, portanto


é renovável, e é uma alternativa aos combustíveis fósseis para gerar energia
elétrica. Sua geração se dá por meio do magma, uma formação rochosa que pode
alcançar 6 mil ºC e que esquenta a água, a qual é utilizada para gerar a energia
geotérmica. Assim, a fonte de energia geotérmica é apenas o calor, um recurso infinito
e que não é prejudicial ao meio ambiente, pois está abaixo da superfície terrestre. Os
principais recursos desta energia são os gêiseres (fontes de vapor no interior da terra
que demonstram erupções frequentemente) e onde existem água ou rochas a
temperaturas altas, possibilitando o seu aproveitamento de energia térmica e
consequentemente de energia elétrica.
Para compreender como esta energia é produzida temos que considerar o
processo pelo qual o calor da terra pode ser convertido em energia elétrica. As usinas
geotérmicas são instaladas em locais em que há um grande volume de água quente,
os quais são captadas e seguem para os reservatórios geotérmicos, fazendo através
destes a rota para turbinas, que por sua vez, ativam um gerador que produz
eletricidade. Outra maneira de produção consiste em injetar água no subsolo terrestre,
para que ele se transforme em vapor.
Esse vapor é captado para gerar a energia elétrica conforme o processo
mostrado anteriormente. No caso do Brasil, o uso desse tipo de fonte é quase
inexistente, principalmente porque existem poucas áreas para aproveitamento desse
tipo de energia no Brasil. Encontramos em cidades como Poço de Caldas (MG) e

68
Caldas (MG) aproveitamento de águas termais, para fins de turismo (ATLAS, 2008, p.
69).

Energia do Mar

A energia do mar pode ser explorada de muitas maneiras. As principais são


através das marés e das ondas.
Os mares podem ser utilizados para a geração de eletricidade, pelo menos de
duas maneiras: transformação da energia cinética das marés e pela transmutação do
potencial energia das usinas, funcionando assim semelhantemente às hidrelétricas.

fonte: cnnbrasil.com.br

Para o aproveitamento desta forma de energia encontramos basicamente


quatro formas tecnológicas e dispositivos: a energia das ondas, a energia das marés,
a condição térmica dos oceanos e o potencial cinético das correntes marítimas. Existe,
atualmente, perspectivas de aperfeiçoamento de diferentes dispositivos para
exploração mais consistente desta forma de energia, sendo possível sua utilização de
modo determinante nas próximas décadas (c.f. CEMIG, 2008).

Energia Solar

69
A relação da humanidade com o sol é constitutiva da nossa sobrevivência,
formamos com a energia solar um todo material e ontológico. Esse caráter quase
espiritual tem uma base material e uma explicação científica.
Desde os primórdios, a energia solar é utilizada para secar peles, alimentos e
está disseminada em toda nossa vida material; inclusive, podemos considerar certa a
ideia de que toda forma de energia possível, – desde aquela oriunda dos nossos
corpos até as conquistadas por nós em nosso embate com a natureza – tem uma
relação com o sol. Ele é, portanto, a maior potência de energia que supre à terra, não
sendo estranho ele ser adorado em várias culturas antigas. O processo de energia
através do sol acontece com o aquecimento excessivo, produzindo a circulação
atmosférica e o ciclo das águas.

Fonte: forbes.com.br

A expansão das tecnologias relacionadas ao setor, impulsionada por fatores


como aumento do potencial técnico e não emissão de poluentes, faz o mundo voltar
sua atenção ao setor da energia solar como uma forma possível de amenizar os
impactos das energias de origem fóssil no ambiente (TOLMASQUIM, 2016).
O Brasil, em relação à energia solar, tem várias dimensões privilegiadas, visto
a grande incidência de raios solares emitidos em seu território e pelas reservas de
quartzo que permitem a produção do silício, material utilizado na fabricação das placas
solares. Desta maneira, o setor tem crescido muito no Brasil, apesar de assumir um
papel muito pequeno em relação às formas de energia tradicionais.

70
11. ENSINO DE CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE

Quadro Duelo a garrotazos de Goya. Fonte: descontexto.com.br

11.1. O contrato natural

A pintura acima é uma pintura de Goya (1746-1828), onde observamos a


experiência de guerra, conflito, que marca a experiência humana. A imagem foi
utilizada pelo filósofo francês Michel Serres para ilustrar seu livro Contrato Natural
(1994). Antes de entrarmos diretamente nos conteúdos mais específicos do tema de
meio ambiente e ensino de ciências, gostaríamos de falar sobre esse texto de Michel
Serres (1930-2019), seu significado e sua importância para uma educação ambiental.
Uma das características peculiares deste autor é sua relação com as ciências
naturais. Antes de se doutorar em filosofia ele se formou em matemática, trabalhando
durante muito tempo no ensino de ciências na França. Sua contribuição à educação
é de suma importância. O livro Filosofia Mestiça ou terceiro instruído, publicado na
França em 1991 e traduzido no Brasil em 1993, é uma referência em vários programas
de pós-graduação em educação no Brasil, sendo possível constatar em várias
plataformas e bibliotecas virtuais de universidades pesquisas que utilizam a filosofia
do autor para pensar o ensino de ciências no Brasil e ao nível internacional.
Michel Serres desenvolveu o conceito de contrato natural visando ampliar e
modifica a teoria contratualista tradicional, oriunda do iluminismo, marcada por
contemplar apenas a esfera das relações sociais humanas. O contrato social, ainda
que seja uma hipótese antropológica pouco resistente, não se sabe quando e como
71
seres humanos tais como os atuais resolveram fundar um contrato que pudesse
regular suas diferenças e interesses, é considerado pelo autor como dotado de um
sentido ético que pode ser recuperado no mundo contemporâneo, mas se
perspectivado segundo as situações atuais. A noção de contrato social pode ser a
base para pensar, que apesar da desigualdade e da violência em nossa sociedade, é
preciso confirmar e produzir situações a partir das quais se torne possível o
desenvolvimento humano e inclusive o encaminhamento da organização social atual
para níveis mais produtivos de experiência política.
Quando Michel Serres fala de contrato natural ele se refere a necessidade de
ampliação da perspectiva contratualista moderna; entendendo que não se deve
fundamentar as relações jurídicas e políticas apenas de ser humano para ser humano,
de sociedade para sociedade, de país para país, mas entre a espécie humana e outras
espécies, como também entre os seres vivos e a natureza enquanto solo de
experiência e entidade ontológica que por ser um mundo existente tem direito ‘a vida’
e a perpetuação. Nesses termos, o contrato natural tem um conteúdo simbiótico. Ele
se torna possível pelo reconhecimento da necessidade de se desenvolver relações
amistosas entre os seres existentes, baseadas no respeito e no reconhecimento da
multiplicidade do outro. Assim, ela não admitiria formas de demarcação política ou
nominalista a partir das quais a natureza pudesse ser vista como propriedade do
homem. Pretende-se, assim, evitar a proliferação de relações parasitárias entre os
seres, ou seja, estruturas de contato em que um é explorado em favor da realização
dos desejos e necessidades dos outros. Em relação à natureza, ele coloca em pauta
um limite ao direito do ‘homem’ de se sentir enquanto força determinante do mundo
natural.
Nas palavras de Serres (1994), é necessário colocar em questão o significado
da simbiose: “[…] o direito de simbiose define-se pela reciprocidade: aquilo que a
natureza dá ao homem é o que este lhe deve dar-lhe, tornada sujeito de direito”
(SERRES, 1994, p. 66). Observa-se, a partir dessa leitura, que o Contrato Natural
estabelece a importância do mundo natural — e suas profundas singularidades — na
sua totalidade, observando a inserção do homem na natureza e desmentindo a ideia
de que a natureza tenha sido feita sob medida para a humanidade.
A interferência humana na natureza não é uma prática recente, ela existe desde
as origens do nosso percurso no universo. Porém, a partir da Revolução Científica

72
Moderna e do desenvolvimento do capitalismo industrial as práticas de interferência e
transformação do mundo natural se intensificaram tomando proporções nunca
esperadas, causando problemas nunca imaginados. Assim, a crise ambiental (social
e natural) tem que ser compreendida em sua escala planetária como um problema
pedagógico e cultural. Torna-se, portanto, necessário a discussão de uma ética global
das relações ser humano natural, mas essa não pode ser imposta, como se fosse
possível traçar um código de ética do habitante da terra ou do guerreiro da terra que
determinasse as mudanças necessárias.
O conceito de contrato natural parece de imediato uma solução romântica, já
que a própria ideia de contrato social já é extremamente normativa em relação às
práticas sociais tais como elas acontecem. Contudo, se falamos aqui de Michel Serres
é para dar mais uma corroboração a ideia de que a educação ambiental através das
ciências deve ser o instrumento futuro e presente da transformação das nossas
relações com a natureza, já que o contrato natural é possível, mas ele deve ser
construído em ambiente escolar.
É preciso, portanto, refletir sobre as práticas, os valores e a visão de mundo da
cultura dominante e nossa relação com a tecnologia e principalmente com o mundo
sem problemas que as ciências utilizadas pelo mercado são levadas a prometer
diariamente.
A base da ética global (já que as consequências são globais) é a modificação
e o questionamento de um mundo centrado no 'homem’, em favor de uma
multiplicidade de centros e outros.

11.2 O conceito de educação ambiental

Os problemas no meio ambiente têm impacto considerável em nossas


existências. Assim, apresentar questões sobre o meio ambiente nos componentes
curriculares é uma alternativa necessária e mesmo determinante para inserção do
ensino de ciência em mecanismos de comunicação mais produtivos com os alunos.
Nesse sentido, consideramos necessário pensar também que o ambiente não
é apenas natural; ele, como outras esferas já dimensionadas em nossa disciplina, tem
um caráter transdisciplinar e transcultural. No caso do ambiente, podemos dizer ainda

73
que ele é transnatural, pois ultrapassa nossas ideias habituais de construção humana
e de mundo natural.
A exposição do conceito de educação ambiental, nesse sentido, terá como
objetivo duas instâncias: apresentar uma concepção de ambiente que possa ser
manejada em sala de aula, tendo como base a ideia de que o meio ambiente não é
apenas humano, mas também não é apenas natural. Como também apresentar a ideia
de que é preciso mediar e pensar os impactos da ação humana no meio ambiente, já
que vivemos em uma época em que essas ações da humanidade sobre a natureza
colocam em risco a existência humana. Aliás, é preciso notar este aspecto. A natureza
surge para nossa espécie no centro de uma visão antropológica, por isso,
infelizmente, é sob a condição de nosso próprio risco que começamos a entender os
impactos das nossas ações no mundo natural
A preocupação com impactos ambientais resultantes das atividades humanas
remonta da década de 50 do século XX e começam a surgir por estudos na área de
ecologia e também discussões políticas que tenham objetivo pensar uma visão
holística das relações entre homem e natureza. Investigações na área da ecologia
começaram a ganhar espaço científico a partir de meados do século XIX, quando
Darwin publicou seu livro A origem das espécies (1859).
A partir daí, a ecologia se tornou uma área bastante especial da biologia.
Enquanto buscava congregar saberes sobre as formas de relação dos seres vivos
com seu ambiente, apontava para uma relação de habitação do ser vivo com
natureza, compreendida como a casa onde suas estruturas podem se desenvolver,
se desdobrar e mesmo deixar de existir.
A primeira conferência mundial preocupada com o tema das relações entre ser
humano e natureza, tendo em seu horizonte a educação ambiental, realizou-se em
1977, na antiga URSS, realizada pela UNESCO, onde se definiu pela primeira vez,
em termos internacionais, um conceito político e filosófico de educação ambiental (c.f.
UNESCO, 1997) Conforme Maricato (2002), existem várias definições de educação
ambiental e todas elas têm uma relação com a ideia de ambiente ou de ambiente
através do qual uma existência viva desenvolve suas potencialidades.
No congresso de Belgrado de 1985, realizado pela Unesco encontramos a
seguinte definição que pode servir de base para o nosso estudo:

74
(...) formar uma população mundial consciente e preocupada com o
ambiente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população
que tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito,
as motivações e o sentido de participação e engajamento que lhe
permita trabalhar individualmente e coletivamente para resolver os
problemas atuais e impedir que se repitam (...) (UNESCO/ONU, 1985).

Pode-se entender que a educação ambiental é um processo pelo qual o


educando começa a obter conhecimentos acerca das questões ambientais, onde ele
passa a ter uma nova visão sobre o meio ambiente, entendendo-se como um agente
transformador em relação à conservação ambiental. Já que as questões ambientais
estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano, a educação ambiental se torna
cada vez mais importante no âmbito escolar, em especial nos anos iniciais de
escolarização, pois a formação de uma concepção consciente das relações entre ser
humano e natureza pode ser mais facilmente construída a partir da infância.
Outro aspecto importante ainda em relação à educação ambiental nas séries
iniciais é que ela pode ser espaço para que a criança possa ter contato mais direto
com a natureza. Em um mundo cada vez mais tecnológico e marcado por violência,
os espaços verdes das cidades se tornam cada vez mais raros e de difícil acesso, o
que tem diminuído o contato do público infantil com o mundo da natureza. A partir
disso, temos visto que muitas escolas e instituições de educação incorporam a sua
prática e ao seu currículo, programas de educação ambiental, capazes de envolver
crianças e adolescentes em uma perspectiva de valorização da natureza a partir de
seu cotidiano.
Uma das estratégias pedagógicas a serem utilizadas é a investigação da
paisagem local, dos pontos naturais de uma região que tenham significado como
comunitário, apresentando-se para os habitantes locais enquanto pontos de natureza.
Outra maneira, é identificar os impactos negativos do ser humano no ambiente. Assim,
é possível trabalhar o tema da poluição a partir da história de um rio que agora se
apresenta quase irrecuperável. Pode-se ainda questionar qual a relação dos
'cidadãos' da cidade com as lixeiras que existem na rua, se o lixo é jogado e
descartado de maneira certa e se o poder público cumpre seu papel de facilitador e
educador ambiental.
A educação ambiental nas escolas certamente contribui para formação de
cidadãos conscientes, mas ela é mais do que isso, pois torna possível uma valorização
da relação da pessoa humana com a natureza, valorizando o mundo da natureza

75
como aquele a partir do qual nossa humanidade se desenvolveu e se tornou possível.
Para isso, é fundamental que o trabalho não se restrinja apenas a transmissão de
informações, mas se disponha a trabalhar atitudes A escola é a dimensão pessoal e
social onde o aluno dará novos formatos ao processo de socialização iniciado na
família; assim, comportamentos ambientalmente assertivos precisam ser construídos
através das ‘práxis’, isto é, pela utilização de recursos que possibilitem as mudanças
de hábito que, infelizmente, são comuns socialmente.
Os professores, nesse sentido, têm uma função mediadora, mas isso não
significa que ele deve ser considerado como detentor de todas as informações sobre
o meio ambiente. Ele deve criar com os alunos uma comunidade de investigação,
orientada pela ideia de que o conhecimento sobre o meio ambiente envolve o
conhecimento do desenvolvimento das tecnologias pelas quais nossa espécie explora
a natureza.
Assim, trabalhar o tema da educação ambiental e da inserção do ser humano
no meio ambiente é atualizar o ensino de ciências em sala de aula. Para isso, é preciso
também não se prender aos recursos oriundos do livro didático, mas trazer para sala
de aula questões, assuntos e estruturas de contato que contemplem cotidianamente
a novidade do tema.
Os projetos de educação ambiental também não devem ser restritos aos
bancos escolares, eles precisam também alcançar o mundo familiar dos alunos. É
preciso a criação de atividades de parceria entre as escolas e as famílias visando
fundar dispositivos de mudança de perspectiva, tanto no âmbito da relação escola-
família, como também acerca do uso e do sentido das disciplinas científicas na vida
das crianças. A informação precisa exceder o campo estrito da experiência escolar
para se tornar algo que possa impactar na percepção social sobre o meio ambiente,
começando na família. No caso do contato com as famílias seria interessante a
criação de espaços de lazer em conjunto, realizados em ambientes naturais, seguido
de dinâmicas onde o tema ambiental pudesse ser colocado em pauta através de
recursos fílmicos e brincadeiras.
Alguns conteúdos e práticas devem ser ilustrados e confirmados pela
educação ambiental:
1) o ambiente social, o contexto cultural, as coisas ao redor, o mundo onde
cada um vive é um mundo para o qual ele tem obrigações e responsabilidades.

76
2) O meio ambiente é a estrutura primeira e ele se dirige a nós, sendo também
nossa responsabilidade.
3) As consequências dessa responsabilidade são positivas. Através da
preservação do ambiente o ser humano cuida da sua saúde, ele se torna um corpo
melhor, mais forte, mais resistente, e mais humilde em relação ao mundo natural,
desvencilhando de relações parasitárias como aquelas descritas por Michel Serres
(1994).
4) A formação em educação ambiental passa, portanto, pelo corpo existencial
da criança e sua mente, sendo ainda um bom instrumento para construção de relações
interpessoais mais produtivas e conscientes.
A mediação conceitual que frisamos no começo de nossa exposição deve ser
muito bem trabalhada também no âmbito desta temática. O objetivo não é o esforço
para uma conscientização vazia, quase como uma pregação sobre a necessidade de
que precisamos salvar o planeta, mas fazer com que através do tema alguns conceitos
e conteúdos possam participar do repertório analítico e prático da criança em sua
relação com seu ambiente. Ou seja, trata-se, por exemplo, de reconhecer pela
utilização do conhecimento científico que jogar lixo no chão pode atrair mosquitos e
que os mosquitos podem transmitir doenças, sendo necessário o cuidado com o
ambiente.
Conforme Segura (2001, p.165):

Quando falamos em educação ambiental pode-se viajar em muitas


coisas, mas a primeira coisa que se passa na cabeça do ser humano
é o meio ambiente. Ele não é só o meio ambiente físico, quer dizer, o
ar, a terra, a água, o solo. É também o ambiente que a gente vive — a
escola, a casa, o bairro, a cidade. É o planeta geralmente. (…) não
adianta nada a gente explicar o que é efeito estufa; problemas no
buraco da camada de ozônio sem antes os alunos, as pessoas
perceberem a importância e a ligação que se tem com o meio
ambiente, geralmente, no todo e faz parte deles. A conscientização é
muito importante e isso tem a ver com a educação no sentido mais
amplo da palavra. (…) conhecimento como consciência (…)

Nesses termos, o dispositivo conceitual 'meio ambiente' precisa ser


reconsiderado e ampliado. Quando se fala de sua função e estrutura torna-se
necessário notar que não existe algo como uma natureza pura e uma cultura pura,
mas essa relação difícil de definir em que somos um corpo construído culturalmente,
mas também uma estrutura biológica.

77
Assim, o ambiente em que estamos é ao mesmo tempo natural e cultural, social
e existencial, assumindo uma múltipla existência referida ao sujeito humano, mas não
depende dele para existir.
A educação ambiental, no ensino fundamental e no ensino médio, pode,
portanto, ajudar na ampliação da consciência de preservação e de cidadania, mas
como frisamos anteriormente não se trata apenas do cidadão, mas da pessoa, já que
o cidadão é uma instância posterior à formação ontológica básica do ser humano. No
âmbito de nossa humanidade como pessoa, ligadas a natureza e aos outros, o lugar
social é uma posição transitiva que assumimos; não podemos ser reduzidos a ele,
principalmente na infância. Por isso, a educação ambiental deve ultrapassar a simples
conceituação científica ou a questão da cidadania enquanto fundamento para uma
suposta educação crítica. Trata-se, de encontrar sua possibilidade e tarefa na
investigação e consideração da circunstância da relação do ser humano com outro,
com o múltiplo da diferença que o habita através do mundo natural. Ou seja, pela
compreensão de também somos natureza.

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