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Ainda mais importante para os membros da equipe é que Bruno, nos momentos
mais inesperados, diz grosserias e se comporta de maneira ofensiva para com
eles, o que os levou a retirarem dele responsabilidades na casa, assim como
postergar seus planos de alta. Sluzki indaga sobre estes planos, e eles comentam
que, embora este paciente esteja morando nessa casa há três anos, o critério que
seguem é que, quando melhoram em sua socialização, os pacientes recebem alta
e passam a viver numa outra casa menos institucionalizada, na qual têm mais
autonomia. Pergunta quem mais está evoluindo com este paciente, e o informam
que durante o dia os pacientes participam nas atividades de um hospital-dia
associado, que inclui diversas atividades grupais e de recreação. Pergunta se o
paciente tem família, e o informam que não mantém contato com ninguém da
família há mais de vinte anos.
Pergunta se tem amigos, e dizem que aqueles que podem ser definidos como tais
são fundamentalmente o pessoal da instituição e talvez alguns dos pacientes, mas
nenhum em particular. Em uma reunião com nove pessoas das duas equipes, da
casa e do hospital-dia, Sluzki explora com o pessoal deste último qual é a sua
descrição do paciente e os eventuais problemas que percebem com ele. Eles
informaram que o paciente não apresenta dificuldades, mas disseram que não
esperam muita mudança e que a expectativa deles era de manutenção das
conquistas de socialização do paciente. Para surpresa da equipe da casa, eles
disseram que há alguns meses estão convencidos de que o paciente tem
limitações demais para supor que poderá evoluir satisfatoriamente ao ponto de
receber alta da casa de cuidados intensivos.
Por intermédio de comentários coletivos e algumas perguntas bem colocadas ficou
claro que, do ponto de vista do paciente, seu bom comportamento acabava sendo
usado como argumento para o que a equipe definia como uma promoção, mas
que era vivido pelo paciente como uma expulsão do que era para ele seu lar e sua
família atual; pelo contrário, seu mau comportamento era castigado com uma
retirada de responsabilidade, o que o premiava já que o mantinha como membro
do lar. Em outras palavras, a equipe da casa e, em boa medida, a do hospital-dia
haviam se tornado os contextos mais significativos para esse paciente. A casa era,
de todo ponto de vista, seu lar.
Por um lado, o paciente estava sujeito a expectativas diferentes das duas equipes.
Uma delas esperava uma evolução, uma mudança, por parte do paciente (ele se
comportava de acordo com essa expectativa) e a outra não (ele se comportava de
acordo com essa suposição), coisa que costuma gerar um efeito paralisante
quando não enlouquecedor.
Por outro lado, o que para a equipe da casa era considerado um prêmio – a
“promoção” do paciente para outra moradia para pacientes psiquiátricos crônicos
mais autônomos, onde havia menos vigilância e estrutura – significava para o
paciente a perda de boa parte de sua parca rede social significativa.
Sluzki propôs a eles colocarem à prova essa hipótese, sugerindo que a equipe da
casa chamasse Bruno para uma reunião e o informasse de que depois de muita
deliberação, chegou-se à conclusão de que não lhe dariam alta da casa, mas que
viveria nela por tempo indefinido, e que, como membro estável da comunidade,
teria de assumir uma série de responsabilidades, como corresponde a todo
habitante estável da comunidade. As duas equipes discutiram qual poderia ser
essa responsabilidade, e chegaram à conclusão de que Bruno sempre mostrou
interesse e habilidade como responsável pela despensa, e que, portanto, poderia
ficar encarregado de manter o inventário de víveres e fazer listas do que faltava a
cada semana.
Comentaram o risco dessa ideia, que colocava ao seu alcance comidas que
haviam sido fonte de atuações inapropriadas anteriormente, mas disseram que
valia a pena a tentativa. Em reuniões de acompanhamento, dois e seis meses
depois, foi informado que Bruno continuava na casa, que seus comportamentos
desagradáveis tinham diminuído bastante, e que era um despenseiro responsável.
Foi recomendado à equipe que, de tempos em tempos, alguém fizesse comentário
ao paciente lembrando-o da permanência de sua cidadania como membro dessa
comunidade.