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Trabalho apresentado para obtenção do título de especialista em

Gestão Tributária - 2024

Análise Crítica das Restrições ao Planejamento Tributário pela Perspectiva da


Jurisprudência do CARF

Aline Pires Passaia¹*; Eliza Remédio Alecrim2


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Advogada Tributária. Porto Alegre, RS, Brasil.
2
Professora Doutora. São Paulo, SP, Brasil.
*autor correspondente: apassaia@gmail.com

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Gestão Tributária - 2024

Análise Crítica das Restrições ao Planejamento Tributário pela Perspectiva da


Jurisprudência do CARF

Resumo

Dentro as hipóteses de planejamento tributário, destaca-se a reorganização


societária como uma ferramenta relevante à gestão empresarial. Considerando que
o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) assume um papel crucial
como a instância final administrativa de julgamento em processos relacionados aos
impostos federais, pretende-se explorar, por meio deste artigo, quais seriam as
limitações de ações consentidas pelo governo para diminuir, adiar ou evitar a
incidência de tributos através de operações societárias. Para tornar isso possível, o
presente estudo se limitou em explorar critérios adotados pelo CARF no que se
refere a validação, ou não, de planejamentos tributários praticados pelos
Contribuintes, notadamente no que diz respeito ao propósito negocial, uma vez que
o tema vem recebendo especial atenção por parte das Autoridades Fiscais, que têm
questionado as operações societárias e as suas implicações tributárias, ainda que
estejam dentro da legalidade formal. Desse modo, busca-se fornecer insights
relevantes para compreender a dinâmica tributária acerca do regime de
reorganização societária no território nacional e suas implicações legais, visto que se
trata de matéria de grande relevância para a Contabilidade e para o Direito
Tributário.

Palavras-chave: Compliance Fiscal; Propósito Negocial; Tributos; Operações


societárias; Elisão Fiscal.

Critical Analysis of Restrictions on Tax Planning from the Perspective of CARF


Jurisprudence

Abstract

Among the tax planning hypotheses, corporate reorganization stands out as a


relevant tool for business management. Considering that the Administrative Council

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for Tax Appeals (CARF) plays a crucial role as the final administrative instance for
judgment in cases related to federal taxes, this article aims to explore the limitations
of actions allowed by the government to reduce, postpone or avoid the incidence of
taxes through corporate transactions. To make this possible, this study was limited to
exploring the criteria adopted by the CARF regarding the validation, or not, of tax
planning practiced by Taxpayers, especially with regard to the business purpose,
since the issue has received special attention from the Tax Authorities, which have
questioned corporate operations and their tax implications, even if they are within
formal legality. In this way, the aim is to provide relevant insights to understand the
tax dynamics of the corporate reorganization regime in Brazil and its legal
implications, since this is a matter of great relevance to Accounting and Tax Law.

Keywords: Tax Compliance; Business Purpose; Taxes; Corporate Transactions; Tax


Avoidance.

Introdução

A intricada tessitura do sistema tributário brasileiro tem sido objeto de


constantes reflexões e debates ao longo das últimas décadas. O desafio de
harmonizar a imperativa arrecadação de tributos para suportar os serviços públicos
com a busca por uma carga tributária justa e competitiva para as empresas é um
dilema de proporções notáveis. O Brasil, com sua extensa e intricada legislação
tributária, depara-se com a tarefa árdua de conciliar a cobrança de impostos com o
estímulo ao crescimento econômico.
Nesse contexto, o planejamento tributário emerge como uma ferramenta
estratégica para as organizações. Trata-se da busca pela eficiência financeira dentro
dos parâmetros legais, possibilitando a otimização dos recursos financeiros e,
simultaneamente, o cumprimento das obrigações fiscais. É a arte de equilibrar as
contas, de modo a manter a competitividade no mercado e garantir o
desenvolvimento sustentável das empresas.
Contudo, os limites para a prática do planejamento tributário nem sempre são
claros, deixando as empresas em busca de segurança jurídica muitas vezes em

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terreno incerto, uma vez que a legislação tributária brasileira é densa e


frequentemente sujeita a interpretações diversas.
Nesse contexto, a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), órgão colegiado vinculado ao Ministério da Fazenda, com atribuição
de julgar os recursos apresentados pelos Contribuintes, em instância final de
julgamento administrativo, desempenha um papel crucial na definição de como as
regras tributárias são aplicadas na prática e quais seriam seus impactos legais,
contribuindo para estabelecer precedentes importantes que podem afetar
profundamente a conformidade tributária e o êxito financeiro das organizações.
O objetivo deste estudo é, portanto, conduzir uma análise crítica das
restrições ao planejamento tributário na legislação brasileira, com foco na
perspectiva proporcionada pela jurisprudência firmada pelo CARF.
Com o intuito de viabilizar tal empreendimento, esta pesquisa restringiu-se a
explorar artigos doutrinários acerca do planejamento por meio da reorganização
tributária, uma vez que o tema tem despertado recente interesse por parte das
Autoridades Fiscais, as quais têm questionado as operações societárias e suas
implicações tributárias, mesmo que estejam em conformidade com a legalidade
formal.
Almeja-se, portanto, contribuir significativamente para um entendimento mais
profundo das complexidades do planejamento tributário no contexto brasileiro. Ao
evidenciar a relevância da jurisprudência administrativa e o potencial impacto que
essas decisões podem ter nas estratégias de tributação das empresas, objetiva-se
fornecer insights valiosos que possam auxiliar na tomada de decisões
fundamentadas, promovendo um ambiente tributário mais justo, seguro e
transparente no Brasil.

Material e Métodos

No desenlace desta investigação, optou-se pelo método exploratório e


descritivo, realizado mediante análise de documentos (Acórdãos) proferidos pelo
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a fim de embasar a busca
pela compreensão do entendimento adotado pelo órgão julgador na validação ou

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desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelos Contribuintes com a


finalidade de reduzir a carga tributária.
O estudo desdobrou-se através da análise de 24 Acórdãos emanados pelo
órgão paritário, notadamente entre os meses de fevereiro de 2023 e março de 2024.
Em pauta, buscou-se o confronto de estratégias de planejamento tributário utilizadas
por Contribuintes com o fito de mitigar, procrastinar ou evadir o ônus fiscal, valendo-
se, para tanto, de engenharias societárias.
As informações assim coligidas foram extraídas do portal
https://acordaos.economia.gov.br/solr/acordaos2/browse/, valendo-nos das palavras-
chave "reorganização societária" e "substrato econômico" para delinear a pesquisa.
Para escolha dos cases, foi realizado uma filtragem nos resultados obtidos,
realizando-se uma análise preliminar das ementas encontradas, excluindo-se
apenas aqueles casos em que o órgão não conheceu o recurso interposto pela parte
por questões formais. Ou seja, julgamentos em que o mérito do litígio não restou
devidamente analisado.
Assim, resultou-se numa amostra delineada em exatos 24 (vinte e quatro
Acórdãos), todos possuidores das características desejadas, quais sejam:
julgamentos realizados entre 2023 e 2024, cujo objeto da discussão residia na
validade de atividades que visavam a redução, postergação ou afastamento de
tributos, por meio da reorganização societária.

Resultados e Discussão

1. REFERENCIAL TEÓRICO

1.1. Perspectivas e Desafios da Gestão Tributária no Brasil

A administração fiscal no Brasil se depara com desafios marcantes


decorrentes da intrincada tessitura do sistema tributário e do peso considerável da
carga tributária imposta às organizações, sendo o país com a maior carga tributária
da américa latina (32,44%)1 em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), segundo

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Colocar artigo

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levantamento realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento


Econômico (OCDE) em 20212.
Além de constituírem uma teia complexa e sobreposta de obrigações, os
tributos também se configuram como um desafio considerável e dispendioso 3, visto
que, conforme apontado pelo IBPT4, o Brasil já editou e publicou, desde a
Constituição de 1988, mais de cinco milhões de normas.
De acordo com Garcia (2018), a presença de normas intricadas,
interpretações diversas e mudanças constantes na legislação tributária adicionam
camadas de complexidade à conformidade fiscal, exercendo influência direta na
sobrevivência, competitividade, capacidade de investimento e margem de lucro das
empresas.
Como resultado de tal percalço, verificou-se que entre os anos de 2008 e
2014, apenas 76,6% das empresas conseguiram manter-se ativas após os 2 (dois)
primeiros anos de atividade, sendo este o maior índice desde 2008, quando a taxa
de mortalidade atingia elevados percentual de 45,8%.
Não diferente, constatou-se, por meio de estudo recente realizado pelo Centro
de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas, que o nível de endividamento das empresas ao final do ano-calendário
de 2023, em âmbito nacional, atingiu o elevado percentual de 35,9% do PIB, nível
próximo ao registrado durante a crise econômica de 2015, quando atingia o
percentual de 36,1%5.
Neste cenário de fragilidade econômica, em que as empresas são obrigadas
a buscarem alternativas para manter-se no mercado, o planejamento tributário
emerge como uma ferramenta essencial para a gestão eficaz das empresas,
independentemente de seu porte, proporcionando resultados diretos à sua
competitividade perante terceiros e garantindo sua sustentabilidade financeira a
longo prazo.

2
https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/brasil-lidera-ranking-de-carga-tributaria-na-america-latina-e-
caribe-informa-ocde/
3
https://www.univali.br/graduacao/direito-itajai/publicacoes/revista-filosofia-do-direito-e-
intersubjetividade/edicoes/Lists/Artigos/Attachments/93/4-lugar.pdf (pág. 2)
4
Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação
5
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/03/nivel-de-endividamento-das-empresas-esta-proximo-ao-
da-crise-de-2015.shtml?origin=folha

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1.2. Planejamento tributário como ferramenta fundamental de gestão


empresarial

O planejamento tributário, também denominado pela doutrina como “elisão


fiscal”, é definido por Edemar Oliveira Andrade Filho (colocar o ano) como o
processo de seleção entre várias opções lícitas, visando a situações fáticas ou
jurídicas que reduzam ou eliminem o ônus tributário dentro dos limites legais.
Esse mecanismo estratégico é respaldado por princípios constitucionais
fundamentais, conforme destaca Dayane Araújo (2024), como o da livre iniciativa,
garantindo ao contribuinte a liberdade de escolher caminhos jurídicos menos
onerosos, e o da legalidade, protegendo-os de ações arbitrárias do Estado.
Além disso, José Eduardo Soares de Melo (colocar ano) enfatiza a
importância do planejamento tributário como uma preocupação constante para as
organizações, que buscam aliviar as pressões dos tributos sobre seus negócios e
patrimônios, promovendo sua sustentabilidade econômica e respeitando princípios
como a capacidade contributiva e a dignidade humana.
Dentre as estratégias adotadas pelos Contribuintes no âmbito do
planejamento tributário, destaca-se a reorganização societária, uma temática de
considerável complexidade, que aborda estratégias empresariais direcionadas à
minimização da carga tributária por meio de ajustes na estrutura societária das
empresas.
Segundo Crepaldi (2023), no cenário econômico brasileiro e com a influência
da concentração global da atividade produtiva, essa estratégia de reorganização
tornou-se essencial para a competitividade empresarial, encorajando ajustes que
fortaleçam a posição de mercado e melhorem os resultados financeiros.
A reorganização societária abrange diversos procedimentos que as
empresas podem adotar com o objetivo de otimizar operações, expandir atividades
ou mesmo se adaptar a novas realidades de mercado. Entre as principais formas de
reorganização societária, destacam-se a cisão, a incorporação, a fusão e a
transformação (colocar seus dispositivos normativos). Cada uma dessas operações
possui características e implicações distintas, importantes para a estratégia
empresarial.
A pesquisa realizada pela Fundação Escola de Comércio Álvares
Penteado (FECAP) revelou importantes tendências nas decisões estratégicas de

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manejo tributário por meio de reestruturações societárias. Focando nas ações


deliberadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) nos anos
fiscais de 2016 e 2017, especificamente em decisões que envolveram cisão, fusão e
incorporação, a análise destaca as preferências das corporações por determinadas
estratégias tributárias. O estudo aponta que 43% das empresas analisadas optaram
pela técnica de incorporação, 35% pela cisão e apenas 22% pela fusão como
método de reestruturação empresarial visando benefícios fiscais.
Esta inclinação para a adesão de estratégias específicas de
reestruturação societária reforça as multifacetadas potencialidades que estas
operações detêm no âmbito comercial. Como relatado, a reestruturação societária
engloba uma série de atividades, tais como: alienação e aquisição de ativos,
alterações no capital social, consolidação de ações e contribuições para
conglomerados empresariais, além das operações de transformação, cisão, fusão e
incorporação. Executadas dentro de conformidade regulatória, essas ações
possibilitam que as empresas não apenas otimizem sua estrutura fiscal, mas
também renovem estratégias de negócio e realinhem interesses societários.
Entretanto, é imperativo que tais práticas sejam apoiadas por propósitos
comerciais legítimos, sob o escrutínio da Receita Federal do Brasil, para garantir que
a reestruturação possua fundamentos econômicos sólidos e gere benefícios reais à
eficiência operacional e expansão da empresa.
Dessa forma, para evitar possíveis questionamentos por parte do fisco, a
reestruturação societária deverá ter uma base econômica concreta, visando efetivas
mudanças na estrutura e operações da empresa. Isso significa que, as transações
devem ter uma justificativa econômica válida, como a busca por eficiência
operacional, expansão de mercado ou sinergias empresariais.

1.3. Planejamento Tributário como Prática Legal e Eficaz – Riscos e


Desafios

A complexidade do sistema tributário brasileiro, somado às suas frequentes


alterações, impõe aos contribuintes e à administração pública um constante desafio
na busca por uma interpretação que concilie os interesses estatais com os da
sociedade e do mercado. Dentro do mencionado panorama, o planejamento

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tributário se estabelece não somente como um instrumento de administração fiscal,


mas igualmente como um domínio de controvérsia ideológica, onde se delineia a
distinção entre a legitimidade e a legalidade das abordagens tomadas pelos
contribuintes com o propósito de aprimorar a eficiência de suas obrigações
tributárias.
Conforme exposto por Ricardo Lobo (2012), a interpretação do direito
tributário é palco de intensa diversidade teorética, destacando-se principalmente três
correntes de pensamento: a corrente conceptualista, que percebe na lei tributária
uma representação fidedigna da realidade fiscal, propugnando por uma
interpretação estrita das norma; perspectiva econômica, focaliza na eficiência das
atividades arrecadatórias do Estado, valorizando a análise das consequências
econômicas das normas tributárias e, por fim, a corrente valorativa, preconiza um
equilíbrio entre ética e direito tributário, desafiando o paradigma tradicional através
da incorporação de valores e princípios jurídicos na interpretação e aplicação das
leis tributárias.
Estas divergências teóricas refletem a complexidade inerente ao direito
tributário, bem como a multiplicidade de fatores que influenciam na sua aplicação e
interpretação. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado, em sua obra de 2019, lança
luz sobre a complexidade dos institutos jurídicos que permeiam o planejamento
tributário, destacando-se, entre estes, a elisão (ou elusão) e a evasão tributária,
categorias estas que, embora distintas em suas naturezas e implicações legais,
compõem o pano de fundo sobre o qual o planejamento tributário é construído,
desafiando tanto contribuintes quanto autoridades fiscais a navegar por um delicado
equilíbrio entre otimização fiscal e obediência às normas tributárias estabelecidas.
Antonio Roberto Sampaio Dória, em estudo realizado em 1977, apresenta a
elisão tributária como uma estratégia legalmente permissível, adotada pelos
contribuintes para reduzir ou mesmo evitar a carga fiscal. Essa redução é alcançada
por meio de uma interpretação arguta da legislação tributária, explorando lacunas
legais ou identificando oportunidades de economia fiscal não explicitamente vedadas
por lei. Diferente das práticas de evasão, como a fraude e a sonegação, que
recorrem a meios ilegítimos para escapar ao fisco, a elisão se estabelece dentro dos
parâmetros legais, demonstrando a sutil linha que separa a otimização tributária
lícita de manobras fiscais ilícitas.

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Com o objetivo de garantir o cumprimento das obrigações fiscais sem prejuízo


à justiça tributária, as legislações ao redor do mundo desenvolvem sistemas
normativos complexos para distinguir entre planejamento tributário lícito e ilícito.
Este panorama legal visa a balancear a autonomia do contribuinte na otimização
tributária com o dever de contribuição justa e equitativa para com o Estado. Deste
modo, define-se um campo de atuação que, embora permita certa margem de
manobra na interpretação e aplicação das leis, estabelece limites claros para
prevenir e sancionar abusos.
A legislação alemã, reconhecida por sua rigorosa abordagem na regulação
fiscal, oferece um exemplo notável de como a administração tributária pode intervir
em situações de abuso das possibilidades legais de planejamento tributário.
Segundo esta legislação, quando um contribuinte realiza operações ou negócios
que, embora amparados por uma configuração jurídica possível, são inapropriados
em face dos fatos econômicos subjacentes, o fisco é habilitado a requalificar a
operação conforme a realidade econômica, dando ensejo à cobrança de tributos
devidos. Tal disposição legal evidencia uma postura ativa do Estado na prevenção
de práticas que, ainda que formalmente legais, desvirtuam o propósito da legislação
tributária.
No que condiz ao ordenamento jurídico brasileiro, foram criadas regras
denominadas como “antielusivas” para identificar e evitar práticas abusivas por parte
dos Contribuinte. Lívia Germano (2013) ressalta que tais normativas possuem uma
estrutura normativa que contempla hipóteses de variada amplitude, vinculadas a
consequências jurídicas que, em última análise, conferem à Administração Tributária
poderes para desconsiderar atos ou negócios cuja intenção elusiva seja evidente,
aplicando-se, assim, o regime tributário que se pretendia evitar.
A alteração do Código Tributário Nacional (CTN) através da Lei
Complementar nº 104/2001, incluindo o parágrafo único do artigo 116, representa
um marco significativo na legislação tributária brasileira, uma vez que esta inovação
legislativa passou a autorizar a autoridade administrativa a desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com o propósito de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
A doutrina brasileira se dividiu amplamente em duas correntes de
interpretação após a introdução da referida norma, de modo que a corrente

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majoritária considerou que essa norma não trazia inovações significativas, limitando-
se a abordar os atos e negócios simulados, ou seja, aqueles em que há intenção
clara de enganar a fiscalização tributária sem modificar a realidade dos fatos,
enquanto, por outro lado, a corrente minoritária viu na norma uma oportunidade de
estabelecer uma regra geral antiabuso, que abarcasse os planejamentos tributários
elaborados com o propósito de abuso do direito ou fraude à lei tributária, mesmo na
ausência de simulação. Esse debate doutrinário reflete a complexidade e a
diversidade de interpretações sobre o alcance dessa legislação no combate ao
planejamento tributário abusivo.
Contudo, a controvérsia em torno do significado e alcance desse dispositivo
legal não alcançou uma efetividade prática que pudesse ser considerada relevante.
Isso se deve, em grande medida, ao fato de que a aplicação da norma em questão
dependia de uma explicitação por meio de procedimentos estabelecidos em
legislação ordinária, procedimentos esses que nunca foram devidamente definidos
pelo legislador ordinário federal.
Consequentemente, na ausência de uma lei regulamentadora que explicite o
termo "dissimulação", o combate ao planejamento tributário abusivo por parte do
fisco federal teve que se pautar na possível caracterização de simulação. Tal prática
se encontra devidamente amparada pelo inciso VII do artigo 149 do Código
Tributário Nacional, que autoriza a autoridade administrativa a efetuar o lançamento
tributário sempre que se comprovar que o contribuinte, ou terceiro beneficiado, agiu
com dolo, fraude ou simulação.
Desta feita, ao menos na dimensão prática da questão, pode-se afirmar que
no Brasil os limites do planejamento tributário são delineados pela jurisprudência,
em razão dos contornos concretos atribuídos ao conceito de simulação, e não em
função da ampliação do escopo de institutos como fraude à lei, negócio indireto ou
abuso do direito.

1.4. O Propósito Empresarial como Referência para Redução Fiscal

Diante do desafio global representado pela evasão fiscal, especialmente


acentuado em nações com elevada carga tributária e baixa eficácia na detecção de
sonegação – realidade que encontra paralelo no Brasil –, o aparelho estatal

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confrontou-se com a imperiosidade de inspecionar tanto os aspectos formais quanto


os materiais das operações empresariais. Esta incumbência, de natureza decisiva
no contexto administrativo, foi delegada ao Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), órgão este que detém a autoridade para proferir julgamentos em
última instância acerca dos recursos interpostos no âmbito do contencioso
administrativo fiscal.
Historicamente, a perspectiva adotada pelo CARF tendia a legitimar as
estratégias de planejamento tributário que se alinhassem aos preceitos formais do
direito privado, desde que não incorressem em práticas de omissão ou ocultação de
informações. Sob essa ótica, tais planejamentos eram considerados formas lícitas e
eficazes de elisão fiscal, exceto quando se identificavam sinais de evasão ou
sonegação fiscal, os quais configuram tentativas de enganar ou ludibriar os órgãos
fiscais.
Contudo, o paradigmático caso Rexnord (Acórdão nº CSRF/01-02.107)
inaugurou um novo capítulo na jurisprudência, fazendo emergir um olhar crítico
sobre a artificialidade dos planos tributários e a necessidade de avaliação dos
efeitos econômicos reais das transações comerciais para sua legitimação. O
Conselheiro Relator Verinaldo Henrique da Silva, apoiando-se no artigo 109 do
Código Tributário Nacional (CTN), defendeu a adoção de uma análise mais
abrangente, destinada a capturar o 'substrato econômico' das ações ou transações
jurídicas empreendidas pelo contribuinte.
Ilustrando a divergência jurisprudencial mencionada, observa-se o julgamento
pelo órgão paritário do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) no
Processo Administrativo nº 11516.002462/2004-18, realizado em 21 de janeiro de
2008 (Acórdão nº 103-23.357), ocasião em que, ao julgar a reorganização societária
de uma empresa, o CARF considerou que a configuração de duas empresas no
mesmo espaço, decorrente do desmembramento das funções previamente
desempenhadas por uma única empresa com o intuito de otimizar as operações e
reduzir a carga tributária, não se configurava como uma prática de simulação.
Em contrapartida, em um julgamento posterior (13 de julho de 2016),
referente ao Processo Administrativo nº 11516.002701/2010-70 (Acórdão nº 9101-
002.397), verificou-se uma mudança substantiva de postura pelo CARF, que passou
a considerar a desconsideração da reestruturação societária anteriormente não

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considerada simulada. Concluiu-se que, para a legitimidade de tal segregação de


atividades, era imperativo que o contribuinte comprovasse o propósito negocial por
trás da divisão.
Essa mudança jurisprudencial significativa redefiniu os padrões de validação
das operações societárias planejadas para fins tributários. O CARF começou a
enfatizar a análise da existência de propósito negocial nas operações, dando
especial atenção aos elementos fáticos com relevância econômica. A nova
abordagem visa evitar planejamentos considerados agressivos ou abusivos, que
recorram à fraude e simulação, reiterando o compromisso do órgão com a
integridade e a transparência nas práticas tributárias.
A teoria do propósito negocial, conforme articulado por Paulo Ayres Barreto
(2016), origina-se na Suíça, mas encontrou um terreno fértil para seu
desenvolvimento e disseminação nos Estados Unidos, onde a doutrina conhecida
como 'business purpose' (propósito negocial) foi incorporada inicialmente para
avaliar operações societárias específicas, tais como fusões, incorporações e
liquidações, sob a ótica da tributação do imposto sobre a renda.
A verificação da legitimidade do propósito negocial exigia uma análise
minuciosa baseada em três pilares fundamentais:
 A permanência: evidencia-se que uma reorganização societária visa a
consequências de longo prazo, almejando a sustentabilidade e o
desenvolvimento continuado da empresa.
 A vantagem societária: o processo de reorganização deve apresentar
benefícios objetivos para a empresa como um todo, não se limitando a
favorecer interesses individuais dos acionistas ou administradores.
 A economia fiscal: para esta teoria, benefícios que sejam puramente
fiscais não qualificam uma operação como reorganização societária
legítima. Este critério enfatiza que as vantagens tributárias não devem
ser o único fator motivador de uma reorganização.
Este modelo analítico tem sido instrumental para autoridades tributárias na
avaliação de casos de planejamento tributário, em especial nas operações que
envolvem a reorganização tributária, de modo a evidenciar as operações
caracterizadas pela artificialidade e falta de genuinidade na sua reestruturação.

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De tal forma, ainda que o planejamento tributário esteja dentro dos limites
legais, é possível que as Autoridades Fiscal considerem tais práticas como
excessivas, fraudulentas ou contrárias aos princípios da legislação tributária. Em
outras palavras, é imprescindível que a organização societária seja material para
que as autoridades administrativas não associem o ato como a simulação 6,
ensejando na instauração de contencioso administrativo.
1.2 Análise Jurisprudência CARF

A análise da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais


(CARF) constitui uma ferramenta essencial para a compreensão das tendências e
dos critérios adotados por este órgão colegiado no julgamento de questões
tributárias complexas, pois refletem diretamente na legitimidade e na adequação das
estratégias de planejamento tributário adotadas pelas empresas, contribuindo,
assim, para um melhor entendimento das fronteiras legais e éticas do planejamento
fiscal.
Neste contexto, a presente investigação centra-se na avaliação de Acórdãos
proferidos pelo órgão paritário, buscando-se elucidar os posicionamentos jurídicos
adotados pelo Conselho em face das intricadas disposições legais que regulam tais
operações.
Abaixo, xxxxx

Planejamento
Temática Total Existência SE Inexistência SE
Validado
Ágio 17 4 12 6
Compensação Prejuízo Fiscal 4 0 4 0
Ganho de Capital 3 0 3 0

Da leitura dos Acórdãos selecionados foi possível observar um predomínio de


julgamentos acerca das operações de aproveitamento de ágio, especialmente
aquele caracterizado como ágio interno (ágio oriundo de transação societária entre
partes dependentes), realizado por meio de empresa veículo e/ou sem substrato
econômico/propósito negocial.
Sobre o tema, defendem os Contribuintes que a legislação tributária brasileira
não estabeleceria proibição ao registro de ágio em transações realizadas entre

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entidades pertencentes ao mesmo grupo econômico, argumentando pela


legitimidade da dedução das despesas incorridas com a amortização do ágio.
[falar mais sobre o contribuinte]
Por outro lado, a interpretação do Colegiado diverge substancialmente
daquele defendido, posicionando-se pela indedutibilidade do ágio qualificado como
artificialmente criado dentro de um grupo econômico. A artificialidade, segundo o
Colegiado, advém da geração interna do ágio sem a presença de condições de
mercado que assegurem uma formação livre do preço de alienação, levando à
conclusão de que, nesta hipótese, inexistiria um verdadeiro dispêndio que
justificasse a criação do ágio, apoiando-se, para fins desta conclusão, nos artigos 7º
e 8º da Lei nº 9.532/97, que estabelecem os requisitos para a constituição do
conceito legal e material do ágio.
Ainda, entendem os Conselheiros, majoritariamente, que, para haja o
reconhecimento fiscal do ágio, seria imprescindível a presença de uma "confusão
patrimonial" entre a empresa investidora e a investida, configurando assim a
coexistência, na mesma entidade jurídica, da "mais valia" adquirida com expectativa
de rentabilidade futura e o próprio investimento.
Nas palavras do Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, “as leis fiscal e
societária não amparam o reconhecimento do ágio nas reorganizações societárias
em que não existe uma efetiva aquisição de investimentos; quando há uma mera
simulação de negócios societários visando unicamente a criar um ágio artificial para
reduzir a carga tributária do contribuinte. Ainda que formalmente regulares, estes
negócios societários não têm substância ou existência real.” (Acórdão nº 9101-
006.547 – Processo Administrativo nº 11080.729498/2016-35).
Ainda no âmbito dos critérios adotados pelo órgão fiscal para
(des)qualificação das operações realizadas pelos contribuintes, verificou-se a
adoção dos seguintes requisitos para verificação da existência de substrato
econômico nos planejamentos fiscais em análise, quais sejam: (1) confusão
patrimonial; (2) dispendido econômico; (3) partes independentes; (4) adequado lapso
temporal e (5) utilização de empresa-veículo.
Sobre o uso de empresa veículo, discorreu o Conselheiro Luis Henrique
Toselli que “considerando que não existe nenhuma lei antielisiva que proíba o uso
de empresas holding tanto para adquirir ou deter investimentos com ágio quanto

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para serem extintas pela investidas de modo a ‘antecipar’ os seus efeitos fiscais, a
questão ora em controvérsia passa a girar exclusivamente em torno da existência ou
não de simulação [...]”, concluindo, ainda, que “se a própria legislação tipifica uma
‘holding pura com fins específicos’ como uma espécie societária própria do Direito,
conferindo-lhe autonomia e legitimidade para praticar uma única operação, inclusive
para fins de economia tributária, não vejo como não admitir, à luz dos artigos 7º e 8º
da Lei nº 9.532/1997, o uso de empresas veículos em estruturas de aquisições d
investimentos com ágio”. (Acórdão nº 9101-006.789 – Processo Administrativo nº
16682.721600/2017-70).
Pontua o Conselheiro, ainda, que “é plenamente lícito o financiamento
estrangeiro no Brasil por controladoras sediadas no exterior, o que se faz justamente
com empresas holdings, espécie de sociedade que é usualmente utilizada como
meio próprio e legítimo de grupos internacionais investirem e se estabelecerem no
país”, fazendo menção ao doutrinador Valter Lobato7, que devidamente pontua que
“É preciso destacar que a autorização legal de amortização fiscal do ágio surgiu no
contexto do Plano Nacional de Desestatização (PND), levado a efeito pelo Governo
Federal à época. Tinha-se o objetivo claro de atrair investimentos, primordialmente
externos, que deveriam recair sobre empresas estatais brasileiras, como foi o caso
das empresas de telefonia. Contudo, é preciso apontar que a lei não ficou restrita a
investimentos em estatais, ou seja, àqueles que seriam realizados no âmbito do
PND, mas sim toda e qualquer aquisição, nos termos da referida lei.”
De forma contrária, consigna o Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho, ao julgar o
mesmo caso exposto no tópico anterior (Acórdão nº 9101-006.789), que “não há na
norma um impedimento específico para a utilização da empresa-veículo na
realização do negócio societário entabulado, mas impõe-se de examinar a sua real
existência e utilidade no negócio, com vistas a aquilatar se não se caracteriza uma
mera simulação, com único propósito de redução da carga tributária da empresa
investida”, sob o entendimento segundo o qual “os negócios jurídicos realizados
devem respeitar os princípios da boa-fé e a função social da empresa. Assim, não
se admitem negócios puramente formais e sem qualquer substância, que visam
unicamente a obtenção de benefícios fiscais”.

7
O Novo Regime Jurídico do Ágio na Lei 12.973/2014. In: O ágio no direito tributário e societário: questões
atuais. São Paulo: Quartier Latin. 2015. P. 101.

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Todavia, em determinadas decisões (Acórdãos nºs xxxx), verificou-se que tais


circunstâncias não foram suficientes para invalidar a operação de aquisição de
investimentos, mantendo a amortização do ágio, ainda que oriundas de operações
entre partes relacionadas. Esta interpretação sugere a aceitação da substância
econômica da operação como sendo a busca de uma melhor eficiência tributária.
Nesse contexto, merece destaque o voto do Conselheiro Alexandre Evaristo
Pinto, nos autos do Processo Administrativo nº 16561.720036/2020-40, por meio do
Acórdão nº 1201-006.257, no qual o Julgador profere o entendimento segundo o qual
“[...] o uso da teoria do propósito negocial sem que ela esteja internalizada em nosso
ordenamento jurídico (e muito pelo contrário tenha sido expressamente rechaçada
em duas oportunidades pelo Congresso Nacional) acaba funcionando como um
atalho para que não haja a devida fundamentação dos fatos como fraude e
simulação”, complementando, ainda, que “em um cenário em que não há proibição
legal à constituição de uma pessoa jurídica como ‘empresa veículo’ e que não há a
adoção da teoria do propósito negocial no ordenamento jurídico, a fiscalização
ampara suas conclusões em duas frágeis colunas não amparadas por lei [....] a
criação de uma ‘empresa veículo’ para viabilizar a amortização fiscal do ágio seria
um propósito por si só”.
Em consonância ao exposto, discorre o Conselheiro Heldo Jorge dos Santos
Pereira Junior, que “o argumento da fiscalização encampa de forma subjacente a
ideia de impossibilidade de constituição de ágio em qualquer hipótese, exceto
naquela em que uma determinada empresa possuísse, por meios exclusivamente
próprios, os recursos para aquisição de participações societárias. Ou seja, em sendo
Holding, jamais haveria possibilidade de contabilização de ágio, posto que os
recursos seriam sempre originados de terceiros (sócios ou outros), o que confronta o
princípio da entidade, e desfigura a própria personalidade jurídica – capacidade de
adquiria direitos e contrair deveres.” (Acórdão nº 1302-006.968 – Processo
Administrativo nº 16561.720029/2019-12).

[todas trabalham em cima do substrato econômico, de modo que a


divergência reside no entendimento dado a hermenêutica da disposição, uma vez
que parte dos julgadores consideram a redução da carga tributária como um
propósito negocial válido, ainda que tenha sido utilizado empresa veículo para este

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fim, enquanto outros consideram que a mera eficiência fiscal não seria hipótese
válida para convalidação do planejamento tributário.]

Considerações Finais

Do estudo realizado, consoante a análise da doutrina e da jurisprudência do


Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), verificou-se que o cenário
jurisprudencial contemporâneo administrativo reputa como indispensável – dentre
outros requisitos - a existência de substrato econômico (proposito negocial) nas
operações de planejamento tributário, em especial aquelas pautadas na
reorganização societária empresarial.
Contudo, verifica-se uma dicotomia interpretativa no que tange à avaliação do
substrato econômico das operações e na legitimidade do propósito negocial
subjacente à redução de tributos, uma vez que certos julgadores sustentam que a
diminuição da carga tributária, quando fundada em um propósito negocial legítimo e
operacionalizada, inclusive, mediante a utilização de empresas veículo, é
perfeitamente válida no âmbito do planejamento tributário, enquanto, em
contrapartida, uma corrente oposta argui que a mera busca por eficiência fiscal,
desprovida de um propósito negocial substantivo, não pode ser considerada como
fundamento válido para a convalidação de estratégias de planejamento tributário.
Esta disputa hermenêutica, segundo Ricardo Mariz de Oliveira (2021, p. 614-
638), resulta-se da ausência de fundamento legal, uma vez que, segundo
entendimento do doutrinador (em consonância com o posicionamento de parte dos
julgadores administrativos), o propósito exclusivamente tributário de reduzir a carga
fiscal coincide com o objetivo da empresa, que é, por uma questão de lógica, obter
lucro.
Dessa forma, entende-se que não seria razoável presumir que a empresa
deverá, na escolha da forma de exercer suas atividades, desconsiderar o ônus da
tributação, de modo que as empresas teriam que desenvolver suas atividades sem
qualquer influência dos tributos sobre suas decisões.
Nesse contexto, importante registrar que o ordenamento jurídico brasileiro
possibilita e assegura ao contribuinte o direito de conduzir suas atividades

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econômicas com autonomia, observando os limites legais estabelecidos. Trata-se do


princípio da livre iniciativa, previsto no art. Xxx da CF.
Nesse sentido, ao promover a livre iniciativa, a Constituição Federal não objetivou o
estímulo à evasão fiscal, mas sim a adoção de estratégias que, dentro do arcabouço
legal, permitam ao contribuinte uma gestão fiscal eficiente. Contudo, conforme
previamente exposto, ressalta-se que a linha divisória entre a licitude do
planejamento tributário e práticas abusivas, como a elisão e evasão fiscal, tem sido
alvo constante de debates jurídicos, sendo necessária a análise cuidadosa de cada
caso à luz da legislação tributária e da jurisprudência pertinente, particularmente das
orientações emanadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Destarte, o princípio da livre iniciativa, ao assegurar o direito à otimização tributária,
impõe também a observância de um limiar ético e legal, balizando a atuação do
contribuinte no âmbito do planejamento fiscal.
Não obstante, deve-se esclarecer que o interesse público não pode (e nem
deve) ser confundido com o interesse de arrecadar, de modo que o dever moral de
pagar tributos e o princípio da solidariedade não se mostram suficientes para afastar
o direito do contribuinte ao planejamento tributário.
Nesse sentido, inclusive, dispôs a Conselheira Edeli Pereira Bessa, por meio do
Acórdão nº 9101-006.752, que “não se pode olvidar que o Brasileiro vive num pacto
social altamente desestabilizado, onde visualiza seus esforços e economias
transferidas ao Estado pela tributação, esvaindo-se pelo ralo da incompetência,
corrupção e mordomias legais, mas imorais! Isso tudo sem contraprestação
obrigatória e institucional de saúde, segurança, educação, transporte, enfim, um
Estado capenga. Porquanto é infausta a assertiva de academicamente privilegiados
no sentido de almejar obrigar que os prejuízos do contribuinte não possam ser
abatidos de receitas em face do ‘propósito de permitir à Fazenda Nacional angariar
recursos mínimos para fazer frente aos dispêndios da União Federal, ...’ para o
Governo ‘... não ser surpreendido em razão das intempéries econômicas a que se
sujeita a atividade mercantil".
Conclui, ainda, que “O Estado para fazer frente a seus ''dispêndios", em
"intempéries", deve utilizar suas reservas obrigatórias consoante as normas de
"Responsabilidade Fiscal", jamais confiscar o Contribuinte. E assim desde os
primórdios da humanidade, a não ser onde imperou a Tirania!”.

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Nesse contexto, entende-se que é facultado ao contribuinte organizas,


licitamente, as suas atividades de modo a pagar uma menor carga tributária. No
entanto, os impostos não podem ser considerados apenas como instrumento de
arrecadação tributária, mas devem considerar um sentido político como base para
configurar a relação jurídico-tributária, cujo conteúdo obrigatório é estritamente
definido por lei, excluindo a possibilidade de que os particulares possam determiná-
lo, evitá-lo ou reduzi-lo por meio de manobras evasivas.
Deste modo, fixado o conceito de elisão fiscal, não pode o fisco,
arbitrariamente, desconsiderar o planejamento tributário do contribuinte, criando
requisitos não previstos em lei, como, por exemplo, o propósito negocial.
Isso não implica, contudo, reconhecer a ausência de limites ao planejamento
tributário. Significa apenas asseverar que inexiste uma norma geral (implícita ou
explícita) de “reação a planejamentos tributários subjetivamente reputados
‘abusivos’”, na feliz expressão empregada por Luis Flavio Neto.

Referências

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