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NORDESTE: A FALTA QUE O PLANEJAMENTO FAZ

Otamar de Carvalho

(Este texto foi publicado nos “Anais do


Seminário Nacional: Regiões e Cidades,
Cidades nas Regiões − a Espacialidade do
Desenvolvimento Brasileiro”, promovido
pela Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Planejamento
Urbano e Regional-ANPUR, realizado nos
dias 05 e 06 de abril de 2001, em
Campinas-São Paulo.)

1
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................. 3
1. O NORDESTE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
6
2. PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE
DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTADAS..................................... 15
2.1 PLANEJAMENTO COMO HIPÓTESE DE TRABALHO .............. 15
2.2 POLÍTICAS DO GTDN E DA SUDENE.......................................... 17
2.3 ESTRATÉGIAS CONCEBIDAS FORA DA ÓRBITA DA SUDENE
18
2.4 FRAGILIDADE INSTITUCIONAL.................................................. 22
3. PROBLEMAS PERSISTENTES E EMERGÊNCIA DE
NOVOS 26
3.1 O PLANEJAMENTO EM SEGUNDO PLANO................................ 26
3.2 (DES)ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO SEMI-ÁRIDO .... 30
3.3 MUDANÇAS NOS QUADROS DEMOGRÁFICOS ....................... 33
3.4 ESPAÇOS BENEFICIADOS PELO CRESCIMENTO
ECONÔMICO............................................................................................................... 37
3.5 ÁGUA MAIS DIFÍCIL........................................................................ 40
3.6 POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES............................................ 43
4. DISCUTINDO O FUTURO................................................... 44
4.1 POSSIBILIDADES ATUAIS ............................................................ 44
4.1.1 Estrutura Econômica................................................................... 44
4.1.2 Atividades Tradicionais.............................................................. 47
4.1.3 Atividades Dinâmicas ................................................................. 48
4.1.4 Atividades Não-Convencionais ............................................... 48
4.1.5 Especificidades Sub-Regionais ............................................... 49
4.2 POSSIBILIDADES DE MÉDIO PRAZO........................................ 52
4.2.1 Decisões de Investimento e Financiamento do
Desenvolvimento ..................................................................................................... 52
4.2.2 Projeto de Transposição de Águas do São Francisco .... 54
5. GRANDES QUESTÕES PARA O NORDESTE DO
TERCEIRO MILÊNIO ............................................................................ 62
5.1 PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS
HÍDRICOS 62
5.2 NOVAS FORMAS DE CIDADANIA: DA POSSE DA TERRA À
ORGANIZAÇÃO SOCIAL ......................................................................................... 64
5.3 NOVA INSTITUCIONALIDADE ..................................................... 65
5.4 PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
SUSTENTÁVEL............................................................................................................ 72
5.5 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES .................... 75
BIBLIOGRAFIA CITADA............................................................ 77

2
NORDESTE: A FALTA QUE O PLANEJAMENTO FAZ 1

2
Otamar de Carvalho

INTRODUÇÃO

O Barão de Capanema dizia que “O país em que pássaros voam


assadinhos e temperados pelos ares ainda está por ser descoberto.” 3 Ao refletir
sobre estas palavras do Barão, escritas no início da segunda metade do Século
XIX, reforço a percepção de que ainda é necessário muito trabalho e
desdobrada vontade para moldar o desenvolvimento no Nordeste.
Desenvolvimento cuja busca e concretização, numa linguagem de século e meio
depois, dependem de transformações capazes de ampliar relativa e
crescentemente as possibilidades de acesso a novos bens e serviços por parte
de todos os grupos sociais. Neste geral, espera-se poder também ver incluídos
aqueles que ainda não tiveram tal oportunidade.

Prossigo na caminhada, juntando à palavra “Nordeste” o assim chamado


“problema do Nordeste”. A palavra é problema. E o problema é o do Nordeste.
Recorro a propósito a dois clássicos, que já passaram à categoria de
personagens da importante cena nordestina: Gilberto Freyre e Celso Furtado.
Trago-os ao palco com dois significativos excertos de suas monumentais obras.

Procuro ver o significado da palavra Nordeste em Gilberto Freyre.


Encontro resposta em obra do mesmo nome, publicada em 1937:

1
Texto preparado em apoio à palestra proferida no dia 05 de abril de 2001, em Campinas-São
Paulo, no Seminário Nacional: Regiões e Cidades, Cidades Nas Regiões - A
Espacialidade do Desenvolvimento Brasileiro, promovido pela Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional-ANPUR.
Agradeço os comentários e sugestões que me foram feitos por Antonio Carlos F. Galvão
(do IPEA), José de Castro Moreira Filho (da Sudene) e Margarida C. L. Mattos (do Senado
Federal). Utilizei-os no todo ou em parte, no que reconheci de oportuno neles. Assim, os erros
e omissões decorrentes continuam sendo meus.
2
Eng. agrônomo, economista e doutor em economia pela Unicamp. Foi técnico e Diretor da
Assessoria Técnica da Sudene; Secretário Geral-Adjunto do antigo Ministério do Interior;
Coordenador de Planejamento Regional do IPEA; Secretário de Agricultura e Abastecimento do
Ceará; e técnico e Coordenador de Planejamento da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e Parnaíba-Codevasf. Como consultor independente, tem trabalhado para
instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD, Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura-IICA, Organização dos Estados Americanos-OEA,
Organização Meteorológica Mundial-OMM, Secretaria de Recursos Hídricos-SRH do Ministério do
Meio Ambiente-MMA, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS, Codevasf,
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste-Sudene, governos dos Estados da Bahia,
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí e empresas privadas. É autor, dentre outros, do
livro A economia política do Nordeste; secas, irrigação e desenvolvimento. Rio de Janeiro,
Campus, 1988, além de vários artigos em revistas técnicas.
3
Guilherme Schuh Capanema, Barão de Capanema, Chefe da Seção Geológica e Mineralógica da
Comissão Científica de Exploração. (Braga, 1962.)

3
“A palavra ‘Nordeste’ é hoje uma palavra desfigurada pela expressão “obras do
Nordeste” que quer dizer: ‘obras contra as secas’. E quase não sugere senão as secas. Os
sertões de areia seca rangendo debaixo dos pés. Os sertões de paisagens duras doendo nos
olhos. Os mandacarus. Os bois e os cavalos angulosos. As sombras leves como umas almas do
outro mundo com medo do sol. (...) Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se
alongando quase em figuras de El Greco é apenas um lado do Nordeste. O outro Nordeste. Mais
velho que é o Nordeste de árvores gordas, de sombras profundas, de bois pachorrentos, de
gente vagarosa e às vezes arredondada quase em sanchos-panças pelo mel de engenho, pelo
peixe cozido com pirão, pelo trabalho parado e sempre o mesmo. (...) Um Nordeste onde nunca
deixa de haver uma mancha de água: um avanço de mar, um rio, um riacho, o esverdeado de
uma lagoa.” (Freyre, 1937:21.)

Sobre o problema do Nordeste, eu recorro a Celso Furtado. Sua


resposta, de 1962, é formulada ao estilo de quem já avançara
extraordinariamente no ordenamento do processo de desenvolvimento desse
espaço notabilizado por suas desigualdades econômicas e sociais, tanto
internas quanto externas à Região:

“O problema do Nordeste não é de hoje, se bem que alguns de seus aspectos se


tenham agravado recentemente. De hoje é a consciência da gravidade do mesmo, consciência
essa que em grande parte deriva do fato de estarmos em condições de equacioná-lo e de
encaminhar a sua solução. Quando afirmamos que o problema do Nordeste é grave, queremos
apenas dizer que já não é possível esconder a miséria dos nordestinos deles mesmos, já não é
possível conservá-los narcotizados e isolados. Já nenhum povo aceita estoicamente a miséria
como uma fatalidade: isso é verdade no Congo como no Nordeste.” (Furtado, 1962: 48.)

As idéias delineadas a seguir foram trabalhadas sob o suposto de que é


bem mais difícil estudar e compreender a natureza dos problemas e
possibilidades de desenvolvimento da economia do Nordeste neste início de
século XXI do que o foi em meados do século XX. Não é que naqueles anos as
informações e os conhecimentos disponíveis fossem relativamente mais
abundantes ou mais fáceis de mobilizar ou exigissem menos acuidade e
criatividade para sua aplicação. As dificuldades de hoje são maiores porque os
problemas regionais se tornaram mais complexos, seja no tocante ao Nordeste
propriamente, seja no contexto dos problemas nacionais, dada a sua maior
integração à economia nacional e aos mercados externos.

Por tudo isso, considero importante indagar, em relação ao Nordeste


desse começo de terceiro milênio: se é possível, ainda hoje, notar
particularidades que dêem notabilidade à Região, em termos econômicos,
demográficos, políticos, institucionais e ambientais, no contexto do Brasil; como
se configuram essas particularidades e o que foi recomendado para alterá-las
numa perspectiva positiva; que problemas continuam pesando no dia a dia dos
nordestinos, em particular dos que não conseguiram se ver livres da pobreza; e
em que direção é possível orientar o futuro do Nordeste.

Essas e algumas outras indagações orientaram a construção do presente


texto. Interessa chegar ao seu final com uma idéia mais clara sobre as questões
antes formuladas, abertas em relação aos seguintes tópicos:

i. O Nordeste na Segunda Metade do Século XX;

4
ii. Planejamento e Políticas de Desenvolvimento Experimentadas;

iii. Problemas Persistentes e Emergência de Novos;

iv. Discutindo o Futuro; e

v. Grandes Questões para o Nordeste do Terceiro Milênio.

Vários temas são desdobrados a partir desses cinco tópicos, mas dois

desenvolvimento  a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste-


são centrais: a economia do Nordeste e um privilegiado agente do seu

Sudene.

5
1. O NORDESTE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

De 1950 para o ano 2000, a população do Nordeste cresceu quase três


vezes, passando de 18 milhões para 48 milhões de habitantes. O produto
interno bruto (PIB) regional foi multiplicado por cerca de onze vezes, elevando-
se de US$ 11,2 bilhões, naquele ano, a preços de 1997, para algo em torno de
US$ 123,0 bilhões, em 2000, também a preços de 1997. Como resultado, o PIB
per capita aumentou 4,4 vezes, passando de US$ 622, em 1950, para US$
2.563, em 2000, segundo estimativas e atualizações realizadas pela Sudene. 4
Sem dúvida, houve um considerável processo de crescimento. Mas o número
absoluto de pessoas vivendo em condições de pobreza aumentou, ainda que o
Índice de Desenvolvimento Humano-IDH 5 tenha aumentado, ao passar de
0,100 (um IDH muito baixo) para 0,700 (um IDH médio-alto), segundo os
estudos realizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-
PNUD, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA e pela Fundação
João Pinheiro, trabalhados pela Sudene. (Albuquerque, 2000-b.)

Nas últimas cinco décadas do século XX, a população do Nordeste foi


sem dúvida beneficiada por grandes mudanças, em quase todos os domínios da
sociedade. As mudanças positivas, como as de maior crescimento econômico
e mais ampla generalização do conhecimento, viabilizaram inclusive a
ampliação das classes com acesso ao saber, à cultura, ao lazer e aos bens
materiais de toda sorte. Mas houve grandes mudanças negativas, pois ao
lado daquelas continuaram sendo observados sinais de extrema pobreza,
caracterizando-se esta pela exclusão de crescentes contingentes de população
dos frutos do progresso patrocinado pelas iniciativas bem sucedidas postas em
prática na Região.

A magnitude das mudanças negativas pode ser demonstrada, dentre


outras evidências, pela presença na Região, em 1996, de um contingente

4
Uma comparação da espécie “fiel de balança”, fundamental nesses casos, poderia referir-se
ao exame dos dados básicos utilizados pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do
Nordeste-GTDN, para o final dos anos de 1940, constante do Relatório do GTDN (MINTER.
Sudene, 1967: 15). Naquela época, a renda média per capita do nordestino correspondia a
cerca de 40% da auferida, em termos médios, por um brasileiro. No ano de 2000, a relação
passou para aproximadamente 60%. Dá para comparar esses valores percentuais, mas não
convém fazer o mesmo com os números absolutos, mesmo que eles estejam referidos a preços
constantes. Isto porque é preciso ter clareza quanto à utilização dos números-índice. Nesses
casos, é sempre importante ter em conta a escolha adequada dos anos-base de uma dada série
estatística. Como diz o prof. Dércio Garcia Munhoz, essas comparações são feitas comumente
“tendo em conta o número-índice da observação mais recente, mas em relação ao período
inicial.” Ao mudar o ano-base, muda tudo. Daí a prudência em comparar a renda per capita de
um nordestino (em 1950, no caso) com a renda per capita total de um brasileiro (em 2000),
utilizando o recurso de comparar os valores em termos percentuais, ou seja, a quanto
corresponde a renda do nordestino em relação à do brasileiro, em qualquer um dos anos dos
extremos de uma série. (Munhoz, 1989: 157-158.)
5
O IDH é construído considerando a esperança média de vida, o nível de educação e a renda
média per capita.

6
populacional em condição de pobreza e indigência da ordem de 19 milhões
de seus habitantes (cerca de 43% da população total do Nordeste, calculada
como correspondendo, naquele ano, a 44 milhões de pessoas). Nos estudos
realizados sobre o assunto são consideradas pobres as pessoas que não
conseguem atender as necessidades de alimentação, vestuário, moradia,
educação e despesas pessoais. E como indigentes os que são incapazes de
atender as necessidades alimentares. Destaque-se, ademais, que o Nordeste
abrigava, em 1996, 45% do número de brasileiros em condição de pobreza e
55% dos caracterizados como indigentes. (Rocha, 1995: 368.) A pobreza incide
sobre cerca de 40% da população do semi-árido (cerca de 7,5 milhões de
pessoas em 1996). Nas cidades, essa incidência é da ordem de 35% (3,5
milhões de pessoas). A pobreza no meio rural é de cerca de 4,0 milhões de
pessoas (45% do total). A pobreza rural já foi maior. Em 1970, ela alcançava
cerca de 60% da população do semi-árido. (Albuquerque, 2000-b: 64.)

Certo, houve mudanças notáveis no perfil da economia nordestina. No


meio século referido, pode-se observar uma tendência importante. Nos
momentos de lento crescimento e fraco dinamismo econômico, o maior nível de
atividade da economia era comandado pelo setor agropecuário exportador. Nos
momentos de dinamismo acentuado, o motor do desenvolvimento passava a
ser representado pelas atividades econômicas da indústria e dos serviços. É o
que se nota examinando as informações sobre a evolução do PIB global e do
PIB setorial produzidas pela Sudene. Destaques a este respeito têm sido bem
pontuados. A partir dos anos 70, produtos agrícolas tradicionais – como o
algodão, a mamona, a mandioca e o sisal – tiveram suas áreas de cultivo
reduzidas, 6 expandindo-se as áreas ocupadas com lavouras estimuladas por
mercados mais favoráveis, a exemplo da cana-de-açúcar, do arroz, do cacau,
do feijão, da laranja e do milho. Também é possível observar o peso crescente
de lavouras não tradicionais na produção agrícola regional, como as ligadas à
6
Sem lugar a dúvidas, a perda de peso da agricultura mais tradicional foi maior por causa das
secas em áreas do semi-árido, onde a desorganização das estruturas produtivas ligadas ao
complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares não ensejou sua substituição por outras
atividades agrícolas. No meio século em discussão, houve quem melhorasse de vida: os ricos,
que continuaram podendo ampliar ou, pelo menos, manter seus excedentes econômicos. O
mesmo não aconteceu com os pobres do campo. Dentre esses, melhoraram um pouco parcelas
mais capacitadas dos que migraram para as cidades, na linha do que foi demonstrado, em fins
dos anos de 1970, por Martine & Peliano (1978). Esses autores trataram com propriedade do
processo de inserção das populações migrantes e não-migrantes nas (nove) regiões
metropolitanas brasileiras, existentes em 1978, pondo em evidência a “sobrevivência” dos mais
fortes, expressa por fatores como idade, educação – e, no limite, capacitação –, assim como o
maior nível de desenvolvimento da metrópole de destino. Os que permaneceram no campo, em
particular no semi-árido nordestino pioraram de vida ou continuaram na mesma situação de
pobreza. Esses contingentes passaram a ser afetados em número quase sempre crescentes
pelas secas havidas nos anos do meio século passado, como se vê pelo número de
trabalhadores alistados nas frentes de emergência (de serviço ou de trabalho) dos anos a
seguir especificados: 1958 (550 mil trabalhadores), 1970 (499,5 mil), 1979 (432,1 mil), 1980
(711,8 mil), 1981 (1.168,7 mil), 1982 (746,8 mil), 1983 (2.763,9 mil), 1993 (1942,9 mil) e 1998
(1.000 mil trabalhadores). Também tem sido crescente o número de municípios afetados, assim
como o número de pessoas atingidas, residentes nesses municípios. As secas passaram a “não
respeitar” nem mesmo as cidades da hinterlândia semi-árida. Cf. dados levantados pelo autor.
(Carvalho, 1998).

7
fruticultura, em decorrência do alto valor de mercado que possuem. Foi o que
aconteceu em áreas dos vales úmidos (como o Vale do São Francisco, em
vários estados; o Vale do Açu, no Rio Grande do Norte; e o Vale do Jaguaribe,
no Ceará), com lavouras frutíferas como a uva, o melão, a manga e a melancia,
e em manchas favoráveis do Agreste (com o tomate, o café e a soja). Ora, em
1970, esses produtos contribuíam com apenas 3% do valor da produção
agrícola do Nordeste, elevando-se dita participação para 13,5% no final dos
anos oitenta. (Araújo, 2000: 206-207.)

No geral, houve várias mudanças com a economia do Nordeste, no


contexto da economia brasileira, na segunda metade do século XX. Os estudos
a este respeito indicam que a economia nordestina naquele meio século evoluiu
(quase que) pari passu ao desempenho da economia brasileira. Essa tendência
mostrou-se mais concreta para os anos posteriores a 1960. Sabe-se disso
porque foi possível contar para aqueles anos com uma mais ampla base de
dados comparáveis, entre o PIB do Nordeste e o PIB do Brasil. É provável que o
mesmo não tenha ocorrido em relação à década de 1950, quando a economia
nordestina ainda não havia sido atrelada de forma mais ampla à economia
brasileira, segundo a lógica (da acumulação capitalista) que integrou a
economia do Nordeste ao mercado nacional, na linha solidamente construída
por Wilson Cano. Para não esquecer, é importante reproduzir o que diz o
professor da Unicamp sobre o processo de integração das economias regionais
periféricas ao mercado nacional, comandado por São Paulo:

“Em que pese o fato de certos países do centro dominante, nos primórdios do
desenvolvimento capitalista, terem efetuado parte de sua acumulação primitiva às custas do
mundo colonial, não foi esse o ‘caso paulista’. Certamente não às custas do excedente do Piauí,
Minas Gerais ou do Rio de Janeiro, é que se implantou a moderna indústria paulista.”

Durante a década de 1920 essa dinâmica economia paulista fez acentuar a


concentração e a modernização da indústria produtora de bens-salário. A partir daí, e mais
precisamente após a recuperação da ‘Crise de 1929’, lançou a semente da futura indústria
produtora de bens de produção, que se consolidaria durante a década de 1950. A amplitude de
seu próprio mercado proporcionou-lhe atração e posterior concentração da indústria de bens de
consumo durável e de capital. Quando isto se dá, a economia paulista já havia consolidado seu
predomínio na dinâmica de acumulação à escala nacional. É a partir desse momento que se
consolidaria a integração do mercado nacional.” (Cano, 1977; e Cano, 1985: 41.)

Aquela tendência – de a economia do Nordeste ir bem quando a


economia brasileira também evoluía bem, ocorrendo o inverso quando esta
última tinha seu desempenho menos favorável – tem sido reforçada por novos
estudos. Guimarães Neto (1998) fez uma análise importante sobre a relação
entre o movimento cíclico da economia brasileira e o agravamento (ou não) das
desigualdades regionais, no período que vai de 1950 a meados de 1990. Em
sua abordagem Guimarães Neto conferiu destaque a contribuições importantes,
como as de Wilson Cano, John Redwood, Carlos Américo Pacheco e Gustavo
Maia Gomes, Carlos Osório & Ferreira Irmão, sintetizadas a seguir.

No que respeita à estruturação da industrialização brasileira, Wilson Cano


(1977) chamava atenção, nos anos 70, sobre as várias fases desse processo,

8
assim como sobre a forma tomada pela articulação entre as regiões. Realizou,
desse modo, segundo a leitura de Guimarães Neto, “uma periodização da
economia brasileira que considerava como ponto central a industrialização”.
Salientou, ademais, na perspectiva do recorte que apresentamos
anteriormente, “questões relacionadas ao caráter complementar e competitivo
das demais regiões relativamente a São Paulo e, neste contexto, os momentos
nos quais prevaleciam os efeitos inibidores, de estímulo ou destruidores”.

Para Guimarães Neto, Redwood III (1977) chegou a mostrar “que parte
importante das explicações para a concentração da atividade econômica no
território brasileiro estaria associada a momentos de expansão ou retração da
economia regional, em particular de sua indústria”. Para Redwood – que
trabalhou durante parte dos anos de 1970 no Nordeste, como professor e
pesquisador do Programa Integrado do Mestrado em Economia e Sociologia-
PIMES, da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE –, “as fases de
concentração estariam associadas a momentos caracterizados pela expansão da
economia, enquanto que as de desconcentração estariam vinculadas a
momentos de menor intensidade na atividade produtiva.” (Guimarães Neto,
1998: 316.)

Gustavo Maia Gomes, Carlos Osório & Ferreira Irmão (1985) levantaram
dois aspectos importantes sobre a questão tratada por Leonardo Guimarães.
Esses aspectos foram referidos ao ajustamento do mercado de trabalho ao
movimento da economia, em particular do que ocorreu durante a crise dos anos
80 do século passado. Destacaram, a propósito: “(i) o ‘padrão temporal de
difusão regional da crise’ e (ii) o processo de informatização das relações de
trabalho”, sendo este segundo aspecto considerado como o de maior relevância
para o desenvolvimento de crises responsáveis pela “destruição” de postos de
trabalho. (Guimarães Neto, 1998: 317.)

A percepção de Maia Gomes, Osório & Ferreira Irmão foi retomada,


posteriormente, por Maia Gomes & J. R. Vergolino (1995). Estes dois autores
mostraram que no período 1960-93 a economia nordestina apresentou melhor
desempenho do que a do Brasil, mas apenas na década de 80, “muito embora
o crescimento médio do PIB regional nos anos 70 (8,1% ao ano) tenha sido
muito bom e praticamente igual ao do PIB brasileiro (8,3%).” A situação foi
ainda menos favorável nos anos 90, embora eles tenham utilizado dados do PIB
para apenas três anos (1990 a 1993). 7 Eles reconhecem, ademais, que se
fosse utilizada uma periodização “não baseada em décadas, mas em fases
relevantes da história econômica brasileira recente” seria possível obter novas
luzes para o desempenho da economia nordestina, vis-à-vis o alcançado pela
economia brasileira. Eles chegam a destacar que a situação da economia
nordestina passou a ser desfavorável de 1987 em diante, porque os três
primeiros anos da década de 1990 foram “ainda piores do que os três últimos

7
Sabe-se agora que a taxa média de crescimento do PIB real do Nordeste foi de apenas 1% no
período 1990-99, vis-à-vis a taxa de 1,7% para o PIB real do Brasil, no mesmo período. [MI.
Sudene (2000: 320)].

9
da década de 80.” Salientam também que a taxa de crescimento do PIB da
economia do Nordeste nunca fora negativa por um período tão longo (menos
0,5% ao ano) como o de 1987-93. (Maia Gomes & Vergolino, 1995: 15.)

Talvez por não disporem de dados adequados, Maia Gomes & Vergolino
deixaram de assinalar que esse comportamento deveu-se, em grande medida, à
ocorrência do velho e conhecido problema das secas. De fato, as taxas de
crescimento do PIB do Nordeste foram negativas nos anos de 1987 (menos
1,0%), 1990 (menos 5,9%), 1992 (menos 1,5%) e 1993 (menos 1,8%),
todos eles anos de seca. Em 1991 também houve seca, mas a taxa média de
crescimento do PIB da economia do Nordeste foi de 2,4%. Deve-se, assim,
reter a evidência que não pode deixar de ser referida: a economia do Nordeste
continua vulnerável aos efeitos das secas, embora a contribuição do setor
agropecuário – historicamente o mais atingido pelos efeitos da variabilidade
climática – para a geração do PIB seja cada vez mais baixa e decrescente. Com
efeito, de uma participação de 30,5%, em 1960, o setor agropecuário do
Nordeste diminuiu sua participação no PIB total do Nordeste para 9,7%, em
1999. (MIR. Sudene, 1994.) Isto significa que a agropecuária do Nordeste, em
particular na Zona Semi-Árida e na Zona do Agreste, desorganiza-se quase que
integralmente nos anos de seca, exceção feita a algumas “ilhas de fertilidade ou
de tecnologia” encontradas em áreas das serras úmidas e nos espaços onde à
custa de grandes investimentos do setor público vem sendo possível instalar
uma agricultura moderna baseada na irrigação.

Maia Gomes & J. R. Vergolino (1995) chegaram a conclusões próximas


das obtidas por Leonardo Guimarães, sobre o que eles denominaram de
“generalização de Guimarães Neto”. Essa generalização expressava-se pela
constatação de que a economia brasileira nas fases de aceleração ou de
desaceleração aumentava ou reduzia seu crescimento de modo bem mais
intenso do que o observado na economia regional. Isso dava lugar “a uma
alternância de intensificação (nas fases de expansão acelerada) e redução das
disparidades regionais (fase de desaceleração), nesta corrida entre o Nordeste
e o conjunto da economia brasileira.” (Guimarães Neto, 1984: 18.)

Leonardo Guimarães chamava, ainda, atenção para o fato de que ele


não estava “afirmando que, quando a economia brasileira se expande, ocorre
uma desaceleração na economia regional ou que, ao se desacelerar o produto
interno do País, a economia nordestina se expande. O que as informações
indicam é que o movimento da economia brasileira e nordestina é
fundamentalmente o mesmo, sendo que o ritmo com o qual se expande o País
tem sido mais intenso que o da Região e, além disso, sua desaceleração se
traduz em taxas bem menores que no Nordeste.” Além disso, salientava “que
por conta de uma articulação e integração cada vez maior das regiões
brasileiras, (...), a configuração da evolução das regiões tende, cada vez mais,
a ser a mesma.” (Guimarães Neto, 1984: 18.)

Mesmo assim, Maia Gomes & J. R. Vergolino terminam por dizer que
“Apesar dos acontecimentos recentes não confirmarem a generalização feita

10
(em 1983, ou 1984) 8 por Guimarães Neto, permanece sendo verdadeiro,
entretanto, que as variações da taxa de crescimento nordestino têm (quase
sempre) acompanhado as que ocorrem no Brasil, no sentido de que, quando o
crescimento brasileiro se acelera, o nordestino também o faz – e vice-versa
para as desacelerações.” (Maia Gomes & J. R. Vergolino, 1995: 16-17.)

Ainda que haja “divergências”, por parte de Maia Gomes & Vergolino,
sobre a análise de Leonardo Guimarães, a concordância daqueles dois outros
autores sobre a “generalização de Guimarães Neto”, ainda que parcial, é
importante, porque aproxima compreensões de correntes distintas do
pensamento econômico nordestino, em matéria crucial ao entendimento dos
fatores que têm determinado e estruturado o processo de desenvolvimento da
Região, vis-à-vis o do País.

Também importante na revisão feita por Guimarães Neto, é a menção


aos trabalhos de Carlos Américo Pacheco (1998) que mapeou o
comportamento das economias regionais brasileiras à luz dos condicionantes de
política econômica e da dinâmica cíclica do País. Pacheco aportou considerações
importantes sobre o movimento cíclico da economia brasileira e sua relevância
para a dinâmica das economias regionais. Depois de afirmar que os anos 80 e o
início da década de 1990 marcaram “a mais longa e grave crise da história do
Brasil contemporâneo,” aquele autor assinala dois aspectos importantes sobre
os impactos dessa crise para nossas economias regionais. O primeiro destaque
refere-se ao rompimento da longa trajetória de crescimento da economia
brasileira até o final da década de 1970. Aqueles anos trouxeram à tona um
“comportamento econômico cronicamente instável.” Mas a referida fase,
embora recortada por “períodos de recessão, recuperação, estagnação do
produto, nova recessão e recuperação, apesar portanto desta pretensa
semelhança com os binômios recuperação/recessão,” não deve ser tomada
como apresentando qualquer analogia com os ciclos anteriores, pois nela não
havia “mais uma dinâmica cíclica comandada endogenamente, quer pelo setor
de consumo durável, quer pelo gasto público ou pela indústria pesada.” O
segundo destaque vai para o fato de que, em termos regionais, “o impacto
mais importante dessa trajetória errática foi romper nexos de solidariedade
inter-regionais, determinados pela montagem de estruturas produtivas
relativamente complementares e pelo baixo grau de abertura comercial”.
(Pacheco, 1998: 73-74.)

O estudo de Guimarães Neto (1998: 338) deixa claro que as economias


regionais brasileiras têm seguido a trajetória da economia nacional e da
economia regional mais importante, que é a do Sudeste em geral e a de São
Paulo, em particular. Neste sentido, ele dá relevo ao fato de as regiões
periféricas brasileiras guardarem

8
A constatação de Guimarães Neto foi publicada em 1984 e elaborada em 1983, no curso dos
estudos realizados sobre o chamado Projeto Nordeste, iniciativa concebida pela então
Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN-PR), da qual a Sudene
participou como personagem secundário, pois a execução dos estudos foi comandada mesmo
pela SEPLAN-PR.

11
“especificidades que se devem não só à divisão regional do trabalho  um grande
centro industrial e regiões com suas ‘especializações’  mas sobretudo à forma como, no
decorrer do tempo, nas distintas fases do desenvolvimento da economia nacional, vão-se
inserindo mais fortemente no movimento cíclico da economia brasileira. As regiões periféricas,
com estruturas produtivas bem menos complexas que a da região mais industrializada, podem
traçar trajetórias diferenciadas na medida que se constitui, ou fronteira onde se dá o avanço da
exploração de recursos naturais (solos para agricultura ou recursos minerais) e de suas
potencialidades, ou, ainda, em razão da localização de determinados investimentos que mesmo
de reduzido porte provoca impacto considerável sobre sua economia.” 9

Os anos que medeiam 1950 e 2000 representam um período


importantíssimo na vida do Nordeste. Nele foram ampliadas as bases
constitutivas de uma economia capitalista mais sólida, cujos fundamentos
passaram a assentar-se crescentemente em atividades urbano-industriais.
Guardadas as fortes especificidades culturais da Região (construídas ou em
construção), os avanços naquela direção resultaram dos maiores laços de
articulação e integração produtiva realizados com a economia nacional,
bancados por investimentos públicos e interesses empresariais mais modernos,
em meio a empreendimentos que apenas buscavam as “facilidades” 10
creditícias e fiscais. Sem dúvida, a economia nordestina tornou-se mais sólida,
embora menos solidária e mais heterogênea. Nesta última qualificação, ela se
tornou mais heterogênea no tocante às suas estruturas produtivas, pautando e
viabilizando a constituição de novos espaços econômicos, como os polarizados
pela indústria incentivada (junto às capitais e regiões metropolitanas), pela
agricultura de grãos, soja principalmente (no oeste da Bahia, sudoeste do
Piauí e sudeste do Maranhão), pela fruticultura irrigada (em áreas dos vales
úmidos de quase todos os estados da Região) e por alguns serviços
modernos (nesses e em outros espaços do Nordeste).

A heterogeneidade que caracteriza a economia do Nordeste pede um


complemento. Guardados os relativismos das exceções, entendo que as
percepções a este respeito não se sustentam em circunstâncias determinadas
pela natureza, particularmente quando as fragilidades são utilizadas para
produzir benefícios a favor das elites conservadoras da Região. De fato, aquela
heterogeneidade deixa, praticamente, de ser observada nos ambientes
produzidos e reproduzidos pelas secas que homogeneízam tudo. A
“homogeneidade” propiciada pelas secas é viabilizada por meio dos
mecanismos que a variabilidade climática tem ensejado, a exemplo dos que
historicamente têm caracterizado a “indústria das secas”.

Sem dúvida, o Nordeste comporta “vários nordestes”, quer se trate de


espaços naturais (Litoral-Mata, Agreste, Sertões, Áreas de Exceção – como as
serras frescas e os brejos de altitude – e Cerrados) ou de novos espaços
9
Francisco de Oliveira produziu um estudo importante sobre essa articulação: “A metamorfose
da arribaçã; fundo público e regulação autoritária na expansão econômica do Nordeste”.
(Oliveira, 1990.) Cláudio Egler retomou a matéria em sua tese de doutoramento sobre a crise e
a questão regional (Egler, 1993). E Tânia Bacelar de Araújo ampliou, sobre o mesmo assunto,
aspectos centrais da economia nordestina, no contexto da economia brasileira. (Araújo, 2000.)
10
As agevolaziones, de que também se nutriram muitos empresários do Sul da Itália, sob a
coordenação da Cassa per il Mezzogiorno, nos anos 1960-90. (Carvalho, 1978.)

12
econômicos, produzidos sob o mando do capital industrial ou do capital
mercantil que (ainda) atua em função do capital industrial. É o que ocorre com
as frações de capital que entram no Nordeste pelas portas dos incentivos fiscais
e facilidades creditícias diversas, para serem aplicadas em diferentes negócios
imobiliários, mormente dos que têm feito a “beleza” dos calçadões das
principais capitais da Região, densamente enfeitados pelos “espigões” que
impedem a penetração – cidades adentro – da brisa marinha trazida pelos
ventos alísios.

No sentido da homogeneização dos efeitos daqueles problemas, não há


como esquecer o que de fato pode ser visto nos anos de seca. Nesses anos não
há diferenças notáveis entre os ambientes semi-áridos de qualquer um dos
estados do Nordeste, nem entre os pobres que neles persistem em querer
sobreviver. Nos anos de seca, as áreas dinâmicas que dão cor e parecem fazer
as diferenças dos novos espaços produzidos são penetradas pela pobreza,
tanto quanto as áreas da periferia e as “pontas-de-rua” de inúmeras cidades da
hinterlândia semi-árida, mas não apenas delas. A expansão das “pontas-de-rua”
também vem sendo observada em espaços onde não há seca, como se tem
constatado em municípios da Zona da Mata Sul de Pernambuco. Trata-se de
fenômeno correspondente ao aparecimento e aumento progressivo de bairros
periféricos, iniciado no Nordeste no princípio da década de 1960. “Essas
periferias constituem o local onde se aglomera não só, mas principalmente,
uma população de ex-moradores, muitos dos quais aposentados e também, só
que em número bem mais reduzido, de antigos pequenos proprietários.” Na
Zona da Mata de Pernambuco, vive-se hoje, “desde o início da década de 80,
uma fase de intensa expansão da pontas-de-rua, relacionada com o que
convencionamos chamar de crise dos fornecedores. Para se ter uma idéia da
importância do fenômeno, São Vicente Férrer tem, estimadamente, em suas
pontas-de-rua 1/3 da população da cidade.” (Grabois, 1999: 91.)

Os pesquisadores menos afeitos às diferenças constitutivas dos espaços


rurais do Nordeste, que se transformam (ou se desdobram) velozmente em
espaços urbanos desequipados, têm feito leituras da Região fortemente
centradas no que é indicado mais pelas estatísticas do que pela história
(passada e recente) e pela geografia (vendo e revendo os locais de ocorrência
dos problemas examinados). Esses pesquisadores chegam a ver possibilidades
onde elas não existem ou não podem ser generalizadas (quando pensam que
as soluções de baixo custo têm uma capacidade ilimitada de utilização por
todas as pessoas que têm mais necessidades do que demandas a serem
atendidas). Vêem estoques de recursos naturais capazes de aproveitamento
imediato (como os solos existentes em certas áreas do semi-árido), mas não
articulam essas possibilidades com as disponibilidades de recursos hídricos, que
são bem inferiores, comparativamente.

De fato, o semi-árido tem uma dotação de solos férteis relativamente


abundante, comparativamente aos recursos hídricos. Por exemplo, o potencial
de áreas irrigáveis no semi-árido nordestino, aí incluindo as terras do vale do São
Francisco, inseridas no Polígono das Secas, é de 4.177.500 hectares. Dessa

13
área, cerca de 1.514.000 hectares podem ser irrigados com recursos hídricos
locais, já armazenados ou por armazenar. Constata-se, assim, um déficit hídrico
de 2.663.500 hectares, cujo aproveitamento requer a transposição de águas de
outras bacias hidrográficas, como a do São Francisco. Ao longo de todo esse vale,
há um potencial de três milhões de hectares de terras irrigáveis, do ponto de vista
da disponibilidade de solos. (Sudene, 1985; MINTER. DNOS, 1983; e MME.
DNAEE, 1983: 35 e 60.)

A maior disponibilidade de solos férteis  exploráveis no semi-árido 


contribuiria muito pouco para melhorar as condições da agricultura local, se o
ambiente continuasse semi-árido, pois ali são escassas as áreas disponíveis
para irrigação, pela falta de água. Além disso, mesmo onde a irrigação pode ser
realizada, do ponto de vista da existência de solos, a disponibilidade de água
para irrigação é bem reduzida. Assim, a existência de uma maior dotação de
solos no semi-árido só constituiria vantagem se as áreas sujeitas às secas
deixassem de ser semi-áridas, passando a serem caracterizadas como dispondo
de mais água.

14
2. PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
EXPERIMENTADAS

Há uma espécie de unanimidade sobre o significado da experiência de


planejamento realizada pela Sudene. Unanimidade contida, é bem verdade. Os
que reconhecem sua contribuição não carregam nas tintas do reconhecimento.
E os que lhe creditam menos valor não se dão conta do sentimento de perda de
que ainda poderão ser possuídos quando enxergarem a importância daquele
legado. Destaco, neste sentido, o que me parece essencial em relação aos
aspectos que se seguem:

i. Planejamento como Hipótese de Trabalho;


ii. Políticas do GTDN e da Sudene;
iii. Estratégias Concebidas Fora da Órbita da Sudene; e
iv. Fragilidade Institucional.

2.1 PLANEJAMENTO COMO HIPÓTESE DE TRABALHO

As mudanças positivas que o Nordeste conheceu na segunda metade do


século passado devem muito aos esforços de planejamento (global e setorial)
ali postos em prática sob a coordenação da Sudene, enquanto pensada,
estruturada e orientada por Celso Furtado. As bases da experiência da Sudene
remontam às reflexões por ele realizadas durante a época em que estudou na
França e na Inglaterra, no final dos anos 40 do século passado. Também têm
origem ainda nos trabalhos de planejamento que ele orientou ou realizou
diretamente, nos anos 50, no âmbito da Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe-CEPAL.

Wilson Cano, professor da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp,


tem destacado que uma das grandes lições dadas por Celso Furtado sobre o
Nordeste “decorre de sua competente análise econômica e ecológica da

não estava em moda. Suas conclusões  presentes em A Operação Nordeste e


economia do semi-árido, feita em época em que a degradação ambiental ainda

no documento do GTDN  foram fundamentais para a elaboração do


diagnóstico socioeconômico que faria sobre a região.” (Cano, 2000: 101.)

Em suas Memórias, Celso Furtado diz haver entrado em contato com o


planejamento quando estudou administração, lendo autores americanos. Já em
finais da primeira metade do século XX, ele viu autores americanos explicando
“que a empresa que cresce precisa de planejamento.” Pôde perceber que esta
era “uma técnica fundamental para a ação racional.” Com essa técnica, podia-
se “ter referências com respeito ao futuro, portanto, usar a imaginação para
abrir espaço.” Ele recorda que em 1948, quando de sua chegada à França, para
fazer seu doutoramento, conheceu uma extraordinária experiência: a do
“planejamento indicativo” que ali estava sendo praticada. Naquele momento,
compreendeu que “uma economia capitalista avançada só poderia se recuperar
das chagas da guerra recorrendo ao planejamento. O ‘planejamento indicativo’

15
francês consistia em mobilizar toda a sociedade para discutir os objetivos de
interesse global; depois, o financiamento era estipulado em função da sua
capacidade de endividamento externo.” (Furtado, 1999: 77-78.)

Quando os franceses diziam que o planejamento constituía um


instrumento fundamental para ajudar a eliminar as chagas da guerra, Furtado
completava dizendo que “o subdesenvolvimento era uma espécie de
devastação. Portanto, para superá-lo necessita-se de planejamento. O mercado
sozinho não pode resolver o problema. Não é capaz de mudar as estruturas, o
que é fundamental. Mas qualquer planejamento deve ser aplicado em função
do quadro político.” Ou seja, o planejamento deve ter seus objetivos
compatibilizados com os do sistema econômico em vigor – capitalista ou
socialista. (Furtado, 1999: 78.)

Foi essa lógica e essa prática que Furtado aplicou no Nordeste, no


âmbito da Sudene e, por meio desta, levou a todos os estados da Região.
Depois, em 1963, sua experiência foi aplicada em escala nacional, quando
ajudou a montar estruturas e sistemas de planejamento, durante o exercício do
cargo de Ministro Extraordinário do Planejamento, no governo João Goulart.

Várias evidências neste sentido foram destacadas por Celso Furtado no


final do século XX. Ao enunciá-las, chamava atenção para o fato crucial de o
planejamento como instrumento ordenador do processo de desenvolvimento
haver sido “dispensado” muito cedo no Nordeste. Não se imagina aqui que ele
pensasse o planejamento como reflexão e prática capaz de dar solução a todos
os problemas do subdesenvolvimento. O planejamento, para Furtado, constituía
o recurso a uma ou mais hipóteses de trabalho, sobre o que devia ser feito para
solucionar um ou mais problemas. (Furtado, 1999: 79.) 11

O Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste-


GTDN, produzido sob a inspirada concepção de Celso Furtado, constituiu a
matriz da mais bem sucedida experiência de planejamento e desenvolvimento
posta em prática nessa Região. A política de desenvolvimento a partir dali
estruturada para o Nordeste refletiu pressões variadas, tanto de natureza
política, como econômica e social. Wilson Cano destaca ter podido ampliar sua
compreensão sobre o Nordeste lendo a obra autobiográfica de Celso Furtado,
com destaque para A Fantasia Desfeita (1989). 12 (Cano, 200: 105.) Celso
Furtado continua contribuindo positivamente com todos os que querem ver

11
Daí porque a participação dos atores sociais no processo de planejamento passou a assumir
maior importância concreta, embora as experiências a este respeito ainda sejam
numericamente escassas. O planejamento no Brasil só começou a ganhar esses foros a partir
do final dos anos 80 do século XX, ainda assim de forma bastante incipiente, restrito a
iniciativas locais (municipais) conduzidas sob a inspiração de organizações partidárias como o
Partido dos Trabalhadores e algumas organizações não-governamentais, com atuação no meio
rural.
12
A Fantasia Desfeita (1989) é o segundo de um conjunto de três livros autobiográficos de
Celso Furtado. O primeiro foi A Fantasia Organizada (1985) e o terceiro Os Ares do Mundo
(1991).

16
rever o Nordeste, mostrando como afinar evidências e hipóteses de trabalho,
para que se possa compreender melhor o que acontece hoje na Região.

2.2 POLÍTICAS DO GTDN E DA SUDENE

O desenvolvimento alcançado pela economia do Nordeste na segunda


metade do século XX foi fortemente influenciado pelos estímulos concedidos pelo
Estado, nas diferentes fases de desenvolvimento por que passou a Região. A forte
presença do governo não significa ausência ou escassa participação de setores
não-governamentais. De fato, a participação do setor privado foi significativa,
ainda que pautada pela dependência das iniciativas governamentais.
Diferentemente das políticas até então executadas, a estratégia do GTDN
contemplava diretrizes e linhas de ação setoriais calcadas na efetiva mobilização
dos setores agrícola e industrial. Abrangia também diretrizes espaciais para a
solução dos problemas identificados nos macroespaços regionais, particularizando
a reorganização da economia do semi-árido.

A orientação do GTDN foi acatada em sua inteireza pelo I Plano Diretor da


Sudene. Teve seqüência no II Plano Diretor, mas começou a ser modificada no III
Plano Diretor, tendo em vista a maior subordinação da Sudene às orientações
estratégicas produzidas por Brasília.

De todo modo, a estratégia do GTDN, segundo os desdobramentos


programáticos do I e do II Planos Diretores, deu lugar ao mais bem acabado
conjunto de políticas, planos e programas de desenvolvimento até hoje
concebidos e executados no Nordeste. Isto porque ela pôde ser pautada por uma
vontade política que não chegou a ser encontrada em nenhum esforço posterior.
Não significa que aquela estratégia não tenha esbarrado em algumas limitações,
tornadas visíveis numa análise ex-post. As mais importantes referiam-se à
crença (quase) inabalável nas possibilidades de a indústria comandar e dar
sustentação ao processo de criação de um centro autônomo de expansão
manufatureira na Região. As ações decorrentes dessa diretriz tiveram que se
reorientadas. A integração do Nordeste ao mercado nacional, nos anos de 1950,
colocou em pauta exigências que levaram a indústria regional a se adaptar e, em
alguns casos, complementar a indústria nacional. Criou-se um parque industrial,
mas sem autonomia.

O mundo real também alterou uma outra constatação do diagnóstico do


GTDN, segundo a qual o desempenho da economia do Nordeste seria
inversamente proporcional ao desempenho da economia do Centro-Sul. “O
movimento de integração econômica comandado pelo processo de acumulação de
capitais do país nas últimas décadas havia atingido o Nordeste e ‘solidarizado’ sua
dinâmica econômica às tendências gerais da economia nacional, como
ressaltaram em seus estudos Oliveira (1990) e Guimarães Neto (1989). Dessa
perspectiva e nesse momento, uma das teses centrais do GTDN ficou
ultrapassada: não se verifica mais o fato de a economia do Nordeste ‘ir mal’,
enquanto o Centro-Sul ‘vai bem’. A integração produtiva articulara a dinâmica
econômica nas diversas regiões brasileiras.” (Araújo, 2000: 205.)

17
Os planos, programas e projetos de desenvolvimento concebidos não

Os programas setoriais  como os da indústria  e os programas especiais


foram sempre executados de forma a atender as demandas sociais mais efetivas.

de desenvolvimento regional promoveram o desenvolvimento de alguns


espaços importantes, mas seus resultados contribuíram para intensificar a
concentração de renda, diminuindo as possibilidades de acesso das populações
mais pobres aos benefícios do desenvolvimento.

Nos dias atuais, as estratégias de desenvolvimento do Nordeste devem


ser compreendidas e tratadas de forma positiva, segundo lógica que articule
necessidades, demandas e desejos, e signifique que “tem quem pode ou quem
muito se esforça para consegui-lo”, deixando-se de lado os ganhos
extraordinários dos “espertos”, porque o que estes possuem exige um preço
muito alto, que nós outros não queremos, não podemos, nem devemos pagar.
Por isso, adiciono aos comentários sobre o GTDN as palavras de um
“corregionano”, o também nordestino, mas paraibano, Belizário Nunes:

“Enfim, não se trata de satanizar o GTDN, nem de deificá-lo. Não existe evolução sem
tradição: trata-se de revisar os seus equívocos e fortalecer os seus avanços. (...) Trata-se de
deixar explícito (e agir em função da coisa explicitada) que o objetivo central de qualquer

processo central do capitalismo, ou da economia de mercado, se preferirem  a reprodução e a


estratégia eficaz de desenvolvimento genuíno da região passa pelo desengargalamento do

acumulação do capital. E a disparidade distributiva (uma vez que o Estado está se retirando da
arena, enquanto locus de realização do “valor agregado”) trava essa reprodução. Não se pense
aqui  que Deus nos defenda!  de algum modelo de redistribuição ad hoc, tipo tomar dos ricos
para dar aos pobres; ao contrário: no popular, seria algo como, ao longo do tempo, enriquecer
os pobres sem empobrecer os ricos. A forma de engenheirar e tornar operacional uma
estratégia desse tipo é algo que leva mais espaço do que [o utilizado aqui].” (Nunes, 1998.)

2.3 ESTRATÉGIAS CONCEBIDAS FORA DA ÓRBITA DA SUDENE

Sei que não estou deificando o GTDN ou a Sudene. Pelo que foi discutido
no item 1 anterior, dá para afirmar que as bases capitalistas da economia do
Nordeste de hoje foram construídas, em boa medida, como resultado do
esforço dos que fizeram a Sudene – quer se trate dos que a conceberam,
conduziram e sustentaram durante mais de quarenta anos, com certeza com
mais acertos do que erros. Os resultados alcançados até poderiam ter sido mais
eficazes, v. g. em termos sociais, não tivessem as formulações da
Superintendência sido tão influenciadas pela tecnocracia brasiliense. A força
desta emanava das concepções do “Projeto Brasil Grande”, formuladas pelo
Ministério do Planejamento, em suas diferentes denominações, com o reforço
do Ministério do Interior, ator coadjuvante dotado de poderosos instrumentos
de política econômica. Nos anos de 1970 e 1980, ambas as pastas pautaram
todas as iniciativas praticadas na Região, divulgando-as ou caracterizando-as,
vez por outra, como originadas do Nordeste, sob inspiração da Sudene. Quem
tiver olhos para ver verá que a paternidade da Sudene sobre as orientações
concedidas ao desenvolvimento do Nordeste mal chegou a alcançar o início dos
anos de 1970. Verá, ainda, que nas décadas de 1980 e 1990 a perda de espaço

18
institucional por parte da Superintendência caminhou de forma acelerada para
o seu limite. 13

Dentre as Superintendências de Desenvolvimento Regional com que o


Brasil passou a contar a partir dos anos de 1960, 14 sobreviviam na segunda
metade dos anos de 1990 apenas a Sudene e a Superintendência do

responsável pelas funções de desenvolvimento regional  a Secretaria


Desenvolvimento da Amazônia-Sudam. Mas o órgão de supervisão ministerial

Especial de Políticas Regionais-Sepre  não dispunha de força para


enfrentar a questão. Foi nesse quadro que o Ministério do Planejamento e
Orçamento-MPO produziu uma nova concepção para o desenvolvimento das
regiões brasileiras. Essa tarefa foi realizada, sob a coordenação do MPO, por
um consórcio de bancos e empresas de consultoria, estruturados em torno do
Consórcio Brasiliana, integrado pelas seguintes instituições: Booz Allen &
Hamilton do Brasil Consultores Ltda, Bechtel International INC e Banco ABN
AMRO S.A. Participaram ainda do estudo, na qualidade de colaboradores, a
Universidade de Brasília, a Universidade de São Carlos e a Universidade do
Mato Grosso do Sul, além de institutos de pesquisa e pesquisadores, reunindo
cerca de 100 profissionais.

O produto desse trabalho correspondeu a um amplo estudo dos


problemas e potencialidades de desenvolvimento do País, caracterizado como
Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento-ENIDs.
Dito Estudo foi utilizado como base para o planejamento estratégico do País,
tendo sido incorporado ao Plano Plurianual de Investimentos-PPA, para o
período 2000-2003. Na perspectiva do MPO, os ENIDs configuravam uma nova
concepção para o planejamento nacional, por definirem em relação ao País os
espaços privilegiados para a realização de novos investimentos, à luz de suas
vantagens competitivas.

O Estudo dos ENIDs deveria configurar também uma nova regionalização


do espaço brasileiro. Para isto, tomava por base as possibilidades de realização
de investimentos (públicos e privados) em infra-estrutura econômica, bem
como em desenvolvimento social e informação e conhecimento. Os
investimentos na categoria de desenvolvimento social e informação e
conhecimento deveriam ser realizados como contrapartida do Estado aos
investimentos em infra-estrutura, em atendimento às exigências das demandas
de integração e desenvolvimento nas áreas dos Eixos. A partir de eixos
multimodais de transporte (rodovias, ferrovias, hidrovias e vias de
telecomunicação), o Estudo definiu nove Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento. As áreas de influência desses eixos passariam a delimitar
as novas regiões, dotadas de particulares características econômicas, sociais,
ambientais e de infra-estrutura. Essas áreas (ou regiões) seriam conformadas

13
Este assunto está tratado com detalhes em Carvalho, 1994.
14
A Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste-Sudeco e a
Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul-Sudesul haviam sido extintas em 1990, no
curso do processo de desmonte da máquina de Estado posto em prática já no primeiro ano do
governo Collor de Mello.

19
pelos seguintes Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (vide
Cartograma 2.1):

i. Araguaia-Tocantins;

ii. Arco Norte;

iii. Madeira-Amazonas;

iv. Oeste;

v. Rede Sudeste;

vi. São Francisco;

vii. Sudoeste;

viii. Sul; e

ix. Transnordestino.

No plano das idéias, o estudo dos eixos pautou-se pelas concepções


estratégicas definidas por Eliezer Batista da Silva, presidente, durante muitos
anos, da Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, a segunda mais importante
estatal brasileira, depois da Petrobrás. As concepções de Eliezer Batista foram
tratadas em seu livro Infra-Estrutura para Desenvolvimento Sustentado
e Integração da América do Sul. Nesse livro era abordada a necessidade de
os países da América do Sul se juntarem na busca do desenvolvimento
econômico sustentado. A partir desta perspectiva, Eliezer Batista propunha um
novo caminho para o planejamento de projetos de infra-estrutura, baseado nos
princípios da eficiência e sinergia. Considerava, a respeito, três importantes
componentes da infra-estrutura física: a macrologística (que abrange toda a
rede de coleta, estocagem, transporte, manuseio e distribuição de bens,
inclusive rodovias, ferrovias e rotas de navegação); as telecomunicações de
longa distância (que envolviam o desenvolvimento de uma rede que
abrangesse todo o continente); e a adequada geração e distribuição de
energia (compreendendo a utilização sustentável das fontes convencionais e
não-convencionais). (Silva, 1997: 10-12.)

A visão de Eliezer Batista, na percepção da profª. Maria da Conceição


Tavares, é construída a partir de uma indagação fundamental: “o que existe de
capacidade produtiva no país que se encontre desaproveitada e cuja utilização
seria mais barata que o seu sucateamento”. Considera também, no contexto
das experiências asiáticas e européias bem-sucedidas que “o caminho da
inserção internacional não é oposto ao da integração produtiva nacional. Pelo
contrário, essa última é a base de sustentação que deve produzir sinergias
suficientes para nos lançarmos ao novo tipo de concorrência internacional.”
(Tavares, 1999: 90.)

20
Na prática, o governo federal pretendia substituir as cinco macrorregiões
conhecidas (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) pelo conceito das
regiões representadas pelos nove eixos mencionados. Nesta perspectiva,
pretendia constituir “uma nova geografia do País, a partir dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento, idealizada para orientar o setor
público e o setor privado na alocação dos investimentos produtivos, sociais,
ambientais e de informação e conhecimento. O novo mapa permite projetar,
num horizonte de dez anos, uma distribuição espacial mais eqüitativa dos
benefícios do crescimento econômico. Permite, igualmente, fortalecer a noção
de um mercado interno revigorado, com economias regionais dinâmicas e
complementares, e de uma competitividade sistêmica que prepare o País para
as ameaças e oportunidades de uma economia globalizada.” (MPO, 1999: 4-5.)

Na época, a concepção dos eixos parecia ser a de tentar alterar o quadro


das desigualdades inter-regionais, desmontando-se a estrutura das cinco
macrorregiões. Em lugar das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e
Sul seriam criadas nove regiões novas, concebidas e delimitadas a partir de
elementos dinâmicos também dados como novos, antes diluídos no interior das

regiões  expressas por aqueles nove Eixos – apresentariam, de início, perfis


cinco grandes macrorregiões. Pautadas por esses novos elementos, as nove

presença menos intensa de desigualdades  econômicas e sociais  no País,


econômicos mais equilibrados, que poderiam prestar-se para demonstrar a

como as identificadas em macrorregiões como o Nordeste. Ou seja, a maneira


como as “nove regiões” dos ENIDs foram configuradas ensejava a possibilidade
de deslocar os centros dos problemas das macrorregiões. Como o Nordeste
teve o seu território incluído em três Eixos – o Transnordestino, o do São
Francisco e o Araguaia-Tocantins, que encobre quase integralmente o Estado
do Maranhão –, os problemas dessa macrorregião passariam a diluir-se no
contexto das três novas regiões.

A proposta incluída no PPA flexibilizou aquela concepção, pelo menos


formalmente. Os nove eixos foram ali incluídos fazendo parte das cinco grandes
regiões da seguinte forma:

i. Eixos da Amazônia (Arco Norte e Madeira – Amazonas);

ii. Eixos do Nordeste (Transnordestino e São Francisco);

iii. Eixo do Sudeste (Rede Sudeste);

iv. Eixos do Sul (Sudoeste e Sul); e

v. Eixos do Centro-Oeste (Araguaia – Tocantins e Oeste). (Brasil.


DCN, 1999: 36-89.)

Com a nova geografia dos Eixos, o governo talvez tenha pretendido


inverter um pouco o quadro das desigualdades antes conhecidas. A concepção
das regiões dos Eixos envolve outros problemas. Os investimentos neles

21
previstos foram orientados, fundamentalmente, para a expansão da economia
das regiões dotadas de maior potencial. Praticamente, não havia investimentos
previstos para as regiões carentes, agora diluídas nas “novas nove regiões”.

Registre-se, ademais, que dentre as ações governamentais integrantes


da programação dos ENIDs há programas novos e programas em
andamento, como os incluídos no rol das iniciativas do “Programa Avança
Brasil”. Tomando o caso específico do Nordeste, pode-se verificar que tais
ações ainda não chegaram a representar mudanças de peso nessa Região. Por
conta do contingenciamento parcial de recursos orçamentários, alguns
“programas em andamento” têm caminhado a passos lentos. Fez-se pouco (ou
quase nada) em relação à “Hidrovia do São Francisco”. Os avanços observados
em relação ao “Programa de Irrigação” restringiram-se praticamente a estudos,
como os relacionados à instituição do “Novo Modelo de Irrigação”. 15 O “Pró-
Água” também está em andamento, mas carece de recursos para investimento.

A estratégia dos Eixos tende a representar um retrocesso em matéria de


planejamento, considerando a explicitação das demandas e possibilidades da
sociedade nordestina. A concepção e o comando das ações caracterizadas como
de desenvolvimento regional estão hoje, novamente, centralizadas em Brasília,
agora no âmbito do Ministério do Orçamento e Gestão e de alguns outros
ministérios, como o do Meio Ambiente – para programas como o “Pró-Água” – e
o Ministério da Integração Nacional – para outros programas de infra-estrutura
hídrica. 16 O “Novo Modelo de Irrigação”, além disso, está sendo conduzido sob
a responsabilidade do Banco do Nordeste, hoje vinculado ao Ministério da
Fazenda. Em outras palavras, as ações no campo do desenvolvimento regional
voltaram a ser conduzidas de modo fortemente centralizado, a partir de Brasília.

2.4 FRAGILIDADE INSTITUCIONAL

O quadro institucional do Nordeste hoje é dramático, provavelmente,


muito mais preocupante do que o existente em 1959, quando da criação da
Sudene. De fato, os problemas de acesso aos benefícios sociais no Nordeste
foram ampliados com a crise financeira do Estado, da qual constitui indicador
efetivo a redução da capacidade de investimento do setor público, como vem-se
observando desde o início dos anos de 1980. Essa crise foi levada ao seu limite no
segundo semestre de 1988, quando foi posto em prática um amplo e vigoroso
processo de “desmonte” do aparelho de Estado brasileiro. Como resultado desse
processo, as principais instituições de desenvolvimento regional e sub-regional no
Nordeste ou foram extintas ou perderam espaço de atuação.

15
Os estudos do “Novo Modelo de Irrigação” estão consolidados em quatro volumes,
elaborados pelo Banco do Nordeste. (França, 2000.)
16
A Sudene não chegou praticamente a participar desses programas, assim como o DNOCS e a
Codevasf, pelas razões alinhadas no item 2.4.

22
Cartograma 2.1

Áreas de Influência dos Eixos Nacionais


Legenda
de Integração e Desenvolvimento (ENIDs)
% Capital Federal

! Capitais Estaduais
!

!
Unidade da federação
!

!
!
!

!
!
Areas de Influencia
!

!
! Arco Norte
! !
!
Madeira-Amazonas
!

Araguaia-Tocantins
!

Oeste
!
%
!
Transnordestino

São Francisco
!
!
!
Rótula

!
! Sudoeste

! Sul

!
km
!
0 300 600

Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000


Relatórios do Consórcio Brasiliana

23
A Sudene foi sendo empurrada para o caminho do ostracismo forçado, com
perda crescente de sua capacidade de articular interesses. Terminou por ser
extinta pela Medida Provisória nº 2.145, de 02 de maio de 2001, sob o argumento

seu lugar uma Agência de Desenvolvimento do Nordeste  a ser denominada de


de que os interesses do Nordeste estariam mais bem defendidos colocando-se em

Adene.

O Banco do Nordeste passou a funcionar segundo os interesses mais


específicos das instituições de crédito em geral, sendo transferido da esfera do
ministério encarregado dos assuntos de desenvolvimento regional para a órbita
do Ministério da Fazenda. O DNOCS não conseguiu evitar o processo de
obsolescência a que vinha sendo submetido, 17 perdendo capacidade de planejar
e investir em projetos de captação, armazenamento e distribuição de água, bem
como em projetos de irrigação. Restou a Codevasf, que, embora tenha perdido
capacidade de investimento, pela redução ou contingenciamento de seus
orçamentos, também vive hoje o limbo das indefinições, mesmo tendo a seu
favor a decisão governamental que ampliou sua área de atuação para o Vale do
Parnaíba. Pode sair fortalecida da situação em que se encontra se souber
estruturar-se de forma a ampliar sua base de recursos financeiros e humanos,
ampliando o escopo de seus trabalhos nas áreas do planejamento do
desenvolvimento sustentável, nas perspectivas regional, sub-regional e local.

O Nordeste conta com outra instituição importante: a Fundação Joaquim


Nabuco-Fundaj. Com sua área de atuação abrangendo as Regiões Nordeste e
Norte, a Fundaj não foi até hoje envolvida nas tarefas de estudar e pesquisar
os diferentes temas da dimensão sociocultural do Nordeste, em articulação
permanente com as instituições de desenvolvimento regional, que atuam nesse
domínio, de forma mais ortodoxa: Sudene, Banco do Nordeste, DNOCS e
Codevasf. O envolvimento articulado da Fundaj com estas entidades contribuiria
para dar maior visibilidade aos esforços de desenvolvimento da Região, sem
perda de sua identidade.

Este sumário percurso sobre a evolução do Estado no Nordeste pode


indicar que não estamos vivendo, necessariamente, um processo de diminuição
do tamanho do Estado na Região (ou no Brasil), mas sua adaptação aos
interesses mais específicos do capitalismo, em tempos de globalização

17
O DNOCS foi extinto pela Medida Provisória n° 1.795, de 1° de janeiro de 1999. Essa MP
tratou de alterações na Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização
da Presidência da República e dos Ministérios. Na referida MP, o art. 19 da lei incluiu, no inciso
XIII, a extinção do DNOCS. Essa situação perdurou por quatro meses, constando da reedição
das MPs de n°s 1.795-1, 1799-2, 1799-3 e 1799-4. Na reedição de 13 de maio de 1999, a MP
n° 1799-5 retirou a extinção do DNOCS. Dessa reedição até 31 de agosto de 2001, data de sua
última reedição (com o n° 2.216-37), a MP foi reeditada 37 vezes, ao longo das quais o DNOCS
se manteve fora da extinção. Essa é a reedição que está valendo para o DNOCS. A manutenção
do DNOCS pelo processo de reedição sucessiva da MP n° 1.795, de 1° de janeiro de 1999,
constitui o resultado da pressão exercida pelas lideranças políticas do Nordeste (integrantes de
todos os partidos políticos). A expectativa dos grupos que defendem o DNOCS consiste, agora,
em aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Conversão de Lei que reestrutura aquele
Departamento.

24
acelerada. Na realidade, a reforma do Estado, praticada no Brasil (e no
Nordeste), de meados dos anos de 1980 para cá, não teve propósito nem
compromisso com a redução das desigualdades regionais. Ao contrário, foi
conduzida de forma a defender e apoiar processo de acumulação de capital que
atendesse melhor aos interesses dos grandes blocos de capital, nacionais e
externos. As privatizações das empresas estatais brasileiras, realizadas no País
a partir dos anos de 1990, constituem exemplo eloqüente da defesa dos
interesses maiores de grupos privados e estatais de outros países, por parte do
governo brasileiro.

Não se espere, pois, que eventuais tentativas de fortalecimento da


máquina do Estado no Brasil, nas condições atuais de conjugação das forças
econômicas e políticas, sejam realizadas “a favor das demandas sociais”. Tem
razão o professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, quando assim se manifesta
sobre a ressurreição do Estado: “As transformações ocorridas nas últimas
décadas não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas
almejam aumentar sua eficiência como agente da acumulação capitalista, em
detrimento do seu papel ‘social.’” (Belluzzo, 2001: 14-15.)

25
3. PROBLEMAS PERSISTENTES E EMERGÊNCIA DE NOVOS

Alguns dos indicadores de desenvolvimento comentados anteriormente


mostram que o Nordeste beneficiou-se de um considerável processo de
crescimento na segunda metade do século XX. Foi mostrado, apesar disso, que
continua expressivo o número de pessoas que vivem em condições de extrema
pobreza, dado o seu limitado acesso aos serviços de saúde e saneamento e
educação, sem falar no acesso quase nulo aos serviços culturais e à justiça.

As elites dirigentes do período pós-1964 afirmavam, sempre que instadas


pela imprensa a se manifestar em relação aos problemas do Nordeste, que
muita coisa tinha sido feita, porém muito mais havia por realizar. Verdade
relativa, sem dúvida, porque o hiato entre o que era feito e o que restava por
fazer era grande. Como diria mais de 30 anos depois um observador bem
afinado com a dinâmica dos negócios empresariais “O Brasil mudou e o
Nordeste também. A região industrializou-se, mas, com exceção de certos
setores, como a petroquímica, não se observa muito dinamismo: nos últimos
doze meses, enquanto a indústria nacional cresceu 6%, a nordestina avançou
2,3%. E a região ainda precisa importar para dar de comer a seus 47,6 milhões
de habitantes.” (Kleber, 2001: A-3.)

O Nordeste continua, pois, a enfrentar muitos problemas. Quer-se, neste


sentido, apontar para aqueles de maior gravidade, para tentar construir uma
ponte para a explicitação de algumas alternativas de solução, como os
relacionados aos seguintes tópicos:

i. O Planejamento em Segundo Plano;

ii. Secas Continuadas;

iii. Mudanças nos Quadros Demográficos;

iv. Espaços Beneficiados pelo Crescimento Econômico no Nordeste; e

v. Água mais Difícil.

3.1 O PLANEJAMENTO EM SEGUNDO PLANO

Vários dos problemas com que se defrontava a sociedade nordestina nos


anos de 1950 continuam afligindo os que vivem na Região. A síntese feita por
Celso Furtado para o Presidente Juscelino Kubitschek, no Palácio do Catete, em
1958, durante encontro do qual participaram vários nordestinos, continua
adequada ao momento atual. Num dado momento daquela reunião, o
Presidente da República indagou quem poderia escrever um documento que
orientasse a realização de ações realmente novas em benefício do Nordeste.

26
Cleantho de Paiva Leite, um dos nordestinos presentes à reunião, disse para o
Presidente que Celso Furtado era a pessoa certa para realizar aquele trabalho.

“O problema do Nordeste é social, não é econômico”, disse Celso Furtado. “Tem muita
gente rica no Nordeste. Há muito dinheiro na Região e se tira muito dinheiro de lá. O problema
é social, com muita gente passando fome e uma produção de alimentos insuficiente. Além
disso, é preciso pensar em outros problemas vitais, que são o abastecimento de água, a
habitação e educação básica. É preciso reconstruir o Nordeste. Juscelino me olhou e disse: ‘Mas
de onde você saiu com essas idéias? Por que não me disse isso antes? Perdemos muito tempo.’
Expliquei a ele que estava vivendo no estrangeiro, e então ele concluiu: ‘Você tem vinte dias
18
para botar tudo isso no papel. Vamos fazer um plano de desenvolvimento para o Nordeste’”

As iniciativas derivadas do plano de desenvolvimento cobrado pelo


Presidente Kubitschek foram materializadas no documento do GTDN (Uma
Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste), com base no
qual foram estruturados os quatro Planos Diretores de Desenvolvimento
Econômico e Social para o Nordeste, concebidos pela Sudene, todos eles
aprovados por lei federal. As ações ali contidas não foram, entretanto,
suficientes para solucionar os problemas identificados naqueles documentos.
Primeiro, porque as orientações dos Planos Diretores mudaram de rumo, com
as diretrizes políticas praticadas pelos sucessivos governos vigentes no País, de
1964 a 1984, como resultado das políticas nacionais concebidas à luz do
chamado binômio “segurança e desenvolvimento”, executadas após o Golpe
Militar de 1964.

Além disso, os programas e projetos que estruturaram os quatro Planos


Diretores apresentavam uma diferença notável em relação aos planos e
programas de desenvolvimento que ocuparam seus lugares. Com a instituição
do Sistema de Planejamento Federal em 1969, os planos e programas então
concebidos para o desenvolvimento do Nordeste não foram mais aprovados por
leis específicas. Até mesmo o IV Plano Diretor, aprovado por lei, para vigorar no
período 1969-73, transformou-se em mero documento de referência temporal.
Seu lugar foi ocupado em 1971/72 pelo Plano de Desenvolvimento do
Nordeste (1972-74), preparado pela Sudene, consoante as orientações
estabelecidas no Metas e Bases para a Ação de Governo, depois
transformadas em I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com
vigência no período 1972-74. A Sudene prepararia, na seqüência, Programas de
Desenvolvimento para os períodos de vigência do II PND (1975-79) e do III
PND (1980-85). Embora não aprovados por lei e fossem considerados como
uma espécie de anexos dos PNDs, os Planos e Programas para o Nordeste
tiveram o mérito de manter orientações gerais e específicas para o
desenvolvimento da Região, ainda que pautadas prioritariamente por objetivos
e interesses nacionais.

18
Palavras proferidas por Celso Furtado durante as homenagens que lhe foram prestadas, no
dia 10 de junho de 2000, em João Pessoa, na Paraíba, por ocasião dos seus 80 anos de idade.
In: Seminário Internacional “Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste”. Recife, Sudene,
2000, p. 352.

27
No primeiro ano do chamado período de redemocratização das
instituições do País (1985), foi elaborado o I Plano Nacional de
Desenvolvimento da Nova República, com vigência para o período 1986-
89. No contexto desse Plano, a Sudene elaborou “Uma Política de
Desenvolvimento para o Nordeste”, que constituiu a primeira etapa do I Plano
de Desenvolvimento do Nordeste na Nova República (I PND-NR), cuja
vigência compreendia o mesmo período do I Plano Nacional de
Desenvolvimento da Nova República. A formulação do documento Uma
Política de Desenvolvimento para o Nordeste apresentou duas novidades
em relação aos planos formulados a partir de 1970/71. A primeira dizia respeito
ao fato de sua formulação ter envolvido uma ampla mobilização de importantes
segmentos sociais do Nordeste (governos e representantes de órgãos da

do Congresso Nacional  a Lei nº 7.499/86. Essas características expressavam


sociedade civil). Em segundo lugar, o documento chegou a ser aprovado por lei

os avanços sociais à época possibilitados pelo processo de abertura política


inaugurado com a campanha das “diretas já”, que estruturaram o período de
governo da chamada “Nova República”.

A operacionalização desse último documento foi concretizada com a


elaboração do Plano Trienal de Desenvolvimento do Nordeste, a ter
vigência no período 1988-90. Embora aprovado pelo Conselho Deliberativo da
Sudene, esse Plano teve sua execução submetida aos mesmos percalços dos
Planos anteriores. Dos recursos financeiros nele previstos ficaram efetivos
apenas aqueles que incluídos no orçamento da Sudene foram, posteriormente,
inseridos no Orçamento da União, com o beneplácito do Ministério do Interior e
da Secretaria de Planejamento da Presidência da República.

Nos anos da década de 1990, a Sudene viu-se perdendo força e prestígio


em relação às tarefas de planejamento e coordenação. A instituição até podia
formular planos e programas, mas sua aceitação no contexto dos Planos
Nacionais ia sendo cada vez menor. Essa situação culminou com seu
afastamento da coordenação de Programas Especiais importantes, como o
Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do Nordeste-PAPP. A

chegou a preparar um plano para a Região  o Plano de Ação


instituição foi deixando de ser mobilizada para essas tarefas. Em 1993, ainda

Governamental no Nordeste  PAG/Nordeste , em atendimento a uma


solicitação do Presidente Itamar Franco, concentrando atenção em dois
programas básicos: o de Transformação do Semi-Árido e o de Combate à
Pobreza. As dificuldades políticas do período foram, porém, muito fortes,
contribuindo para que o Plano não passasse de uma versão preliminar, que
chegou a circular em caráter restrito em agosto de 1993. (MIR. Sudene, 1993.)
Em 1997, o quadro tornou-se mais grave. A Secretaria Especial de Políticas
Regionais-Sepre chegou a preparar e publicar uma Estratégia e Prioridades
para o Desenvolvimento do Nordeste, praticamente sem o concurso da
Sudene. (Brasil. MPO. Sepre, 1997.)
No segundo semestre de 1999, por demanda do Ministério da Integração
Nacional, que substituíra a Sepre, a Sudene foi chamada a preparar um novo
Plano de Desenvolvimento para o Nordeste. A tarefa não chegou a ser

28
concluída, embora a Sudene tivesse chegar a produzir documentos específicos,
em duas ou três versões.

A descontinuidade constituiu, portanto, a marca característica da


execução dos Planos de Desenvolvimento postos em prática no Nordeste, a
partir de 1964. Talvez convenha dizer que as exceções terminaram por
corresponder ao que foi programado e realizado na vigência do I e do II
Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste,
quando a Sudene ainda não havia sido transformada em instituição apenas
tolerada pela burocracia de Brasília. De 1964 em diante, a Sudene passou a
funcionar mais como repassadora de recursos dos incentivos do que como
instituição capacitada a orientar o Projeto de Desenvolvimento imaginado pelas
forças sociais que trabalharam por sua criação no final da década de 1950.

A agonia da Sudene terminou no dia 02 de maio de 2001. Naquele dia, o


Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou ato extinguindo a
Superintendência, sob o silêncio dos parlamentares e dos governadores do

Desenvolvimento do Nordeste  a Adene, pensada para funcionar na linha das


Nordeste. No ato de extinção estava prevista a criação de uma Agência de

proposições que vinham sendo feitas pelo então ministro da Integração


Nacional, Fernando Bezerra, do PMDB do Rio Grande do Norte.

A Sudene foi extinta como se suas funções já não atendessem aos


interesses do Nordeste. No ato do Presidente da República, a extinção foi
justificada sob o argumento de que aquela Superintendência constituía uma
“reprodução do Brasil arcaico”. Argüia-se que a Sudene se transformara em
uma instituição clientelista e corporativa, que abrira espaço para a corrupção.
Os argumentos poderiam ser parcialmente verdadeiros, mas o procedimento
era totalmente inadequado. Como foi salientado pela imprensa do Nordeste,
“Estas duas adjetivações são muito vagas e podem ser aplicadas a grande parte
dos órgãos do governo. O clientelismo e o corporativismo não são vícios
intrínsecos das regiões pobres, mas resultado da ausência de planejamento e
das indispensáveis auditagens que deveriam existir em órgãos governamentais,
todos sujeitos ao clientelismo, inclusive os ministérios. Cabe aqui repetir a
afirmação de que o Brasil não é um país intrínseca e inelutavelmente corrupto,
mas mal auditado.” (O Povo, 2001: A-6.) Com efeito, se as instituições atuam
mal, que sejam melhorados os processos de auditagem, para punir os culpados
pela má gestão da “coisa pública”, em lugar da simples determinação de sua
extinção. Fechar uma instituição como a Sudene ou o DNOCS, sem punição
para os culpados por seus desempenhos ineficientes representa um desserviço
para a população das áreas por elas atendidas. No Brasil tem sido assim:
punem-se as instituições, fechando-as, em lugar de penalizar os maus
administradores.

As experiências de planejamento em curso no Nordeste, a exemplo das


estruturadas no contexto do Projeto Áridas (Magalhães et alii, 1993; e
Magalhães, 1994), fornecem subsídios importantes para a retomada do
planejamento na Região. Embora as expectativas nem sempre sejam muito

29
favoráveis, há convergência quanto à estruturação de novos sistemas de
planejamento. Como diz o professor Paulo Haddad:

“Se houver condições político-institucionais para a reestruturação de sistemas de


planejamento em escala subnacional no Brasil, será indispensável que o estilo e o conteúdo
deste novo sistema de planejamento sejam bastante diversos dos que prevaleceram na década
de 70. O novo sistema de planejamento deverá ser mais descentralizado; contar com maior
participação privada e intensa mobilização comunitária: favorecer a introdução das novas
técnicas de gestão da organização privada na administração pública; ser menos economicista e
mais político-institucional; incorporar os conceitos de sustentabilidade ambiental, eqüidade
social e endogenia na concepção e na implementação de suas políticas, programas e projetos
de desenvolvimento.” (Haddad, 1996: 146.)

Além das inovações conceituais, explicitadas no planejamento com


sustentabilidade, referidas por Paulo Haddad e tratadas nos estudos do Projeto
Áridas, a retomada do planejamento regional envolve desafios importantes,
como os levantados por Leonardo Guimarães Neto (1996: 1171-172). Para ele,
o primeiro desafio está relacionado “à inserção do Brasil no processo de
globalização da economia mundial, que tende a se expressar, sobretudo, numa
abertura econômica e na intensificação da competição.” O segundo desafio, que
pode sobrecarregar o primeiro, refere-se à “postura política, hoje hegemônica
no governo e nos meios de comunicação, de considerar o mercado como
mecanismo único e soberano na alocação de recursos e na definição das
relações entre os agentes econômicos.” O terceiro desafio tem a ver com o
processo de reconcentração espacial, já identificado e trabalhado por vários
profissionais da área. Guimarães Neto destaca no particular as contribuições de
Diniz (1995) e Cano (1995).

Em princípio, Leonardo Guimarães concorda com a orientação delineada


por Haddad, v. g., no que se refere ao caráter participativo do processo de
planejamento, que, aliás, vem integrando as experiências mais recentes de
planejamento no Nordeste, da qual constitui exemplo particular a que foi
estruturada para a Região do Seridó do Rio Grande do Norte.

3.2 (DES)ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO SEMI-ÁRIDO

Na segunda metade do século XX, o número de anos de seca foi quatro


vezes superior ao número observado na primeira metade do século. De 1900 a
1950, houve secas nos anos de 1900, 1903, 1915, 1919, 1932 e 1942. De 1951
a 2000, foram de seca os anos de 1951-53 (três anos), 1958, 1966, 1970,
1976, 1979-83 (cinco anos), 1987, 1990-93 (quatro anos), 1998-99 (dois anos)
e 2000, totalizando vinte anos. 19

No final dos anos de 1940, Guimarães Duque já chamava atenção para


os métodos e processos de trabalho que deveriam ser praticados nas áreas
semi-áridas do Nordeste:

19
Veja-se, a respeito, os trabalhos de Alves, 1953; Souza Brasil Sobrinho, 1958; Rebouças, &
Marinho, 1970; Carvalho, 1973; Brasil. Sudene, 1981; Carvalho, 1988; Cavalcanti, 1988;
Carvalho, Coord., Egler & Mattos, 1994; e Maia Gomes, 2000).

30
“A seca tem de ser vencida com o trabalho metodizado, perseverante, paciente e
científico da população, porque não adianta os técnicos construírem obras hidráulicas na frente
e os habitantes continuarem a devastação atrás. Seria construir com as mãos e desmanchar
com os pés. A açudagem e a devastação são duas obras antagônicas, uma que cria e outra que
destrói, uma intensiva e outra extensiva, uma lenta, outra rápida. Não é interessante fincar
açudes em cada grota se o povo vem atrás metendo o machado na vegetação nativa, protetora
do solo e da vida. Um deserto açudado baniria o habitante. Não basta a açudagem, não é
suficiente irrigar, é preciso ir além, ir mais fundo na questão, e educar o homem para salvar
este restinho de vegetação, de cobertura verde, que mantém a vida aqui, que é a artilharia de
grosso calibre para impedir a invasão do deserto.” (Duque, 1949.)

Suas recomendações não foram devidamente consideradas nos


programas de fomento e pesquisa postos em prática na segunda metade do
século XX. As ações destinadas a promover o desenvolvimento passaram por
vários momentos de descontinuidade. Por isso, as secas continuaram atuando
como uma das principais causas de pobreza, extrapolação dos movimentos
migratórios e concentração populacional nas cidades de todos os portes
existentes no semi-árido. Isto ocorre pela redução, frustração ou ausência de
safras agrícolas e perda de rebanhos, bem como pela diminuição do nível de
atividades econômicas nos setores não-agrícolas. Neste sentido, as secas
contribuem para a redução ou ausência de renda nas áreas por elas afetadas.

O maior número de secas na segunda metade do século XX também teve


origem climática. Mas outros fatores contribuíram para transformar anos de
chuvas apenas regulares em anos de seca, como os resultantes da
desorganização das atividades do complexo pecuária-algodão-lavouras
alimentares e da introdução da praga do bicudo nas áreas de lavoura
algodoeira.

Os fazendeiros e trabalhadores residentes no semi-árido, dedicados ao


cultivo do algodão, na passagem dos anos 70 para os anos 80 do século passado,
foram submetidos a fortes mudanças em suas atividades. Há 20 anos atrás,
aquelas categorias de produtos ainda se vinculavam às atividades daquele
complexo, sustentadas por uma lógica caracterizada:

i. pelo interesse dos donos de terra em manterem a força de trabalho


de que necessitavam para garantir a formação de pastagens para os seus
rebanhos;
ii. pela oferta de um pedaço de terra, por parte dos proprietários
rurais, para que nele fosse cultivada a principal lavoura comercial do semi-árido –
o algodoeiro arbóreo, também conhecido como algodão mocó (lavoura
semipermanente, com produção útil, durante cinco anos ou mais); e

iii. pela necessidade que tinham os trabalhadores de disporem de um


pedaço de terra, para dela tirar o sustento de suas famílias.

Ligados àquelas atividades, os pequenos agricultores e trabalhadores sem


terra do semi-árido se mantinham às custas da exploração de lavouras de
subsistência – milho, feijão e, em alguns locais dotados de solos mais férteis,

31
arroz e mandioca. Explorando tais atividades, eles tinham acesso a uma renda
monetária, ainda que pequena, como resultado do plantio do algodoeiro arbóreo.
E davam sustentação à pecuária, que era a principal atividade econômica dos
proprietários de terra, por meio dos pastos que formavam, nas áreas cultivadas
com o algodoeiro.

Além de questões ligadas ao mercado internacional do algodão, que


passava a ser parcialmente abastecido por produções de áreas mais competitivas,
fosse pela utilização de melhores tecnologias, fosse pela utilização de força de
trabalho mais barata, como as obtidas no Egito e no Paraguai, a lógica do
complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares foi rompida em 1983, com a
entrada do “bicudo” (Anthonomus grandis Boheman) na Região. Essa praga
agrícola – específica das malváceas em geral e do algodoeiro em particular – foi
encontrada naquele ano em Ingá, na Paraíba, e em Campinas, no Estado de São
Paulo.

A desorganização da economia do semi-árido, baseada no complexo de


atividades referido, foi fortemente ampliada durante a seca de 1979-83, por conta
do esquema de atendimento às pessoas alistadas nas “frentes de trabalho”. Essas
“frentes” funcionavam no interior das propriedades rurais. Ali, os trabalhadores
alistados recebiam uma remuneração simbólica, correspondente, em média, a
meio salário mínimo. Eles ganhavam pouco, mas também trabalhavam pouco. E
com esse pouco, eles se contentaram durante os cinco anos de duração da seca.
Um dos resultados mais evidentes foi a desestruturação das atividades do
complexo, potenciada pela ação do “bicudo”, que encontrou terreno fértil para
sua expansão. Como a produtividade média do algodoeiro arbóreo, variedade
plurianual, era muito baixa (cerca de 150 kg/ha), foi difícil adotar “esquemas de
convivência” tecnológica entre os produtores (principalmente os pequenos) e o
“bicudo”. A praga tornou-se endêmica. Com o apoio tecnológico da Embrapa
Algodão, têm sido experimentados “esquemas de convivência” nas áreas onde se
cultiva o algodoeiro herbáceo, variedade anual, de produtividade muito mais
elevada (mais de 1.000 kg/ha).

A desestruturação do complexo pecuária-algodão-lavouras


alimentares é problemática para a economia do semi-árido porque ainda não
foram criadas alternativas econômicas compatíveis, ou seja, não se introduziu
nem se identificou uma ou mais lavouras adaptáveis ao ambiente semi-árido, em
condições tecnológicas capazes de propiciar aos pequenos produtores a renda
antes oferecida pelas atividades do complexo. 20 A procura de alternativas tem
20
O antigo Centro Nacional de Pesquisa do Algodão-CNPA da Embrapa, hoje denominado
Embrapa Algodão, dispõe de um bom acervo de conhecimentos a esse respeito. O Centro
indica que há amplas possibilidades de introdução de uma nova variedade, resultante do
cruzamento do algodão herbáceo com o algodão arbóreo – a CNPA-7 MH – em áreas semi-
áridas. Essa variedade associa a resistência do algodão arbóreo aos níveis de produtividade do
herbáceo. Tem ciclo de 3 anos, características de precocidade, fibra uniforme e resistente, cujo
cumprimento mede de 32/34 mm a 34/36 mm, atendendo plenamente as exigências do
segmento industrial. As produções obtidas têm alcançado rendimentos situados entre 1.000 e
2.500 kg/ha, em campos instalados por produtores selecionados. A Embrapa Algodão
recomenda que se trabalhe com estimativas médias de 1.000 a 1.300 kg/ha. Os experimentos

32
ensejado a constituição de problemas adicionais para o semi-árido. É o caso da
violência instituída pela prática de assaltos a veículos de carga e de passageiros
nas áreas semi-áridas de todos os estados do Nordeste, complementada pelo
plantio e comercialização da maconha (Cannabis sativa Linn.) nas melhores
terras, dotadas de água, inclusive no interior de Projetos Públicos de Irrigação.
Ademais, a ausência/redução das migrações inter-regionais também tem
contribuído para aumentar o crescimento da população urbana no semi-árido.

3.3 MUDANÇAS NOS QUADROS DEMOGRÁFICOS

As cidades importantes do interior do Nordeste, além das capitais, nos


anos 50, eram pouco numerosas. Dentre elas, destacavam-se as referidas a
seguir, por estado: Jequié e Feira de Santana (Bahia); Penedo e Propriá
(Sergipe); Penedo e Arapiraca (Alagoas); Catende, Garanhuns e Caruaru
(Pernambuco); Campina Grande e Souza (Paraíba); Mossoró, Caicó, Currais
Novos e Ceará Mirim (Rio Grande do Norte); Crato, Sobral e Maranguape
(Ceará); Picos, Parnaíba e Campo Maior (Piauí); e Pedreiras (Maranhão). Suas
economias estavam vinculadas aos setores agrícola e mineral.

Além daquelas, havia algumas outras cidades importantes nas Serras


Úmidas (ou Brejos de Altitude), como Ubajara (no Ceará); Serra Negra do Norte
(no Rio Grande do Norte); Serra do Teixeira e Areia (na Paraíba); Triunfo (em
Pernambuco); Água Branca e Mata Grande, apenas parcialmente (em Alagoas);
e Lençóis (na Bahia). Sergipe não tem terras situadas em áreas de serra. A
economia dessas cidades esteve historicamente ligada à fruticultura. Elas
serviram, durante muito tempo, de refúgio para os proprietários dotados de
mais capital, que ali passavam os tempos difíceis das secas.

Naquela época, a infra-estrutura de transporte estava referida em sua


quase totalidade às estradas construídas pelo DNOCS, que executava todos
esses tipos de ações no Nordeste: açudes, poços, estradas, aeroportos e
sistemas de abastecimento de água. Até o final dos anos de 1950, os trechos
de estradas asfaltadas no Nordeste eram extremamente reduzidos em número
e em extensão. Não passavam de muito mais de 100 a 150 km em cada um
dos Estados. Os viajantes vibravam de satisfação quando chegavam aos trechos
asfaltados que antecipava a entrada nas capitais do Nordeste.

O número de pessoas residentes em áreas urbanas no Brasil, segundo o


Censo de 2000, chegou a 81,2% da população total, representados por 137,7
milhões de brasileiros. Esses números têm sido colocados em dúvida por alguns
economistas e demógrafos, que se mostram reticentes em relação àquele grau
de urbanização. 21

envolvem um outro fator, de natureza qualitativa, agregável a essa variedade, cujo cultivo pode
ser realizado em moldes orgânicos, para atingir nichos diferenciados de mercado, que pagam
ágio de até 30% sobre o algodão produzido segundo práticas convencionais. (Moreira; Beltrão;
Freire; Novaes Filho; Santos; & Amorim Neto, 1995.)
21
Veja-se, a respeito, o instigante artigo “A Ilusão de um País Urbano”, do prof. José Eli da
Veiga, da Universidade de São Paulo, no qual argumenta que boa parte da população brasileira

33
A causa das restrições comentadas parece referir-se ao conceito de
domicílio urbano do IBGE. Por isso, convém deixá-lo aqui explicitado. De acordo
com o Censo Demográfico de 2000, é considerado residente em área urbana a
pessoa que vive em domicílio urbano. Na seqüência, caracterizam-se como
domicílios urbanos “as áreas urbanizadas ou não, correspondentes às
cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas
isoladas.” E como domicílio rural “toda a área situada fora desses limites,
inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos.”
(MPO. IBGE, 2000: XI-XII.)

Com certeza, as pessoas residentes em “domicílios urbanos” situados em


“lugarejos perdidos” não têm o mesmo acesso aos privilégios dos serviços
tipicamente urbanos, a exemplo dos serviços básicos de abastecimento de água
e saneamento. Mas ao migrarem para uma vila ou sede de distrito, aquelas
pessoas passam a ter de se comportar como os habitantes de todo sítio urbano,
a começar pela natureza das atividades que desempenham. Mesmo as pessoas
que residem nas cidades, mas trabalham, temporariamente, no campo,
aprendem a incorporar hábitos de quem vive nas cidades. E é nesses sítios que
aquelas pessoas estão aprendendo a identificar e a defender com mais presteza
sua cidadania. Aqui se trabalha por isso com os conceitos de domicílios urbanos
utilizados pelo IBGE para caracterizar a população urbana do Nordeste.

De uma população recenseada total de 22,4 milhões de habitantes, em


1960, com 34,2% vivendo em domicílios urbanos, o Nordeste chegou a 2000
com uma população total de 47,7 milhões, dos quais 69% estavam residindo
em áreas consideradas urbanas. Houve um crescimento de 113%,
representado, em números absolutos, por mais 25,3 milhões de pessoas. O
crescimento teria sido muito maior na ausência das migrações extra-regionais.

A situação da população do Nordeste neste fim começo de século é bem


diversa da encontrada ali 50 anos antes. As condições de vida das pessoas que
viviam no meio rural nos anos 50 e migraram para as cidades, mesmo as de
menor portes, podem até estar melhor hoje, tomando-se por base o acesso que
elas têm às informações, ao emprego e aos serviços básicos. Mas as
desigualdades no meio urbano estão muito acentuadas.

Os dados de pesquisa do PNUD e IPEA sobre as condições de vida da


população brasileira (IDH e ICV) mostram que os indicadores sociais
melhoraram em algumas capitais do País, em relação à primeira metade dos
anos 80, considerada como a “década perdida”. Mas pioraram em outras, pois
houve aumento do desemprego e da desigualdade de renda. Além disso, o
acesso ao trabalho piorou. “Porto Alegre perdeu renda e o primeiro lugar como
a cidade mais bem avaliada pelo ICV (Índice de Condições de Vida) entre 1995
e 1999. Curitiba é a melhor entre as capitais. Na segunda posição, São Paulo foi

residente em domicílios urbanos não é, necessariamente, urbana, por não ter acesso aos
serviços urbanos básicos e essenciais. (Veiga, 2000.)

34
quem mais evoluiu entre esse período e 1981/1985 (28%). No outro extremo, a
oitava colocada, Salvador ficou praticamente estagnada (0,6%).” (Ryff, 2001:
C-8 a C-10.)

Dentre as doze capitais estudadas, Fortaleza ficou em décimo primeiro


lugar no ICV, com 0,691, e décimo segundo no IDH, com 0,698. Enquanto isso,
Recife colocou-se em décimo segundo lugar no ICV (0,690) e em décimo
primeiro no IDH (0,700). Ou seja, a situação das duas últimas capitais no
ranking das 12 capitais brasileiras, além de desvantajosa, não distingue muito
uma da outra. A situação é crítica, pois se trata de duas das três capitais dos
estados economicamente mais importantes na Região.

O semi-árido nordestino merece destaque especial, tendo em vista os


problemas sociais e econômicos enfrentados pelos que ali vivem. De fato, a
Zona Semi-Árida vem se caracterizando, desde os anos de 1960, como espaço
com uma das maiores taxas de crescimento urbano em todo o Nordeste. Essas

período 1970-80, o aglomerado “população urbana do interior do Nordeste” 


especificidades já haviam sido captadas no Censo Demográfico de 1970. No

correspondente à população urbana total da Região menos a população


urbana das capitais, cresceu a 4,41% ao ano, vis-à-vis a taxa de crescimento
anual da população de todas as capitais nordestinas, que foi de 3,6%. A taxa
de crescimento da população urbana do Nordeste semi-árido, no mesmo
período de 1970-80, foi de 4,4% ao ano, idêntica à constatada para o
aglomerado “população urbana do interior do Nordeste”.

Note-se, ademais, que afora as capitais, as “porções interiores dos


estados do Nordeste” que apresentam maior crescimento urbano são as do
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Note-se, também, que são
exatamente esses os estados com maiores proporções de seus territórios
incluídas nos domínios semi-áridos do Nordeste. As participações a este
respeito são as seguintes: Ceará (92,51%), Rio Grande do Norte (84,66%),
Paraíba (80,45%) e Pernambuco (64,97%). (Carvalho, 1988: 445.)

As tendências à expansão do crescimento urbano nos espaços semi-


áridos tiveram continuidade nas décadas seguintes, embora as taxas globais de
crescimento demográfico tenham sido um pouco menor. De fato, no período
1980-91, a taxa de crescimento da população urbana do semi-árido foi
ligeiramente inferior (4,01%), o mesmo acontecendo com a do Nordeste como
um todo (3,53%). No período 1991-2000 continuou crescente o grau de
urbanização do Nordeste. Conforme mencionado, a presença de população em
sítios urbanos passou de 60,52% em 1991 para 69,04% em 2000. Mas houve
uma diminuição da taxa de crescimento da população total da Região, que
baixou de 1,8% ao ano, no período 1980-91, para 0,96%, no período 1991-
2000. A taxa de crescimento da população urbana do Nordeste que fora de
3,53% no primeiro período baixou para 2,45% ao ano, no período 1991-2000.
A redução na taxa de crescimento da população total ocorreu por conta de dois
movimentos, o de diminuição da taxa de crescimento da população e o de
redução – com forte perda – da população rural, que transparece na taxa de

35
crescimento da população rural, que foi de – 1,73% ao ano, no período 1991-
2000.

Os dados do período 1991-2000 confirmam a tendência das décadas


anteriores, referidas tanto ao Nordeste como um todo como ao próprio semi-
árido. A presença da população urbana no semi-árido que era de 48,56%, em
1991, elevou-se para 56,52%, em 2000. A taxa de crescimento da população
total das áreas afetadas pelas secas (que foi igual a 0,89% ao ano), no período
1991-2000, ficou assim um pouco menor do que a do Nordeste (0,96%). Mas a
da população urbana (igual a 2,60%) superou a do Nordeste (2,45%). Pode-se,
por isso, observar uma menor taxa de crescimento da população rural na
Região Semi-Árida do FNE (– 0,98%), vis-à-vis a taxa de – 1,73% da população
rural de toda a Região Nordeste. Todos esses resultados estão sintetizados na
tabela 3.1 a seguir.

TABELA 3.1
POPULAÇÃO TOTAL, POPULAÇÃO URBANA E POPULAÇÃO RURAL DO NORDESTE E DA REGIÃO
SEMI-ÁRIDA DO FNE, NOS ANOS DE 1991 E 2000
ANO POPULAÇÃO POPULAÇÃO (Habitantes)
URBANA/POPULAÇ
ÃO TOTAL (%)
TOTAL URBANA RURAL
NORDESTE, 1991 60,52 43.751.261 26.477.750 17.273.511
NORDESTE, 2000 69,04 47.679.381 32.919.667 14.759.714
Taxa de Crescimento da População do Nordeste: 1991-2000 (%) 0,96 2,45 – 1,73
REGIÃO SEMI-ARIDA DO FNE, 1991 48,56 17.847.287 8.666.912 9.180.375
REGIÃO SEMI-ARIDA DO FNE, 2000 56,52 19.326.007 10.922.370 8.403.637
Taxa de Crescimento da População do Nordeste Semi-Árido: 1991-2000 (%)
0,89 2,60 – 0,98
FONTES DOS DADOS BÁSICOS: IBGE. Censo Demográfico de 1991 e Resultados Preliminares
do Censo Demográfico de 2000.

A urbanização no semi-árido continua crescente por conta da


desestruturação por que passa sua economia. As oportunidades de ocupação
criadas por algumas atividades dinâmicas são insuficientes para reter a força de
trabalho que chega ao mercado. Os mecanismos de absorção populacional
propiciados pelas migrações extra-regionais deixaram de funcionar, como
resultado da reestruturação das economias das outras regiões ou das crises
conjunturais ali observadas. As estratégias de sobrevivência adotadas por
aqueles que migravam para fora do Nordeste passaram a incluir a migração
para as capitais dos estados da Região. O mecanismo teve uma relativa
funcionalidade até o final dos anos de 1970 e começos dos de 1980, quando os
deslocamentos nessa direção foram intensificados com a seca de 1979-83. A
partir de então esse tipo de possibilidade exauriu-se. As migrações de origem
rural e destino urbano passaram a ser feitas, primeiro, em direção às poucas

36
cidades de porte médio e, em seguida, para as cidades de qualquer tamanho. A
partir desses movimentos nasceram e cresceram as pontas-de-rua, como já foi
referido no item 1 anterior. Os problemas enfrentados pelos migrantes
tornaram-se mais graves, pois os locais de destino a que eles chegavam
também não dispunham de oportunidades de trabalho para oferecer. 22

Tem aumentado o número de povoados e vilas, mas são poucas as


pequenas cidades cuja população cresce como resultado do dinamismo de suas
atividades econômicas. Vão sendo assim reforçadas as evidências de que a
economia do Nordeste se estrutura e se sustenta, fundamentalmente, como
resultado do dinamismo de suas capitais e de umas pouquíssimas cidades,
beneficiadas pela força de determinados investimentos públicos, como os
aplicados em projetos de infra-estrutura hídrica e de aproveitamento
hidroagrícola de terras irrigáveis, como está ocorrendo nos pólos agroindustriais
de Petrolina-Juazeiro, em terras de Pernambuco e Bahia, e Açu, no Rio Grande
do Norte.

3.4 ESPAÇOS BENEFICIADOS PELO CRESCIMENTO


ECONÔMICO

As atividades concebidas para dar solução aos problemas do Nordeste,


mormente os identificados nos anos 50, por meio da estruturação de iniciativas
planejadas, passaram por múltiplas modificações, com lógica determinada e
comandada pelo governo federal. De instituição capacitada a pensar o Nordeste
na linha de um Projeto de Desenvolvimento Regional, cujos resultados só
seriam alcançados a médio e longo prazo, a Sudene foi sendo,
progressivamente, forçada a pautar sua atuação pelos determinantes do
Projeto Brasil Potência. A solução dos problemas que faziam do Nordeste
um espaço com estruturas econômicas frágeis, dominadas por uma minoria de
proprietários do capital, passou a ser pensada em contexto que privilegiava a
introdução de tecnologias modernizantes, sem a necessidade de promover
mudanças nas estruturas e formas do poder político, conservador em sua
essência.

Os ganhos de produção e produtividade obtidos com os projetos


incentivados pela Sudene passaram, por isso, a contribuir para aumentar a
concentração de renda e a excluir muito nordestino dos benefícios que

22
A singularidade, em termos nacionais, do elevado processo de crescimento urbano observado
no Nordeste semi-árido tem a ver com a frágil base de recursos naturais dessa região,
potenciada pelos impactos socioeconômicos e político-institucionais das secas. Pode-se
argumentar que a Região de Brasília e Entorno do Distrito Federal também passa por intenso
processo de crescimento urbano. É verdade. Mas o crescimento urbano que ali se observa é de
outra natureza. Seus determinantes fazem parte da lógica de expulsão e atração populacional
que caracteriza as migrações em geral, e em particular das realizadas em direção às capitais e
regiões metropolitanas do País.

37
chegavam à Região. Neste sentido, foram mais privilegiados os grupos
econômicos e sociais de alta e média renda, residentes em capitais como
Salvador, Recife e Fortaleza, vindo na seqüência grupos da mesma categoria
residentes nas demais capitais de estado. O processo de desenvolvimento em
curso no Nordeste também propiciou benefícios aos grupos econômicos e
sociais liderados por oligarquias políticas fortes, dotadas de grande capacidade
de aglutinar interesses, destacando-se os de captação e realização de
investimentos públicos.

Daí a grande concentração de renda e negócios nas capitais dos estados


da Região. Esses núcleos urbanos geram mais de 2/3 da produção dos estados
nordestinos, tomando-se por base indicadores diretos como o PIB. As
percepções a este respeito são reforçadas por estudos sobre a rede urbana
brasileira, hierarquizada a partir de informações do Produto Interno Bruto-PIB
municipal, como as levantadas e sistematizadas por pesquisadores do IPEA e da
Unicamp. 23

Os autores dos estudos sobre a hierarquização da rede urbana brasileira


são cautelosos no manejo dessas informações. Têm razão. Dos 111 centros
constitutivos da rede urbana brasileira, 25 estão localizados no Nordeste,
encontrando-se assim hierarquizados:

i) Metrópoles nacionais (três): Salvador, Recife e Fortaleza;

ii) Centros regionais (seis): São Luís, Maceió, Natal, Teresina,


João Pessoa e Aracaju;

iii) Centros sub-regionais de nível 1 (sete): Ilhéus/Itabuna,


Caruaru, Juazeiro do Norte/Crato, Petrolina/Juazeiro, Campina Grande, Feira de
Santana e Vitória da Conquista; e

iv) Centros sub-regionais de nível 2 (nove): Montes Claros,


Governador Valadares, Mossoró, Arapiraca, Jequié, Sobral, Parnaíba, Barreiras e
Garanhuns. (Andrade & Serra, 2000.)

23
As informações sobre os Índices de Potencial de Consumo, calculados pela Gazeta Mercantil e
divulgados nos Balanços Anuais dos Estados, oferecem resultados semelhantes aos obtidos a
partir do PIB municipal, utilizados nos estudos da rede urbana brasileira. Pode-se chegar a
resultados de concentração similares utilizando os dados de arrecadação do ICMS para os
municípios dos diferentes estados do Nordeste. A situação examinada por essa última variável
(ICMS) mostra uma alta concentração atividades econômicas nas capitais, havendo aquelas que
arrecadam mais de 90% de toda a receita do ICMS estadual, como acontece com Fortaleza,
Natal e João Pessoa. Talvez se possa argumentar que esse resultado se deve à melhor
estrutura da máquina arrecadadora daquelas capitais, vis-à-vis à estrutura existente na grande
maioria dos municípios dos Estados respectivos (Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba). Mas as
evidências são muito fortes para deixarem de constituir motivo de preocupação, no que se
refere ao fato de a renda e a riqueza do Nordeste estarem fortemente concentradas nas
capitais dos estados da Região..

38
A economia do Nordeste está, assim, assentada sobre esses 25 núcleos
urbanos. Isto mostra porque ela continua frágil às crises, dentre as quais
continua cabendo papel destacado às secas. O crescimento das cidades na
Região tende, portanto, a ter escassa sustentação, porque se processa mais às
custas da expansão populacional do que do nível de atividade econômica. De
uma certa forma, as cidades nordestinas têm crescido como se fossem “cidades
feitas e refeitas” segundo a lógica do velho capital agrário-mercantil, rentista, 24
que ali vem exercendo seu domínio há quase dois séculos. Dominando o
aparelho de Estado, em escala local, os coronéis – velhos e novos – refazem
suas cidades. Ou, como diz, a profª Maria do Livramento Clementino, da UFRN,
refazem “uma certa cidade: nela as funções são variadas, porém, difusas,
indistintas. São ao mesmo tempo centros de controle da produção agrícola
voltada para a exportação, mercados para manobras especulativas e centros
participacionistas, clientelistas, de marcada estrutura burocrática,
administrativa. Enfim, cabide de emprego, campo aberto para os embates
decisórios de qualquer campanha eleitoral.” (Clementino, 1995: 93.)

Neste sentido, as cidades do Nordeste e de suas áreas semi-áridas, em


particular, continuam sob o domínio dos “coronéis”, agora urbanos, porque sua
base de acumulação passou a ser mais urbana do que rural. Essa nova base foi
ampliada, solidificando-se pela via do crédito fácil, reforçada pelos incentivos
fiscais e financeiros de variada tipologia.

Embora seja considerável o crescimento econômico observado nas


capitais e centros referidos, os problemas acumulados em suas periferias são
gravíssimos. As dificuldades encontradas nos espaços urbanos do semi-árido
são mais graves hoje do que há meio século, dada a falta de oportunidades
econômicas, potenciada a cada nova seca. Ali, as opções de emprego, mesmo
no setor informal, são restritas. Conforme já salientado, essas dificuldades são
potenciadas pelo crescimento demográfico em direção aos sítios urbanos do
semi-árido.

De todo modo, há luz no fim do túnel, sendo possível admitir a


existência de alguns sinais de mudança nesse quadro. Por conta de
redirecionamentos no processo de organização social, vislumbra-se a
estruturação de atividades locais, que, por sua densidade econômica, começam
a alcançar escalas sub-regionais. É verdade que essas mudanças ainda estão
sendo realizadas sob influência do Estado, que orienta decisões de investimento
e realiza, diretamente, muitos projetos de desenvolvimento. Algumas
experiências de planejamento estão sendo conduzidas nessa direção, com
destaque para a “constituição de programas e instrumentos de âmbito territorial
mais restrito e limitado, com elevada seletividade das estruturas apoiadas,
operando a escalas regionais menores, de âmbito sub-regional. Em decorrência,
tende-se a superar a quase exclusiva articulação da política regional com as
áreas periféricas.” (Galvão, 1996: 150.)

24
Na linha também salientada, dentre outros, por Tânia Bacelar de Araújo. (2000: 390.)

39
3.5 ÁGUA MAIS DIFÍCIL

O processo e a direção do crescimento urbano no Nordeste, rumo às


cidades, vêm contribuindo para tornar mais difícil o atendimento da demanda
de água na Região. Com a população cada vez mais concentrada em áreas
urbanas, tende a ser desfavorável o balanço entre oferta (disponibilidade) e
demanda de água em numerosas áreas do Nordeste, destacando-se a este
respeito as porções semi-áridas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco. Embora o semi-árido da Bahia tenda a apresentar um balanço
(médio) mais equilibrado, por conta das disponibilidades hídricas do rio São
Francisco, algumas das bacias ali existentes também são carentes de água.

Como se viu, o crescimento urbano do Nordeste foi mais expressivo em


suas porções semi-áridas. É nesses espaços aonde o problema de
abastecimento de água assume proporções preocupantes, especialmente nos
anos de seca. Esse quadro tornou-se ainda mais acentuado nos de 1990,
quando as secas ocorreram em sete anos daquela década (1990, 1991, 1992,
1993, 1998, 1999 e 2000). Numa conjuntura de tal natureza e magnitude, o
abastecimento passa a ser mais crítico porque as fontes de armazenamento de
água (os grandes açudes e os lençóis subterrâneos) não conseguem recuperar
seus níveis normais de recarga.

Capitais como Fortaleza e Recife vêm enfrentando grandes dificuldades


no armazenamento e distribuição d’água. O mesmo acontece em várias cidades
importantes do interior, dentre as quais destaca-se Campina Grande, na
Paraíba, a maior cidade do interior do Nordeste. Fortaleza teve seus problemas
de abastecimento de água solucionados em 1993, com a construção, pelo
governo do estado, do Canal do Trabalhador, que transporta água do Açude
Orós (a uma vazão de 6 m³/s) para os açudes do sistema Pacoti-Riachão, ao
longo de 115,2 km de extensão. A cidade de Fortaleza consome cerca de 8
m³/s de água, 50% dos quais estão sendo viabilizados pelas águas transpostas
pelo Canal do Trabalhador.

Apresentam-se a seguir alguns elementos básicos do balanço entre oferta


e demanda de recursos hídricos no Nordeste, referidos aos seguintes
indicadores: potencialidade de recursos hídricos, disponibilidade de recursos
hídricos, capacidade de armazenamento de água e demanda de água, segundo
diferentes usos. A potencialidade dos recursos hídricos de uma bacia
hidrográfica refere-se ao escoamento natural médio de água, ou seja, à soma
dos escoamentos de superfície e de base. A disponibilidade de recursos
hídricos representa uma parcela da potencialidade, ativada por meio de açudes,
poços, etc. A capacidade de armazenamento de água (de superfície ou
subterrânea) equivale à capacidade nominal de armazenamento de açudes e
poços. O nível de garantia da água armazenada em um açude é definido a
partir de sua disponibilidade efetiva, que é aquela com a qual se pode de fato
contar para diferentes tipos de consumo. O nível de garantia mais utilizado no
planejamento dos recursos hídricos é o de 90%. (Vieira, 1994: 27; e Gondim
Filho, 1994.)

40
O desequilíbrio entre oferta e demanda de recursos hídricos no Nordeste
pode ser demonstrado comparando a disponibilidade de água de suas
Unidades de Planejamento – ou Bacias Hidrográficas – com a capacidade de
armazenamento (ou de açudagem e de águas subterrâneas) de todos os
reservatórios e poços nelas construídos. De acordo com os estudos realizados, em
1991, pelo Projeto Áridas, o Nordeste contava com uma disponibilidade de 97,3
bilhões de metros cúbicos, para uma capacidade de açudagem de 85,1 bilhões de
metros cúbicos. (Gondim Filho, 1994: 10 e 78.) A diferença, em termos médios, é
de mais 12,1 bilhões de metros cúbicos. Esse número representa o excedente
total, médio, de recursos hídricos, naquele momento. O volume da oferta pode
ser ampliado, mediante a utilização de outros recursos hídricos locais,
mobilizando-se parte da potencialidade dos recursos hídricos existentes, ou
ampliando a disponibilidade, recorrendo, por exemplo, a estruturas de
transposição de águas de bacias hidrográficas de fora do Nordeste, como as
Bacias do Tocantins e do São Francisco.

A demanda total por recursos hídricos no Nordeste, considerada


como uma demanda potencial, máxima, teórica, para todos os usos,
correspondia, em 1991, a 21,8 bilhões de metros cúbicos por ano. (Gondim Filho,
1994: 78.) Esse agregado abrange os seguintes tipos de demanda: população
urbana e rural; animal; de irrigação; agroindustrial; de distritos agroindustriais; e
ecológica. 25 A distribuição dos açudes e barragens no Nordeste é extremamente
concentrada, em função das condições que propiciam sua construção – local para
a instalação dos maciços das barragens e disponibilidade hídrica para ser
acumulada. As infra-estruturas hídricas do Nordeste, que realmente contam, são
integradas por pouco mais de 300 açudes e barragens de porte. A grande maioria
deles foi construída pelo DNOCS (Araújo, Coord., 1990: 292), vindo na seqüência
os construídos pela CHESF, pela Codevasf e pelos estados da Região. Dentre
aqueles mais de 300 açudes e barragens, há 10 (algo em torno de 3% daquele
total) com capacidade de armazenamento superior a 500 milhões de metros
cúbicos, que podem acumular cerca de 73% (62 bilhões de metros cúbicos de
água) da capacidade total de armazenagem do Nordeste. 26

Por haver mais oferta do que demanda, não significa que todas os espaços
do Nordeste disponham da água de que necessitam. A distribuição espacial da
oferta pode não ser, necessariamente, compatível com a localização dos
diferentes tipos de demanda. De fato, a distribuição espacial da demanda reflete
a dinâmica da urbanização observada no interior da Região, o que reforça as
evidências de conflitos entre oferta e demanda de água em várias sub-regiões
do Nordeste. Esse desequilíbrio resulta mais das escassas disponibilidades de
recursos hídricos e da distribuição espacial dos açudes, do que da capacidade

25
A demanda ecológica, de acordo com os estudos do Projeto Áridas foi considerada como
correspondendo a 10% do escoamento superficial disponível.
26
Dentre os dez açudes e barragens com essa capacidade, destacam-se os seguintes:
Sobradinho (que pode acumular 34,7 bilhões de metros cúbicos), Itaparica (com cerca de 15
bilhões de metros cúbicos), Xingó (com cerca de 5 bilhões), Armando Ribeiro Gonçalves (com
2,2 bilhões) e Orós (com 2,1 bilhões).

41
de armazenamento. A concentração de uma grande parte do volume de água
armazenável em um reduzido número de açudes constitui indicador de
inadequação da distribuição de água em várias sub-bacias do semi-árido
nordestino. As evidências a este respeito são mais efetivas nos estados
caracterizados pela presença de bacias carentes, como ocorre nos Estados do
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Os maiores problemas de
atendimento da demanda de água estão referidos ao abastecimento da
chamada demanda rural difusa (água para consumo doméstico e dos
animais, ao nível das fazendas) e da demanda urbana municipal (água para
consumo doméstico e para os serviços urbanos das capitais e cidades do
interior).

O grande número de carros-pipa que rodam todos os anos, em situações


de seca ou de chuvas normais, no interior e em cidades do semi-árido ou do
Litoral do Nordeste, reflete o grau de inadequação entre oferta e demanda de
água na Região, tanto em termos temporais como espaciais. Constitui, por isso,
um precioso indicador das carências cuja constatação vai sendo reforçada a
cada ano.

O abastecimento de água no Nordeste tende a exigir soluções complexas


e de difícil execução, principalmente se a água bruta ou água produzida
(disponível em açudes ou poços ou captáveis de rios como o São Francisco e
distribuídas por meio de conjuntos de tomadas de água e de adutoras) vier a
passar do domínio público para o domínio privado. Há uma luta em
estruturação pela privatização das águas do São Francisco, ainda não tornada
efetiva graças à força de importantes grupos econômicos e políticos do
Nordeste, contrários à medida. À frente desses grupos se encontram membros
da família dos Coelho, de Petrolina, em Pernambuco, e políticos da Bahia,
considerados antiprivatistas por órgãos de imprensa como a Revista Época,
da família Marinho. Tem-se aqui um exemplo paradigmático da diferença entre
“conflitos de interesse” (que são conflitos intraclasses sociais, entre
proprietários de distintos blocos de capital) e “luta de classes” (aquela que se
dá entre classes, ou seja, entre capitalistas versus trabalhadores). Veja-se como
a Revista Época se expressou sobre o assunto:

“O mesmo canal que alimenta as terras dos Coelho cruza os 615 hectares da fazenda
Mapel, que, há um mês, foi invadida por 500 sem-terra. A invasão foi inspirada no exemplo da
fazenda Catalunha, 2.500 hectares de terra irrigados no município de Santa Maria da Boa Vista
(BA) pertencentes ao genro do senador Antonio Carlos Magalhães, César Matta Pires, um dos
donos da empreiteira OAS. O Incra comprou a fazenda e fez o assentamento. Os novos
invasores não querem apenas a terra. Querem água de graça e financiamento para a irrigação.
27
“Aqui todo mundo toma dinheiro emprestado para irrigar. Por que nós não podemos fazer
isso também?”, pergunta-se Antônio Félix, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

27
Os grupos aqui referidos têm força considerável. Mas não utilizam água gratuitamente. A
menos que se considere gratuita a água produzida por meio da construção de um açude em rio
ou riacho localizado no interior de uma propriedade privada, por seu dono. Há um evidente
exagero nessa informação. O acesso às águas captadas do São Francisco por meio de
estruturas públicas é feito mediante o pagamento de uma tarifa de água cobrada, diretamente,
pela Codevasf ou pelos Distritos de Irrigação.

42
Petrolina e líder da invasão. Ele é mais um dos que temem a privatização da Chesf. “Se é difícil
conversar com o governo, imagine com os estrangeiros.” (Fernandes, 1999.)

Graças a esses conflitos entre distintos blocos de capital, pode-se


constatar uma convivência favorável, embora temporária, entre representantes
de trabalhadores e de capitalistas, de grande interesse econômico e social para
o Nordeste.

3.6 POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES

Para garantir e tornar sustentável o processo de desenvolvimento do


Nordeste continua sendo necessário solucionar problemas de variada natureza,
uns econômicos, outros sociais e políticos, além dos ambientais. Tanto uns
quanto outros exigem a execução de atividades com capacidade de geração de
renda e emprego, exigindo sua colocação em prática contextos que favoreçam
o mais imediato acesso aos bens e serviços necessários à constituição de
padrões de vida socialmente justos. Esta parece ser uma formulação adequada
à compatibilização de crescimento econômico com justa distribuição de renda.
Atente-se, aqui, para uma necessária qualificação. A melhor distribuição de
renda deve ter, neste sentido, uma outra percepção, qual seja a de poder ser
expressa pela criação e concretização de possibilidades de garantir acesso aos
serviços essenciais de saúde e saneamento, educação, justiça, cultura e
cidadania, a todos os nordestinos.

As condições de vida da população de qualquer agrupamento social não


melhoram segundo uma perspectiva idílica, ou seja, a de que é necessário
alterar por completo um quadro dado, na perspectiva de os pobres terem de
passar à condição de ricos e destes deverem se tornar menos ricos ou
passarem à condição de pobres. As mudanças nos quadros sociais
caracterizados por desigualdades de renda ocorrem pela transformação de toda
a sociedade, expressando-se o seu resultado por valores mais sólidos – novos
ou antigos (culturais, sociais, econômicos e políticos). As transformações desse
tipo, em uma sociedade como a nordestina, constituem o resultado das
conquistas obtidas no contexto das lutas políticas que já estão sendo travadas
de modo politicamente maduro nas periferias urbanas e nos grotões sertanejos
da Região.

A expansão do número de organizações sociais existentes no Nordeste,


com interesses em áreas urbanas ou rurais, e a melhora de sua eficiência
organizacional, demonstrada em eventos de grande capacidade de articulação,
constitui indicação de que problemas econômicos e sociais antes arbitrados
pelas instâncias de poder mais conservador podem ser solucionados sob o
patrocínio das organizações sociais que começam a representar os interesses
dos grupos anteriormente dominados por aquelas mesmas instâncias. O estudo
da organização e funcionamento de diferentes movimentos e experiências de
organização social em curso no Nordeste mostra que já há possibilidades
concretas neste sentido, como as observadas no ajuizamento de questões
relacionadas a iniciativas como as seguintes:programas de assentamentos

43
rurais; programas de habitação popular; programas de geração de emprego e
renda; programas de educação ambiental; programas de apoio a micro e
pequenos empresários, ligados a atividades artesanais, industriais e de serviços,
inclusive modernos, como os ligados à área de informática; constituição de
associações de usuários da água; constituição e operação de cooperativas de
produção de negócios rurais e pequenos negócios não-agrícolas; constituição e
operacionalização de serviços de assistência técnica a pequenos produtores
rurais; constituição e operação de organizações não-governamentais
prestadoras de serviços de assistência técnica e de proteção e conservação
ambiental.

4. DISCUTINDO O FUTURO

É possível continuar vislumbrando um futuro mais justo para todos os


que vivem no Nordeste, conferindo apoio prioritário aos segmentos da
população que até aqui tiveram menos acesso aos bens e serviços gerados pelo
processo de desenvolvimento realizado no meio século recém findo. As
expectativas neste sentido estão calcadas nos resultados econômicos
alcançados e nas possibilidades de maior participação dos grupos sociais
representativos nas decisões de investimento estratégicas para o
desenvolvimento da Região.
A concretização dessas possibilidades começa pelo exame da base
econômica atual do Nordeste. Discutem-se, na seqüência, as contribuições que
podem ser oferecidas pela constituição de uma nova base econômica,
estruturada em torno da execução do Projeto de Transposição de Águas
do São Francisco. A concretização desse empreendimento, em sua
perspectiva econômica e social, dependerá muito da contribuição que vier a ser
emprestada pelos setores privados e não-governamentais. Conclui-se este item
chamando atenção para a sempre crucial questão do financiamento do
desenvolvimento em geral e do Projeto da Transposição em particular.

4.1 POSSIBILIDADES ATUAIS

Comentam-se agora alguns aspectos globais e setoriais das atividades


que estão sendo desenvolvidas no Nordeste. Os comentários estão referidos à
especificação de elementos relevantes da estrutura econômica da Região,
seguida da explicitação geral das atividades tradicionais, dinâmicas e não-
convencionais, e como elas estão sendo estruturadas.

4.1.1 Estrutura Econômica

O PIB do Nordeste, a preços de mercado, equivalia a US$ 20,5 bilhões,


em 1965, elevando-se para US$ 95,8 bilhões, em 1999. Cresceu US$ 75,3
bilhões em termos absolutos e 467,3%. O PIB do Brasil era de US$ 113,2
bilhões em 1965 e de US$ 557,6 bilhões em 1999. Teve um crescimento

44
absoluto de US$ 354,0 bilhões e um aumento percentual de 492,6%. O
crescimento relativo do PIB do Brasil, entre os dois anos referidos, foi superior
ao do Nordeste em 25,3 pontos percentuais. Por esse indicador, a economia do
Nordeste apresentou dinamismo considerável. A participação do PIB do
Nordeste no PIB do Brasil manteve relativa constância, tendo se situado nos
limites de 12 a 17% nos anos do período 1965-1999, como mostram os dados
da tabela 4.1. 28

A estrutura setorial da economia nordestina pode ser visualizada na


tabela 4.2. A contribuição da agricultura para a geração do PIB global da
Região reduziu-se a um terço, nos últimos 40 anos, passando de 30,5% em
1960 para 9,7% em 1999. Não há dúvida quanto à influência exercida pelas
secas para essa redução. As secas dos anos de 1980 e 1990 ocorreram em
número muito maior do que o observado nos anos de 1960 e 1970.

A contribuição do setor industrial, como se vê pelos dados da tabela 4.2,


elevou-se 18% entre os anos de 1960 e 1999, enquanto a do setor serviços
cresceu 36%, no mesmo período. Esses dados apontam para a existência de
uma estrutura econômica completamente diversa da que se tinha 50 anos
atrás. Constituem também indicativos das mudanças ocorridas na estrutura da
economia do Nordeste, também notáveis nas demais regiões do País. Essas
diferenças contribuíram positivamente para que a economia da Região fosse
menos afetada pela crise da economia brasileira dos anos 80, que atingiu mais
diretamente certos segmentos industriais, a exemplo dos produtores de bens
de capital e de consumo duráveis, que pesam pouco na economia nordestina.
Na indústria do Nordeste foram mais dinâmicos os segmentos produtores de
bens intermediários, menos afetados pela crise. Além disso, a dinâmica da
economia do Nordeste foi favorecida pela expansão de segmentos ligados ao
chamado agronegócio, baseado na fruticultura irrigada, na moderna agricultura
de grãos e na agroindústria associada. (Araújo, 2000: 206.)

Deve-se, entretanto, refletir um pouco sobre a perda de importância


relativa da agricultura no processo de desenvolvimento do Nordeste. Essa
circunstância não deve ser tratada como assunto acabado. Embora essa tenha
sido a tendência observada, historicamente, nos países de economias
avançadas, não se pode negar que a agricultura do Nordeste ainda pode ter
sua contribuição aumentada, em termos relativos, se ela for associada ao
desempenho que vem sendo crescentemente assumido pelos negócios
agroindustriais.

28
Os maiores valores médios da relação “PIB do Nordeste/PIB do Brasil”, que aparecem nos
cálculos da Sudene, vis-à-vis os calculados pelo IBGE, são devidos a diferenças nos deflatores
implícitos utilizados pela Sudene e pelo IBGE.

45
TABELA 4.1
INFORMAÇÕES SOBRE O PRODUTO INTERNO BRUTO-PIB DO NORDESTE

PIB a preços de mercado (a. p. m.) (US$ 1,000,000) PIB DO PIB DO


PIB PER CAPITA NORDESTE/PIB NORDESTE/PIB
ANOS DO NORDESTE DO BRASIL DO BRASIL
(RS$ 1.00 DE (%), COM (%),COM BASE
PREÇOS PREÇOS DE BASE VARIAÇÃO 1999) BASE NOS NOS CÁLCULOS
CORRENTES 1999 (1999=100) ANUAL (%) CÁLCULOS DA DO IBGE
SUDENE
1960 1.331,57 13,2
1965 3,081.66 20,447,98 21,3 1.485,84 13,1
1966 3,675.00 20,236.09 21,1 -1,0 1.436,05 12,7
1967 4,112,53 22,778.84 23,8 12,6 1.578,65 12,6
1968 4,344.28 22,990.74 24,0 0,9 1.556,02 12,0
1969 4,733.77 23,944.27 25,0 4,1 1.582,60 11,8
1970 5,254.28 22,937.76 23,9 -4,2 1.480,58 12,3
1971 6,338.65 28,764.91 30,0 25,4 1.817,60 12,9
1972 7,388.93 30,460.08 31,8 5,9 1.884,10 12,6
1973 10,422.41 33,903.39 35,4 11,3 2.052,79 12,4
1974 13,143.21 34,433.13 35,9 1,6 2.040,81 11,9
1975 15,615.00 37,346.70 39,0 8,5 2.166,71 12,0
1976 18,993.08 39,942.43 41,7 7,0 2.268,21 12,3
1977 21,865.28 43,491.69 45,4 8,9 2.417,48 12,3
1978 25,881.45 48,047.46 50,1 10,5 2.614,18 12,9
1979 29,688.66 51,490.77 53,7 7,2 2.742,24 13,3
1980 31,131.27 52,974.05 55,3 2,9 2.770,91 13,1
1981 35,281.11 52,603.23 54,9 -0,7 2.694,63 13,6
1982 39,349.84 58,112.53 60,7 10,5 2.916,03 14,5
1983 28,868.73 55,887.62 58,3 -3,8 2.747,91 15,2
1984 31,678.75 60,708.26 63,4 8,6 2.925,77 16,7
1985 33,415.46 65,581.87 68,4 8,0 3.099,10 15,8 14,1
1986 40,642.23 75,117.20 78,4 14,5 3.482,64 15,8 14,1
1987 43,682.77 74,375.56 77,6 -1,0 3.385,74 15,5 13,1
1988 51,535.02 75,223.15 78,5 1,1 3.364,82 16,9 12,8
1989 77,248.05 77,659.95 81,1 3,2 3.415,99 18,6 12,3
1990 78,373.36 73.104,18 76,3 -5,9 3.164,46 16,7 12,9
1991 65,340.92 74,852.33 78,1 2,4 3.190,87 16,1 13,4
1992 61,275.11 73,739.87 77,0 -1,5 3.104,72 15,8 12,9
1993 66,450.67 72,415.52 75,6 -1,8 3.011,58 15,5 12,8
1994 91,203.52 79,461.07 82,9 9,7 3.264,55 16,8 12,9
1995 109,736.11 82,957.36 86,6 4,4 3.365,75 15,6 12,8
(1)1996 122,005.02 86,347.70 90,1 4,1 3.459,99 15,7 (2) 13,2
(1)1997 129,027.10 91,380.23 95,4 5,8 3.615,69 16,0 (2) 13,1
(1)1998 124,904.42 92,750.93 96,8 1,5 3.626,54 16,1 (2) 13,1
(1)1999 95,811.71 95,811.71 100,0 3,3 3.699,07 17,2 (2) 13,1
FONTES DOS DADOS BÁSICOS: i) Ministério da Integração Nacional-MI. Sudene (2000)- Boletim conjuntural Nordeste do Brasil,
nº 7. Recife-PE, Sudene/CPE/INE/Contas Regionais, ago., 2000, p. 278 (Tabela 12), p. 290 (Tabela 24) e p. 311 (Tabela 45); ii) IBGE
(1999)- Contas regionais do Brasil 1985-1997. Rio de Janeiro, IBGE, Departamento de Contas Nacionais, 1999 (Contas nacionais,
3); e iii) IBGE (1999)- Contas regionais do Brasil 1999. Rio de Janeiro, IBGE, Departamento de Contas Nacionais, 2001. (Contas
nacionais, nº 6).
(1) Dados da Sudene, preliminares.
(2) Dados do IBGE, finais.

46
A contribuição antes referida pode ser mais ampliada na dependência da
utilização produtiva que vier a ser dada às terras ociosas existentes na Região.
Essa ociosidade seria alterada incorporando-se tal recurso mediante a execução
de programas dinâmicos de reforma agrária. Trata-se de questão antiga, mas
não ultrapassada, que deve estar referida ao contexto de uma nova política,
orientada para a constituição de novas atividades econômicas, das quais
dependerá a geração de mais emprego e renda. Fazemos em relação ao
Nordeste a mesma indagação feita por Celso Furtado, no tocante ao Brasil:
haveria outras opções de emprego tão fácil, como as da agricultura, para
milhões de nordestinos? (Furtado, 1999: 100.)

TABELA 4.2
NORDESTE. PARTICIPAÇÃO DO PIB SETORIAL NO PIB GLOBAL DA REGIÃO, EM ANOS DO
PERÍODO 1960/1999
ANO PARTICIPAÇÃO (%)
AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA SERVIÇOS TOTAL
1960 30,5 22,1 47,4 100,0
1970 21,0 27,4 51,6 100,0
1980 17,3 29,3 53,4 100,0
1990 13,3 28,5 58,2 100,0
1999 (1) 9,7 26,0 64,3 100,0
FONTE: SUDENE. Boletim Conjuntural Nordeste do Brasil, nº 07. Recife-PE, SUDENE,
agosto, 2000. (Tabela 55, p. 322.)

4.1.2 Atividades Tradicionais

São consideradas tradicionais as atividades caracterizadas por sua baixa


eficiência e produtividade. Neste rol estão incluídas a agroindústria canavieira, a
economia algodoeira e a economia cacaueira, sem falar da pecuária extensiva
que ainda predomina em vários espaços da Região. Todas essas atividades
passam por processos de reestruturação, com resultados de grande impacto
econômico sobre o emprego e a renda.

Dada a ocorrência continuada das secas na Região, cabem alguns


registros sobre a reestruturação em curso da economia do semi-árido. A
população das cidades encravadas no semi-árido não vive mais do resultado do
comércio e da agroindústria derivada das atividades do complexo pecuária-
algodão-lavouras alimentares. Vive das atividades modernas ligadas à agricultura
irrigada e sua agroindústria – ainda restrito a poucos espaços do semi-árido – e
da estruturação da chamada “economia sem produção”, 29 constituída pelos
rendimentos dos trabalhadores aposentados e dos funcionários públicos, bem
como das transferências recebidas pelas Prefeituras e dos gastos realizados pelos
governos estaduais. As aposentadorias dos trabalhadores rurais passaram a
contribuir para a manutenção de um certo equilíbrio econômico no semi-árido,
pela criação e manutenção de um fluxo de renda que sustenta os que direta e
indiretamente viviam das atividades daquele complexo. As transferências
constitucionais (Fundos de Participação dos Estados e Municípios) têm
possibilitado a constituição de atividades econômicas alternativas, onde esses

29
Cf. expressão utilizada por Maia Gomes. (2001: 148-149.)

47
recursos são administrados com um mínimo de eficiência, dando lugar à
estruturação de pequenos negócios não-agrícolas, assentados na criatividade da
população, especialmente da urbana.

De todo modo, o dia de maior movimento comercial nas cidades do semi-


árido continua sendo o de pagamento aos aposentados e – quando há seca – aos
trabalhadores alistados nas “frentes de emergência”.

4.1.3 Atividades Dinâmicas

Para o Nordeste como um todo, são dinâmicas as atividades da indústria


incentivada, a fruticultura irrigada, a pecuária de corte em sub-regiões
exploradas em áreas dotadas de melhores solos, não submetidas aos rigores da
semi-aridez.

Mas há também novas atividades dinâmicas, a exemplo dos serviços


bancários e dos chamados serviços modernos, puxados pela informática. O
desenvolvimento desses serviços no Nordeste está localizado preferencialmente
nas Regiões Metropolitanas de Salvador, Recife e Fortaleza. Recife caracteriza-
se como o principal pólo desses serviços, vindo, depois, o de Fortaleza e o de
Salvador. Em conjunto, os três pólos de informática faturam mais de cinqüenta
milhões de dólares anualmente, valor correspondente a sete ou oito por cento
do valor das vendas do País. Na mesma situação estão incluídos os serviços de
atendimento à saúde, em certas áreas da Região. Fortaleza, Recife e Salvador
caracterizam-se também como importantes pólos médicos. Embora não se
disponha de informações atualizadas para cada um deles, parece haver um
certo consenso sobre ser Recife o pólo médico-hospitalar de maior dimensão,
seguido pelos de Salvador e Fortaleza. (Albuquerque, 2000-b.) Teresina
constitui-se hoje em centro de excelência na prestação de serviços médicos às
camadas da população mais bem dotadas de poder aquisitivo. Há outras
cidades da Região incluídas nessa situação.

Além das atividades mencionadas, merecem também destaque os


serviços de consultoria e publicidade. A expansão desses serviços deve-se à
tendência à terceirização de muitas atividades especializadas, tanto por parte
do setor privado quanto do setor público. As organizações prestadoras desses
serviços estão concentradas nas capitais e cidades de maior porte da
hinterlândia nordestina, abarcando atividades como as de administração de
negócios, planejamento, economia, contabilidade, auditoria, direito, arquitetura
e diferentes áreas das engenharias (civil, mecânica, hidráulica, eletroeletrônica
e de climatização). Abrangem também serviços prestados por escritórios
especializados e profissionais autônomos individuais. (Albuquerque, 2000-b.)

4.1.4 Atividades Não-Convencionais

A desestruturação das atividades do complexo pecuária-algodão-lavouras


alimentares vem ensejando a constituição e/ou reforço de alguns problemas no
semi-árido. É o caso da violência instituída pela prática de assaltos a veículos de

48
carga e de passageiros em áreas semi-áridas de vários dos estados do Nordeste,
complementada pelo plantio e comercialização da maconha (Cannabis sativa) nos
espaços dotados de melhores recursos de solo e água. A maconha tem chegado a
ser plantada no interior de Projetos Públicos de Irrigação, sem que os
administradores públicos possam coibir tal prática, com medo de represálias por
parte dos que ali atuam ao arrepio da lei. Contribuindo para ampliar o
crescimento da população urbana no semi-árido, a ausência/redução das
migrações inter-regionais também tem favorecido para jogar nos braços da
violência pessoas sem acesso ao mercado de trabalho formal.

Maia Gomes (2001) fez uma estimativa da renda propiciada pelas


diferentes atividades realizadas em conseqüência do processo de
reestruturação por que passa a economia do semi-árido. Os setores
selecionados envolvem os segmentos especificados na tabela 4.3.

A renda apropriada por aqueles segmentos setoriais, tomadas as


estimativas com as devidas precauções, oferece uma razoável aproximação
sobre a relação entre aquelas atividades do semi-árido e o PIB do Nordeste.
Dividindo-se R$ 9.380.000 mil, especificados na tabela 4.3, por R$ 173.900.000
mil, constantes da tabela 4.1 – estando ambos referidos ao ano de 1999 –,
obtém-se 5,4%, que corresponde à participação daquelas atividades no PIB do
Nordeste. Sendo as atividades listadas na tabela 4.3 as consideradas mais
sustentáveis, pode-se ter uma idéia da reduzida participação da economia do
semi-árido na economia do Nordeste. Não é por outra a razão que o semi-árido
continua influindo pouco nas decisões de investimento do Nordeste. Ou dizendo
de outra forma: é por isso que os problemas das áreas afetadas pelas secas no
Nordeste não conseguem sensibilizar os decisores regionais e nacionais para a
solução dos conhecidos problemas daqueles espaços.

TABELA 4.3
NORDESTE. SETORES SELECIONADOS DA ECONOMIA DO SERTÃO. VALORES APROXIMADOS
DA RENDA APROPRIADA LOCALMENTE, REFERIDOS AO ANO DE 1999

SETORES RENDA APROPRIADA (EM R$ PARTICIPAÇÃO DE CADA


1.000) SETOR NO TOTAL (%)
Economia Agropecuária Tradicional do Semi-Árido 3.500.000 37,31
Aposentados e Funcionários Públicos 5.000.000 53,30
Maconha, no Polígono da Maconha 100.000 1,07
Fruticultura Irrigada de Petrolina-Juazeiro e Mossoró-Açu 470.000 5,01
Nova Indústria de Calçados e Têxtil 10.000 0,11
Soja nos Cerrados 300.000 3,20
TOTAL 9.380.000 100,00
FONTE DOS DADOS BÁSICOS: MAIA GOMES, Gustavo (2001)- Velhas secas em novos sertões; continuidade e
mudanças na economia do semi-árido e dos cerrados nordestinos. Brasília, IPEA, 2001, p. 254 (tabela 9.1).

4.1.5 Especificidades Sub-Regionais

Nos anos 70 e 80, a produção econômica nacional – calcada no Sudeste


– passou por um processo de desconcentração. Teria havido, na primeira
metade dos anos 90, segundo os estudos mais recentes, (Araújo, 2000: 222)
uma certa recuperação daquela economia, que chegou a elevar sua
participação no PIB brasileiro de 60% para 63%. A economia do Nordeste

49
também teve perda de posição entre os mesmos anos de 1990 e 1995, perda,
aliás, que se manteve durante toda a década de 1990. A participação do PIB do
Nordeste no PIB do Brasil foi crescente de 1960 (com 13,2%) a 1989 (com
18,6%) e decrescente de 1990 (16,7%) a 1999 (17,2%), em relação a 1989,
como se vê na tabela 4.1, anterior.

A distribuição espacial das atividades econômicas no Nordeste, à luz das


descrições anteriores, apresenta-se hoje bem distinta da observada há meio
século. Têm-se novas estruturas e novos espaços econômicos, organizados a
partir dos fatores comandados pelas políticas de governo antes referidas e
pelas decisões de investimento privado de empresas nacionais e multinacionais.

De certa forma, esses novos espaços têm sido considerados nos estudos
e propostas de desenvolvimento para a Região. A última contribuição
importante a este respeito corresponde ao documento produzido, em 1999,
pela antiga Secretaria Especial de Políticas Regionais: Nordeste – uma
Estratégia para Vencer o Desafio da Seca e Acelerar o
Desenvolvimento (Albuquerque, 2000-b), publicado pela Sudene. Captando
as particularidades da dinâmica das economias brasileira e nordestina, aquele
documento propõe uma regionalização programática para o Nordeste,
estruturada em torno de seis Áreas Estratégicas, assim denominadas:

i. Arco Litorâneo (compreende quatro subáreas: Regiões


Metropolitanas; Outras Capitais Litorâneas; Zona da Mata; e Restante do
Litoral);

ii. Pré-Amazônia;

iii. Ribeira do Parnaíba (envolve Teresina e o Restante da Ribeira


do Parnaíba);

iv. Semi-Árido;

v. Ribeira do São Francisco (abrange Petrolina-Juazeiro e o


Restante da Ribeira do São Francisco);e

vi. Cerrados.

Essa divisão regional incorpora, em boa medida, o espírito das


orientações estabelecidas no Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento-ENIDs. De particular, a divisão regional mencionada
apresenta uma distinção importante, qual seja a de manter o Semi-Árido como
uma das Áreas Estratégicas prioritárias.

Embora o uso das informações de cada uma daquelas seis Áreas


Estratégicas requeira cautela, sua produção constitui avanço importante. É
possível comparar agora informações físicas (como a superfície territorial),
econômicas (como o PIB) e sociais (como a taxa de urbanização e o IDH) para

50
cada uma daquelas seis Áreas Estratégicas, embora elas estejam referidas a um
ano apenas – o de 1996.

A Área Estratégica do Semi-Árido é a mais ampla em termos


territoriais (50,2% do total do Nordeste); a segunda em peso econômico
(20,1% do PIB total da Região); a segunda em população (41,1% do total); a
quarta no tocante à urbanização (52,6% de sua população vivem em sítios
urbanos); e a quinta em Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (0,508), atrás
apenas da Área Estratégica da Pré-Amazônia (0,491).

Não se pode deixar de salientar que o PIB do Semi-Árido é inferior ao


das três regiões metropolitanas – Salvador, Recife e Fortaleza (40,9%) – e
maior do que o das demais capitais (que é de 18,7% do PIB do Nordeste). Isto
significa que o interior das áreas sujeitas às secas comporta atividades e
espaços com maior densidade econômica do que outros espaços do próprio
semi-árido. Como são numericamente reduzidos os espaços semi-áridos com
tais características, este aspecto aponta para o amplo grau de heterogeneidade
das economias de seus espaços internos.

O que há de mais dinâmico em relação ao Nordeste como um todo, está


acontecendo nos espaços urbanos da Região, inclusive nos que integram a
Zona Semi-Árida. O crescimento econômico nesses espaços tem ensejado a
concepção e estruturação de várias estratégias de sobrevivência, pautadas por
pequenos negócios não-agrícolas, tanto de base rural como de base urbana. É
o caso da produção de queijo, de carne, de sapatos e artefatos de couro,
artefatos de barro, de redes, confecções e bordados. As fontes desses negócios
também estão articuladas à implementação de programas institucionais, a
cargo dos estados, com recursos aplicados em atividades de caráter
nitidamente local. Importante exemplo das possibilidades de aproveitamento
dos recursos locais está sendo oferecido pelo Seridó do Rio Grande do Norte,
graças aos estímulos (via pagamento de melhor preço ao produto) concedidos
ao Programa do Leite. Essa iniciativa vem sendo executada pelo setor
privado e por organizações sociais, com apoio financeiro do governo daquele
Estado. (Seplan. IICA, CDS, 2000.)

A emergência de novos espaços econômicos vem ocorrendo em várias


cidades do Nordeste, onde também estão sendo estruturados pequenos
negócios urbanos em áreas urbanas e pequenos negócios urbanos em áreas
rurais. O fator que vem contribuindo para assegurar sustentação a esses
negócios é a organização social, de base local. O apoio do setor público ainda
não foi dispensado, seja para regular a ação de outros setores – estruturando
ou ordenando modernos processos de gestão –, seja para garantir a existência
de um “guarda-chuva” institucional do qual dependa a criação e/ou legitimação
de novas instituições de apoio ao desenvolvimento.

Essas e outras possibilidades não estão acontecendo no Nordeste de


forma espontânea. Elas só frutificam naqueles terrenos trabalhados com
perseverança, determinação, capacidade técnica e participação bem

51
estruturada dos agentes interessados. A soldagem desses elementos continua
sendo possível, mas ela só tem sido concretizada ali onde o planejamento das
ações tem estado pressente. Em síntese, as possibilidades estão referidas ao
processo concreto de elaboração de planos de desenvolvimento sustentáveis
para um determinado espaço (região, sub-região ou município) que, ao final e
ao cabo, possam ser efetivamente implementados.

Diante das dificuldades por que passam as instituições do Nordeste, no


curso do processo de desmonte do aparelho do Estado, que se vem assistindo,
há mais de dez anos, só existe uma saída, à luz dos instrumentos disponíveis,
que é a de retomar as atividades de planejamento, trabalhando inclusive
depois da meia-noite, para ampliar a eficácia dos processos desencadeados
há mais de 20 anos, quando se fazia o possível para formular seguras
alternativas de planejamento, até a meia-noite, para lembrar a máxima
formulada, em 1979, por Sérgio Boisier (1979: 137), quando escreveu: “¿Que
Hacer com la Planificación Regional antes de Medianoche?”

Entende-se aqui que o planejamento (com participação) e a estruturação


de organizações sociais legitimadas pela defesa de interesses legítimos só
funcionam como instrumentos produtivos eficazes se os processos decorrentes
de sua utilização estiverem devidamente embasados em atividades econômicas.

4.2 POSSIBILIDADES DE MÉDIO PRAZO

O dinamismo relativo apresentado pela economia do Nordeste está


sendo comandado atualmente por iniciativas executadas em áreas:
De pólos industriais;

 De agricultura empresarial, exploradas em regime de sequeiro;

 De agricultura irrigada;

 De pólos turísticos, ao longo do Litoral;

 De algumas Serras e Chapadas, dotadas de recursos hídricos; e

 Urbanas onde haja mecanismos de organização social.

4.2.1 Decisões de Investimento e Financiamento do


Desenvolvimento

Os problemas do Nordeste continuam passando por estas duas questões.


Já foram enfatizadas as mudanças na estrutura econômica do Nordeste. Não há
também como deixar de referir que a base da acumulação regional hoje é
menos rural – montada na grande propriedade e nos negócios de exportação –
do que urbana. E que a economia mais urbana do presente foi ampliada às
custas de incentivos, de grandes negócios imobiliários – envolvendo a

52
construção civil e a prévia aquisição de terrenos em áreas privilegiadas – e de
muito prestígio junto à máquina de Estado.

A estruturação de novas decisões de investimento e a busca de novas


fontes de financiamento são hoje mais difíceis de concretizar porque a Região
não dispõe mais de um Projeto de Desenvolvimento. Ainda assim, há que
pensar sobre a possibilidade de criação de uma nova frente de expansão
econômica, capaz de propiciar a geração de mais renda e mais emprego. No
limite, essa frente poderá ser imaginada como constituindo uma antecipação
de um novo Projeto de Desenvolvimento, que terá de ser estruturado
segundo determinantes políticos, econômicos, sociais e ambientais.
Voluntarismos à parte, a nova frente de expansão econômica (lastreada no
novo Projeto de Desenvolvimento) terá de ser pensada e construída indo-se
além do contexto das atividades dinâmicas atuais, ligadas à indústria
incentivada, ao turismo e à fruticultura irrigada. Admite-se, neste sentido, que
as possibilidades de crescimento das atividades dinâmicas atuais estão a
caminhar para o seu equilíbrio. Suas fontes de financiamento se exaurem,
porque os empresários não contam mais com uma de suas principais fontes de
recursos, representada pelo Fundo de Investimentos do Nordeste-FINOR. E os
recursos próprios aportados pelo setor privado – de dentro e de fora da Região
– também estão minguando. Assim, na melhor das hipóteses, o setor privado
está trabalhando para manter as atividades em curso na Região.

O financiamento de um novo ciclo expansivo no Nordeste deverá ser, de


toda forma, bancado pelo Estado, pelo setor privado, pelas famílias e pelos
setores não-governamentais. Sabe-se que o Estado brasileiro “está de caixa
baixo”, mas ainda dispõe de condições para estruturar uma frente de
investimentos capaz de colocar o Nordeste em novo patamar de
desenvolvimento. Além do gasto público, essa nova “estrada de investimentos”
requer complementação de dispêndios aportáveis pelo setor privado. Gastos
privados só são feitos com finalidades produtivas diante de regras claras, mais
claras, pelo menos, do que as prevalecentes neste começo de século XXI. O
aumento de gastos (ou de investimentos) do governo e do setor privado
constitui o combustível de maior peso para a retomada do desenvolvimento do
Nordeste. O consumo das famílias entra como terceiro fator da equação do
desenvolvimento que é possível estruturar em relação ao desenvolvimento do
Nordeste.

Há um quarto – e pouco ortodoxo – elemento a ser considerado nessa


construção, que está representado pelas organizações dos chamados setores
não-governamentais. Embora pesem pouco, em termos de capacidade de gasto
ou de consumo, as organizações desse setor podem colaborar positivamente
para a mobilização e consolidação de interesses diversos – políticos ou
econômicos –, com os quais vêm sendo construídas várias iniciativas inovadoras
na Região.

A articulação desses quatro “fatores” poderá ser feita mediante o


alinhamento de perspectivas e da coordenação de esforços destinados a

53
estruturar decisões de investimento que interessem – economicamente – a
grupos empresariais do Nordeste do Sudeste e do Sul, em parceria com o
Estado. 30 Indo um passo adiante, é possível admitir que as decisões de
investimento caracterizam-se, neste sentido, como insumo e produto da
construção de novos e dinâmicos interesses políticos, que atuam, por sua vez,
como cimento de consolidação de uma bem concebida proposta de
desenvolvimento para o Nordeste.

Que negócios poderiam ser estruturados em torno de um Projeto para


o Nordeste, que tivesse como propósito aglutinar os vários interesses antes
referidos?

Diante dos problemas, restrições diversas e possibilidades com que conta


o Nordeste, não constitui exagero caracterizá-lo pela execução de um
empreendimento estruturante do porte do Projeto de Transposição de
Águas do São Francisco. A concretização desse Projeto já passou da fase
de idealização e venceu a fase de estudos e projetos, adentrando a fase de
execução inicial. Com efeito, algumas das obras que integram seus diferentes
módulos se encontram concluídas ou em fase de conclusão, a exemplo dos
Açudes Orós (concluído em 1960) e do Açude Castanhão (que está sendo
concluído), ambos localizados no Estado do Ceará. Por conta dos múltiplos
desdobramentos (políticos, sociais, ambientais e financeiros) do Projeto, sua
consolidação continua a exigir esforços de articulação por parte dos grupos
sociais que lhe dão sustentação, integrantes do setor público, do setor privado
e de setores não-governamentais, inclusive dos que até aqui têm se
manifestado contrariamente à sua concretização.

É disso que se tratará no próximo item.

4.2.2 Projeto de Transposição de Águas do São Francisco 31

As discussões sobre esse Projeto vêm de longa data. As propostas


originais foram formuladas no decênio de 1847-1857 pelos engenheiros Antônio
Marco de Macedo – autor da primeira proposta sobre o assunto –, Tristão Franklin
de Alencar Lima e Domingos Jaguaribe. (Alves, 1958: 175-179) Vieram depois as
proposições – também gerais – dos membros da Comissão Científica de
Exploração, instituída por D. Pedro II, em 1856, com o propósito principal de

30
Não estão sendo deixadas de lado as articulações de dependência entre os setores
empresariais do Nordeste e os do Centro-Sul. Reconhece-se, como tem sido assinalado por
vários economistas, que, “Por conta do sistema de incentivos fiscais, muitos empreendimentos
situados no Nordeste são controlados por empresas cujas sedes administrativas encontram-se
em São Paulo, uma vez que a Região não possui uma classe empresarial suficientemente forte.
No momento em que a crise dos anos 80 eclodiu, os empresários tentaram preservar as suas
empresas localizadas no Centro-Sul, investindo menos nas suas empresas do Nordeste.”
(Holanda, 1996: 192.)
31
A elaboração deste item beneficiou-se das informações levantadas e sistematizadas pelo
autor em estudo publicado na Revista Econômica do Nordeste. (Carvalho, 1994.)

54
pesquisar novas riquezas minerais no Nordeste (Braga, 1962), que poderiam
contribuir para a ativação da economia nacional. 32

Nos anos de 1912/1913, a antiga Inspetoria de Obras Contra as


Secas-IOCS foi solicitada a se manifestar sobre o assunto, produzindo estudos
topográficos sobre a área por onde deveria passar o “Imaginado Canal São
Francisco-Jaguaribe”. Esses estudos foram publicados na imprensa do Rio
de Janeiro, em 1914, dando conta de que o Projeto era impraticável. Em 1919,
as informações disponíveis foram revisadas pelo engenheiro F. J. da Costa
Barros, da IOCS, 33 que considerou o Projeto inviável do ponto de vista técnico
e econômico. Ele constatou que havia cotas de terreno cujo domínio exigia a
construção de um túnel, com cerca de 300 km de extensão, a ser escavado a
uma profundidade máxima de 250 metros (Barros, 1959). Anexou ao seu
estudo o mapa referente ao “Indicado Canal do São Francisco-Jaguaribe”,
preparado sob a responsabilidade do engenheiro Henrique Guilherme Fernando
Halfeld (1860), que estudara o Rio São Francisco nos anos de 1852 a 1854.

As idéias de implementação do Projeto de Transposição de Águas do São


Francisco 34 só voltariam a ser discutidas nos anos 70 do século XX. Em 1972, o
Deputado Federal Wilson Sá Roriz, do Ceará, retomou a idéia do Projeto,
encaminhando-o à Presidência da República. Ouvido a respeito, o DNOCS
manifestou-se contrário à construção do Projeto.

Em meados da segunda metade dos anos 70, o Departamento Nacional


de Obras de Saneamento-DNOS foi incumbido de aprofundar os estudos sobre
o assunto, contando com a cooperação técnica do Bureau of Reclamation dos
Estados Unidos. No começo dos anos 80, o DNOS concluiu o Plano de Ação para
Irrigação do Nordeste Semi-Árido Complementada com Águas do Rio São
Francisco. (MDU. DNOS, 1985.) Esses estudos foram avaliados, em 1983, pelo
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica-DNAEE, no contexto das
alternativas de transposição de águas dos rios Tocantins e São Francisco para o
Nordeste Semi-Árido. (MME. DNAEE, 1983.) O survey preparado pelo DNAEE
examinava seis alternativas de transposição para o semi-árido,
envolvendo rios como o Tocantins, Sono, Balsas, Parnaíba, Itaueiras, Piauí,
Canindé, Gurguéia, Salgado, Jaguaribe, Piranhas, Açu, Garças e Brígida. As
vazões com as transposições previstas para essas seis alternativas seriam da
ordem de 2.200 m³/s.

Em 1994, o Ministério da Integração Regional formulou Proposta específica


para a alternativa básica preparada pelo DNOS, de acordo com a qual seriam
desviados 280 m³/s de água do Rio São Francisco. Em 1995, os estudos foram
retomados pela Secretaria Especial de Políticas Regionais-Sepre, reavaliando os
critérios e parâmetros que fundamentavam a concepção do anteprojeto das
obras. Desse estudo resultaram diretrizes orientando a elaboração do Projeto
32
Veja-se também as contribuições de Ottoni Neto (1978; 1981; e 1981-a.) e Borges, 1981.
33
Transformada, naquele mesmo ano, em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas-IFOCS.
34
Ou das águas do São Francisco, como imprecisamente tem sido veiculado na imprensa e
até em alguns meios técnicos.

55
Básico dos Sistemas da Transposição, estruturados de forma a permitir a
transposição efetiva de 150 m³/s de água para os Estados do Ceará, Paraíba e
Rio Grande do Norte. Aqueles estudos foram retomados pelo Ministério da
Integração Nacional, em 1999, aprofundando as alternativas técnico-econômicas
de obras e detalhando os serviços de campo, de topografia e geotecnia. Esses
novos estudos estiveram a cargo de três consórcios de empresas privadas,
adiante referidas.

Os estudos realizados pelo Ministério da Integração Nacional


beneficiaram-se das informações constantes do Plano de Aproveitamento
Integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste (Plirhine), complementados e
ampliados pelo Projeto Áridas. 35 O conjunto de estudos do Ministério da
Integração Nacional representa hoje o mais detalhado repositório de
informações sobre os recursos hídricos do Nordeste e de sua Região Semi-
Árida, no quadro da estruturação do Projeto de Transposição de Águas do São
Francisco. 36 Esses estudos mostram, com nível de crescente aprofundamento,
a inadequação entre a oferta e a demanda de recursos hídricos no Nordeste.

O prosseguimento das obras e serviços do Projeto de Transposição


constitui o desdobramento lógico e natural para a solução de várias das
questões até aqui tratadas. De mais importante, porém, é a característica de
esse Projeto poder contribuir decisivamente para a solução dos problemas de
abastecimento de água de vastas áreas do Nordeste semi-árido e para a criação
e condução sustentada de novas atividades econômicas, em áreas urbanas e
rurais de toda a Região Semi-Árida do Nordeste.

Esse Projeto tem de novo, em relação a vários outros empreendimentos


iniciados ou imaginados como solução para os problemas do Nordeste, a
possibilidade de produzir, distribuir e gerir adequadamente os recursos hídricos
necessários ao atendimento da crescente demanda de água na Região. Enfatiza
em particular a possibilidade de encaminhar soluções positivas para a solução
dos problemas de abastecimento enfrentados pelos diferentes usuários dos
estados do Nordeste, caracterizando como prioritário o atendimento dos
estados mais carentes da Região, em matéria de recursos hídricos: o Ceará, o
Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco.

Ao contrário do que se tem veiculado, a transposição de cerca de 2% da


vazão regularizada do Rio São Francisco a jusante de Sobradinho (calculada em
2.250 m³/s), para aqueles estados do Nordeste Oriental, não propicia prejuízo à
geração de energia elétrica, nem amplia os problemas ambientais até aqui
identificados ao longo da Bacia do São Francisco. Ao contrário, os problemas
ambientais ali encontrados passarão a ter a exata solução, como já começaram

35
Esse Projeto constituiu uma iniciativa de todos os estados do Nordeste, conduzida nos anos
de 1993/94, sob a coordenação da antiga Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação
da Presidência da República (SEPLAN-PR). Sua coordenação técnica esteve a cargo de Antônio
Rocha Magalhães (pela SEPLAN) e Carlos Luiz de Miranda (pelo Instituto Interamericano de
Cooperação para a Agricultura-IICA).
36
Referidas na Bibliografia.

56
a ter, com o Programa de Revitalização do Rio São Francisco, concebido
e aprovado a partir e como resultado dos estudos realizados para a viabilização
do Projeto de Transposição, exatamente em decorrência das exigências de
recuperação ambiental da Bacia do São Francisco. Sem a iniciativa do Projeto
de Transposição, com certeza, ainda não se teria podido elaborar o Programa
de Revitalização do Rio São Francisco, proposto pelo Ministério do Meio
Ambiente-MMA.

O Projeto de Transposição de Águas do São Francisco, batizado como


Projeto São Francisco, pelo Ministério da Integração Nacional, já poderia ter
tido sua execução iniciada, a partir dos estudos realizados. 37 A respeito, foram
concluídos três conjuntos de estudos: os de Engenharia (alternativas,
viabilidade técnica e econômica e Projeto Básico), os Ambientais (Estudos de
Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) e os de Inserção
Regional. Desses trabalhos encarregaram-se, pela ordem, os consórcios
Engecorps-Harza e Jaakko Pöyri-Tahal, e a empresa VBA Consultores.

É muito densa e volumosa a produção que corporifica aqueles três


conjuntos de estudos técnicos. Ao todo, estão disponíveis 51 Relatórios
Técnicos, assim especificados:

i. 32 Relatórios de Engenharia, correspondendo o de número 32


ao Relatório Síntese de Viabilidade Técnico-Econômica e Ambiental do
Empreendimento (Consórcio Engecorps-Harza);

ii. 16 Relatórios de Inserção Regional, correspondendo o de


número 16 ao Relatório Geral de Avaliação do Projeto de Transposição (VBA
Consultores);

iii. 01 Relatório de Impacto Ambiental (Consórcio Jaakko Pöyri-


Tahal);

iv. 01 Relatório sobre o Estudo de Impacto Ambiental, em 16


volumes (Consórcio Jaakko Pöyri-Tahal); e

v. 01 Relatório de Avaliação Preliminar da Transposição de


Águas do Rio Tocantins para o Rio São Francisco.

Esse último Relatório foi produzido com o propósito de antecipar


questões relacionadas à necessidade de a viabilização política do Projeto de
Transposição poder vir a depender da importação de águas de bacias doadoras
vizinhas. (MI. SIH, 2000-a). Neste sentido, o Projeto São Francisco caminha na
direção da alternativa de transposição que está sendo estudada e detalhada

37
Em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, por intermédio da Fundação de
Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais-FUNCATE, vinculada ao Instituto de Pesquisas
Espaciais-INPE.

57
pela Codevasf, no bojo do Projeto de Desenvolvimento do Semi-Árido, batizado
de Projeto Semi-Árido. (MI. Codevasf, 1999.)

O Projeto São Francisco estará integrado por uma sucessão de canais,


aquedutos, túneis e reservatórios que têm origem em duas tomadas d’água a
serem construídas após a barragem de Sobradinho. Com a água captada nessas
duas tomadas serão transpostos 127 m³ de água por segundo, por meio das
obras que integram os Eixos Norte e Leste. A vazão total média nos dois
Eixos será de 64 m³/s. A alternativa escolhida apresenta vantagens importantes
sobre as demais alternativas estudadas, 38 pois o Eixo Principal da
transferência alonga-se no divisor de águas dos Estados do Ceará e da Paraíba,
alimentando todas as bacias por gravidade, sem necessidade de novos
bombeamentos. Considera, ainda, outras vantagens, como a de assegurar
melhor qualidade da água na entrada de cada estado e de possibilitar uma
gestão mais flexível da água, com a possibilidade de criar uma bolsa d'água,
cujo destino dependerá da capacidade de cada estado em pagar pela água ao
concessionário do Projeto. (MI. SIH, 2000-e: 11; e MI. SIH, 2001.)

O conjunto dos dois eixos e suas ramificações terá cerca de 700 km de


extensão. A primeira captação d’água atenderá o Eixo Norte, e será construída
próxima da cidade de Cabrobó, em Pernambuco. A segunda, servirá ao Eixo
Leste, saindo do reservatório de Itaparica. Um terceiro eixo em direção ao
semi-árido do Piauí já está em estudos. MI. SIH, 2001: 23.)

De acordo com os estudos realizados pelo Ministério da Integração


Nacional, os déficits das bacias receptoras beneficiárias do Projeto – nos
Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco – derivados do
balanço entre oferta e demanda de água, correspondem, respectivamente, a
21,6 m³/s, no ano de 2010, e a 87,2 m³/s, no ano de 2025. Considerando as
sinergias propiciadas pelo Projeto nos açudes receptores, a vazão média
necessária a ser bombeada do Rio São Francisco será de 20 m³/s, em 2010, e
de 63,2 m³/s, em 2025. (MI. SIH, 2000-a: 35.)

As vazões máximas a serem bombeadas, no ano de 2025, em vista das


demandas identificadas nas diferentes bacias beneficiárias, são as especificadas
na tabela 4.4, a seguir, para os Eixos Norte e Leste do Projeto.

38
Incluindo-se as alternativas estudadas pelo DNOS, avaliadas pelo DNAEE.

58
TABELA 4.4
DISTRIBUIÇÃO DAS VAZÕES A SEREM BOMBEADAS, POR ESTADO (m³/s), NOS EIXOS NORTE
E LESTE
ESTADO EIXO NORTE EIXO LESTE TOTAL
Paraíba 10 10 20
Ceará 40 - 40
Rio Grande do Norte 39 - 39
Total Transferido 89 10 99
Pernambuco (*) 10 18 28
TOTAL 99 28 127
FONTE: Ministério da Integração Nacional-MI. Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica-SIH (2000)-
Projeto São Francisco. Brasília-DF, MI/SIH, janeiro, 2000. Xerox.
(*) Distribuição de 8 m³/s para o Agreste e de 10 m³/s para a Bacia do Moxotó.

A decisão de implementar o Projeto de Transposição continua


constituindo objeto de ampla discussão, como mostram as matérias publicadas
em jornais do Nordeste e do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. O exame das
matérias produzidas pelo Jornal do Brasil (edição de 19 de janeiro de 2000) e
pela Folha de São Paulo (em sucessivas reportagens e artigos assinados)
contribui para mostrar a importância da opinião pública na formulação daquela
iniciativa. Os protestos apresentados por pesquisadores, ambientalistas,
comunidades indígenas, populações ribeirinhas, setores da Igreja Católica e
políticos contribuíram para que os Órgãos Estaduais do Meio Ambiente-OEMAs
de Alagoas, Sergipe e Bahia formulassem pareceres contrários à aprovação do
RIMA. Por conta disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis-Ibama não aprovou, em meados de 2001, o Relatório de
Impacto Ambiental – RIMA que lhe fora encaminhado no primeiro semestre de
2001 pelo Ministério da Integração Nacional.

Grande parte das lideranças de Alagoas, Sergipe e Bahia são


desfavoráveis ao Projeto de Transposição, porque o empreendimento, tal como
se acha estruturado, não irá propiciar qualquer benefício direto a esses estados.
É lícito supor que o quadro possa ser diferente, na hipótese de se
estabelecerem negociações que também possam beneficiar esses três estados,
caracterizados como integrantes das bacias doadoras do Projeto São Francisco.
A Bahia, que é o estado aquinhoado com maiores faixas de terras irrigáveis e
de recursos hídricos na Bacia do São Francisco, poderá, em minha opinião, vir a
se manifestar favoravelmente ao Projeto, diante da possibilidade de aumentar a
vazão regularizada do São Francisco, a montante de Sobradinho, em mais
180m³/s, mediante a construção de obras de regularização nas sub-bacias dos
rios Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente, Grande e Jequitaí. 39

Os argumentos defendidos pelos segmentos sociais contrários ao Projeto


estão pautados, em boa medida, por critérios ideológicos. Ora, o RIMA
elaborado pelo Ministério da Integração Nacional seguiu, à risca, os Termos de
Referência formulados pelo Ibama. Pode não conter todas as respostas aos

39
Essas obras estão previstas na alternativa de transposição/regularização de águas trabalhada
pela Codevasf no Projeto Semi-Árido.

59
problemas ambientais, mas essas questões foram ali tratadas com profundidade
e extensão suficientes para serem aprovadas. A não aprovação do RIMA pelo
Ibama não é definitiva. O assunto voltará, com certeza, a ser encaminhado ao
Órgão Nacional do Meio Ambiente, oportunamente, acrescido das informações e
esclarecimentos que eventualmente tenham sido solicitadas por aqueles OEMAs
e pelo mesmo Ibama. É uma questão de tempo e de conjuntura política.

Mais pesados do que as restrições ambientais são a importância


econômica e os argumentos apresentados pelo setor elétrico, que não tem
admitido, historicamente, outro uso prioritário para as águas do São Francisco,
além do referido à geração de energia. Neste setor se originam os argumentos
mais contundentes sobre a inconveniência de tornar efetivo o Projeto de
Transposição. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco-CHESF assume que
as águas desse rio destinam-se, em essência, à geração de energia. Sempre foi
assim. Ademais, há grupos de técnicos e formadores de opinião no Nordeste
fazendo coro com a Companhia, na defesa do mesmo ponto de vista. Tem-se
salientado, além disso, que a destinação das águas do São Francisco a outros
usos – como os previstos no Projeto de Transposição – irá comprometer o
futuro desenvolvimento do Nordeste, por diminuir a capacidade de geração de
energia elétrica por parte daquela Empresa.

Quem concedeu esse suposto monopólio à CHESF? O Estado? O setor


privado?

Os recursos hídricos disponíveis no São Francisco constituem um bem


público, que deve ter utilização econômica e social compatível com as
demandas da sociedade brasileira e do Nordeste. A produção adicional de
energia que o Nordeste vier a requerer poderá ser atendida com a água do São
Francisco, do Tocantins ou de outras bacias. Hoje, o Nordeste já utiliza energia
da Amazônia – proveniente de Tucuruí. No conjunto dos 1.300 MW médios
transportados do Norte para o Nordeste, cerca de 300 MW médios vêm do
Sudeste, como parte dos 2.300 MW médios que a Região Sul exporta para o
Nordeste. Todos esses percursos são realizados porque ainda não há ligação
direta entre os sistemas do Sudeste e do Nordeste. O desenvolvimento do
Nordeste poderá, no futuro, ter de contar com mais energia de outras regiões e
de outras fontes. Neste sentido, pode vir a atender parte de suas demandas
com energia de outras fontes (eólica, atômica).

As dificuldades de geração enfrentadas atualmente pelo Nordeste têm


muito que ver com a queda de vazão dos grandes reservatórios do Sistema
CHESF, existentes na Região. Mas essa circunstância não pode constituir
argumento para impedir a implementação do Projeto de Transposição.
Reconhece-se a impossibilidade de os gestores do setor elétrico não terem
podido controlar os efeitos da “política de São Pedro”, que comandou as
reduções de vazão decorrentes dos sete anos de seca ocorridos nos anos de
1990 (1990, 1991, 1992, 1993, 1998, 1999 e 2000). Mas se sabe que esses
efeitos poderiam ter sido minimizados – via planejamento –, adotando-se
decisões de investimento compatíveis com as circunstâncias particulares do

60
setor elétrico. As empresas desse setor sempre trabalharam com horizontes de
planejamento superior a 20 anos. Puderam, inclusive, controlar situações
difíceis, como as administradas, via racionamento, em 1989, no governo do
Presidente Sarney.

O argumento de que os níveis críticos de vazão da Barragem de


Sobradinho seriam ainda maiores, na hipótese de implementação do Projeto de
Transposição, tem, assim, força apenas relativa. Apesar dos percalços por que
vem passando o setor público no Brasil em geral e no Nordeste em particular,
desde o início de 1990, é lícito supor que outro teria sido o tratamento dado às
águas do São Francisco, no contexto daquela hipótese. A conjunção dos
múltiplos interesses em torno da utilização de suas águas teria sido mais bem
articulada.

61
5. GRANDES QUESTÕES PARA O NORDESTE DO TERCEIRO
MILÊNIO

Algumas das grandes questões identificadas no final dos anos 50


continuam em pauta. Milhares de nordestinos padecem de fortes privações em
suas necessidades e demandas essenciais. Há questões que tiveram seus
determinantes agravados e há questões novas. Estas últimas exigem
compreensão compatível com o ritmo dos tempos modernos, competitivos, pois
são qualificadas como correspondentes a temas que ou continuam vigorando
ou estão entrando em pauta. Neste caso, podem ser incluídas na categoria de
problemas novos ou representarem perspectivas de solução para dificuldades
conhecidas. Novas ou remoçadas questões para o debate. É disso que se
tratará na seqüência, destacando as seguintes:

i. Produção, Distribuição e Gestão de Recursos Hídricos;

ii. Novas Formas de Cidadania: da Posse da Terra à Organização


Social;

iii. Nova Institucionalidade;

iv. Planejamento do Desenvolvimento Regional Sustentável; e

iv. Pobreza como Privação de Capacidades.

5.1 PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS


HÍDRICOS

A água já foi incorporada ao rol dos bens econômicos. É um bem


econômico porque tem um custo para ser obtida, embora nem todos paguem
para consumi-la. O preço da água no Nordeste pode ser pago em dinheiro –
como faz a grande maioria dos consumidores urbanos e dos consumidores
produtivos – ou em esforço braçal, como ocorre com boa parte das pessoas
que, residindo no campo, integram a demanda rural difusa. Para atender a
qualquer uma dessas situações, a água tem de ser produzida. Produz-se água
quando se constrói uma cisterna ou um açude; quando se perfura um poço ou
se instala uma tomada d’água em um rio; quando se constrói uma adutora,
para distribuir água nas fazendas, em casas do meio rural e nas cidades. O
trabalho agregado em qualquer uma dessas atividades tem custo, que é
passado ao preço da água. Até mesmo a água distribuída em carros-pipa tem
um custo específico, que se não é pago por quem dela se beneficia é porque o
governo arca com o ônus de sua distribuição.

No Nordeste, o preço da água ainda não é pago por todos, mas pode vir
a ser, no futuro. Enquanto isso não acontece, a produção e distribuição de água
são realizadas a custos mais elevados do que os praticados em condições de

62
maior eficiência de uso combinada com cobertura completa de custos. O
balanço hídrico entre oferta e demanda de água no Nordeste indica a existência
de uma oferta média superior à demanda. Na prática, porém, essa situação é
desfavorável em muitos espaços da Região, porque há um grande número de
bacias hidrográficas nas quais há insuficiência de oferta frente às demandas. A
busca do equilíbrio é feita por intermédio da produção adicional de água,
armazenada por meio da construção de açudes, adutoras e cisternas, além da
perfuração de poços.

Em termos de volume, as capitais de estado e, em particular, as três


regiões metropolitanas da Região (Salvador, Fortaleza e Recife) constituem as
áreas mais carentes de água no Nordeste. Mas o Semi-Árido e o Agreste
apresentam mais dificuldades do ponto de vista da distribuição espacial da
demanda. Esses problemas tendem a exigir soluções mais complexas porque o
seu atendimento depende de providências tomadas no âmbito de cada um dos
estados da Região. Os problemas dos estados com bacias hidrográficas
carentes – como o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco –exigem
soluções conjuntas, como as que estão sendo pensadas no contexto do Projeto
de Transposição de Águas do São Francisco, quer se trate da alternativa
trabalhada pelo Ministério da Integração Nacional ou pela Codevasf.
Individualmente, nenhum daqueles quatro estados poderá dar solução aos
graves problemas de abastecimento hoje enfrentados por suas populações.

Tenho dito em algumas oportunidades que “o Projeto de Transposição


de Águas do São Francisco não vai ser executado, porque, na realidade, ele já
está sendo executado.”

Pensado em 1847, o Projeto de fato começou com a construção do


Açude Orós, de cujas águas provém boa parte da oferta que atende Fortaleza,
via Canal do Trabalhador. Teve continuidade com a construção do Açude
Castanhão. E prossegue com os estudos realizados pelo Ministério da
Integração Nacional e pela Codevasf. Não há como desconsiderar os impactos
do crescimento urbano da população do semi-árido sobre a demanda de
recursos hídricos do Nordeste. O atendimento da demanda colocada por essa
população – dispersa em vilas, distritos e cidades de porte variado e, mesmo,
no meio rural – constitui o fundamento sobre o qual se assenta hoje a
implementação do Projeto de Transposição. Isto não significa que o Projeto vá
resolver, de imediato, todas as carências hídricas do Nordeste. Mas sem ele
não haverá gestão adequada dos recursos hídricos que solucione as crescentes
carências e demandas de água já identificadas e calculadas. Simplesmente,
porque não haverá oferta adicional de água para ser gerida.

A escassez, a falta e a gestão inadequada dos recursos hídricos do


Nordeste como um todo e do semi-árido em particular constituem questão cuja
solução passará por esse Projeto. Aqueles problemas vão ser solucionados na
dependência decisões que vierem a ser tomadas neste começo de novo século
a respeito da implementação do Projeto de Transposição.

63
5.2 NOVAS FORMAS DE CIDADANIA: DA POSSE DA TERRA À
ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Por volta dos anos de 1950, a cidadania nos campos do Nordeste


dependia da posse de um pedaço de terra – qualquer que fosse o seu tamanho.
O homem do campo que não dispusesse da propriedade desse meio de
produção, quer fosse morador ou parceiro, trabalhando no interior de uma
fazenda, era considerado à distância. Não chegava a ser propriamente um
cidadão, exceto nos dias de eleição, quando seu voto – muito disputado – era
pago com almoço e transporte para ir e vir da cidade onde fosse votar.
Diferente, de fato, era a situação dos pequenos proprietários de terra. Estes
eram considerados senhores de terra e cidadãos, por menor que fossem seus
pedaços de chão.

Esse quadro mudou um pouco. Um olhar sobre o meio urbano do


Nordeste daquela época, comparado com o que foi sendo estruturado a partir
dos anos 80, indica que a urbanização contribuiu para produzir uma nova
cidadania. Passou-se de uma cidadania garantida pela posse da terra para uma
cidadania construída pela força da organização social.

A nova cidadania foi construída a partir da organização das associações


dos pequenos proprietários rurais e dos trabalhadores sem terra, qualificados
como “moradores”, meeiros e outras categorias de “condiceiros”, espalhadas
nos diversos espaços naturais do Nordeste. Essas organizações foram
estruturadas por processos e lutas distintas na Zona Litoral-Mata (esteio das
monoculturas da cana-de-açúcar e do cacau); no Agreste (terra da policultura
alimentar); no Semi-Árido (território onde, na ausência de secas, foram
exploradas por muitos anos as atividades do complexo pecuária-algodão-
lavouras alimentares); nas áreas de Cerrado da Bahia, Piauí e Maranhão; e nas
terras úmidas da Pré-Amazônia Maranhense.

A estruturação das organizações sociais que hoje defendem os interesses


das minorias de despossuídos foi motivada e impulsionada pelo poder criado
com a superação das privações a uma vida melhor. Já no início dos anos de
1980, o Nordeste era caracterizado como uma das mais importantes regiões do
País, no que se refere ao número de Sindicatos de Trabalhadores Rurais e ao
Número de Associados. A Região contava, em 1982, com 43,0% do número de
sindicatos e com 43,4% do seu número de associados, segundo dados da
Assessoria Jurídica e Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura-Contag. (Carvalho, 1985: 18.) Esse reordenamento social teve início
no campo, mas ganhou mais impulso foi nas vilas e cidades da Região. No meio
urbano, aquelas organizações passaram a adquirir densidade, com a adesão
dos que começavam a se organizar em torno da defesa dos direitos civis em
geral e do meio ambiente em particular. Os trabalhadores passaram a dispor de
mais espaço social com o apoio e a cooperação técnica de Organizações Não-
Governamentais-ONGs, ligadas a atividades tanto rurais como urbanas.

Essa ampliação da cidadania está contribuindo para alterar o quadro

64
político em vários municípios do Nordeste, onde estão sendo eleitos prefeitos e
vereadores de oposição. Os trabalhos de base comunitária que vão sendo ali
viabilizados favorecem a superação de algumas carências básicas na prestação
de serviços essenciais, como os de saúde e educação. Embora ainda não haja
uma maior independência dos recursos financeiros aplicados localmente pelo
governo federal e pelos governos estaduais, já é possível observar a criação de
novas forças políticas, em escala municipal.

A cidadania pela posse da terra está sendo complementada atualmente


pela provida por meio da organização social. A manutenção dos diferentes
processos de organização social, não apenas por mérito, mas por sua ligação
com novas atividades econômicas, deverá integrar, mais e mais, a agenda de
trabalho dos grupos sociais comprometidos com o desenvolvimento do
Nordeste. E a posse da terra para quem nela trabalha continua constituindo
instrumento importante de constituição e fortalecimento da cidadania.

5.3 NOVA INSTITUCIONALIDADE

O caráter reformista das ações realizadas pela Sudene por pouco não a
levou a ser extinta, em 1964. Sua continuidade resultou de muito esforço das
lideranças progressistas do Brasil. Esforço compensado. Por permanecer em
atividade, estudando e pensando os problemas do Nordeste no contexto
nacional, a Sudene contribuiu para que os problemas centrais da Região não
fossem relegados a plano secundário. Ainda que as situações enfrentadas
tenham sido crescentemente difíceis, a Sudene pôde produzir estudos, formular
diretamente e promover a elaboração de planos e programas para a Região
como um todo, considerando sempre as especificidades econômicas e
socioambientais do Nordeste. Neste sentido, a Superintendência manteve-se
ativa na defesa de soluções socialmente adequadas aos problemas nordestinos.
Identificou e quantificou as disponibilidades de recursos naturais, formulou
inúmeras alternativas para resolver a questão agrária, estruturou opções de
desenvolvimento global e setorial, para espaços selecionados, e colaborou
positivamente para a instituição de modernos processos de gestão, nas
diferentes esferas de governo, com ênfase, inicialmente, nas administrações
estaduais.

Mas uma das realizações essenciais da Sudene está referida ao seu papel
de unificação e integração de demandas e soluções ou alternativas de soluções
para os problemas da Região em seu conjunto. Esse papel pôde ser
desempenhado graças ao seu Conselho Deliberativo, no qual tinham assento os
governadores dos estados do Nordeste. Daí as decisões adotadas por esse
Colegiado terem podido assumir consistência política intrínseca. A Sudene, na
qualidade de Secretaria Executiva do Conselho Deliberativo, atuava como
instância técnica e o Conselho como instância política. Juntos, articulavam
processo técnico e processo político. As decisões de política econômica
eram aprovadas pelo Conselho Deliberativo, que se reunia, ordinariamente,
uma vez por mês. Por meio do Conselho, o Nordeste sempre foi ouvido em suas
horas difíceis. Muitos Presidentes da República consideraram indispensável falar

65
do palco representado pelo Conselho – inclusive durante os governos militares
–, quando queriam fazer-se ouvir em assuntos que dissessem respeito aos
nordestinos e às suas causas sociais.

Mas o trabalho político do Conselho Deliberativo, durante os governos


militares, não foi fácil. O Colegiado chegou a fraquejar em alguns momentos,
porque os governadores não tinham a força política de antes, quando eleitos
pelo voto direto.

Mesmo assim, a fragilização política da Sudene caminhou para seu limite


em 1985, por estranho que possa parecer, quando os governadores já eram
eleitos, desde 1982, pela via direta. Sob o argumento da eficiência
administrativa, Brasília decidiu que o Conselho Deliberativo da Superintendência
passasse a se reunir apenas de três em três meses. A decisão enfraqueceu
demais a Sudene, refletindo negativamente sobre as decisões de investimento
do Nordeste. De natureza essencialmente burocrática, aquela decisão foi
concebida e posta em prática no contexto dos projetos de reforma do Estado
brasileiro, implementados a partir do último triênio dos anos 80. Como
resultado, as unidades federadas com menor peso econômico e político dentro
do Nordeste ficaram sem ter a quem recorrer, sem palco para explicitarem e
discutirem seus problemas, até mesmo para defender as demandas imediatas dos
trabalhadores rurais, nos anos de grandes secas.

O enfraquecimento político da Sudene atendeu ao propósito de fazer


avançar as reformas neoliberais então postas em marcha pelo Estado brasileiro.
De fato, a Sudene nunca foi perdoada por defender com veemência os
interesses do Nordeste. Por isso, era considerada pelas altas esferas da
administração pública federal uma instituição intermediária incômoda e
dispensável. Intermediária e incômoda porque trabalhava para que as
estratégias concebidas em benefício do Nordeste – legitimadas por seu
Conselho Deliberativo – refletissem as efetivas demandas da sociedade
regional. Dispensável porque os Ministérios em Brasília consideravam-se
senhores das funções exercidas pela Sudene. As autoridades desses Ministérios
entendiam não ser necessário manter uma instituição daquela natureza na
Região, se os Ministérios podiam executar as tarefas historicamente cometidas
à Sudene. Aqueles decisores não atinavam para as enormes desigualdades
sociais do Nordeste e, em vista disso, para o caráter extraordinário das funções
atribuídas à Sudene. Por isso, esta Superintendência teve de conviver com
dificuldades crescentes ao longo de sua existência, v. g., depois de 1964.

As dificuldades cessaram em 02 de maio de 2001, quando a Sudene foi


extinta pela Medida Provisória nº 2.145, conforme referido no item 2.4 anterior.
Como ficará agora o Nordeste com a substituição da Sudene pela Agência de
Desenvolvimento do Nordeste-Adene? A criação dessa Agência entra um pouco
na categoria dos “arrombamentos de porta aberta”, pois a Sudene sempre
foi uma Agência de Desenvolvimento, dotada, inclusive, de instrumentos
de notável eficácia nas áreas financeira, orçamentária, informacional,
organizacional e de planejamento. Antes de comentar aspectos da contextura

66
dessa nova Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene, convém refletir
um pouco sobre os seguintes aspectos:

i. a lógica das instituições ordinárias e extraordinárias do setor


público; e

ii. a natureza das agências de desenvolvimento no quadro das novas


instituições do setor público brasileiro.

Lógica das instituições ordinárias e extraordinárias do setor


público brasileiro. As instituições públicas no Brasil têm sido criadas para
exercerem atividades permanentes ou atividades temporárias. No
primeiro caso, se enquadram as instituições responsáveis pela prestação de
serviços básicos essenciais, de saúde, educação, segurança pública e defesa
nacional. São entes públicos que exercem atividades permanentes os
Ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça; as Forças Armadas, a Receita
Federal, a Fazenda Nacional e a Diplomacia. No segundo caso se enquadram as
instituições que produzem serviços necessários ao atendimento de situações
extraordinárias, criadas com prazo de vigência delimitado. Entidades
extraordinárias são aquelas cuja criação é comandada pela exigência de
cumprimento de uma determinada e particular missão, como a de promover o
desenvolvimento em uma dada região ou sub-região do País, em prazo
predeterminado. A Sudene constitui nosso exemplo paradigmático.

O caso representado pela Sudene também pode ser encontrado em


países de economias avançadas. Ali têm sido criadas instituições
extraordinárias, com missão definida e prazo preestabelecido. Exemplos dessas
situações, fora e dentro do Brasil, são especificados a seguir:

 Bureau of Reclamation, dos Estados Unidos da América. Criado


em 1902, continua funcionando. (http://www.usbr.gov/main);

 Cassa per il Mezzogiorno, da Itália. Criada em 1950, deixando


de funcionar nos anos 90; 40

 Délégation à l'Aménagement du Territoire et à l'Action


Régionale-DATAR, da França. Instituída em 1963, continua funcionando. Está
vinculada ao Gabinete do Primeiro Ministro da França, no âmbito do Ministério

40
A “Cassa” foi extinta sem cumprir a missão de eliminar as desigualdades regionais entre o Sul
(região do Mezzogiorno) e o Norte do Itália. Naquele país continuam sendo realizados esforços
para a criação de instrumentos extraordinários de redução das desigualdades regionais no
Mezzogiorno. A formulação de um Plano Nacional de Infra-estrutura e Segurança do
Mezzogiorno – voltado inclusive para a geração de empregos e para a gestão do território e a
segurança ambiental – a partir de Proposta de Lei (popular), formulada com apoio do Partido
da Refundação Comunista, constitui um dos exemplos recentes das medidas a este respeito.
(http://www.rifondazione.it/mezzogiorno).

67
de l'Aménagement du Territoire et de l'Environnement.
(http://www.datar.gouv.fr);

 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS,


instituído em 1946, no lugar da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas-
IFOCS, que substituíra, em 1919, a Inspetoria de Obras Contra as Secas-IOCS,
criada em 1909. O DNOCS foi extinto em 1° de janeiro de 1999. Ainda subsiste
por força de reedições da Medida Provisória n° 1.795, na forma discutida no
item 2.4 anterior;

 Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste-Sudene, instituída em 1959, foi extinta pela Medida Provisória nº
2.145, de 02 de maio de 2001;

 Banco do Nordeste do Brasil-BNB, criado em 1952,


permanece em atividade, mas foi submetido a processo de reestruturação a
partir de 1995;

 Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São


Francisco e Parnaíba-Codevasf, constituída em 1974, em substituição à
Superintendência do Vale do São Francisco-Suvale, que fora criada em 1967,
para ocupar o lugar da Comissão do Vale do São Francisco-CVSF, instalada em
1946. Continua em atividade.

Todas as instituições mencionadas foram criadas com duração


determinada, mas suas vigências de ação têm sido prorrogadas, ao longo do
tempo. A razão das alterações de prazo é sempre a mesma: impossibilidade de
cumprimento da missão, por insuficiência de recursos ou pela exacerbação (ou
subestimação) das dimensões dos problemas que deveriam solucionar.
Resultado: as instituições perdem o caráter de temporariedade, assumindo a
feição de instituições permanentes. A causa para essa mudança de figura
parece ser a mesma. Por trás delas, atuam forças, nem sempre progressistas,
que lhes dão sustentação política – as oligarquias regionais.

Não se pense, porém, que as oligarquias são de todo infensas ao


progresso. Para sobreviverem buscam algumas linhas de progresso,
compatíveis com projetos políticos e interesses econômicos particulares. O que
caracteriza mais as oligarquias é o compromisso com valores culturais
arraigados, que elas cultuam e sedimentam. É na trilha desses interesses que
as entidades extraordinárias têm atuado. Foi o que aconteceu no Nordeste
com o DNOCS, o Banco do Nordeste e a Codevasf. A Sudene fugiu um pouco à
regra, pelo menos em seus primeiros anos de funcionamento. Criada para
enfrentar esse tipo de interesses, a Sudene pagou preço alto para se manter.
Depois de 1964, foi levada a conviver com a lógica das forças em conflito,
conseguindo sustentar-se com o apoio de grupos de interesse menos
conservadores.

68
As oligarquias – conservadoras, modernizadas ou modernas – do
Nordeste têm constituído a força motriz das instituições antes referidas. Sua
força tem sido potenciada por bem estruturadas articulações com o governo
federal e grupos privados de outras regiões. Embora seu peso político e
econômico sejam consideráveis, nem sempre têm conseguido manter seus
territórios. Por isso a Sudene foi extinta e o DNOCS ainda vai conseguindo
sobreviver. O Banco do Nordeste passou por processo de reestruturação e a
Codevasf ganhou espaço político, ampliando sua área de atuação ao Vale do
Parnaíba.

Natureza das agências de desenvolvimento no quadro das novas


instituições do setor público brasileiro. A Sudene está sendo substituída
pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene. O governo federal já
conta com proposta de estrutura e de regimento para a Adene. Mesmo assim,
alguns segmentos sociais do Nordeste trabalham para modificar a Medida
Provisória que extinguiu a Sudene, alterando os rumos que o governo pretende
imprimir à Adene, a partir do texto da Medida Provisória nº 2.145/2001.

As forças sociais contrárias à extinção da Sudene não estão pretendendo


fazer a Sudene ressurgir das cinzas. Parecem estar trabalhando para que a
Adene seja estruturada segundo concepção que represente a transformação
positiva da Sudene. Transformação que poderia seguir um pouco a linha
sugerida por Roberto Cavalcanti:

“A nova matriz organizacional do Nordeste não deve introduzir fraturas ou provocar


vácuos no atual arcabouço administrativo regional. Ela deve apoiar-se no capital institucional –
político-administrativo, empresarial, comunitário – já construído na região e em intensa
interação e colaboração entre suas esferas pública e privada.”

A Sudene deve recuperar, política e operacionalmente, seu papel de instituição angular


do desenvolvimento regional: com nova legitimação política, funções de planejamento e
orçamentação; responsabilidades na concepção e coordenação de programas estratégicos e na
administração, compartilhada com o Banco do Nordeste, de incentivos fiscais e financeiros –
além de receber outras incumbências seja na atração de investimentos privados, seja na
promoção de exportações. (...) o papel da iniciativa privada e das organizações da sociedade
deverá ser crescentemente importante, em especial no processo de investimentos e na gestão,
orientada pelas forças de mercado, da economia.” (Albuquerque, 2000-a: 391-392.)

Essas forças não pensam em reeditar a Sudene originária, colocando


em seu lugar uma entidade com as mesmas características especiais e
extraordinárias daquela que funcionou no período de dezembro de 1959 a
março de 1964. A transformação da Sudene, mantida a mesma marca ou
substituindo o nome de Superintendência por Agência, está sendo pensada aqui
na perspectiva de que as instituições são criadas como reflexo das exigências
particulares da dinâmica econômica da sociedade, em um momento histórico
dado. Modernamente, a primeira grande instituição civil criada no Brasil,
segundo essas características, foi o Departamento Administrativo do Serviço
Público-DASP, instituído em 1938, no governo Getúlio Vargas. Naquele
momento, foi dado início à fase dos Departamentos, na qual se incluiriam, o
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem-DNER, o Departamento

69
Nacional de Estradas de Ferro-DNEF, o Departamento Nacional de Portos e Vias
Navegáveis-DNPVN, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-
DNOCS, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento-DNOS e o
Departamento Nacional de Endemias Rurais-DNERU.

Por questões de eficiência administrativa, os Departamentos começaram


a ceder lugar às Autarquias, Fundações e Sociedades de Economia Mista. Isto
aconteceu, particularmente, depois da Reforma Administrativa de 1967,
institucionalizada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Vivia-se,
à época, o início do chamado “milagre brasileiro”. A partir de 1974, no bojo das
reformas e dos macroprojetos de desenvolvimento do I e do II Planos Nacionais
de Desenvolvimento, o governo passou a patrocinar a instituição das
Empresas Públicas, dentre as quais se salientaram a Eletrobrás, a Telebrás, a
Embratel, a Portobrás, a Embrapa, a Embrater, a Codevasf, a Cibrazem e a
Cobal, dentre outras. 41

No final dos anos 80, adentrando o começo dos anos 90, o aparelho de
Estado brasileiro passou por um grande processo de desmonte. Dali em diante,
as Empresas Públicas seriam – de alguma forma – substituídas pelas Agências
– Executivas e Reguladoras –, bem distintas dos Ministérios e Secretarias
Formuladoras de políticas públicas (as Secretarias Nacionais). As Agências
Executivas implementam as políticas e programas definidos pelo núcleo
estratégico do Estado, enquanto as Agências Reguladoras, por serem mais
autônomas do que as executivas, definem “os preços que seriam de mercado
em situações de monopólio natural ou quase natural. As Agências
Reguladoras devem ser mais autônomas do que as executivas porque não
existem para realizar políticas do governo, mas para executar uma função mais
permanente que é essa de substituir-se aos mercados competitivos.” (Bresser
Pereira, 1997: 43.)

Vive-se hoje, portanto, a fase das Agências, cuja lógica está pautada
pela presença do Estado mínimo. O discurso que defende as Agências não é
mais o da eficiência do setor público, mas o da regulação de serviços públicos,
transferidos, via privatização, ao setor privado. Foi o que aconteceu em setores
como os de telecomunicações, energia, transporte, recursos hídricos e se
começa a vislumbrar em áreas de saneamento básico.

O Brasil conta hoje com uma verdadeira pletora de Agências


Reguladoras, nem sempre necessárias, eficientes e eficazes. Por isso, começam
a ser objeto de algumas restrições. A criação de uma Agência Reguladora é
considerada justificada diante de alguma falha de mercado, provocada pela
existência de um monopólio natural, por externalidades, pela existência de bens
públicos (como a segurança nacional) e pela assimetria de informação. Para
Gesner Oliveira, uma Agência Reguladora só deveria ser instituída depois de
constatada a existência de uma dessas falhas de mercado e verificada a

41
O modelo nacional de empresas públicas foi replicado em todos os estados brasileiros, para
quase todos os setores.

70
capacidade de o Estado resolver os problemas identificados. Seria necessário,
ainda, examinar “se em circunstâncias nas quais há de fato uma falha de
mercado e nas quais a regulação não provoca falhas de Estado ainda mais
custosas do que as de mercado é realmente o caso de criar uma agência
reguladora.” (Oliveira, 2001: 5-2.)

As Agências constituem, stricto sensu, os substitutos das Empresas


Públicas, na nova organização do Estado brasileiro. É bem verdade que a
Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene está caracterizada
como autarquia. Segundo o texto da Medida Provisória que a instituiu, a Adene
vai diferir da Sudene menos por sua estrutura e competências do que por seu
processo de supervisão. A Adene deverá ser vinculada ao Ministério da
Integração Nacional. Nesse caso, não terá, como a Sudene, qualquer relação
com um Conselho Deliberativo de natureza política, integrado por governadores
de estado, como o que dirigia a Sudene. A Adene também contará com um
Conselho Deliberativo, mas a composição deste deverá ser técnica, burocrática,
pois o Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste,
previsto no Art. 28 da Medida Provisória nº 2.145, de 02.05.2001, integrará a
estrutura do Ministério da Integração Nacional. Esse Conselho tenderá, assim, a
não ter representatividade política.
O Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste
constitui uma das diferenças essenciais entre a Sudene e a Adene. As diversas
competências da Adene são, quase, em tudo semelhantes às antes conferidas à
Sudene. Mais uma vez, uma outra diferença entre as duas instituições estará
centrada em suas capacidades institucionais e em suas forças políticas próprias.
A Adene não ganhará força em relação à Sudene, porque tem um outro nome.
A Agência pode até ser mais palatável aos humores da tecnocracia brasiliense,
mas não dispõe de instrumentos para solucionar os graves problemas do
Nordeste, incluídos em sua agenda de responsabilidades, como podem vir a
corresponder os identificados na formulação de um Plano de
Desenvolvimento do Nordeste, previsto no Art. 21 da Medida Provisória nº
2.145/01. De outra parte, o principal instrumento financeiro a ser administrado
pela Adene corresponderá ao Fundo de Desenvolvimento do Nordeste,
que vai substituir o antigo FINOR, antes administrado pela Sudene. A indicação
das fontes de recursos desse novo fundo e tampouco o processo de
planejamento para suas aplicações não sugerem possibilidades de realização de
novos e mais rentáveis investimentos, vis-à-vis aos apoiados com recursos do
antigo FINOR.

A Adene está sendo criada para propor medidas de promoção do


desenvolvimento regional. Embora este aspecto não constitua novidade, a
missão da Agência bem poderia ser mais consentânea com a realidade
nordestina. Assim seria, se a Adene fosse orientada para estruturar-se como
Agência de Negócios, encarregada de coordenar esforços das unidades
federativas e de municípios de porte, sempre que chamada a cumprir esse tipo
de tarefa, destinada a promover e estimular novos negócios, inclusive em
escala sub-regional. Os consórcios municipais, nesses casos, constituem
exemplos importantes da nova forma de atuar de Agências Executivas.

71
Assim pensada, a proposta da Adene tenderia a ser mais realista. O papel da
Adene na promoção do desenvolvimento sustentável poderia, neste sentido, ser
mais efetivo, a considerar os resultados das experiências realizadas em países
industrializados, onde o poder local está ocupando progressivamente novos
espaços da ação pública.

Além do mais, a nova institucionalidade do Nordeste, centrada na


criação da Adene, apresenta uma carência notável, qual seja a de não explicitar
as competências de articulação institucional entre vários entes do setor público,
com destaque para o federal. É como se o espaço institucional, o espaço
natural e o espaço econômico fizessem parte de uma outra conjunção de
forças.

Também merece destaque o fato de a estruturação da Adene estar


sendo realizada sem consulta à sociedade nordestina. As propostas de mudança
que seguem esse tipo de percurso tendem a resultar infrutíferas. A sociedade
do Nordeste, por grande que ainda seja a presença em seu seio de forças
conservadoras, aprendeu nos últimos 30 anos a apoiar todas as boas iniciativas,
desde que elas façam parte de processos de trabalho negociados. É o que
mostram as várias experiências exitosas de desenvolvimento local, que vêm
sendo concebidas e postas em prática no interior da Região.

A mobilização das diferentes instâncias representativas dos atores sociais


existentes no Nordeste será exercida de forma mais completa no curso da
articulação entre processo técnico e processo político demandados pela prática
do planejamento. É do que se trata, ainda que de forma simplificada, no item
que se segue.

5.4 PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL


SUSTENTÁVEL

Uma parcela dos estudos referidos sobre essa matéria sugere escassas
possibilidades de retomada do processo de planejamento regional no Nordeste.
Não há como negar isso. Mesmo assim, ali continuam sendo implementadas
várias ações de desenvolvimento concebidas como fruto do trabalho planejado.
Uma parte delas ainda constitui o resultado das políticas e estratégias adotadas
no início dos anos 60 do século passado, como as de apoio à industrialização, à

políticas básicas estabelecidas naquela época  a exemplo das ligadas à


agricultura irrigada e ao turismo. Outras, também consideradas no contexto das

expansão da fronteira agrícola  estão sendo presentemente implementadas


em conseqüência de ações mais específicas do setor privado, como ocorre nas
regiões do oeste da Bahia, sudoeste do Piauí e sudeste do Maranhão.

Essas ações estão centradas na matriz das políticas de desenvolvimento


regional e sub-regional concebidas e coordenadas pela Sudene, no período
1959/64. Sua execução teve continuidade durante as décadas de 1960 e 1970,
sob o apoio direto e indireto do Ministério do Planejamento e de vários
Ministérios Setoriais, de instituições regionais – como o Banco do Nordeste,

72
DNOCS e Codevasf – e dos governos estaduais. As descontinuidades
começaram nos anos 80, quando a capacidade de planejamento e de
financiamento do desenvolvimento, por parte do Estado, também já referida,
começou a perder o impulso antes observado.

A Sudene perdeu preciosos pontos do seu espaço de atuação, mormente


na área do planejamento e coordenação dos esforços de desenvolvimento. Por
conta disso, as atividades dessa natureza hoje praticadas na Região são
pontuais e extremamente desarticuladas. O governo federal se esforçou pouco
para reverter tais tendências.

A crédito do governo federal, merecem registro os estudos e trabalhos


de planejamento realizadas nos anos de 1993/95, em colaboração com os
estados do Nordeste, corporificados no esforço do Projeto Áridas. 42 A
Sudene não participou dos trabalhos do Áridas, por conta das idiossincrasias
manifestadas por ela e os promotores do Projeto, algumas delas já referidas.

Na linha da Estratégia do Projeto Áridas, foram preparados trabalhos


importantes, com a cooperação técnica do IICA e a participação de estados do
Nordeste, dentre os quais pode-se considerar reiniciado o processo de
planejamento regional, em escala sub-regional e estadual, naquela Região. A este
respeito, foram elaborados os seguintes planos e estratégias estaduais:

 Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentado do Estado do


Piauí;


Ceará: Plano de Desenvolvimento Sustentável: 1995-1998;


Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte;


Paraíba: Plano de Desenvolvimento Sustentável: 1996-2010;


Pernambuco 2010: Estratégia de Desenvolvimento Sustentável; e
Bahia: Plano Plurianual: 1996-1999.

Foram produzidos também, na linha dos delineamentos estabelecidos nos


planos e estratégias estaduais, ainda com a cooperação do IICA, os seguintes
planos e programas sub-regionais:

 Programa de Valorização Agroindustrial do Vale do Piranhas, na


Paraíba: Agropolo do Piranhas;

 Programa de Desenvolvimento da Zona da Mata Paraibana;

 Programa de Desenvolvimento das Zonas do Agreste e do Brejo da


Paraíba;

42
Esses estudos, estruturados na perspectiva regional, foram apoiados pela Secretaria de
Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República – SEPLAN/PR,
posteriormente transformada em Ministério do Planejamento e Orçamento-MPO.

73
 Plano de Desenvolvimento Sustentável do Sertão de Pernambuco;

 Plano de Desenvolvimento Sustentável da Zona da Mata


Pernambucana;

 Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido Baiano:


Projeto Sertão Forte; e

 Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó do Rio Grande do


Norte.

A metodologia do planejamento do desenvolvimento sustentável também


foi utilizada pelo IICA em outros planos, formulados com sua colaboração,
destacando-se os trabalhos produzidos pela Secretaria Especial de Políticas
Regionais-Sepre, 43 para a Região Centro-Oeste, com a cooperação técnica do
IICA:

 Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Região Centro-Oeste-


Planoeste; e

 Plano de Desenvolvimento para a Região Integrada de


Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno-Planride.

A retomada de estudos mais coerentes sobre a realidade regional e sub-


regional do Nordeste, assim como de atividades de planejamento, nas escalas
regional e sub-regional, constitui tarefa da qual não podem fugir as instituições
hoje vinculadas ao Ministério da Integração Nacional. A Missão essencial desse
Ministério deveria compreender o conhecimento preciso dos problemas e
possibilidades de fraturamento social das macrorregiões brasileiras – dentre as
quais se sobressai o Nordeste – e a identificação e articulação de suas
vantagens comparativas e competitivas.

É insubsistente o argumento de que não há recursos financeiros para


alavancar ações articuladas de planejamento regional, ordenamento do
território, zoneamento econômico e gestão do território. Esses recursos
existem, talvez não na devida medida, mas em proporções suficientes para
replanejar e gerir ações capazes de reestruturar atividades econômicas,
socioculturais, ambientais e político-institucionais. Basta apoiar a capacidade
institucional existente em escala nacional, regional e estadual, aproveitando
iniciativas já concebidas, v. g. a nível sub-regional, como as referidas
anteriormente. O que mais falta é articulação, trabalho intenso e dedicação à
causa do desenvolvimento em bases regionais, movido e estimulado pelas
iniciativas comunitárias. O segredo da competente e eficaz gestão, em todos os
setores e áreas do conhecimento, passa por esses caminhos.

43
A Sepre foi extinta em 1999, tendo seu espaço institucional sido coberto pelo Ministério da
Integração Nacional, criado pela Medida Provisória nº 1.911-8, de 29.07.99.

74
As propostas de planos e programas antes referidas poderiam ser
implementadas sem grandes esforços técnicos. Bastaria promover ajustes de
programação (de atualização e/ou aprofundamento), em articulação com os
governos estaduais e instituições federais – setoriais ou regionais. Desse
mesmo esforço deveriam participar as instâncias representativas das classes
patronais, das classes trabalhadoras e dos setores não-governamentais.

De todo modo, a tarefa não é simples. Das iniciativas programáticas


antes mencionadas, a única que está sendo implementada como resultado da
participação mais efetiva das comunidades locais é o Plano de
Desenvolvimento Sustentável do Seridó, por ter sido formulado em
atendimento a demandas específicas da sociedade do Seridó Norte-rio-
grandense.

5.5 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES

O número de nordestinos em situação de pobreza ainda é grande.


Conforme referido no item 2 anterior, o Nordeste contava, em 1996, com 19
milhões de seus habitantes em condição de pobreza e indigência,
qualificando-se como tal as pessoas com baixo nível de renda, que constitui o
critério tradicional para identificação da pobreza. Uma pessoa é pobre não
apenas por dispor de uma renda baixa. Também são pobres as pessoas
privadas de suas capacidades. Os argumentos a este respeito, a seguir
transcritos, foram desenvolvidos por Amartya Sen:

“1) A pobreza pode sensatamente ser identificada em termos de


privação de capacidades; a abordagem concentra-se em privações que são
intrinsecamente importantes (em contraste com a renda baixa, que é
importante apenas instrumentalmente);

2) Existem outras influências sobre a privação de capacidades – e,


portanto, sobre a pobreza real – além do baixo nível de renda (a renda não é o
único instrumento de geração de capacidades); e

3) A relação instrumental entre baixa renda e baixa capacidade é


variável entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos (o impacto
da renda sobre as capacidades é contingente e condicional).” (Sen, 2000: 109-
110.)

A introdução do conceito de pobreza, via privação de capacidades, é


importante porque abre perspectivas mais claras para a concepção e execução
de políticas orientadas para a eliminação da pobreza. Como diz o prof. Amartya
Sen:

“É importante não perder de vista o fato fundamental de que a redução da pobreza de


renda não pode, em si, ser a motivação suprema de políticas de combate à pobreza. É perigoso
ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar
investimentos em educação, serviços de saúde etc. com o argumento de que são bons meios
para atingir o fim da redução da pobreza de renda. Isso seria confundir os fins com os meios.

75
As questões básicas de fundamentação obrigam-nos, (...), a entender a pobreza e a privação
da vida que as pessoas realmente podem levar e das liberdades que elas realmente têm.” (Sen,
2000: 114.)

Por este sentido mais amplo do conceito de pobreza, a distribuição de


renda no Brasil e no Nordeste é ainda mais desigual, pelas maiores privações a
que estão submetidas as camadas de população pobres existentes.

Dado o quadro de carências crescentes por que passa a população do


Nordeste, esta questão deverá assumir maior grau de importância nos próximos
anos. As soluções convencionais terão de ser complementadas por iniciativas
lastreadas em investimentos diretamente produtivos, investimentos sociais
(indiretamente produtivos) e na capacidade endógena das pessoas e de suas
comunidades locais. Embora o Nordeste já venha executando ações não
ortodoxas importantes sobre a questão aqui esboçada, não há como deixar de
enfatizar a enormidade dos desafios a serem enfrentados.

76
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