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UNIVERSIDADE FEDERAL,DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE P0S-GRADUAÇÃO EM LETRAS

0 regionalismo na literatúra de

Guido Wilmar Sassi

- Um estudo dos contos "Piã",

"Escola” , "Amigo Velho", "Cer

ração" e ”Serragem” e do ro­

mance São Miguel -

Dissertação submetida ã Universidade Federal de


■ l
Santa Catarina para’obtenção do grau de Mestre em Letras

Lit"B'rat-uxa Brasileira.

LIONETE NETO GARCIA MELO

Dezembro de 19 78
11

Esta dissertação foi julgada adequada,para a obtenção do título

de Mestre ein Letras - Especialidãde Literatura Brasileira e apro

vada em sua forma final pelo Programa de Pos-Graduação.

/■ .., - f - -
KcJ

Professor Celestino Sachet


Coordenador de Pos-Graduação

em Literatura Bras ileira

Apresentada perante a banca exami_

nadora composta dos Professores:

Celestino Sachet

Vilca Marlene Vieira


111

Ao Aristides e ã Mara,

pelo muito que acreditam em mim.


IV

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Ao Professor Celestino Sachet, pelo encorajamento a

criatividade e pela orientação segura.

Ao Escritor Guido Wilmar Sassi, pela amizade e por

haver projetado no contexto da literatura nacio

nal, através da sua obra, um pouco daquilo que

sou.

 Secretaria de Educação e Cultura - Santa Catari_

na ã 7a. Unidade de Coordenação Regional

Lages -,',ã Associação Catarinense das Fundações

,/ Educacionais, ã. Fundação Educacional do . Norte

Catarihense e ã.Universidade Federal de Santa

Catarina por tornarem possível meu Curso de

P5s~Graduação em Letras.

A meus pais e a todos que me incentivaram com uma

palavra, amiga.
V

S U M A R I 0

RESUMO . .......... ......... ............... ...... .......... -viii

ABSTRACT ......... ........... ................... ........ . x

INTRODUÇÃO ..... ............. ....... ........ ............. 2

NOTAS E REFERÊNCIAS BLBLIOGRÍ^FICAS DA INTRODUÇÃO ........ 8

CAPÍTULO I ; REGIÃO ..... ........................... . 10


1. Etimologia e evolução do conceito ...... 10
2. Regiões brasileiras: Ponto de vista geo-
grãfico ............... ................. 14
3. Regiões brasileiras: Ponto de vista cul­
tural .................... ....... ...... . 17
3.1. A regionalização de Roger Bastide . 18
3.1.1. A literatura do Nordeste ... 18
3.1.2. A literarura do Pampa .... . 19
3.1.3. A literatura do Rio de Janei
ro e São Paulo ............. 20
; 3-.;2/ A regionalização de Vianna Moog ... 21
3.2.1. À Amazônia ..... . ■ 22
3.2.2. 0 Nordeste ................. 1
' 22
3.2.3. A Bahia ... ............. . 23
3.2.4. Mj.nas Gerais ............... , 23
3.2.5. São Paulo .................. ' 24
3.2.6. 0 Rio Grande do Su1 ' '24
3.2.7. 0 Rio de Janeiro ........... 25
4. Regiões càtarinenses .......... . 29
4.1. Ponto de vista geogrãfico ...... . .29
4.2. Ponto de vista cultural .......... 29
4.2.1. Divisão de Nereu do Vale Pe
reira ............. ...... 30
4.2.2. Divisão de Silvio Coelho dos
Santos .......... ........... 30
4.2.3. Divisão do Professor
Celestino Sachet ........... 32
VI

Notas e referências bibliográficas


do capítulo I .............. . 36

CAPITULO II 0 REGIONALISMO E A LITERATURA .......... 39

Notas e referências bibliográficas do ca


pí tulo 11 ............... ........ ........ 59

CAPÍTULO III .0 ESTAR ................ ................ . 62

1. A paisagem ...................... 66
1.1. Os contos .................... . 66
1.2. 0 romance .... .................. 77
2 . 0 documento ............. ............. 89
2.1. Testemunho dos sentidos ........ 89
2.2. Testemunho do tempo .... ...... . 93
2.3. Testemunho dos topónimos e da pa­
lavra transcrita ................ 95
3. A linguagem . ............. ............ 106
3.1. 0 diálogo .... ......... 106
3.2. 0 vocabulário ......... . 114
Notas e referências bibliográficas do
capítulo III ...... ...... ...... . 124

CAPÍTULO 'TV 0 SER ... ............................. 130

1. 0 autor analista de exterioridades ... '133


1.1. Integraçcão física do homem no ;
meio ............................. ;133
1.2. Condicionamento exterior do homem i
ao meio ........................ ;137
2. 0 autor inserido na região .......... 142
2.1. Os contos ..... 143
2.2. 0 romance .............. íl51
2.2.1. O m i t o ................... ,151
2.2.2. 0 mito na obra São Miguel. 162
3. 0 autor absorvido pelo processo regio
i

nalização ............... ............. 175


3.1. Os contos ...... ....... ......... 177
3.2, 0 romance , 184.
Notas e referências bibliogfaficas do
capítulo IV .... . ........ .......... . .• 191
V 1 3.

CONCLUSÕES ........ ...... ......... ............. ........... . 193

BIBLIOGRAFIA ............... .................... .......... . 196


V I ii

RESUMO

A literatura regional e de grande valor porque ê capaz

de expressar, através da arte, aspectos de uma cultura.

Levando em consideração as teorias correntes no Brasil,

sobre jD regionalismo em face ã literatura, estabelecemos que, pa

ra ser regional, a obra literãria haverã que se situar em deter­

minada região e ao mesmo tempo ^e_r essa região.

Os contos de Guido Wilmar Sassi por nos analisados

situam--se na região dos Campos de Lages, ora em ãrea cuja ativi­

dade humana se volta para a pecuãria, ora em ãrea cujos recursos

humanos se dedicam ã exploração da madeira. 0 seu romance São Mi

g^el situa-se na região do Oeste Catarinense, em uma ãrea onde

o homem se ocupa da extração e do envio da madeira para a Argen­

tina, através do rio Uruguai.

Além de fixar o tipo de economia desenvolvida no meio

que focaliza, o autor recorre também ã caracterização de um cenã

rio físico-humano, recorre ao documento da palavra transcrita

bem como ao uso de vocãbulos circulantes nestes meios com a fina

lidade de obter um estar para a sua obra.

Como se trata de obra regional, estes textos de Sassi

não apenas es tão mas ainda são respectivamente cada uma das re­
giões c

fí por isso que, se da vastidão dos campos a se perder

de vista no horizonte emana uma força capaz de sugerir ao homem

da terra a sensação de liberdade, essa força ultrapassa os limi­

tes da ficção e leva a sua personagem a se debater pela conquis­

ta da mesma liberdade.
IX

Se de uma flora massacrada por um homem destruidor do

seu proprio "habitat" transcende uma força capaz de sugerir a es

te homem uma sensação de culpa e gerar pele uma visão fatalista

de mundo, a personagem sassiana vai se libertar do comando do es

critor para ir ao encontro de uma sorte determinada por este fa­


talismo.

E se da região do Oeste Catarinense'onde as circunstãn

cias levam o homem a depender de um fenômeno natural — a chuva

— emana uma força que leva este homem a criar o mito, as perso­

nagens de São Miguel vivem o mesmo mito.

Porque os textos estudados conseguem es tar e ser a re­

gião através de uma linguagem literãria, e porque o regionalismo

de que são portadores se assenta sobre esquemas humanos univer­

sais, a obra de Guido Wilmar Sassi apresenta sob a simplicidade

de um regionalismo catarinense, a grandeza do universalismo huma


X

ABSTRACT

A regional literature is o£ great value because it

expresses aspects of a culture through art.

Taking into consideration the current theories in

Brazil about regionalism -in literature we established that, ;to

be regional, the literary work has to be placed in a determined

region and at the same time b_e this region. j

The short stories of Guido Wilmar Sassi analysed ,in

the present paper are placed in the geographical area of the

pastures of Lages, sometimes where the main human activity ,is

cattle-raising, sometimes in areas where human resources are

dedicated to wood extraction. ^

The novel São Miguel is placed in the West of Santa ’Ca

tarina state, in a region where man deals with extracting and

sending wood to Argentina through the Uruguai river.

Besides fixing the type of economy developed in the

environment he focalizes, the author resorts to the characterization

of a physical-human scenery. He resorts to the testimony of the

transcribed word as well as to tlie use of words which are

commonly used in these environments with the objective |of

obtaining a being in space, a place for his work.

Since it is a regional work, those texts of Guido W.

Sassi are not only p laced respectively in each one of the regions,

but actually are these regions.

That is why that, if from the vastness of the pastures

that find no limit but the horizon line there comes a force
I
capable of suggesting to the natives of the reion-a sensation
Xi

of freedom, that force transcends the limits of fiction and

leads his characters to fight for this same freedom.

If, from tlie woods massacred by a man who destructs

his own habitat, transcends a force capable of suggesting to

this man a feeling of guilty and of generating within himself a

fatalistic vision of the world, the sassian character will get

rid of^the conscious coinmand of the writer to meet the fate

determined by this fatalism.

And if from the West of Santa Catarina, where

circumstances take the man to depend on a natural phenomenon -

the rain, there comes a force which takes this man to create a

myth, the characters of São Miguel live the same myth.

Because the studied texts succeed in being the place

and in being the life of this place through the literary language,

and because the regionalism which they carry is based on universal


; ( i■

human schemes, the'worlv of Guido W. Sassi presentes under the

simplicity of the regionalism of Santa Catarina, the grandeur of

human universalism.
"0 regionalismo ë a predominância da ;

terra sobre o homein ; da nação sobre o continente; da

aldeia sobre a nação” .

{ M e t a de. A mor o s o Lima]


.INTRODUÇÃO

0 sucesso das investigações de toda ordem, no campo

das pesquisas, tem uma relação muito íntima' com a eficiência do

método adotado. Assim, quando o objeto de um estudo ê muito ex-


I •

tenso e complexo, a experiência tem comprovado ser uma boa medji-


L
da 0 seccionamento deste em parcelas menores para que, através

de um estudo minucioso de cada uma delas, sejamos levados a um

conhecimento mais profundo da realidade. Alias, parece mesmo ína

ta no homem a necessidade de seccionar e ordenar fatos e realida


I
I

des. Divide e classifica a Histõria em idades, períodos, épocas;

a Terra, em continentes, países, estados; a si prõprio, em raças,

caracteres, crenças. H um não. ter fim de divisões e classifica' -

ções, com objetivos os mais diversos.

:.;i'/Em se tratando de espaço físico-social, entraram jem

voga, a. partir do s'é..c.u'l..o XIX, .as, divisões regionais De grande

importância para os geõgrafos, esse método não tardou em desper-

tar a atenção de outros especialistas em Ciências Sociais, como

dos economistas e sociologos. Finalmente, numerosos pesquisado -

res de formações diversas, dentre os quais escritores como Gèov


\
ge Sand (França), Thomas Hardy (Inglaterra), Estêbanez Calderon

(Espanha), Renato Fucini (Itãlia) , George Washington Cable (ElÍA),

Afonso Arinos (Brasil) alicerçaram suas obras em verdadéi-


2 ;
ros estudos interpretativos de regiões , |

A literatura com estas características foi cognominada

"regional", E é desta literatura que vamos nos ocupar.

Levando-se em conta que a obra regional é uma expr^s-

são estética das '"verdades" de uma cultura, e que os homens so


podem interessar aos outros pelo que verdadeiramente são e não

pelo que pretendem ser” veremos que esse tipo de literatura

tem um alto valor não s5 dentro do contexto literãrio de uma na­

ção, mas principalmente dentro do seu contexto historico-social. .

No Brasil, a literatura regional vem ganhando dimensão,

notadaraente a partir da década de 30, com o surgimento do chama­

do ”Romance Brasileiro” . -

Na verdade, os ideais regionalistas que animaram esse

movimento surgido no Nordeste deste País, e que teve início com

José Américo de Almeida em A bagaceira sob a influência de Gil­

berto Freyre, emprestaram à literatura regional, advinda depois

de 30, novas nuances, sem contudo libertã-la do compromisso de

expressar ficcionalmente a cultura de um meio caracterizado.

Por outro lado, hâ no Brasil atualmente, nas mais dife

rentes ãreas do conhecimento, um espírito de pesquisa no sentido

de que mèlhor se c.onheça a nossa realidade. Ora, uma realidade

so se revela medianté..‘a tomada de consciência, por parte do estu

dioso, dos fenômenos sobre os quais ela se edifica. Devido ã In­

tima relação existente entre os ambientes culturais brasileiros

e as obras regionais, entendemos ser possível, através do estudo

de uma obra que segue essa orientação literãria, chegarmos ao

conhecimento da parte de nossa realidade que se encontra por

trâs de uma ficção. Portanto, dedicarmo-nos ao estudo de uma

obra regionalista, significa colaborar com os que se vem empenha

do em descobrir a autêntica fisionomia cultural do nosso País.

Dado. a escassez de estudo que apresenta sobre a cultu-


I
ra de sua gente. Santa Catarina é um dentre os vários estados

brasileiros que têm dificultado um reconhecimento mais profundo

e mais legítimo da nossa propria imagem como Nação. Por esta ra­
zão propomo-nos ao estudo de um escritor deste bstado. Referimo-

-nos ao contemporâneo Guido Wilmar Sassi, ficcionista catarinen­

se da cidade de Lages.
Embora ainda não tenha sido estudado, como o deveria,

pela renomada crítica brasileira, ê de grande significação e

tem, por direito, um lugar reservado no panorama literãrio nacio


4 - -- ■
nal
Porque consideramos que o estudo da vida econômica do

grupo social, evidenciado na obra, constitui insubestimãvel re­

c u r s o quando se tem por preocupação a busca do regionalismo, pro

curamos selecionar para estudo, os contos que parecem melhor

abranger o aspecto econôm.ico da principal região enfocada pelo

autor, enquanto contista, a dos Campos de Lages.

Em se tratando de romance, optamos por São Miguel, que

evidencia uma região.do. Oeste Catarinense. Essa escolha teve co­

mo basefò/fato de o/autor enfocar, nesse livro, um grupo social

fixo em uma região, ô-que não .ocorre com o outro romance seu,

tambêm de cunho regional, Geração do deserto, em que o grupo de

personagens, por ser nômade, não aparece ligado a uma atividãde

econômica vinculada ao meio físico-geogrãfico. Entendemos que

são maiores as possibilidades de apreensão do regionalismo, qijian

do o grupo social evidenciado na obra estâ sujeito ãs constân-

cias de determinado meio físico.


(

Assim, abrangemos duas, das quatro regiões culturais

que entendemos existir em Santa Catarina, em um "Corpus" de seis

narrativas, distribuídas em, três livros: os contos "Piã" e "Esco

la" do livro P_i_â, que abordam Lages pecuarista; os contos "Amigo

velho", "Cerração" e "Serragem", do livro Amigo velho, que abor-


dam Lages madeireira, e o romance São Miguel elaborado a partir

da exportação da madeira do Oeste catarinense, para a Argentina .

Referenciamos as citações dessas obras com as seguintes

abreviaturas: P, "Piâ; E, "Escola"; A V , "Amigo Velho", C, " "Cer

ração"; S , "Serragem e S M , São Miguel.

Essas citações extraídas dos textos sassianos, bem como

da bibliografia consultada, tiveram a acentuação grãfica e a or

tografia em geral atualizadas sempre que divergiam das que estão

em vigor atualmente, e isto quando se tornava evidente que tal d^

vergência não parecia ter um propósito definido, por parte do

au to r .
Levados pela exigência da racionalização que todo o

trabalho de carãter dissertativo, por si sõ, impõe ao estudioso ,

apresentamos esta dissertação em duas estapas: uma antecenden

te (teõrâca) que tem. como objetivo estãbelecer princípios - espe

cie de'Aedidas cap‘g,zes d e , em uma etapa conseqüente (prãtica),não

só aferir a existência do regionalismo na obra em questão, mas

ainda o modo e a intensidade que ele se apresenta.

Dado que só ê possível falar-se em "regionalismo" no

momento em que se admitir a existência de região como uma realida

de em si mesma e diferenciada das demais, anteciparemos ao nosso

estudo um capítulo para que possamos precisar, para nós, um con

ceito de "região", como para que possamos identificar as ãreas re

gionais de Santa Catarina nas quais se inserem as obras de Sassi

analisadas por nós.

Porque acreditamos que a forma mais adequada de se e£

tudar o regionalismo na literatura de uma nação seja partir dos

conceitos que a inteligência dessa nação formou de regionalismo

por força das obras de seus escritores regionais, fixamo-nos, no'


segundo capítulo, numa pesquisa sobre a visao que os críticos e

teorizadores brasileiros apresentaram do termo "regionalismo” . Sp

bre essa visão alicerçamos alguns pontos teóricos pessoais que de

terminam o que se deve exigir de uma obra regional.

Como teoricamente fomos levados a estabelecer que uma

obra só serã regionalista quando "localizada” num determinado con

texto cultural, a ponto de converter-se nele,' no terceio capítulo

faremos uma abordagem sobre como a obra de Sassi estã nas duas re

giões catarinenses, enquanto que, no capítulo quarto investigare­

mos em que medida essa mesma obra consegue converter-se nas referi

das regiões. , j
0 estudo do estar e do ser, como convencionamos chaníar

a esses dois aspectos da obra regional, aparecem seccionados em


!

dois capítulos distintos por razões exclusivamente metodológicas,

uma vez que na obra esses aspectos são inseparãveis e simultâneos.

problemática do ser e estudada em três etapas. Num

prim.eiro momento examinaremos as influências do meio sobre o ;ho

mem, colhidas por um escritor analista de exterioridades, capaz

de descobrir condicionamentos, automatismos e outras' determina

ções do meio na vida do homem. :


Na etapa posterior procuramos descobrir a ficcionalida

de do autor como elemento inserido na região na tentativa de

apreender e interpretar as influências que esse mesmo meio tem


I
sobre a vida psíquica da gente que nele vive. !
I
'Em síntese, tentamos nesse tópico investigar a força

que 0 meio tem sobre a sensibilidade, sobre á emotividade, sobre

o universo espiritual dos seres humanos nesse meio circunscritbs.

Num último estágio nos propomos a apreender alguns lan


ces criados pelo inconsciente de ura autor que -cóino esta também é

a região, através de um estudo sobre a força que cada região tem

sobre a vida das personagens, impelindo-as a determinadas ações .

Cogitamos ainda qual o poder que essa força exerce sobre o incon_s_

ciente do escritor uma vez que este permite ãs suas personagens

se libertarem do seu comando para se subordinarem, como a gente

da terra, aos caprichos da força emanada dela.


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA INTRODUÇÃO

(1) AZEVEDO, Aroldo de. As Re giões Brasilei- ras . Sao Paulo, Na­
cional, 196 6. p. 21. ,

(2) ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. São Paulo, Encyclopaedia


Britanic do Brasil Publicações, 1976. v. 17. 671-72 p.

(3) AMOROSO LIMA, Alceu. Estudos Literários. Rio de Janeiro,


Aguilar, 1966, v. 1. p. 386.

(4) Guido Wilmar Sassi nasceu em Lages, Santa Catarina, a 15 de


setembro de 1922, filho de descendentes de alemães (mãe)
e italianos (pai). Teve uma infância pobre. Foi padeiro,
comerciante, funcionário público estadual (Diretoria de
Estradas de Rodagem em Lages) e, atualmente, ê bancário
prestes a se aposentar, residindo no Rio de Janeiro. Cur­
sou, apenas, os cursos primário e ginasial, corresponden­
tes ao nosso atual primeiro grau, mas tornou-se autodida­
ta. Desde menino gostou muito de ficção e teve uma juven­
tude ãs voltas com livros nacionais e estrangeiros. Come
çou escrevendo artigos para os jornais de Lages - "Guia
serrano", "Correio lageano" e "Jornal de Lages" - e crõnj.
cas para serem lidas na radio "Diário da manha . Estreou
em 1949 com o conto "Amigo velho", publicado na "Revista
do globo" de Porto Alegre. Daí por diante, muitas foram
as colaborações que Sassi passou a enviar para as diver
sas revistas e jornais do País. Em 1950, fundou e dirigiu,
em Lages, a revista "Rumos", de assuntos culturais e que
teve curta duração. Em 19 53, com o apoio do grupo 'Sul ,
de Florianopolis, viu seu primeiro livro editado: Pi^,
que obteve a segunda colocação no concurso Fábio Prado.
Em 1960, publica, de p a r c e r i a com EsdrasdoNascimento, Isaac
Piltchere Alberto Dines, 20 histõrias curtas. E nesse mes
mo ano e editado seu romance de estréia, São Miguel, que
foi premiado como o melhor romance inédito, em concurso
nacional, promovido pelas "Edições Melhoramentos" e da
"Boa Leitura Editora". Em 1963 publica Testemunha do tem­
po - ficção científica - e em 1964, Geração do deserto,
romance St^e foi, posteriormente, transplantado para o cine
ma, por Sílvio Back, com o.nome de Guerra dos pelados. Co
mo filme recebeu o prêmio ’’Governados de São Paulo”
melhor produção de 1970 e menção honrosa na 3a. Semana Na
cional do Cinema de Autor, realizada em Benalmadena na
Espanha. Obras e trechos de obras suas, participam de vã
rias coletãiieas e antologias brasileiras e tem trabalhos
traduzidos em. espanhol, alemão, e africano.
Trata-se, portanto, de um escritor de projeção nacional
e internacional. Contudo entendemos c[ue a critica brasilei
ra ainda não deu ã sua obra a atenção que ela merece o
que muito tem colaborado para dificultar um maioi conheci,
mento de tão significativa literatura principalmente nos
meios estudantis de nosso l’aís.
c A p í T u L 0 I

REGIAO

1. ETIMOLOGIA E EVOLUÇÃO.DO CONCEITO

Região, do latini: regïo' - onis ; direção, linha reta,

limite, zona, lugar, parte, pais, região .

A política das divisões regionais teve início no sécu­

lo passado, século que primou pelo avanço científico que tanta

influência exerceu sobre o pensamento da Humanidade. Foi então

que, entre outras teorias, surgiu o Determinismo. Via no homem

um produto, do meio e por isso colaborou para que- nas primeiras

tentativas de seccionamento das regiões se tivesse atribuído aos

fatores naturais um valor preponderante. Assim, o conceito que

se teve de região nessa época foi o de uma ãrea geogrãfica que

se caracterizava pela presença de fatos criados pela natureza,

que, por serem diferentes dos de outras ãreas, atuavam de forma

propria sobre a vida humana ali existente.

A região assim compreendida e que se confundia com a

noção de paisagem, satisfez, durante algum tempo, àqueles que se


2
dedicavam ao estudo das divisões regionais . Atualmente, admi­

te-se ainda, 5 bem verdade, que a atividade humana sofre influên

cia do meio, mas, por outro lado, se reconhece que aquela é ca­

paz de exercer, sobre este, ação modificadora. Mesmo em se tra­

tando de país novo, como é o caso do Brasil, poderemos ver que


Î

"a .fraqueza do povoamento, numa primeira fase ocasiona uma adap-


11

tação as condições naturais (...) que se pode manter por muito

tempo; mas, pouco a pouco, o crescimento demográfico, a chegada

de capitais, o aparecimento de novos meios de produção provocam

uma transformação completa na região, que depende então mais dos'

imperativos políticos e econômicos do que dos fatores naturais” ^.

Com essa nova visão, a de que existe uma influencia mu

tua entre a natureza e a vida humana, decresceu, nos ültimos _

anos, na escala de valores dos. estudiosos, a importância que se

dava aos elementos naturais na caracterização das regiões. Obs^er

ve-se a colocação de Bernard Kayser:

"Â ’ r e g i ã o n a t u r a l ^ , l ò t o e, o espaço
n a t u r a l m e n t e h o m o g ê n e o , quase nunca se
c o n s t i t u i no dado i n i c i a l da r e g i ã o hu
ma na. Com efeito,, os h o m e n s se e s t a b e ­
l e c e m num q u a d r o t e r r i t o r i a l de u m a m a
n e i r a progrQ.ssiva, e os l i m i t e s de s u a
e x p a n s ã o são r e s u l t a n t e s de o u t r o s f a ­
t o r e s e nao a p e n a s das c o n d i ç õ e s do r e
,, . l e v o e do c l i m a " 4. ;

■'-Ao se dimensionar uma região, modernamente, tudo ê le­

vado em conta. As "medidas naturais" não mais são consideradas

as melhores. Os níveis de vida, a densidade das populações, o es


I
tado de suas técnicas, seus diferentes graus de industrialização

e urbanização serão também "medidas" importantes pois o geó­

grafo de hoje '"''tende a considerar a região como um campo ;de

ações concomitantes de intensidades variãveis,. mais do que como

a inscrição espacial precisa de equilíbrios fundamentais

Nem os fatores naturais nem os fatores históricos da

formação regional podem ser negligenciados, eles desempenham fre

qUentemente um papel de primeira grandeza para os limites. Ijlas


i
não são nunca motores. 0 que explica a região, em seu dinamismo,

seu mecanismo vivo e, definitivamente, sua formação, são seus

órgãos, seu coração e suas artérias: seu ou seus 'centros' | e


12

suas 'vias de c o n v u n i c a ç a o •

Essa crescente preocupação com as organizações realiza

das pelo homem, sem exclusão absoluta da importância dos fatores

naturais, tem levado os geógrafos a distinguirem dois tipos de

região: a ho mogênea e a polarizada.

E oportuno registrar-se que o termo "polarizada" teve

a sua origem em Economia., 'pois esta antecedeu a Geografia nesse

campo de estudos.

Região homogênea "ê um espaço terrestre onde os fato-


7
res físicos e humanos se apresentam com um carãter constante..(...) .

Região polarizada ê a que se constitui "de espaços di­

ferentes, de setores que se complementam. (...) Corresponde a um

espaço preciso, inscrito eiii um quadro natural determinado que

responde ãs 3 características essenciais: a) laços entre seus ha

bitantes, b) organização em torno de um centro com certa autono


' 8
mia, c) integração, funcional em uma economia global"

Kayser, numa tentativa de harmonizar em um so os aspec

tos essenciais e comuns aos vãrios conceitos aplicados às diver­

sas fases do estudo de caracterização do regional, chega ao se­

guinte conceito, bastante moderno e abrangente:

"Uma fizglão z, t&AAa, um espa­


ço .pAec-íòo m a s ntio imutãVdt,. InScAlto tm um
quadAo viatuAal dztdAmlnaáo, t que
ponde a tAes aaAac.teAlst.ieas usenclals'-
os laços existentes entAe seus habltan
tes, sua oAganlzação em toAno de um
centAo dotado de ceAta auto nomla, e
sua. Integração funcional em uma econo­
mia global.
Ela é 0 Aes ultado d.e uma ass o claçao de
fatoAes ativos e passivos de Intenslda
des vaAlãvels, cuja dinâmica. pAÕpAla
estã. na oAlgem dos equlllbAlos InteA -
nos da pAoJeção espacial” 9.
13

Diante do binômio homogenea/xjolarizada, é necessário

esclarecer que o significado por nos atribuído à região é resul­

tante de tudo quanto se entende por região homogênea, porque, do

pon to de vista físico-social, os locais fixados na obra que pre­


tendemos estudar, não passam de zonas rurais , onde a "noção

de região ainda se confunde com o estudo de paisagem", e o "rudá

mentarismo de suas atividades-s5 condicionam formas - elementares

de vida de relações" .
É, pois, mais especificamente, a pequenas regiões homo

gêneas que chamaremos de região, podendo ainda o seu sentido res^

tringir-se a um único município ou distrito, jã que tanto um

quanto o outro possuem características físicas próprias.


14

2 • REGIÕES BRASILEIRAS:, PONTO DE VISTA GEOGRAFICO

A primeira tentativa de estudo do Brasil através de

unidades menores foi realizada levando-se em conta apenas a div^


I

são política existente. "Foi assim no tempo do Brasil Império

(...)■• Foi assim, também, durante as primeiras décadas do Brasjil

República"

A primeira divisão oficial foi realizada pelo IBG ,

em 1945, e seccionava o Brasil em: Grandes Regiões (em número de

5 e que não correspondia a uma organização regional), Regiõejs ,


!
que por sua vez se subdividiam em Sub- Regiões (divisão puramenjte

formal) e, finalmente. Zonas (que se encaixavam dentro das Súb-

Regiões e se diferenciavam, entre si, pela atividade econômica).

Essa divisão teve como objetivo, exclusivamente, fins estatíst|i-


14 ■
cos e durou 20 anos . ;
; Com a evolução do estudo da Geografia e a consciência,
I
por parte dos geógrafos, de que o seccionamento regional de 1945

não correspondia mais ã realidade, o "IBG elaborou o trabalho jda

nova divisão, surgindo o Brasil dividido em; 'espaços homogêneos'


f.

15 i
e 'espaços polarizados'" . 1
I
Inicialmente tentou-se identificar os menores espaços
[
homogêneos, as micro- regiões , "formadas de agrupamentos de mui>i-

cípios que apresentam características comuns em relação aos as­

pectos físicos, sociais e econômicos"


!

Decorre, disso, um Brasil dividido em quatrocentas ; e


•-
trinta e oito micro-regioes u -
homogeneas 17 . :
;
í'
Do agrupamento dessas micro-regiões surgiram as re­

giões, e é o seguinte, o quadro da divisão regional oficialmente

adotado pelo IBG: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.


15

Essa divisão nem sempre tem seus limites coincidindo com as fron
,■
te iras dos estados
18

"Ao lado da divisão homogênea temos o trabalho' de divi^

são em regiões po1arizadas, com identificação de centros de

maior influência regional e respectivas ãreas" Hã necessida­

de de adoção dos dois sistemas de divisão porque o Brasil ë um

país de muitos contrastes■e après enta“ situações extremamente an­

tagônicas ;

"Em cdAtaò aAdas a noção de. rzgZão aon


fundir-se,-ã com o e,&tudo da palsagam
ireglões homog&mas] , em o_utra& __
crlférlo não corrzòpondzrã mais ã n.o,a-
lldadz, szndo przcl&o rzcorrzr-so, tam.-
b&m ã vida de relação, a fim de se ter
uma divisão realmente valida (regiões
polarizadas]" 20.

Desconhecemos o estãgio atual desse trabalho das divi­

sões pol.ãrizadas , contudo, sabemos que ele ë aplicado nas cida -

des brasileiras de mais de 10.000 habitantes e que estas são

classificadas em três níveis: metropolitano, centro regional e

sub-regional, após o que ë organizado um mapa de ãrea de influên

cia de cidades Sabemos, ainda, serem nove as metrópoles bra­

sileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Ale -

gre. Salvador, Belem, Recife, Fortaleza e Curitiba

Ate aqui a Geografia nos foi util. Levou-nos ao signi­

ficado que emprestaremos ao termo "região" e, ao mesmo tempo,

proporcionoia-nos uma inteiração sobre o quadro geral das divi­

sões regionais brasileiras. £ necessário, porêm, registrarmos que

o fato de a divisão regional adotada pelo IBG gozar da prerroga­

tiva de "oficial" não impede e nem invalida a fixação de outras

, divisões, por parte de outros campos do conhecimento humano,


16

alheios ao geográfico. Assim é que, muitos daqueles, que se preo­

cupam com o aspecto cultural do Brasil, apresentam, também, tra

balhos divisórios deste, dentro de uma perspectiva propria pela

qual passaremos ,a nos interessar de ora avante.


17

3- REGIÕES BRASILEIRAS: PONTO DE VISTA CULTURAL

Abandonemos, pois, o auxílio da Geografia que, se nos

foi ütil como jã o assinalamos, não nos parece suficiente para

continuar conduzindo um estudo que se pretende subordinado ao

campo de investigação das artes. Nada mais estranho, agora, que

pretendemos nos adentrar na configuração particularizada de cada

uma das regiões brasileiras, do que a tentativa de colhe-las sob

uma fisionomia que lhes foi emprestada por um método estatístico

e numérico. Um método espontâneo, que conte simplesmente com o

"olho clínico" do analista, parece ajustar-se melhor ao nosso ca

so. Diríamos que, nesse método, se enquadram os trabalhos de Ro-

ger Bastide e Vianna Moog. Na tarefa de dividir e caracterizar

regiões, os referidos estudiosos levam em conta, principalmente,

dados culturais, os quais não raro são colhidos no testemunho

da o b r a d è arte literãria. Esse fato aproxima e muito a natureza

dos seus estudos do dos objetivos deste trabalho.

Como não poderia deixar de ser, os referidos estúdio -

sos identificam o Brasil, não so como um país de geografia hete­

rogênea, mas, também, como um pais constituído de diferentes

meios culturais, que, de um lado, se opõem entre.si, enquanto

que de outro, se subordinam a fatores comuns a cada um deles.

Esses meios a que fizeram referências,do posicionamento em que

se colocam os analistas, configuram-se como ilhas distintas, o

que imprime ao País o carãter de arquipélago.


3.1. A regionalização de Roger Bastide

Para Roger Bastide, o Brasil é:

compos-to de regiões diferentes,


múltiplas e multas vezes contrastantes.
Forma, assim, urrt arquipélago de "Ilhas
culturais" dessemelhantes, embora ba -
nhadas pelas mesmas ondas e coroadas
pelas mesmas estrelas" 23. ----

E, em seu livro Brasil terra de contrastes, desenvolve

um estudo atravSs do qual procura tornar o título evidente. No

capítulo que reserva ãs artes, insiste: "Não ë de admirar que l_i

teratura e arte vejam refletidas em seus setores esta estrutura

de arquipélago" Em vista dessa afirmativa entende ser mais

racional o estudo da literatura através de suas ilhas, a fim de

que se possa reconstituir, ã força de contrastes a unidade do ar

quipélago, do que o seu estudo através das escolas literárias,

como se vem procedendo. Esforça-se,, ainda, por comprovar como

os mesmos movimentos literãrios tomam rumos diversos, conforme

as ãreas em que nasceram os seus escritores. Caracteriza, a se­

guir, em rápidos traços, quatro variantes da literatura brasilei

ra, insuladas em regiões diferentes: a do Nordeste, a do Pampa,

a do Rio de Janeiro e a de São Paulo.

3.1.1. A Literatura do Nordeste

i
Roger Bastide vê no Nordeste uma região onde "o cheiro

do mel das canas cortadas mistura-se ã da salsugem trazida pelos

ventos do largo que impelem também os veleiros e, com eles, |;as


19

idéias revolucionarias, as filosofias de liberdade e de fraterni

dade” Daí, classificar a literatura do Nordeste como uma li­

teratura de protestos, que tem início com a obra de Gregório de

Matos, na época colonial, encontra continuidade nos escritores

abolicionistas, adquire relevo na obra de Rui Barbosa e chega

aos nossos dias com Jorge Amado.

0 principal elemento desencadeador dessa literatura de

protesto, segundo o analista, teria sido o negro. Uma vez solu -

cionado o problema da escravatura no Brasil o escritor desperta­

ria para a realidade da cana-de-açucar, como ocorreu com Josê

Lins do Rego, bem como para a problemática da seca, que se encon

tra refletida, principalmente, nas obras de Graciliano Ramos e

Raquel de Queirós. Conclui chamando a atenção para a forma como

os títulos Vidas secas e Caminho de pedra, obras dos respectivos

citados ^utores, revelam, de maneira significativa, o condiciona

mento d o ’meio geográfico sobre os escritores.

3.1.2. A Literatura do Pampa

Roger Bastide caracteriza o Sul como sendo, principal­

mente, uma região de fronteiras, a qual tudo faz para precaver -

se contra a influência que recebe de outras culturas. 0 mais au

têntico escritor do pampa dos gavlchos foi Simões Lopes Neto, que

não sofreu, nem mesmo, a influência da escola naturalista do Nor

deste. Depois dele essa escola se implantara no Sul, modificada

ao contato de uma civilização diferente que se lhe opõe. Érico

Veríssimo é apontado como o mais típico caso de resistência do

Sul contra o Norte, acima de tudo porque seus romances são os:
20

de um homem da frontílra, quz t m


p o A c o i U z g u U n t e mce-i-i-idadí de de^^en -
deA. a £lngíxa po/!.íu,gu.e.óa contra tudo o
quz possa manchar-Zhe. a pureza, enquan
to no hlortd, onde o tdtoma nao prectsa
ser defendtdo, pode contamtnar-se sem
perigo em contato com os negros e as
caboclos" 26.

3.1.3. A Literatura do Rio de Janeiro e de Sao Paulo

Roger Bastide vê franca oposição entre a literatura do

Rio de Janeiro e a de São Paulo. Atribui o fenômeno aos contras­

tes existentes entre as duas cidades. Considera São Paulo como

"o ponto de encontro de todos os povos do mundo", "uma cidade in

ternacional". Daí a literatura de Euclides da Cunha ter.sido in­

fluenciada pelas filosofias estrangeiras de Backle, Taine e Marx,

a de Monteiro Lobato ter se preocupado com a integração de crian

ças descendentes de italianos, japoneses, alemães. Daí, tambëm,

0 fato de Oswald de Andrade ter-se feito "um devorador de teo­

rias estrangeiras". Nada mais fez do que seguir o exemplo de sua

cidade: "uma devoradora de imigrantes". E, temos ainda aí, a ex­

plicação para aquela linguagem saborosa com que é escrita Macu -

naÍM: uin português originãrio do caboclo vindo do interior, do

negro fugido das fazendas, e do italiano mal assimilado.

0 Rio de Janeiro ë visto por ele como "mais mulato",

como "mais português".

Devido ã presença da corte fez-se uma cidade social e disciplina

da pela etiqueta. As obras literãrias de seus escritores refle -

tem as transformações sociais por que passa. Assim, a evolução

que sofrerá de cidade colonial para metrópole, registra-se -na


21

obra de Manuel Antonio de Almeida. A vida dos salões, de um impe

rio em vias de terminar, tem luga'r na obra de Machado de Assis.

As novas idéias de relacionamento social, decorrentes de uma ci­

dade, agora sede da Republica, estão presentes nos autores parna

sianos. A solidão a que é levado o homem, diante de uma cidade

que estã assumindo dimensões, gigantescas, marcam as obras de Car

los Drummond de Andrade e de Manuel Bandeira. E, finalmente, a

remodelação do Rio de Janeiro se presentifica na obra de uma ge­

ração apõs 19 40.

3.2. A regionalização de Vianna Moog

Um outro estudioso do problema, e desta vez brasileiro,

assume um posicionamento, diante da literatura brasileira, igua]^

mente significativo para nos. Referimo-nos a Vianna Moog e seu

estudo ”Uma interpretação da literatura brasileira", lido no Sa­

lão de Conferências do Ministério das Relações Exteriores, no

dia 29 de outubro de 194 2 . ............. I

Da mesma forma que Roger Bastide, mostra-se contrãrio

a que a literatura de nosso País seja estudada como um todo, épjo

ca apõs época. Entende que o critério cronológico não se adapta


!

"a uma literatura que, a despeito da unidade de língua e de ori­

gem, as diferenciações geográficas, as de meio, as de forma de

produção, as de clima e de cultura condenaram a uma .estonteante


27
diversidade" . Acredita que onde se conjugam, numa certa uni -

formidade, os fatores clima, geografia, etc., se hâ de encontrar

um nücleo cultural homogêneo e definido. E admitindo que não so­

mos um continente, apesar da continuidade de nosso território,


22

mas antes urn arquipélago cultural, destaca no contexto brasilei­

ro, sete núcleos culturais diferentes, nos quais se insulam lite

raturas à parte. São eles: Amazônia, Nordeste, Bahia, Minas Ge­

rais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

3.2.1. A Amazônia

0 mistério de uma natureza que não se abandona, não se


i

entrega, não faz confidências, impede, segundo Vianna Moog, íao


1
_ ^ t
homem dessa região penetrar a terra com devoção panteísta. Hos‘t^
I

lizado e dominado, diante da Amazônia, os escritores, tanto os

autóctones como os de outros estados ou estrangeiros, criam uma


i
literatura de interpretação da terra, do que são exemplos , Eucl_i

des da Cunha, Gonçalves Dias, Inglês de Souza, Gastão Cruls e ou

tros .

3.2.2. 0 Nordeste

0 fenômeno das secas, que aí se registra, tem encontra

do fortes intérpretes no campo das letras, dos quais são exem­

plos José Américo de Almeida, Graciliano Ramos e Raquel de Quei­

rós. Porém, a natureza da literatura dessa região, para o analis

ta gaúcho, reside, acima de tudo, nos fatores sociais surgidos

dos contrastes entre o sobrado e o mocambo, a casa grande e a

senzala, o rico e o pobre, o branco e o preto. A título de exem­

plo cita os autores: Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, José Lins


23

do Rego, Graciliano Ramos e Gilberto Freyre

3.2.3. A B ah ia

A ausência de problemas cruciantes, a passagem de D..

João VI por Salvador, a influência da literatura de Pe. Vieira,

a condição de metrópole cultural, a presença de colégios jesuí -

tas voltados para uma educação humanista, fizeram da Bahia, se­

gundo o autor gaucho, uma região de eruditos, fato que se refle­

te na obra de seus escritores, com algumas exceções. 0 mais ex

pressivo exemplo desse eruditismo dentro da literatura se dã em

Rui Barbosa.

3.2.4. Minas Gerais

Segundo Vianna Moog a sucessão de montanhas que cons|t_i

tui a geografia de Minas, separa'seus municípios entre si, fazen

do do mineiro um tipo de poucas andanças e por isso mesmo,ensi -

mesmado, introvertido, e eminentemente municipal. Daí a literatu

ra, entidade cultural que o mineiro supervaloriza, ser exercida


i

por ele com certo ar de inconfidência, característica, essa, en-

contrãvel nos poemas de Carlos Drummond de Andrade e na prosa de

Ciro dos Anjos.


24

3.2.5. São Paulo

Para Vianna Moog, os paulistas mantêm-se fiéis ã trad_i

ção que lhes foi legada pelos bandeirantes. "Dali do planalto

donde partiram as caravanas destinadas a ampliar as lides da pã-

tria nascente, na conquista do Brasil para si mesmo, deviam par

tir também as bandeiras das grandes pregações ■espirituais do


- u 28
pais
Através dessa vocação do bandeirismo, o analista justl

fica tanto a obra de Monteiro Lobato, em seus desejos de propa­

gar ao Brasil a descoberta que fizera sobre o complexo de condi­

ções que retardam a marcha do país, como o prõprio movimento mo

dernista, no qual, algims rapazes de valor tentam sacudir o Bra­

sil de sua apatia no campo das artes.

3.2.6. 0 Rio Grande do Sul

A natureza dessa região é constituída por coxilhas on­

dulantes recobertas de um tapete verde. Não barra o olhar do gau

cho com obstãculos intransponíveis, nem lhe devolve a voz em for

ma de eco provocante e escarninho, observa o estudioso. Assim, o

homem dessa região sente-se um dominador. E por isso é individua

lista e gosta de celebrar suas coisas e seus costumes na litera­

tura.
Para além das coxilhas, o analista reconhece existir

um outro tipo de civilização, situando na confluência das imigra

ções açoriana, italiana e alemã., Um novo tipo de cultura, mais

voltada, por contraste, ao universal do que ao regional. Daí, a


25

literatura de um Hrico Veríssimo, um Augusto Meyer, um De Souza

Junior, um Alcides Maia sempre indecisas entre o regional e o

universal•

3.2.7. 0 Rio de Janeiro

Por não ser uma capital de estado unitãrio e fortemen­

te centralizado, como os grandes centros de cultura européia,

que de fato irradiam os grandes movimentos culturais nos respec­

tivos países, a então Capital Federal ê colocada no mesmo nível

dos demais centros de província e tolhida na sua originalidade

política bem como nas suas possibilidades imperiais. Eis aí a. ra

zão, afirma Vianna Moog, porque o carioca não poderia ter uma Ij.

teratura, de proselitismo, de grandes criações, mas uma literatu­

ra de pintores de costumes. Em lugar de fazer História, sofre-a.

E para sofrê-la com resignação invoca a ironia. Não ê outra a

origem, sob certos aspectos, do drama e da ironia de Machado de

Assis e de alguns escritores dos nossos dias. ^

Das considerações feitas por ambos os estudiosos vimos

que ;

~ Roger Bastide divide o Brasil em quatro regiões cul^

turais que se refletem nas obras de seus escritores

e que ficam assim constituídas; a) a do Nordeste,

marcada pela problemática do negro, pela economia


I
da cana-de-açúcar e pela presença das secas; b) ' a

do Sul, subordinada ao instinto de defesa próprio

do homem de fronteira; c) a de São Paulo, marcada


26

pela presença do imigrante e do contato mantido com

a cultura européia; d) a do Rio de Janeiro, vincula

da ã sua própria evolução histórico-social ;

— para Vianna Moog, são sete as ilhas culturais bras^

leiras, sendo que a cada uma delas corresponde uma

literatura própria, a saber: a) Amazônia - telúrica; ,


i '
b) Nordeste - social; c) Bahia - erudita; d) Min|as

Gerais - humanística; e) São Paulo - bandeirante;

£) Rio Grande do Sul - a um tempo regional e univer

sal; g) Rio de Janeiro - de ironia costumbrista.

Tanto um quanto outro não se mostrou preocupado em pr^

cisar as linhas divisórias, mas em descobrir as diferentes res -

postas dadas pelo homem, aos diferentes fatores externos e inter

nos físico -sociais que atuam sobre ele. Investigam nas obras |de

arte literãria sobre o como pensa e age cada nucleo cultural e,

em quê um núcleo difere do outro. Nos fatores histórico-geogrãf_i

co e sócio-econômico buscam o porquê dessas diferenças. '■

Concluídas as considerações a respeito das divisões r£

gionais vistas do ângulo "cultura", somos levados a inferir, que

todo escritor estâ vinculado a um desses núcleos culturais. Como

indivíduo que é, teria sido plasmado dentro da mesma herança çuj.


I
tural do grupo a que pertence. 0 escritor, passaria a expressar,
_ i
'
consciente e inconscientemente, em sua obra, essa formaçao cultu
, j

ral que não é só a sua. |

Neste caso, a obra de Guido Wilmar Sassi com a qual

pretendemos trabalhar, deve circunscrever-se, obrigatoriamente,

em um núcleo cultural, tanto no esboço apresentado por um,-quan­

to por outro estudioso. ;


27

Levando em conta os fatores político-geogrãficos, e pa

ra isto a Geografia ê fundamental, enquadramo-la na região de

Pampa, segundo Roger Bastide e na do Rio Grande do Sul, segundo

Vianna Moog do que decorre deva, a referida obra, apresentar res^

pectivamente as características próprias do homem de fronteira,

ou caracterizar-se como regional e/ou universal dependendo de

sua localização geográfica dentro do mesmo Estado.

Esse resultado a que chegamos, "a priori", não pode

ser aceito por nos sem um certo embaraço. Não podemos afirmar

que a obra.do referido escritor catarinense se distancie tanto

do seu nücleo cultural a ponto de constituir uma exceção ã regra,

como a constitui a obra de Jorge Amado face ao eruditismo - deno

minador comum da literatura da Bahia, segundo Vianna Moog. A re­

serva que temos a fazer estã subordinada ã grande extensão .geo­

gráfica que subentendemos abranger cada região cultural. Sendo

tão amplãs terão que admitir variações internas, do que resulta

a necessidade de um redimensionamento, pelo menos da região na

qual situamos a obra do autor em questão.

Do ponto de vista cultural, não teríamos condições, co^

mo jã se evidenciou, de precisar as linhas limítrofes dessa re­

gião situada no Sul do País. Admitindo que o seu'núcleo irradia­

dor de influências esteja centrado no Rio Grande do Sul, pois fo

ram de lã as obras e autores citados pelos dois analistas. Inter

postos entre a sede. desse núcleo e São Paulo, núcleo que lhe es­

ta mais próximo, acham-se os estados dé Santa Catarina e Paranã.

Com os recursos bibliográficos de que dispomos, não temos condi­

ções de caracterizar todos os sub-núcleos de certo relevo, den­

tro desses dois ou três Estados que pretensamente se fecham numa

unidade cultural. 0 mesmo não ocorre se o nosso interesse de


28

identificação de sub-nücleos culturais se reduzir a nível de es­

tado. No caso particular do Estado de origem do autor Guido Wil­

mar Sassi - Santa Catarina - conhecemos alguns trabalhos nesse

sentido, dos quais trataremos no. subtópico reservado ao estudo

das regiões catarinenses, ponto de vista cultural.


29

4. REGIOBS CATARINENSES

^ 1• Ponto de Vista Geográfico

Em Santa Catarina, geograficamente falando, contamos

com dezesseis micro-regiÕes homogêneas. 0 trabalho de demarcação

desses espaços teve lugar no ano de 196 7 como resultado de cuida

dosos levantamentos que envolveu a participação de diversos ór­

gãos como IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístj^,

ca -, PLAMEG - Plano de Metas do Governo -, DEE - Departamento


29
Estadual de Estatística -, e outros

Esse numero elevado em que os especialistas no assunto

dividiram, geograficamente, Santa Catarina, vai reduzir-se em

apenas três ou quatro, num enfoque do ponto de vista cultural,

como veremos a seguir.

4.2. Ponto de Vista Cultural

Dentre os estudiosos de Santa Catarina, por nós consul^

tados, três deles - Nereu do Vale Pereira em "Santa Catarina, uma

interpretação sociológica dos aspectos microrregionais"; Sílvio

Coelho dos Santos em "Contribuição para o delineamento de subã-

reas culturais em Santa Catarina” e Celestino Sachet em "Funda -

mentos da literatura catarinense” - tiveram a preocupação de es­

boçar estudos sobre a cultura existente nesse Estado, por ãreas

culturais distintas.
30

4.2.1. Divisão de Nereu do Vale Pereira

Nereu do Vale Pereira apresenta uma divisão do estado

de Santa Catarina em quatro sub-ãreas culturais, dentro da esque

mãtica que, segundo ele, teria servido de ponto de partida para

a divisão das micro-regiões homogêneas desse Estado. Estão assim

constituídas:

Litoral - De formação lusa (açoriana) com influência

vicentista. Ocupa-se da pesca e em segundo plano da agricultura,

opondo resistência ã industrialização.

Encosta dos Vales - De origem germânica reforçada por

italianos e poloneses. Dedica-se a atividade têxtil. 0 seu conta

to com a faixa litorânea ê dificultado por obstáculos de ordem

física: as Serras Geral e do Mar.

■’ Planalto ~ Advindo do paulista; dedica-se ã pecuária

extensiva e ã extração vegetal e estã, por sua vez, desvinculada

do litoral. ■

Oeste - Constituída por imigrantes descendentes de ita


I
lianos. Teria nascido da campanha do contestado e da abertura|dá

estrada de ferro São Paulo - Rio Grande. Desvincula-se da v:^.da


^ -
catarinense 30

4.2.2. Divisão de Sílvio Coelho dos Santos ;

Do ponto de vista de Sílvio Coelho dos Santos, em San-


_ i-
ta Catarina, podem ser vislumbradas três sub-ãreas culturais | a

;aber: a litorânea ou original, a do Planalto ou dos Campos de


31

Lages e uma de Colonização.

Litorânea - Originou-se em conseqUência das disputas

luso-castelhanas era torno das terras fronteiras ao meridiano de

Tordesilhas. Sofreu a ação da Metrópole portuguesa e e marcada

pela presença do luso e luso-açoriano.

- Planalto - Te\'-e origem-na .audácia, dos _bandeirantes e

na necessidade dos gaúchos abastecerem Minas Gerais com o gado

que campeava no Rio Grande do Sul. Daí o seu povoamento ter como

base o mameluco. paulista e a sua expansão ter como alicerce a

criação do gado.

Colonização - Baseada, especialmente, nas populações

alemãs e italianas, que marcaram, quer na Economia, quer na Hi£

tória, os Vales do Itajaí, Tubarão e Cachoeira.

.
, Mesmo considerando a existência de apenas três núcleos

culturais,, Sílvio Coelho dos Santos admite que se está registran

do, nesse quadro básico de sub-unidades culturais catarinenses ,

principalmente devido, ã mobilidade das populações, algumas alte­

rações. E aponta o Oeste como exemplo de um novo povoamento com

base no imigrante que ali vem se fixando e que se dedica ã cria­

ção do gado. Deste modo o estudioso deixa entrever a formação de

mais uma sub-ãrea cultural no Oeste

Das considerações feitas por am.bos observamos que os

estudiosos divergem quanto ã região situada no Oeste. Sílvio Co^

lho dos Santos insinua a existencia desta em estado de formação,

enquanto que para Nereu do Vale Pereira ela se constitui em sub-

ãrea cultural. Este autor evidencia claramente o estado de isola

mento das sub-ãreas culturais catarinenses.

Os elementos levados em conta na tarefa de caracteriza


32

ção cias referidas sub-ãreas culturais foram, prioritariamente,

a localização geogrãfica, a origem êtica do povoamento e a sua

atividade econômica,
0 aspecto pelo qual mais nos interessamos, o liter

foi deixado de lado. E dentre os vários autores que se voltam pa

ra o estudo da realidade cultural catarinense, dos quais tivemos

em mãos, apenas o professor Celestino Sachet apresenta uma tenta

tiva de caracterização da obra literãria por sub-ãrea cultural,

a que chama "ilhas literãrias".

4.2.3. Divisão do Professor Celestino Sachet

Para o professor de Literatura da Universidade Federal

de Santa,Catarina, as obras de arte literária, nesse Estado, ema

nam, principalmente, de três "ilhas": a do litoral, a da civili­

zação da mãquina, que engloba o Vale do Itajai, Norte e Nordeste

catarinense, e , a da civilização dos campos, na qual situa os

escritores Tito Carvalho e, no seu dizer, "mais no Oeste, Guido

Wilmar Sassi"
Para nós , ê conveniente assinalar, a-civilização dos cam­

pos constitui uma região distinta da do Oeste, mesmo em termos

de literatura. Se o escritor Guido Wilmar Sassi teve a sua ori­

gem na região dos Campos de Lages, que nós também chamamos de

"Planalto", soube ser, ainda, intérprete da região do Oeste. Di­

ríamos que, enquanto contista, ê mais um escritor da região dos

Campos de Lages ou do Planalto, e, enquanto romancista é ao Oes­

te que pertence. ^
No prefácio do livro intitulado Fundamentos da cultura
■üiZés-oag-y
Biblioteca Universitária 33
UFSC

catarinense, o professor Celestino Sachet faz um relato sobre es

critores e obras de cada sub-ãrea, apontando ligeiramente a tema

tica destas e mencionando uma ououtra de suas características, mas

não chega a determinar as possíveis influências que a cultura des

sas "ilhas" teriam exercido sobre os seus respectivos escritores.

E para assumirmos uma posição diante desses estudos

divisórios de S a n t a - Catarina diremos que, da mesmo forma que

Nereu do Vale Pereira, para nós, esse Estado se subdivide em qua

tro ãreas culturais distintas: Litoral, Encosta-do Vale, Planal^

to e Oeste.
Embora o- Planalto e o Oeste apresentem características

em comum como ë o caso da presença da Mata Subtropical, nós con

sideramos essas ãreas distintas, tanto porque ó diversificada a

forma como cada região desenvolve a ati-vidade exploratória da re^

ferida Mata (principalmente no que tange ao trasnporte para o c^

mércio) cdiiio porque apresentam uma formação étnica diferente.

Para concluir, tentaremos uma aproximação entre :as

idéias bãsicas do presente capítulo e a temãtica deste trabalho .

Para o regionalismo, dentro da literatura, a idéia de

região em muito se aproxima da idéia que a Geografia empresta ã

região homogênea: "espaço terrestre onde os fatores físico-humanos


.
se apresentam com um carater constante
,.33

Ela se opõe ã região polarizada, onde o alto nível de

organização da vida de relação faz com que o indivíduo reaja con

tra a i n f l u ê n c i a constante, criada pelos fatos do meio natuial, e

se adapte a padrões universais.


Tentando emitir um conceito de região do ponto de yi^

ta exclusivamente regional-literãrio, e tomando como base o estu


34

do por nos realizado, diríamos que a região é um espaço geogrãfi-

co descontínuo, onde vivem indivíduos que, por força das circun^

tâncias do meio natural que o cercam, apresentam hãbitos de vida

específicos e comuns a todos eles.

Em tais circunstâncias, somente o meio rural pode ca

racterizar uma-região, E ê para região assim compreendida .que _ o

escritor volta a sua atenção. Busca nela o típico, o particular,

o próprio. Nos grandes centros o homem apresenta atitudes padro­

nizadas e comportamento, mais ou menos, nivelado ãs convenções

sociais, ditadas por preconceitos univers ais,sendo que nada, ou

quase nada,tem de típico.

Daí decorre que a divisão do Brasil, feita pela Geo

grafia, em regiões polarizadas, é impertinente ao nosso estudo ,

considerando que ela leva em conta a vida de relação dos grandes

centros metropolitanos, enquanto o escritor regional se interes

sa pela vida simples e pacata da gente do interior.

A divisão que esta mesma Geografia faz, em cinco gran

des regiões: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, tam

bem não pode atender aos interesses de nossa pesquisa, visto que

foram demarcadas através da identificação de fatos geogrãficos e

humanos semelhantes, colhidos com^o auxílio da Estatística, en

quanto que para nos, o ideal seria que fossem determinadas atra

vés de fatos culturais colhidos com o auxílio de obras literã­

rias, para que se pudesse melhor conhecer o Brasil em sua auten

ticidade.

0 modo como Roger Bastide e Vianna Moog nos apresen

tam os seus trabalhos, leva-nos a deduzir que todo o agrupamento

humano, era cuja literatura se possa observar um comportamento de

vida modelado sob a influência de um meio físico-social prõprio.


35

e circunscrito em um espaço geográfico, pode ser considerado re

gião.
Esse método de divisão regional que adotaram estã in

teiramente de acordo com o que idealizamos. No entanto, por e_s

tarem os referidos estudiosos interessados pelo aspecto cultura

'lato sensu” , enquanto o'nosso interesse é regionalismo, que é

apenas um aspecto da cultura, os seus trabalhos tornaram-se pa

ra nós muito gerais. Levam em conta, nessa divisão regional,

também fatos quase que exclusivamente histórico-sociais , quan­

do para nós, eles só são de interesse se vinculados a fatores ::_i

sico-geogrãficos. Eles procuram a imagem generalizada de um Bra


i ^

sil, nós sonhamos encontrar sua imagem naquilo que tem de pro

prio, de particular. Assim, os referidos trabalhos, embora mq^

to tenham em comum com a nossa linha de pensamento, não confe

rem totalmente com ela. •|


■: / ■ i .

’■ Os estudos sobre a divisão regional de Santa Catarl;


í

na, do ponto de vista cultural, permitiram-nos formar um concéi

to sobre como estã constituída, étnica e economicamente, |a

terra catarinense, bem como, saber-se que existem literaturas


!
afetas a essas ãreas culturais.
Partindo do princípio de que um autor pode vincular!-
[ ■ i

se, simultãneamente a mais de um micro-cosmo cultural, situamos

Sassi na região dos Campos de Lages e na do Oeste Cataíinense

como passaremos a chama-las de ora em diante.


36

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO I

( 1) ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. São Paulo, Encyclopae -


dia Britanic do Brasil, 1976. v. 17. p. 9.670.

(2) CARDOSO, Maria Francisca Theresa. "Algumas noções sobre re


■ ■ giões polarizadas".-In:--LIMA, Miguel Alves de. et alii.
Curso para professores de Geografia. Guanabara, IBGE,
1970. p. 157.

( 3) GRANDE ENCICLOPÉDIA Delta Larousse. Rio de Janeiro, Delta,


19 7 2, V. 12. p. 5.7 24.

( 4) KAYSER, Bernard. "A região como objeto de estudo da Geogra


fia". In: GEORGE, Pierre et alii. A geografia ativa. São
Paulo, DIFEL, 1975. p. 284.

( 5) CARDOSO, Maria Francisca Theresa. "Algumas noções sobre re


giões polarizadas". In: LIMA, Miguel Alves de. et alii.
pp. cit. p. 157.

(6) KAYSÉR, Bernard. "A região como objeto de estudo da Geogra


fia". In: GEORGE, Pierre. Op. cit. p. 279, 280 e 285.

( 7 ) KELLER, Elza Coelho de Souza. "Evolução do conceito de re­


gião". In: OLIVE, Lea Salomão et alii. Curso para profes
sores de Geografia. Guanabara, IBGE, 1969. p. 106.

( 8 } Id. ibid. p. 106-8.

(9) KAYSER, Bernard, "A região como objeto de estudo de Geogra


fia". In: GEORGE, Pierre. Op. cit. p. 282.

(10) Dois dos contos por nos selecionados para estudo focalizam
a vida de um menino enjeitado, acolhido em uma fazenda
de criação de gado. Três outros esboçam a vida dura e
sem conforto da gente de serrarias situadas em zona de
Mata Subtropical. 0 romance aborda a vida difícil, mise­
rável ate, de gente também de zona de Mata Subtropical,
que vive da derrubada de pinheiros, os quais, na época
de cheias, são enviados para a Argentina, através do rio
i

Uruguai. 1
37

(11) CARDOSO, Mai'ia Francisca Thereza. "Algumas noções sobre as


regiões polarizadas” . In; LIMA, Miguel Alves de et alii.
Op. cit. p. 158.

(12) AZEVEDO, Aroldo de. As regiões brasileiras. 2. ed. São Pau


lo, Companhia Editora. Nacional, 1966. p. 20.

(13) 0 IBG, Instituto Brasileiro de Geografia, ê um orgão que,


como o IBE, Instituto Brasileiro de Estatística, acha-se
subordinado ao IBGE._ 0 primeiro, faz levantamentos geo­
grãficos; o segundo, levantamentos estatísticos. Um não
ê subordinado ao outro, embora se auxiliem mutuamente.

(14) KELLER, Elza Coelho de Souza. ”Evolução do conceito de re­


gião” . In: OLIVE, Lêa Salomão et alii. O p . cit. p. 112.

(15) Id. ibid. p. 112. ;


!
(16) Id. ibid. p. 112. i
(17) PEREIRA, Nereu do Vale. ”Santa Catarina, uma interpretação
sociologica. Aspectos microrregionais” . In: SANTOS, Sil­
vio Coelho dos. Ensaios sobre sociologia e desenvolvimen
.,to em Santa Catarina. Florianopolis, EDEME, 19 71. p. 20.

(18): ENCICLOPÉDIA Sêculo XX. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1972.


V . 2 , p . 36 3 .

(19) KELLER, Elza Coelho de Souza. "Evolução do conceito de re­


gião” . In: OLIVE, Lêa Salomão et alii. O p . cit. p. 11|2.

(20) CARDOSO, Maria Francisca Thereza. ”Algumas noções sobre! re


giões polarizadas” . In: LIMA, Miguel Alves de et alii.
Op . c it . p , 15 8 .

(21), KELLER, Elza Coelho de Souza. ”Evolução do conceito de ^re­


gião” . In: OLIVE, Léa Salomão et alii. O p . cit. p. 113.

(2 2) PEREIRA, Nereu do Vale. ”Santa Catarina, uma interpretação


sociológica. Aspectos microrregionais” . In: SANTOS, Sil­
vio Coelho dos. O p . cit. p. 20.

(23) BASTIDE, Roger. Brasil: terra de contrastes. 6. ed. São


Paulo, DIPEL, s.d. p. 209.

(24) Id. ibid. p. 209.

(2 5)Id. ibid.p.213-14.
38

(26) Id. ibid. p. 219.

(27) VIANNA MOOG, Clodomir . Uma interpretação da literatura


brasileira e outros escritos. Rio de Janeiro, Delta,
1966. V. 10 p . ■109.

(28) Id. ibid. p. 119-20.

(29) PEREIRA, Nereu do Vale. "iSanta Catarina, uma interpretação


sociologica. Aspectos microrregionais” . In: SANTOS, Si|l-
vio Coelho dos. Op. cit. p. 22-23.

(30) Id. ibid. p. 24-26.

(31) SANTOS, Silvio Coelho dos.. ”Contribuição para o delineamen


to de subãrias culturais em Santa Catarina” . In: ______ .
Povo e tradição em Santa Catarina. Florianópolis, EDEME,
1971, p. 53-61.

(32) SACHET, Celestino. ”Fundamentos da literatura catarinense”.


In; _______ . Antologia de autores catarinenses. 2. ed.
Rio de Janeiro, Laudes, s.d. p. 17-18.

(33) KELLER, Elza Coelho de Souza. ”Evolução do conceito de re­


gião” . In: OLIVE, Lea Salomão et alii. Op. cit. p. 106.
C A P r T U L 0 II

0 REGIONALISMO E A LITERATURA

■ ■■ Para^que os termos '"reglonal" e "regionalista" não ve­

nham a suscitar duvidas ao leitor, necessário se faz um esclare­

cimento sobre a significação que lhes atribuímos.

Do posicionamento em que nos colocamos, não estabelec_e

mos distinção entre os adjetivos "regional" e "regionalista", em

bora sabendo que existem os que reivindicam significado pr5prio

a cada um deles
Para nos,, "obra oii escritor regional", bem como, "obra

ou escritor regionalista" são expressões equivalentes e tomadas

indistintàmente uma pela outra, no transcorrer deste trabalho.

Não são muitos, neste País, os autores que se têm dedi.

cado ao estudo de obras e escritores regionais; e isto, porque,

segundo pudemos perceber pela data de publicação' das obras que

se voltam ao assunto e que foram por nõs consultadas, so recent_e

mente ele vem despertando a atenção dos estudiosos da literatura.

Não foi possível precisar a data em que os críticos e

teorizadores se tomaram de interesse pelo regional. A mais anti­

ga referência nesse sentido, que pudemos identificar, foi um ápe

lo feito aos escritores do Norte, em 1876, por Franklin Tãvora:

”(...) têm 0 6 e.-6crttoAíó do Norte („...)


0 dever de levantar ainda com luta e
e-òforçoi, 04 nobres foros dessa grande
região, exumar seus tipos legendários,
fazer conhecidos seus costumes, suas
lendas (...)’' 2.
40

Dentre as obras que tivemos oportunidade de consultar,

sobre o assunto, as principais delas datam o sêculo atual. Segun

do nos parece, a crítica brasileira teria levado a serio o estu­

do da obra regional somente ap5s o movimento modernista.

Em Alceu de Amoroso Linia encontramos vasta fonte de

pesquisa. 0 tema é abordado por! ele, tanto em sua forma típica -

a "regionalista” propriamente dita, como dentro de uma outra m|o-

dalidade, o "sertanismo". Entende que este encontra a sua maior

fonte de existência naquela. Faz estudo de obras, estabelece prin

cípios, formula conceitos.

Eis as condições impostas por ele, para que uma obra

possa ser considerada "regional” ;

"0 ph.lmíÍH.0 ca.Aãte.A do regio nallsmo, C£


mo 0 próprio termo o indica, e ser es­
tritamente local, tanto na paisagem co
mo nos tipos e na signif_icação. {. . .T
E 0 regionalismo, se o e de ' verdade,
possui um segundo caráter bãsico: a
originalidade. Mas essa originalidade
não pode ser obtida por meios arbitrá­
rios e muito menos deixada ã fantasia
do autor. Deve, pelo contrário, provir
de um esforço especial de. observação e
de isenção, que formam o outro quesito
principal da literatura regio nalista :
0 realismo" 3.

Em 19-26, tendo ã frente Gilberto Freyre, um grupo reu­

nido em Pernambuco lança o Manifesto Regionalista. Para esse gru

po:

"uma região e vitalmente e culturalmen


te mais do que uma nação como condição
de vida e como meio de expressão e .de
criação humana" 4.

E essa idêia que sobrepõe região ã nação ê reforçada

por Gilberto Freyre, nesse Manifesto, quando chama a atenção pa-


41

ra 0 fato de que o regionalismo não apresenta uma mística bair -

rista, mas que se trata de "dar importância ã parte dentro do to

do" ^

Outra obra por nós selecionada foi Prosa de ficção de

Lucia Miguel-Pereira, na qual a autora afirma serem regionais

apenas aquelas obras;

"U..) aujo piii.mofidia.1 fon. a fZxa.-


çao de. t i p o s , c o s t u m e s e l i n g u a g e m l o ­
cais, cu jo c o n t e ú d o p e r d e r i a a s i g n i f i
c a ç ã o s e m esses e l e m e n t o s e x t e r i o r e s ,
e q u e se p a s s e m em a m b i e n t e s o n d e os
h á b i t o s e e s t i l o s de v i d a s e d i f e r e n -
c i e m dos qu e i m p r i m e a c-ívilizaçao ni-
v e l a d o r a " 6.

Mais adiante, ao estabelecer diferenças entre a obra

de ficção em geral e a obra regional a autqra mineira explica

que, enquanto o escritor do primeiro tipo de obra se interessa

"p,elos indivíduos especificamente, porem na medida em que se in­

tegram na humanidade", o regionalista "entende o indivíduo ape­

nas como síntese do meio a que pertence, e na medida em que 'se

desintegra da humanidade; visando de preferência ao.grupo, busca

nas personagens, não o que encerram de pessoal e relativamente

livre, mas o que as liga ao seu ambiente, isolando-se assim de

todas as criaturas estranhas ãquele. Sobrepõe, destarte, o part_i

cular ao universal, o local ao humano, o pitoresco ao psicológi­

co (., O " ^ ■
Nessa mesma linha de pensamento se insere o estudo que

Afrânio Coutinho faz sobre o regionalismo dentro da ficção, emba

sado em autores estrangeiros.

Com apoio em George Stewart o autor define o regional

dentro de dois sentidos; um lato e outro estrito. Jã que o nosso


42

objetivo ê precisar o mais possível uma significação para o "re­

gional" somente o segundo nos interessa: "Mais estritamente", a-

firma ele, "para ser regional uma obra de arte não somente tem

que ser localizada numa região, senão também deve retirar sua

substância real desse local. Essa substância decorre, primeira -

mente, do fundo natural - clima, topografia, flora, fauna, etc.-

como elementos que afetam a sua vida humana na região; e em se­

gundo lugar, das maneiras peculiares da sociedade humana estabe­

lecida naquela região e que a fizeram distinta de qualquer ou

tra"

Mais adiante, expõe, como sendo de W. Odum, a idéia ^de

que:

"o regio nalZsmo literário consiste (...)


em apresentar o espirito humano, nos
seus diversos aspectos, em correlação
,, com 0 seu ambiente imediato, em retra-
, tar o homem, a linguagem, a paisagem,
■ e as riquezas culturais de uma região
particular, consideradas em relaçao ãs
reações do indivZduo, herdeiro de cer­
tas peculiaridades de raça e tradZção'' 9.

Outros autores hã que tratam do assunto. Julgamos, po­

rém, que 0 ponto, de vista dos que foram por nos selecionados são

suficientes para garantir a este trabalho um posicionamento dian

te do regionalismo na literatura,.

De acordo com os conceitos por nos selecionados, obser

vamos que, na obra regional, o aspecto mais importante é o valor

que ela confere ã parte (região). Um rãpido retrospecto a alguns

pontos teóricos, da bibliografia consultada, colhidos em pãginas

anteriores, o- confirmara:
43

"0 p A l m e l A o carãteJL do regio n a Z i i m o ,


como 0 p r o p r i o t e r m o o i n d i c a , e ser
e s t r i t a m e n t e l o c a l , t a n t o na paisagem
como nos t i p o s e na sig n i f i c a ç a o ”. (A_l
ceu de Amoroso Lima).

T r a t a - s e de " d a r i m p o r t â n c i a a parte
d e n t r o d o t o d o " . (Gilberto Freyre).

R e g i o nais sã o a p e n a s a q u e l a s o b r a s ”cu
jo fim p r i m o r d i a l for a f i x a ç ã o de t i ­
pos, c o s t u m e s e l i n g u a g e m l o c a i s (...)"
(Lúcia Miguel-Pereira).

Ficou definido que obra literãria regional é aquela

que se concretiza como obra de arte através de uma recorrência,

por parte do escritor, ã região. Assim, todo o autor regional f_i

xa, espontânea e conscientemente, sua obra em determinada região,

conquistando para ela, desse modo, um es tar. Essa atitude faz,

da obra literãria, ura documento capaz de testemunhar uma realida

de, passível de identificação, por parte do leitor, mesmo por

trãs da ótica ficcionista.

Tanto m.ais localizada estarã a obra na região, quanto

mais se mantiver fiel ã realidade para a qual se volta, quanto

mais realismo encerrar. Daí o porquê de toda a obra regional ser,


!

também, uma obra realista. Sem realismo não hã regionalismo. ^E

por isso que Alceu de Amoroso Lima, em obra já citada por nõs,

considera o realismo como um dentre ,ps principais quesitos da 'li_

teratura regionalista . ’

Também nós a consideramos muito importante e. achamos

que sem "realismo” não hâ obra regional. Assim, segundo nossa

concepção, alguns livros de José de Alencar, como 0 Gaúcho, 0

Guarani e Iracema, só podem ser considerados ,tendentes ao regio­

nal, mas não regionais, por lhes faltar realismo. Portanto, as

primeiras inclinações a esse tipo de literatura, não passaram de


44

tendências. Por tais razões concordamos com Lúcia Miguel-Pereira,

quando afirma que o regionalismo teve início com os escritores


I

Valdomiro Silveira, Afonso Arinbs e outros, dessa mesma êpoca


j
Foi com esses escritores que a literatura tendente ao regional

tornou-se realista, conforme o afirma Afrânio Coutinho

Diríamos que o realismo teria tomado a literatura re­

gionalista através de dois fatorès' que-coincidiram, aproximada'-

mente, no tempo: um de carãter histérico, outro, de carãter liíte


rario.

A Historia brasileira teria, a partir dos fins do sêcu


í
lo passado, motivado o escritor nacional a captar a realidade iq^ue

o circundava, objetiva e realisticamente. Referimo-nos ao final

do sêculo passado, porque entendemos que a Historia brasileira,

com relação ao comportamento de sua gente, viveu dois grandes mo

mentos: um inicial, em que essa gente procurou defender sua exis

tência como Naçao unitária e autônoma, e que teve lugar até a Re

pública; outro posterior a ela, em que o homem procurou e procu­

ra - pois prevalece até os nossos dias - provar a si mesmo e aos

outros, a autenticidade da existência conquistada

Jã não lhe basta saber que existe; ê preciso definir

essa existência. E o Brasil inteiro de apõs República, necessita

olhar-se, apalpar-se, sentir-se como verdade no contexto univer­


sal.

Uma verdade não pode ser forjada pelo idealismo, nem

pela imaginação fantasiosa, mas deixa-se apreender, naturalmente,

através de uma atitude concreta e objetiva do investigador.

Por isso, o escritor, produto dessa fase da Historia,

empenha~se em se manter fiel ã realidade brasileira. 0 "ser", não

0 "parecer"; o "real", não o "ideal"; o "verdadeiro", não o "ima


45

ginoso” é o que pretende registrar na obra.

E o escritor, propenso ao regional, que antes mesmo da

República era por índole afeito as coisas do Brasil rural, após

ela, se convence de que mais do que os outros, tem condições de

revelar a autenticidade dessa existência, desde que assuma a atj.

tude concreta e objetiva que o caso exige. Teria sido esse, tal­

vez, o motivo porque foi ele o es-critor que mais tomou para si a

responsabilidade de,revelar o Brasil ao mundo.

Para que o escritor regional fosse levado a atingir o

objetivo a que se propôs, outro fator haveria de oferecer-lhe

contribuição. Estamos falando do fator de carãter literário a

que fizemos referência, e que foi a implantação, no Brasil, das

escolas Realismo/Naturalismo, trazidas do exterior.

NÓS o designamos fator de carãter literário, por ter

ele atuado, diretamente, na literatura e não apenas na disposi­

ção do escritor, como foi o caso do fator de carãter histórico.

0 que teria motivado, por sua vez, o surgimento dessas

escolas literárias, tão afeitas ao respeito pela realidade, foi

o clima criado pelas descobertas científicas, bem como, as modi­

ficações econômico-siciais que tomaram ;conta da segunda metade


1
do seculo XIX.

0 homem, desse período da História, adquiriu uma con -

cepção'materialista da realidade e deixou-se levar por mitos co­

mo os de que: ^

- a Realidade ê matéria;

- a Ciência é a única mestra do conhecimento;


14
- só é válido o que se pode comprovar

Assim, o escritor que viveu essa êpoca não pôde isen­

tar-se da influência científica que ela exerceu. E, para "fazer


46

Arte” , assumiu a atitude do homem que ”£az Ciência” . Passou a ob

servar, a analisar, a detalhar e, atê mesmo, a recorrer ao expe­

rimento e ao documental. Quis isentar-se dos fatos ao apresenta-

los. Propôs“se a não interferir, não opinar, nem tão pouco apre­

sentar críticas pessoais.

Por força de tão rigorosos princípios essas escolas ti

veram condições de oferecer, ao escritor tendente ao regional,

recursos capazes de levã-lo a atingir o seu objetivo, que era o

de legitimar a revelação que fazia do Brasil, em sua obra. Assim

sendo, foram frutuosas as lições assimiladas das escolas realis-


i
ta/naturalista. E o escritor, ao buscar delas o exemplo de: |

- uma narrativa detalhista e minuciosa na caracteriza­

ção da realidade - vai encontrar a 'Verdade”nos aspectos peculia­


res da região; I

- uma técnica capaz de lhe permitir a fixação de perso

nagens como indivíduos e não genericamente - vai se deparar com

o homem típico; ,
!
- uma visão do mundo determinista - vai encontrar o 'ho
mem "síntese do meio” ; !

~ 1inguagem capaz de encerrar perfeição' sem se

afastar da realidade - vai se defrontar com a linguagem regional;

unia tematica vinculada ao social - vai situar os pro

blemas sociais que marcam a vida do homem simples regional.


i
Em síntese, diríamos que o papel desempenhado pelas es

colas realista/naturalista foi o de terem sido as consolidadoras

dos ideais que jã, enquanto tendencia, o regionalismo literãrio

trazia em seu bojo. Com eles o regionalismo teria adquirido fei­

ções de acabado, formas definidas e foros de importância na lite

ratura nacional.
47

Levando-se em conta que a literatura regional continua

ocupando lugar de destaque ainda hoje e que as escolas responsá­

veis pela técnica que ela adota - a realista - estão relativamen

te afastadas, no tempo, dos escritores contemporâneos, pois que

datam os fins do século passado, como explicar a influência de­

las na atualidade? Ao nosso ver, a busca de orientação nessas es^

colas- é consciente, por parte dos escritores, que, por sua vez,-

continuam motivados a isso pelo fator histérico, por nos aborda­

do. No caso particular de Guido Wilmar Sassi, temos um depoimen­

to seu, que nos foi enviado na resposta de uma carta em que ha­

víamos afirmado haver encontrado, na sua obra, vestígios do Natu

ralismo;

"SeAão apenas vestZglos ? (Zndaga ele]


LÃ. ”GeJimZnal" de EmZlÁ,o lota, a n t e s de
1958, aos 14/15 anos. Er a a d u r a vtda
dos m t n e Z r o s nas m t n a s de e a r v a o . Ve-
: poi s, (xos 16 anos , tl " M a n a " , a h i s t o ­
r i a de u m a a t r i z - p r o s t i t u t a . N a m e s m a
é po c a , ou p o u c o d e p o i s , o g r a n d e ator
P a u l M u n i v l v l a na t e t a a f i g u r a do
g r a n d e e s c r i t o r f r a n c ê s , p a p a do N a t u -
r a t l s m o . A d o r e i o f l t m e , i"vlvl". o-..flt-.
me. f o i e n t ã o a vez de " J ' A c u s e i " .a
a t u a ç ã o de l o t a no p r o c e s s o Vreyfuss.
C a f e t e e l - d a - m a n h ã lota, m e r e n d e i lota,
t a n c h e l lota, j a n t e i lota, c e e i J . o t a .
No e n t a n t o a I n f t u e n c l a m a i o r nao foi
d i r e t a e sim (...) a t r a v é s de u m a b i o ­
g r a f i a de E m i t e lota, de M a t t h e w J o s e -
phson, "lota e seu Tempo". N e t a baseei
m u l t o da m i n h a t é c n i c a de es crever:^ a
c o t e t a de da dos , a d o c u m e n t a ç a o . J a m e
a c u s a r a m de d o c u m e n t a r t u d o Do­
cumento porque gosto, porque tatvez
q u e i r a f i r m a r em t e s t e m u n h o a t h e l o (e
r e s p e l t ã v et - p a r e n t e s es do au to r) t u ­
do a q u l t o que I n v e n t e l _ e c r l e l (...).
Todavia, aprendi a tlçao que ..GuStave
F t a u b e r t m i n i s t r a v a ao s e u dlsclputo
M a u p a s s a n t : vã ã rua, v o t t e e c o n t e t u
do 0 q u e v i u em 100 p a t a v r a s " 15.

Essa confissão, por parte do autor, não so de deslum -


48

bramento diante da literatura naturalista, mas também, de claro

propósito de seguir-lhe as pegadas, evidencia a sua intenção cons

ciente de conquista de um estar para a sua obra.

Por outro lado, ê preciso levar-se em conta que, ainda

quando um escritor contemporâneo tem a intenção de seguir as di­

retrizes de uma escola afastada dele no tempo, só o conseguira

de modo.relativo, uma vez que não lhe serã dado isentar-se das

influências da escola a que pertence. ;

Se Guido Wilmar Sassi desejou manter-se, o mais possí­

vel, fiel ã realidade como o fez o escritor dos fins do século

passado, por certo o conceito que tem de realidade ê diferente

do que teve aquele escritor.

A escola modernista, com toda complexidade dos seus

vanguardismos teria forçado uma evolução do conceito de "realida

de".

;'0 Cubismo a decompor formas em diferentes planos para

reconstituí-las numa totalidade' como se esfas 'tivessem sido con-


i
templadas sOb diferentes ângulos; o Expressionismo tentando |a
I
criação da realidade de modo a não deixar perceber os seus pla­

nos distintos, antes sob o impacto da vida interior e não da rea

lidade objetiva; o Surrealismo a propor a expressão da arte p^lo

automatismo psíquico, sem nenhum controle; e o Dadaísmo tendente


i
a destruir as superfícies lógicas , representam o despertar'do

artista para a impossibilidade de apreensão, de modo absoluto! e

objetivo, do "real".

0 que os realistas dos fins do sêculo passado e i

deste vinham fazendo, era apresentar como verdade absoluta uma

visão parcial da realidade. , ^

Mesmo reconhecendo suas limitações na tarefa de apreen


49

der a realidade, os modernos apresentam dela uma visão mais am­

pla, mais abrangente, mais completa,

Essa diferente forma como o artista do século XX pas­

sou a ver o mundo forçou modificações entre a literatura regiona

lista da virada do século e a regionalista contemporânea.

Não pretendemos entrar no estudo da questão, apenas r_e

gistrar que admitimos a existência de "Regionalismo" e "regiona­

lismos".

Por não levar em conta, talvez, esse aspecto, foi que

Carlos Jorge Appel, na introdução que faz ao livro Panorama do

conto catarinense, de laponan Soares, faz a seguinte afirmação

com referência ao livro Amigo velho, de Sassi:

"M&nkama -intenção Aegto na-í-i-òta, pon.em.


Em vez do campo, a seAAaAta, o ptnhet-
Ao, a-ò a t t v t d a d e s u A b a n a ò ” 17.

Não podemos concordar com Appel, pois entendemos que

se a serraria é um símbolo da civilização industrial ela estã in

serida no meio rural, de onde extrai a matéria-prima (o pinheiro)

para o tipo de trabalho que desenvolve, E quando Sassi enfoca o

conflito vivido, geralmente pelo homem rural, em face ã implanta

ção de uma nova sistemática de vida, estã fazendo regionalismo,

numa perspectiva moderna, porque faz o possível para apresentar,

ao leitor, a realidade rural de modo total, com todos os proble­

mas que lhe estão afetos.

E é assim que, certamente, procede o escritor regiona­

lista moderno. Procura captar a realidade local do modo mais com

pleto possível: colhendo, em sua obra, aspectos da paisagem fís_i'

co-social, documentando fatos, fixando facetas da realidade lin­

güística; enfim, conquistando para ela, e da melhor forma que


50

pode, um estar.

E mais. Essa tendência a um envolvimento total da rea

lidade, impulsiona o escritor para'dentro" dessa realidade, a

fim de que retire, de lá, novas nuances. Daí o ponto de vista de

George Stewart, diante do regionalismo literário:

^pa/ia i, zh. A z g i o n a Z . uma ob/ia de


a / i t z não s o m z n t z tz m quz szn. lo c a liz a
■ - -- - -da-numa. A z g i a o , znao tambcm, deue Ac
ÍÁ,n-aH. òua ò u b i t ã n c i a f i z a l dzi,i>z l o c a l
18
Substancia ê aquilo que sustenta, que anima, que dá

vida, Logo,alem de estar na região, e necessário que a obra regio

nal dela retire yida, buscando-a em cada um dos elementos cons.

tituintes dessa região, desde que esses élementos encerrem em si


vida.

.Assim, o escritor regional recorre ã ambiência físico

social não so como coisa estática, mas também ã sua dinâmica: ao

áglr e séntir humano, ãs influências do meio sobre esse agir e

eisê sentir, enfim, a toda sorte de relacionamento existente en

trê homem e meio, pois em tudo existe, potencialmente, a vida.

Desse modo, o posicionamento assumido pelo escritor

regional, e mais ainda, pelo escritor regional contemporâneo, nos

Gsnáuz a teoria de Taine, uma dentre as várias que teriam orien

fade as escolas realista/naturalista, responsáveis, segundo nos

parece, pela consolidação do regionalismo na literatura brasilei


rs

Reportar-nos-emos diretamente a essa teoria, em ^ ape


BS® áôis de seias aspectos que teriam fortalecido os ideais dã

IM-ératura regionalista: o relativo aos povos, e o relativo S


Cífefa' d-é' arte.

B^^gvos - Segundo HipSlito Taine, os povos conservam


51

sempre as marcas impressas pelas regiões onde habitam: "Quando

um homem novo e inerme se encontra entregue ã natureza, ela o en

volve e o modela, e a argila moral, ainda macia e flexível, se


- < - . , 1 9
amassa e se dobra sob sua pressão física"

Não ë de nosso interesse discutir aqui os méritos ou

demérito dessa controvertida teoria. Queremos apenas apresentar

as seguintes considerações:

- No estudo feito no capítulo anterior, vimos que os

geografos modernos, ao determinarem as regiões, levam em conta

também os elementos geográficos, por reconhecerem que se o homem

é capaz de modificar o meio onde vive, também este exerce influ­

ências sobre aquele.

- Na abordagem que se fez sobre as regiões culturais

evidenciou-se que a cultura de um grupo social se condiciona de

certo modo aos fatores geográficos historicos e sociais, condi -

cionamento esse que se reflete em sua literatura.

Se outras disciplinas encontram verdades, na teoria^de

Taine - e não estamos afirmando que elas a aceitaram totalmente-,

não vemos o porquê negar ao autor regionalista o direito de ver


t
no indivíduo, no dizer de Lúcia Miguel-Pereira, "apenas uma sín­

tese do meio a que pertence", ou a nos mesmos, o direito de to­

mar essa teoria como fonte referencial, ou mais precisamente, co

mo um recurso apto a fornecer diretrizes a este trabalho.

Para se estudar o aspecto regional de uma obra literá­

ria julgamos necessário seguir-se a recomendação que Carmelo Bo-

net faz, em seu livro Crítica literária, ao estudioso em geral

da obra de arte literária. Para que se chegue a bom resultado,

entende ser necessário recolocar essa obra dentro de sua propria


52

atmosfera, vê-la com os olhos do autor (comò propõe Victor Hugo),

medi-la com o seu próprio metro (conforme sugere Ortega Y Gasset),

estudã-la à luz da sua própria estética (conforme recomenda Ju-


70 — '
lio Casares) , para que nao venhamos a "reclamar dela o que o
I21 - '
autor e a sua normativa exclui" , ou, acrescentamos nos, o que

representa uma negação ao seu ideal estético. |

-- . Daí a importância- de se reconhecer que,- na ■ tentativa

de caracterizar a região o melhor e mais explorado recurso ;de


I

que se vale o autor regional é o de apanhar o homem e/ou o grupo

social pelo qual estã interessado, como uma determinação da geo­

grafia que o envolve, das condições sociais e econômicas a que

estã sujeito. E é assim, também, que vamos estudar o regionalis­

mo dentro da obra literãria; como uma busca consciente, por par­

te do escritor regional, do homem típico e da paisagem caracte -

rística, não como coisas distintas, mas como uma integridade di^

nâmica e'concreta,.onde homem e paisagem se completam, sendo uma

a extensão do outro.

“ Da obra de arte - Para Taine:

"As p r o d u ç õ í ò do d i p Z r l t o h u m a n o , co mo
aé da n a t u A & z a , 4Õ explicam pelo
m e i o em q u e n a s c e m " 22.

Com relação a essa teoria, Ortega Y Gasset, após negã-

la em parte, aceita algo de sua fatalidade que pode ser tornada


7
consciente ‘ , enquanto que para Taine seria inconsciente.

Do ponto de vista em que nos colocamos, a obra de arte

regional, até certo ponto, se enquadra nessa "fatalidade tornada

consciente" apontada por Ortega Y Gasset, ë evidente que acredi­

tamos existir no escritor regionalista uma vontade deliberada.de

plantar a sua obra num espaço demarcado, fazendo-a retirar desse


53

espaço, obrigatoriamente, a seiva necessária a sua subsistência,

a £im de que, assim nutrida, seja capaz de confirmar como única

no contexto do Universo a região de onde proveio.

Contudo, paralelamente a essa atitude consciente, re­

sultante não do seu senso de observação, mas da herança que rece

bera do grupo social a que pertence, acreditam.os existir, na

ação criativa do autor,- uma atitude-inconsciente .Dessa - forma,

até certo ponto, vem a ser ele quem realmente manobra o agir das

personagens, quem determina o desfecho da obra; quem comanda a

linguagem que utiliza. A partir, porem, de certo limite, estes

elementos se libertam da sua vontade e assumem vida propria, p>a_s,

sando a constituir, não mais um produto de observação, porêm, uma

revelação autônoma do proprio meio, que se manifesta através da

intuição do artista, ë que o homem'regional que vive no autor,

propicia^ ao seu espírito expandir-se até atingir a dimensão do

grande espírito regional, e aos seus sentimentos, se transubstan

ciarem ao sentir regional, tornando-se-lhe impossível manobrar,


- . - j 24
por Sl proprio, o agir das personagens

A propria sorte dessas personagens são como que decidi,

das por uma força natural que emana da região e que se deixa a-

preender pela intuição do artista, não lhe sendo possível ameni­

zar uma sorte trágica ou alterar um destino feliz. Nesse estãgio,

o artista, mesmo que inconscientemente, procura respeitar não

mais o que vê, mas o que intui, porque manter-se fiel ã sua in­

tuição é manter-se.fiel ao seu proprio inconsciente. Ë por isso

que n ô s , leitores, sentimos nas figuras humanas que tão livremen

te vivem nas obras regionais, não a presença do autor, mas a da

propria região.
0 mesmo ocorre com referência ã linguagem. Atê certo
ponto ê 0 autor quem a governa. Por outro lado, os objetos, se­

res ou fatos específicos locais se incorporam na palavra da re-

gicão a qual lhe atribui um valor significativo particular e pro­

fundamente ligado a ela. Diríamos que o autor, por força do ho

mem regional que nele existe, assimila a palavra da gente da ter

ra e que, no momento da criação a projeta na obra, também incons^

cientemente, com todos os seus modismos, termos populares, palpj.

tação de vida que possui; um símbolo autêntico da incorporação

dos mesmos objetos, seres e fatos regionais.

Dessa forma, é dado ao.leitor contatar diretamente com

a linguagem da terra, com toda verdade e originalidade que pos­

sui.
Esse fenômeno de projeção, na obra, de uma linguagem

regional, por força agora do "homem universal" que o artista

também é/, tem a propriedade de se transformar em fenômeno estéti^

co sem dedxar de ser regional, ë que ao criar recursos estilístj.

cos o autor, consciente e inconscientemente, alicerça-os na lin­

guagem do homem da região. Assim, literatura e regionalismo se

introjetam, se combinam, se harmonizam e remetem ao leitor ■ã

idéia de que a prépria região se lhes revela, encarnada em uma

forma estética.

Em tais circunstâncias o autor que, ao se decidir es­

pontânea e conscientemente por um. es tar ã sua obra, se havia co

locado do lado de fora da região, como um observador atento e

realista, durante o processo de "criação" é como que sugado para

dentro dela. Nesse estado de absorção não mais consegue ver a re

ferida região que o circunda, senão senti-la, e com uma alma que

não é mais somente a sua, mas a de toda uma coletividade.

Desse estado de comunhão resultará uma obra que, não


55

apenas estará, mas que, em certos aspectos, confundir-se-ã com a

região que representa.,


Tem sido corrente, desde Aristóteles e sua teoria da

"mimese” afirmar-se que arte ê imitação, representação ou espe -

lho da realidade. Entendemos, no entanto, que no caso da litera­

tura regional essas expressões dizem pouco, porque elas insinuam

apenas semelhança.
Vemos a região "encarnada" na obra regional. Sentimos

uma espécie de identidade entre alguns aspectos da obra e da rea

lidade que a inspirou. Para expressar com mais exatidão o que

pensamos, ousamos afirmar que a- obra regional e, também, a real_i

dade que enfoca. E se o escritor conquista, conscientemente, um

^ ^ r para a sua obra, consciente e/ou inconscientemente conver

te esse es tar em um ser.


, .Daí o conceito muito bem expresso por Alceu de Amoroso

Lima:

"0 Aí gí ona -ÍZómo o, a pA.0pA.Za A t a t Z d a -


de em i u a ò m a n Z f í ò t a ç õ t o c a Z i , e e_i
p o n Z ã n z a ó " 25. :
j
São necessárias, ainda, mais algumas observações a fe£

peito da obra literãria regional. Trata-se do seu carãter de uni.

versalismo. ,
i

Contudo serem os teoricos, unânimes em admitir que ' a

obra de cunlio regional se caracteriza pela valorização da "par­

te" ” região, observamos que não evidenciam, em momento algum, a

exclusão do "todo" ~ Universo.


Lúcia Miguel-Pereira admite ser prõprio do escritor' r_e

gional superpor a parte ao todo:


56

"Sobrtpoe, (...) 0 pan.tZc.alar ao anZ-


vc A s a l , 0 l o c a l ao h u m a n o , o pZtore.^
co ao p ò Z c o l õ g Z c o (...)" 26.

Para Gilberto Freyre trata-se de:

”d a A Z m p o n t â n c Z a ã p a n t í de.ntn.o do
t o d o ” 27.

A relegação do "todo" a um segundo plano, e nunca a ex

clusão deste, ê o que se pode entrever em ambas as colocações.

Se o referido "todo" não é mais importante para a obra regional,

é, contudo, necessário ã inserção da parte.

Admitimos que a região se subordina a leis próprias,

dotadas de uma característica "sui generis" a de homogeneizar e

diferenciar ao mesmo tempo.

Quando observamos uma região do ponto de vista interno

notamos que os elementos a ela afetos tendem ã homogeneização.

Mas se observada externamente, isto é, em confronto com as de­

mais regiões, vamos notar que tenderá, contrariamente, ã disso -

ciar-se das demais.

Assim, fatores de âmbito regional irão despertar o co­

mum interesse de todos os membros pertencentes ã região. Essa c£

munhão de interesses os levará a uma visão particularizada de

mundo e isto os nivelarã, de certa forma, entre si, mas, estra -

nhamente, os diferenciará dos demais seres de sua especie.

Considere-se que essa diferenciação nunca serã perfei­

ta, jã que existem remanescentes, no grupo, outras motivações ca.

pazes de mantê-los vinculados ã humanidade. Não podemos esquecer

que antes de pertencer a um grupo social todo homem pertence a

uma especie e, que neste sentido, todos se homogeneizam, entre si.

Por isso nenhuma região, bem como nenhum grupo social, cultural-
57

mente falando, pode existir desintegrado do todo. Desse modo, nje

nhuma obra literária poderá, mesmo sob a alegação de regional,

se apresentar divorciada do Universo. Se isso ocorresse a obra

não passaria de mero' relato documental, de subliteratura, desti­

tuída de valor estético, fator fundamental a toda obra de arte.

Ora, o estetico ê uma conseqUência natural da sensibilidade 'ar­

tística do autor. Essa sensibilidade artística, por sua vez, re­

presenta uma herança que recebera, juntamente com outros humani^

mos, da espécie de que descende e não do grupo social a que per­

tence e com o qual convive. Deste, herda um modo próprio de ser,

de ver o mundo (cosmovisão), daquele, a sensibilidade artística

capaz de transformar sua concepção de vida em arte.

Não apenas a pessoa do escritor, mas todos os elemen -

tos do grupo, são regionais na sua formação cultural e univer­

sais na essência humana de que são portadores. Assim sendo, quan

to mais '0 . escritor' conseguir se aproximar da vida regional, mais

encontrará nela a essência humana e mais universal tornará sua


-- 28
obra, pois o fundo essencial da vida é universal

Daí 0 posicionamento de Josê Lins do Rego, que entende

deva ser o escritor "de sua casa para ser intensamente da humani^
29
dade" , ou o de Mário de Andrade ao afirmar que "so sendo bra­

sileiro ê que nos universalizaremos" , ou ainda, o de Jorge

Amado, quando confessa: "Não pretendi nem tentei jamais ser uni­

versal senão sendo brasileiro e cada vez mais brasileiro"

Deste modo, ainda que o escritor regional venha a se

ocupar apenas dos m.otivos geradores da homogeneidade grupai, se,

realmente "fez literatura", haverá de transceder a eles em deman

da aos princípios de homogeneidade universal, subjacente em to­

das as culturas. Haverá de imprimir nos seus escritos o elemento


"estética", que é um valor de alcance universal. E, ao lermos a

sua obra, haveremos de penetrar com ela num mundo que, não sendo

o nosso habitual, é um mundo de seres com os quais estaremos em

simpatia. Sentiremos com eles, e a cada momento teremos a impres

são de que se fôssemos nos no lugar deles, haveríamos de nos com

portar como eles se comportam. Assim, como o autor, nos colocare

mos diante do particular e de repente nos -surpreenderemos diante


32
do universal ' . E mais, por tras de um tema regional e uma lin­

guagem simples e popular, haveremos de encontrar o prazer estêti

co, que somente uma obra de arte é capaz de despertar.

Desse modo, é impossível desvincularmos, nesse tipo de

literatura, o regional do universal. Essas duas características

são como que o anverso e o reverso de uma mesma moeda, como o la

do esquerdo e o direito de um mesmo objeto, como a parte de cima

e a de baixo de uma mesma coisa. Enfim, são fatos inseparáveis

pertencentes a um mesmo fenômeno: ã literatura regional.

Pelo que dissem.os nesse capítulo é possível concluir -

mos que foi, sobretudo, apos o movimento modernista que se deu

por parte da crítica atenção ã literatura regional. ;

Embora dispondo de escassa bibliografia a respeito de

regionalismo literário tornou-se possível, partindo dela, criar­

mos nossa propria teoria.

Pela teoria que criamos, para que uma obra literãria

seja considerada regional, haverã que estar em determinado espa­

ço ± is icO“s oc ial de mod.o objetivo e s er esse espaço por força da

assimilação da. vida que aí existe. Ao mesmo tempo haverã que

transceder desse es tar e desse ^er em demanda aos valores do ho­

mem universal.
59

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO II

( 1 ) Participam da ideia de que "regional" e "regionalista" não


são a mesma coisa: Josê Clemente Pozenato em seu livro
0 regional e o universal na literatura gaúcha. p . 15-20
e Silveira de Souza, na revista SUL, n*? 30. p. 27.

(2) TÂVORA, Franklin. 0 cabeleira. São Paulo, Ed. Três, 1973.


p . 28 .

(3) AMOROSO LIMA, Alceu. Estudos literários. Rio de Janeiro,


Aguilar, 1966. v. 1. p,. 386.

(4) LINHARES, Temístocles. Apud DICK, Hilário. A cosmovisão


do romance nordestino moderno. Porto Alegre, Sulina, 1970,
p. 17.

( 5) DICK, Hilário Henrique. A cosmovisão do romance nordestino


moderno. Porto Alegre, Sulina, 1970. p. 17.

( 6) MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. Prosa de ficção: de 1870 a____ 19 20 .


3,’
. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio; Brasília, INL, 1973.
p. 179.

( 7) Id. ibid. p. 180.

(8) COUTINHO, Afrânio. Realismo. Naturalismo. Parnasianismo.


In: _______ . A literatura no Brasil. Rio de Janeiro, Sul
A)'nêrica, 19 69. p, 220.

( 9) Id. ibid. p . 220 .

(10) AMOROSO LIMA, Alceu. O p . cit. p. 386.

(11) MIGUEL-PEREIRA. O p . cit. p. 181-82.

(12) COUTINHO, Afrânio. O p . cit. p. 226.

(13) Essa divisão que fizemos da Historia do Brasil se prende ao


fato de a gente brasileira, anteriormenté ã Republica,
viver em constantes lutas quer contra os invasores fran
ceses e holandeses, quer em favor da conquista de uma
melhor organização social e política, como o confirmam a
fracassada Inconfidência Mineira, as lutas em favor da
60

Abolição da :Es cravatura, ou mesmo em favor de um sistema


republicano de governo. Apos a implantação deste novo
sistema político, as lutas da gente brasileira aparecem
associadas, também, ã idéia de projeção dos seus valores,
na cultura internacional, o que pode ser comprovado atra
vés de nomes como os de: Rui Barbosa, Francisco Braga,
Santos Dumont, Osvaldo Cruz, Carlos Chagas, Vital Brasil
ou dos contemporâneos: D r . Euríclibes de Jesus Zerbini,
Jorge Amado, Roberto Carlos-, Edson Arantes do Nascimento
e outros, ou de fatos como A Semana da Arte .Mo
derna ou a atuação do Brasil no futebol mundial. “
(14) FERREIRA, Delson Gonçalves. Língua e literatura luso-brasi
leira■ 7. ed. Belo Horizonte, Bernardo Alvares, 1967,
p. 100.

(15) Carta de Guido Wilmar Sassi, datada de 11 jun. 1977, para


a autora deste trabalho.

(16) lELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo


brasileiro. 2, ed. Petropolis, Vozes, 1973. p. 9-15.

(17) APPEL, Carlos Jorge. ”0 conto em Santa Catarina". In: SOA­


RES, laponan. Panorama do conto catarinense. 2. ed. Por
'to Alegre, Movimento, 1974. p, 14.

(18) STEWART, George. Apud. COUTINHO, Afrânio. O p . cit. p. 226.

(19) lAINE, Hipolito. Apud. CASTAGNINO, Raul H. Analise literã-


ria. 2. ed. São Paulo, Mestre Jou, 1971. p. 111-12.
/
(20) BONET, Carmelo M. Crítica literãria. São Paulo, Mestre Jou,
19 69. p. 158.

(211 Id. ibid. p. 163.

(.22) TAINE, Hipolito. Apud. CASTAGNINO, Raúl.H. Op. cit. p. 111.

(23) CASTAGNINO, Raúl H. O p . c-it. p. . 114.

(24) Também Jorge Amado, em "Carta a uma leitora sobre romance


e personagens", publicado no livro Jorge Amado, povo : e
terra: 40 anos de literatura, pela Livraria Martins Edi­
tora, p. 29, apresenta o mesmo posicionamento, com rela­
ção ã vida das personagens. E da opinião de que hã "sem
pre um momento em que o personagem escapa das mãos e do
comando de seu criador e vai sozinho em frente, fazendo
61

0 que bem quer e decide - seja homem ou seja mulher".

(25) AMOROSO LIMA, Alceu. O p . cit. p. 386.

(26) MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. O p . cit. p. 180.

(27) DIC.K, Hilãrio Henrique. O p . cit. p. 17.

(28) ALMEIDA, Renato. Inteligência do folclore. Rio de Janeiro,


Livros de Portugal, 1957. p. 281.

(29) LINS D0_ REGO, Josê... ."Prefacio". InFRYRE,- Gilberto .


gião e tradição. Rio de Janeiro, Record, 1968. p. 24.

(30) COUTINHO, Afrânio. Modernismo. In:_______ . A literatura no


Brasil. Rio de Janeiro, Sul América, 1970. p. 234.

(31) LIVRARIA MARTINS EDITORA. Jorge Amado, povo e terra:40 anos


de literatura. Rio de Janeiro, 197 2. p. 14.

(3 2) ORECCHIONI, Jean. Apud. SACHET, Celestino. 0 regionalismo


literãrio. Dissertação submetida ã Universidade Federal
de Santa Catarina para obtenção do grau de Mestre em. Le­
tras - Literatura Brasileira, 1975. p. 68.
C AP r 1’ U L 0 III

0 ESTAR

Se examinarmos as três condições, por nos estabeleci­

das para que uma obra possa ser considerada regional, haveremos

de convir que a mais simples delas ê a que diz respeito ao esta r .

Situar uma obra em determinado espaço geo-social ê uma tarefa re

lativamente fácil de ser executada por um autor de inclinações

ao regional, ainda que este não seja dotado do mesmo talento e

habilidade de Guido Wilmar Sassi.

Trata-se, ao nosso ver, de uma característica que, mui.

to embora fazendo- parte integrante da obra de arte literãria re­

gional, lhe é exterior, no sentido de que tem como meta prioritã

ria, não ’apenas a tentativa de emprestar ã obra um caráter esté­

tico, mas, sobretudo, de preservar nela, ao máximo, a realidade

que a inspirou.

Se por um lado, a característica resultante desse últ_i

mo tipo de tentativa, não ê suficiente para imprimir na obra re­

gional 0 carãter de literãria, por outro, lhe é indispensável,

uma vez que é sobre ela, principalmente, que o regional se funda

menta e ganha dimensão. Graças ã referida característica é possí

vel, ao leitor, precisar o espaço geo-social, ou seja, a região,

motivadora da obra. '

Com relação aos contos e romance ora em estudo, po4e-


I

mos afirmar que apresentam a característica do es tar de modo tão

evidente que a ela fazem referência a maioria dos seus comenta -

ristas, intérpretes, críticos ou analistas:


63

"0 priyiclpal e que. l i d a n d o com c r i a n


ça6 e compA.ee.nde.ndo- as , a n a l i s a n d o -
as , s e n t i n d o - a s , f a z e n d o - a s vi
ver, G u i d o c r i a (ou r e c r i a ] , num a m ­
b i e n t e q u e t o d o s r e c o n h e c e m como a
da z o n a s e r r a n a , u m a n o v a m a n e i r a de
ve r e e s t u d a r , de r e a l i z a r u m a l i t e ­
r a t u r a c a t a r i n e n s e ” 1.

"Em G u i d o S a s s i se p e r c e b e o homem
a t u a n t e , q u e o b s e r v a e c o m p r e e n d e e,
s o b r e t u d o , t r a b a l h a , p a r a qu e um d i a
s e j a m s o l u c i o n a d o s os d r a m a s v i v i d o s
por esta c o l e t i v i d a d e , que forma uma
p a r t e do s u l c a t a r i n e n s e ” 2.

"0 s u l do B r a s i l , na c h a m a d a r e g i ã o
serrana, que en v o l v e .territórios de
S a n t a C a t a r i n a e^do Rio G r a n d e , e o
c e n ã r i o da c r i a ç ã o dos personagens,
qu e s e a g i t a m , s o f r e m , ama.m e sonham,
nos d e n s o s c a p Z t u l o s de' " S ã o U i g u e l " ,
l i v r o do Sr. G u i d o W i l m a r S a s s i , qu e
j ã se a p r e s e n t a como c a v a l e i r o a r m a
do de p o n t o em b r a n c o ’, ã mane.ira
t r a d i c i o n a l " 3.

, Assim, autorizamo-nos partir do princípio de que, a

obra de Sassi, é uma obra que estã em determinado espaço geo-so-

ciai. ,

Ora, como jã tivemos oportunidade de fazer referentia

na abordagem teórica que abriu este trabalho, o efeito de obra

localizada ê conseguido pelo autor, através do uso da técnica

realista. Em se tratando de Sassi, diríamos que os principais re

cursos de cunho realista a que recorreu, para a conquista de um

lesta^ ã sua ficção, foram, segundo nos parece, os seguintes:

- a paisagem: reprodução na obra, dos elementos

econômico-sociais caracterizadores da região, ou seja, uma soli­

citação, durante o ato criador, da paisagem, dos fenômenos natu­

rais típicos, da vida econômica e organização social da gente


64

dessa região, sempre qvie esses elementos se prestaram para con­

firmar o meio focalizado como distinto dos demais;-

- o documento; recorrência ao documental como forma ca

paz de imprimir ã narrativa um carãter de "verdade-espelho” ;

- a linguagem : fundamentação da linguagem da obra na

linguagem circulante no meio que-a inspirou.

Essa preocupação, por parte de Sassi, de respeitar a

realidade regional, para imprimir um estar ã sua obra, revelam

uma atitude intencional, um "fazer” consciente. E, se nos .. .res­

tringíssemos ao estar, poderíamos admitir como vãlido o conceito

de regionalismo emitido por José Clemente Pozenatto:

”Chama/i-it-á poZò A z g Z o n a l Z s m o a q u e ­
la A e p A í ò e n t a ç a o do A e g l o n a l que obe
de ce a um pAogAama, a uma v o n t a d e de
fazeA, a um pA oj eto e l a b o A a d o s e g u n ­
do as con v e n ç õ e s e .a t d e o l o g t a ^ do
que se pode d e n o m t n a A um movimento
ItteAcÍAto" 4 .

Do posicionamento que ocupamos, recusamo-nos a esten­

der esse conceito ao regionalismo, como um todo. Admitimos exis­

tir, ao lado dessa vontade deliberada de fazer - e que exige :do

autor um conhecimento seguro e objetivo do aspecto geo-econômico

-social do meio que focaliza -, um ”fazer” inconsciente. Mesmo

neste caso o meio continua a se revelar na obra, porém, de modo

espontâneo e gratuito, desde que o autor, não apenas conheça a

região que estuda, mas com ela se identifique. Essa identifica -

ção, ê conveniente dizer, serã tanto mais intensa, quanto maior

for o grau de afetividade que possui e o talento de■que é dotado

Por ora, esse conceito nos é útil e necessário. Vemos


65

na obra de Sassi, a nível do es tar, de modo claro, uma intenção

de fazer, uma obediência a um programa, um desenvolver de proje­

to. E, levando sempre em conta esse estado de lucidez do autor


j

catarinense, na tarefa de atribuir ã sua obra o caráter de loca­

lizada, passemos ao exame dos recursos através dos quais essa ta

refa foi levada a efeito. i


66

1. A PAISAGEM

1 ^ * O s ,contos

Começaremos por dizer que o conto "Piã" foi publicado

pela primeira vez a 21de-abril de 1951, na "Revista da semana",

n° 16, do Rio de Janeiro, e pela segunda, dois anos depois, quan

do saiu pelas Edições Sül, de Florianopolis, seu livro de es­

treia, também intitulado Piã. |

0 amadurecimento do escritor no campo da literatura

regional fê-lo proceder a diversos cortes e acréscimos no referi^

do conto, da primeira para a segunda publicação. Procurou supri­

mir informações que, embora afeitas a dar testemunho da região ,

seriam incapazes de caracterizã-la como unica no contexto catar


f . i
nense, e 'substituiu-as por outras dotadas dessa propriedade. Ob­

serve-se os dois trechos a seguir retirados, o primeiro do conto


I

como foi publicado em 1951 e o segundo com as modificações ide


j
19 53:

" S o t pastado, m o A m a ç o , q u l í t a ç ã o . K e-
n k a m m o v i m e n t o na p a i s a g e m mofita. Mí _
n h u m a a/iagem a mexen. com os Aam,os
dos a/ibustos. N e n h u m p a s s a n t e páZa
estAada e^ma e ensolarada - apenas o
m e n i n o e a é g u a [...1. j
0 s o l c a r r a s c o a e s t o r r l c a r as fo­
l h a s das á r v o r e s , a e s q u e n t a r j.as
á g u a s das l a g o a s , a e s c a l d a r o so lo,
a c a i r de c h a p a na c a b e ç a dos a n d á n -
t e s , f a z e n d o as g o t a s de s u o r e s c o r ­
rer abundantes pelos corpos cansados
que i m a n d o braços e pernas, a m o l e c e n ­
do os ■â n i m o s ”'5 ......... - ..j
i
1
”Ge ar a. C r o s t a s de g e l o s e haviam
f o r m a d o s o b r e a c h u v a qu e enlameara
'67

a e s t r a d a , dot s dias a n t e s , e esta


p a r e e i a t a p e t a d a , corn p e d a ç o s de \j í
d r o (...)
N e n h u w v i v e n t e p e t a e s t r a d a . Tudo de
s e r t o , t u d o m o r t o . A q u e b r a r a wono_
t o n i a e o s i l e n c i o , p o n d o uma. nota
v i v a na des o l a ç a o da p a i s a g e m , ape
nasi 0 t r o t a r do a n i m a l , no s eu tran
co l e r d o , s eus c a s c o s p a r e c e n d o ^ q a e
pi s a v a m s o b r e vidro picado, t e r r e q u e
te, t e r r é q u e t e ; e a v u l t o do m e n i n o ,
q u i e t o e m u do, i m e r s o nas c o m p l i c a -
ç'àe's q u e l h e a p o q u e n t a v a m a v i d a " {?,
p. 7 ). ,

Sassi, passado algum tempo da primeira publicaçao de

'Pia", apercebeu-se de que o sol e o calor eram características co

muiis, em certas épocas do ano, a todas as regiões do Estado cata

rinense e que não ofereciam condiçoes capazes de particularizar a

dos Campos de Lages. Não ocorria o mesmo com relação ao frio, que,

assim numa temperatura inferior a zero grau, a ponto de provocai

o fenômeno das geadas, se constituía em fenômeno específico da

região qué'procurava apanhar no conto


Observe-se, a seguir, a diferença registrada na apre-:

sentação da personagem;

"Pela estradai...} erma e e nsolarada


s e g u e o pi ã" 7.

" E x i q u a m e n t e a g a s a l h a d o pelo meco


mo^ntado na egua, t i r i t a n d o ,de
frio, s e g u e o p i ã " [P, p. 7).

Uma vez explorada a característica tipicamente regio_

nal do f ri o, torna-se possível ao autor agasalhar a sua persona

gem com o meco, o mesmo que poncho - espécie de capa de lã de for

ma quadrada, com abertura ao meio por onde se enfia a cabeça, .de

largo uso na região.


Segundo Sílvio Coelho dos Santos,o meco é uma peça cora

plementar da indumentária do lageano, como se pode observai


nesta relação que apresenta das peças que entram na vestimenta

do homem da terra:

"(..•) b o m b a c h a s , b o ta ò z zsporas
(...), c h a p z l ã o e -izu b a r b l c a c h o , z
p o n c h o — u s a d o nos dias f r i o s ” 8.

Com referência a segunda' transcrição, mais um aspecto

a ser ressaltado: a presença do cavalo, elemento integrante do

contexto regional enfocado.

Não estamos tentando dizer que na primeira redação de

”Piã" o autor jã não tivesse definida a intenção de expressar a

região, apenas que, por se tratar de um fato consciente, foi-lhe

possível, apos algun tempo, selecionar os fenômenos a serem ca£

tados, aprimorar sua técnica, tornando ainda mais autentico o es

tar em ''Piã''.
Assim, em 1951, o autor jã expressa a idéia da vida

economica; desenvolvida na região que focaliza, quando dã a enten

der que piã vive em, sua fazenda:

" Va7.-tudo I n d l s p z n s ã v z Z , p z ç a d z c o r a
t l v a dz t o d a s as f a z z n d a s i . . . ] ” 9.

"0 p i ã s z m do no volta para a fa z z n -


da” 10.

E claro que durante a primeira redação de "Piâ", Sassi

jã teve a intenção de registrar uma faceta da vida nas fazendas

dos Campos de Lages - verdadeiros latifúndios remanescentes do

"sistema de sesmarias aplicado à colonização de toda a parte me-

redional do Brasil pelos portugueses, em meados do ,sêculo'XVir"(...1"^^.

Se, contudo, jã nessa primeira redação de "Piã", o autor põe | a

personagem a levar vacas e cavalos ao pasto, a dar trato ãs cria

çoes, a procurar rezes perdidas, para atribuir a personagem um


69

"fazer regional", na segunda, essa característica ê intensifica­

da, uma vez que piã ë posto, ainda, a ordenhar vacas e levar lei.

te ã vila» E somente na segunda, piã ë apresentado, para o lei­

tor, dentro de um quadro regional mais ou menos completo:

"VQ-Z anos raquZ-tZaos es c a A A a n c h a d o s


sobre., égua. ve l h a , le r d a , m a n c a , e..s-
tropZada, zarolha, selada, l a z a r e n t a
— Z n f â n c Z a t r i s t e m o n t a d a em v e l h i ­
ce so' f r e d o r a . A m a l a de l o n a em c i m a
do b i c h a r a com oi to garrafas
de l e i t e : q a a t r o nas c o s t a s , q^aatro
no p ei to . N a d a i m p o r t a v a q u e ja \a
é g u a l e v a s s e a s u a c a r g a de t r i n t a e
s e i s g a r r a f a s nas m a l a s s u p e r p o s t a s "
(P, 7] . . I

Novamente houve a evocação do uso do poncho sob a va­

riante vocabular " bicharã", que é somado a outros usos e costu-


i
mes da terra. Tambêm o animal (,êgua) ë mais uma vez posto em |ce

na, e muito proximo do mundo real que Sassi focaliza. Segundo

Aujor Avila da Luz, o homem do Planalto, em relação ao animãl,


I
I
pode ser assim apresentado: j
I
f.

"Q^uase t o d o c a b o c l o p o s s u e um a n i m a l
de m o n t a r i a , um c a v a l o , um b u r r o \ou
u m a m u l a , f o r t e m a s nem ^ s e m p r e vi.ê^to_
so. V e s t e c r i a n ç a - "pi a " d i z e m \-,
i n i c i a n d o - se nas l-tdes r u d e s da t é r -
ra, a c o s t u m o u - s e a a n d a r a c a v a l o | e
tão i d e n t i f i c a d o e s t ã com ele, 4ue,
q u a l q u e r c a m inhada maior que t e n h a a
fazer, o faz s e m p r e m o n t a d o .
V a Z c e r t a \conf r a t e r n i z a ç ã o , e x i s t e n ­
t e no p l a n a l t o , e n t r e o h o m e m o o jco,
valo; 0 q u e m a i s e x t a s i a o caboclo, e.
um .c a v a l o ,_,vis t Q S o , de p e l o luzidio,
a r d e g o e bem a r r e a d o " 12. \
i
' i b
Como se v e , hã razao bastante para que o escritorre-
j'
gionalista catarinense tenha, não apenas conservado o elemento
!,
"cavalo" na segunda publicação, mas ainda intensificado nela e's~
70

sa presença.
Apesar de todas as colocações que fizemos, não' podemos

dizer que o esforço de Sassi, pela conquista de um estar para a

sua obra se encerrou com a reformulação do conto "Piã” . No conto

"Escola", que fecha o livro Piã, o autor retoma o mesmo cenário,

as mesmas personagens, as mesmas ideias e recomeça a mesma luta

encetada jã em "Piã", que vai perdurar em todas as outras obras

suas, selecionadas para estudo, e de forma cada vez mais adequa­

da e segura. Novos elementos geo-sõcio-econômicos são explorados

aos poucos pelo autor, e o estar em sua obra vai se tornando ca­

da vez mais definido.


No conto "Piã", o autor deixa entrever, por exemplo, a

existência de um acentuado distanciamento social entre o piã e o

fazendeiro, dado que este é, obviamente, o dono de tudo, enquan­

to que aquele ê "dono de coisa nenhuma" (P, p. 8).

■ .. Com relação a essa característica marcante do grupo

mano dos Campos de Lages, faz-se oportuno a colocação que Aujor

Avila da Luz expressa em 1952, em obra citada por nos:

"No (íòtudo da o r g a n i z a ç ã o s o c l a Z do
yiosòo " h l n t í r l a n d " não í í p o d e d t l -
x a Á de c o l o c a r em p r i m e i r o p l a n o o
f a t o r e c o n ô m i c o co mo o m a t ò d e c l ò l v o
na d i f e r e n c i a ç ã o dai, c l a s s e s : a r i c a
e mais Influente, formada pelos fa­
z e n d e i r o s , e a p l e b e p ob re , c o n s t l -
t u Z d a p e l o s pe ã e s , a g r e g a d o s , l a v r a ­
d o r e s e t r a b a l h a d o r e s b r a ç a l s " 13.

Mais recentemente - 1964 - também Silvio Coelho dos

Santos se manifesta sobre o fenômeno, afirmando estar alicerçada


: .- 14
sobre extremos, a estrutura social da gente dessa regiao

Se essa característica marca jã o primeiro conto de

Sassi, nos contos posteriores vai se tornar ainda mais aguda. A^


71

sim é que em "Escola", no momento que o autor empresta a figura

do fazendeiro o título de "coronel", há uma acentuação maior de£

se extremismo, uma vez que a personagem principal, continua sem

nome, como no primeiro conto:

" P r a que. nome.? CoÁ.òZnka à - t o a , t r a s ­


te., ptã. p/ia qu d o u t r o nome.? Pt a 2 o
b a sta nte., e. ltge.tr 0 . Não c a n s a a i Z n
g u a nem g a s t a s a l i v a , e c o n o m i z a t e m ­
po, não d e s p e r d i ç a a m e m ó r i a " (P^ P-,8) .

Considere-se, ainda, que o nome comum "piá" ê incapaz.:-

de individualizar o menino, de destacá-lo como um ser único den­

tre os vãrios da mesma espécie a que pertence. 0 fato de o autor



grafâ-lo com letra minúscula, denota qu e ,a personagem não se

apossou dele, nem. mesmo sob a foirma de alcunha.

0 autor explora, ainda, no último conto, um outro as­

pecto capaz de ajuda-lo a atribuir ao conto o carãter de obra lo

calizada,, e do qual não lançou mão no primeiro. Trata-se da ref_e

rência feita ã figura lendária de João Maria de Agostini, quejs_e

gundo Oswaldo Cabral:

"É um s a n t o p a r a os ho m e n s do p l a n a i
to, q u e 0 c a n o n i z a r a m , co mo faziam
os a n t i g o s c r i s t ã o s aos s e u s s a n t o s ,
s a n t o qu e não d i s p u t a um l u g a r nos
a l t a r e s p o r q u e o t e m no c o r a ç a o dos
h o m e n s s i m p l e s das zonas q u e e l e p a l
m i l h o u " 15.

Observe-se o trecho de "Escola":

" P i ã tem, t a m b é m a s u a r e l i g i ã o . A
r e l i g i ã o de p i ã é q u a s e nada: multa
fé em J o ã o M a r i a de A g o s t i n h o , q u e é
multo m i l a g r o s o , e devoção para com
o N e g r l n h o do P a s t o r e i o " [E, p. 96).

A evocação do Negrinho do Pastoreio evidencia a influ­


72

ência que,entre outras, a região do Planalto sofre do folclore

gaúcho. E que, a proximidade entre os Campos de Lages e o estado

do Rio Grande do Sul, o contato que mantêm entre si a identidade

no tipo de economia, propiciam uma assimilação, por parte da gen

te do Planalto, da cultura do vizinho Estado fato que os sin

gulariza em relação a outros grupos humanos viventes nas terras

catarinenses.
Nos contos "Amigo velho", "Cerração" e "Serragem" o au

tor conquista um novo ângulo para observar e colher a mesma rea­

lidade regional. Apanha, agora, o seu sistema econômico alicerça

do no processo de extração e industrialização da madeira nativa,

que tem lugar por volta dos anos 50, sob o impulso de descenden­

tes de imigrantes que, na época, afluíam principalmente do esta­

do do Rio Grande do Sul-

Dois fatores, por certo, teriam motivado a implantação

desse noy.o tipo de- vida, ao lado da vida pacata das fazendas de

tradição secular, afeita a oferecer res is tência 'a todo tipo de

inovação e de modo especial, no campo da tecnologia 0 prime^

ro foi a presença, na região, da Mata Subtropical, que em alter­

nância com os campos limpos, situa-se preferentemente nas ãreas

mais planas. E de nosso interesse salientar que, dentre outros

espécimes presentes na formação florestal dessa mata, destacava-

se, pela abundância com que era encontrado, o araucária angusti-


18
folia, comumente conhecido como pinheiro . 0 outro fator foi o

advento das Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que tiveram co­

mo consequência, no Brasil, o estímulo ã produção interna, deter

minando em Santa Catarina, não so o surgimento de indústrias têx­

teis, nas ãreas de colonização alemã, mas também, as de explora­

ção e beneficiamento de madeira, nas ãreas de maior concentração


73

. . 19
de materia prima
Impressionado, talvez, com a implantação da novidade

na terra que o vira nascer, Sassi volta o seu interesse para as

modificações que esse tipo de trabalho começa a provocar, não s5

na paisagem geogrãfica, como tambêm, na fisionomia de toda uma

cultura. Pois, ã medida que se instalavam, "as serrarias iam ab­

sorvendo a mão-de-obra dos peões de fazenda, ocasionando a forma:

ção de vilas ao seu redor e mudando as relações de trabalho na

região jã que, ao contrãrio das fazendas, introduziram o salâijio


,20 ' :
como forma de pagamento" .
Numa visão aguda do problema, o autor reconhece o im -

pacto que o homem regional sofre ao se defrontar com a mãquina,

e vê nisto um elemento tipizador. 0 objetivo desta mãquina - ex-


I
piorar os recursos naturais - entra em choque com o instinto da­

quele - _amor e apego ã natureza. Desse fenômeno resulta um homem

que, em; relação ao- meio, ou ê -incapaz de dissociar-se da natuie-

za e por isso rejeita ã mãquina, de quem ê exemplo João Ono::re

(AV, p. 11-16), ou adaptado ã mãquina, mas incapaz de extirpar,

de si, aquela formação de homem da terra, modelada pela natureza,

de quem ê exemplo Procopio (C, p. 19-25). Ao lado destes, estã o

elemento migrado, indiferente ã natureza e submisso ã mãquina de

quem ê exemplo João Raizer (S, 55-61).


Como este aspecto da vida regional estã bem mais li
í '. ,
do ao estudo do s ^ , la
ê lá que o retomaremos para detalhã-lo mais

convenientemente. Por ora, gostaríamos apenas de evidenciar qje,


I
assim como na associação do homem das lides do campo ã .naturpza

animal, o autor encontrou uma forma de precisar um espaço para

os contos "Piã" e "Escola", tambêm, aqui, ao associar o homemj ã

natureza vegetal ou ã mãquina, estã encontrando um meio de de fi- -


74

nir um espaço para "Amigo velho", "Cerração" e "Serragem".

Não nos parece que a vinculação do homem ã mãquina, no

caso específico destes contos, configure-se como um fenômeno de£

regionalizador da obra de Sassi. Permitir que a serraria marque

presença nos contos é levar o leitor a situar a ação desses con­

tos em zona de mata, o que contribui de certo modo para fixa-los

na região dos Campos de Lages:

" C a b i s b a i x o e tfiistz, o v z t h o p Ô i - s z
a szguiji a carroq.a, quz, em s z u . r o -
d a r I z n t o , sz d i r i g i a p a r a a s z r r a -
r i a " (Al/, p. 1.2].

" M z n h u m a l u z na s z r r a r i a . T u d o cobzr
to p z l a b r u m a " (C, p. 19],

"Aqui a s z r r a r i a , mascando contin.ua-


m z n t z " [S, p. 55).

A presença da serraria insinua tratar-se de uma região

específica, porêm, a identidade dessa região com a zona do Pia -

nalto Catarinense, so ê impressa na obra mediante a fixação do

tipo de ãrvore explorado pelos madeireiros - o pinheiro:

''(,....) 'João õ n o f r z , v o c z v a i c o r t a r
a q u z t z s p i n h z i r o s da b a n d a do ta-
g o ão' [...]" (AU, p. 13].

"0 p i n h z i r o não z r a szu, (...) PzA. -


t z n c i a ã s z r r a r i a (...)" [AU, p. .13).,

"E s í m p r z , t o d a vida, a s u a l u t a f o ­
r a com 0 p i n h z i r o " (C, p. 21],.

Alem das presenças da serraria e pinheiro, o autor, na

intenção de completar cada vez mais o quadro econômico regional,

imprime na obra, o carãter depredativo que essa atividade explo­

ratória vai emprestando ã paisagem vegetal e que hoje ê- vista^ e

analisada do seguinte modo:


75

"A p/i.ogAí£-íiva d e v a s t a ç ã o nas r e s e r ­


vas de p t n h e t r o a r a u c a r t a fez e n t r a r
em d e e t Z n t o a a t t v t d a d e ex.tra.ttv a
porque nunca houve reftorestamento
p o r p a r t e dos que a e x e r c t a m , e q u a n
do se e s g o t a v a m e s sa s r e s e r v a s , as
i e r r a r t a s se t r a n s f e r i a m para. o u t r a s
r e g i õ e s , co mo G o i ã s e Mato Grosso" 21.

Assim sendo, esse aspecto depredativo encerrava em si

uma certa força caracterizadora, razão-pela qual foi aproveitado

por Sass i :

"0 c a p o n e t e de p e r t o d a s a n g a havia
d e s a parecido. Nada mais restava dos
ma.tagais c e r r a d o s . Os s o p í s dos m o r ­
ro s e s t a v a m nus, v i r a d o s num e s c a l v a
do sõ [...). P o r t o d a a p a r t e a ruZ-
na, a h e c a t o m b e , a d e c o m p o s i ç ã o . C o ­
mo c r u z e s m u t i l a d a s , os t o c o s c a r c o ­
m i d o s p e t a i n t e m p é r i e a t e s t a v a m __ a
d e s t r u i ç ã o em mas s a . T o d a s as arvo­
res g r a n d e s h a v i a m sido d e r r u b a d a s "
(AU/p. 14).

,‘■Se 0 enfoque de toda essa problemática, que tem como

pano de fundo a exploração da madeira, assegura aos contos "Ami-


!
go velho", "Cerração" e "Serragem" um estar em zona de mata sub­

tropical, o autor, não esquece ide estabelecer elos de ligação^en


i
tre esse es tar e o dos contos "Piã" e "Escola", como que

justificar’tratar-se de uma mesma realidade vista sob outro pri£

ma:

"No i n v e r n o \ y r o c Õ p i o e n f r e n t c ü , o
frio c a r r a s c o , as m a d r u g a d a s de g e a ­
da, 0 v e n t o c o r t a n t e " (C, p. 27).

AÍ estâ 0 inverno dos Campos de Lages, com todo o seu

rigor, a castigar tambem a personagem envolvida pelas lides da

madeira.
Hã outro ponto de ligação entre o estar dos contos es-
76

tudados no livro Pi^ e estes, de Amigo velho. Trata-se da persis

tência, nestes, da mesma estrutura social vigente naqueles, uma

vez que em ambos ela se assenta sobre extremos. A acumulaçao da

riqueza nas mãos de uns poucos em oposição ã miséria de muitos

não tem contudo causa comum nos dois sitemas de economia: o pe­

cuarista e o madeireiro. Se no primeiro sistema a motivação pre-

cípua foi o latifundismo, -remanescência de um Brasil colonial,

no segundo,,a causa estã ligada diretamente aos preços expressi -

vos dos pinhais, devido ã procura constante do produto industria

lizado. Antigos e novos proprietários de parcelas de terras co­

bertas de Mata Subtropical viram-se, de um momento para o outro,

donos de consideráveis valores, fato que vai gerar, obviamente,

o desequilíbrio entre o patrão e o empregado, simples assalaria­

do, que não tem de seu nem mesmo a casa onde mora.
0 senso de observação e analise de Sassi, .fazem--no

transferir paira o conto "Amigo velho", mais essa faceta capaz de

colaborar de algum modo, na caracterização do estar:

”Fo l n a q u e l e d i a q u e J o ã o Jlnoi^/ie aom


pA.eeiadeu qu e en.a um ml&efiãvel, _ q u e
não efia do no de nada. A c a s a não efia
dele, a tefifia não efia dele, Eótava
a l Z de e m p f i é s t l m o , tolefiado p e l a b e ­
n e v o l ê n c i a doò vefidadelfioi d o n o ó da
tefifia, g e n t e I n v l ò Z v e l , que, a e x e m ­
plo de vefidadelfioò d e u s e s m a n d a v a e
d e s m a n d a v a na s u a vi da " (Al/, p. J3),

E mais, Sassi pressente que não .hã perspectivas de mu­

danças dessa estrutura social, pelo menos a curto prazo. Faz ,um

estudo do "freteiro", classe de trabalhadores de certa ambiçao,

que, na esperança de subir na. vida, de ter um "patrimônio de

seu", ou compra um caminhão que não consegue pagar nunca, por

mais que se dedique com afinco ao trabalho, como ocorieu com Pro^
77

copio (C, p. 21), ou que, contrariamente, como Salustiano, reco­

nhece a tempo sua impotência e põe de lado sua ambição:

"l/&nciÃ. 0 m e u F o r d a i n d a em temioo. 0
c o i t a d o p r a q u e m eu v e n d i ja t a na
m i s é r i a , a r r e p e n d i d o , com o c a m i n h ã o
t o d o e s c a n g a l h a d o . Eu é qu e não ^ t o u
p r a m e i n c o m o d a r e sõ t e r prejuZzo.
0 m e l h o r e t r a b a l h a r de e m p r e g ado ^
Ao m e n o s , {^im do mes, o d i n h e i r o é
c e r t o " [C, p. 20).

Essa colocação de Sassi, chamamos a atenção,, tem a

força de colaborar para que a sua obra atinja uma dimensão so­

cial, pois que representa uma nota viva de protesto contra uma

hierarquia estática, que não oportuniza ao ser humano se reali

zar dentro dos limites do seu esforço.

E para concluir essas considerações diremos que não e^

tamos certos de que a mesma força caracterizadora encontrada, p_e

autor, n;os elementos a que recorreu, nos contos "Piá" e "Escola",

se fizesse presente, com a mesma intensidade, nos elementos de

que p5de dispor ao criar "/Vmigo velho", "Cerração" e "Serragejri".

No entanto, quis-nos parecer que, em se tratando do domínio d e s ­

sa técnica de recorrência ã paisagem, houve, por parte do ficcio

nista, nestes últimos, uma melhoria, que se acentua em São .Mi­

guel , obra posterior a todos os contos em análise.

1.2. 0 romance ;

i
i

.^ í -
Ao elaborar seu romance de estreia, o autor, ja mais

seguro do que queria, explora o complexo populacional da região


i
a ser^ apreendida - Oeste Catarinense - porque conhece o quánto
78

esse elemento se presta ao seu intento. Observa que, do ponto de

vista "população", se tomado "raça" como "o somático e psicológi

C O que distingue um conglomerado humano do outro (...) resultan

te de uma modelação lenta, seculaT, milenar, de um, mesmo meio £_í

sico" a populn,ção do Oeste Catarinense não constitui uma ra­

ça. Devido ao elevado número de imigrantes e migrantes ali estabelecidos

neste sêculo, a região pode ser apontada como um dos mais perfej^

tos e.xemplos da heterogeneidade típica da população sul brasile_i

ra. - .
Oswaldo R. Cabral, em seu livro História de Santa Cata

rina, no capítulo que trata do Extremo Oeste (VIII), faz referên

cia ã fixação, naquele meio, de gauchos descendentes de italia


23
nos, de colonos de origem alema, de poloneses
Para Sílvio Coelho dos Santos, no início deste sêculo,

"contingentes populacionais novos se fixaram naquela região, co­

locando, -lado a lado, representantes de etnias diversas (lusos,

alemães, italianos, turcos, eslavos, etc.) e possibilitando uma


24
intensa troca de valores culturais" ' .
Ao abordar a problemática da imigração em Santa Catárj,

na, Paulo Fernando Lago, na obra de sua autoria Geografia de San

ta Catar^iia, afirma que o Oeste foi a ãrea catarinense que mais

concentrou migrantes entre os anos de 1940/1960, êpoca em que

mais de noventa mil deles se erradicaram em Santa Catarina

Na obra de Sassi, o problema da migração pode, entre

outros, ser observado nesta colocação feita pela personàgem Gra-

cílio:
AgoÆo. v o c ê s deixaA.am o e.4-
tn.a.nja. toman. c o n t a de t a d o . Q^azm é
q u í m a n d a no mate. q^ae. a Z n d a t z m ? r.
es t A a n g etAo . Q_uem e que, m a n d a na ma -
dzt/ia? Ë g A t n g o do Kto Gfiande. Essa
i t a l t a n a d a t o m o u c o n t a de, t u d o ” (SM,
p . 46 j .
79

E ainda Gracílio, referindo-se ã imigração:

Po-ís eu, q u a n d o c h e g u e i aqui, t u ­


do l é t o er a um m a t o v i r g e m . V a v a c o ­
b r a e onça, d a v a a t é bugre. Naquele
t e m p o h a v i a h o m e m de v e r d a d e . (...)
yé l ã òe e i ò a e s t r a n g e i r a d a ^la s e me
t e r nos n e g ó c i o s da ge n t e . 0 unlco
e s t r a n g e i r o qu e a p a r e c i a er a o c a s t e
l h a n o , mas a g e n t e ^ c o r r i a com eles.
A g o r a dã de tudo: é a l e m ã o , é I t a l l a
no, diz qu e a t é s l r l o ” (SM, p. 47).

Ê possível observar-se no trecho, alem da heterogenei­

dade étnica, que o autor estã tratando de uma área de ocupação

recente.

Esse mundo "sui generis", mesclado de culturas diferen

tes não se expressa apenas através do diálogo, mas em toda a

obra. Em muitas oportunidades o autor focaliza contradições re-

sultantes da coexistência de indivíduos de experiências, sangues

e origens diferentes .

Num levantamento da origem de personagens que o texto

permite identificar temos:

Dr. Spitzer - judeu (SM, p. 18)

Juan Medina - argentino (Çorriente) (SM, p. 212)

Canalli e Antero - descendentes de alemães (SM, p. 218)

Ubirajara Mendes - vindo de São Paulo (SM, p. 124).

Eleutêrio - procedente do Ceará (SM, p. 154).

E num estudo da complexidade cultural ê possível no­

tar-se;

- 0 materialismo de Pedro Rossi que so acredita em di­

nheiro ao lado do espiritualismo de seu sócio Ernesto, para quem

tudo ê feito com a ajuda de Deus (SM, p. 22).

- as feitiçarias do velho Fabiano junto com a medicina


80

do Dr. Spitzer (SM, p. 18).

- 0 .sincretismo religioso congregando a fotografia do

monge do Contestado, João Maria de Agostini, no mesmo altar, ao

lado de imagens de santos católicos (SM, p. 135).

- 0 manejo perfeito do idioma posto ao lado da fal a

popular, ou carregada de sotaque, nos diálogos (SM, p. 166-67).

Alem da recorrência ã falta de unidade étnica, o autor,

para melhor delinear o estar, e m São Miguel, busca apreender,

principalmente, três outros elementos relacionados com o aspecto

geo-econômico-social da região; a flora, o regime de chuvas e a

hidrografia. A importância desses elementos é fundamental para a

economia da região, já que podem ser considerados condicionado -

res da vida humana ali existente.


Em se tratanto da flora, marca presença no Oeste Cata­

rinense -a mesma Mata Subtropical que ocupa a região planaltina

desse Estado Para evidenciá-la, em sua obra, Sassi não faz

nenhuma descrição objetiva. A sua presença é apenas sentida como

pano de fundo ã ação da personagem:

" M o v a m z n t í os m a c h a d o s c o m e ç a v a m a
d í A A u b a A as a A v o A e s Ás se AAa s,
i n c e s s a n t e s , m o A d i a m as t o A a s d e s ^ a -
z e n d o - a s em p A a n c h õ e s e t á b u a s ”. [SM,
p . 17 4] .

E o autor enumera, vez por outra, as variedades arbó ~

reas que segundo ele são exploradas no mundo vegetal da região

que focaliza;

" CaZa 0 a n g Z c o , a peAoba, o cedAo, o


Z p ê e 0 p Z n h e Z A o " [SM, p. 174]. >

" U m a b a l s a de c e d A o s e m p A e l e v a t a m ­
bém m u Z t a c a n e l a , p e A o b a , Z p ê e Zm-
b u Za " ( S M , p . 1 0 4 ] .
81

"0 t e Z t o do U r u g u a i zitcLva coalhado


dc b a l sa s: uma s dc t o r a s de. cedro,
p e r o b a , Ipê, o u t r a s de p i n h e i r o c e r ­
r a d o " (S M , p . 6 0).

No que diz respeito â recorrência que o autor faz ao

elemento "flora", uma particularidade nos chamou a atenção. Con^

tatamos que Sassi, aqui, foge aquele respeito que empresta ã rea

lidade que capta. Nao hâ uma correspondência perfeita entre os

tipos de espécimes florestais que enumera, na obra, e os que re­

almente fazem parte do meio ambiente dessa região que focaliza.

Paulo Fernando Lago, em obra já citada por nos, ao fa­

zer referência ãs diferenças que se vêem processando no quadro

da vegetação original deste Estado, devido ã intensa exploração

vegetal, enumera como exemplo de madeiras duras mais exploradas

da Mata Atlântica (a situada no Litoral), a peroba, a canela e o

louro Dêborah Pâdua Mello Neves, em seu livro didático, a ní


■ 1 • ^

vel de pr.imei.ro grau, Estudos Sociais e Ciências, Santa Catarina

e suas microrregiões, ao concluir um estudo sobre a vegetação

deste Estado sulino, argui o aluno da seguinte forma:

”l/ocê s a b i a que:
- í• •• í
- na m a t a A t l â n t i c a ha u m a Imensa
q u a n t i d a d e de m a d e i r a s , t a i s como
p e r o b a s , c a n e l a s , l o u r o s , et c.?"Z8 .

Por outro lado, tanto um quanto outra, ao se referirem

aos espécimes m.ais freqüentes na Mata Subtropical (a do Planalto

e Oeste) citam apenas: cedro, imbuia e pinheiro.

A primeira vista, causou-nos estranheza o fato de Sas­

si ter apontado a "canela" e a "peroba" como árvores exploradas

no Oeste enquanto Fernando Lago e Deborah Neves so a evidencia­

ram como elemento da Mata do Litoral. A curiosidade cresceu. Lan


82

çamo-nos ã pesquisa. ArgUimos ”in loco” elementos de oito diferen

tes companhias madeireiras situadas no Centro e Extremo-Oeste ca

tarinense, sobre a existência ou não, na região, de todos os es­

pécimes vegetais enumerados por Sassi, ém sua obra, do que obti­

vemos, em síntese, o seguinte resultado:

“ peroba: nunca existiu em todo o Oeste (unanimida-de

nas respostas);

- canela: se £az presente e de diversas variedades;

- imbuia: s5 no Centro-Oeste ;

- pinheiro: em extinção;

- angico e cedro: são abundantes;


. - . 29
- ipe: muito raro

Confrontando os dados coletados na região com os ex­

traídos da obra, veremos que dois dos espécimes relacionados por

Sassi, iiiexistem no meio por ele focalizado: a peroba que, por

quanto parece, ë exclusiva da Mata Atlântica, e a imbuia que, a-

pesar de encontrãvel tambëm na Mata Subtropical, se concentra no

Meio-Oeste. E lembremos que o autor procura apanhar o Extremo-

Oeste .

Reconhecemos que nossa pesquisa não assume foros de

científica e não estamos interessados na precisão estatística de

dados. Entendemos, porem, que o resultado a que chegamos ë o ba_s

tante para nos dar a autoridade de afirmar que o autor catarinen

se, neste romance, ”desgeografizou” alguns dentre os elementos a

que recorreu para caracterizar-lhe um estar. Esse fato não se re

gistrou em nenhum dos contos em estudo, nos quais focaliza a re­

gião dos Campos de Lages.

Considerando que a conquista do es tar e um ato consci­

ente, procuramos e encontramos uma explicação para o caso: Sassi


83

nunca fixara residência nessa região. Estivera lã de passagem.

Residira no Centro-Oeste (Campos Novos), oportunidade em que en­

trara, freqüentemente, em contato com pessoas do Extremo-Oeste

que conheciam bem a região e com as quais mantivera os mais inte

ressados diálogos informativos. Sua prêpria mãe provavelmente lhe

prestara auxílio nesse sentido, uma vez que na êpoca estava radi­

cada no Extremo-Oeste ~ município de Palmitos. Alem do mais se

fizera um estudioso da região, através de todo o tipo de litera­

tura capaz de lhe fornecer alguma luz sobre o assunto. Não ê ra­

ro, como veremos no estudo sobre o "documento", citar autores

por ele pesquisados. E, segundo nos parece, a contradição em que

caíra, com relação aos tipos de madeiras regionais do Oeste, re­

presenta, ate certo ponto, o endosso da contradiçao criada pelo

médico Aujor Avila da Luz em obra jã citada por nós, e também

por Sassi, em São Miguel, e que apresenta um enfoque da Mata Sub

tropical,, onde se lê:

"0 t.ípo d t é t a é m a t a s do p l a n a l t o ca-


taA.tne.nse e n q u a d r a - s e na dtvtsâo
's u b - t r o p t c a l ' da '_^zona do s e r t ã o ^’ e
eoYistltul u m a das á r e a s {^ Ztog eog rá^t
cas b r a s t l e t r a s .(...).
C o n s t t t u t n d o - s e em m a t a s p u r a s , as
" m a d e i r a s __de l e l " sao encontradas
nos m u n i c í p i o s m a i s o c i d e n t a i s e I n ­
t e r c a l a d a s no m e l o dos p l n h e l r a l s , em
t o d o 0 p l a n a l t o , nas r e g i õ e s de o c o r
r e n d a {florestal.
Vesta.quemos a l g u m a s e s p é c i e s •
0 'cedro' [ c é d u l a o do rata], , q u e por
s e u {^raco p e s o e s p e c Z f l c o í^lutua |em
v i g a s e é e x p o r t a d o em j a n g a d a s rio
a b a i x o , do k l t o U r u g u a i , r e g l a o de
s u a e x p l o r a ç ã o , p a r a a c i d a d e de S ã o
Tom é, na A r g e n t i n a ; o 'õleo'; a 'Im-
brila' (n e c t a n d r a ] j a ' c a n e l a preta’
( n e c t a n d r a a m a r a ] ; a 'p e r o b a ^ a m a r e -
la' {a s p l d o s p e r m a ] ; a ' c a b r l ã v a ' jx.
"grápla'; o 'guamlrlm'; o 'a r a r l b á '
i c e n t r o l o b l u m r o b u s t u m ] ; a 'c a n g e r a -
na' [ c a b r a l e a c a n g e r a n a ] e o ' C a r v a ­
lho ' " 30 .
Discordamos de Aujor Avila da Luz no que tange ã exis

tência de peroba na Mata Subtropical, uma vez que também na re­

gião do Planalto este espécime não é encontrado .

Apesar de tudo, entendemos que o pequeno incidente não

é bastante para impedir que se considere São Migue^ uma obra lo­

calizada, do ponto de vista da flora, e nem suficentemente capaz

de contestar a nossa teoria de que a conquista do estar é um ato

consciente. Trata-se de um pequeno deslize, certamente impercep­

tível ao leitor desavisado. A luta do homem com a madeira, ques­

tão fundamental, é colocada. A gente do Oeste e posta a explorar

a flora local, com o objetivo de levã-la ao comércio com a Argen

tina, através do rio Uruguai; e isso convence o leitor de que a

região em foco é a do Oeste Catarinense.


Com relação a esse comércio é conveniente esclarecer

que 0 mesmo era dificultado dentro do Estado e dentro do País,

devido ã-precaridade das rodovias locais . Essa deficiencia

no sistema rodoviário que em muito contribuiu para que seus hab_i

tantes vivessem sob a pressão de um verdadeiro - nas palavras ,de


•7V
Paulo Fernando Lago - "pesadelo regional" , foi compensada pela

abundância de rios distribuídos ao longo da zona de vegetaçao

mais densa. A Mata Subtropical segue uma faixa do rio Uruguai^a-

vançando pelos seus afluentes, e a aproximidade entre vegetação

e rio teria despertado, no homem da terra, a idêia de converter

a rede fluvial em via de escoamento para essa riqueza extrativa.

Neste particular o regime de chuvas é de fundamental importância.

Na êpoca de cheias, o rio nivela a sua superfície, os obstáculos

maiores são eliminados e a violência das ãguas torna possível

0 deslize das cargas de madeira rio abaixo. Eis porque as cheias

do Uruguai se tornaram célebres "como caminho para o envio de ma


34
deiras para a Argentina, em forma de balsas"

Na êpoca de estiagem, obviamente, esse tipo de trans -

porte torna-se impossível. Quando os afluentes do Uruguai têm

seu debito diminuído, nas estações secas, a população que se de­

dica a esse tipo de conomia, entra em crise. E ê exatamente num

desses momentos de crise que Guido Wilmar Sassi tenta apanhar,

em sua obra, essa população.

A solicitação que o escritor faz a esses três elemen -

tos - "vegetação", "chuva" e "rio" - em sua obra, estã fundamen­

tada na real importância que os mesmos têm para a vida local. E

claro que o elemento "chuva" e por extensão "cheia" traz em si,

de modo implícito, os demais elementos, que por sua vez se asso­

ciam ã idêia de solução ao problema da falta de dinheiro. Em

muitas oportunidades, o autor caracteriza essa associação:

'>•' ”0 s i l ê n c i o t o A n o u - s e p e s a d o . Cala­
dos e. p e n s a t i v o s , t o d o s os h o m e n s il
x.aAam o pens a m e n t o n u m a s Ó co i s a : a
cheia. Sim, s e c h o v e s s e as v i a g e n s se
Alam p o s s Z v e l s . A madelAa seAla ven ­
dida. Os p a t A Õ e s t e A l a m d l n h e l A O , a-
pós a ' d e s c i d a do LlAugual' e paga-
A l a m os a t A a s a d o s " [SM, p. 755).

Além de o elemento ãgua (chuva/cheia) representar o

mais abrangente dentre os três, ele constitui-se, também, no

mais problemático:

"0 Alo e a aAvoAe cobAavam o s e u qul


n h ã o , t a m b é m f a z i a m suas v i t i m a s .
E A a 0 m e s m o que a g u e A A a . M as 'agoAa
não h a v i a e n c h e n t e e I s s o e A a p i o à " .
[SM, p. 175) . :

E que a luta com a árvore ou o rio pode, em ultima anã

lise, ser controlada pelo homem, enquanto que o regime de chuvas

independe, absolutamente, da sua vontade.


86

n (...) 0 tejnpo e n g a n a mu-íto . Aó


v ez d i a.,s balòa/, e s t a o pronta^,, apo­
d r e c e n d o , como a c o n t e c e ago r a , e n a ­
da de. e n c h e n t e . O u t r a s oca/.->toeò o
pes.^oal te.m n a d a p r o n t o , e ta vem
S ao M.ígu.e.l, {)ora de te mpo, mandando
ãgua. E s p a l h a t ã b u a e t o r a p a r a to­
dos 0.6 .íadoA, na/, m a r g e n s ”(S M , p. 105}.

Como, ria. rea 1.idade , o homem precisa tanto das cheias,

quanto da flora e do rio, envida todos os esforços para desco­

brir uma forma de traze-la igualmente sob controle. Não encon­

trando racionalmente essa forma que busca, apela para o sobrena­

tural; cria o mito, que serâ analisada posteriormente por estar

mais ligado ao estudo do s e r .

Se encararmos os três elementos a que nos vimos refe -

rindo, desse novo ângulo, sobrenatural/natural, diríamos que o

elemento madeira se caracteriza como natural; o regime de chuvas,

como sobrenatural. 0 rio, por ser ao mesmo tempo receptor da

âgua das. clvuvas e- condutor da madeira, caracteriza-se como iriter

medi a r io en tre o un iv ers o n atura] e sobrenatural. E meio c onh ec_i

do, meio de s conli eci do da personagem, meio passível de controle,

meio ir,controlável , um.a espécie de interposição entre Deus e os

homens. E, contraditoriamente, ê capaz de concentrar em si o sím

bolo da miséria e da abastança,da angústia e da tranqüilidade,

da alegria e da tristeza, por estar a vida da personagem condi -

cionada a ele. Configura-se, n.a obra, como um elemento de prime_i


í 7
ra grandeza em torno do qual tudo gira e tudo encontra uma razão

d e s er .

Esse aspecto dual que o rio assume ante a população

torna possÍA/el ao autor valer-se dele, não s5 como elemento ;ca-


í

racterizador do estar, na obra, mas também do se r , como veremos


I .*
em tem]oo op o r tu no .
87

A nível do estar ele e apresentado para o leitor de mo

do completo, isto é, na estiagem, como se pode observar nas duas

primeiras transcrições, ou na êpoca das cheias, que ê o caso das

duas últimas:

"As b a A A a n c a s do ilAugual s e t A a n s ^ o A
m a v a m em n s t a t e l A O s I m e n s o s , a se
p e A d e A de vista. V e p o l s e A a o pA^o-
p A l o Alo que A e a e b l a os _^pAanckõeis,
as vigas, as t o A a s . e as t á b u a s ; e ' a
m a d e l A a eAa e n tão A e u n l d a em balsas,
e l á {^Icava, na s u p e A ^ Z c l e do UAu -
gual,_ ag u a A d a n d o a cheia. A á g u a de~
s a p a A e c l a ■em t A e c h o s , IntelAamente
c o b e A t a de ' A e m o l q u e s ' . Em m u i t o s l u
g a A e s 0 Alo p o d e A l a s e A a t A a v e s s a d o
a s e co ; l a - s e de u m a a o u t A a m a A g e m ,
s e m m o l h a A os pes" (SM, p. 17 4).

''O4 hom e n s , na b e l A a do Alo d e s c a A A e


g a v a m c a m i n h õ e s de t á b u a s e toAas.
OutAas, dentAo d'ãgua, Iam {^azendo
as a m a A A a ç õ e s , a p A o n t a n d o os ' A e m o l ­
ques ’ (...) 0 p A Õ p A l o C l p A l a n o M a d A u
ga, n u m a l a n c h a a g a s o l i n a , d e s c i a 0
C h a p e c o z i n h o , Aebocando toAas e pAan
c h a s . .■ ■' ’
Mais a d i a n t e , na m a A o m b a d a ' K o s s l &
P a d l l h a ' , t a m b é m os h o m e n s tAabalha
vam. Uns U A A a s t a v a m os t A o n c o s , a t l -
A a n d o - o s ao Alo, e n q u a n t o q u e o u t A o s
■faziam-nos d e s l l z a A p e l a 'c a n a l e t a ' .
V o A l v a l p e s c a v a as to Aa s , com um g a n
c h o , e a p A o x l m a v a - a s do l o c a l onde
. MaAtlnho FlguelAedo e 0 ceaAense tAa
b a l h a v a m nas a m a A A a ç õ e s ” [SM, p. 9 2X.

"(,...) A e n c h e n t e vleAa, de {^ato,mas


d l f e A e n t e das outAa s. U m a v e A d a d e l A a
c a l a m i d a d e . V u A a n t e dias e dias 0
A lo se t A a n s {^oAmaAa num c a u d a l I m e n ­
so, v i o l e n t o , t A a g a n d o as baAAancas
e t u d o 0 que h a v i a em cima. V u a s bal
sas h a v i a m A e b e n t a d o , c o l h i d a s pela
t o A A e n t e , e vãA l o s h o m e n s p e A e c e A a m .
P o A l o n g o t e m p o 0 Alo f i c o u A a l v o s o ,
m o A d e n d o as m a A g e n s , deAAulndo-as,
e as ã g u a s p a s s a A a m c e A e l e s , c a A A e -
g a n d o no s e u d o A s o d e s t A o ç o s d e ca­
sas, ã A v o A e s I n t e l A a s , vac a s , p o A ç o s
e c a v a l o s , a t e m e s m o g e n t e " ( SM, ip.
7.12-113).
"E 0 U/Lugual aos c o r c o v o s , q u e mm
cavalo x u c r o , querendo jogar homens
e m a d e i r a p r a l o n g e de sl, ou então
e n g o l t - l o s de u m a vez. A ch ei a, de
{^ato, n i v e l a m u i t o s o b s t á c u l o s , mas
as águ a s f i c a m l o u c a s , o r i o s e en
' r a l v e c e " (S M , p . Î0 3 )

Somente o enfoque desse comportamento contrastante do

rio não contem, em si, força capaz de particularizar um todo; daí

a preocupação do autor, em associar a ele, o homem em sua faina

diária, ora de modo direto, ora indiretamente. A constante luta

do elemento humano com o rio ê que vai singularizar esse rio,

tornando-o único e distinto dos demais.

Em linhas gerais, constatamos que as três paisagens co

Ihidas pelo autor - Lages pecuarista, Lages madeireira e Oeste Ca

tarinense - vem marcadas pela presença do homem, que nela se inte

gra e com ela forma um todo. Enquanto enfoca Lages, o ser humano

aparece associado ou ao animal, ou ã natureza, ou ainda, a maqui^

na; mas associa-se ao rio, enquanto o autor caracteriza o Oeste

Catarinense.
89

2. 0 DOCUMENTO

Para testemunho de que esta tratando de um mundo real


i
e não de uma criação sub ord inada, apenas, aos caprichos de -S'ua
I

sensibilidade e imaginação, Sassi se vale principalmente de tr|ês

recursos:

- convocação dos sentidos do leitor, para que partic_i


I

pe da "realidade" registrada na obra; ;

- fixação de um tempo preciso, cuidadosamente cronome­

trado ; .

- conservação de topSnimos e transcrição de trechos jc£

pazes de auxiliã-lo a situar o enredo ficcional. |

■í'■2 .1. Testemunho dos sentidos i

Um recurso de grande efeito na obra ê o de sugerir ao,

leitor que ele participe sensitivamente do mundo focalizado. Atr^

vés da palavra-sensitiva, a região endereça um apelo ao ouvido,

ã vista, ao tato, ao olfato e ao paladar desse leitor, como for­

ma de dar testemunho de sua existência.

Observe-se o trecho;

" C o r p o duro, c h o c a l h a d o p e l o andar


d a zgua. E a t c r de c ascos. Espicaçar
de vidro . Can s a ç o , S o n o . f r i o " (FT p.
9T7~~

0 ouvido ê solicitado - "Bater de cascos". A sugestão

sonora ê porêm, tornada mais precisa; "Espicaçar de vidros". Não

é em qualquer lugar que de um "bater de cascos" decorre outroíba


90

rulho semelhante ao de. "espicaçar de vidros". Somente quando os

referidos cascos andam sobre a geada. Há, portanto, uma idéia

particularizadora. Essa ideia se completa com o despertar da sen

sação térmica: "Frio", que de certo modo se associa ao barulho

"espicaçar de vidros".

E freqüente essa solicitação de mais de um sentido:

"(...) é-icou com 0 chzlAO de m a d e i A a


veAde, impAeg nado nas Aoupas e na pe
Tê~r:..]" (C. p. 22].

A expressão "cheiro de madeira verde" faz com que dois

sentidos do leitor sejam despertados simultaneamente: o olfáto

e a visão, do que resulta a sinestesia. Outros sentidos há que

são, também, evocados paralelamente:

e como eAa gostoso, no inveA-


n o , s e n t l A a baAAiga Aeco n f o A t a d a pe
ta s u b s t â n c i a daquetes fAutos p7
nhões], doces macios, e s a b o A o s o s " .
(Al/, p. TTTT"
I
Aqui, paladar e tato entrecruzam-se através dos adjet^

vos "doces" (paladar), "macios" (tato) e "saborosos" (paladarl.

0 substantivo "inverno", de algum .modo, desperta, também, o sen­

tido do tato jã que sugere frio.

São Miguel é uma obra pouco rica nesse tipo de recurso.

Os outros tipos de comprovação da realidade evidenciada são mais

freqüentes nesse romance. Vez por outra, contudo, esses recursos

de ordem sensitiva têm lugar:

" E daZ 0 m a d e i A o se pAecipitava, pAo


j eta n d o - s e dentAo da água. yoAivaJ
e s p e A a v a , até ouvía o baAutkao da m a
deiAa m e A g u t h a n d o : 'tschibum! *" [SM,
p. .156].
91

''Es cu/L&ceu, paKa os lados do 'akovt-


doH.' e nuvíns gAossas se foAmaAam
no Icêa, qae foi Alseado pelos Aelâm-
pagos" (SM, p, ZTTT f“

"JesuZno soAvea com gosto o .. .ehelAo


da teAAa molhada e acocoAou-se" (SMT
p. 2 5sr.

'
Alem de pouco freqüentes, também não contêm em si ’a

mesma força e valor das evidenciadas nos contos.

A maior insistência desse tipo de recursos se registra

em "Amigo velho", "Cerração" e "Serragem".- Nesses textos hã uma

evocação de todos os sentidos, com uma predominância dos de or-


I
dem visual e auditiva, Uma verdadeira festa de sons, cores e ima

gens visuais oferecem valiosa contribuição para a evidência . do

es tar.

Observe~se o efeito visual do trecho:

"A cena. paAecla o campo devastado de


ama batalha, e havia, mesmo, am aA
de moAte em toAno. Os aAbastos e as
aAvoAes menoAes haviam sido esmaga -
dos pela queda do colosso. Galhos a
veAteA selva, espaAsos aqui e alZ,
lembAavam bAaços e peAnas Aecem-aA ~
Aancadas, palpitantes ainda. Ramos
juncavam o chão e cavacos se espalha
vam poA todos os lados. Mo lugaA em
que a velha aAvoAe ainda hã pouco se
eAgula, so Aestava agoAa um simples
toco', anônimo e sem vida. Mo talho
abeAto pela seAAa, a contAastaA com
0 V eAde- escuAo da casca, bAanq.uejava
0 ceAne, como um osso alvo a sobAes-
salA de um membAo amputado e sangAuen
to" ISM, p. n -1 2} .

A mão hãbil do escritor delineia, com cores vivas, to­

dos os detalhes, para que o leitor "veja" o sugestivo quadro,

Na intenção de ser realista e objetivo, procura trans­

mitir as sensações que a cena desperta ao homem da terra, atra-


92

vês de expressões e imagens que solicitam à vista como: campo de

batalha, arbustos esmagados, queda do colosso, verter seiva, ca­

vacos espalhados, toco anônimo, talho aberto, branquejava o cer­

ne, verde-es curo, osso alvo, membro amputado e sangrento. Essa

forma de apresentação remete o leitor ã ideia de que estã diante

de um cenário pintado.
A região se apresenta, também, sonoramente na obra;

" (,. .. ) J o ã o HaZzzfL ò oito a um bth.Ao


que. s u p l a n t o u o b a A u l h o das m ã q u t n a s ,
0 batíLA das t ã b u ã ^ e o vozet-ío dos
hoWeJiJ ^ ^ l J M , p. 5 9- 6 0).

"0 aptto se faz ouvlA, estridente"


(5 ,~ P ” 59) .

"Os n.ul d o s d a s e A ^ a e n t A a v a m pelos


0 u üTcíõs de J o a o Õnõ^n.e (A1/,
p. n ) .

"(...) 0 caminhão Aoncava, avançando


; . moAosamente, com cautela^' [C, p. 23).

Além desses sons evocativos da presença da máquina, na

região, também a natureza se manifesta sonoplasticamente;

"[-...) bandos de maltacas em alaAldo


vinham pousaA em seus g a l h ã f.
(A 1/, p . J2 I .

"0 silêncio eAa maio A do que antes.


Não nials os papagaios e as _gAalkas
vleAam alegAaA o Alncão (...)" (Al/,
p. ?5).

Essas sensações auditivas aparecem, por vezes, combima

das com as sensações visuais, do que resulta ainda maior efeito

expressivo:

"0 p l n h e l A o o s c i l o u um p o u c o e c o m e ­
ç o u a tom.ba.A. V e v a g a A l n h o , a p a Im c Z-
p l õ T ^ V e p o Z s com u m a f o A ç a e um d e t e A
m l n l s m o que nada" podeAA.a ev-LtaA, cõ -
93

mo ama a v a l a n c h e qu e & e despenha.


Os g e m i d o s da m a d e i r a e s t a l a n d o co A
taAãm'l) aÃT, e o g l g a n t e chocou-s e
cont/ia 0 s o l o ” (Â1/, p. H ) .

Observe-se o caminho sensorial percorrido pelo proce^

so estilístico: o pinheiro e o movimento de sua queda, que obe­

dece a um "crescendum” , são elementos de percepção visual que

se" harmonizam com elementos' de percepção auditivasugeridos pe

los vocãvulos: "gemidos" e "estalando". 0 cruzamento visual-au

ditivo que o trecho causa ã mente do leitor se aproxima, de cer^

to modo, de uma cena cinematográfica.

2 •2 • Testemunho do tempo

; Com referência aos contos, náo hã, por parte do autor,

uma preocupação com o tempo, no sentido de, através dele, loca­

lizar esses contos. Ja com relação a São Miguel, o tempo é um

fator ütil, uma vez que o foco narrativo gira em torno da ausên

cia de cheias e o regime de chuvas está subordinado de certo mo

do, ao tempo.

”As chetas do UAuguat, aproveitadas


pelos madeireiros para o trans porte
das suas jangadas de vigas de cedro
para o mercado argentino, mais ou
menos periódicas, tem lugar na prl-
- .. — — m a v e r a : a e n c h e n t e de S a n t a Rosa,
I n c o n s t a n t e , é em a g o s t o , enquanto
q u e a de Sã o M i g u e l , a m a i o r e a
m a i s certa, e m b o r a p o s s a f a l h a r um
ou o u t r o ano, o c o r r e m setembro" 35.

Eis porque os fatos narrados têm início no dia 31 de

agosto e estendem-se ate a madrugada de 29 de setembro, dia ,de


94

São Miguel, que é visto, na região, como o santo das chuvas ou

o padroeiro das enchentes.


A primeira parte do livro contêm fatos desenrolados

no dia 31 de agosto, uma sexta-feira, com início ao meio dia. 0

que marca as divis(3es internas dessa primeira parte, são as ho­

ras do relogio e não capítulos como comumente ocorre nos roman­

ces. 0 seccionamento da segunda parte também ê medido pelo tem­

po, sendo que as secções maiores são marcadas pelo passar dos

dias. Cada uma dessas secções ê aberta por uma ou duas epígra -

fes, e a seguir aparece o dia do mês e da semana, seguido da.

identificação do(s) santo(s) do dia ou, o registro de um fato

historico ou religioso de relevo, como ocorre, por exemplo, com

0 dia da Independência do Brasil (7 de setembro) ou da Nativida

de de Nossa Senhora (8 de setembro).


Constatamos, ao consultar três almanaques diferentes,

que hã uma correspondência entre os santos do dia, bem como, os

fatos historicos e religiosos, registrados por Sassi, nesta p-

bra, e os popularizados pela tradição e arrolados nos referidos


36
almanaques
Quanto ã distribuição que o autor faz, dos dias da se

mana pelos dias do mês, observamos que, se foi baseada em algum

calendãrio, po.r certo o foi no del956, vigente três anos antes

da feitura de São M iguel, e que se repete em 1962, 1973 e coin­

cidentemente, no ano que estamos vivendo, 1979. Desse modo, te­

remos , neste ano, o dia de São Miguel, 29 de setembro, em um-sã

bado, como ocorre no livro.


Se, por um lado, não foi intenção do autor colocar os

fatos desenrolados no romance dentro do ano de 19 56, por outro,

foi intencional fixa-los dentro do mês de setembro. H que por se-


95

caracterizar este mês pela alta freqüência de chuvas, pelo

menos no Planalto e no Oeste Catarinense, haveria de colaborar

com o autor para imprimir nessa obra o caráter de "localizada".

2 ^ ” T estemunho dos topônimos .e da palavra transcrita

Nos contos "Piã" e "Escola" não houve, por parte do

autor, recorrência a esse tipo de testemunho como forma de docu

mento. Com relação ao segundo grupo de contos - "Amigo velho",

"Cerração" e "Serragem" -, apenas em "Cerração" ocorre o regis­

tro de dois topônimos:

” (lua/Le,n.ía e, cinco cAuzeiAos a dúzia,


da EncKa.zil.ka.da ao poKto d<L ítajai”
(C, p. 2 0 ].
f

Encruzilhada, hoje Otacílio Costa, local que dista

aproximadam.ente 50 quilômetros de Lages, consistia, na, êpoca,

num ponto estratégico ao comercio da madeira. 0 madeirame era

aí estocado em extensos depositos, aguardando ou um contrato de

venda ou o bom tempo (uma vez que nas estações de chuva as es­

tradas se tornavam intransitáveis), para ser enviado ao porto

de Itajaí, objetivando a exportação. Com o surgimento das rodo­

vias asfaltadas BR-116 e BR-470, os referidos depósitos perde­

ram a sua finalidade.

Enquanto esse recurso - o de uso dos topônimos - con^

titui exceção,nos contos, no romance serã freqüência. Em São Mi

guel hã um desfilar de topônimos, dentre os quais: São Miguel

(SM, p. 9,9), Chapeco (SM, p. 193), Argentina (SM, p. 105), Cha-

pecozinho (SM, p. 92) , Uruguai (SM, p. 174) , Saudades (SM, p.58),


96

e muitos outros.
Alem de esses topónimos terem, por si s5, condições

de situar a obra num espaço definido, o autor recorre ainda ã

transcrição textual da definição que o Dicionário Enciclopédico

Brasileiro traz do rio Uruguai, a qual aparece em epígrafe do

trecho em que descreve o dia '25 de setembro, terça-feira:

" ’LIAuguaZ GiíogA.. R.io da A m é r i c a do


Sul. hlascc na S e r r a G e r a l ( B r a s i l ] ,
s e r v e , em s e u c u rso m é d i o , de f r o n ­
teira entre o Brasil e a Republica
A r g e n t i n a , e no s e u c u r s o Inferior
sepa'ra o U r u g u a i da A r g e n t i n a . J u n ­
to com 0 Rio P a r a n á , f o r m a o Rio da
Pra ta. Cu rso: 1.60 0 km; em certos
lugares sua largura^ . ultrapassa
l.O OOm. P o u c o n a v e g á v e l ' .
VICIÕMÂRJÕ EMCÍCLOPBVTCÕ BRASILEIRO"
(Sí^, p . 2 24; E p í g r a f e do d i a 25 de s e ­
tembro, terça-feira].

Tudo é feito para convencer o leitor da veracidade dos

fatos. ”
0 Uruguai do qual o autor fala, não ê um rio fruto de

sua imaginação que coincidentemente traz o mesmo nome do rio

que corta o extremo Sul do País, no sentido Leste/Oeste; mas e

o proprio.
0 mesmo ocorre com relação ao regime de chuvas. Para

imprimir um maior caráter de ''verdade” ao que relata, apresenta

em epígrafe a mesma transcrição que fizemos de Aujor Avila da

Luz sobre as determinadas épocas do ano a que o Oeste Cata­

rinense estã sujeito a cheias.


As epígrafes são de muita valia, pois que, em várias

oportunidades, prestam colaboração ao autor para que consiga o

seu intento - o de precisar um espaço ã sua obra. Observe-se e£

tes casos;
97

" ' V u A a n t e l a A g o e s p a ç o de te,mpo, de


vtd o as ca AacteA Zs t- ic as d Z f ^ c e t s do
t A a n s p o A t e , foAam muZto o.AAtseados
e p A e e a A Z o s os n e g ó c Z o s AeaZlzados
p e l o s p A o d u t o A e s de m a d e Z A a da z o n a
do At o U A u g u a Z , e n t A e g u e s ao saboA
das .impos-íções dos c o m p A a d o A e s . A
l e t n a t u A a l da o f e A t a e da pAocuAa
q u a s e não s e f a z t a s e n t l A ali, poA-
que, d i s p o n d o de p o u c a s p o s s t b l l t d a
des e c o n ô m i c a s , os p A o d u t o A e s , ao
c h e g a A e m aos p o n t o s de venda, da n^eA
c a d o A l a , S ã o Eo A j a , p A l n c l p a l m e n t e ,
jã se a c k a v a m e s g o t a d o s de m e i o s e
t i n h a m g A a v e s c o m p A o m l s s o s a sol ve A,
c o n t A a l d o s 'd u A a n t e a ^ d m o A a d a d e s c i
da, H a v i a , pois, u A g e n c l a de vendeA,
e os c o m p A a d o A e s s a b i a m d i s s o , p e l o
q u e se m o s t A a v a m a p a A e n t e m e n t e de-
s l n t e A e s s a d o s , assim foAçando os
V endedoAes a balxaAem pAogAesslva -
m e n t e s e u p A e ç o a t e um valo a quase
I a a I s ó A I o '.
A M u A R I Õ brasileiro VE ECOWOMIA FLO­
RESTAL" tSM, p. 79; EpZgAai^e do d i a
3 de s e t e m b A o , s e g u n d a - f e l A a ] .

"'y m Z e n t A a s t a n t o b a j a b a n en ma-
j e s t u o s a s ' j a n g a d a s ' , en l u g a A de
aquillas; otAas tantas vZgas Ihega-
das de co n t A a b a n d o d e s d e el B A a s Z l ,
co n u n a m a A c a q u e fal sliflcaban en
el o b A a j e h a b i l m e n t e .
iNo s a b Z a el q u e j , n e l ^ ã l t Z m o con-
t A a b a n d o el patJiÕn h a b Z a t e n Z d o an
b e n e f Z c l o i Z q u Z d o de 5.0 00 p e s o s aA
g e n t Z n o s ? iV' e n t o n c e s ? ’
A L E R E V O l/ARELA - 'El a Z o e s c u A o ”'
(SM, p. IS 3; E p Z g A a f e do d Z a 16 de
setembAo, domZngo}.

" ' E n e s a 't e n d Z d a ' a b u n d a b a n las_ m a


d e A a s co A t a d a s jj p l a n c h a d a s . P Z l a s
Znmensas tambZen junto a^la p l a y a.
P o A el P a A a n ã y el I g u a z ú descen -
d Z a n c a d a q u Z n c e n a m a j e s t u o s a s ' J a.n
gadas' con mZl y kasta tAes mZl ple
z a s , v i g a s y A o l l l z o s de v a A l a s t o ­
n e l a d a s c a d a uno. P e A o ^ p a A a el s a -
c A l f l c a d o m e n s u no h a b l a c u a t A O s i m
p i e s l l s t o n e s de dos m e t A o s de laA-^
go poA. unos cent^cmetAos de a n c h o , nl
una A u s t l c a caja que I m p e d l e A a qu e
sus h u e s o s t e A m l n a s e n de s e A pela.-
do6 ^k)o A. Ias hoAmZgas vo/iací s’.
A L T R E V Õ í'ARE LA - 'El Ai o z s c u A o ’"
(SM, p. 1S9; EpZgAafe. do d i a 17 dz
se.t(ímbn.ü, s & g u n d a - f a Z A a ) .

0 ixltlmo o b s t á c u l o a. n a v e g a ç ã o .
V a Z cm d i a n t e o c u r s o do U r u g u a i se
t o r n a l e n t o e su a v e . As m a r g e n s jã
se a p l a i n a m nas c a m p a n h a s de ambos
os l a d o s . As a g u a s c o r r e m mansas.
T a o m a n s a s que, na a l t u r a de _^Santo
I s i d o r o , e n t r e S ã o X a v i e r e São To­
me, é p r e c i s o e v i t a r o ' R e m a n s o de
S a n t a M a r i a ' , q u e faz v o l t a r ]'.4 qu l
l Ô m e t r o s ri o a c i m a com m a d e i r a s ê
em barcaçõ es (...)'.
A U J O R Ai/l LA VA LUZ - 'Os E a n ã t l c o s -
C r l m e s e A b e r r a ç õ e s da R e l i g i o s i d a ­
de dos N o s s o s C a b o c l o s ' " (SM, p. 214;
E p Z g r a f e do d i a 22 de s e t e m b r o , s á ­
bad o ).

Somos da opinião de que esses registiros de Sassi de

trechos por ele selecionados das muitas pesquisas que fez- a re^

peito da; região, têm, não so o valor de levá-lo a evidenciar um

es tar ã sua obra, mas principalmente o de dar a ele próprio a

segurança que procura, para falar da região do Oeste Catarinen­

se, Trata-se, quem sabe, de uma necessidade interior de conven-

cer~se a si mesmo, por meio do "documento", de que a sua ficção

expressa, verdadeiramente, uma realidade da qual ]não tem aquela

vivência que so um contacto quotidiano seria capaz de lhe pro­

porcionar.

Fiis porque Sassi não lançou mão desse recurso ao apa­

nhar a região dos Campos de Lages. "Conhecia-a" de sobra.

Mas 0 autor não parece ainda satisfeito em documentar

com trechos sob a forma de epígrafe. Lança mão de um recurso,

que consideramos, extremo. Enxerta, na própria narrativa, . um

trecho do jâ citado livro de Aujor Ávila da Luz. Primeiro cria

uma situação capaz de oportunizar seu intento:


99

Ach e i l Ac he i!

- A c h e i i ò t o a q u i l á no h o t e l , p a ­
dre.
A l g u m v i a j a n t e qu e e s q u e c e u . Achei
q u e i n t e r e s s a v a pro s e n h o r . \/im l h e
m o s t r a r . P a d r e H e n r i q u e p e g o u a bro
c h u r a e. l e u o t i t u l o 'OS V A N Â T J C Õ S ~
C r i m e s e A b e r r a ç o eó da R e l i g i o s i d a ­
de dos N o s s o s C a b o c l o s ’, de Aujor
A v i l a da L u z .


- Jãr^ouvi—f a l a r - n e s s e l i v r o - d i s s e
0 pa d r e . - C o n t a c o i s a s do C o n t e s t a
do .

- P oi s eu l i el e q u a s e q u e i n t e i r i -
n h o , on tem. A c h e i qu e i a i n t e r e s s a r
0 s e n h o r . F a l a t a m b é m a q u i de São
M i g u e l , do r e g i m e de v i d a d e s s e p o ­
vo. M a r q u e i as p á g i n a s . Aqui. 0 se-
n h o r l e i a " (SM, p. 169).

Depois Sassi transcreve o seguinte trecho;

"No v a l e do rio U r u g u a i e s t e t r a n s ­
p o r t e de m a d e i r a a s s u m e e n t ã o um
aspecto particular e pitoresco. As
v i g a s de ce dr o, c o r t a d a s nas matas
m a r g i n a i s dos a f l u e n t e s do rio, são
a r r a s t a d a s p o r bois, a t r a v é s de
' c a r r e i r o s ' , ato, o p o r t o ...fluvial
m a i s p r o x i m o . AÍ, d e p o i s de a s s i n a ­
l a d a s com a m a r c a do r e s p e c t i v o d o ­
no, sã o r e u n i d a s umas ãs o u t r a s . Em
c a d a e x t r e m i d a d e de u m a t o r a é f e i ­
to um o r i f i c i o p o r o n d e se m e t e um
t a r u g o qu e s e r v e de a p o i o aos c i p Ó s
'g a i m b é ’ ou aos a r a m e s q u e amarram,
u m a v i g a ã out ra. As vi ga s, ã pr o -
p o r ç ã o q u e s ao re unido^s, vão f o r m a n
do g r u p o s q u e na t e r m i n o l o g i a do ca
boclo m a d e i r e i r o tomam nomes espe~
ci ai s: os ' p e l o t õ e s ' f o r m a m os 'quar
téis ' e e s t e s f o r m a m a b a l s a ou 'r e
m o l q u e ' , em q u e se c o n t a m d e 200 a
6 00 t o r a s . A s s i m as J a n g a d a s de c e ­
dro ou t ã b u a s e p r a n c h a es de pinho
a g u a r d a m num r e m a n s o do rio, a p r i -
s i o n a d a s ãs v e z e s p o r u m a 'm a r o m b a ' -
cab o de aço f i x a d o em c a d a m a r g e m e
t o c a n d o a s u p e r f í c i e da ã g u a - , a
é p o c a das c h e i a s p a r a i n i c i a r e m a
c o r r i d a r i o - a b a i x o a t é os portos
argentinos.
100

Enta.0 , q u a n d o 0 ilAugual e n c h e e f i ­
ca 'em p o n t o de b a l i a ’, l e v a d a i p e ­
l a cofiAen-teza, c o m e ç a m a d e i c e A em
g r a n d e n u m e r o ai bali ai de m a d e i r a .
£ um dei-file m a g n Z f i c o l Em c i m a de
c a d a b a l i a S a 15 h o m e n i , munidoi
de r e m o i e v a r e j õ e i , a vão guiando
p elo m e i o do c a n a l do rio, d e i v i a n -
d o -a i doi r o c h e d o i e dai i l h o t a i ...
1-reqlientemente u m a b a l i a e n c a l h a no
c imo de u m a i l h a m a l c o b e r t a pelai
ã g u a i e o u t r a i v e ze i d z i m a n c h a - i e re
b e n t a n d o de e n c o n t r o a um e i c o l h o . . .
hieita em.barcação i u i - g e n e r i i - em
que a m a d e i r a ie t r a m p o rt a a ii
m e i m a -, com um fog ao a c e i o e r o u -
pai e i t e n d i d a i a i e c a r , a viagem
a t é Oi p o r t o i a r g e n t i n o i é f e i t a em
5 a S d i a i , num d e i c e r rio-abaixo
c o n t i n u a d o . . . Ai n o i t e i , no m e i o da
ei curid. ão , oi b a l i e i r o i , r e v e i a n d o -
ie, p e r m a n e c e m a t e n t o i e, gritando
’ohí o h .’’ a i n t e r v a l o i , procuram
não ie ieparar__dai o u t r a i b a l i a i e,
' v a q u e a n o i ’ e m e r i t o i , a ie orientar
no c a n o do r i o p e l a i d i f e r e n ç a i do
e c o ...
Ao c h e g a r e m ao ' Sa lt o G r a n d e ’, o l u
g a r m a i i p e r i g o i o p e lai a l t a i ’ mar^
tai' q u e i e f o r m a m , e n t ã o i e p r e p a ­
ram para a i ua p a a a g e m emocionante.
Oi c a b o c l o i i i l e n c i o i O i co n c e n t r a m
t o d a a a t e n ç ã o nai m a n o b r a i . V e n c i ­
do 0 p e r i g o , a _ a l e g r i a e g e r a l : t o ­
doi g r i t a m e dao v i v a i .’
V a Z em d i a n t e a v i a g e m d e c o r r e m a i i
ca lma ; a u n i c a c o i i a a e v i t a r i e n d o
oi v a r i o i r e m a m o i , em q u e ai b a l -
iã i c a i n d o c o m e ç a m u m a d a n ç a iem
f i m . ..
A ei.ta v i a g e m a c i d e n t a d a , __para dar-
l h e a n o t a a v e n t u r e i r a , nao faltam
i i q u e r oi t i r o t e i o i q u e m u i t a i ve­
zei oi b a l i e i r o i t ê m q u e iuitentar
c o n t r a Oi ’c a ç a d o rei de v i g a i ' , c o ­
mo é, co n h e c i d a c e r t a e i p ê c i e de gen­
t e de m ã fama, qu e dai m a r g e m d~õ
ri o a c o m p a n h a ai b a l i a i e i p e r a n d o o
m o m e n t o , em q u e u m a dé la i, ao ie__^e^
p a t i f a r de e n c o n t r o a a l g u m o b i t â c u
l o , ie d e f a ç a e ie d i & p e r i e , para
c o l h e r a m a d e i r a e e i c o n d ê - la, p a r a
depoii fazer a iua jangada iem^ ter
t i d o 0 t r a b a l h o de c o r t a r ai arvo­
rei. . , " (SM, p. 1 6 9 - 7 1 Ï. i
101

Para dar ao leitor uma idéia nítida da "viagem", naida

melhor do que recorrer ao testemunho de quem conhecia bem a re­

gião. Por outro lado, o trecho possui aquela clareza e objetivi­

dade com que o autor regionalista catarinense procura revestir

sua obra, Não lhe convinha, pois, seccionar o texto e retirar d-£

le apenas uma ou duas epígrafes .

E, retomando a problemática das epígrafes, podemos,

ainda, fazer outras considerações. São em numero de 41, abrindo

as 30 secções marcadas pela passagem dos dias. Além dos textos,

de carater historico-geogrãfico por. nós relacionados anteriormen

te, aparecem, e de modo indistinto, transcrições: i

- de textos religiosos extraídos da Bíblia, do Cateci£

mo, e alguns de caráter popular (S.M, p. 128, 141, 162);

“ Almanaqvie do pensamento (SM, p. 79, 194);

da oralidade popular estrangeira (SM, p. 162, 205);

' - de livros de caráter sociológico (SM, p. 67’, 118);

- do livro de ficção A ilha do tesouro (SM, p, 103);

~ ° Pequeno dicionário brasileiro da, língua portugue


j
s a , e de um outro dicionário (SM, p. 67, 210);

- da oralidade popular e que, segundo ele, foram ex-


1
traídos do pára-choque de um caminhão; de uma placa de botecoi, de

uma velha canção, ou mesmo da fala de süas personagens (SM, p.

91, 111, 118, 150, 174, 194, 243, 252);

- extraídos do enredo do seu próprio romance (SM, p.

57, 128, 133, 150, 169, 179, 192, 217, 220, 231, 236).

Esse recurso de interpor ãs epígrafes dignas de crédi­

to, situações extraídas no dia a dia de suas personagens, contri.

bui sobremaneira para que o leitor dê crédito a estória que nar­

ra .
10 2

Por outro lado, o autor sabe que a sua narrativa não

pode fugir ao carater de ficção. Daí porque, apesar de todas as

provas que dã, de que se trata de uma região situada no Oeste

Catarinense, através, inclusive, do uso de nomes de rios, cida­

des e vilas situadas nessa ãrea do nosso Estado catarinense, ser

impossível ao leitor identificar comprecisão o local onde se de­

senrola a ação.

Por mais que o leitor se esforce por identificar no

mapa geográfico, a hipotética vila de São Miguel, não o consegu_i

rá. 0 autor responsabiliza a personagem professora dona Hilda pe

la deformação do posicionamento geográfico de São Miguel:

"U ma e s p í c i e d& i l h a (...); T o d o s os


l i m i i t s tra m c o m p o s t o s ^ p o r h.ios'- ã
I c s t c 0 ri o U r u g u a i ; l ã cm cima, o
Saudades & õ Tormentas tinham uma
nascente, co mu m, e de p o i s b i f u r c a v a m -
s e - 0 primei.ro, c o n t i n u a n d o s u a m a r
' ch a a t é des embo car no U r u g u a i , f o r m a
va 0 l i m i t e norte; o T o r m e n t a s , d e s ­
cendo e t o r n a n d o - s e , mais tarde, a-
f l u e n t e do C h a p e c o z i n h o , f a z i a a
fro n t e i r a do oeste; o s u l e r a m a r c a ­
do p e l o p r ó p r i o C h a p e c o z i n h o , que,
d e p o i s de r e c e b e r o T o r m e n t a s , p a s s a
va a. s e r d e l i m i t a ç ã o do distrito^,
e ia, p o r s u a vez, d e s a g u a r também
no U r u q u a i , p e r t o da vi-la" (SM, p.
5S, 59).

Essa . delimitação da vila de São Miguel que Nando lem

bra ter aprendido com a professora

no seguinte:

Norte - rio Saudades

Sul rio Chapecozinho

Leste ” rio Uruguai

Oeste - rio Tormentas

Observando- se 0 mapa da
10 3

se (pãgina seguinte), conclui-se que esse local não existe.

Pelo nome da vila, "São Miguel da Costa do Uruguai"

(SM, p. 140), ã primeira vista o leitor ë levado a situar o espa

ço físico onde se desenrola a ação, no município de São Miguel

d'Oeste. No entanto, não hã uma correspondência entre a hidrogra

fia local e a existente nessa vila da ficção de Sassi.

A segunda tendência, e a mais provavelmente __correta,

é a de situar São Miguel da Costa do Uruguai no município de Pal.

mitos, por três razões:

- por ser o Município quase que totalmente delimitado

por rios;

- por- haver correspondência entre três dos quatro rios

citados como delimitadores da ãrea: o Saudades, o Chapecozinho e

o Uruguai, embora não haja correspondência entre a posição real

que ocupam e a descrita no livro;

' - porque o autor teria mantido ligações com esse Muni-

cípio, uma vez que sua mãe lã residia.

0 conhecimento da situação geográfica correta desses

rios, não poderia, certamente, ser ignorada pelo pesquisador in­

cansável em que Sassi se revelou. Logo, sua atitude foi intenci£

nal e consciente. Não quis, simplesmente, dar a conhecer ao lei­

tor a exatidão geográfica do espaço fisicoque o teria levado a

criar sua obra. Se muito valorizou o realismo, não permitiu con­

tudo, que esse realismo destruísse o caráter de ficção que seu

romance deveria encerrar, E ë por isso que na introdução ã obra

São Miguel sob o título "Apresentação de Guido Wilmar Sassi",

Paulo Ronai faz a seguinte observação:


104
105

" A v e s s o ao i m p r e s s i o n i s m o e ã i m p r o ­
v i s a ç ã o , 0 e s c r i t o r p r o c e d e com a
g r a v i d a d e e o m é t o d o de q u e m busca
r e p r o d u z i r , com t o d a a f i d e l i d a d e ca
b Z v e l dentro' de u m a o b r a de ficção,
um 'setor da 'nossa r e a l i d a d e " (SM,
p. Í3). : ,

Precisar com exatidão científica o local onde se desen

rola a ação, no caso deste romance, seria ;impedir o gênio cria-


I ■

dor de Sassi de enfatizar a importância da ãgua na vida do homem

do Oeste. Através dessa deformação se torna possível ao autor

fundir um topônimo - São Miguel - capaz de lembrar a ocorrência

de enchentes, a um espaço físico - geográfico característico por

sua riqueza hidrográfica - município de Palmitos.

Trata-se pois de uma exigência imposta pela arte e não,

a nosso ver, resultante da falta de conhecimento geográfico, por

parte do escritor.

'Disso resulta ser o seu livro, no dizer de Paulo Ronai

no mesmo’prefacio de que jã falamos, "a um tempo, obra de arte e

valioso documento” .
10 6

3. A LINGUAGEM

Todo o escritor regionalista, em maior ou menor inten­

sidade, aproveita-se da linguagem própria da região que focaliza,

como um recurso capaz de individualizar um espaço físico para a

sua obra.

... . Num^exame de textos de -alguns— escritores-regionais che­

gamos ã conclusão de que dois são, principalmente, os tipos de

tentativa a que recorrem para alcançar o seu intento: a explora­

ção do diãlogo como meio capaz de espelhar uma realidade lingUí^

tica, e a solicitação, na obra, de vocábulos que contenham sign_i

ficações de objetos, seres e fatos específicos da região em evi­

dência, dentro ou fora do diãlogo.

Analisemos separadamente cada um dos casos.

3.1. 0 'diãlogo

Foi muito comum entre os escritores regionalistas bra­

sileiros da virada do sêculo, marcar, no diãlogo de suas obras ,

o contraste entre o tipo humano da cidade e o do interior, atra­

vés de uma representação grãfica das deformações, principalmente

fonéticas, freqtlentes no mundo rural, mas nem sempre exclusivas

dele.

Observe-se, por exemplo, o trecho que se segue, extra^

do de "Quero-Quero", de Roque Callage:

" ' - Q ^ u a £ poAQUZòòo, quat nada! . . . poA


guzóóo é. 0 fuzòptlto píla^ col&a^ que.
jã e.nc.0 ntA.amo6 anóZm... 0 maZò 2 bo- .
bage pA'a m ode en gabela o pAÕx-imo. . . '
107

'E-iSd t e m a i n v a r i á v e l na p r o s a dos
f o g õ e s era, e n t r e t a n t o , um s i n t o m a ,
a l i á s e x p r e s s i v o , de que a l g o e s t r a ­
nho m i r a v a a e x i s t e n c i a c a m p o n e s a da
g l e b a h e r ó i c a , a b e i r a d a na c o n t e m p l a
ção do p a s s a d o ' " 38.

0 efeito contrastante entre a linguagem da personagem

e a do narrador ë percebido pelo leitor.

Estudiosos e críticos se manifestam a respeito de fen_ô

meno, e, dentre eles,o que mais parece ter levado a serio o pro­

blema ë Aurëlio Buarque de Hollanda que, em "Introdução" feita a

Contos gauchescos e a Lendas do s ul, de Simões Lopes Neto, faz

as seguintes considerações:

"0 c o m u m e n t r e e s c r i t o r e s r e g i o n a l i s
tas é p o r t a r e m - s e a n t e o h o m e m do po
vo como um e s p e c t a d o r fino e sutiT.
qu e se d e l i c i a com as 'to l i c e s ' do
l i n g u a j a r errado, capri c h a n d o ele o
m á x i m o na s u a l i n g u a g e m — com o p a r a
; g u a r d a r d i s t â n c i a . Ele o b s e r v a o p i ­
t o r e s c o , l á da p l a t é i a ; : mas longe
de q u e r e r p a r a s i m e s m o a l g u m a c o i s a
d a q u e l e p i t o r e s c o ; n a d a de co n f u n d i r
- s e com 0 a t o r (...).
E s t r o p i a m s e m dõ nem p i e d a d e os v o c á
bu l o s no f a l a r c a i p i r a , a pretexto
de c a r a c t e r i z á - l o bem nitidamente;
guindam-s e a valer , capricham ã l a r ­
g a na c o r r e ç ã o s i n t á t i c a , no r e t o r c i
do da fr as e, q u a n d o estao co m a p a l a
vra" 39.

E a partir do estudo de um trecho da obra de Coelho Ne^

to, 0 mesmo crítico, mostra a incoerência do autor em notar fone_

ticamente a fala popular (estilo direto) e registrar, segundo as

normas ortográficas cultas a narração (estilo indireto). Entende

que, na realidade, a maior parte dos vocábulos utilizados pela

gente do interior são iguais, foneticamente, aos utilizados pe­

las pessoas da cidade, na hora do dialogo.


108

Agenor Silveira em "Carta Prefácio" de Os caboclos, de

Valdomiro Silveira, observa que a linguagem da referida obra ten

ta "reproduzir o mais fielmente possível os vícios e modismos

que afetaram a língua-mãe numa zona cuja extensão abrangera pas­

sante de duzentos mil quilômetros quadrados (metade de São Paulo,


40
sul de Minas, trechos do Paranã e parte do Rio de Janeiro)"

Por sua vez, Aurélio Buarque de Hollanda, entre outras

ponderações, critica Valdomiro Silveira, entendendo que este es­

critor, enquanto narrador, se excede em preocupação erudita do

que decorre "um bem-feito excessivo, um aparato de estilo que

logo ã primeira vista-se acusa, em flagrante desacordo com a fa-


" • 1.41
la relativamente simples dos seus herois"
Mesmo um escritor do porte de Afonso Arinos de Melo

Franco, o fenômeno tem lugar, ainda que em mínima escala, e en­

contra ressonância na crítica. Ao analisar a linguagem de um tr_e

cho de "Joaquim Mironga", Aurélio Buarque de Hollanda conclui;

" k l t í m o Á a f a l a do n 0 ó 60 h o m m do
c a m p o a d m Z A a v ílmínte. f i x a d a — to­
d a v i a não hã u m a d&tuApaç-ão g/iãflca,
nem òzqucn, ò l n t ã t l c a . (...) ?or. Ojx -
tn .0 lado, q u a n d o k r l n o h f a l a p o A [con
t a pA-opAla, t i r a í x c t l z n t z ífílto' da
f uò ã o da l l n g u a g z m c u l t a com
tom popular, 6alvo quando Izmbra
m u l t o que, e a u t o r b r i l h a de. m a l é ,
como em alg um aó pãglna-i do 6 eu | no
e n t a n t o a d m i r á v e l 'k^òombràmento''42 .

Como se vê, houve um decréscimo na intensidade, porem,

não uma exclusão do fenômeno.


Nos livros; No Pago, de Clemenciano Barnasque; Quero-

quero, de Roque Callage; Querência, de Vieira Pires; Pampa, de

João Maya; No Galpão, de Darcy Azambuja; Tapera, de Alcides Maya

e Alma barbara, de Alcides Maya, esse distanciamento entre a lin


109

guagem da personagem e a do autor ê igualmente verificável.

Lígia C. Moraes Leite, em seu livro Regionalismo e Mo­

dernismo estuda a serie de obras supra citadas e mais: Contos

gaúches C O S e Casos de Romualdo, ambos de João Simões Lopes Neto.

Ao fazer considerações a respeito dessa tendência ã linguagem dual,

por parte dos escritores, a autora comenta;

"0 fo.n5me.no ja foZ o bs t A v a d o em ou-


t Aa s o b r a s do Re,gZo n a t i s m o B r a s i l e i ­
r o . P a r e c e t r a t a r - s e de u m a n o r m a ge
n e r a l t z a d a da L i t e r a t u r a R e g l o n a l l s -
t a ã q u a l os g a ú c h o s nao fo gem , com
uma exceção que todos apontam: Si­
m õ e s L o pe s M e t o " 43.

E que em Simões Lopes Neto o discurso é conduzido pela

personagem Blau Nunes, numa fusão da linguagem culta com a popu­

lar, do que surge uma fala regional estilizada, fenômeno que ê

colocado', por Antônio Cindido nos seguintes termos:

"C om a u t i l i z a ç ã o do n a r r a d o r f i c t í ­
cio f i c a e v i t a d a a s i t u a ç ã o de d u a l l
dade, p o r q u e não hã dif e re nç a_ ^de cu Z
tura entre quem narra e quem e o b j e ­
to da n a r r a t i v a . No e n t a n t o , aZ e s t ã
um r i t m o d i f e r e n t e , est ã o c e r t o s v o ­
cábulos reveladores e ligeiras defor
m a ç o e s p r o s õ d l c a s c o n s t r u i n d o u m a fa
l a g a ú c h a e s t i l i z a d a e ^co n v l n c e n t e
mas ao m e s m o t e m p o l i t e r á r i a , e s t e t l
c amente válida. Para o seu narrador,
Bla.u N u n e s , o a u t o r t i n h a do is e x t r e
mos p o s s Z v e i s : ou d e f o r m a r as pala­
vr as e g r a f a r t o d a a n a r r a t i v a s e g u n
do a f a l s a c o n v e n ç ã o f o n é t i c a usudZ
em n o s s o r e g i o n a l i s m o , de q u e vim o s
um e x e m p l o em C o e l h o Neto; ou a d o t a r
um e s t i l o c a s t i ç o r e g i s t r a d o s e g u n d o
as c o n v e n ç o e s da n o r m a c ul ta. S l m o e s
Lopes N e t o r e j e i t o u t o t a l m e n t e o p r l
melro e a d a p t o u s a b i a m e n t e o segundo,
c o n s e g u i n d o um n Z v e l m u l t o e f i c i e n t e
de e s t l l l z a ç ã o " 44.

Também a opinião de Aurélio Buarque de Hollanda, sobre


110

a obra de Simoes Lopes Neto, entra em perfeita consonância com

as idéias da transcrição acima:

" S u a pfioòa reaZ-iza o m a Z é f e t Z z doò


compAoml-ò6 o-i entre, o ã - v o n t a d e da fa
la do h o m e m do c a m p o e a m e l h o r ma-
n e t r a I t t e r ã r t a " 45.

_ E__num estudo exaustivo da-linguagem dos-Contos gaúches

cos e Lendas do Sul, sobre os mais variados aspectos, Aurélio

procura, além de explicã-la ã luz da própria língua, chamar a

atenção para a beleza e originalidade com que se reveste.

Guido Wilmar Sassi conhecia e admirava a obra de Si­

mões Lopes Neto, e em varias circunstâncias nos fez referência

ao fato. Conhecia, igualmente, o estudo crítico de Aurélio. Afir

ma-nos por carta;

■. 0 r e g i o n a l i s m o de Sl-
'' m o e ò Lopei M e t o q u e eu q u e r i a fazer.
0 q u e m e I n f l u e n c i o u mesmo,., o que
m u l t o de bom m e e n s i n o u fo i o e s t u d o
I n t r o d u t d r l o que Kurello B u a r q u e de
H o l l a n d a F e r r e i r a fez p a r a a edição
c a p r i c h a d a de " C o n t o s G a u c h e s c o s e
L e n d a s do S u l" . Is so nos I d o s de
19 49 150, p e l a al" 46.

Ora, Sassi não so teve conhecimento da manifestação

crítica de Aurélio Buarque de Hollanda, como ainda tencionou se­

guir-lhe a orientação. Daí porque, no intento de regionalizar

"Piâ" e "Escola" - contos inseridos no seu livro de estréia

sem cair nessa falha da dupla linguagem, tenha quem sabe' quase

que suprimido o diãlogo deles. No conto "Piã" em apenas duas cir

cunstâncias é evidenciada a fala de personagem. Trata-se certa -

mente da fala de dona Dorotéia, esposa do fazendeiro, dirigida

ao menino;
111

''-Wão__uã perdzA., h&ln! S ã o c i n q ü e n t a


m l l -fielò, o a v l u ? C l n q U e n t a í Guarde
bem. \Ja d e p r e s s a ,’ hiada de f i c a r b r l n
c a n d o peto c a m i n h o . São q u a t r o me­
t r o s de brim, duas d ã z l a s de botões
de c e r o u t a , e m a i s um c a r r e t e i de I I
nh a b r a n c a . P e ç a a n o t a prÔ d o n o da
venda e traga o ,troco, d l r e l t l n h o .
V e j a lã, heln! N a d a de p e r d e r o dl ^
n h e l r o , a e n c o m e n d a ou o tr o c o . Va
ligeiro {?, p. 7- Sj .

Um pouco adiante, e provavelmente mais por uma questão

de estilo do que de fixação de uma fala:

”S e a l g u é m p r e c i s a d i s t o ou d a q u i l o ,
c o l s l n h a futll, n i n h a r i a , ou mesmo
a l g o m a i s I m p o r t a n t e , l ã vem o a l v l -
tre:
- P i ã vai... Pi ã f a z . . . ” (P, p. 8].

No conto "Escola" o diãlogo aparece escassamente - duas

oportunidades - e de modo indireto.

A timidez com que o diãlogo surge nesses contos ê redu

zida em "Amigo velho", "Cerração" e "Serragem" e desaparece no

romance São Miguel. Aí o diãlogo tem plenamente lugar, e de modo

muito seguro. . '

Em qualquer das circunstâncias em que esse diãlogo ise

registra ê possível notar-se que a fala das personagens foge,por

exemplo, àquelas aberrações que marcaram a grafia da fala caipi-


47
ra na obra de Coelho Neto . :'
, j

Não se enquadra, também, dentro daquela linguagem depu

rada, estilo clássico, tão exaltada ate bem pouco tempo, pelos

tradicionais defensores do gramatiquismo. 0 autor catarinense,

a exemplo de outros escritores modernistas nacionais, a seu mo­

do, e através do diãlogo, vai agredindo estruturas e padrões lin

gUlsticos convencionalizados, em favor de uma língua mais proxi-


112

ma da realidade lingüística brasileira. Não £oi em vão a luta

dos modernistas. Não £oi inútil que Mãrio de Andrade chegou a sa

crificar conscientemente os seus meios de expressão, em favor de

preservação da linguagem nacional; "ë preciso dar coragem a essa


~ 48
gentinha que ainda nao tem coragem de escrever brasileiro" , d^

zia ele. E a nosso ver, os "erros" a que as personagens de Sassi

incorrem, não têm outro objetivo a não ser o de defender a auten

ticidade do nosso idioma, de legitimar uma existência nacional.

Assim, a forma "pro" resultante da aglutinação da preposição com

o artigo, que aparece no diãlogo do primeiro conto, ë geralmente

usada, no Brasil, na fala das varias classes sociais. A supres -

são do "r" final nas formas verbais "quê" e "fazê", que aparece

no diãlogo do conto "Escola" (E, p. 94), ë um fenômeno igualmen­

te comum, no Brasil. Segundo Aurélio Buarque de Hollanda, essas

proprias grafias "não configuram particularmente a prosodia matu

ta, nem sequer popular, mas a de grande parte das pessoas cultas

de muitas regiões do Nordeste — pelo menos — com exceção das


- 49
mais caprichosas na dicção" ' .

É muito comum, ainda, no diãlogo sassiano;

- "erros" de concordância, em que um pronome da s

da pessoa do singular e seguido de um verbo na terceira:

"-Seja bestai Quando tu chegou eu jã tava qui" (SM, p.

61) .

"-Tu conhecia o meu filho?" (SM, p. 118).

"Tu passe um p5-de-arroz na cara, pra esconder essa

'mascara'" (SM, p. 177).

"-Tu vai me chamar o Jango Tigre" (SM, p. 182).

"-(...) Tu vai me fazer o serviço direito?" (SM, p.186).-


113

’’-Bobo é tu. Não ve que ë relâmpago?" (SM, p. 252)

e que, a bem da verdade, diga-se ser uma concordância utilizada,

quem sabe, por mais de cem milhões de brasileiros;

~ proclise, em verbos iniciais de frases;

"-Me desculpe seu Almiro" (AV, p. 14)

"-Me tirou dum sono bom, bandido" (C, p. 19)

"~Me largue!" (SM, p. 9 5)

"-Me conte tudo, ouviu?" (SM, p. 96)

"-Me conte o que ë que houve, criaturaI" (SM, p. 96)

"--Lhe mostro o lugar, mãe" (SM, p. 143)

'.'-(...) Me digam onde é que estava o dinheiro?" (SM,

p. 151)

"--Me disseram que ele tava amigado, por aí" CSM, p.209)

. "“Me dã uin cigarro, seu Minguta?" (SM, p. 213)

colocação esta,’ comum aos brasileiros, de Norte a Sul do País;

-• redução aferetica do verbo estar;

"(...1 Eu ê que'.não tou pra me incomodar e sõ ter pre­

juízo" (C, p. 20)

"-Jã tã ficando quente aqui" (S, p. 57)

"-Tava boa a comida, seu João" (S, p. 58)

"-Tã bem, tã bem" (SM, p. 36).

"-Então vou eu. Prontol Ta acabado" (SM, p. 81).

"~Tã certo" (SM, p. 187)

fenômeno que segundo Aurëlio Buarque de Hollanda, ë comum, "na

linguagens culta descuidada"

Aquilo que., dentro do bom senso, poderia ser considera


114

do erro por destoar da linguageTTi ^tida como medianamente culta ,

s5 apar ece quando o autor quer tirar dele um efeito estilístico. E o

caso da expressão "veia de merda” (E, p. 94) em que o substantji

vo é assim grafado, objetivando expressar um estado de espírito

da personagem. Esse ti|)o de ocorrência ê muito rara.

Não pretendemos comprovar nossas afirmações através

de dados estatísticos rigorosos, uma vez que nos damos por sa

tisfeitos em constatar que se a representação grãfica de defor

mações fonéticas, no diãlogo, constitui um recurso capaz de co

laborar cora o autor na caracterização de um espaço físico ã

obra, essas deformações na narrativa sassiana não revelam tal

intenção.

3 •2-. 0 Vocãbulãrio

E freqüente em Sassi a recorrência ao vocabulário cir

culante na região, de modo especial àquele que de certa forma ê

específico a ela, por expressar objetos, seres ou fatos que lhes

são proprios. E esses vocãbulos sao solicitados, indistintamente^

na fala da personagem ou no texto narrado, na linguagem comum

ou na trabalhada- cora im.agens ou figuras.

Assim nos contos ”Piã" e ’Escola" aparecem vocábulos

como; meco, relhaços, coices, catre, escarranchados, bicharã,

piâ, cascos, cavalos, vacas, criações, fazendas, terreiro, pino

tes, rezes, porteira, trote, apeava-se, ordenha, encilhar, tarijn


115

ba, pelegos , guascaço, chicote, guapo, peões, bombachas , pingo;

e expressões como: cria da casa, ração magra, mulas xucras, tran

co lerdo, besta de carga, eleitor de cabresto e outras mais, que

são capazes de expressar uma realidade vinculada ã tradicional

vida da fazenda, nos Campos de Lages.

Nos contos "Amigo velho", "Cerração" e "Serragem", o

autor trabalha com um vocabulário híbrido, isto e, recorre opos-

tamente tanto a vocábulos prõprios da vida rural, quanto aos

da vida moderna e civilizada para expressar a evolução de uma v_i

da interiorana. Daí o aparecimento de vocábulos nela implantados

junto com o elemento da terra, como: pinheiro, tronco, machado,

toco, cavacos, junta de bois, carroça, pinhas, pinhões, maita­

cas, gralhas, rincão, etc.; e vocábulos nela implantados junto

com o elemento da evolução: a serraria dos quais são exemplos:

serra;ria oficina, benef iciamento, fábrica, mãquina, caminhão, bu

zina, velocidade, etc.

No livro São Miguel sao bons exemplos de vocábulos tí­

picos do Oeste Catarinense: balsas, remolques, maromba, reman­

sos, canaleta, e expressões como: sair da caixa (o rio), ou dar

ponto de balsa (o rio}., ou ainda, a expressão de cumprimento

"buenas", adquirida por influencia do País vizinho.

0 que vai nos interessar, particularmente, e por mot^

vos obvios , e o uso que o axator faz desses vocábulos nas constru

ções estilísticas.

Como todo 0 léxico específico de determinado local con

centra em si força capaz de caracterizar esse local e não outro,

era de se esperar que Sassi, ao enfocar cada uma das regiões,ti­

vesse ajustado a cada lama delas os vocábulos que lhes são ineren

tes.
116

Partindo do princípio de que a integração do homem se

efetiva, na região dos Campos de Lages no setor pecuarista - com

o elemento animal; no setor madeireiro - indiferentemente com o

elemento flora ou com o elemento maquina, e na Região do Oeste

Catarinense, de preferencia com o rio, diríamos que são , regio­

nais os vocãbulos capazes de expressar essa integração, quando

usados em recursos estilísticos para enfocar o meio onde essa in

tegração se processa. Se os referidos vocãbulos expressivos de

uma realidade forem utilizados para expressar uma outra (realida

de) que lhes seja estranha, serão por nos considerados vocãbulos

’'desregionalizantes", porque, neste caso, são desprovidos de for

ça caracterizadora de um es tar.

Na obra de Sassi registram-se os dois casos;

Observe-se:

”0 coração deu um pinote louco" (P, p. 9).

Nesse exemplo há um zoomorfismo. 0 autor.empresta ao

sujeito "coração" um tributo de animal. Pinotear (saltar escoice

ando) ê uma atitude própria de um cavalo xucro: fenômeno típico

da região dos Campos de Lages, mais particularmente do setor que

se volta para a economia pecuarista, que ê exatamente o focaliza

do no texto de onde foi extraído.

Sobre essa mesma região, nos romances de enfoque do se

tor voltado- para a economia madeireira;surgem construções ali -


■ i

cerçadas em vocãbulos que estão, de alguma forma ligados ã ativj-

dade que ela determina:

" A l é m d l & ò o , co mo um p i n h ã o de.ma6.ia-


do que.nte, cujo ca lo A. a b o c a não 6u-
po K t a , como u m a c o l 6 a que. não podia
6e.x t r a g a d a e. pH.e.cl6a\ja 6e.r c u s p i d a ,
{)lcou-lhe. nos o u v l d o 6 , a 6oaft com l n
117

slòtt¥ic.la , a. c a A n Z n h a : '{...)
k t l pa/!.ecem p o r c o s ' " (Al/, p. 14).

Não hâ, aqui, apenas \ama solicitação do vocábulo regio

nal "pinhão” para a construção de uma figura, mas ainda, um para

leio entre uma experiência da gente da terra e uma experiência do

ser h'umano, em geral.


Também, ao apreender a região do Oeste Catarinense, o

autor descobre nele termos e expressões típicas, com as quais

tenta reforçar a localização das ações do romance:

Esse, U r u g u a i , s t u M i n g u t a , c qu e
nem a v i d a da g e n t e : c o r r e d e i r a e r ^
m a n s o , r e m a n s o e c o r r e d e i r a '. J^g ora,
com e s s a a l t ã de~^ n c h e n i e T nos caZ-
mos nu m r e m a n s o . Me m p r a f r e n t e e
nem p r á t r a s [T..)" (SM, p. 216).

0 regionalismo aí se evidencia tanto no elemento ao

qual a vdda do homem ê paralelizada — o rio — como também com

relação ao emprego dos vocábulos regionais "remanso", "corre­

deira" e "enchente".
Assim sendo, os três ebcemplos expressos contêm, em si,

força caracterizadora de um estar.

Nos contos, em geral, as construções estilísticas se

alicerçam em vocãbulos ligados aos trabalhos executados nas res-


~ -r O ^’
pectivas regiões que focalizam I
Com relação aos contos "Piã" e "Escola” consideremos e^

tes exemplos : ■

"^ c a s a , cão se m d o n o (....).


I V e 'permeio com os e n s i n a m e n t o s e a
r a ç ã o m a g r a , r e c e b e t a m b é m os desa^o_
ros, as~~Zm p e r t l n ê n e l a s , os tabefes,
-^-e-lhaços, os e s t r e p e s , os coZces
de rnüjM^í^ãlcras , as p a t a d a s das ' va~
'cas'~'bravas T. ..1" (P, p- 7 ) .
118

”F l ã não sífiã z l e l t o r de cabresto,


não s e r ã a g r e g a d o , nao v i v e r a d e ~ J ã -
v o r e s em terraJ ã l k e l a , ninguém manda
r ã ne-íe, n i n g u é m " (E, p. 96).

Neste último exemplo, o autor transfere para a -obra

uma figura de criação popular "eleitor de cabresto". Sendo ca­

bresto uma peça que se coloca no focinho do animal, para guiã-lo,

e por analogia estendido ã pessoa que se deixa dominar ideologi­

camente por um líder político.

Muitas das figuras e imagens criadas pelo autor nos

contos que enfocam a atividade madeireira, nos Campos de Lages,

contêm, em si vocãbulos ligados a essa realidade, sugerindo a a^

sociação do homem ã flora ou à mãquina:

"0 pi nh ei ro p o d i a s e r c o n s l d e r a d o um
membTu) ãa s u a famZZla, um amigo ve­
lho e qu er id o que d e i x a v a de exis­
t i r ” [Al/, p. 12).
• f •

”S e u s pens a m e n t o s p a r e c e q u e s i n c r o ­
n i z a v a m com 0 p u l s a r do m o t o r , Os
p l s t õ e s S u b i a m , s u b i a m , e t a m b é m , com
eles, as e s p e r a n ç a s a f l o r a v a m , q u e ­
r i a m s e t o r n a r vida: o c a r r o pago,
t o d l n h o de seu, u m a s i t u a ç ã o m a i s fa
vorãvel, estabilizada, sem t r a n s t o r ­
nos- V e p o l s os é m b o l o s d e s c i a m , e as
es'peranças eram r e c a l c a d a s , Ia, !bem
p a r a baixo, qu e a r e a l i d a d e e r a d u r a
e não d a v a m a r g e m p a r a s o n h o s ”{C, p.
23).

' ' ( . , . , ) f icou com 0 cheiro da m a d e i r a


v er de I m p r e g n a d o nas r o up as e na p e ­
le, e a falta de jeito ^ a r a t r a b a
l h a r com o u t r a coisa, la dentro, no
I n t i m o ” [ C , p. 2 2).

" ^ ^ e r r a r i a l h e r o u b a r a os filhos
m a i o r e s , os quais, e n g o d a d o s pelo
g a n h o m a i s bem r e m u n e r a d o , h a v i a m de
s e r t a d o a r o c i n h a do pal. [. . .) Q^uan
do m a i s novo, com fo r ç a s a i n d a para
t r a b a l h a r , t a m b é m se a l i a r a ao m o n s ­
tro , e s c r a v i z a n d o - s e a e l e ” [Al/, p.
13).
119

Observe-se que os elementos caminhão e serraria, pro­

prios do meio civilizado, por natureza vazios de força regional_i

zadora, adquirem, na obra de Sassi em vãrias circunstâncias, a

capacidade de auxiliar o autor a caracterizar o estado de espír^

to de uma gente que vive a problemática da implantação, no meio

onde vive, desses elementos que lhe são estranhos.

Alem do surgimento de vocãbulos ligados ã flora ou ã

mãquina, e muito freqtlente nesses contos a ocorrência de vocãbu­

los ligados ã natureza animal:

" P A o c Õ p l o p e n s a v a , r e m o endo os seu s


p r o b l e m a s " [E, p. 23).

"(...) J o ã o R a i z e r s o l t o u um berro
qu e s u p l a n t o u o b a r u l h o das m a q u i n a s , j

0 b a t e r das t ã b u a s e o v o z e r l o dos
h o m e n s ” [ S , p. 59, 60).

" Es c o l c e l a e b a t e em q u e m t e n t a apro_
x l m a r - s e d e l e ” (S, p. 60) .

”Mas as p a l a v r a s , a c h a d a s com d l f l ^ ~
c u l d a d e , se e m p e r r a m a t r a s dos lã-
blos , s e m c o n s e g u i r a t r a v é s s ã - l o s "
(5, p. 5 7),.

"E a v a n ç a r a m - l h e t a m b é m n a casca,' ar
r a n ç a n d o - a os p e d a ç o s a t é q u e o d e i ­
x a r a m l l m p l n h o , d e s n u d o ” [Al/, p. J 1

Como a luta com a madeira e a mãquina representa o as­

pecto focalizado nos contos em estudo, a presença desses vocãbu­

los ligados ao elemento "animal" comprovam que existe uma força

"inconsciente" da pecxjãria sobre a industria a qual se reflete

no "fazer" literãrio.

No romance São Miguel a participação de vocãbulos de

circulação local surge, igualmente, nas criações estilísticas:


120

" T u d o szrla. m e l h o r , d a l i p o r d i a n t e ;
t u d o m a i s {^ãell, e a v i d a nao seria
e a r q a tã o p e s a d a " (SM, p. 54).

A expressão "carga pesada" pode ser associada a balsa

que ê uma carga, constituída de atê seiscentas toras amarradas

umas ãs outras, enviada pelo Uruguai ã Argentina.

Fazem ainda lembrar.,a,_região .do-Oes te Catarinense , cor^

truções como:

"E a c h u v a de t a p o n a s co n t i n u o u caln
do" i J W 7 ~ p . 172] .

''(...) m e r g u l h a n d o de n o v o nos seus


p r o b l e m a s (...)" TSM, p. 199].

"E e s p e r a v a o p i n g a r das h o r a s (...)"


(SM, p. 17S].

" V o r l v a l p e s c a v a as t o r a s , com um
gancho...'" [SM, p. 92].

''(...) d e s t r o ç a n d o - l h e as e s p e r a n ç a s "
(SM, p . ~ T Õ T T . ~

"E a m ã e c o n s e g u i r a e v i t a r o n a u ^ r ã -
g l o t o t a l " (SM, p. 12 3),.

Ao lado desse tipo de construções existe, e com muita

freqüência, outro que se alicerça sobre vocãbulos do "metiér" p£

cuarista lageano:

" V o l com o s e l h e d e s s e m um c o i c e no
p e i t o " (SM, p. 13 8].

"hlunca e s p e r e i (...) v e r um ^ l l h o en
rablchado por uma china (SÍÍ7
p. U l ] .

"Conceição d o m a r a - o " [SM, p. 77).;

"0 s e u E l p Z d l o , c r i a da t e r r a , não
p a s s a v a de um j o g u e t e " [SM,~p. 90].
121

An-ita s e m p A í m o s t r a v a arts
ça (...)'' (5M, p. 99) .

''V& novo el a m o l h o u os pís da Ima­


gem, t r ê m u l a , o c o r a ç a o e s p t n o t e a n d o
de a s s u s t a d o " (SM, p. 113).

"Leonor abrtu a janela e berrou para


a n o t t e " (SM, p. 227).

- -- - - . " E r a t m p o s s Z v e l a l g u é m -e sc a p a r com
vtda, d e p o t s de h a v e r r e c e b i d o os
c o i c e s dos t r o n c o s no c o rpo e t o d o o
p e s o W e l e s p o r cim a " (SM, p. 19 5) .

Desse modo ê possível se notar que a visão que o autor

tem do homem do Oeste não se divorcia da sua formação e vivência

de homiem do Planalto. E dizendo melhor, não s5 do homem, mas de

todo universo oestino, como se pode perceber, por exemplo, na

forma através da qual caracteriza o rio:

,, ’'-(...) E 0 U r u g u a i aos c o r c o v o s , que


, ne m c a v a l o x u c r o , q u e r e n d o J o g a r Tlõ ^
m e n s e m a d e i r a p r a l o n g e de sl, ou
e n t a o e n g o l i - l o s de u m a vez" (SM, p.
10 3).

"?or longo tempo o rio ficou raivoso,


m o r d e n d o as m a r g e n s í . . .)" (SM, p.
'tt3t: ^

"0 l e i t o do U r u g u a i e s t a v a coalhado
de b a l s a s (...)" (SM, p. 60}..

Dada ã freqüência com que o autor recorre, nas obras

em estudo, a vocãbulos que, dentro de um critério,. convenciona,

mos chamar regionais ou "desregionalizados", somos levados a a-

firmar que somente nos contos Sassi consegue explorar convenien­

temente o léxico específico da região que focaliza, e mais espe­

cificamente, nos contos que abarcam Lages pecuarista.

E justificável, no entanto, a redução de um léxico re-

gionalizante, na feitura de São Miguel, dado que a vivência que,


122

o autor tem do meio que focaliza ê mínima. Por outro lado, a

transferência de vocábulos, de uso do Planalto, para ma.obra que

evidencia o Oeste, e pretende ser regional como Sassi mesmo afir


53
ma ' , vai denotar que a uma vontade consciente do autor, se so­

brepõe uma outra, que atua sensivelmente na sua tarefa criadora:

Sassi e um homem que esta mais nos Campos de Lages do que no Oe^

te Catarinense.

Com relação ao estar, ainda um aspecto a ser considera

do. Os recursos "paisagem” e "documento" encerram em si força ca

paz de colaborar apenas para que o autor evidencie que sua obra

estã na "região” . 0 recurso ”linguagem” contém em si uma dupla

força: a de permitir ao ficcionista demonstrar que sua obra es tã

nessa "região" e a de permtir-lhe, ainda, evidenciar que essa

obra estã, simultaneamente, no "Universo".

Sassi retira o léxico com o qual trabalha de um mundo

limitado',,e o remete a um mundo que desconhece fronteiras.

Do mesmo modo que um pintor extrai de cinco cores ape­

nas, efeitos estéticos, ou um músico, de sete notas, uma sinfo -

nia, também o escritor catarinense, como é possível se notar nas

transcrições que fizemos quando do estudo da linguagem, de um' l_e

xico regional retira o efeito artístico indispensável a toda j o--

bra literãria.

Sassi faz literatura, e nesse sentido sua ficção tran^

cende ao regional e se laniversaliza. ^

Das considerações feitas nesse capítulo vimos que:

— a tarefa de "localizar" a obra em um espaço preciso

foi, por parte do escritor, um ato consciente; ;

— o autor se valeu, principalmente, de três recursos:

a paisagem, o documento e a linguagem;


123

-- a paisagem fis ico--geográfica do local onde a obra

se circunscreve é conhecida do autor, ou por força das circuns -

tâncias, ou como decorrência de pesquisas, sendo que no ültimo

caso 0 autor cai em uma pequena contradição;

— registrou-se uma ligação entre o homem e os elemen­

tos do seu respectivo ambiente natural;

— a recorrência ao documento ê uma forma de localizar

a obra. Elementos e ordem sensitiva, tãtil, gustativa, auditiva

e visual, quando explorados convenientemente, podem se : consti­

tuir em recurso documentâtivo;

~ prestam-se, igualmente, para dar testemunho da ver_a

cidade dos fatos registrados na obra, a permanência nela, de to­

pónimos específicos da região, a transcrição de trechos relati­

vos a essa região e extraídos de obras de caráter didático ou po^

pular, e o elemento tempo, em determinadas circunstâncias;

■ >• — uma das mais importantes fontes de caracterizaç

do estar ë a recorrência ã linguagem da região focalizada. Embo­

ra se trate de um recurso explorado propositalmente, constatamos

que há uma prevalência, no inconsciente do autor, da linguagem

circulante na região de sua maior vivência, sobre a linguagem do

meio que veio a conhecer através de pesquisas, e que através de£

sa linguagem o autor atribui ã sua obra valores de ordem univer­

sal.
124

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS DO CAPÍTULO III

( 1) MIGUEL, Salim. "Uma estreia importante". Folha popular n°


1. Rio de Janeiro, 24 jan. 1954.

(2) SOUZA, Silveira de . "Guido Sassi e 'Amigo velho'". Revis ta


SUL ,n° 30. Florianopolis , Dezembro de 19 57.

(3) LOPES, Alvaro Augusto. "A margem dos livros" A tribuna. San
tos, 06 maio 196 2.

(4) POZENATO, José Clemente. 0 regional e o universal na lite­


ratura gaúcha. Porto Alegre, Movimento, 19 74. p. 15.

(5) SASSI, Guido Wilmar. "Piã", Revista da Semana n° 16. Rio


de Janeiro, 21 abr. 1951. (xerox).

(6)0 fenômeno climático das geadas como proprio das regiões


dos Campos de Lages é registrado na Sinopse preliminar
do Censo Demográfico de 1970, de Santa Catarina, p. 20.

(7) SASSI, Guido Wilmar. "Piã". O p . cit.

( 8) SANTOS, Silvio Coelho dos. "Contribuição para o delineamen


to de subãrias culturais em Santa Catarina". In: _______
Povo e tradição em Santa Catarina. Florianópolis, EDEME,
19 71. p. 55.

(9) SASSI, Guido Wilmar. "Piã". O p . cit. ^


I

(10) SASSI, Guido Wilmar, "Piã". O p . cit.

(11) 0 ESTADO. "As conseqüências do fim da madeira em Lages".


Florianópolis, 15 dez 1978. p. 13.

(12) LUZ, Aujor A v i l a da. Os fanáticos crimes e aberrações da


religiosidade dos nossos caboclos. s.l., s.ed., 1952.
p. 46.

(13)Id, ibid.p,56.

(.14) SANTOS, Silvio Coelho dos. "Contribuição para o delineamen


to de subãrias culturais em Santa Catarina". In:_______ .
O p , cit. p . 56- 57 .
12 5

(15) CABRAL, Oswaldo R. Historia de Santa Catarina. 2. ed. Rio


de Janeiro, 19 70, p. 30 8.

(16) FARIA, Castro. Apud SANTOS, Silvio Coelho dos. "Contribui.


ção para o delineamento de subãrias culturais em Santa
Catarina. In: ______ • O p . cit. p. 55.

(17) SANTOS, Silvio Coelho dos. "Contribuição para o delineamen


to de subãrias culturais em Santa Catarina". In:_______ .
Op . c it . p . 58 .
(18) LAGO, Paulo Fernando. Geografia de Santa Catarina. Floria­
nópolis, s.ed., 1971. p. 51.

(19) Id. ibid. p. 10 6.

(20) 0 ESTADO. Op . cit, p. 13.

(21) 0 ESTADO, Op. cit. p. 13.


(2 2) BONET, Carmelo M. Crítica literãria. São Paulo, Mestre
J o u , 19 69. p . 85.

(23) CABRAL, Oswald R. O p . cit. p. 335-37.


(24) SANTOS, Silvio Coelho dos. "Contribuição para o delineamen
;to de subãrias culturais em Santa Catarina". In:_______ .
Op. cit. p. 61.

(25) LAGO, Paulo Fernando. O p . cit. p. 75-76.


(26) A localização da Mata Subtropical se encontra na Sinopse
preliminar do Senso Demogrãfica de 1970, de Santa Catar_i
n a , p . 13.

(27) LAGO, Paulo Fernando. O p . cit, p. 51.

(28) NEVES, Deborah Padua Melo. Santa Catarina e suas microrre-


gióes. São Paulo, IBEPE, s.d., p. 21.

(29) Eis o quadro nominal das companhias madeireiras e as respec


tivas respostas com referência ã pergunta sobre a eocis -
tência, na região, dos espécimes vegetais relacionados :
3

126

Extremo Oeste

Ma d. Ma d. Mad. Mad.
Arcari Basso S. Vicente Farro

peroba não não não so no sudoeste


do Paranã

canela s im s im bastante de diversos tir


pos

angico s im sim bastante s im

cedro s im s im es tã se ’ex s im ' i


tingüindo

ipê mais ou não ;raro não


menos
pinheiro não não em extin - s im i
çao

imbuia não não nunca exis nada, nada.


tiu

Meio Oeste

Mad. Mad. Porto- Mad. Mad.


Bess alegrense Lunardi Sebaldo

peroba não não não não


canela s ira s im em grande bastante
quantidade
angico não s im mais ou pouco
menos '
cedro s im raro pouco mais ou menos

ipê não sim não mais ou menos

pinheiro s im mais ou me­ mais ou não


nos menos

imbuia mais ou não s im pouca


menos . 1
127

(30) !,UZ, Aujor A v i l a da. Op. c i t . p. 16-17.

(31) Eis a-s respostas das'relaci onadas companhias madeireiras sj.


tuadas no Planalto, quanto a existência dos espécimes ve
g e ta :i_s aIja ix o d i.s c r :i.m i.n a dos ;

Ma d . Caiiipo Mad. Cruz Ma d. rio Ma d . G Mad. Irmãos


b e J.ens e de Malta res t a P is an i Paglios a

peroba nao nao na 0 nao nao

canela de v á r i o s s im s im s im s im
tipos

angico s im nao mais ou s im s im


menos

cedro s im s im s im sim s im

ipe s im s im pouco pouco raro

pinheiro s i m s1 m s 1 ni bas tan­ em grande


te quantidade
imbuia rara nao s im mais ou s im
menos

(32) LAGO, Paulo Fernando. O p . cit. p. 88.

(33) LAGO, Paulo Fernando. O p . cit. p. 88.

(34) SANTOS, Silvio Coelho dos. Nova historia de Santa Catarina


Florianopolis , Lunardelli, 1974. p. 103.

(35) LUZ, Aujor A v i l a da. Op. c i t . p. 15.

(36) Consultamos o Almanaque do pensamento de 1978 e de 1979, e


o Almanaque correio do povo de 1979. Dos 58 registros de
santos e outras celebrações do dia, 43 conferem com os
que aparecem nos referidos almanaques sendo que os de­
mais não são mencionados por estes.

(37) j,[jz , 7\u io r A v i 1a da . Op . c i.t . ]3 . J.5 .

(38) CALLAGE, Roque. Apud LliJTL, Lígla C. Moraes. Regional ismo


e Modernismo. São Paulo, A t i c a , 1978. p. 122.
12 8

(39) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e Estilo de Si­


mões Lopes Neto". In: LOPES NETO, J. Simões. Contos gau-
chescos e lendas do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro, Globo,
1961. p. 27.

(40) SILVEIRA, Agenor. Apud MIGUEL-PEREIRA, LCicia. Prosa de fic


ção: de 1870 a ]920. 3. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio;
Brasília, INL, 19 73. p. 198.

(41) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e estilo de Si­


mões Lopes Neto". In: LOPES NETO, J. Simões. O p . cit. p.
28 .

(4 2) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e estilo de Si­


mões Lopes Neto", In: LOPES NETO, J. Simões. O p . cit. p.
28.

(43) LEITE, Lígia C. Moraes'. Regionalismo e Modernismo. São


Paulo, Âtica, 19 7-8. p. 118.

(44) CÂNDIDO, Antonio. Apud LEITE, Lígia C. Moraes. O p . cit. p.


23 5- 36.

(4 5) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e estilo de Si­


mões Lopes Neto". In: LOPES NETO, J. Simões. O p . cit. p.
31.

(46) Carta de Guido Wilmar Sassi, datada de 11 de jun, 1977, pa-


ra ;:i auto ra deste trab a 1h o .

(47) Observe-se este trecho de um. diãlogo do livro Rei Negro de


Coelho Neto;

Livantã... Livantã... Fica, tã brincando. Q u 'é qu'oce


tem qui £azê? Fica, pruvêta cama. Si qué livantã, livan-
t a ; sinão dêxa. Sirviçu tã fêto. Esta Sumana eu tõ aí,
dipoi ocê quis arrumi, té logo. Pruvêta. Qué café?
- Não, tia Balbina; eu vou lã fora. Levanto jã.

(48) ANDRADE, Mãrio de. Apud COUTINHO, Afrânio. Modernismo. In:


______ . A literatura no Brasil. 2. ed. Rio de- Janeiro,
Sul América, 19 70. p. 235.

(49) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e estilo de Si­


mões Lopes Neto". In: LOPES NETO, J. Simões. O p . cit. p.
20 .
129

(50) BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. "Linguagem e estilo de Si­


mões Lopes Neto". In: LOPES NETO.i J. Simões. O p . cit. p.
\ 30.
j

(51) Talvez por levar em conta esse aspecto Enéas Athanãzio faz,
'U'
no. jornal Gazeta de Canoinhas , de 30 de junho de 19 79,
a seguinte observação a respeito da obra de Sassi; "Seu
linguajar, embora explorando nuançes locais, não é funda
mental de sua obra e não ê sobre ele que incide sua pireo
cupação primeira". Apos, complementa com a afirmação , de
Lauro Junkes: Sassi é "um regionalista mais de furido: do
que de forma". j

(52) Não podemos estranhar,^ no entanto, qúè vocãbulos de utiliza


ção universal que, embora se coadunando melhor em uma
obra "localizada" em uma das regiões, viesse aparecer
na que se situa em outrawE is to acontece. Observe-se estes
casos: "Despertou da sémi-inconsciência em que mergulha­
ra" (P, p. 9); "Sim, como um rio de todas as lãgrimas da
impotência e da desilusão" (C, p. 23-24); "Como era gos­
toso, no verão, dormir,a sesta, sob aquela sombra que| se
espraiava.enorme (...)" (AV, p. 12-13). São transdriçpes
dos contos que es tão no Planalto.’ ■

(53) Fizemos tal afirmação com base na transcrição referenciada


na nota n'? 46 deste capítulo,. :
C A P I T U L O IV

0 SER

No capitulo anterior constatamos que os contos e o ro­

mance por nos analisados se fixam em espaços definidos. As perso

nagens que desfilam particularmente em cada uma das obras , es tão

nesses espaços onde têm lugar suas lutas, suas derrotas, suas

vitorias, enfim, suas vidas. Foi também possível entrever atra­

vés do estudo dos recursos estilísticos que o autor, no afã 'de

situar suas personagens em espaços precisos, descobre semelhan

ças e identidades entre essas personagens e os elementos que es­

tão afetos aos referidos espaços. Assim, simultaneamente ã inten

ção de provar que ,a personagem estã na região, se pode perceber

na obra a intenção de mostrar que a personagem ê atê certo pon­

to essa região dentro da qual es tã.

Aqui e agora, entendemos caberem os dois pontos, por

nos :abordados, da teoria de Ta:ine: o que diz respeito ã influên­

cia do meio sobre o homem - que a nosso ver se delineia através

do estudo consciente que o autor faz do condicionamento da perso

nagem ao meio -, e o que diz respeito ã própria obra como fruto

do meio onde nasce - que, segundo nos parece, toma forma quando
I ' , '
o autor contribui com sua experiência pessoal, e ãs vezes sem i o

saber, para insuflar regionalidade ã obra.

Assim, no intento de melhor colher a realidade regio­

nal o autor se coloca ora do "lado dé fora" dessa realidadeJ pr£

curando estudâ-la como mero espectador; ora mergulha "dentro de-


131

la", para uma vez sujeito ã sua ação, ter condições de interpre­

tar o sentir dos elementos ali inseridos; e momentos hã, em que

ou por vontade própria ou por força do seu inconsciente, não se

encontra nem do "lado de dentro", nem do "lado de fora" da realj^

dade regional, mas "encarnado" na sua dinâmica.

Tencionando melhor expressar o que pensamos, compare­

mos a região a um "aquário", peça que, via de regra, sõ ê capaz

de se oferecer como espetáculo a alguém, se integrada de, pelo

menos, os elementos "peixe" e "ãgua". 0 homem da região serã e-

quiparado ao "peixe" e o meio, onde esse homem circula, ã ãgua.

0 escritor, estudioso da problemática regional, serã pois o ob -


I

servador do espetáculo, A diferença estã em que aqui o especta -

dor não ê um contemplador passivo, mas um revolucionário que, pa

ra melhor observar, ocupa sucessiva e ãs vezes simultaneamente

uma das seguintes posições:

~ a de observador, posto em volta do aquário, a assu­

mir infinitos pontos de vista para ver, de modo mais completo,

os efeitos exteriores da "ãgua" sobre:o "peixe" e vice-versa;

— a de inserido dentro do "aquário" para que o contac

to com a "ãgua" possa, com maior segurança, avaliar a sensação

que es ta "ãgua" causa ao "peixe", bem como o efeito de uma visão

de mundo de "dentro para fora" e através da "água"; |

— a de encarnado no "peixe", pois sentindo e vendo!na

forma de e com os olhos de "peixe", nesse momento, ocupa o seu

verdadeiro lugar dentro do contexto regional. Assume a sua legí­

tima forma e vê com os seus


I; proprios . olhos,
1 como um ser .vivo
' ,
e

integrante desse universo que estuda. ' v

Quando a regionãlidade se expressa, na obra, em conse-

qliência desse último posicionamento ocupado pelo autor - as £igu


132

ras humanas que nela se movimentam, escapam àquela vontade de fa

zer consciente, aquele programa estabelecido pelo autor, tÍo evi

dentes na conquista do estar e até certo ponto na conquista do

ser. As personagens se autodirigem movidas por uma dinâmica que

emana da propria região e que concentra, em si, a força primeira

que impele indivíduo e meio a se completarem, influenciando-se

mutuamente. Nesse estágio as personagens assumem atitudes que

nem sempre podem ser explicadas apenas pela "consciência'' do au­


tor.
133

0 AUTOR: ANALISTA DE EXTERIORIDADE

Deste posicionamento o autor vê a integração física en

tre personagem e meio e a influência que os elementos desse meio

exercem na vida de relação da personagem, forçando, nesta, cer­

tos condicionamentos e/ou automatismos. Em qualquer das circuns­

tâncias não entra em jogo, portanto, nem a afetividade, nem o

sentimentalismo dos seres que se movimentam na obra. Analisemos

cada caso em particular.

1.1. Integração física do homem no meio

Nos contos ''Piã'' e "Escola" essa integração não ê del_i

neada com muita nitidez, é apenas insinuada. No conto "Piã", a

figura db menino ê colocada pelo autor como:

- franzina:
i
I
I ; . .
"Ve.z a n o ò r a q u í t i c o s cscarranchados
sobre, a é g u a [P, p. 71.

- sofredora:

"V e perme.lo com os e n s i n a m e n t o s e a


r a ç ã o m a g r a , r e c e b e t a m b é m os desa^o_
ros, as I m p e r t i n ê n c i a s , os tabefes,
os r e Z h a ç o s , os e s t r e p e s , os coices
das m u l a s x u c r a s , as p a t a d a s das v a ­
cas b r a v a s (...1" [P, p. 7).
I '
■ .

Por ser um enjeitado, por apresentar uma aparência |ra-

quítica e por receber maus tratos, piã ê a figura perfeita do, be


' ' í
zerro guaxo que comumente existe nas fazendas.
' 'I■
No conto "Escola" a personagem sofre uma evolução;
134

”P Z ã c r e s c e u e f i c o u forte, guapo
(...) r o m p a n t e s de m a c h o , e m b r a b a n d o
ãs v e z e s e n t r o n c a n d o (...) des
t o r c i d o , nao m a i s se a s s u s t a n d o com
as a m e a ç a s . (...) P a r a v e n c e - Z o , não
é bem a s s i m ; el e t o p a as paradas"
lE, p. 93].

Faz aqui lembrar o touro forte e valente em que cada

bezerro, mesmo o franzino, pode um dia se transformar.

No conto "Amigo velho" diríamos que a integração, do

ponto de vista físico, se dã no sentido meio/homem e não homem/

meio como seria o habitual. Aqui não ê o homem quem se assemelha

ao elemento ãrvore, mas esta que se humaniza. 0 pinheiro cuja e_s


!
toria ê focalizada no conto, possui "carne" (AV, p. 11). Seus

"galhos" decepados lembram "braços" e "pernas" recêm-arrancadas,

o seu "cerne" mostra-se como um "osso alvo", enquanto que o "ver

ter da sua seiva" desperta a idéia de um "sangramento" (AV, p.


12). :
Neste conto diríamos que, em vez de o homem ser o

meio, o meio ê que e o homem, pelo menos do ponto de vista inte­

gração física. E conveniente observar que o que faz com que o pi

nheiro se humanize ê o "sentir" da personagem, que serã abordado

quando estudarmos o autor "inserido na região".

No conto "Cerração":

"[Procopio'] e n g o l i u s e r r a g e m , ficou
com 0 c h e i r o da m a d e i r a v e r d e I m p r e g
n a do nas roupas e na p e l e i . { Ç , p . 22).

Considerando que a serragem ê , em última anãlise, a

natureza vegetal estraçalhada pela mãquina, pode-se afirmar que

hã uma integração física do homem tanto com relação ã serragem,

como com relação ao cheiro da madeira verde.

0 conto "Serragem" focaliza cenas em uma serraria, A


135

personagem principal João Raizer, símbolo do elemento imigrado,

estã em contato direto com a ãrvore que ê desfeita em tãbuas e

serragem, pois é serrador. As tãbuas são comercializadas e a ser

ragem permanece no local modificando a paisagem, ë sobre ela que

as cenas se desenrolam. Não parece, contudo, haver uma integra­

ção entre o homem e a ãrvore, mesmo sob a.forma de serragem:

" J o ã o Ra.-ízer se. l e v a n t a , l i m p a o A06


to e os bn.ag.os das p a r t Z c u l a s q u e a
eles se a g a r r a m , e e n c a m i n h a - s e p a r a
0 t r a b a l h o " [S , p. 59).

0 que se torna evidente ê uma especie de anülação

homem dentro do monte informe de serragem:

"0 m o n t ã o de s e r r a g e m a b s o r v e tudo.
E a s s i m com o suor, com a u r i n a , com
os e s c r e m e n t o s , com o e s p e r m a - t u d o
s e s o m e no m o n t ã o de t^arelo, ^unde__-
s e com ele, t o r n a - s e u m a c o i s a so,
; u m a u n i ca: a s e r r a g e m " (S, p. 59).

Essa idêia de anulação do homem dentro da natureza es­

traçalhada em farelos se confirma em mais duas oportunidades.

Uma, num momento de descansO; da personagem sobre a serragem:


1 !
g o t a s de s u o r e s c o r r e m pelo
s e u r o s t o e cae m s o b r e a :s e r r a d u r a .
E s t a as a b s o r v e i m e d i a t a m e n t e
(S, p. 59).

Outra, na hora em que a personagem se acidenta:

"0 s a n g u e c o n t i n u a a e s c o r r e r , a p i n
ga r . (...) lagrimas escorrem-lhe
p e l o r o s t o e g o t e j a m j u n t o com o s a n
gue. E s t e s e va i i n f i l t r a n d o na s e r ­
ragem, formando uma poça que se alar
g a e s e alastra"' [S, p. 60).

Nas duas circunstâncias, a impressão que se tem ë a de


136

que a ãrvore sob a forma de farelos procura se vingar do elemen-


1'' I

to humano seu agressor, bebendo-lhe o suor, símbolo do cansaço,

sorvendo-lhe as lãgrimas, símbolo do sofrimento, sugando-lhe -o

sangue, símbolo da extinção de sua vida. Não hã, portanto, uma

assimilação da natureza pelo homem, mas a anulação do seu ser

nessa natureza. i

Jã com relação ãs crianças, talvez por serem mais íi“'


• j :' '
lhas da terra do que o elemento imigrado, ou quem sabe, por não/ '
_ ' ■ íj; '

se terem ainda contaminado pela ansia da destruiçao,io fenômeno

"integração personagem/meio" se realiza de modo bastante signifi^J

cativo: ;
I
"0& fl l k o s doò t r a b a l h a d o r e s b r t n c a m
sobre a serragem. AquZlo e de le s.
M a t s at nd a: Q_uase como s e f o s s e eles
m e s m o s . E n t r e m t s t u r a m - s e . As c r t a n -
ças e n g o l e m o pÕ da m a d e t r a , se m
q u e r e r ou v o l u n t a r i a m e n t e . Fios de
baba e ranho e s correm pelos seus
q u e i x o s . Caem. A s e r r a g e m absorve
tudo. E t a m b é m s e r v e de p r i v a d a . 'As
crianças fazem buraq u l n h o s e e scon -
dem su as p o r c a r i a s " [S, p. 56).

Aqui a idêia de integração sugere trOca, intercâmbio,

o que se opõe à de anulação da personagem, expressa com relação

ao adulto.

No romance São Miguel a "integração homem/meio” não ê

perfeita. E que a presença do imigrante, na região, força o des-


■ • !
locamento do foco de integração do homem, do elemento terra para

o elemento ãgua, com o impulso que dã a exportação fluvial 0


' i

homem não pode se afeiçoar ã ãgua,e rejeita integrar-se nela 'a-

travês da recorrência ao consumo do ãlcool, como veremos poste -

riormente, porque lhe conhece a infidelidade: '


137

"E 0 aZ o s d m p A t tAa.Â.ç.0 elAo e Aulm.


(...) E d z p o l s a u m l d a d z m a t a n d o g e n
te p o A s u a vez, p e g a n d o tubérculos e
nos h o m e n s , d e t x a n d o o p r o x t m o na ca
ma, p a r a l t s a d o p e l o r e u m a t i s m o " (SM,
p. 101] .

No entanto, agora jâ n<âo pode viver sem a âgua. Preci­

sa dela para ganhar a vida. Quer que chova para que o rio encha.

E, atravës da segurança que o elemento terra Ihe inspira, procu­

ra integrar-se ã âgua, por meio delà. Assim ë que quando a en­


chente teve início:
" T e r e s a a j o e l h o u - s e e rezou. Vepols
f i c o u b r i n c a n d o , a m a o e s q u e c i d a , re
v o l v e n d o 0 b a r r o q u e se f o r m a v a j u n ­
to à por ta.
J e s u Z n o s o r v e u com g o s t o o c h e i r o de
terra molhada e ac o c o r o u - s e . Enfiou
t a m b é m os d e do s no barro (...) e
s e u s d e d o s se j u n t a r a m aos da m u l h e r
d e n t r o da l a m a " (SM, p. 253].

Esse registro de aliança do homem consigo mesmo, den­

tro da aliança dos' elementos naturais terra/âgua, desempenha a

função de símbolo da solidariedade das partes no todo sob impul­

so de misteriosa força de coesão.

Passemos, agora, ao estudo do outrd aspecto capaz !de

nos auxiliar na tarefa de comprovação de comò o homem enquanto


j ^
matéria até certo ponto, o meio onde estâ.

1.2. Condicionamento exterior do homem ao meio e auto^

matismos

Nos contos em geral, esse condicionamento exterior do

homem ao meio não ocupa lugar de destaque. Em ’'Piã" registra- se

apenas, uma tendência do autor em apreendê-lo, ao falar do meni-


138

no montado na ëgua:

" S e u ò o l ho s S 2. f e c h a r a m , de manso,
de m a n s o , o c o r p o s e m p r e e m b a l a d o pe
lo cho c a l h a r da égua, ao q u a l jã. se
a c o s t u m a r a " [P, p. 10).

Como ê possível observar, a idéia de adaptação da per­

sonagem a uma circunstância imposta pelo meio ê capaz, apenas,

de sugerir um condicionamento.

No conto "Serragem” o condicionamento ao elemento mã -

quina gera um automatismo na personagem;

"Ne m bem s o a o a p i t o a n u n c i a n d o ■o
m e l o dia, J o ã o R a i z e r l a r g a a s e r r a
e, d e r r e a n d o , s e a t i r a ao c h a o , atrãs
do d e p ó s i t o " (S, p. 56).

" T r e z e ho r a s e t r i n t a m i n u t o s . 0 a p l
to s e faz ou v i r , e s t r i d e n t e . João
R a i z e r se l e v a n t a (...) e e n c a m l n h a -
s e p a r a o t r a b a l h o " (S, p. 59).

Observe-se que, com relação ã mãquina, não houve, do

aspecto exterior, uma integração, mas apenas subordinação do ho­

mem a essa mãquina, expresso através de um automatismo,

No romance o autor explora com maior insistência esse

condicionamento exterior do homem ao meio, na tarefa de caracte­

rização do ser,
Assim, o contato permanente com a ãgua, a que o homem

do Oeste estã sujeito, o leva, na tentativa de neutralizar os


„ I
provãveis efeitos advindos da umidade a que se expoe, iao consumo

do ãlcool: Î . ' : :i

"Um h o m e m p r e c i s a be ber, p a r a r e a n l - ■
m a r - s e . (...) A q u e l e t r a b a l h o , quase'
s e m p r e na u m i d a d e , r e q u e r i a um a q u e ­
cimento Interno. Cachaça esquentava,
or a se" (SM, p. 27).
139

'’A q u a t a u m i d a d e , q u e se entAanhava
nú s e u eo/ipo, sÕ salfila com uns bon s
g o l e s " (SM, p. 28].

"0 á l c o o l é um m a l - d-ísse o p a d r e .
— Mas um m a l n e c e s s á r i o . E o u n l c o
j e l t o qu e eles p o s s u e m p a r a r e s i s t i r
ao ^ r l o da agua; a j u d a a e n g a n a r o
e s t o m a g o t a m b é m . . . " (SM, p . J 3 2 ) .

"0 h o m e m p r e c i s a v a be ber, e s t a v a c i a
r o , a i n d a m a i s n a q u e l e s e r v l ç o . ( . . .J
Mas, d a q u e l e je i t o , t a m b é m e r a de­
m a i s " ( SM, p. 7 3 2 ) .

Portanto, a aquisição desse hábito é imposta por um

dos elementos do meio ao qual o homem não se integra de modo fí­

sico, mas do qual efetivamente depende. Sua vida estã subordina­

da ao rio, e por extensão ã cheia. Observe-se;

— "A a b a s t a n ç a , ou m e l h o r , a t r a n -
q l i l l l d a d e , so v l r l a d e p o i s das
c h u v a s " ( SM, p. 58].

— "Os p a t r õ e s t e r i a m d i n h e i r o , a p Õ s
'a d e s c i d a do U r u g u a i ' " (SM,p. 155].

— ''(...) p l a n o s f u t u r o s para Xe
Pintado e Ambroslna : ,
- M a i s ta rd e. V e p o l s da vlagem(.,.]"
; ( SM, p. 7 5 ) .

— "(....) 0 c a s ó r i o __de M á r i o ?
- O r a p r a q u a n d o é? \Joce s a be :
p r a d e p o i s da v i ag em . 0 q u e e q u e
a gente pode fazer a n t e s “ ?" [SM, p.
4 9)..

— "Ma s JesuZno precisava bebe r.


P a s s o u p e l o b o t e c o de J o n a s e e x ­
p e r i m e n t o u 0 créd i t o .
- Ma o dá, h o m e m - d l s s e o bo de-
g u e l r o . - \Jocé já b e b e u t u d o o
qu e t i n h a p r a r e c e b e r . S Ó depois
da v i a g e m " ( S M, p . 1 5 1 ) .

0 próprio habito de consumo de ãlcool, que foi imposto

pelo meio, estã condicionado aos elementos rio e cheia. E vai


140

mais longe a importância da cheia na vida do habitante da terra.

E càpaz de:

— invadir, simultaneamente, pensamentos:

" ( •todoò Oi. h o m e m


. . ) o p&n
i,ame,nto numa 6Õ colòa: a chzZa'' ( 5 M ,

p. 155).

— tomar conta das conversas:

(...) A gen-íe 40 oaue, {^atah. em ma


dulfta. e ckíZa, do. m a n h ã a noltí" (5M,
p. 75).

~ entrar no ludismo popular:


: I j

Eu iiíÃ. u m a c o X ó a boa, q u e quaZ-


quen. c a n d Z d a t o q u í pA.ofne.-íe44e £ ,ga-
A.ant-Í6-6& c o n i e g u ^ a &th. z l e í t o .
-(...)
- (...) 5a.be 0 q u z é? U m a enchente''.
. (SM, p. 27).

— servir de motivação a crenças populares:

" L a v a A 0.6 peò de S ã o HÃ.gueZ, pa/ia


qu e a c h e X a víei,òe logo, eh.a eóJi^a
' qu e não {^athafia n u n c a " [SM, p. S7]:.
'I : ' ■' ,
"- (. ;.) 'PAecXóa'[moA.A.eA g e n t e a f o g a ­
do pAo At q e n c h e i í.i.I" (SM, p. 27).

Essa dependência tão grande do homem com relação ;ao

rio, vai criar, nesse homem, o automatismo de consultar o cêu; a

procura de indícios de chuva: , ^ :


' .■ ' ' ' !'
"Ma^.lo, jã p o A h ã b t t o , v o l t o u a con-
òultan. 0 céu. Um c e u I X m p o , e&tfiela-
do , i e m lan.fiapo de n u v e m " (SM, p. 5J).
i .1

" M a A t X n h o v a t ^ e l t z . ' O l h a o ^ c e u ^ pon.


h a bito. MadfLugfLda é u j a , o ce.u t o l d a ­
do, co/iZicando" (SM, p. 25J)„.
141

Esse automatismo contém em si força capaz de colaborar

na caracterização de um as personagens. E melhor dizendo, o

modo em geral cõmo o autor expressa em São Miguel o condiciona -

mento do homem ao meio revela que, dentre as obras em estudo, ê

nesse romance que esta o melhor trabalho de Sassi enquanto "ana­


lista de exterioridades” .

Quanto ao aspecto "integração homem/rio", que esteve

praticamente ausente enquanto o autor se manteve do "lado de fo­

ra" da região, ganha relevo nos momentos em que "mergulha" nessa

região para vê-la de "dentro para fora", como passaremos a veri­


ficar.
142

2. 0 AUTOR INSERIDO NA REGIÃO

Reconhecemos, anteriormente, que toda literatura regio

nalista ê, ate certo ponto, uma literatura realista. Vimos ainda

que 0 conceito de "realidade", para os modernos, não é exatamen­

te o mesmo da escola realista. Assim,quando dizemos que o escri­

tor regional se insere na região para melhor expressar o sentir

da gente da terra, não estamos negando a isenção e impessoalida­

de do autor ao apresentar os fatos. Continua procurando manter -

se neutro. A realidade ê que se lhe apresenta mais ampla e mais

complexa, e exige dele maior eficiência na tarefa de análise. É

preciso ver com todos os olhos: os do corpo e os da alma, e sob

todos os ângulos, inclusive o de "dentro para fora". E para isso

o autor procura se fazer interprete da influência que o meio tem

sobre a sensibilidade humana. Alias, a "forma de inserção do ho­

mem - no - mundo, foi sempre a grande preocupação de nossos es­


critores"

Quando, porem, o autor se acha também circunscrito ino


I ';
"mundo" sobre o qual escreve, ou por circunstâncias naturais,, ou

por força de leituras e/ou informações, esse escritor sabe que

tem melhores condições de abordar esse aspecto. i

É o caso de Sassi. Através de sua experiência de homem

circunscrito na região sobre a qual enfoca, enriquece o sentir

das personagens, durante a analise que delas faz, sem que esteja
sendo pessoal. ..............
143

2.1. Os contos

Dos cinco contos aqui analisados, em apenas três - "E^

cola” , "Amigo velho" e "Cerração"-pareceu-nos haver o autor mer­

gulhado tanto quanto pôde na região e dela retirado, para atri­

buir ãs suas personagens, as mais diversas impressões sobre como

um meio ê capaz de atuar na sensibilidade humana.

No conto "Piã", talvez porque o autor estivesse preocu

pado em caracterizar a despersonalização da personagem e asseme­

lhá-la ao elemento "animal", não nos ê dado entrever de modo cia

ro o sentir do menino. Piã não tem nome, piá não fala, piá i não

tem sonhos.

" T ^ a o u o dZnhí-í^o do b o l & o , t o g o ao


pa66an. a pofitzlfia.. lÁZn.ou a nota. Re.-
mÃ.A.oíL-0.. I n v z j a ? V&òe-jo de
t a m b é m d t n h z i ^ o dí ò í u ? Mac; t a l p t n
òame,nto nao I h z pa-ò-òa p ^ Z o ^ mtotoé.
Efia tão dth.ítto não t e A n a d a q u e a
a m b t ç a o não p o d e ^ t a &ZH. a t o j a d a dm
ò u a c a b a ç a " [P, p. S-9\.

Mesmo no momento em que o menino perde esse dinheiro,

problematizando-se uma situação que vai exigir de piã uma reação,

a sua alma sofrida continua hermética, e o seu sentir é exterior;

■I, ^

'’
Víépín.toa dí aho,^A.e, ao c/iegaA j ,a4
p/ilmn-in.a6 c.ai,a^ dó víZafL 2.jo. Sínttu
tom o qu í um g ua^ caço ', ao 4 2. n.zcokdan.
do dtnhdtfio p z ^ d Z d o . (. .. I _ AqutZo
nã o 0 d í t x a v a òoòò<igdfi; e. d o t a como
um z ^ p Z n h o , e.nj^tado na c a A . m , bem
imundo” IP, p. 10] .

Observe-se que o séntir de piá é apenas um sentir .físi^

co, assemelhado ã dor causada por uma surra de guasça ou o espe­

tar de um espinho na carne, que nada dizem do seu mundo espiri -


144

tual .
No conto "Serragem” a personagem principal, não estã,

como piã fechado em seu hermetismo. João Raizer apresenta um sen

tir interiorizado porem estranho as influências do meio. Essa

dissociação entre o sentir da personagem e o meio nos parece coe

rente, uma vez que ajuda na caracterização do homem imigrado, que

não teve ainda tempo de se afeiçoar ou se subordinar ao meio que

o cerca.
"Escola" jã pode ser considerado um conto cuja persçna

gem apresenta um "sentir" vinculado ao meio. 0 mesmo menino zoo-

morfizado, desprovido de um sentir humano, do conto "Piã", ganha

alma e adquire personalidade no conto "Escola".

Consideramos o fato de o autor haver retomado, no ültj^

mo conto do livro Pia, os mesmos aspectos de vida e as mesmas

personagens do primeiro conto desse mesmo livro, como uma forma

encontrada por ele de "reformular", mais uma vez, o texto "Piã".

Tivemos oportunidade de perceber no estudo do estar que o conto

"Piã" foi reescrito para melhor corresponder a uma "realidade r£

gional", digamos "estática". Para nos, "Escola" ê resultante | da

necessidade que o autor teve de "corrigir" e ampliar o estudo

que fez da mesma "realidade regional", agora, no| seu aspecto "di^

nâmico", objetivando abrangê-la de modo mais completo e totál.


I

Piã não podia continuar indefinidamente enclausurado dentro de

si próprio. Nenhum dos seres humanos ou animais, nascidos e vi-

ventes na amplidão dos campos, sem obstãculosi a lhe barrar a vi­

são e sem fronteiras restritas a confinar-lhe a vida, poderia


i
permanecer encerrado dentro dos limites do seu próprio corpo. Ur

gia derrubar por terras essas barreiras para que piã pudesse se

expandir no universo que o rodeava. Em resumo,,, era imprescin-’


145

dível legar a piã a liberdade a que tinha direito:

” Não maÃ.6 ú U p a n X a c a l a d o aò d d òco m -


p u ò t u ^ a i . Faz p í no6 ' b a t í - b o
c a i " {E, p . 9 3 ) .

" N u n c a m a l ò q u t I f i a ^ l a f i Q ah.~_& z àò caA


K z l t h a ò , q u a n d o i X n h ã V o^o te- Za man~
dah.: Vã . d í p / i í - i - ò a ' " [E, p . 94).

"P-i-ã. n ão iCA.ã c l z l t o f i de. cabn.z{,to,


nao 6cn.ã a g A . c g a d o , n ão v Z v c ^ ã dd ^ a -
V0A2.6 em t í f i f i a ^ a l h d l a f n-ingudm m a n d a
Aa m l c , n-íngucm" (E, p . 96).

Não ê comum aos filhos do planalto catarinense, ainda

que se trata de um "enjeitado", permanecer indiferente ãs influ­

ências do meio. Foi provavelmente por isso que o autor fez piá

retornar ao conto "Escola" e desta feita, tão livre quanto os

animais, que so têm sobre si a imensidão do ceu eao seu redor a

vasteza dos campos a se perder de vista no horizonte.

Evidencia-se aí a influência do meio sobre o sentir hu

mano. Contudo, parece que o pónto alto dessa influência se regi^

tra em "Amigo velho", A personagem João Onofre, que nesse conto


i '
aparece a serviço da maquina, fora roceiro anteriormente e conti

nua vendo o mundo com os mesmos sentimentos que a vida da roça


i

lhe plasmara na alma. Continua a devotar afeto aos mesmos elemen


!

tos com os quais um dia se identificara. 0 pinheiro que existia

ao lado de sua casa:

"(...) p o d i a hOJt conò-ídí/Lado um raem


bAo du ò u a f a m í l i a , um__amZgo vzlhò^ e
qucfildo [-- ) . A q u í l a ãft.voh.2, .z&tava
I Z g a d a ã ' é u a p d é i o a com l a ç o é muXto
{^on.te.6- 06 l a ç o £ da a m Z z a d t , do coi,--
t u m c " (Al/, p. 12).

A atividade de abatedor de árvores, no entanto, é dife


146

rente da de roceiro. Somente pode ser executada por um homem ^Jde


; ' . !
cosmovisão também diferente da que tem o que cultiva a terra. .,Um

dia joão Onofre ë levado a sentir o problema:

"E lã. v i n h a a 0 A.dem: 'João Ûno^-'ie,


v o e i v a i cofitan. a q u e l e s p i n k e i ^ 0 6 \\da
b a n d a do l a g o ã o ’. E e l e ia, calando
0 m a c h a d o na^ ãfivofieò, den.fiabando\aò
ò e m dÕf .òem nem d e , l o n g e imaginai
q u e um d i a o me!i>mo i A i a a c o n t e c e m a
'6ua' ãnvofie . U u n c a I k e p a M o u plíla
c a b e ç a q u e o ò é u pinheifio viftia |j a.
tefi a me.&ma i,ofite q u e oi> d e m a i s " [~kV,
p. 15] .

A personagem descobre que, ao se dedicar a esse novo

trabalho, põe em jogo a preservação da sua .integridade para com

o meio que o cerca. Agredir essa integridade ê agredir-se a s1

mesmo. 0 problema vem à tona e a personagem tenta soluciona-lo:

"0 pinheiro, &eu k l m i K o .,. Se o 6e-


nhofi pudeóAe.
- São o A d e m . A g e n t e cofita, &im"'[k\J,
p. J 3 1 . j I: .

_ I
E o abatedor de pinheiros expõe o seu sentir ao gerèn-

te da serraria: ;

Ma4 i,eu klmih. 0 . . . L • • 1 A' gente


até jã p e n s a que ele é n 0 4 4 0 , jã
ac ostumou. . [Al/, p. 14) .

João Onofre sabe que "de direito" o pinheiro é do dpno


i

da serraria, com "contrato lavrado e tudo" (AV, p. 14), mas que

"de fato" ê a ele e ã. gente da terra que esse pinheiro pertence.


i

E a ausência nesse conto de uma integração física, no sentido

personagem/meio, é plenamente compensada, aqui, pela integração

espiritual que entre eles se processa. Assim ê que enquanto | a

serra "se aprofundava na carne do pinheiro" (AV, p. 11). os seus


147

ruidos:

(ínt^avam p t l o ò o u v i d o r dz
J o ã o Ono{^fiz, daKa{^unchando - Z h z o
cíKdbfiz como Vdh.f1 a.ma0 . E ddpoZ-í ddi,-
cZam, p d l o p d l t o a b a i x o , {fixando-òd
pdfito do coA.aQ.ao. E a i d g u Z A -C)td&-
c-iam, a u m d n t a v a m , num latdj.afi doloh.o
40" (Al/, p. 11] .

A propria ausência do pinheiro tem forças de despertar

o sentir da personagem:

"Em ^fidntd ã òua ca^a h a v ia um va­


zio, gud ala6tfiava t a m b d m dm j^eu.
c.on.açao" { A [ / , p . Í 4 ) . |

Como se vê, o pinheiro não ê um elemento estranho ã v_i

da interior do homem da terra, mas um seu associado, um seu ass_e

melhado, um seu igual. Daí porque, no estudo que fizemos sobre a

integração física homem/meio, termos constatado haver uma identj^

ficação do pinheiro com o homem. Daí também, o porquê da persona

gem interpretar o transporte do pinheiro, desfeito em toras, pa­

ra a serraria, como o humano ato de um enterro: i

"No &d u intimo, a q u d l d c a m i n h a A mpfio_


60 d ò i l d n t d a M d m d Z k a v a - 6 d a um 'dn-
tdn.n.0 ~ 0 6 d p u l t a m d n t o dd um amigo,
dd uma pd.66oa qu dAida" [Al/, p . Î 2 1 .

Nesse conto a influência é bidirecional, isto é, tanto

vai no sentido homem/meio como no sentido inverso: meio/homem.

Isto faz de "Amigo velho" um perfeito símbolo| da coesão dos ele-


!: ' ■ h
mentos da região entre si bem como um exemplo- de lealdade -entre
' ’ I

esses elementos: 0 homem morre, provavelmente pela perda de seu

amigo pinheiro (AV, p. 15) e este acaba se convertendo em cruz,


: ii : ,I
sobre a campa de João Onofre: j L i
148

"E s & u ò b A a ç o s de s o m b r a p a d e c e qu z
d ò t ^ d l t a m a sípultufia h u m l l d n , como
4 e quZsts-ie p ^ o t í g i - l a , & n v o l v c n d o - a
num a b r a ç o , num a b r a ç o acoZhe.do^ e
bom - de a m i g o v í t k o " (Al/, p. 16).

Trata-se de uma integração £ísico-espiritual; do nosso

ponto de vista, mais espiritual do que físico, porque somente a

sensibilidade que o pinheiro ê capaz de despertar no homem, jus­

tifica essa integridade, a qual ê levada pelo autor ãs últimas

conseqüências.

Vimos que, no conto "Serragem", não houve integração

nem física, nem espiritual entre homem e.meio natural. Apenas

uma subordinação de João Raízer à máquina,: expressa através de

um certo automatismo da personagem em face ao apito da máquina.

Contrariamente no conto "Amigo velho", essa integração físico-

espiritual se concretiza entre João Onofre e o meio, e podemos

afirmar,; com uma tendência de rejeição ã máquina.

" V a Z J o ã o Onoá^e o d i o u (...) ,a i n d a


m a i s , a q u e l a e n t i d a d e podefiosa e

ch-ucl. qae-òe c h a m a v a sen. fiafiia" (Al/, p.
! M ) .

Estamos diante de dois homens opostos, o imigrado e. o

da terra, o que se mostra favorável a uma nova sistemática de vj^

da e o que resiste a ela. Cada um dono de uma cosmovisão própria,

marcada pelas variantes ambientais que fizeram parte das suas jvi.

das anteriormente aos contos. : -

Na obra "Cerração"^ temos o protótipo do elemento hurtia-

no que não ê nem um apologista da máquina, na região, e nem um

inadaptado a ela. Procõpio ê um homem da terra que sempre tivera

uma vida de luta com o pinheiro (C, p. 21). Consegue ver na ex­

ploração dos recursos vegetais uma atividade natural, ao mesmo


149

tempo que aceita a máquina de tal forma que o autor chega a foca

lizã-los constituindo um todo:

"Siíuò pe.n-&amento6 de PAocÕpiú


paA-Zce que, iincfionizavam com o put
òolK do motofL. Õ6 pZòtõcò subiam, -6u
biam, e tambcm, com e£ei, ai, e^pe -
/tançai a^lo/iavam, queAiam 4e tofinafi
vida- 0 ca/iAo pago, todZnko de icu,
-uma iituação maii {^avoAavcZ, zitabi.
tizada, i cm tAanitoAnoi. Vzpoii o~í
cmboZoi dciciam, e__a^ Zòpcfiança&
cfiam H-ccaZcadai,, la, bem pãAa baixo,
que a Acalidade zn.a duAa e nao dava
maAgem paA.a ionkoi.
Hom&m e máquina iKmanadoi num iÕ io_
do. CcAcbAo e motoA puliando Juntoi,
num^òó Aitmo, acompanhaÁdo a tAepi-
daçao da citAada, como o tique-tal -
queaA de um AelÕgio giganteico: ãl
ta^baixa, lucAo-pKejulzo, debito~
cAedito, caAo-baAato, Aeceita-dei-
pe&a" [C, p. 23).

Parece perfeita essa integração entre homem e máquina.

No entanto, convêm observar que o fator determinante dessa união

ë proveniente do condicionamento do homem ã "flora". S5 por de­

pender economicamente da madeira ë que o homem se associa ã ma­

quina. I
■ . ;, ' , ' ' ' ’

Procopio trabalhava com 0 caminhão, no transporte :de tá-


1 ^ :

buas. Ele tinha consciência de que:

"Õ {jAete de madeiAa não dava maii .na.


da" [C, p. 20) . I

Achava que:
i jl

"MelhoA eAa puxaA banana e laAanj a,


'maicatecLA', encheA o caminhão ide
veAduAaò" {C, p. 20].

Mas se sujeita aos prejuízos e se mantêm no mesiiib ser­

viço. E o que faz com que continue a transportar tábuas, não é


150

como poderíamos pensar, ã primeira vista, o fato de essa profis­

são lhe dar mais "status” social do que a de vendedor de verdu -

ras. Hã uma força maior do que a dos valores sociais, vigentes

no grupo, a atuar sobre ele. A certa altura do conto as coisas

ficam claras:

"E se.mpA.e-, t o d a a vtda, a s u a luta


{^oKa com 0 p l n k e t ^ o . Em c ^ t a n ç a , no
s l t l o do pal, s u b i a p e l o s t r o n c o s
pen.os de^Â.ubando as p i n h a s . Vepols
c o m b o l a v a os c a ^ g u e Z ^ o s pafia a {^etn.a,
o n d e l a vendeà. os p l n h o e s . MaloA.zl~
nho um p o u c o , m a l t i v e r a {^on.q.as p à k a
e m p u n h a A o m a c h a d o , empuega fia-se n u ­
m a s e ^ ^ a K l a . P e l e o u cont/ca os g i g a n ­
te s da ^ l o A e s t a , d u A a n t e m u i t o s a n ‘ os,
c a l e j ando as m ã o s e e n ^ l j a n d o o c o á -
p o . T r a n s p o r t o u t á b u a s e p r a n c h a s so_
bre os o m b r o s . Suou, ^ez ^orça, es-
troplou-se diversas vezes. Lidou com
as maquinas, e n g o l i u s e r r a g e m , ^ I c o u
com 0 c h e i r o da m a d e i r a v e r d e I m p r e ^
nad o nas r o u p a s e na pele, e a {^alta
de J e i t o p a r a t r a b a l h a r co m outra
co isa , lã d e n t r o , no I n t i m o " (C, p.
2J - n . ) .

A custa de tanto trabalhar com a madeira, a personagem

passa a ser a sua extensão, constituindo com ela um todo. Homem

e madeira possuem um so cheiro: o de "madeira verde". Aquele nãose

pode divorciar desta nem interior nem exter iormente.Ainda que Pro copio

tome prejuízos, continuara a executar esse trabalho, porque não

ê mais ele quem decide sobre o que deve ou não fazer. As condi­

ções regionais exerceram tanta influência sobre a sua personali­

dade, sobre sua maneira de ser, sobre sua habilidade, que o dei­

xaram, intimamente, "sem jeito para trabalhar com outra coisa".


j
Transportar tãbuas como freteiro, representa para ele,

não um recurso capaz de levã-lo a associar-se ã máquina, mas uma

forma de mantê-lo integrado ao elemento madeira.


151

Essa influência de determinados elementos naturais so­

bre 0 sentir humano assume, ainda, maior dimensão no romance do

qual nos ocuparemos a seguir.

1.2.. 0 romance

Uma vez inserido na região, Sassi descobre que a influ

ência do elemento rio, na vida do homem do Oeste, se efetiva de

modo indireto, através de um "mito” .

Antes de mais nada, uma breve explanação sobre ,o que ê

o ”mito” .

, 2.2.1. 0 mito

0 espírito humano não pode viver no caos. Necessita

entender, interpretar todas as coisas que vê ã sua volta, ou to­

dos os fatos dos quais se apercebe. Enfim, precisa organizar-se

interiormente, conquistar, para si um cosmos.

Entramos em acordo com a afirmação de Arcângelo R, Bu_z

zi, quando diz que:

" 0 dzi,Q.jo òdbefi,


c i e d íxtraZr
e do
m a l a claridade, de sua v e r d a d e , e o
(^ato mai.i> u n i v e n a Z da h i & t o r Z a huma
n a ” 3.

Essa ânsia de conhecer, nada mais ê do que uma respos­

ta ã necessidade humana de ”cosmisação” do seu universo espir^

tual.
152

Numa visao geral, entendomos serem dois principalmente

os meios através dos quais o homem chega a essa "cosmisação":

— através da objetividade do conhecimento cientifico,

que se presta ao experimento e ã comprovação;

■— através de uma adesão ao empirismo do conhecimento

intuitivo, que lhe c legado geralmente por uma tradição.

Disso resulta qúe quando "o homem sabe, cria a Histó­

ria; quando ignora cria o Mito” e desta forma, tanto o homem

voltado para o cientificismo como o propenso ao conhecimento em­

pírico, encontrara uma saída ao assumir, respectivamente, uma

das posições;

— a de homem a-rcligioso, quando se reconhece ”unica-

mente agente da Historia, e recusa todo o apelo ã transcendência

não aceita nenhum modelo de humanidade fora da condição

humana .

a de íiomem religioso, quando ”assume uma humanidade

que tem um modelo trans-humano, transcendente. Ele sé se reconhe_

ce 'verdadeiramente homem' na medida em que imita os deuses, os

Heróis civilizadores ou os antepassados míticos” .

E desse homem religioso qüe passaremos a nos ocupar,

e enquanto tratarmos do mito, sempre que falarmos sobre o "ho­

mem” é ao homem religioso que estaremos nos referindo.

Tomaremos como ponto de partida a analise de , alguns

conceitos sobre mito, por nos selecionados:

” (...) 0 mito yiaJiAa como, gAaçaò ãi


iyaq.anhaò doi, Entdi So bAznatuAató, uma
AeaZldade p a M o u a exlòtlA, òíjCi uma
Ae.aíidade. total, o Co&mo, ou apínaò
um i^Aagmcinto: uma ilha, uma Zép&cte
ve.ge.tal, um compoAtamento humano, uma
tnót-í-tuição . E idmpAe., poAtanto , a
153

nafiratlva. de u m a ’c r i a ç a o '; e^e A í l a


t a de q u e m o d o a l g o {^o-í pfio d u z l d o e
começou a ’ ser'. 0 m i t o {^ala a p e n a s
do q u e r e a l m e n t e o c o r r e u , do qu e se
m anií^esto u p l e n a m e n t e " 8.

" E l m i t o es u n a j u s t i { ^ i c a c i Ó n de la
e x i s t e n c i a ; ^ u n d a lo t e m p o r a l en lo
i n t e m p o r a l y c o n s t i t u y e un p r i n c i p i o
de i n t e l e g i b i l i d a d qu e s a t i s ^ a c e ^ p o r
el r e c u r s o a u n a p ri o r i d a d o n t o l õ g i -
ca, u m a v e r d a d que l e a n t e c e d e en va
l o r .................................

La i n t e l e g i b i l i d a d m Z t i c a r e v i s t e el
c a r a c t e r c Õ s m i c o de u n a v i s i o n s o b r e
la t o t a l i d a d dei mundo, se t r a t a dei
m u n d o pr es e n t e e p o r ve nir, indivi­
d u a l 0 s o c i a l " 9.

0 m i t o , de um m o d o g e r a l , é
c o m p r e e n d i d o como u m a h i s t o r i a s o b r e
coisas iabulosas, que podem conter
um s i g n i f i c a d o m a i s p r o f u n d o , mas
sã o e s s e n c i a l m e n t e v e r d a d e i r a s " 10.

" M a n i f e s t a ç ã o , p r i m o r d i a l de u m a d e ­
t e r m i n a d a c o n c e p ç ã o do M u n d o , o m i t o
é, p a r a q u e m o v i v e como f o r m a ^ de
realidade e para o mundo in teligivel
q u e d e l e nasce, u m a t o t a l i d a d e i n d e -
f i n Z v e l " 11.

Os quatro conceitos transcritos acima parecem conter,

em si, três pontos em comum:

"(...) 0 m i t o n a r r a como [.. uma


r e a l i d a d e passou a existir.

" E l m i t o es u n a j u s t i f i c a c i Õ n de la
e x i s t e n c i a (...) ".

"(...) 0 m i t o (...) é compreendido


co mo a h i s t ó r i a s o b r e c o i s a s f a b u l o ­
sas (,. .T P ’

" M a n i f e s t a ç ã o p r i m o r d i a l de u m a de-
t'erminada co ncepçã^õ dõ M u n d o (...),''

Todos os autores transcritos parecem entrar em acordo


154

com a relação à idêia que um dos aspectos do mito ê o voltar-se

para as origens.

Observe-se agora:

"0 m i t o l a t a [ . . . ] do que manl{)í-í


toa, p t e.na.me.nte. (. ..)" “

"L a t n t z l t g t b t l t d a d m Z t t c a fie.\)tòte.
e.1 ca/iãctíh. c õ i m t c o de un a vtitÕn
iobAe. -ta t o t a l t d a d de.t m u n d o , Tê
tfiata de i m u n d o pAtiente. o poH. ue-
n t A , tndtv t d u a l o òoctal".

0 m t t o ^ i . . . ] é (lompfieendtdo
como u m a h t i t Õ A t c a i o b A e c o t i a s ^a!-
b a l o ò a ó , q u e p o d e m c o n t e A um i t g n t -
^ t c a d o m a t ò ph.o{^undo (...) ^

"(...) 0 m i t o é (...) u m a t o t a l i d a ­
de Ividej-inlvel" .

A comunhão de idéias, aqui, diz respeito ao aspecto

"totalidade". 0 mito é caracterizado, também, por buscar o "si£

nificado profundo", pleno, total, da realidade mítica.

Vejamos um outro ponto:

" 0 mÍ,to ^al a a p e n a i do qu e Aedlmen


te 0 coftKeu (...)"

"E l m i t o et> (...) u n a w e A d a d q u e le


a n t e c e d e en valoA." .

''(... ) 0 m i t o (...) e compn.eendi.dp


como um a k i i t Õ A i a i o b A e c o i ^ a i ^ a b u
l o é a é (..;], e ò ò e n c i a l m e n t e - v e ^ d a d e l
Kaò " . ; ' ;

Três dos autores consultados, fazem referência ao cá-

rater de verdade que o mito contém.

Desse modo, poderemos reduzir os conceitos postos em


iii

evidência graças a constância das idéias que apresentam, ã se­


155

guinte formula:

MITO = volta ãs origens + busca da totalidade, + verda

de absoluta.

Em outras palavras, para que uma realidade possa ser

considerada mito, de acordo com os conceitos transcritos, e do

nosso ponto de vista, ê necessário que ela repouse sobre os três

citados elementos, por assim dizer, caracterizadores do mito,

verdadeiros suportes de sua estrutura.

Examinemos, em particular, cada um desses elementos:

— Volta ãs origens

Cada fenômeno que se configura como ininteligível ao

espírito do homem encerra, em sua origem, todas as justificati' -

vas da própria existência.

Nas origens residem todas as explicações da realidade

presente. Apossar-se desse tempo original significa, para o ho­

mem, n ã o 'só, entender como as coisas vieram a ser, mas também

encontrar arquétipos para a sua vida presente.

0 mito torna possível ao homem, não só apossar-se do

tempo original, como ainda, inserir-se dentro|dele pela.celeb rea­

ção de ritos, pois que, nesse momento se torna contemporâneo dos

deuses e co-participante do gesto criador.

Para Eliade, o homem "encontra nos mitos os modelos

exemplares de todos os seus atos. Os mitos asseguram que tudo o

que é por ele feito ou que ele pretende fazer, já 'foi feito' no
12
início do tempo in 'illo tempore'" . '

Esses modelos originais chegam ao homem, ou através de

uma já consolidada tradição mítica, ou através da criação de no­

vos mitos, o que se torna possível graças ã "hierofania", isto

é, a manifestação do sagrado, do misterioso, "algo 'de ordem di­


156

ferente' - de uma realidade que nao pertence ao nosso mundo - em

objetos que fazem parte integrante do nosso mundo 'n a t u r a l p r o


, , 13
fano

0 sagrado pode se manifestar, por exemplo, em uma pe­

dra, ou em uma árvore. No caso a pedra ou a árvore são adoradas,

não como pedra ou como árvore, mas como ”hierofanias":

" M a n i f e s t a n d o o s a g r a d o , um objecto
q u a l q u e r t o r n a - s e 'outra coisa', e
c o n t u d o , c o n t i n u a a s e r 'ele m e s m o ' ,
p o r q u e ^co n t i n u a a p a r t i c i p a r do seu
m e i o c o s m i c o e n v o l v e n t e " 14.

Em síntese, hierofania ê uma espécie de revelação div^

na ao homem, através de elementos integrantes do nosso mundo, ; o

que lhe possibilita apossar-se de um conhecimento original, de

uma realidade mítica.

— Busca da totalidade

A abrangência parcial de uma determinada realidade não

satisfaz ao mito. Ele procura sempre cobri-la de modo total, o

que não implica, necessariamente, em que a referida realidade se^

ja constituída por uma totalidade. Uma parcela apenas da realida


I ■ I • j ■ I

de pode servir de motivação a um mito. Contudo, sempre que isto


r
ocorrer, sê-lo-á de modo total. |

0 caso, por exemplo, da existência humana no conjun^to

Universo, levou o homem a criar um mito. Se o homem é um "ser"


: ' I , ,I
não pode ter sua origem no "não ser" [problema das origens}. Is­

so representaria o caos. Com a: criação do mito se estabelece o

cosmos. Não basta contudo, ao mito, justificar essa existência co


I '
mo um ato da criação divina. Ê necessário explicar que Deus to­

mou o barro e com ele plasmou o corpo do primeiro homem ã sua

imagem e semelhança, soprando'-lhe, a seguir, a alma. É importani-


157

te completar que a mulher fora feita da costela do homem.

Nada pode se apresentar truncado, nada pode se configu

rar com incognitas, na mente do homem. Para cada dúvida haverá

uma explicação, até que cada parcela que motivou um mito - "uma

ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma institué

ção", no dizer de Eliade, se conforme de modo total na mente de_s

se homem, assegurando a ele a conquista de seu cosmos.

— Verdade absoluta

0 mito exerce influência sobre a vida de um povo. As

verdades que encerra são passíveis de constatação, as predições

que faz, podem ser confirmadas. Efetua curas, faz,ameaças e prevê

castigos que se realizam. No entanto, para que:

”o m i t o exe/Lca a l g u m a Z n ^ l u e n c X a io-
bA.e ai p í i i o a i , íitai p A e c Z i a m a c n e -
dZtan. na ve/idade. qu & o m i t o a{^tn.ma .
E a a vz/idado,, c o n t u d o , nao & da m í i -
m a oA-dím d a q u a io. c o n t é m na a{jlA.ma-
ção ’o S o l n a i c c no Ú A t z n t e ' . Mão e
u m a v^fidadz i t m p l e i , {^actual, ienão
u m a ví/idadc q u e iÕ c o m e ç a m o i a e n x e A
gaA, q u a n d o c o m c ç a m o i a co mpAeendeA.
0 'V efidadztfio i-ígnt^tcado ' do m-i-
to" 15.

Para Wundt:

''04 a t o i fittuali, a t e i t a m a v a l t d a d z
doi CO n t c u d o i de. c A e n ç a m Z t t c a e. ex-
p A z i i a m . CO n ^ t a n ç a e.m i u a p A o t e ç ã o e
aj u d a . Oi pA.0pn.toi de.uizi ião dota­
d a de, um ce,Ato c o n t e ú d o da vzAdade
p o A m e t o do A l t u a l q u e I k e i e c o n i a -
g A a d o . 0 a t A t b u t o de i a n t t d a d e ie
c o n ^ e A e t a n t o aoi A t t u a l Z i t t c o i p K o -
p A l a m e n t e d Z t o i q u a n t o ãi c o n c e p ç õ e i
de c A e n ç a I Z g a d a i a elei" 16. |
i
Essa verdade mítica, portanto, é uma verdade cuja di­

mensão escapa a todas as medidas padrões adequadas ã mensuração

racional, a todos os experimentos científicos, e mesmo assim se


158

impoe e se aloja em um "nivel especial da consciência". E no di­

zer de um pensador brasileiro:

"0 hom em , como r e a l i d a d e limitada,


não p o d e o f e r e c e r c r i t é r i o s de a v e r l
g u a ç a o da r e a l i d a d e q a e ultrapassem
s e u s l i m i t e s (...), t e m o s q u e a c e l -
t a r qu e a r e a l i d a d e p o d e p o r - s e I n d e
p e n d e n t e do h o m e m " 1/.

A substituição ou desaparecimento de um mito ê um fato

que pode ocorrer, muito embora dê origem a sérios conflitos, ge­

re verdadeiras crises no grupo social onde o fenômeno sobrevier.

0 que jamais poderá ocorrer ê a sua existência destituída de ver

dade. :

São ainda de fundamental importância no mito a celebra

ção de ritos e os fatores tempo e espaço.

Verificamos que o mito s5 ê mito porque diz respeito a

uma verdade total apanhada em sua origem. Vimos ainda que o mito

pertence a uma dimensão diferente daquela onde se estrutura o en

tendimento racional. Devido a este último fator, a verdade míti­

ca corre o constante risco de ser posta em dúvida, de ser detur­

pada, ou atê me.smo de ser deixada de lado, acabando por fazer içom

que se extinga o mito.

Miticamente falando, pode ocorrer, segundo a teoria de

Mircea Eliade, que os adversários dos deuses (os demônios), so­

bretudo o Dragão primordial, vencidoipelos deuses no começo dos

tempos, numa espécie de desforra, se'rebele contra a obra da Cr_i

açao, esforçando-se por transforma-la em caos -

Ora, os mitos "'têm uma signifiçação vital. Não somen-


! i i ■
te representam, mas também são a vida psíquica da tribo primiti­

va, que se desintegra e perece instantaneamente ao perder a he­

rança mítica, como o homem que perdeu a alma. A mitologia de uma


159

tribo ë a sua religião viva, cuja perda ë sempre e em toda a par


"
te, mesmo no caso do homem civilizado, uma catástrofe moral'" 18

Urge, pois, defender o mito contra toda e qualquer ame

aça. E a forma mais adequada para essa defesa ë celebrá-lo, pe­

riodicamente, através de ritos, uma vez que "el rito, es su in-


^ 2 0 ^
tencion, repite al mito en el presente" . Daí ocorre aparecer

o rito justaposto ao mito, como garantia da preservação deste.

Logo, rito é a atualização do mito. Ele tem o poder de

recriar a realidade primeva, ë celebrado em um local específico,

o espaço sagrado, por um ou mais elementos, o(s) iniciado(s).

Iniciado é aquele que adquiriu maturação espiritual, aquele que


21
conhece os mistérios, aquele que sabe

Durante a celebração do rito o homem sai do seu tempo,

0 profano, para integrar-se no tempo sagrado, o tempo original

onde os deuses estão presentes. E repetindo as palavras ditas p£

los deuses "ab origene", e reproduzindo sucessivamente os gestos

do ato criador, porque o que se diz é inseparável do que o que

se faz, o homem celebra o rito, empresta significações a fatos,

a atitudes e instituições humanas, proclama o mito "vivente", sa

valguardando, assim, a estabilidade espiritual do grupo.

Rafael Patai registra em seu livro 0 mito e o homem mo

derno algumas idéias de Walter Otto a respeito do assunto. Enten­

de Patai que o filosofo alemão reconhece no mito a mola princi -

pal de todas as realizações culturais humanas. Entende ser no

terreno espiritual, que o mito, juntamente com o ritual, exerce

o papel mais importante. Mito e ritual constituem uma ponte du­

pla entre o homem e Deus. Tanto um quanto outro são, ã sua maneja

ra, nas palavras do proprio Walter Otto;


160

" ' m a n i f e s t a ç ã o do m e s m o processo,


q u e se v e r i f i c a e n t r e o f i n i t o e o
I n f i n i t o , e n t r e o h o m e m e Ve u s . •-3
0 m i t o traz o I n f i n i t o p a r a m a i s p e r
to do homem. N e s s a s c i r c u n s t â n c i a s o
I n f i n i t o não s o m e n t e p e r d e a sua
a t e r r a d o r a m a g n i t u d e , mas t a m b é m se
t r a n s f i g u r a e m o s t r a ao h o m e m um
r o s t o h u m an o, f a l a - l h e n u m a lingua­
g e m h u ma na . 0 m i t o p r o p r i a m e n t e di to
não rios r e v e l a co mo I s t o se torna
p o s s í v e l . VI-•H ^ ritual, ligado
ao m i t o e r e l a c l o n a d o com ele, nos
p e r m i t e I m a g l n ã - l o . Com o o m i t o , o
r i t u a l não e l i m i n a de t o d o a d i s t a n ­
c i a e n t r e o e t e r n o e o ho me m. 0 e t e r
no p e r m a n e c e em s u a m a g n i t u d e , mas
0 h o m e m se t r a n s f o r m a ; o r i t u a l a p r e
s e n t a ao h o m e m um a f a c e d e l f o r m e : e
f a l a - l h e n u m a l i n g u a g e m dos deuses.
A h u m a n l z a ç ã o do V l v l n o e a d l v l n l z a
ção do h o m e m no r i t u a l r e a l i z a m - s e ' no
m e s m o a t o ...'" 22.

Há ainda um aspecto do mito que necessita ser esclare­

cido. Trata-se da imolação de sacrifícios. Este fenômeno é bas -

tante comum na celebração dos rituais. E uma outra imitação da

obra de Deus na cosmogonia, so que se trata de uma cosmogonia

trágica, por vezes sangrenta:

” (...) como I m i t a d o r dos g e s t o s d l v l


nos 0 h o m e m d e v e r e l t e r ã - l a s . S e os
d e u s e s t i v e r a m de e s p a n c a r e de es­
q u a r t e j a r um M o n s t r o m a r i n h o ou um
S e r p r i m o r d i a l p a r a p o d e r e m criar , a
p a r t i r d e l e o m u n d o - o h om e m , por,
seu turno, deve I m i t a r essa '.ação
quando constrÔl o seu mundo prÕ-
p r l o (...)" 23.

Assim, a imolação de animais e atê mesmo de seres hi^ma

nos ê uma forma de atendimento de uma exigência imposta pelo mi-

tO. I :

Uma outra realidade que merece ser considerada, com r_e

lação ao mito, ê a sua configuração espacial. Esta se apresenta


161

ao homem como passível de ordenação. E se pode ser ordenada ê

porque supõe caos. 0 caos se registra através da "homogeneidade

espacial". No momento em que o homem começa a estabelecer dife -

renças, isto é, reconhecer qualidades excepcionais em um ou al­

guns lugares, começa a estabelecer o cosmos.

"Pa/ia 0 __h ornem A z l Z g Z o ò o , o e i p a ç o não


é homogêneo: o eipaço apAeienta Aotu
A a ò , quebfiaò (...). (laando o i,agfiado
ie m a n Z ^ e i t a . p o A u m a qaa-íqueA h-íeAo-
^anZa, nao 6Õ hã Aotuna. na h o m o g e n e Z
d a d e do e s p aç o, ma ó hã t a m b é m 'Aev e-
lação defuma A e a l Z d a d e absoluta' que
Áe o p õ e ã 'n ã o - A e a t Z d a d e ' da Z m e n i a
e x t e n ò ã o e n v o l v e n t e . (...) 0 eòpa-
ço 6 a g A a d o t e m um v a l o A ext-it enc tal
paAa 0 homem A e l t g l o ò o ) poAque nada
p o d e c o m e ç a A , n a d a óe p o d e ' ^azen.' ,
òem uma oAtentação pAevta - e toda
a o A l e n t a ç ã o t m p l t c a na aqu-iitção de
um p o n t o lixo. (...) ’P a A a v t v e A no
mundo e pAeetòo ^undã-lo' - e nenhum
m u n d o p o d e n a ò e e A do c.aoò da h o m o g e ­
n e i d a d e e da A e l a t l v l d a d e do espaço
p A o ^ a n o " 24.

Nesses locais que passam a ser caracterizados como es­

paciais ~ os espaços sagrados é que se celebram os ritos.

Não so o espaço carece de ordenação, de estabelecimen

to de fronteiras capazes de delimitar o "sagrado", e separã-lo

do "profano". Para que também, com relação ao tempo, o cosmos se

estabeleça na mente humana, o homem distingue dois tipos de tem­

po: o sagrado e o profano.

Tempo sagrado é o tempo da criação; da realidade. Nada

existiu antes desse tempo original. '

Vimos no estudo do rito, que esse tempo primordial po­

de ser recuperado, o que torna possível ao homem reintegrar-se

nele. Ê um tempo que pode ser presentif icado. Da mesma forma qtie

cada estação do ano pode, indefinidamente, "vir a ser", assim


162

também o tempo sagrado;

ã drcalan., reversível e reeu


p e r ã v e l , e s p e c l e de e t e r n o present~ê
m l t l e o q u e o h o m e m r e i n t e g r a pertod-í
a a m e n t e p e l a l i n g u a g e m dos r t t o s " 257

Em contraposição, o tempo profano é cronológico, irre­

cuperável, envolve passado, presente e futuro.

Sintetizando tudo o que se disse sobre mito, diríamos

que este surge de uma necessidade que o homem religioso tem de

criar o seu cosmos. Basicamente 0 mito se fundamenta na busca ,das

origens e na apreensão total de uma parcela da realidade tida :C0

mo verdade absoluta. A sua sobrevivência é garantida pela celê -

bração do rito, que por sua vez pode envolver a imolação de vítj^

mas. Pressupõe uma "cosmização" no espaço e no tempo, distinguin

do espaço e tempo sagrados de espaço e tempo profanos.

2.2.2. 0 mito na obra São Miguel

Tomemos como ponto de partida a hipótese de que há, vi

vente no grupo focalizado por Sassi no romance São Miguel, o mi-

to da criação do desencadear das enchentes, Se reatualizado, pe­

riodicamente, através da celebração de um rito, com a imolação

de vítimas, será legado ao homem o poder de controlar o sobrevir

dessas enchentes.

Dispomos de ;am critério capaz de nos levar ã constata­

ção da veracidade dessa hipótese,. Basta que o suposto mito. seja


I , ' ' ^

revivido, periodicamente, através da celebração de um rito, num

espaço e tempo sagrados , com ou sem|a imolação de vítima,e quei •Gcjn'^


163

nha , em si, os três e l e m e n t o s p o r n5s estabelecidos como caracte

rizadores do v e r d a d e i r o m i t o .

Para levar a efeito essa tarefa, vamos partir do rito,

seguindo o caminho inverso ao percorrido no estudo teórico.

0 grupo social focalizado pelo autor costuma, anualmen

te, na vespera da festa de São Miguel, se a quantidade de chuvas

não foi suficiente para permitir que o rio transportasse a madei

ra para a Argentina, celebrar uma cerimônia, um ritual: o rito

do lava-pes, em que lavam os pês de São Miguel, para pedir chu­

va. Observe-se o trecho:

"0 povo.òe. fieunla J u n t o a tg/ieja n o ­


va, l og o ao a n o t t e c í A . Oi, bal^dtAoò
t o m a A a m o ando A da t m a g e m e. pu-iíAam-
no a c a m i n h o do Ato. A vila, quase
IntelAa, acompanhava. Fablano, logo-
a p Õ ó 0 ò a n t o , p u x a v a ai, o A a ç õ e ò a u x l
l i a d o p e l a i m u l h e A e i {...). ~
C h e g a d o i ãi, r n a A g e m do ÍÁAugual, oi
h o m e n i d e p o i l t a A a m o i a n t o em um o A a
t Õ A l o {^elto de p e d A a i e ai mulheAel
a c e n d e A a m velai, f a b l a n o c o m e ç o u oi
p a d A e - n o i i O i e ai a v e - m a A l a i . V e p o l i
^ a l o u ao i e u povo, . A e c o m e n d a n d o - l h e
q u e t l v e a e {^e noi p o d e A e i do ian t o .
V e u i m a n d a A l a a chuva, q u e v i n h a ido
céu e {^azla com q u e o Alo encheii e ,
p a A a b e n e ^ Z c l o de t o d o i elei. 0 povo
t l v e a e ^e. V l z e a e d e v o ç ã o . Logo ie
A l a 0 d i a de São M i g u e l , e o ianto
m a n d a A l a a e n c h e n t e , p a A a a c a b a A com
ai p A l v a ç õ e i de tod o i .
0 p o v o c l a m a v a em a l t o i bAadoi:
- A j u d a l - n o i , São Miguel'.
- Chu va , Sã o M l q u e l l
t.^.)
VaZ 0 y e l h o fablano chamou uma cAlan
ça, M a A l a i A o d e a A a m - n o . A eicolhldã
\ol u m a .dai {^llhai de T e A e i a . f a b l a ­
no f^alou: I
- Eu m a n d o que e i t a m e n i n a vlAgem
t l A e ã g u a do Alo, p o A q u e a á g u a p a A a
l a v a A Oi péi do i a n t o tem q u e i e A \ p u
Aa, v l A g e m do p e c a d o e l i m p a como iai
a l m a i dai c A l a n ç a i e dai v l A g e m . Ai
m ã o i do p e c a d o A não d e v e m de i u j a A a
ã g u a doi pé do \ianto.
A m e n i n a ^ol l e v a d a paAa' a baAAanca
164

d_ò íQufLam-na sobre, o rio p o r a m a das


maos. Com a o u t r a tia t o m o u a v a s t -
Ika, e. e n c h e u - a com a á g u a do Uru­
guai. V a b l a n o p e g o u o j a r r o das m ã o s
da c r i a n ç a e p o r t r e s v e z e s derra­
m o u - a s o b r e os pes da I m a g e m , d i z e n ­
do •
- Â g u a do rio'. S u b a pra s n u v e m e v o l
t e pro rio. Com o p o d e r de S ã o Mi­
gu el. Amém.
- Amém'. - e c o o u o povo.
E q u a s e t o d o s se p r o s t e r n a r a m , e, de
j o e l h o s r e z a r a m j u n t o com o v e l h o " .
ÍSM; p. 2 U , 219] .
i

Ati'avês deste rito pode-se apreender o mito,

Se seu Fabiano toma um pouco de âgua do rio e a entor­

na sobre os pés de São Miguel, ordenando a essa ãgua que se

transforme em chuva com o poder de São Miguel, é porque,"in illo

tempore", Deus, para criar o desencadeamento de uma chei^, teria

tomado um pouco de ãgua do rio e a entornado sobre os pés de um

heroi mítico - hoje São Miguel - e ordenado, a essa ãgua, que su

bisse ãs'nuvens e se convertesse em chuva para voltar ao rio, A

agua teria obedecido. Evaporara-se e se condensara a seguir em


j

chuva, para voltar ao rio, estabelecendo-se assim o ciclo das

cheias, tal qual existe ainda hoje na região. '

Ao repetir o gesto de Deus, ao prjonunciar as mesmas pa

lavras divinas do ato da criação, o homem se insere no tempo pr_i

mordial dessa criação. Não apenas imita o gesto criador, mas re-,

cria, investindo-se do poder do Criador, deificando-se.


I

Outro' detalhe que deve ser considerado, é qüe essa ce­

rimônia não pode ser celebrada por qualquer pessoa, como ê poss^

vel se perceber através do problema de consciência vivido por Te

resa, quando resolve lavar, ela própria, os pês do santo, ãs es­

condidas, jâ que 0 padre proíbe o povo de retirar a estatua do

santo da igreja: i
165

V e p o l s , e n c h e n d o um vldrlnho
c cm ãgua, e s c o n d e u - o no se-Lo. T e m i a
f a z e r a q u i l o , mas e r a a s o l u ç ã o . Ou-
t r a não havia. Um s a c r i l é g i o , tal­
vez'. Mas q u e V e u s a p e r d o a s s e , p r a t l
c a v a - o com boas I n t e n ç õ e s . 0 q u e e l ã
p r e t e n d i a f a z e r era a t r i b u i ç ã o de
gente- ’ s a g r a d a ’, de h o m e n s e m u l h e -
r e s de I d a d e , q u e t i n h a m ’p o d e r e s ’
e s a b i a m as c e r i m o n i a s e as rezas.
Ma s V a d r e H e n r i q u e não c o n s e n t i a e
e l a r e s o l v era d a r um j e i t o na ques­
t ã o . (...)
A r r e p e n d e u - s e v ã r l a s vezes, no c a m i ­
nho. E r a m e s m o um s a c r i l é g i o , não
devia m exer com^as coisasj santas.
L e m b r o u - s e de v ã r l a s h i s t o r i a s que
l h e h a v i a m c o n t a d o . Pois u m a v e z , u m a
v e l h a q u e não t i n h a ’p o d e r e s ’ h a v i a
l a v a d o os pés da I m a g e m , e o r e s u l t a
do f o r a t r i s t e . A e n c h e n t e v i e r a , d ê
fato, m a s d i f e r e n t e das o u t r a s . Uma
v e r d a d e i r a c a l a m i d a d e (...). Mas, na
q u e l e tempo, a v e l h a abusara. Havia
0 seu Fabiano, que poderia realizar
0 r i t u a l , e el a p a s s a r a p o r c i m a de
sua autoridade. A g o r a era diferente.
P a d r e H e n r i q u e z e l a v a p e l a I m a g e m do
s a n t o , e não d e i x a v a n i n g u é m fazer
a q u i l o . S e u F a b i a n o não p u n h a os pés
na I g r e j a ve lh a, o n d e m a n d a v a o p a ­
dre. O u t r a p e s s o a não h a v i a com ’p o ­
d e r e s ’. Ela, pois , p o d i a l a v a r os
pés do s a n t o , s e m m e d o o u s u s t o , pois
e s t a r i a p r a t i c a n d o o b e m ”. {SM, p.

Esse drama vivido por Teresa ë plenamente justificável

jâ que tivemos oportunidade de explicar, anteriormente, que o r^

to deve ser celebrado por iniciados e Teresa não ë um deles.

Como a propria Teresa sabe, a pessoa mais indicada p a ­

ra executar a tarefa ë seu Fabiano, por ser:

''Incontestável o seu poder (...)" (SM, p. 18).

Atê sobre a chuva, tinha certa força:

"0 velho pode... Se ele quisesse, com a ajuda de

Deus. . (SM, p. 23).

E por isso, era respeitado por todos:


166

"Mandava mais que o intendente, mais que o padre e o

sargento da polícia, muito mais que todos eles juntos" (SM, p.18).

Não s5 pelo prestígio que goza, mas principalmente pe­

la "maturação espiritual" que apresenta, indubitavelmente, seu

Fabiano ê um "iniciado".

0 espaço físico como jã fizemos referencia, ê também

de preponderante importância para a celebração do rito.

0 que leva a mente humana a distinguir as duas espé­

cies de espaços - o sagrado e o profano - é, principalmente, o

fato de carecer de um lugar específico para contatar com os deu­

ses, para celebrar seus ritos.

Teresa lava os pés do santo na igreja mesmo, porque e^


26
ta é comprovadamente, um lugar sagrado

0 outro local onde é celebrado, e coletivamente, o ri­

to - o rio - também é um espaço sagrado.

A água sempre teve uma conotação religiosa para a huma

nidade.

Através da Bíblia temos notícia de dilúvio como forma

de castigo divino (Gêneses: 7,11-20) !e de uma travessia, a seco,

sobre o Mar Vermelho como forma,de proteção de Deus a seu povo

(Êxodo: 14,23-30). |

As vezes, a ãgua conota o proprio Deus:


I
" V u a é m a l d a d í ò c o m e t e u m e u pov o: a-
b a n d o n o u a mim, ^ o n t e de ã g u a viva,
e c a v o u p a A a i>l cl.hteK.yiai {^endldaé
q u e não p o d e m A e t e A ã g u a " [ J e A e m l a ó :
2,13].

A Bíblia é rica em expressões como: "renascer pela ;â-


i

gua e pelo Espírito Santo" (Marcos: 1,8); "Jesus, fonte de vida"

(João: 4,13-14); "Eu sou verdadeiramente bebida" (João: 7,37-38),


167

e outras.

Santo Agostinho participa, igualmente, dessa idêia- de

associação ãgua/Deus:

"MÓS, p e q u e n o s p e i x e s do S e n h o r , é
na ã g u a q u e e n c o n t r a r e m o s v i d a " 27.

0 homem do Oeste Catarinense ê um dependente dos capr^

chos da ãgua, e por isso, ê perfeitamente justificável que nele

se acentue, ainda mais, esse sentimento religioso que a referida

ãgua sempre teve a força de despertar na mente do homem..

Enquanto que a gente do Planalto se anula, ou! no ele -


■ íL
mente flora desfeito em farelos, cujo exèmplo tivemos em Jcjão
i

Raizer, ou no elemento terra, à sombra de uma cruz feita da mes­

ma madeira com a qual sempre estivera ligado, o homem do Oeste

Catarinense na pessoa de Leonor se anula na ãgua, símbolo da con

firmação de uma aliança obrigatoria, entre o homem e esse elemen

to natural.

Dada a importância do rio, na vida do homem, este dei-


i '
xa de vê-lo como um espaço natural. Interpreta-o ou sente-o como

uma ãrea específica, sagrada, por se destinar a receber e canal^

zar a âgua da chuva, que outra não ê senão a misteriosa âgua se-

mideificada por ele. Para a gente da região, essa ãgua ê ainda

possuidora de prerrogativas que Deus negara a esse mesmo homem ,

ao criâ"lo, pois no dizer de seu Fabiano:

" V eu s, no p r i n c i p i o do m u n d o , deu
pra cada coisa o seu caminho; menos
p r a ãgua. A ã g u a não p r e c i s a de c a m l
nho; el a mesma escolhe o seu" (SM, p.277).
I '

Logo, a âgua ê superior ao homêm. E equiparada a uma

espécie de semideus, do qual ê símbolo São Miguel, sendo que es-


168

se santo, por vezes, chega a se confundir na mente do povo como

objeto de que ê símbolo - a enchente E que desfeito em peque­

nas gotas, desce sobre os homens para atender ãs necessidades

que apresentam. Daí porque o uso de metáforas como esta, utiliza

do pelo autor para explicar que a enchente tivera início:

"São Miguel chegava, afinal. E no dia exato" (SM, p.

253).

Como ente sobrenatural, a água nem sempre procura aju­

dar o homem em suas necessidades porque não depende, absolutamen

te, dele. Ao contrário, o homem é quem depende dessa água até pa

ra a sua sobrevivência. Logo, ela não tem compromissos de fideli^

dade para com este. Ê por isso que:

"A água engana" (SM, p. 239).

E por extensão, nem o rio necessita ser fiel ao grupo:

"- E o diabo ê que o rio engana (...)" (SM, p. 105).

, "E o rio sempre traiçoeiro e ruim" (SM, p. 101).

Parece mesmo que a água cobra, do homem, e muito caro

a enchente que lhe concede, uma vez que em todo o livro a mor|te

de uma pessoa se evidencia como fator necessário para que o rio

encha:

" - E/i^e ano não moA/ieu n i n g u é m n ’


ãgua,
0 ano p a n a d o t a m b é m não, p o A lòòo
não tíve. e n c h e n t e " (SM, p. 19),

" - t . . . ) (laando moA/ie g en te na


ãgua , pa/iece que o filo I n c h a e qaeA
devolven. o c o K p o , de um jeito ou. de
outfio. Q_uando mofiAeu o {^llho do V^l-
dal, {^ol aquela chuva/iada que . . 'òe
vlo., (SM, 20].

"- M a ò t ã cefito como e le diz. ?fiecl-


i,a mofifien. g e n t e a f o g a d o pA o filo en-
chefi e. . (SM, p. 21] .
169

" 2 !.•••) C o r r e u m a t e n d a p o r aZ
nao ò e Z i>e o s e n h o r jã o u v Z u f a l a r - ,
d i z e m q u e p a r a o rio f i c a r c h e i o e
p r e c i s o qu e m o r r a g e n t e d e n t r o d e l e "
(,5M, p. 10 5] .

"- M o r t o p o r m o r t o ele j ã tã. Nada


custava que t i vesse sido n'âgua, que
daZ a g e n t e la ter chuva bastante"
(SM, p. 198].

Se a morte por afogamento ë condição "sine qua non" pa

ra o sobrevir da cheia, claro está que no ato da criação dessa

cheia houve o oferecimento de uma vítima humana à ãgua. E a re­

criação desse fenômeno estará completa se abranger a imolação

de uma nova vítima.

Diríamos, pois, que o rito do lava-pês funciona como

uma especie de "re-selagem" de um acordo entre o homem e a água.

Através dele o homem confirma estar aceitando a morte de um en­

tre eles, para que se complete o ato recriador da enchente.

Celebrada a cerimônia, ocorre naturalmente, a morte de

alguém por afogamento (imolação do sacrifício) e a cheia tem lu­

gar. Nada impede, porém, que essa morte se anteceda ao rito.

Mais uma vez se evidencia a sacralidade do espaço rio,

qué além de se prestar para a celebração do rito, é também o

unico capaz de consumar o sacrifício humano.

Inconscientemente, talvez, haja uma tentativa, por par

te do homem, de substituir esse sacrifício real por outro simbo-

lico. Por isso, enquanto os balseiros lançavam as toras retama -

das de propagandas políticas, com fotografias de candidatos, na

água, faziam-no como se estivessem atirando nessa âgua, não o

tronco, mas o proprio candidato cujo retrato se estampava no car

taz:
170

" kfDtciitavam a. t o A a p a A a a ' a a n a t e t a ’ .


A n t í ò de I m p u l ò l o n ã - l a , V o A l v a Z ba­
t i a no c a A t a z , na c a A a òOAAldentz,
e dl zla:
- B o a v i a g e m , ia^^ado. Â g o A a t a vai
t o m a A um banho, viu? Uai v e A i e c o n ­
t a Z o A o t a Z ã pA oi pe i x e . í/amoi veA,
g e n t e r " (SM, p. 156].

Mas o sacrifício humano é insubstituível.

Além dessa prova de sacralidade do espaço "rio", outra

nos é dada, através da revelação de ordem sobrenatural, feita a

Altamiro, sobre o lugar exato onde se encontrava o corpo da irmã,


I

no momento em que este o procurava, dentro da ãgua: |

" E Z e a g o A a 'ient la' a p A e i e n ç a da


l A m a , c a d a vez m a l i {^oAte a lmpAei^\ -
iã o .
- Uã d e i c a m a A , d o u t o A .
- V e l x e , i e u M l n g u t a . V e l x e . Eu iel
q u e v o u a c h a A a m i n h a lAmã .
A p A o x l m a A a m - i e d a b a Z i a ve Z h a . A Z t a -
mlAo gAltou:
- E Z a e i t ã aZl.
Um doi h o m e n i m e A g u Z h o u . E m e A g l u , ie
gundoi depoli, dizendo:
- E Z a t ã a Z l m e i m o . T ã e n A o i c a d a nu-
m a i A a l z . M e d ê e m u m a c o A d a " (SM. p.
1 4 4 ] .............. .............. I

Uma vez consumado o sacrifício, a ãgua colabo^ra com j o

homem. Satisfeita a exigência ê possível, ao homem, dentro do

"espaço sagrado", contatar com os deuses. '

Até aqui, tudo indica tratar-se realmente de um mito.

No entanto, é necessário verificarmos se as características, por

nós estabelecidas como necessãrias ã sua existência estão presen


tes .

Numa investigação sobre onde o fundamento do costume

existente no grupo, de celebrar o ritual do lava-pês, encontra -

mos o depoimento da personagem dona Isaltina, no momento em que

tenta convencer o Padre Henrique a que^permita, ao povo, realií-


171

zar a cerimonia:

Ma-i jã Q. a m a t r a d i ç ã o , p a d r e l S e m
p/ií, q u a n d o não kã e h e l a s a n t e s do
d i a do p a d r o e i r o , o pov o r e a l t z a e s ­
s a c e r t m Ô n t a " [SM, p. 71).

E, segundo a personagem Teresa:

" A q u i l o e r a c o s t u m e velho, q u e v i n h a
de anos, d e s d e o c o m e ç o do m u n d o ”
iSM, p. STT.

Não se trata, portanto, de uma invenção popular mas de

um fato com bases em "illo tempore".

Por outro lado, o pretenso mito que estamos examinando,

não deixa lacunas na mente do homem. Apresenta-se de modo relat^

vãmente completo, acabado. Se reatualizado através do rito, por

quem de direito, dentro das exigências pré-estabelecidas, e se

um ser humano for imolado na âgua, o rio encherá, e os problemas

que a estiagem estâ causando serão solucionados.

Quanto ao caráter de verdade absoluta que todo o mito

deve assumir pode ser identificado, na obra. Observe-se, por

exemplo, o posicionamento de dona Isaltina ante a proibição fei­

ta por Padre Henrique, relativamente à realização da cerimSnia

do lava-pés:

(...) I m a g i n e v o c e qu e ele m a n d o u
t i r a r o s a n t o da I g r e j a nova, e não
q u e r p r o c i s s ã o com l a v a - p e s . Ua s a
g e n t e não. t e m n a d a a v e r com o p a d r e .
U a m o s f a z e r a f e s t a p o r n o s s a conta.
I m a g i n e voce: p r o i b i r a pr o c l s s ã o i e
0 l a v a - p é s " (SM, p. S3].

Não podiam concordar com o Padre. Impossível pôr em

risco a vida psíquica do grupo. Deixar que o mito se perdesse se

ria para aquela gente no dizer de Eliade, como que perder a pro-.
172

pria alma, Era necessário lutar. Era urgente recorrer a todos os

meios lícitos è ilícitos para que pudessem salvaguardar a vida

de sua crença. Daí ser plenamente justificável, tanto o abaixo-

-assinado de dona Isaltina, pedindo o afastamento do Padre, como

o evidente uso de má fé que ela apresentava, ao colher algumas

ass inaturas;

Uocê iabe. TzAzia?


- Eu? N ã o òil, nao. A n l n o o nome.,
m a l e mal.
- E-itã bem, e n t ã o seA-ve. k & i t n e aqut,
n e i t a l U t a " (SM, p, 7J 3) .

Era desnecessário explicar a Teresa o porquê da assina

tura. Esta era uma pessoa que vivia ás voltas com a própria con£

ciência, por qualquer probleminha à-toa. Já que Teresa, como in­

tegrante do grupo, vivia o problema desse grupo, como bem o pro­

va a celebração individual que fizera da cerimônia do lava-pés ,

ela iria.acabar assinando de qualquer forma. Trata-se, apenas,

de evitar que Teresa passe a viver mais um drama de consciência.

Havia uma ameaça à instabilidade espiritual do grupo -

o Padre Henrique. Urgia afastá-ld para que o povo pudesse preser

var a verdade de seu mito através da sua recriação, e retornar,

assim ao seu antigo equilíbrio espiritual.

Bem que o grupo tentou lutar com outras armas. Mas to­

do o falatorio de dona Isaltina para convencer o Padre a deixar

que realizassem o lava-pês fora inútil:

E ò t o u d e a c o K d o com o f i e s t o ,
Mai n ã o me i a l e m a l i , p e l o amon. Id e
V e u ò , em l a v a f i oi> p e ò d a I m a g e m " {SM,
p. 73\ .

Bem que o povo fez o seu protesto deixando de ir

igreja:
173

"PadAe Henrique voltou-òe para oò


fi é iò e a b e n ç o o u - 0 6 . A i g r e j a quase
vazia. S e m p r e as s i m , u l t i m a m e n t e "
(SM, p. 57).

Mas Padre Henrique se mostrara intransigente. Agora,

a última arma fora usada, o abaixo-assinado ao Bispo pedindo a

saída do padre do local. E dera resultado:

" p a d r e H e n r i q u e r e f e z - s e do c h o q u e e
r e l e u a ca rta . V i s p e n s ã v e l a r e l e i t u
ra. E n t e n d e r a bem — m a n d a v a m - n o e m ­
bora. D o n a I s a l t i n a v e n c e r a . (...)
C u m p r i r as o r d e n s , er a a ú n i c a a l t e r
n a t i v a q u e l h e r e s t a v a " (SM, p. 189j.

Removido o obstáculo, a procissão do lava-pês teve lu­

gar. Observe-se que:

" A vila, quase inteira, acompanhava” (SM, p. 218).

E se acompanhavam, ê, evidentemente, porque estão cer­

tos da verdade que o ”seu” mito encerra, como o afirma Teresa:

" L a v a r os pés de S ã o M i g u e l , para


q u e a c h e i a v i e s s e , er a c o i s a que
não f a l h a r a n u n c a " (SM, p. 87}.

Comprovada a existência do mito, comprovado também fi­

cou a força que o elemento água exerce sobre a vida espiritual

do grupo focalizado por Sassi, na obra em discussão.

Movido por essa força o povo eliminara o Padre Henri -

que do seu meio. E, igualmente, sob a pressão dela:

" M é d i c o s não s e d e m o r a v a m a l i . C h e g a
vam, p e r m a n e c i a m um q u a s e n a d a - se Z s
m e s e s , quando muito - , e l o g o s e iam,
em b u s c a ^ d e o u t r a s p a r a g e n s . I . . . }^ 0
q u e , p o r é m , nenhum m é d i c o p o d i a era
c o m p e t i r com o Z n d i o v e l h o , p o i s s e u
F a b i a n o não v i n h a com a q u e l a s j u d i a -
r i a s d e i n j e ç õ e s , nao . r e c e i t a v a r e m é
d i o s c a r o s e não c o b r a v a n a d a " (SM,
p. U ] .
174

0 que faltava aos médicos, ali chegados, seu Fabiano

tinha de sobra — a integração espiritual com a realidade mítica.

Somente o Dr. Spitzer conseguiu permanecer na vila por

que "ele respeitava o velho" (SM, p. 18), o que equivale dizer

que aceitava, contrariamente ao padre Henrique, o ser do grupo,

não representando ameaça ao povo nesse sentido.

E todos os que se integram espiritualmente ao mito re­

gional, de uma ou de outra forma, podem permanecer indefinidamen

te ali, contribuindo até mesmo com as suas tradições culturais ,

para a formação dessa nova cultura. E o caso do argentino Juan


i !
Medina, que empresta uma parcela |do folclore de sua raça, paraa for

mação cultural de umanova. Referimo-nos à surra que dã em um saco

vazio, dentro do qual colocara, imaginariamente, todos os santos,

exceto São João, por ser o seu santo onomástico e São Miguel, o

que comprova sua solidariedade mítica ao grupo.

Desse modo, fica evidente que se não houve uma integra

ção entre o homem e a ãgua, do ponto de vista físico, essa inte­

gração se registra, ainda que através do mito, do ponto de vista

do trans-real.
175

'3. 0 AUTOR ABSORVIDO PELO PROCESSO REGIONALIZAÇÃO

No trabalho Aspectos da narrativa de Guido Wilmar Sas-

s i , submetido ã Universidade Federal de Santa Catarina, pela pro

fessora Heloísa Helena Clasen Moritz, para a obtenção do grau de

Mestre em Letras, a referida professora afirma na conclusão de


28
seu trabalho, ser o autor lageano um escritor pessimista

Respeitamos o posicionamento da colega, mas não pode -

mos concordar com ele.

Somos da teoria de que obras regionais não estão e não

podem estar comprometidas com dados exclusivos da personalidade

do escritor. Elas têm um compromisso bem mais abrangente e dizem

respeito a traços da personalidade de todo um grupo - o que foca

lizam.

Assim quando Sassi expressa em sua obra que a "felici-


29
dade nao existe para o homem" nao nos parece que esteja dei­

xando "transparecer nela a sua amargura" ou "o seu pessimis­

mo" mas o fatalismo de toda uma coletividade.


I'
Não vemos pessimismo no autor. Vemos, isto sim, sensi­

bilidade e talento suficientes para permitir que, através de sua

ficção, o leitor possa se inteirar de todo o fatalismo que exis­

te disperso na "alma regional" dessa coletividade que enfoca,

Quando falamos em "alma regional" ou "espírito da col£

tividade", estamos nos referindo ã soma de dados espirituais es­

pecíficos aos elementos de um grupo social, e, ao mesmo tempo,

comuns a cada um deles. Como o escritor é um dos elementos desse

grupo, quer por circunstâncias naturais, quer por força de leitu

ras, informações ou mesmo vivências pessoais da região que enfo­

ca, diríamos que os referidos dados espirituais são extensivçs,


176

também, a ele. So é diferente dos demais membros do seu grupo,

porque é capaz de dar a conhecer ao mundo através da arte essa

alma regional, na qual a sua propria se dissolvera.

Entendemos que essa impressão da "alma regional", na

obra, é um aspecto da criação literária que se aloja a um nível

que escapa ã vontade consciente do autor. Capta-a não com a inte

ligência de que é dotado, mas com a acuidade intuitiva que a pró

pria "alma regional" lhe empresta. Por isso, a esse nível, vemos

o sujeito e o objeto que esse sujeito tenta representar, como

que fundidos em um só todo, sendo difícil ao analista precisar

em quais circunstâncias o sujeito comanda e a partir das quais

é comandado.

Pela visão que temos do problema, no entanto, ousamos

afirmar que é muito freqüente o escritor ser comandado nos momen

tos de decisão da sorte das personagens. Nos trabalhos verdadei­

ramente regionais, a sorte dessas personagens, pelo menos a das

principais, não é atribuída pela vontade consciente do autor. A

personagem escapa-lhe ao controle e caminha com seus próprios pés

em busca do seu destino, 0 autor vai atrás dela e muitas vezes

lamentando a sua triste sorte, sem nada poder fazer para evitá-

-la. E nem a personagem pode fugir ao seu destino, porque estâ

sob a pressão da força do fatalismo vivente no espírito da cole­

tividade da qual faz parte e que, em muito se aproxima da "verda

de" que os mitos encerram. Diríamos que se trata de um mito, só

que algumas vezes, em estado de latência e, em outras com todo

vigor de sua potencialidade, como é o caso do "mito das cheias".

Quando o mito se desenvolve como ocorre no caso das

"cheias", ele aflora, até certo ponto, ao mundo consciente da

gente da terra que o v ê , o sente e o aceita, porém sempre com


177

aquela visão, aquele sentir e aquela aceitação própria de um


"peixinho" inserido dentro de um aquário. Sem que deseje aceitâ-

-lo ou sem que possa isentar-se, totalmente, da influência que

esse mito tem o poder de exercer sobre ele.

Como a definição da sorte das personagens nos parece

um aspecto que facilmente escapa ao comando consciente do escri­

tor regionalista, ê dele principalmente que pretendemos nos ocu­


par.

3.1. Os contos

Vimos observando, no transcorrer desse trabalho, a

ocorrência de uma evolução, nas obras por nós estudadas, geral -

mente no sentido de um crescimento de domínio da técnica regiona

lista, dos dois textos que destacamos do livro de estréia do au-

tor, Piã, para os que selecionamos de Amigo velho e para o roman

ce São Miguel que é posterior aos dois de contos.

Também nesse aspecto - a sorte das personagens - que

passaremos a estudar, essa evolução se registra.

Não consideramos "Piã" e "Escola" bons exemplos de

obras no que tange ã definição da sorte da personagem.

Levando-se em conta que:

— 0 autor procurou ajustar a temática desses dois con

tos à temática geral do livro - o sofrimento da criança ante a

incompreensão do adulto - que não é uma temática regional;

— que o caso de "Piá" e "Escola" é um caso apenas den

tre os muitos vividos por uma coletividade.

Somos levados a reconhecer que o autor não teve clima


178

para permitir que o espírito da gente lageana, voltada para a pe

cuaria, se fixasse em sua obra, com toda a força de que ê porta­

dora, como veremos através de um estudo da sorte que atribui a

pia:

" E n t A e 04 p o u c o s c a m i n h o s quo. st
l h e s 0 fífiecem, p i á já e s c o l h e u o seu.
L. . .) Não s e r á e l e i t o r de cabresto,
não s e r á a g r e g a d o , não v i v e r á de f a ­
v o r e s em t e r r a a l h e i a , n i n g u é m m a n d a
r á n e l e n i n g u é m . N e m s e r á com o a q u e ­
le s que, d e m o n s t r a n d o um pocico de co_
r a g e m , se t r a n s f o r m a v a m em capangas
do c o r o n e l . (...) S e b a s t i ã o N o g u e i r a ,
um q u e t e m m a i s de v i n t e h o m e n s c o n ­
s i go , a n d a p o r pe r t o , a s s a l t a n d o f a ­
z e n d a s . P r e c i s a de h o m e n s valentes.
S e r á 0 começo. V e i x a o tempo, deixa
0 t e m p o . D e p o i s . . . " (E, p. 96, 97),

É evidente que essa opção feita por pia, de encami­

nhar-se ã marginalidade, transcende de uma parcela do espírito

regional,do grupo planaltino voltado as lides de campo. Ja diss^

mos ser tendência natural dos elementos desse grupo o desejo de

viver em liberdade, E a atitude de pia, nada mais ê do que a úni^

ca forma por ele encontrada de se insurgir contra a pressão que

o meio exerce sobre ele. Se tem uma reação tão violenta, é por­

que a ação que se exerce sobre ele também é excessiva.

Por outro lado, o autor procurou manter nos contos

"Piá" e "Escola" a mesma linha de pensamento dos demais contos

inseridos no livro Pia, A de que:

"A a f e t i v i d a d e da c r i a n ç a e n t r a m u i ­
to c ed o em c o n f l i t o com os reclamos
do m e i o , e as t e n d ê n c i a s i n s t i n t i v a s
se m o d i f i c a m desde logo para que se
a d a p t e m ãs e x i g ê n c i a s do a m b i e n t e so
c i ai " 21.

Sendo que esses dois contos nos levam, principalmente,


179

a refletir que:

"0 d£.i envolvimento da cAlança pode


tomaA. uma dlAeção Áadla ou doentia
PA.edomlna ó eòtado de sanida­
de quando a òo eledade, combinada com
0 Impulso do pA.opA.lo cAesclmento da
cA-lança, ajuda a KeallzaA. suas poten
clalldades . ?A.edomlna uma condição
doentia, quando o des envolvimento da
cA.lança e de{^oA.mado poA. {^oKça de uma
-- — — — 6 0 cledade que Impõe s u^o cantes este-
' A.eÕtlpos" 32.

Entendemos que essa preocupação consciente, por parte

de Sassi, em despertar o leitor para a sua responsabilidade dian

te da educaçãõ da criança, o que não ê uma problemática regional,

bem como o fato de o autor se ter limitado a tratar da vida pe­

cuarista lageana em apenas dois contos, dificultaram o seu traba

lho "inconsciente" de melhor conformar, para o leitor, a imagem

espiritual desse grupo social que vive no Planalto Catarinense.

0 mesmo não ocorre com relação aos textos que - tratam

do grupo que se volta para a economia madeireira dessa mesma re­

gião. Estes se encontram inseridos no livro Amigo velho, que de

certo modo, trata somente de casos que têm ligação com o pinhei­

ro, elemento da realidade regional.

Neste aspecto, os contos que passaremos a estudar,

"Amigo velho", "Cerração" e "Serragem", levam vantagem sobre

"Piã" e "Escola". 0 clima, agora, ê mais propício a que o incon^

ciente do autor desenvolva um melhor trabalho de expressão da aj.

ma regional do grupo, mesmo porque, dedicar um maior número de

contos ã gente ligada ã economia madeireira ê correr um maior

risco de permitir que o espírito regional dessa gente se aprisio

ne em sua obra.

Os três contos, ora em discussão, enfocam a luta do ho


180

mem com o pinheiro: "Amigo velho" - o.abate da árvore; "Serra­

gem" - sua industrialização; e "Cerração" seu transporte e comer

cio.

Dessa temática depreende-se a idéia triádica: homem/

máquina/natureza.

Ora, máquina e natureza são idéias inconciliáveis para

o homem. Ele não pode se dividir entre ambas. Ou se alia ã natu­

reza ,opondo-se contra a máquina, como ocorre no conto "Amigo ve­

lho", ou se põe do lado da máquina, auxiliando-a na destruição

da natureza, como se pode verificar nos contos "Cerração" e "Ser

ragem".

Dessa incapacidade do homem de conciliar duas idéias

contraditórias, resulta um desajuste da "alma" desse homem para

com o seu meio, que se expressa através do que chamamos "fatali_s

mo regional": uma espécie de mito, em estado de latência.

, E o homem do Planalto se vê diante de sério problema:

optar por uma associação com a árvore significa estar do lado do

elemento mais leal, porém, do mais fraco e, portanto, correr o

risco de perecer com ele. Associar-se ã máquina significa estar

do lado do mais forte, porém, do mais desleal e, portanto, cor­

rer o risco de perecer vítima de uma traição.

Em tais circunstâncias, qualquer que seja o seu posi -

cionamento, estará sempre em risco. Daí porque os três contos

apresentarem um desfecho infeliz.

Se em todos os aspectos analisados por nós, Sassi pro­

cura se manter fiel ã realidade que enfoca, não iria aqui defi -

nir "destinos" a seu bel-prazer. A sorte da personagem sassiana

é uma extensão da sorte do homem da terra e está sujeita também

ao mesmo fatalismo que rege a região.


181

João Onofre morreu porque era parte integrante de uma

natureza que "morria".

0 compromisso de comunhão mítica que o autor tem, para

com o seu grupo social, não haveria de lhe permitir que atribuí^

se uma sorte feliz ã sua personagem, Se lhe perguntássemos, ho­

je, por que fez com que João Onofre morresse, no desfecho do tex

to, provavelmente haveria de nos dar a mesma resposta que deu

ao leitor, no conto do qual essa personagem faz parte:

"Morreu porque tinha de morrer (...)" (AV, p. 15).

Jamais haveria de dizer - "Morreu porque eu quis que

morresse".

E se não explica porque ele tinha que morrer, pelo me­

nos insinua:

"Mas não se d u v i d a q u n a^^ptAda do


seu amigo o pinheiro não l h e t e n h a
abfieviado os d ia s " (Al/, p. 7 5),

A personagem, uma vez envolvida pela força do fatalis­

mo regional, passa a ser portadora do seu próprio destino, e pa£

sa a caminhar na frente do autor,

No conto "Cerração", do mesmo modo, não ê dado, ao au­

tor, interferir no que está decidido. Procopio optara por uma

união com a máquina, mesmo sabendo que é com a natureza que se

identifica. E de madeira verde o cheiro de sua pele, e o seu j e_i

to é somente para lutar com o pinheiro. Mesmo assim estâ ligado

ã máquina: e motorista de um caminhão. Ora, essa máquina não

lhe é, nem lhe pode ser fiel. Entre ambos não pode existir aque­

le entrosamento registrado entre João Onofre e "seu pinheiro".

Em última análise: pinheiro e homem são natureza, enquanto que

homem ê homem e máquina é máquina, A qualquer momento podem en­


182

trar em desarmonia. E entram:

"Quis diminuir a marcha, mas não encontrou freios" (C,


p. 24).

Procopio ê traído pela maquina à qual se aliara. Estã

sozinho agora, e nessa individualidade é mais fraco do que a pró

pria natureza. A arvore, desfeita em tábuas sobre o caminhão da

personagem, mostra-lhe o furor de sua vingança:

t o d o ^ a q u z t z p z ò o — clnqlXznta
dazla.í, de. t ã b u a s — , e s m a g a n d o a tH.a
szlfia da c a b i n a , {^azla p K z s s ã o s o b K z
0 6 Í U co/ipo ImfitQ." [C, p. 25).

Nao se trata da imaginação inventiva do autor, mas do

fatalismo regional. No inconsciente de todo homem da terra, que

colabora para depredar a flora, paira uma ameaça: a da vingança


desse elemento natural.

,0 autor poderia variar a forma dessa vingança, porem,


não suprimi-la dos seus contos.

E no inconsciente de suas personagens se estampa essa


dívida que tem para com a árvore.

Assim, no momento em que essas personagens se aglome -


I '

ram no local do acidente tentando descobrir a causa que o moti­


vou, uma delas diz:

"- Podia acontecer a qualquer um de nós" (C, p. 25)

É o inconsciente coletivo", falando pela boca da per­


sonagem.

0 conto "Serragem" obedece um esquema semelhante ao do

conto anterior. João Raizer alia-se ã máquina — ê serrador — ,

e e agredido por ela. A árvore desfeita em serragem, num gesto

de vingança, suga-lhe a vida, sorvendo-lhe o sangue, é o determi


183

nismo regional que segue seu curso. E o proprio autor nao encon­

tra uma explicação racional para o acidente:

"De repente... - cansaço, distração, destino, qualquer

coisa assim (S, p. 59).

Sassi não sabe explicar, mas a expressão "qualquer co^

sa assim" traduz aquilo que não explica com palavras - a potên­

cia da força que governa o destino desse homem do Planalto.

E essa visão fatalista de mundo, se registra na obra

sassiana também independentemente do desfecho da narrativa. Ob­

serve-se estes trechos: . i


í
1

"0 r e c a r é o e r a e n f r e n t a r a estrada
e a erlse dar murro, arrebentar-se
de e n c o n t r o às q u i n a s do m u n d o " [C,
p. 21} .

"[...! l u t a n d o c o n t r a a e s t r a d a p é s ­
s i m a e a v i d a p r e n h e de a r e s t a s " (C,
p. 22).

Através deles pode-se concluir que a visão de mundo da

personagem Procopio, e por extensão, do homem dedicado à explora

ção da arvore, é de algo repleto de saliências angulares, perigo

sas, ameaçadoras. Mesmo sendo o mundo cheio de "quinas" e a vida

"prenhe de arestas" o homem os enfrenta, porque não tem opção.

Defender a arvore? Mas como? Se estão todos contra? Seria morrer

incompreendido. Associar-se ã maquina? É realmente muito perigo­

so, mas o recurso é assumir o perigo. ;


A um analista que tem vivência do mundo que estuda, ico

mo é o nosso caso, é dado verificar o freqüente uso, que a gejite

da terra faz da expressão:


i

"dar murro em faca de ponta" (C, p. 23), !


184

que Sassi transfere para a sua obra e, ainda, do adagio popular:

”Se correr o bicho pega, se parar o bicho corne",

que muito dizem desse fatalismo que pesa sobre esse grupo humano,

vivente no Planalto.

3.2, 0 Romance

Tambëm na obra São Miguel se percebe que algumas perso

nagens se desgovernam do controle do autor,

Ë possível que, em certos casos, a formação cultural

de Sassi de homem do Planalto, tenha sido o fator responsável por

esse desgoverno. A sorte de Mário, por exemplo, pode ser identi­

ficada ã da gente que se dedica a- exploração da madeira, da re­

gião lageana:

" - C a l d a d o l C u i d a d o , h ome m!
- M a A l o A e c u o u . ?on.em, j ã agofia, a
p i l h a jde to fiai, iz d z i m an tz Za fia in
ttlfia, z iz pfiojetava em c i m a dele,
eom'o u m a a v a l a n c h e . T u d o c o t i a de
i e g u n d o i . Mãfito, o tefifiofi noi olhòi,
q u l i cofifiefi. Não pode. Ai pefinai
nã o o b e d e c i a m p f i d e m gfiitadai pelo
m e d o , Efia o pfiÔpfiio m e d o , talvez,
q u e ai iegufiava, qu e a.i i m p i d i a de
ie movefiem, A b o c a de Mãfiio ie
abfiiu num gfiito. N e n h u m iom, pofiem.
E oi tofioi a v a n ç a n d o p e l a i n c l i n a -
ção do ei tal eifi o, pfiecipitando-ie
em i u a difieçao . . . Mãfiio comeguiu
movefi-ie, ma i j ã efia tafide. V e b a l d e
e l e ie v o l t o u de c o i t a i pafia oi
tfioncoi q u e ie. d e i p e n h a v a m , e t e n ­
t o u cofifi.efi pafipL 0 iim do e i t a l e i f i o ,
de o n d e podefiia ialtafi pafia o chão.
Efia tafide. A pfiimeifia tofia a l c a n -
ç o u - o nai pefinai, f a z e n d o - o caifi.
A i e g u n d a p e g o u - o no ventfie, e n q u a n
to u m a teficeifiu o a t i n g i u no p e i t o ,
p f i e m a n d o - 0 contfia a bafifianca. E
185

a ò ò l m t o d o s os t r o n c o s , proj&tando-
-se um a um, ou d i v e r s o s de c a d a vez,
a m o n t o a r a m - s e em c i m a do r a p a z " (SM,
p. ?95).

Não podemos, contudo, negar a versão de que o mesmo

fatalismo vigente no Planalto, seja comum também ao homenoestino.

Ditado ou não pelo”inconsciente coletivo” o fatalismo se registra.

A arvore cobra do homem_o preço da agressão a._que estã sujeita,

sendo que a tarefa do autor se resume em captar em sua obra esse

fenômeno de ordem trans-real.


Outro ponto sobre o qual o autor não pode interferir ê

o referente ã sorte de Padre Henrique. Nem pode impedir, ã certa

altura do romance, que as demais personagens forcem a eliminação

do Padre, do seu meio.


Poderia, a nosso ver, ter impedido o Bispo de aceitar

a solicitação feita pelo grupo, se admitisse que esse Bispo não

estava süjeito ã força mítica regional. Nesse caso, Sassi teria

deixado de apresentar ao problema aquela — no dizer da professo

ra Clasen Moritz — ”solução satisfatória” ,^^, porque o desfecho

teria sido semelhante ao de outras obras suas: desalentador.

Esse mesmo compromisso incònsciente, que Sassi assume,

para com a alma regional oestina, faz com que ele crie uma perso

nagem materialista, com propensão ao ateísmo, sem que possa li­

bertá-la das convenções espirituais prevalecentes no grüpo. Pe­

dro Rossi não acredita em nada (SM, p. 23), no entanto, vai con­

sultar seu Fabiano, a respeito das possibilidades de chuva, sen­

do que depois admira~se do que faz:

E eu, q u e não a c r e d i t o n e s s a s c o i
sas, t e 'acompanhando qu e nem burro .
Mão s e i 0 q u e m e dã, as vez. __Parece
q u e m e dã u m a b u r r i c e s e m r e m é d i o "
(SM, p. 23}.
186

Mas nos sah cm os que nao e l)urricc. H- a força do mite,

pressionando na pcrsonagoni a evolução do uni es ta r para um sejr. Ë

o talento do autoi’, colhendo intuitivamente essa força, em seu

romance -
0 ponto alto do aspecto que estamos tratando concentra

se na personagem Leonor, porque nela reside a chave da questão

mítica desta obra.


Desde o início do romance, o leitor suspeita de que
I

uma das personagens vai morrer afogada ho Uruguai. Fica apreensi

vo a cada "falsa pista" que o autor ofe,Tece. Observe-se estas:

"Ai c r i a n ç a s d t ò p o j a r a m - s e daS roupa s,


r a p à d a m ente., e a t i r a r a m - s e ao rio.
SÕ um dos m e n i n o s f i c o u s e m despir-
-òe, em c i m a da e m b a r c a ç a o . Os ou­
t r o s x i n g a r a m - n o , c h a m a n d o - o de m a r i
c a s . 0 menino desculpou-se, alegando:
- £ muA.to f u ndo ai. Eu nao s e i nddar.
- Não é f u ndo n a d a . J u és um f r o ux o,
hlando, q u e t a m b é m não s a b i a na d a r ,
limitáva-s e a ficar mergulhado ' na
água, b a t e n d o os pés, agarrando-se,
porê.m, ãs t á b u a s da ba rca. Os o u t r o s
s u b i a m p e l o m a d e i r a m e , e, l á de 'c-t-
ma, se a t i r a v a m (...).
Com o a á g u a e s t i v e s s e m u i t o fria, os
r a p a z e s não d e m o r a r a m no ban ho , l^es-
tiram-se novamente (SM, p. 61).

"Um de l e s a g a c h o u - s e na b e i ^ a do rio,
e, p e r d e n d o o e c ^ u i l l b r i o , e s c o r r e g o u ,
k ^ a r r o u - s e , p o r e m , a um a r b u s t o , - e
p o s - s e em pé" (SM, p. 63).

"Ernesto abaixou-se, junto ã mar g e m


do a r r o i o , e bebeu. S e n t i a - s e capaz
de b e b e r o ri o i n t e i r o (...).
- Cuidado’ . K'ão vá cair.
Ernesto levantou-se a s s u s t a d o . Era
M a r t i n h o f i g u e i r e d o ,qu e p a s s a v a p e l o
c a r r e i r o e h a v i a g r i t a d o com ele"
(SM, p. 2 0 5, 2 06}.

Ap5s a cerimônia do lava-pes, as coisas se definem^. A


187

morte terâ que acontecer. Segundo nossa visão do problema, este

ë um ponto em que a vontade consciente do autor ë comandada pela

vontade inconsciente. Embora não sabendo o porquê o autor "conhe

ce” que não pode prescindir de uma exigência que lhe ë imposta

pela força de um mito regional que vem tentando captar em sua

obra. ”Conhece” que alguém deve morrer afogado e ”conhece” , igual,

mente, quem tem dívidas para com a ”verdade” mítica;

" C o n t a v a m que. a v i d a de s e u J n a c i n h o
\)i.eln.a se de se ontu ot af ia t o d a , pon.
mandan. p e K s e Q u i K o {^eltleeln.o, uma
vez, q u a n d o s u b d e l e g a d o d a v i l a " I S M ,
p. IS}.

Ë verdade que jã pagara, em parte, por essa dívida.

Ficara pobre, doente, perdera o prestígio político (SM, p. 18).

Mas não fica nisso a desgraça desse político decadente.

Sua única filha é ludibriada por um farsante, e encontra-se grá­

vida, padecendo as torturas de uma mãe que quer a qualquer preço

salvar as aparências e encobrir o escândalo.

E como se Inacinho ainda não o fosse castigado sufici­

entemente, Leonor se suicida, o escândalo explode e extingue-se

de uma vez por todas o orgulho dos Vieira.

Não cabia a Sassi, no entanto, alterar um destino que

não estava em suas mãos. E se não fosse tão habilidoso no enge -

nho de manter-se fiel ãs verdades de uma realidade mítica, tal

vez tivesse caído na tentação de amenizar essa triste sorte. Ve­

jamos o que ele mesmo diz:

" L e o n o A é, s e m d ú v i d a , o p e A s o n a g em
de m a i o A d e s t a q u e , a s s i m co mo a q u e
m a i s amei. M u i t o m e c u s t o u daA-Zhe
0 d e s t i n o q u e l h e dei" 54. ,

Mais uma vez essa força trans-real se sobrepõe ã força


188

da vontade, do proprio autor. Bem se nota que Sassi desejou dar

outra sorte a Leonor. Mas não pôde. Tinha um compromisso espiri­

tual para com uma cultura e não poderia quebrã-lo. Era o mito

das cheias, ou mais genericamente, da ãgua, pesando sobre o in­

consciente do escritor.

Observe-se a interferência da ãgua, no momento decisi­

vo da sorte de Leonor:

"Mo e.6cuAo, LeonoA apalpou a-ò pAatí-


lelAaò, ate encontAaA o que desejava.
Voltou a subtA paAa a eozlnha, apeA-
tando contAa o peito a lata de ^oAmt
clda.
P a o c u A o u ãgua. 0 baAAll encontAava-
-se vazio, sem nem uma gota (...).
PAocuAou nas ehalelAas, em cima do
^ogão. Mas tudo ãs tontas, tAopeçan-
do e deAAubando os objetos. Uma das
chalelAas caiu, e peAdeu-s e todo o
seu conteúdo. As outAas estavam va­
zias" (SM, p. 2ZS).

A ãgua se recusa a colaborar com Leonor. Ela não deve

ingerir formicida. Seu destino é o rio. Mas Leonor consegue enve

nenar-se:
"0 i^egante, LeonoA aAAlou-s e ao lei ­
to, e, desgAenhada, as Aoupas mancha
das de sangue, tateou em busca da xZ
caAa de chã. Vespejou o iZquldo den-
tAo da lata de veneno. E daZ, depois
de AemexeA um pouco, com os dedos,
bebeu tudo, quase de um soAvo S Õ , da
lata mesmo" (SM, p. 22S).

No entanto, ela não podia morrer ali. A força da ãgua

a arrastou até o rio. Não obstante as dores do parto e as queima

duras internas que o veneno causara, encontra forças para ir até

o Uruguai.
"LeonoA desceu as escadas, aAAojou-
-se pela poAita da cozinha, e iol pa ­
Aa 0 ^undo do quintal. (...) atlAou-
-se contAa o poAtãozlnho e seguiu
adiante, pelo caminho que levava ao
189

n.lo. (,...) A m o ç a aaZa, p o r ve z e s , e


dal, q u a s e s e m \ofiças, a r r a s t a v a - s e .
Vara a f r e nt e, s e m p r e p a r a a f r e n t e "
(SM, p. 229).

E, finalmente, um triste desfecho para a Vida de Leo­

nor, difícil de ser concebido por Sassi, mas o único possível den

tro das estruturas de um contexto mítico regional.

Eis aí a razão pela quál tomamos como linha mestra pa­

ra o estudo desta illtima etapa de nosso trabalho a afirmativa de

Alceu de Amoroso Lima:

"Regionalismo e a própria realidade


em su as m a n i f e s t a ç õ e s l o c a i s e s p o n t â
n e a s " 35,

Ë que em qualquer dos três posicionamentos ocupados p£

lo autor para a conquista do ser, houve uma preocupação constan­

te: a de permitir que a região se manifestasse espontaneamente em

sua obraJ

Enquanto analista de exterioridades permite à região

revelar ao leitor a força que exerce sobre o exterior da persona

gem; o modo como exige desta personagem que se integre e que a

ela se condicione, a ponto de formar hábitos específicos.

Enquanto inserido na região oportuniza que o meio com­

prove a força que exerce sobre a sensibilidade afetiva da perso­

nagem.

Uma vez absorvido pelo processo regionalizador, tanto

consciente quanto inconscientemente o autor leva a região a man_i

festar ao leitor toda a força que ela tem sobre a psique de um

grupo humano a ela sujeito.

Assim o leitor ê levado a um dos pontos de conjuntura

entre regional e universal. Nada pode encerrar maior universali^


190

mo do que a complexidade da alma humana diante dos problemas de

ordem transcendental, que veio à tona, na última etapa deste es­

tudo .

Impossível desvincular regionalismo de universalismo.

Essas duas faces de uma mesma realidade fizeram com que a obra

de Sassi fosse tão brasileira e iiniversal quanto mais do seu Es­

tado e da sua Região o autor conseguiu fazê-la ser.


191

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRA f ICAS DO CAPÍTULO IV

( 1) Antei'iormente ã concentração do imigrante, no Oeste Catari­


nense, o homem oestino se voltava principalmente para o
cultivo da terra, dando ênfase ã plantação do milho. Se­
gundo a Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1970,
de Santa Catarina, esta atividade continua a ser desen -
volvida ainda hoje nas zonas coloniais o que tem dado
impulso à suinocultura.

(2) SACHETE, Celestino. Regionalismo literário. Dissertação sub


metida ã Universidade Federal de Santa Catarina para ■a
obtenção do grau de Mestre em Letras - Literatura Brasi­
leira, 1975. p. 20.

( 3) BUZZI, Arcangelo R. Introdução ao pensar. 6. ed. Petropo -


lis. Vozes, 1976, p. 71.

( 4 ) 0 vocábulo "cosmisação" ê usado por Mircea Eliade em seu li


vro 0 sagrado e o profano, v.g., p. 46.

( 5 ) ’ SACHET, Celestino. O p . cit. p. 56.

(6) ELIADE, Mircea. 0 sagrado e o profano. Lisboa, LBL Enciclo


pedia, 1969. p. 112.

( 7 ) 1 d. ibid. p. 210.

(8) ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva,


1972. p. II.

(9) GUSDORF, Georges. Mito y metafísica. Buenos Aires, Edito­


rial Nova, 1960. p. 34 e 250.

(10) PATAI, Raphael. 0 mito e o homem moderno. São Paulo, Cul-


trix, 1974. p. 41.

(11) CRIPPA, Adolpho. Mito e cultura. São Paulo, Convívio, 1975.


p. 15.

(12) ELIADE, Mircea apud CRIPPA, Adolpho. O p . cit. p. 84.

(13) ELIADE, Mircea. 0 sagrado e o profano, p. 25-26.

(14) Id. ibid. p. 26.


192

(15) PATAI, Raphael. Op. cit. p. 14.

(16) PATAI, Raphael. Op. cit. p. 27.

(17) CRIPPA, Adolpho. Op. cit. p. 63.

(18) ELIADE, Mircea. 0 sagrado e o profano, p. 60.

(19) PATAI, Raphael. Op. cit. p. 30.

(20) GUSDORF, Georges. Op. cit. p. 26.

(21) ELIADE, Mircea. 0 sagrado e o profano, p. 196.

(22) PATAI, Raphael. Op. cit. p. 30.

(23) ELIADE, Mircea. 0 sagrado e o profano, p. 64.

(24) Id, ibid. p. 35-36.

(25) Id. ibid. p. 82.

(26) A expulsão dos vendilhões do templo, João: 2,13-17, ê uma


das provas da sacralidade das igrejas.

(27) Extraído de anotações tomadas de um Curso de Catequista que


fizemos, em 1958, no Ginásio e Escola Normal Maria Auxi­
liadora, de Rio do Sul (SC), ministrado pela Irmã Maria
Quintão de Castro e pelo Padre Victor Vicenzi.

(28) MORITZ, Heloísa Helena Clasen. Aspectos da narrativa de


Guido Wilmar Sassi. Dissertação submetida ã Universidade
Federal de Santa Catarina para obtenção do grau de Mes­
tre em Letras - Literatura Brasileira, 1976. p. 117.

(29) Id. ibid. p. 22.

(30) Id. ibid. p . 87.

(31) FERRAZ, João de Souza. Noções de Psicologia da criança. 9.


ed. São Paulo, Saraiva, 1969. p. 285.

(32) JERSILD, Arthur Thomas. Psicologia da criança. Belo Hori -


zonte, Ed. Itatiaia; Brasília, INL, 1973. p. 25,

(33) MORITZ, Heloísa Helena Clasen. O p . cit, p. 24.

(34) ENEIDA. "Conversa com Guido Wilmar Sassi". In: Suplemento


Literário do Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 05 fev.
1961.
CONCLUSOES

1. Para o regionalismo literário, região ê um espaço

geo-social determinado, onde o nível de organização da vida de

relação impede que os indivíduos, nele circunscritos, reajam con

tra as influências constantes criadas pelos fatos do meio natu

ral e cultural.

2. Porque os teorizadores e críticos do regionalismo H

terãrio vêem na obra regional uma literatura de valorização da

"parte” sobre o ”todo” , e uma vez que esta literatura se planta

na região e dela tira sua vida, fomos levados a estabelecer como

critério capaz de aferir o regionalismo na obra de arte literã -

ria, a teoria do es tar e do ser.

3. Uma vez que a motivação da literatura regional se

constitui na prépria região, a técnica ficcional do autor e a do

realismo/objetivismo, herança de uma vontade brasileira de se

dar a conhecer com autenticidade ao mundo a partir da cosmovisão

da escola do Realismo/Naturalismo.

4. Adotando conscientemente essa técnica, sem contudo


i
isentã-la da influência modernista, Guido Wilmar Sassi faz a sua

literatura procurando fixar algumas de suas obras na região dos

Campos de Lages e do Oeste Catarinense, delas retirando os moti­

vos animadores do conteúdo que expressam.

5. 0 fato de o autor haver lançado mão do documento da

palavra transcrita como forma de testemunhar uma localização a

sua obra, bem como a tentativa que faz para adaptar melhor a pa_i

sagem ficcional ã paisagem lageana, na segunda publicação que


194

faz de "Pia", evidenciam que a conquista do estar ê para Sassi

um ato mais consciente do que inconsciente.

6. Para a caracterização do ser, Sassi assume o posi -

cionamento dos geógrafos modernos e de estudiosos da Cultura Bra

sileira que admitem existir uma influência do elemento natureza

sobre o indivíduo.

7. Quando inserido na região, Sassi permite que suas

personagens se apresentem sob a influência da realidade cultural

que enfoca: é por isso que João Onofre sofre a ausência do "seu"

pinheiro; ê por isso que,em seu íntimo, Procopio não sente jeito

para lutar com outra coisa que não seja a madeira; e ê por isso

também que o homem do Oeste crê no mito.

8. Quando absorvido pelo processo regionalizador, Sas­

si deixa que sua personagem lhe escape das mãos por si s5, se

perfile com a gente da terra e se submeta com ela ao capricho de

uma força que transcende do meio, impulsionando-as a um destino:

ê por isso que João Raizer começa a morrer sobre a serragem (fio

ra desfeita em farelos) que lhe sorve o sangue; ê por isso que

Procópio encontra o seu fim sob o peso da pilha de madeira (fio

ra desfeita em tábuas) que transporta em seu caminhão ; ê por is­

so que João Onofre (que também fora lavrador) se anula sob a ter

ra, a receber o abraço de sombra da cruz de madeira plantada

em sua campa; e, finalmente, é por isso que Leonor se suicida no

rio.

9. Mesmo situado nas duas regiões catarinenses, Sassi

es tá bem mais na região do Planalto: porque ao delineá-la demon^

trou a segurança de quem não precisa buscar a confirmação do do­

cumento transcrito; porque transportou para o romance que enfoca


195

o Oeste Catarinense, vocábulos da cultura lageana; e porque se

deixou trair por informações inexatas somente quando focalizou a

região situada no Oeste.

10. A técnica utilizada por Sassi para insuflar um ser

ã sua obra se aprimora das primeiras para as ultimas publicações:

em "Piâ” e "Escola" o valor da liberdade na vida do homem como

determinação do meio é colocada de modo pouco nítido; o fatalis­

mo que paira sobre o homem da luta com a madeira, nos contos

"Amigo velho", "Cerração" e "Serragem", se acentua com cores

mais vivas; a visão mítica como saída a um homem que se senteiim

potente para lutar de modo físico contra o seu meio , em

São Miguel.atinge a sua plenitude.

11. A partir de um es tar e de um ser localizados em

Santa Catarina, Sassi consegue abranger a alma humana de todas

as terras e de todos os tempos. Estamos assim diante de um autor

de literatura brasileira, para o qual a crítica deste País ainda

não lhe fez justiça. ,^


196

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