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A CONTRIBUIÇÃO DA MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE


ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL,
PARTICIPANTES DO PROJETO ORQUESTRA SANTA TEREZINHA DO MENINO
JESUS 1

Murilo Tavares Teixeira2


Valdenir Martins de Oliveira3

Resumo: A presente pesquisa abordou a contribuição da música na construção da identidade


de adolescentes em situação de vulnerabilidade social, participantes de um projeto social
localizado na cidade de Tubarão / SC. Isto é, como a utilização da música pôde contribuir na
construção da identidade destes adolescentes. Tendo como objetivo geral: analisar as
contribuições da utilização da música na construção da identidade de adolescentes em
situação de vulnerabilidade. E os objetivos específicos, identificar as motivações que levaram
os jovens a ingressas no projeto; verificar a percepção de si (auto-imagem) na atualidade;
caracterizar transformações em relação aos grupos sociais nos quais estão inseridos após
ingressar no projeto; investigar suas expectativas em relação ao futuro e sua relação com a
música. Consistiu em uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa, que foi desenvolvida
conforme a resolução 466/12, com base na fundamentação teórica relacionada com os temas:
Adolescência, construção da identidade, música e projetos sociais. Teve seu procedimento
realizado com 10 participantes do Projeto Social “Orquestra Santa Terezinha do Menino
Jesus”, tendo eles idades entre 13 a 19 anos, e estando de 2 anos e meio à 5 anos no projeto,
através de entrevistas semiestruturadas. Como resultados, concluiu-se que o projeto contribuiu
na construção da identidade dos adolescentes à medida que possibilitou um aprofundamento
dos vínculos com a família, melhoria de vários aspectos em relação a escola e aos amigos,
bem como a outros grupos sociais que participavam e por último, ampliando suas expectativas
para o futuro e seu ingresso no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Adolescência. Construção da identidade. Vulnerabilidade social. Música.
Projetos sociais.

1
Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de graduação em Psicologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de
Psicólogo (a).
2 Acadêmico do curso de Psicologia. E-mail: murilordb@hotmail.com

3 Professor orientador. Psicólogo, Mestre em Educação (Universidade Sul de Santa Catarina -

UNISUL). E-mail: valdenir.oliveira@unisul.br


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1 INTRODUÇÃO

Ao buscar a análise da constituição da identidade em adolescentes em situação de


vulnerabilidade social, remeteu-se primeiramente a necessidade de tratar dos conceitos de
adolescência, identidade e vulnerabilidade social.
A adolescência, segundo Ozella (2003) é marcada por um período de transição
entre a criança e o adulto e que afeta os aspectos físicos, psíquicos, sexuais, cognitivos,
emocionais e sociais. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a
adolescência inicia-se aos 12 anos de idade e vai até os 18 anos.
Ainda segundo Ozella (2003, p. 17) “A adolescência é um período de formação
dos próprios valores, da identidade, período onde as escolhas devem ser tomadas [..] se
caracteriza pelas transformações [...]”. Neste sentido, sendo um momento de reorganização
emocional, de turbulência e instabilidade, caracterizada por esse processo biopsicossocial,
âmbitos nos quais está em constante relação.
Sobre a identidade, cita Ciampa (1998, p. 127) “A questão de identidade, assim,
deve ser vista não como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é, sobretudo,
uma questão social, uma questão política”. Parte-se do desígnio que identidade é
metamorfose.
Já com relação à vulnerabilidade social, no Brasil, grande parte da população
incluindo crianças e adolescentes, vive em situação de vulnerabilidade social, decorrente da
pobreza, privação de serviços e políticas públicas, baixíssima (ou nenhuma) renda, assim
como carência de vínculos afetivos, discriminações etárias, étnicas, de gênero, entre outros
fatores.
Segundo a Fundação Abrinq (2016), aproximadamente 53 milhões de pessoas
vivem em situação de pobreza no Brasil, sendo que 18 milhões delas se encontram em
situação de extrema pobreza.
Os adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social permeiam uma
espécie de “corda bamba”, pois estão num período de transição em seu desenvolvimento
biopsicossocial. Sua identidade está sendo construída, e muitas vezes as opções que lhes são
oferecidas giram em torno da violência, crime e tráfico de drogas, pois estas possibilidades
que se apresentam nesse contexto.
Assim, a identidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade vem se
constituindo e se modificando dentro dessa realidade. Visando transformar essa realidade,
alguns grupos e projetos sociais vêm utilizando a música como estratégia de intervenção.
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A música, por sua vez, é parte complementar da vida do homem desde os


primórdios da humanidade e veículo universal de suas emoções. É a capacidade que consiste
em saber expressar sentimentos através de sons e intervalos de pausas artisticamente
combinados, ou a ciência que pertence aos domínios da acústica, modificados de cultura para
cultura. É a manifestação artística e cultural de um povo, em determinada época ou região.
(COLLE, 2004)
Estudada por filósofos, médicos, psicólogos, musicistas, artistas entre outros, a
música caminha como uma ferramenta de linguagem seja para comunicação entre o
concertista e a platéia, seja como forma de uma pessoa expressar-se perante o mundo em que
vive.
Independente do propósito da música, ela está sempre relacionada à experiência
do próprio homem, falando de suas emoções, de certo modo imprimindo uma identidade
(dialética sócio-histórica) e agindo dentro de seus limites sensoriais (biologicamente). Por isso
pode-se dizer que ela se encontra amplificada nas esferas biopsicossocial, que circundam o ser
humano. (COLLE, 2004)
Conforme Oliveira (2009), a música pode ser utilizada, não só para o lazer e
entretenimento, mas também como formação profissional. Porém, a falta de oportunidades de
ingressar na música profissionalmente e o deficiente acesso a instrumentos e a instrução
didática musical, prejudicam o desenvolvimento social destes adolescentes.
O Projeto Social Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus, que desde 2010
atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, utiliza a música como
ferramenta propulsora visando estruturar a comunidade através das crianças e jovens,
repassando conceitos éticos, valores pessoais, sociais, valorização da família, entre outros
aspectos.
Dentro deste contexto, coloca-se como problematização deste estudo, como a
música contribui na construção da identidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade
social, participantes de um projeto social localizado na cidade de Tubarão / SC, nomeado
Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus.
O objetivo geral da pesquisa consistiu em analisar as contribuições da música na
construção da identidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade social, participantes
do projeto social Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus?
Já os objetivos específicos, foram compostos por identificar os motivos que
levaram os jovens a ingressar no projeto; verificar a percepção de si (autoimagem) antes de
entrar no projeto e na atualidade; caracterizar transformações em relação aos grupos sociais
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nos quais estão inseridos na atualidade; investigar suas expectativas em relação ao futuro e
sua relação com a música;
Um estudo dessa ordem possui ampla relevância social, no que diz respeito à
grande demanda de adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social no Brasil,
sem acesso à educação, saúde, cultura, entre outras necessidades básicas. Segundo a Fundação
Abrinq (2016) que desenvolveu um estudo deste cenário no país, aproximadamente 53
milhões de pessoas vivem em situação de pobreza no Brasil, sem acesso às necessidades
básicas e que compõem então a situação de vulnerabilidade social.
Já no âmbito acadêmico, diversas áreas de conhecimento estudam o ser humano e
as implicações de sua vivência em sociedade, tais como a Psicologia, Sociologia, Assistência
Social, Direito, entre outras. Logo, é grande a importância desta pesquisa na medida em que
consiste em verificar a utilização da música como possível ferramenta de transformação, na
vida dos adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social, assim como
evidenciar as suas contribuições na construção da identidade desses adolescentes.

1.1 A ADOLESCÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Sabe-se que a adolescência é uma fase de evolução, visto as várias mudanças que
ocorrem não somente no corpo, mas também nas questões emocionais, sociais, psíquicas,
diante de várias transformações. É um período onde ocorrem as paixões arrebatadoras, é um
momento em que o adolescente renasce, se descobre no mundo, todavia, é definida como um
momento de crise, muitos definiram como sinônimo de rebeldia e contestação. (FROTA,
2007)
Embora até hoje, há quem ainda encontre dificuldades para saber aonde termina a
infância e começa, de fato, à adolescência, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) a adolescência é marcada pelo período de
12 aos 18 anos de idade. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) entende que a
adolescência começa a partir dos 10 anos e vai até os 19 anos de idade. Esta pesquisa seguiu
como parâmetro a categorização do ECA.
Sobre isso Chagas (2011) afirma que a adolescência provém do verbo adolescerê,
que significa brotar, fazer-se grande, onde é definida pelas mudanças do corpo, da forma de
pensar e também de agir.
Já para Guareschi (2007), a fase é vista como um momento de transição gradual.
É o momento em que se deixa de ser criança e começa a entrar no mundo dos adultos, assim,
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pode-se dizer que é o momento em que a pessoa, começa a apreender como se vive “no
mundo de adultos”, diante disso, considera-se uma fase conturbada, cheia de receios, medos,
crises, de questionamentos e inquietações.
Conforme Ozella (2003), o questionamento principal sobre o adolescente é
principalmente no que se refere a sua real identidade, intensificando, assim, seus medos e
crises, na busca de respostas para saber quem “de fato” realmente ele é, uma vez que quando
criança se tem uma percepção diferente quando se trata do entendimento no que se refere a
vida adulta.
Contudo, não significa que todos que estão nessa transição, irão passar a
adolescência da mesma forma, visto que não há uma determinação do desenvolvimento
humano, todavia, sabe-se que haverá impactos para os adolescentes, pois esse período da vida
é de grandes implicações, em suas características sociais, na personalidade e nas suas
identidades. (FERREIRA; FARIAS 2010).
Assim, a adolescência é uma etapa determinante do processo de crescimento e de
desenvolvimento, visto que se manifesta por intensas buscas e significativas manifestações,
sendo elas, anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, onde se caracteriza por momentos
de insegurança, medos, a busca pela identidade e pela liberdade. (FONSECA, TEIXEIRA,
2010).
Como é um momento conflituoso dos adolescentes, alguns questionamentos
surgem também acerca da imagem que eles tinham até então de seus pais, ocasionando
procuras em outros meios sociais, pessoas que estão passando pelo mesmo momento que eles,
e que assim, tenham afinidades em comum, fazendo com que se sintam mais seguros.
Ainda que, Segundo Feijó e Oliveira (2009), na adolescência se vive constatações
que levam a reflexões na direção de que se aproximam os iguais, ao mesmo tempo em que se
afastam os diferentes, e na ânsia por essa simetria, muitas vezes percorrem caminhos que
destoam, se deparando e experimentando situações como: a utilização de drogas,
relacionamentos sexuais abusivos, uso desenfreado de bebidas alcoólicas entre outros,
podendo aumentar então a vulnerabilidade desses adolescentes.
Esse universo desconhecido na vida do adolescente, assim como as outras fases da
vida de uma pessoa, ocasiona um momento fundamental na construção de sua identidade.
Busca reflexões como definir quem de fato realmente é enquanto pessoa, o que gosta e o que
pretende no universo adulto, quais seus valores, que direção deseja seguir. É composto de
crenças, valores, metas, fortalecendo assim, a concepção que o adolescente tem de si mesmo.
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Para Frota (2010) a construção da identidade é algo muito pessoal e também


social, é onde ocorre uma troca interativa entre o indivíduo e o meio em que está inserido de
forma em que o mesmo está em constante desenvolvimento.
Nesse período de construção, ocorrem as denominadas “crises de identidade”, isso
acontece, pois, o adolescente está numa busca incansável de respostas sobre a sua própria
existência, sua significância no mundo. Neste processo, o adolescente busca diferentes
grupos, meios sociais, ideologias, até que encontre algo que se identifique e que se sinta bem
por estar no mundo. No momento em que encontra as respostas nas quais ele tanto busca, faz
com que consiga expressar suas angustias, medos, receios, vontades, sem que de fato ele seja
julgado por suas escolhas. (FERREIRA; FARIAS; SILVARES, 2003).
Segundo Ciampa (1984), a construção do ser humano se dá através das relações
nas quais ele estabelece com o outro. Assim, o resultado da troca de experiências ocorre, na
medida em que ele se sente existir e toma consciência de que é reconhecido pelo outro, de
forma singular. É através da identidade de um indivíduo que podemos saber algo sobre ele,
seu modo de ver o mundo, sua percepção sobre a vida, o modo como age e também a forma
como pensa.
Embora pareça algo simples, não é, pois quando buscamos a resposta para a
pergunta de quem somos muitas vezes não temos a resposta tão clara quanto ao
questionamento feito. Isso ocorre, pois se entende que a identidade é composta por diversas
situações e muitas delas, por sua vez contraditórias, múltiplas e também mutáveis. (CIAMPA,
1984).
Com isto, para Ciampa (1990), são nas relações sociais que o indivíduo concretiza
a construção da sua identidade, logo, este processo pode ser considerado como uma
metamorfose, ao logo da sua vida, vivenciando inúmeras situações, estando em contato com
outros indivíduos, e por conta disso, constituindo-se então, em um processo inevitável, sendo
este consciente ou não.

1.2 A MÚSICA

A música atualmente é estudada como disciplina histórica e musical. Como


disciplina musical, ramifica-se em duas direções: musicologia e teoria musical. Como
disciplina histórica consiste na história da música e no estudo da evolução cultural dos povos.
(MANN, 1982).
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O homem primitivo teve necessidade de se comunicar. Desde seu surgimento,


graças às suas aptidões auditivas e vocais, revelou-se dotado de capacidade musical instintiva.
Mann (1982) cita que a música era considerada como um presente dos deuses e atribuía-lhe
função mágica, associada à dança, ela assumia um caráter de ritual, pelo qual as tribos
reverenciavam o desconhecido, agradecendo-lhe a abundância da caça, a fertilidade da terra e
dos homens.
Ainda segundo o autor, com o ritmo criado batendo as mãos e os pés, eles
buscavam também celebrar fatos da sua realidade, vitórias na guerra, descobertas
surpreendentes.
Já no século XX, conforme descreve Honolka (1980), a música passa a ter mais
força, com a inclusão da música medieval, do canto gregoriano, das danças e do repertório
dos menestréis, uma espécie de cantor e poeta da época, dos coralistas renascentistas e da
ópera, a música começa a ganhar mais destaque.
Para Mann (1982), a música é a arte da inteligência humana, trabalha com sons e
tem por objetivo a universalidade, a abstração e a exploração técnica.
No decorrer da vida humana, compreendida pela história, a música existiu e existe
em toda parte. É uma atividade essencialmente humana, através da qual a humanidade
constrói significações na sua relação com o mundo. Ela está presente em todos os tempos e
em todos os grupos sociais, assim pode-se dizer que a música é um fenômeno universal.
(COLLE, 2004).
A palavra música é de origem grega, "musiké", e designava não só a melodia
executada através de instrumentos, mas, também o canto e a dança. As três artes
apresentavam-se indissoluvelmente ligadas, nos tempos antigos, tendo sido apreciadas por
ricos e pobres, indistintamente, em todas as civilizações.
A matéria-prima da música é o som, que é uma forma de energia que se propaga
pelo ar, pela água e por outros meios, perturbando-os de alguma maneira, e é captada pelos
ouvidos. A ciência que estuda o som é a Acústica. O som, em música, é definido por seis
parâmetros que se relacionam entre si. Stefani (1985) afirma que o ritmo tem fundamental
importância no desenvolvimento da criança e do adolescente, pois está presente em tudo, está
tanto no corpo como a respiração, está na natureza como as estações. Está no movimento da
Terra.
Freitas (2013) realizou um trabalho de conclusão de curso em psicologia, onde
investigou a relação da musicoterapia com a psicologia, e sendo a música ferramenta
essencial da musicoterapia, o autor relata:
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Através dessa trajetória da história da música e da musicoterapia, podemos dizer que


ambas interligam, tendo o mesmo sentido na sua colaboração como uma ferramenta
que ajudou nos estados psicológicos, físicos, sociais acompanhando todas as
mudanças culturais de cada geração da humanidade. Fazendo com que através da
música nossos conflitos fossem trabalhados de uma forma mais leve e clara a fim de
resolver nossos problemas em nosso cotidiano (FREITAS, 2013, p. 11).

Portanto, a música imprime um grande papel na vida de todos os seres humanos, e


nos adolescentes não pode ser diferente. Isto é, com a utilização da música, desempenham-se
desde funções primitivas como, ouvir e sentir, até funções mais complexas como comunicar-
se, expressar-se, construir uma identidade, uma cultura, etc. (DIAS, 2005).

1.3 A SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL E O PROJETO SOCIAL


ORQUESTRA SANTA TEREZINHA DO MENINO JESUS

Entende-se vulnerabilidade social como falta e/ou a não condição de acesso a


recursos ou habilidade, sendo insuficientes e inadequados, para que o indivíduo consiga lidar
com as oportunidades que são oferecidas pela sociedade. (GUARESCHI, 2007).
Segundo Abramovay (2002), aliado ao conceito de vulnerabilidade está o conceito
de mobilidade social, visto que são restritas as possibilidades que os indivíduos têm de se
movimentarem diante das situações sociais e econômicas.
Nesta perspectiva, a vulnerabilidade não está ligada somente as questões
relacionadas à pobreza, mas também, as diversas modalidades de desigualdade social. Sendo
assim, a compreensão sobre vulnerabilidade se dá pelo conjunto de características, recursos e
habilidades concernentes ao determinando grupo social, dificultando assim, a forma de lidar
com as oportunidades, tornando-as inadequadas ou até mesmo insuficientes. (MONTEIRO,
2011).
Embora, o art. 5º da Constituição Federal de 1988 traga que “[...] todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” (BRASIL, 2016, p.6), a teoria é bem
diferente da realidade. Ainda hoje, são vistas crianças e adolescentes em situação de risco,
adultos em situações lamentáveis, totalmente, não condizentes com um padrão mínimode
dignidade humana.
Quando refere-se a situação de vulnerabilidade com as crianças e adolescentes,
logo, nos vem em mente, a ideia de fragilidade e dependência, e também, a questão do baixo
nível socioeconômico. Em alguns casos o estado de vulnerabilidade pode vir a afetar a saúde
física, não necessariamente com o surgimento de doença, mas com o abalo emocional,
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psicológico, cognitivo e social que esta criança ou adolescente poderá desenvolver.


(FONSECA, 2013).
Quando remetido a este cenário no país, vale interpelar acerca do que traz a
Fundação Abrinq (2016) que realizou o documento “Cenário da Infância e Adolescência no
Brasil – 2015”.
A publicação apresenta os indicadores mais recentes relacionados à infância e
adolescência no Brasil, revelando o cenário de vulnerabilidade ao qual esse público está
exposto. O relatório apresenta dados relativos a acessos aos direitos básicos de toda criança e
adolescente, como o direito à moradia, saneamento básico, cultura, lazer, educação, saúde e
proteção, além dos índices de violência e pobreza.
Neste cenário, foi verificado conforme a Fundação Abrinq (2016), que
aproximadamente 53 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza no Brasil, sendo que
18 milhões delas se encontram em situação de extrema pobreza.
Ainda sobre questões que permeiam o conceito de vulnerabilidade social, há
outros pontos que lançam para a vulnerabilidade, tais como: o abandono; trabalho precoce
entre outros, retirando assim a criança e o adolescente do direito que todo ser humano tem de
educação básica, lazer, saúde, etc. (ECA, 1990).
Para Fonseca (2013) a falta de oferta de empregos, os salários baixos, a defasagem
em oferta de educação e saúde de qualidade, intensificam as questões de vulnerabilidade com
crianças e adolescentes.
Visando o enfrentamento à essas vulnerabilidades, no Brasil, cada vez mais se têm
constituído projetos sociais e ONG’S, em ambientes onde a música se tem feito presente.
Motta e Schmitt (2016) realizaram uma pesquisa acerca de como as pessoas em desvantagem
ou excluídas socialmente podem adquirir melhores chances de sucesso em carreiras
profissionais em grandes organizações, pelo aprendizado em música clássica.
Ainda com relação à pesquisa de Motta e Schmitt (2016), demonstrou-se como a
frequência em organizações sociais de aprendizado de música clássica pode ajudar os jovens
em situação de desvantagem social a adquirir novos valores e capacidade para melhor se
inserirem no mercado de trabalho e em carreiras profissionais de maior exigência. Segue um
trecho da análise realizada pelos autores:

Ao valorizar o diálogo e a interação construtiva, alguns centros de aprendizagem


avançam para o ambiente familiar e comunitário, sobretudo os mais pobres e
periféricos. Cria-se um novo relacionamento com perspectivas e alternativas de vida.
Ao serem alvo de consideração de familiares, amigos, professores e demais
membros da comunidade, os alunos passam a ter uma nova visão de si, um sentido
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de valorização simbólica e um grande reforço de sua autoestima. (MOTTA E


SCHMITT, 2016, p. 8).

Neste sentido, percebe-se a importância de projetos sociais nesta área, a fim de


maximizar as potencialidades até então ocultadas pela situação de vulnerabilidade social na
qual se encontram esses adolescentes, e proporcionando assim uma amplitude de seu
crescimento biopsicossocial.
Trazendo para a realidade de Tubarão/SC, explana-se sobre o Projeto Social
Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus, localizado nesta cidade e que tem realizado um
trabalho convergente para este sentido. Segundo Blasius (2017, s/p.), o projeto tem como
objetivos diretos:

• Promover um ambiente de valorização a criança e jovem dando suporte para


o seu desenvolvimento pessoal e social, usando a música como ferramenta e
intervenção;
• Realização de concertos trabalhando o fortalecimento de laços familiares e
sociais;
• Ingressar as crianças e jovens através dos concertos, nos ambientes e eventos
sociais da cidade;
• Acompanhar, analisar e atender as crianças nas suas necessidades físicas,
intelectuais e sociais;
• Buscar apoio em todas as esferas para manter e atender as necessidades de
crescimento, valorização e integração das crianças e jovens.

Blasius (2017) relata que o projeto visa ainda acompanhar o desenvolvimento


social de crianças e jovens na grade escolar, enfatizando a importância do estudo e do ser
social; oferecer oficinas profissionalizantes de música em específico em cordas Clássica
(violino, viola, violoncelo, contrabaixo, piano e percussão); atender os alunos em período
contra turno escolar com técnicas pedagógicas modernas e fora do habitual modelo de ensino,
com foco no incentivo a busca do conhecimento; aprimorar a relação interpessoal e
valorização do social através de aulas práticas, entre outros fatores.
Em 2010, o projeto foi idealizado pelo Padre Edison Muller e a Irmã Johanna
Niemann com recursos vindos da Alemanha. Iniciou-se com 12 violinos, atualmente conta
com 70 instrumentos e atende 65 crianças, 3 dias por semana, com 12hs aula semanais
(BLASIUS, 2017).
Nesta compreensão, conforme Kisil (2001) elaborar projetos sociais é uma
abordagem que se utiliza para explorar a criatividade humana, a mágica das idéias e o
potencial das organizações. É dar vazão para a energia de um grupo, compartilhar a busca da
evolução.
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2 MÉTODO

A presente pesquisa consistiu em uma pesquisa de campo de abordagem


qualitativa. Conforme cita Gil (1987, p.41):

Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o


problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se
dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou
a descoberta de intuições. Seu planejamento é bastante flexível, de modo que
possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na
maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b)
entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema
pesquisado; [...]

Vale ressaltar que a pesquisa possuiu riscos mínimos aos participantes, que
consistiram em desconforto inicial e dificuldade de estabelecer vínculos, mas que com o
decorrer das entrevistas, foram desaparecendo, tornando-o assim um procedimento viável.
Sendo assim, os participantes não foram expostos a quaisquer procedimentos invasivos,
físico-psicológica e socialmente, ficando claro seu livre-arbítrio para sair a qualquer
momento, assim como para responder apenas o que lhes fossem convenientes.
Obtiveram-se respeitados o sigilo e anonimato total com relação tanto aos
participantes, bem como aos seus responsáveis, de modo a minimizar e precaver-se de todo
tipo de constrangimento que pudesse vir a surgir.
Por outro lado, muitos benefícios foram estimados com o alcance da pesquisa para
os participantes, tais como: obter conhecimento dos benefícios que a música tem trazido a eles
nos âmbitos bio-psico-sociais, assim como evidenciar as contribuições que a utilização da
música pôde trazer na construção da identidade destes adolescentes que vivem em situação de
vulnerabilidade social.

2.1 PARTICIPANTES

Seguiu-se por uma pesquisa de amostragem não probabilística, uma vez que os
participantes da pesquisa foram 10 adolescentes, de um total de 65 participantes do projeto
social Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus, que há mais de 5 anos vem apresentando a
música como ferramenta de transformação social. Respeitou-se o critério para a escolha dos
participantes, sendo ele: tempo de participação no projeto, de modo a vincular os adolescentes
que participam do projeto a pelo menos 2 anos e meio. Critério este imprescindível para a
realização da pesquisa bem como a atender seus objetivos.
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2.2 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS

Nesta pesquisa a técnica de coleta de dados consistiu em entrevistas individuais


semi-estruturadas com os participantes, seguindo um roteiro pré-estabelecido pelo
pesquisador.
Para a obtenção da coleta de dados, foi destinado um primeiro encontro individual
com cada participante para a apresentação do pesquisador e do tema proposto, assim como os
objetivos almejados com a realização da pesquisa, seguido pela explicação da metodologia
utilizada e os aspectos éticos que nortearam a pesquisa.
Posteriormente foram agendados 10 encontros para a realização das entrevistas
com os participantes, individualmente. Estimaram-se encontros de aproximadamente 20
minutos de duração cada.
A pesquisa desenvolvida teve seguimento, norteada pela resolução 466/12 do
Conselho Nacional de Saúde, que delibera sobre os aspectos éticos de pesquisas com seres
humanos. Aspectos estes que consistem em comum acordo entre o pesquisador, a instituição
propiciadora do projeto social e os pesquisados, assim como os responsáveis por estes, uma
vez que estes são menores de idade.
Portanto, foi apresentado, segundo a resolução 466/12, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordado e assinado pelos pais ou
responsáveis dos participantes, cientes de que estão de acordo com a pesquisa a ser realizada,
seguido pelo Termo de Assentimento (TA) assinado pelos próprios participantes, e, por
conseguinte a Declaração de Ciência e Consentimento por parte da instituição promotora do
projeto social Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus.
Obteve-se para realização da pesquisa, a necessidade de submetê-la ao protocolo
de aprovação pelo CEP Unisul (Comitê de Ética em Pesquisa), nº 74042017.0.0000.5369,
seguido pela inserção da pesquisa na Plataforma Brasil, uma plataforma científica que
armazena bancos de dados consistentes em pesquisas com seres humanos, vinculada ao
ministério da saúde, governo do Brasil.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto à análise de conteúdo obteve-se estruturada à coleta dos dados obtidos


com a aplicação das entrevistas semi estruturadas, concomitantemente ao conteúdo adquirido
e a correlação com os objetivos da pesquisa.
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Conforme Moraes (1999, p. 06) o processo de análise de dados qualitativos é


concebido em cinco etapas, sendo elas: preparação das informações; unitarização do
conteúdo; categorização ou classificação das unidades; descrição e interpretação dos dados.
Para a primeira etapa, foi então realizada a leitura do material desenvolvido, de
modo a iniciar o preparo das informações obtidas com as entrevistas.
Seguido então pelas unidades de análise, consistentes na unitarização do conteúdo
obtido, assim como em sua categorização. Foram feitos os recortes temáticos dos dados
coletados, enquadrados e comparados conforme a unidade de análise estruturada na pesquisa,
e viabilizando então a descrição e interpretação dos dados coletados, como demonstram os
quadros subsequentes.

3.1 QUADRO 01 - MOTIVOS QUE LEVARAM OS JOVENS A INGRESSAR NO


PROJETO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Gostar de música desde a infância 05
Auxiliar pessoas carentes, trabalhar em grupo 03
Auxiliar em tratamento de saúde 01
Utilização do tempo livre e convite de amigos 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

Como se pode observar no quadro 01, que trata dos motivos que levaram os
jovens a ingressar no projeto, iniciou-se pela categoria com o maior índice de freqüência,
onde 05 dos participantes da pesquisa responderam que já gostavam de música de alguma
forma, desde a infância. Sobre isso, transparece na resposta do jovem A2: “Cara, assim...
Sempre, de pequeno eu gostei bastante de música, então eu comecei aqui tinha aula de violão,
aí eu vim pra aprender violão, que eu gostava bastante e...por isso tô aqui até hoje!”
Segue-se então pelo índice médio de 03 participantes, enquadrados na categoria
que se expressa na vontade de auxiliar as pessoas carentes, assim como trabalhar em grupo.
Tal categoria pode ser representada através da fala do adolescente A3: “Ajudar as pessoas
mais carentes, no caso aqui de Tubarão. Aprender a tocar e ensinar o próximo, o colega...”.
Ou quando afirma A7.: “É...trabalho em grupo sabe, ficar mais...por dentro com as pessoas,
dialogar mais [...]”.
Deste modo, pode-se fazer uma correlação com Colle (2004), quando refere que a
música é uma atividade essencialmente humana, através da qual a humanidade constrói
significações na sua relação com o mundo.
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O mesmo autor cita que a música está presente em todos os tempos e em todos os
grupos sociais, e assim pode-se dizer que a música é um fenômeno universal (COLLE, 2004).
Por conseguinte, aparece um participante na categoria que se explana em auxiliar
um tratamento de saúde e um, que afirma a utilização de tempo livre, assim como o convite de
amigos para ingressar no projeto, sendo estes motivos também consideráveis no que se refere
ao ingresso dos adolescentes no projeto.
Outra questão levantada foi relativa às mudanças ocorridas em relação à família,
após ingressar no projeto, como mostra o quadro abaixo:

3.2 QUADRO 02 - MUDANÇAS OCORRIDAS EM RELAÇÃO COM A FAMÍLIA, APÓS


INGRESSAR NO PROJETO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Sentir-se orgulhoso junto à seus pais 06
Melhora na comunicação familiar 03
Aumento na afetividade com os pais 03
Diminuição da agressividade em casa 01
Diminuição no conflito familiar 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

Relativo a este tópico, também houve respostas entrelaçadas, isto é, alguns


adolescentes enquadrando-se em mais de uma categoria.
Como se refere à primeira categoria, 06 dos participantes demonstraram sentirem-
se orgulhosos junto a seus pais, pelo fato de eles estarem participando da orquestra, assim
como eles terem consciência de que seus pais também ficaram mais orgulhosos deles, desde
que ingressaram no projeto, gerando assim, um reconhecimento de si, pelo outro.
Sobre isso, pode-se descrever a fala do Adolescente A2: “Eles são bastante
orgulhosos, sempre que tem apresentação eles dão um jeito de vir...me incentivam bastante”.
Esta relação de orgulho ainda é reforçada quando A8 descreve: “Muitos dos meus parentes
eram músicos já. Acabou que eles se relacionaram mais comigo... E também que eles me
apreciam mais. Agora eu sou o centro das atenções”.
Em continuação, verifica-se 03 jovens na categoria correspondente a uma melhora
na comunicação familiar, expressa na fala de A5 quando diz: “Eu passei a ser mais
compreensível, a minha mente ficou...digamos, mais aberta, novos estilos de música, novos
pensamentos. [...] Eu me aproximei mais da minha família”.
15

Para Frota (2010) a construção da identidade é algo muito pessoal e também


social, é onde ocorre uma troca interativa entre o indivíduo e o meio em que está inserido de
forma em que o mesmo está em constante desenvolvimento.
Deste modo, pode-se perceber o projeto como um instrumento facilitador das
interações familiares, na medida em que aumenta a comunicação dentro da família, assim
como a relação de orgulho entre os familiares contribui de forma positiva na construção da
identidade destes adolescentes.
Também verificado, na categoria onde 03 dos participantes afirmam um aumento
na afetividade com seus pais, de várias maneiras. Que pode ser visualizado pela expressão de
A7: “Tipo, mais carinho em casa. Porque tipo, aqui agente distribui bastante carinho uns com
os outros, agente é bem amigo, aí em casa também”. Ou quando o jovem A10 pronuncia:
“Consegui me abrir mais com meus pais, consegui perder um pouco do medo, de falar o que
eu sentia...”.
O ambiente familiar tido como suporte para estes sujeitos, no momento em que
encontra as respostas nas quais ele tanto busca, faz com que consiga expressar suas angustias,
medos, receios, vontades, sem que de fato ele seja julgado por suas escolhas. (FERREIRA;
FARIAS; SILVARES, 2003).
Outra categoria refere-se à diminuição da agressividade, onde uma única resposta,
dada por A3 evidencia: “Eu era mais nervoso, por causa da separação dos meus pais. Antes eu
era bem atentado, incomodava muito. Depois quando entrei na orquestra, comecei a aliviar
mais. Eu fiquei mais calmo em casa, comecei a ajudar minha mãe...”
Por último, um adolescente relatou diminuição de conflito familiar, nos quais ele
frequentemente estava envolvido com a sua avó. A6 relata: “a minha vó não gostava que eu
não trabalhasse daí tipo, quando eu comecei a tocar, na época eu não tava estudando, aí ela
não deu mais tanta importância pelo fato de eu não estar em casa (risos)”.
Pode-se aqui fazer um paralelo com o conceito de adolescência, segundo Fonseca
e Teixeira (2010):

A adolescência é uma etapa determinante do processo de crescimento e de


desenvolvimento, visto que se manifesta por intensas buscas e significativas
manifestações, sendo elas, anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, onde se
caracteriza por momentos de insegurança, medos, a busca pela identidade e pela
liberdade. (FONSECA; TEIXEIRA, 2010).

Começa-se então a perceber a importância do ingresso destes adolescentes no


projeto social, em prol da melhora do convívio familiar, do orgulho recíproco entre os pais
16

responsáveis e os próprios jovens, entre os outros aspectos acima apontados, no sentido de


auxiliar positivamente nesse intenso processo de transição no qual se encontram no presente
momento.
Vislumbrado este ponto, no sentido em que o projeto possibilita a música como
ferramenta contribuinte nesse procedimento que permeia os adolescentes, em seguida
observa-se o tópico que diz respeito às mudanças ocorridas em relação à escola, após
ingressar no projeto:

3.3 QUADRO 03 - MUDANÇAS OCORRIDAS EM RELAÇÃO À ESCOLA, APÓS


INGRESSAR NO PROJETO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Melhora na comunicação no meio escolar 04
Diminuição da timidez 04
Aumento das notas na escola 04
Sentir-se orgulhoso de tocar um instrumento 02
Aumento na dedicação com os estudos 02
Aumento da memória em sala de aula 01
Aumento na atenção em sala de aula 01
Diminuição na dificuldade de interpretação 01
Possibilidade de voltar a estudar/escrever 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

No quadro 03 pode-se ressaltar uma série de categorias nas quais múltiplos


adolescentes se enquadraram. A iniciar pelos mais altos índices de frequência onde 04 dos
participantes relataram significativa melhora na comunicação no meio escolar. Nessa direção,
um trecho da fala do adolescente A7 relata: “Dialogar mais...teve bastante diferença”. Do
mesmo modo que o adolescente A10 afirma: “[...] Eu fiquei mais aberta com meus amigos,
com meus colegas de sala”.
Na categoria correspondente à diminuição da timidez, 04 dos entrevistados
expuseram que após ingressar no projeto, houve uma expressiva diminuição da timidez na
escola, podendo ser verificada quando A1 conta que: “era mais quieto e tinha poucos amigos,
e hoje perdeu a timidez”. Ou quando A8 afirma: “Eu era mais quieto... eu acho que perdi um
pouco desse medo... também de estar no palco, tudo”.
Essas descrições levam à compreensão do ambiente escolar como papel
fundamental na construção biopsicossocial destes indivíduos. Segundo Feijó e Oliveira
(2009), na adolescência se vivem constatações que levam a reflexões na direção de que se
aproximam os iguais, ao mesmo tempo em que se afastam os diferentes.
17

Por isso, há de se entender as repercussões de projetos como este na vida dos


adolescentes em questão, uma vez que seus relatos levam à compreensão de que a música é
uma via auxiliadora da comunicação no meio escolar, assim como da viabilização de
transformações positivas à nível de sentimentos como a timidez, por exemplo.
Também 04 dos jovens participantes descreveram um aumento nas notas em sala
de aula. Representado em um trecho da resposta do adolescente A5: “Minhas notas na escola
começaram a aumentar, por causa que a música vai desenvolvendo o cérebro, e ficou mais
fácil para eu entender as matérias”.
Por conseguinte, 02 dos pesquisados relataram sentirem-se orgulhosos por tocar
um instrumento, assim como maximizaram sua dedicação para com os estudos. Representada
na fala de A8: “Muita gente de lá me conhece porque eu toco violino. Já toquei lá para eles
verem...”, assim como na de A9: Cara...tu vai..se dedicando assim, como tu se dedica à
música, uma hora que tu pegar um trabalho vai fazer assim, tu vai se dedicar do mesmo jeito”.
Mais uma vez analisam-se os efeitos positivos do projeto em questão, no meio
escolar destes jovens. Ou seja, em seus depoimentos surgiu uma gama de transformações
positivas explicitadas por eles, e autenticadas em literaturas nesta área, como demonstram
Motta e Schmitt (2016), quando afirmam que o aprendizado da música clássica nas
comunidades carentes tem se espalhado em vários países, e assim também no Brasil. Os
autores vislumbram que, deste modo, proclama-se a ascensão social de muitos jovens, antes
fadados a permanecer na pobreza e a verem limitadas as suas chances de
autodesenvolvimento e de progresso material.
Tendo seguida a análise e descrição dos dados obtidos, um jovem explanou que
sua memória aumentou em sala, sendo ele o A10: “[...] Ficou mais fácil de memorizar as
coisas”. Também um relatou aumento na atenção em sala de aula, assim como diminuição na
dificuldade de interpretação, sendo este o adolescente A5: “Antes, matérias como artes,
educação física e até o português, eu tinha um pouco de dificuldade de interpretar o que o
professor dizia...”
Por último, mas não menos importante, o participante A6 relatou como houve
mudanças em relação à escola, após ingressar no projeto, a possibilidade de voltar a
estudar/escrever em decorrência do tratamento da doença fisiológica que está realizando no
projeto, ao tocar um instrumento de cordas. Vale descrever sua fala na íntegra: “Antes de eu
fazer o tratamento eu sentia muita dor e eu tinha que sair muito cedo, normalmente eu não
ficava nas últimas aulas, eu tive que parar nos últimos bimestres... E agora, por ter me
acostumado mais e estar fazendo o tratamento, eu consigo até voltar a escrever”.
18

Neste sentido, pode-se fazer uma correlação com Silva et al (2013 apud
FREITAS, 2013, p. 14), onde o autor afirma que o uso da música como ferramenta
complementar à promoção da saúde tem sido recentemente relatado na literatura médica.
Definida como o uso terapêutico da música ou de atividades musicais no tratamento de
doenças somáticas e mentais.
Com relação às transformações no meio escolar, percebe-se que a utilização da
música como ferramenta do projeto social no qual os adolescentes se encontram, pode
contribuir de maneira expressiva nos âmbitos bio-psico-sociais do sujeito, visto que ela
possibilita uma melhora em suas interações, que por sua vez possui total importância para
com a construção da identidade destes adolescentes.
O tópico seguinte leva em consideração às mudanças ocorridas em relação aos
amigos, após ingressar no projeto:

3.4 QUADRO 04 - MUDANÇAS OCORRIDAS EM RELAÇÃO AOS OS AMIGOS, APÓS


INGRESSAR NO PROJETO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Abertura com amigos no projeto 05
Não houve alteração 03
Aumento na afetividade com amigos no projeto 02
Aproximação/abertura com amigos 01
Mais alegria com amigos 01
Aumento na comunicação com amigos 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

O quadro 04 iniciou-se pela categoria com maior número de participantes, que


consiste em obter mais abertura com amigos dentro do projeto. 05 adolescentes discorreram
sobre como a convivência dentro do projeto contribuiu nesse sentido. Isso pode ser observado
quando o adolescente A1 se expressa: “Já fiz vários amigos aqui no projeto...”; ou quando A2
acrescenta: “Fiz amigos no projeto... alguns são bem antigos... os melhores amigos que
tenho”.
Em contraposição à categoria anterior, 03 jovens relataram que não houve
alteração, isto é, consideraram não haver mudanças com relação aos amigos.
Em seguida 02 participantes comentaram sobre um aumento na afetividade com
os amigos do projeto. Tal mudança fica aparente no trecho da fala de A10: “[...] tive mais
intimidade com eles...eu pude expressar o que eu não conseguia antes sabe...”.
19

Por contínuo, um participante destaca que houve mais aproximação e abertura


com amigos, sendo ele o jovem A5: “[...] passei a me aproximar mais dos amigos, depois que
eu comecei a música eu me aproximei mais das pessoas”.
Também um entrevistado informou que após o ingresso no projeto, sente mais
alegria para com seus amigos, e um ainda afirma que houve aumento na comunicação desde
que entrou no projeto. A10: “Eu fiquei muito mais comunicativa com eles. [...] Também eu
fiquei mais alegre, depois que eu entrei”.
Sobre isso, Ciampa (1990) pondera que “a construção do ser humano se dá através
das relações nas quais ele estabelece com o outro. Assim, o resultado da troca de experiências
ocorre, na medida em que ele se sente existir e toma consciência de que é reconhecido pelo
outro, de forma singular”.
Com isto, pode-se analisar o real valor destes projetos sociais que utilizam a
música como ferramenta de transformação, que são de suma importância para a construção da
identidade destes indivíduos, uma vez que auxiliam e muito nas interações sociais entre eles,
assim como na preponderância da consciência que eles obtêm dessa mudança.
Para complementar esta análise, Ciampa (1990) ainda afirma ser nas relações
sociais que o indivíduo concretiza a construção da sua identidade, e que logo, este processo
pode ser considerado como uma metamorfose, ao longo da sua vida, vivenciando inúmeras
situações, estando em contato com outros indivíduos, e por conta disso, constituindo-se então,
em um processo inevitável, sendo este consciente ou não.
Tal maneira converge para a importância das relações sociais, no desenvolvimento
biopsicossocial dos adolescentes. Obtidos os núcleos de amizades fundamental importância
neste procedimento e levados a uma compreensão de que a música possui um papel essencial
nesse processo.
Seguida então a descrição do quadro 05, que diz respeito às mudanças ocorridas
em relação a outros grupos sociais após o ingresso no projeto:

3.5 QUADRO 05 - MUDANÇAS OCORRIDAS EM RELAÇÃO A OUTROS GRUPOS


SOCIAIS APÓS INGRESSAR NO PROJETO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Não possuem outros grupos sociais 04
Grupos recentes, sem alteração 03
Melhora na educação com as pessoas 02
Diminuição da timidez de público 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.
20

Percebeu-se neste tópico que 04 participantes não fazem parte de outros grupos
sociais. 03 adolescentes então, disseram que os outros grupos sociais nos quais estão inseridos
são muito recentes, portanto não há alterações nesse sentido.
Ainda sobre isso, 02 adolescentes relataram que houve sim uma melhora no que
diz respeito à educação com as pessoas. Ao exemplo do que fala A7: “Tem o grupo de
coroinhas aqui da igreja. A gente tem mais educação com as pessoas”.
Por último, um entrevistado enfatizou expressiva diminuição da timidez de estar
em público. Sendo ele o adolescente A10: “[...] perdi a vergonha de falar em público, perdi a
vergonha de falar com o padre...”.
Sendo assim, pode-se perceber a música como contribuição efetiva, não só a nível
individual, mas também no patamar coletivo de um indivíduo, assim como se elucida no
decorrer da pesquisa a importância de projetos sociais nesta área, a fim de trazer
oportunidades principalmente aos adolescentes e necessariamente à população que se
encontra em situação de vulnerabilidade social.
Conforme Monteiro (2011), “a compreensão sobre vulnerabilidade se dá pelo
conjunto de características, recursos e habilidades concernentes ao determinado grupo social,
dificultando assim, a forma de lidar com as oportunidades, tornando-as inadequadas ou até
mesmo insuficientes”.
Neste sentido, verifica-se o efetivo trabalho realizado pelo projeto social analisado
na referente pesquisa, justamente em prol de motivar inúmeras oportunidades nos patamares
bio-psico-sociais que circundam estes indivíduos em situação de vulnerabilidade social, que
gera assim propriedades significativas através da música como ferramenta.
Ainda nessa direção, Freitas (2013) cita a música como ferramenta, que auxilia os
ambientes de ação social no qual estamos inseridos. O mesmo autor afirma que a atividade
criativa musical alicerça as interações que ocorrem no decorrer desse processo e essa
manifestação expressiva tende a abrir espaços para tipos diferenciados de comunicação, sendo
eles a nível pessoal e também a nível social.
Por conseguinte, verifica-se o ponto arrolado às mudanças ocorridas em relação à
autopercepção dos adolescentes, posteriormente ao seu ingresso no projeto social Orquestra
Santa Terezinha do Menino Jesus:

3.6 QUADRO 06 - MUDANÇAS OCORRIDAS EM RELAÇÃO À AUTOPERCEPÇÃO,


APÓS INGRESSAR NO PROJETO
21

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Melhora na abertura/comunicação com as pessoas 08
Sentir-se orgulhoso para com a música 03
Diminuição da timidez de público 03
Diminuição da agressividade 02
Melhora na interpretação das coisas ao seu redor 01
Mudança na percepção musical 01
Ser uma pessoa mais extrovertida 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

Pode-se verificar no quadro 06 que, 08 dos jovens relataram sobre as mudanças


relacionadas à sua autopercepção, categorizada na abertura/comunicação com as pessoas.
Neste sentido, A4 descreve: “[...] agora eu tô conseguindo mais conversar com as pessoas, eu
tô conseguindo fazer mais amizade fácil...”. Ainda assim, A8 menciona: “[...] Eu também
consegui muitas amizades. Sou uma pessoa mais sociável e mais liberal depois de ter entrado
no projeto”.
Seguida a descrição do quadro, 03 dos entrevistados discorreram acerca do
orgulho que sentem de si mesmos, após o ingresso no projeto. Vale ressaltar a fala proferida
pelo participante A9: “[...] Cara, é...só assim né, eu podia estar em outro lugar agora, na rua,
por aí, fazendo outras coisas. Mais eu tô aqui dentro, tô adquirindo conhecimento, tô
estudando e é uma coisa gratificante”.
Tais afirmações ampliam a correlação existente entre os questionamentos que
envolvem sua autopercepção, a construção de suas identidades, o aparecimento do projeto em
suas vidas e as conseqüências implicadas neste sentido. Pode-se ressaltar Ciampa (1984):

Embora pareça algo simples, não é, pois quando buscamos a resposta para a
pergunta de quem somos muitas vezes não temos a resposta tão clara quanto ao
questionamento feito. Isso ocorre, pois se entende que a identidade é composta por
diversas situações e muitas delas, por sua vez contraditórias, múltiplas e também
mutáveis. (CIAMPA, 1984).

Também, 03 dos pesquisados formaram a categoria que se manifesta na


diminuição da timidez de estar/apresentar-se em público, sentimento este frequentemente
comentado entre os jovens. A4 então explicita: “[...] Tipo, eu tinha muito medo de público, e
não conseguia apresentar trabalho na frente da sala... daí a partir das apresentações na
orquestra, por ter bastante público, eu não tenho mais nenhum problema”.
Novamente ocorrem questões acerca da diminuição da timidez, possibilitando
uma compreensão acerca dos efeitos positivos que traz o projeto social no ponto em questão,
relacionado aos adolescentes pesquisados.
22

A categoria seguinte, mais uma vez ocorre entrelaçada, onde 02 enfatizam a


diminuição da agressividade, e um comenta sobre a melhora na interpretação das coisas ao
seu redor. Neste parâmetro cita-se a descrição do Adolescente A5: “Antes eu era muito
nervoso. Eu passei a ficar mais calmo, a me abrir mais com as pessoas. Comecei a observar
mais, interpretar melhor as coisas ao meu redor”.
Estas categorias, portanto, possuem alguns pontos de convergência, quando
verificado que dentre os variados modos citados acima, o ingresso dos participantes no
projeto social obteve expressivas contribuições, no que se refere às mudanças positivas em
sua autopercepção, podendo então estreitar os laços entre a adolescência, a situação de
vulnerabilidade social, a música como ferramenta utilizada pelo projeto social e a construção
da identidade destes adolescentes.
Conforme Freitas (2013) pode-se abertamente visualizar uma grande relação da
música com a psicologia, no sentido em que através das letras, melodias, ritmo e harmonia, de
certa forma mexem com o psicológico. Segundo o autor, “A música nos faz rever questões de
nossas vivências, ou seja, tudo aquilo que temos como experiências de nós mesmos e com o
mundo em geral, agregando em nossas vidas uma grande proporção de significados,
sentimentos, emoções e sensações”.
Um participante ainda forma a categoria que expressa mudanças na percepção
musical, sendo este o adolescente A1, que enfatiza: “Mudei em relação à música, o jeito de
entender ela, interpretar [...]”.
Por fim, presente na última categoria do quadro 06, A10 alega: “[...] é acho que,
eu me vejo, depois que eu entrei aqui na orquestra, uma pessoa mais extrovertida...”
Segue-se então com o próximo tópico a ser analisado, referente às expectativas
destes adolescentes e sua relação com o futuro:

3.7 QUADRO 07 - EXPECTATIVAS E RELAÇÃO COM O FUTURO

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Seguir na música como profissão 06
Se tornar professor / maestro como espelho 03
Sempre fazer o bem 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

No quadro 07, o maior índice de frequência foi de 06 jovens com suas diretrizes
de acordo com a categoria explanada em seguir na música como profissão. Pode-se esta ser
23

mencionada pela fala do participante A9: “[...] eu quero ser músico, trabalhar com música”.
Ou ainda quando A10 afirma: “[...] quero cursar música, quero viver minha vida de música...”
Apareceram também duas respostas entrelaçadas em seguir na música como
profissão e se tornar professor, que é o caso do A8: “Eu quero continuar no violino. Eu quero
ser um violinista profissional. Quem sabe dar aula também para crianças, criar outros projetos
como esse, porque é como uma árvore né, vai ramificando e vai criando mais projetos
ainda...”.
Neste sentido, verifica-se a tamanha importância deste projeto social, na medida
em que eles possuem função de facilitadores de interação positiva entre os adolescentes,
assim como auxiliam e até viabilizam suas expectativas em relação ao futuro.
Conforme os tópicos descritos, se pode citar Motta e Schmitt (2016):

[...] procurou-se mostrar a mudança de valores como possível no preparo dos jovens
em ambientes de socialização fora da escola regular, exemplificado pela eficácia da
transformação individual, a partir do aprendizado de música clássica. De um lado,
chama a atenção das autoridades públicas para possibilidades de uma atividade
extracurricular na promoção da inclusão social; por outro, alerta profissionais da
gestão de pessoas para a diversidade de expectativas sobre trabalho e emprego entre
grupos sociais e, assim, impele-os a não reproduzirem, inadvertidamente, condições
sociais de desigualdade nas práticas de admissão e progresso funcionais.

Em seguida, 03 adolescentes compõem a categoria que enfatiza o maestro do


projeto como espelho para os adolescentes, assim como a expectativa de se tornarem
professores. Como demonstra A2: “Que eu consiga ser que nem meu maestro, que ele é um
espelho pra mim. [...] Quero sentar com meus alunos, conversar e ser amiga deles”.
Neste sentido, o projeto social analisado nesta pesquisa compõe uma importante
ferramenta aos jovens nela inseridos, como descrevem Motta e Schmitt (2016, p. 12):

Cria-se um novo relacionamento com perspectivas e alternativas de vida. Ao serem


alvo de consideração de familiares, amigos, professores e demais membros da
comunidade, os alunos passam a ter uma nova visão de si, um sentido de valorização
simbólica e um grande reforço de sua autoestima.

Tendo este ponto complementado pela fala presente na última categoria, quando o
adolescente A5 descreve nas suas expectativas e relação com o futuro, que está buscando
“sempre fazer o bem”, como diz seu professor/maestro.
Pode-se então com estes depoimentos, verificar o significado de um profissional
de mediação neste período de transformação no qual os adolescentes se encontram; no caso
então do professor/maestro. Segundo Motta e Schmitt (2016, p. 12) “Quanto menos
24

privilegiados, mais os alunos se identificam e se tornam leais a pessoas e instituições que lhes
ofereçam uma relação confiável”.
Prosseguida a análise, apresenta-se o último quadro a ser descrito e interpretado,
onde demonstra a relação entre os adolescentes e a música:

3.8 QUADRO 08 - RELAÇÃO COM A MÚSICA

CATEGORIA FREQUÊNCIA
Música representa “tudo” 08
Aprender outro “tipo” de música 01
Saúde fisio e psicológica 01
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, pelo autor.

No quadro 08, que demonstra como se dá a relação dos adolescentes com a


música, o maior índice foi de 08 jovens com respostas em que a música representa tudo em
suas vidas, como se pode visualizar no depoimento do jovem A5: “A música antes eu comecei
como se fosse um esporte... Mais a partir de um tempo passou a ser uma paixão. A música já
faz parte de mim [...]”.
Também verificado na expressão de A8: “A música ela representa a minha vida,
praticamente. Porque ela vai ser tanto profissional quanto emocional, porque é onde eu
deposito tudo”. Ou ainda, quando A9 se manifesta: “Cara, a música representa tudo, é
sentimento né! Tu tá ali tocando tá expressando sentimento...amor, felicidade...”
Nas direções das categorias citadas pode-se relacionar que, Motta e Schmitt
(2016, p. 17) compreendem:

O trabalho em grupo e o senso de pertencimento a um coletivo geram a identidade e


uma preocupação com o conjunto. A prática de música orquestral é essencialmente
coletiva, mas a profissionalização e suas expectativas aguçam valores do
individualismo e da competição. Assim são desenvolvidos valores de competição e
colaboração, aliados ao senso da importância do desenvolvimento individual junto
ao coletivo.

Em continuação, um participante respondeu que manifestou sua relação com a


música no sentido de aprender outros tipos de música, para além da música clássica.
Por fim, um sujeito referiu uma relação de saúde fisiológica e psicológica com a
música. Uma vez que, além do tratamento que faz para fibromialgia, tocando violoncelo no
projeto, alega que a doença também causa de depressão, e, portanto, sente necessidade de
ouvir e entreter-se com música, tendo ela assim, um papel fundamental em sua vida. Cita-se
para este, o depoimento de A6: “música pra mim é saúde mesmo”.
25

Neste sentido, corrobora a música como ferramenta de extrema eficácia dentro


dos processos psicofísicos, obtendo melhorias em questões como estresse emocional,
ansiedade, entre outras doenças psicossomáticas. (SILVA et al., 2013).
Mais uma vez pode-se interpretar o efetivo papel da música como ferramenta do
projeto social analisado, em prol da valorização da interação entre os adolescentes, de seu
desenvolvimento biopsicossocial, assim como parte componente de sua construção da
identidade e também servindo de suporte extremamente eficaz para estes sujeitos que se
encontram em situação de vulnerabilidade social.
Motta e Schmitt (2016) afirmam que para os alunos destes projetos, estar ali no
aprendizado musical e no convívio com os colegas já é reconhecido como uma conquista;
assim, desenvolvem um gosto especial por esse saber e sua prática, vista como igualmente
prazerosa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo delineou-se positivos resultados acerca da contribuição da


música como ferramenta facilitadora na construção da identidade de adolescentes em situação
de vulnerabilidade social, viabilizada principalmente por meio de projetos sociais como a
Orquestra Santa Terezinha do menino Jesus.
Dentre este entendimento, Motta e Schmitt (2016), afirmam:

O projeto musical faz brotar sonhos e reativa a possibilidade individual de


transformar a própria vida. A realidade, mais do que uma barreira intransponível,
passa a ser vista como um desafio a ser vencido. Para os membros de projetos e
programas sociais, essa é uma mudança fundamental. Ao ingressar no programa, os
alunos se manifestam ansiosos e desejosos de dedicar sua energia e suas vontades ao
aprendizado musical. (MOTTA E SCHMITT, 2016, p. 20).

Nesta compreensão, verificou-se na presente pesquisa que o projeto social


estudado possui função complementar nas transformações bio-psico-sociais que envolvem
estes adolescentes.
No âmbito biológico pode-se compreender que o projeto auxilia um jovem em seu
tratamento de saúde, visto que o ato de tocar um instrumento de cordas com as mãos exercita-
se os tendões e trata sua fibromialgia, como visualizado na análise do dado citado, e tamanha
transformação que inclusive possibilitou que o jovem volte a escrever como foi relatado em
sua entrevista.
26

De acordo com Rud (1999 apud CUNHA; VOLPI, 2008, p. 87) “A prática da
musicoterapia pode se inserir nos âmbitos da promoção, prevenção e reabilitação da saúde
física, psíquica, emocional e social de pessoas, grupos e comunidades”.
Com relação ao patamar psicológico, foram inúmeras as contribuições que a
música, através do projeto social proporcionou para estes jovens, tais como: diminuição da
agressividade, diminuição da timidez, aumento na memória, atenção e notas na escola,
mudança na percepção musical, vontade de fazer o bem, conforme descritas e analisadas as
entrevistas realizadas com os participantes da pesquisa.
Neste sentido, para Motta e Schmitt (2016), com a exibição pública, os
adolescentes tornam-se protagonistas de um espaço antes impensável a partir de suas práticas
cotidianas tradicionais e mesmo fora da atividade extracurricular da música. Trata-se de um
aprendizado adicional para a vida.
Já no nível social, constataram-se ainda mais transformações com estes
adolescentes, estas no meio escolar, familiar, grupos de amigos e outros grupos sociais. Sendo
elas: Significativa melhora na comunicação e interação nos meios familiares, escolares e nos
grupos sociais aos quais estão inseridos, diminuição de conflitos familiares, diminuição da
timidez em público, aumento na afetividade com os pais e amigos, melhora na educação com
as pessoas ao seu redor, aumento na vontade de auxiliar pessoas carentes e trabalhar em
grupo.
Converge-se então para estas questões, quando Motta e Schmitt (2016, p. 12)
citam:
Ao valorizar o diálogo e a interação construtiva, alguns centros de aprendizagem
avançam para o ambiente familiar e comunitário, sobretudo os mais pobres e
periféricos. Cria-se um novo relacionamento com perspectivas e alternativas de vida.
Ao serem alvo de consideração de familiares, amigos, professores e demais
membros da comunidade, os alunos passam a ter uma nova visão de si, um sentido
de valorização simbólica e um grande reforço de sua autoestima.

No sentido de apropriação interior de sua autopercepção perante o mundo em que


vivem, bem como na possibilidade de almejarem expectativas para o futuro, relacionados
para, e além da música, cruciais foram as contribuições que a música pôde e pode trazer para
a construção da identidade destes adolescentes.
O acesso ao ensino de música proporciona mudanças graduais, não facilmente
percebidas no curto prazo, mas construtoras de otimismo em relação ao futuro (MOTTA E
SCHMITT, 2016, p. 13).
27

Cita-se neste sentido o grande aumento do orgulho que os jovens relataram sentir
de si mesmos, desde que ingressaram no projeto, assim como o aumento da autoestima,
alavancado pela consciência também do orgulho que seus familiares sentem por eles, sendo
então uma relação recíproca de orgulho, extremamente benéfica em seu desenvolvimento
biopsicossocial.
Neste sentido, Motta e Schmitt (2016, p. 14 e 15) afirmam:

Ao manifestar suas altas expectativas sobre a capacidade de aprendizado, os


professores favorecem a dedicação, o envolvimento e a motivação dos alunos. Há
maior interação com os colegas, como facilidade para a formação de equipes. Os
alunos aceitam melhor os desafios e trabalham para superá-los. Ao atingir um bom
resultado, os alunos passam a ligar esforço a desempenho e não mais o veem como
uma dádiva dos mais privilegiados. Assim, adquirem maior comprometimento com
o projeto e crescem na sua autoestima.

Por fim, puderam-se avaliar contribuições acerca do ingresso no mercado de


trabalho, a partir de fortalecimentos em questões de motivação em seguir na música clássica
como profissão, por exemplo.
Para isto elucidar esta compreensão, Motta e Schmitt (2016, p. 18) mencionam:

O trabalho em grupo e o senso de pertencimento a um coletivo geram a identidade e


uma preocupação com o conjunto. A prática de música orquestral é essencialmente
coletiva, mas a profissionalização e suas expectativas aguçam valores do
individualismo e da competição. Assim são desenvolvidos valores de competição e
colaboração, aliados ao senso da importância do desenvolvimento individual junto
ao coletivo.

Sugere-se inspirado nos resultados dessa pesquisa que novos estudos sejam
apontados, direcionados às demandas que se correlacionam com este tema, a exemplo do que
circunda as famílias dos jovens participantes do projeto, das implicações e do posicionamento
do governo brasileiro, a exemplo de programas que viabilizam este trabalho social.

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ANEXO A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Roteiro de entrevista semi-estruturada com participantes do Projeto Social:


Orquestra Santa Terezinha do Menino Jesus, a fim de analisar as contribuições da utilização
da música na construção da identidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

1. Quais motivos levaram você (adolescentes) a entrar no projeto?

2. a) Houve transformações com você em relação à família, após entrar no projeto?


(atualmente);
b) E antes de entrar no projeto, você lembra como era? (relação com a família);
3. a) Houve transformações com você em relação à escola, após entrar no projeto?
(atualmente);
b) E antes de entrar no projeto, você lembra como era? (relação com a escola);
4. a) Houve transformações com você em relação aos amigos, após entrar no projeto?
(atualmente;
b) E antes de entrar no projeto, você lembra como era? (relação com os amigos);
5. a) Há outros grupos sociais? (na atualidade); Ex.: galeras que praticam algum esporte em
comum, bandas, grupos de jovens, entre outros...
b) Outros grupos sociais (antes de entrar no projeto);
6. a) De que modo você se percebe, se vê como pessoa, após de entrar no projeto? (auto-
imagem / identidade);
b) Como você se percebia como pessoa, antes de entrar no projeto?
7. Quais são suas expectativas em relação ao futuro? (profissional / pessoal);
8. Qual sua relação com a música (daqui para frente)? E o que ela representa para você?

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