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1 MULTILATERALISMO
1.1 UNIÃO AFRICANA (PAN-AFRICANISMO)
A UA é fundada com uma proposta diferente de sua antecessora, e mais ou menos nos
moldes da União Europeia, sob o intuito de contrariar a marginalização do continente
africano, mas também trazer novidades, como possíveis intervenções no setor privado,
novas regras para programas de empréstimos e financiamentos bi ou multilaterais,
resolução das dívidas africanas e devolução de capitais “exilados” (DIALLO, 2005). O
5º artigo do ato constitutivo da UA dispõe os órgãos que constituem a UA, e destacamos
o Conselho Executivo, o Parlamento Pan-africano, a Corte de Justiça, o Comitê dos
Representantes Permanentes e o Conselho Econômico, Social e Cultural e Instituições
Financeiras. Além disso, a UA poderá criar outros órgãos por iniciativa própria, como o
fez com o Conselho da Paz e da Segurança, que entrou em vigor junto do ato
constitutivo.
A Agenda é dividida em 7 aspirações, com 20 objetivos no total. Dentre eles, temos, por
exemplo, altos níveis de IDH, economias aceleradas e modernas, relação sustentável
com o meio ambiente, uma África unida (em uma federação ou confederação) e a
preservação da paz no continente, sem nenhum tipo de guerra.
A UA engloba os 55 países da África, sem distinções, e todos tem direito a voto nas
assembleias da Organização. É certo afirmar que os objetivos postos na Agenda 2063
são objetos de perseguição de todos os Estados-membros, pois tratam-se de objetos
positivos para qualquer Estado, independente de regime político ou governo.
A Etiópia tem buscado seguir o proposto, assinando um tratado de paz com a Eritreia
em 2018 e cooperando na pacificação da Somália na mesma década. No entanto, alguns
problemas domésticos são ainda sobressalentes, como as próprias questões étnicas e
religiosas que há muito vêm causando intrigas no interior do país. O povo etíope tem
ainda sofrido, desde 2021, despejos financiados pelo próprio Banco Mundial, com
recursos que foram destinados à saúde e educação (PUBLICA, 2015).
Durante a pandemia, a OMS tem sido responsável por articular as melhores reações à
covid-19, desde as prevenções, os investimentos em pesquisas, instruções, até desmentir
fake news sobre o tratamento da doença. É também a OI que está organizando o
consórcio de apoio internacional de combate à pandemia, o COVAX.
O sucesso dos testes das vacinas contra o coronavírus, ainda em meados de 2020,
motivou os países mais ricos a comprarem antecipadamente lotes maiores do que a
própria população, como uma medida de segurança e, com o advento desses
imunizantes ao final de 2020, e os demais Estados comprando os excedentes de
produção ou reservando novos lotes, a oferta diminuiu bastante e o preço seguiu o
caminho inverso, não permitindo o acesso aos países menos favorecidos. A covax
propõe sanar esse problema.
Hoje o Brasil tem mais missões diplomáticas na África do que tem o Reino Unido.
Apenas entre 2003 e 2010, o Brasil abriu 17 novas embaixadas na África e visitou 23
países africanos. Especificamente, sua relação com a Etiópia vem crescendo, o Brasil
enxerga e reconhece que o país tem o maior crescimento econômico do continente e a
segunda maior população, atrás apenas da Nigéria, e por abrigar a sede da União
Africana (UA), da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA),
entre outras reuniões multilaterais e comícios, Adis Abeba projeta-se como importante
polo diplomático, e desempenha relevante papel nos processos de paz no continente.
Com a frequência das visitas é natural que cooperações e acordos venham a surgir,
facilitados pelo corpo diplomático das embaixadas, os primeiros assinados já em 2012
com premissas de cooperação técnica, comissão mista permanente e isenção de vistos;
sendo estes pontos chaves para entender como poderá ser o futuro desta relação. No ano
seguinte foi assinado pela então presidente Dilma Rousseff em visita à Etiópia acordos
de serviços aéreos, cooperação educacional e cooperação em ciência, tecnologia e
inovação. E com isso a Ethiopian Airlines iniciou sua operação de rota aérea entre a
capital e São Paulo.
Agora na história mais recente os dois países se mantêm com uma boa relação, foram
nove acordos assinados nos últimos três anos, especialmente na área de ciência e
tecnologia e na análise de educação e desenvolvimento, agricultura e pesquisa. Existem
muitas semelhanças entre o solo e a agricultura da Etiópia e do Brasil, então qualquer
tipo de tecnologia ou sementes que sejam utilizadas no Brasil, podem ser também
utilizadas na Etiópia. Há um diálogo com empresas agrícolas brasileiras para que elas
invistam na Etiópia, pois está presente no centro do globo, ocupando uma posição
estratégica na Costa Oriental da África e as empresas brasileiras que já exportam para o
Oriente Médio também podem aproveitar a oportunidade de fazer negócios na Etiópia,
na medida em que o país se situa ao lado do mar vermelho, os produtos estão livres de
impostos e podem chegar facilmente nos mercados da China e Índia.
Apesar da história entre a China e a Etiópia ser de longa data, foi em 24 de novembro de
1970, quando a China reconheceu a Eritreia como parte do domínio etíope em troca do
reconhecimento de Taiwan como chinesa, que a relação diplomática foi oficializada
entre os países. No entanto, somente em 1991, com o poder político etíope sendo
assumido pelo grupo rebelde chamado Frente Democrática Revolucionária Popular da
Etiópia (FDRPE), que essa relação começou a ser explorada de fato.
As trocas comerciais entre os países tiveram início em 1956, porém, não eram tão
significantes como nos anos recentes. Em 2006 a China se tornou o principal parceiro
econômico da Etiópia correspondendo a cerca de quinze por cento da taxa de
comercialização. As trocas bilaterais entre os dois países se expandiram rapidamente e a
se tornou uma importante fonte de produtos manufaturados e maquinários para a
Etiópia.
Durante o período entre 2002 e 2008, sementes oleaginosas, couros e produtos minerais
relataram ser as três principais commodities de exportação para a China, respondendo
por cerca de noventa e oito por cento da exportação total.
Ao decorrer do século XX, a Etiópia lidou com uma sucessão de turbulências políticas
internas e externas, decorrentes principalmente do caráter multiétnico do Estado. Porém,
no último par de décadas, a situação política se tornou estável o suficiente para que uma
série de condições favoráveis ao desenvolvimento do país se desenvolvessem. Enquanto
recursos e energia eram convertidos para impedir a falência do Estado, o investimento
em questões desenvolvimentistas era postergado. Após o ingresso em um regime
estável, sem oposição interna ou externa que ameace o governo, pode-se buscar atender
a outras demandas domésticas, como as de infraestrutura, o que se observa hoje no
governo etíope. Em decorrência disso, observou-se também o crescimento do PIB, que
atingiu a marca de crescimento de mais de 10% anuais por 5 anos seguidos, de 2004 até
2008 (BANCO MUNDIAL, 2021).
Já em 2011 foram iniciadas as obras da GERD, sem acordo com Sudão e Egito, os dois
principais afetados pela construção. O preenchimento da represa, que ocorre em etapas,
teve seu primeiro estágio completo em julho de 2020 e o segundo previsto para a
temporada chuvosa de 2021 (de julho a agosto). Quando completo, o reservatório da
represa armazenará 74 BMC (bilhões de metros cúbicos) durante o período de cheia do
Nilo e 49.3BMC durante o período de seca (ZANE, 2020). A expectativa é que a
represa esteja com o reservatório completo dentro de cinco a sete anos.
Por mais que o objetivo principal da GERD seja a produção de energia, diversos efeitos
colaterais podem ser esperados após a construção da hidrelétrica. Em primeiro lugar
temos o controle de fluxo, que funciona como uma faca de dois gumes. Se administrada
da forma correta, a represa terá capacidade para conter as enchentes do Nilo, que
causam prejuízos à agricultura e à infraestrutura dos países jusantes. Além disso, ao
longo da parte egípcia e sudanesa do Nilo, existem diversas outras represas construídas
que visam controlar as enchentes do rio, mas estas estão localizadas em regiões áridas o
que além de aumentar a evaporação da água, faz com que ela se perca no deserto ao
invés de voltar em forma de chuva. Esse cenário se modifica no local de construção da
GERD, o planalto etíope, com clima mais ameno e florestas ao redor. A retirada das
represas de contenção no Saara e a substituição delas pela etíope pode representar uma
diminuição significativa no desperdício de água. Por outro lado, fica explícita a
necessidade de um acordo que regule o fluxo da barragem, principalmente em anos de
secas, de forma a assegurar que a segurança hídrica dos países não será comprometida
pela Etiópia.
Por fim, os impactos sociais e ambientais devem ser medidos de forma intensa e
colocados em discussão. No decorrer dos anos de formulação do projeto, pouco se
atentou a isso, o que deixa uma carência de dados sobre o impacto real da construção na
população e na biodiversidade local. Sem relatórios nesse sentido, não há possibilidade
de políticas públicas que mitiguem o efeito prejudicial de novas construções.
O potencial conflituoso da relação entre nações que dividem o mesmo rio pode ser
observado desde os primórdios dos Estados modernos. O Egito, por exemplo, por muito
tempo confiou não apenas em sua diplomacia para manter o controle do Nilo, mas
também em estratégias de desestabilização política, financiando grupos armados em
território etíope e nações em estado de beligerância com esse país (GEBRELUEL, 2014,
p. 28). Porém, o balanço de poder regional não demonstra mais uma clara sobreposição
de poderes de uma nação sobre a outra, em decorrência do impacto da Primavera Árabe
no Egito e da estabilização política da Etiópia, o que torna o potencial destrutivo desse
embate maior.
Ademais, indo além da natureza conflituosa dessas relações, compartilhar um rio cria
também a possibilidade de maior integração regional. Como dito anteriormente, a
GERD gerará energia o suficiente para ser exportada para todo o leste africano, o que
auxiliaria no desenvolvimento humano, industrial e comercial dos países da região, de
forma conjunta. Além disso, o aumento na interdependência energética dos países
diminui as chances de conflito, por aumentar as consequências destrutivas da quebra de
relações. Nesse sentido, a integração regional pode significar um aumento no nível de
segurança mundial, já que a região leste da África é uma das mais instáveis do mundo.
Em síntese, a GERD pode representar uma oportunidade de crescimento em diversos
aspectos na região. Porém, um último fator talvez cause o maior entrave nas discussões
da represa: a retórica nacionalista acerca do Nilo.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Maíra; ROGÉRIO, Paulo. Embaixador da Etiópia fala sobre relações
com o Brasil. Correio Nagô. Disponível em: <https://correionago.com.br/embaixador-
da-etiopia-fala-sobre-relacoes-com-o-brasil/>. Acesso em: 9 jun. 2021.
CHEN, Huiyi; SWAIN, Ashok. The Grand Ethiopian Renaissance Dam: Evaluating its
sustainability standard and geopolitical significance. Energy Development Frontier, v.
3, n. 1, p. 11, 2014.
TESFA, Belachew. Benefit of Grand Ethiopian Renaissance Dam Project (GERDP) for
Sudan and Egypt. 2013.
ZANE, Damian. Ethiopia‘s River Nile Dam: How it will be filled. BBC News, [S. l.],
16 jul. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-africa-53432948.
Acesso em: 6 jun. 2021.