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BR - JORNAL EGBÉ
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JORNAL
DISTRIBUIÇÃO
GRATUITA
MARÇO 2024
Ano 02 - Edição 08
MULHER, MÃE E DIVERSIDADE: A orientadora social Fernanda Nascimento nos conta sobre sua experiência. p. 6
2 EDITORIAL JORNAL EGBÉ
PONTOS DE
Até quando aceitaremos a desigualdade de gênero? DISTRIBUIÇÃO
Olá, queridas e queridos leitores! Mais uma vez abrimos São Paulo não elegeram nenhuma vereadora ou tiveram
este editorial agradecendo a todas e todos que nos enviaram
mensagens de elogios, de incentivo e sugestões, que, com certeza,
apenas uma cadeira ocupada por uma mulher. A cada
dez vereadores, há duas mulheres eleitas. Quando se Virtuosa
JORNAL já estamos realizando. É sempre importante deixar registrado leva em consideração toda a Grande São Paulo, essa Estética
RESENHA que nosso objetivo principal é estimular o debate, o diálogo e a quantidade cai para 1 uma vereadora e 9 homens em
SOCIOCULTURAL reflexão, exercitando o incentivo à leitura e fortalecendo o senso cada um dos parlamentos. Isso sem falar que as meninas Av. Rui Barbosa, 323
crítico tão necessário na construção da cidadania. são maioria no trabalho infantil e possuem taxas de Centro
Entendemos que a Cultura é um grande instrumento de analfabetismo muito maiores em relação aos meninos
transformação social, não só do ponto de vista de lazer e Para isso, convidamos mulheres de diversos setores
EXPEDIENTE
aprendizado, como também fortalece o processo de cidadania, da sociedade para discutir e debater o que precisamos Câmara
ou seja, pessoas com maior senso crítico da realidade, mais melhorar e combater este infeliz disparate. Começamos
Realização humanitárias e mais politizadas tendem a construir uma sociedade com a psicóloga infantil Sumaia Gonçalves, que nos
Municipal
OICD com menores índices de violência, de preconceitos, desigualdades, conta sua experiência com as meninas adolescentes e as R. João Mariano
enfim, mais equânime. descobertas e desafios que permeiam essa fase da vida. Ferreira, 229
Idealização
Com isso, trazemos uma proposta editorial com assuntos de Convidamos também a pedagoga Andréa Aydar para Vila São Paulo
e Curadoria relevância para a sociedade, tanto no Brasil e no mundo, como falar sobre a importância das mulheres no processo de
Maria Elise Rivas também “resenhar” eventos, acontecimentos e todo movimento educação em nosso país. No campo das artes, trouxemos
que envolve nosso município.
Neste mês, como fazemos sempre em março, em alusão ao dia
um relato muito interessante de uma artista circense e
suas reflexões sobre o etarismo, na palavra de Sandra
Aterje
Jornalista 8, trouxemos uma reflexão sobre os avanços e retrocessos da luta Saraiva Milan. Odontologia
Awdrey Sasahara das mulheres por uma sociedade mais igualitária, mais digna, com Valorizando nossa linha editorial inclusiva e que respeita R. João Mariano
MTB: 42944/SP mais respeito e visibilidade. A luta por uma sociedade que não as e valoriza a diversidade, apresentamos Itamirim, uma Ferreira, 188
mate, que não as pague menos quando fazem os mesmos serviços liderança local indígena Tupi-Guarani e educadora da
Vila São Paulo
que um homem, que a elas dê espaços na política, no trabalho, Aldeia Tabaçu Reko Ypy, que produz eventos e atividades
Revisão na saúde, na educação, no lazer, na cultura, que lhes possa dar a culturais em sua comunidade, além da secretária e ativista
Rodrigo Garcia oportunidade de serem livres na sua sexualidade, na sua forma de da ABRAI – Associação Brasileira Intersexo, Mayara CMTECE
pensar, sentir e agir. Que não as desqualifique nem as coloque em Natale, que explanou sobre a importância do respeito e Av. Condessa de
desvantagens em relação aos homens. visibilidade que as mulheres intersexo deveriam ter.
De acordo com dados de uma pesquisa que integra o projeto Finalizando, trouxemos um artigo de Maria Elise
Vimieiros, 1.131
Foto da Capa Centro
“Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, encomendado Rivas sobre a importância e a necessidade de discutir
Luiz “Boomer”
pela ONU Mulheres e financiado pela União Europeia, a e colocar em prática as pautas feministas na sociedade.
Américo
violência ainda é o principal entrave, principalmente contra Os desafios são grandes, mas, quanto maior for o nível
mulheres negras, de baixa renda e de orientação sexual que não das informações, menor será a resistência das pessoas no Rodoviária
seja a heterossexual. No Brasil, ocorreram 1.463 feminicídios em sentido de questionar ou combater as pautas femininas. Av. Harry Forssell,
2023, uma alta de 1,6% em relação a 2022. Trata-se de uma missão a ser concluída por toda a 1505 - Corumbá
No mercado de trabalho, ainda há muita desigualdade. sociedade, não só pelas mulheres, mas também pelos
Sua ocupação em cargos de nível superior nas empresas ainda é homens e todas as classificações de gêneros.
crédito: @perolasdeitanhaem
Diagramação
Pérolas de
Itanhaém
menor, embora a aptidão e capacidade sejam óbvias. Estatísticas
ainda apontam que o salário da mulher é proporcionalmente
Um grande abraço a todas e todos. Participe
enviando sugestões, elogios e críticas. Boa leitura e até o
Casa da
menor do que o dos homens, fator que se acentua ainda mais nos
casos de mulheres negras. No cenário político a comparação entre
próximo mês! Música
mulheres e homens nos cargos executivos, legislativos e judiciários Awdrey Sasahara
Rua Oscar Pereira da
também ainda é muito desigual. Em 2020, 22 cidades da Grande resenhasociocultural@oicdrivas.com.br Silva, 202 - Belas Artes
Pinacoteca
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Municipal
Praça Carlos Botelho,
48 - Centro
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OPINIÃO JORNAL EGBÉ 3
A vida é de quem?
Pode parecer um “balde de água pela do outro. Se o seu parâmetro de que temos a percorrer. A luz ou inicial, a pergunta do milhão: quanto
fria” o que vou fazer, mas lá vai: vida for o outro, você será fatalmente a escuridão da jornada dependem da sua vida foi só sua? Quem está
este texto não vai tratar da vida frustrado e, assim e por isso mesmo, muito mais de como vamos lidar focado na existência do outro terá a
dos outros; vai tratar da sua! Falar infeliz, submerso nas suas irrealizáveis com os percalços ao longo da sua própria esvaziada.
da vida dos outros pode ser uma urgências concebidas na miopia do estrada do que propriamente com
“delícia” para uns, mas o problema atraso espiritual. a qualidade da estrada que temos a
está justamente no quanto de vida percorrer. “Nada pode ser mais
esse um deixou pelo caminho. Não Na perspectiva estoica, o que está na
estou falando de detração, a popular nossa esfera de controle controlado A questão fundamental é de que miserável do que
fofoca. Estou falando de quanto está; ao contrário, resolvido está. O a nossa vida é um sopro, como alguém que perde a
de inutilidade há no que não é útil que quer dizer isso? Que você não deve tantos já disseram. Mas a nossa
e de quanto de vida se esvai em corromper a beleza da sua existência consciência disso é que faz toda a vida para tentar viver
existência que não é sua. Trocando pelo sofrimento do que imaginou que diferença. Sêneca, em seus famosos
em miúdos, estou dizendo: o que não poderia ter acontecido consigo ou escritos Sobre a brevidade da vida,
aquela do outro que
vale a pena na sua vida e pela sua pela compreensão rasa e monoteísta diz que “a maior parte dos mortais não é nem nunca será
vida? Pensar sobre como estamos de que tudo é castigo. Essa lamenta a maldade da Natureza,
usando o nosso tempo vital é compreensão de que porque já nascem com a a sua.”
determinante a uma existência com vida pressupõe perspectiva de uma
raiz, em que não exista um “vazio”, uma dogmática curta existência Nada é mais triste que passar pela
mas uma completude que só é obediência e porque os vida e não viver. Ao longo da nossa
possível aos que se dedicam ao que àquilo que anos que lhes jornada, os dias vão se sobrepondo
verdadeiramente importa. se concebe são dados e, muitas vezes, não paramos para
superior transcorrem pensar no que queremos viver, no
Em Antígona, obra clássica de tem muito rápida e quanto de nós existe em tudo que já
Sófocles, está posto que “nada de a ver com ve l o z m e n t e ” consumiu e vai consumindo a nossa
grande é dado ao ser humano que a nossa e Hipócrates, vida. Lendo Epicuro e Sêneca só
não venha acompanhado de dor o pai da consigo entender que, para uma vida
correspondente”. E quanto há de incapacidade medicina, sem objetivo claro, sem um propósito
“dor” na vida? Ou será que nós é de lidar com as afirma que “a verdadeiro, uma vida leviana porque
que inoculamos dor naquilo que consequências vida é curta, a arte fundamentada em nada que seja
seria em si e por si uma dádiva a dos fatos da vida do é longa. A ocasião, concreto, é uma vida que não existiu.
ser vivida e celebrada? Viver com a que propriamente com fugidia. A esperança, Triste, mas é verdade. O problema
consciência de que somos finitos e o suposto fatalismo. Imagine a falaz. E o julgamento, difícil”. é que, no fundo, no fundo, a vida
que cada minuto conta nesse pouco dor de alguém que perdeu a pessoa Ou seja, quanto temos a viver? não é curta. Em Sêneca, está claro,
tempo da nossa experiência humana amada? Também em Antígona – que Se a vida é breve temos de viver a vida “se souberes viver, é longa” – e
não é propriamente atribuir sentido obra! – Hémon põe fim à própria vida mais intensamente e melhor o talvez por isso os Titãs acertaram no
a tudo, mas fazer com que tudo pelo desespero da morte infamante pouco tempo que temos – se é entusiasmo ao cantar que “se o bem
seja um sentido para viver. Tudo imposta à mulher amada. Desistiu de que é pouco. Afinal, aqui também e mal existem / você pode escolher”,
tem seu tempo e, às vezes, focados si pelo luto; depositou no outro a vida é bom lembrar dos ensinamentos pois, no fundo, o que precisamos
no que existe de bom no outro, e a felicidade de sua existência. de Epicuro que, em sua Carta mesmo, é saber viver! E saber viver
deixamos de perceber o quanto sobre a felicidade, diz claramente é cuidar da sua vida, e não da vida
de bom reside em nós, nas nossas Compreender a dor e encontrar nessa que a vida não é boa porque é dos outros.
vidas, mesmo em momentos que dor o antídoto à morte da existência longa. Afirma que a vida se mede
imaginamos desafortunados. Aliás, física ou espiritual não é tarefa das pela plenitude dela, pois o sábio, RUTINALDO BASTOS,
também é da mesma Antígona o mais fáceis, mas é necessária àqueles “assim como opta pela comida é vereador do
município de
ensinamento de que “só se devem que desejam uma vida que não se mais saborosa e não pela mais
Itanhaém, advogado
usar os louros quando já estão secos. perca no poço das tristezas e na abundante, do mesmo modo ele militante, membro da
Quando verdes, seu gosto é muito escuridão do luto pelo que imaginou colhe os doces frutos de um tempo Academia Itanhaense
amargo”. Logo, espere o tempo das que não deveria ter acontecido. A bem vivido, ainda que breve”. de Letras.
coisas. Não antecipe o que precisa vida de um não é a vida do outro.
de maturação e não meça a sua vida As perdas fazem parte do caminho Mas, voltando aqui à questão
4 POLÍTICA JORNAL EGBÉ
FEMINIZAÇÃO DA PROFISSÃO:
MULHERES E O SERVIÇO SOCIAL
O estudo das relações de gênero é de em suas protoformas, é uma profissão
fundamental importância para o Serviço eminentemente feminina, assim como
Social, sendo uma profissão de acordo com ficam luzentes quais os deveres e as
a história feminina. Desde os anos 1970, responsabilidades da mulher dentro da
tem sido uma das cinco profissões mais sociedade.
femininas do Brasil, e a mais feminina Analisando a proporção nas áreas e
desde os anos 1980. contextos em que a profissional de Serviço
Mulher, mãe e diversidade Em 2007, uma pesquisa do PNADs
mostrou que 93,7% dos assistentes sociais
Social está inserida, para acompanhar,
orientar, atender etc., observamos que,
eram mulheres, contra 6,3% de homens. segundo o Censo nacional de 2008, 82%
Em um mundo onde a maternidade é aquelas mães que ainda não conseguiram Segundo Iamamoto e Carvalho (Título da população em situação de rua se declara
frequentemente associada a estereótipos libertar-se do medo e da angústia ao do livro, publicado pela EDITORA homem, e 18% se identifica como mulher.
e padrões tradicionais, é essencial testemunhar seus filhos sendo diariamente X, em 2007), no Brasil o Serviço Apesar de representarem uma minoria
reconhecer e celebrar a força e a resiliência julgados e apontados. Social se institucionaliza e se legitima nas ruas, as mulheres registram mais
das mulheres que são mães e fazem Mulheres unidas em prol de uma luta profissionalmente como um dos casos de violência do que os homens. Das
parte da comunidade LGBTQIAPN+. humanitária, unindo forças e se apoiando recursos mobilizados pelo Estado e pelo ocorrências notificadas ao Sistema Único
Ser mulher, mãe e lutar por um mundo mutuamente para garantir que suas empresariado, como suporte da Igreja de Saúde (SUS), 92% são classificadas
mais igualitário para seus filhos é uma famílias não se tornem estatísticas de católica na perspectiva do enfrentamento como físicas.
jornada marcada por desafios únicos e sofrimento e exclusão. Lutamos juntas, e regulação da questão social, a partir dos Além disso, o cotidiano dessas mulheres é
uma carga emocional intensa. Neste mês mães de pessoas LGBTQIAPN+, para anos de 1930. revelador de desafios como as relações de
das mulheres, é fundamental destacar exigir do mundo o respeito que nossos Sendo que, desde a emergência da gênero, a maternidade, o cuidar dos fi lhos
profissão do Serviço Social no Brasil, e a ausência de um lar, o que se configura
as vozes dessas mulheres que enfrentam filhos merecem, permitindo-lhes nascer,
notamos a predominância do sexo de maneira particularizada em relação à
diariamente a luta pela aceitação, pelo crescer e envelhecer com dignidade, assim
feminino entre tais profissionais. Assim, maioria da população de rua, composta
respeito e pela construção de um futuro como qualquer outra pessoa cisgênero.
a predominância feminina na profissão por homens.
mais inclusivo para suas famílias. No mês da mulher, recusamos o simbolismo
do Serviço Social em seus primórdios A literatura acima aponta uma importante
É inegável a sobrecarga enfrentada por superficial de flores e bombons. O que está diretamente conexa às características contribuição na temática das mulheres
mães que fazem parte da comunidade almejamos verdadeiramente é que nossas enraizadas e culturalmente legitimadas ao vivendo na rua, em um panorama
LGBTQIAPN+, submetidas a uma vozes reverberem pelo mundo, sendo não âmbito feminino, como podemos observar científico no qual há predominância
pressão absurda ao serem frequentemente apenas ouvidas, mas respeitadas por amar em citação do memso livro, na página de publicações relacionadas a cuidados
julgadas e culpadas por algo tão injusto e apoiar incondicionalmente nossos filhos, 172: “ Aceitando a idealização de sua médicos, assistenciais quanto ao controle
como o preconceito. Carregam consigo nossas filhas e filhes. Desejamos persistir classe sobre a vocação natural da mulher de epidemias, doenças ginecológicas ou
o peso da culpa imposta por não se como faróis, iluminando o caminho para para as tarefas educativas e caridosas, essa sexualmente transmissíveis e uso de drogas
adequarem aos moldes tradicionalmente que todos reconheçam as lutas enfrentadas intervenção assumia, aos olhos dessas nesse segmento populacional.
aceitos de maternidade, enquanto pelas pessoas que amamos e a necessidade ativistas, a consciência do posto que cabe Finalmente, cabe ressaltar que se este
batalham incansavelmente para garantir premente de garantir-lhes espaços e à mulher na preservação da ordem moral e enfoque serve para raciocinarmos a
que seus filhos tenham voz, espaço e respeito em todas as esferas: educação, social e o dever de tornarem-se aptas para questão da mulher em situação de rua,
respeito em uma sociedade que muitas saúde, trabalho, afeto, socialização e em agir de acordo com suas convicções e suas não é reduzi-las a uma situação de pura
vezes os rejeita. todos os ambientes onde seus corpos não responsabilidades. Incapazes de romper exclusão em função das condições objetivas
Ser mulher em nossa sociedade já é sejam alvo de escárnio, mas sim celebrados com essas representações, apostolado de existência, mas, além disso, é preciso
desafiador por si só, e ser mãe de pessoa como parte essencial da diversidade social permite àquelas mulheres, a partir considerá-las, a partir de uma perspectiva
LGBTQIAPN+ nos impulsiona a lutar humana, onde o respeito sobrepuje o ódio da reificação daquelas qualidades, uma que as contemple, desprovidas de
ainda mais para que nossas famílias e o amor triunfe sobre tudo aquilo que os participação ativa no empreendimento condições mínimas de existência material
sejam acolhidas e respeitadas. Como impeça de buscar a felicidade genuína. político e ideológico de sua classe, e e com hipóteses precárias para o resgate do
lidar, então, com a realidade de gerar, ver Em meio aos medos que nos assolam, é o da defesa faculta um sentimento de sentido de suas existências.
crescer, educar com amor e carinho apenas amor que nos impulsiona. Unidos por esse superioridade e tutela em relação ao
para testemunhar nossas filhas, nossos sentimento poderoso, seguimos adiante, proletariado, que legitima a intervenção.” Dione de Souza Lima Nogueira
Diante do exposto, fica evidente a
filhos e filhes sendo confrontados por determinadas a moldar um mundo onde Assistente Social - Tutora do Curso
tendência de que o Serviço Social,
uma sociedade que os discrimina e tenta a aceitação e a igualdade prevaleçam. Serviço Social
restringi-los a um armário frio, solitário e Que este mês da mulher seja um lembrete
créditos: https://qgfeminista.org/ser-mulher-em-situacao-de-rua-em-meio-a-pandemia/
Comecei a trabalhar cedo, na condição As atividades de teatro, também - Professora, menino pode participar? com mulheres; da mesma forma, meninas
de “menor” de idade. Fui registrada desenvolvidas no projeto, procuram Meu pai falou que esse negócio de se identificavam com homens. Diziam,
como “notista”, em um comércio de trazer outras formas de expressão poesia é coisa de menina! Uma menina, sem qualquer pudor ou constrangimento:
engarrafadora de bebidas. Precisavam para os gêneros literários trabalhados, realmente, foi a primeira a se apresentar
de uma menina que já houvesse obtido permitindo que os estudantes expressem para participar do projeto e ficou sozinha - Sou Vinícius de Moraes! – e era uma
o diploma de datilografia, morasse no a literatura de forma adaptada pelas comigo durante alguns meses, nas adolescente, de 13 anos, falando.
bairro, estudasse à noite, tivesse boa - Sou Cora Coralina! – e era agora um
caligrafia e escrevesse bem. menino falando, antes de realçar que a
“sua” autora tinha começado a carreira de
Já na faculdade, fui admitida como escritora já “velhinha”, com mais de 70
encarregada do Cadastro de uma anos, e que o no poema “Cora Coralina,
Entidade Sindical e tinha a função quem é Você”, contava um pouco da vida
de ler e revisar os processos jurídicos, dela.
com relação às questões ortográficas e
linguísticas. Curiosamente, até aqui, havia O processo de escolha do patrono ou
chegado às empresas por classificados patrona de uma academia estudantil de
que chamavam por “moças”, apesar da letras favorece que a comunidade tenha
predominância de homens nos postos de voz para se fazer representar no projeto.
supervisão e de chefia, conforme não foi Dessa forma, pouco a pouco, nomes de
difícil constatar. escritoras (mulheres) foram se juntando
Entretanto, meu sonho era ser professora! aos nomes de escritores (homens), para
Coisa que consegui alcançar quando nomear as novas academias.
completei 44 anos de idade. Na sala dos
professores havia muito mais mulheres Na fundação da primeira academia
do que homens. Umas bem jovens, estudantil de letras, em 2005, apenas
recém-formadas; outras aparentavam Adélia Prado, Clarice Lispector e
estar na mesma faixa etária que eu; Cecília Meireles foram escolhidas pelos
outras pareciam ainda mais “maduras”. acadêmicos como suas amigas literárias;
Com o passar dos anos, tinha outro vinte e dois estudantes optaram por
sonho: utilizar a literatura, notadamente autores homens, naquela ocasião.
a poesia, como fator de humanização e Atualmente, no rol de 165 academias
de resgate de valores para a formação estudantis de letras fundadas em São
de uma academia estudantil de letras na Paulo, em todas as regiões, 60 mulheres
escola. Coisa que aconteceu oficialmente escritoras foram escolhidas como
no ano de 2005 quando nasceu a patronas. A importância da abordagem
Academia Estudantil de Letras (AEL). das questões de gênero por meio da
literatura é eficiente, eficaz e relevante.
A Academia Estudantil de Letras Em 2015, o Secretário Municipal de
(AEL) é uma autêntica academia de Educação e também Presidente da
letras, com as devidas adaptações para o artes visuais, dança, música e artes reuniões que aconteciam no pós-aula, Academia Paulista de Letras (APL),
público estudantil. Dentro da dinâmica cênicas. Os encontros literários e de semanalmente. professor Gabriel Chalita, convidou-
do projeto, são os próprios acadêmicos teatro acontecem fora do horário regular me a integrar a equipe da Secretaria
que escolhem um autor da literatura para das aulas, pois é optativo participar do Senti a necessidade de priorizar a Municipal de Educação (SME),
representar na Academia. Na AEL, os projeto. Os educandos que participam da desconstrução do conceito enraizado há para iniciar a expansão da Academia
estudantes fazem pesquisas e realizam AEL, em sua maioria, permanecem no séculos de que homens e mulheres gostam Estudantil de Letras para toda a cidade.
seminários sobre os seus amigos literários, projeto até a conclusão dos seus cursos. de objetos distintos, de que meninas e
compartilham o conhecimento, passam Ao idealizar o projeto Academia meninos não brincam com os mesmos Maria Sueli Fonseca
a perceber o ponto de vista do outro e Estudantil de Letras (AEL), ao brinquedos, de que escolhem como Gonçalves
desenvolvem a autonomia. A forma de vislumbrar a possibilidade de existir cores preferidas e usam na vestimenta
é escritora, com dois livros de literatura
participação foi organizada em três ciclos: no ambiente escolar uma academia de as estabelecidas pela sociedade como
infantil publicados e um terceiro em fase
Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral. letras para os estudantes, não sabia o próprias “de menino” ou “de menina”
de finalização. Trabalhou na Prefeitura
Com o tempo, os mais experientes vão quanto estava por ser desvendado ou o e que, portanto, “se poesia é coisa de
Municipal de São Paulo, como professora
assumindo a titularidade das cadeiras quanto havia ainda para eu descobrir e menina, como poderia eu esperar que
pretendidas. aprender. Soube disso à medida em que os meninos viessem integrar o projeto
do ensino fundamental e médio e na
Os encontros literários buscam privilegiar comentários e perguntas começaram a AEL, em implantação na escola? Secretaria Municipal de Educação de São
os aspectos lúdicos presentes na leitura. ser formulados em sala de aula: Não raramente, meninos se identificavam Paulo.
EDUCAÇÃO JORNAL EGBÉ 9