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25/01/2024, 15:23 Problemas do conceito de "patriarcado" no feminismo marxista

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Problemas do conceito de "patriarcado" no


feminismo marxista
by Glauber Ataide - julho 21, 2016 2

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A aliança entre o feminismo e o pensamento de esquerda, especialmente o marxista, não é de


forma alguma natural. O feminismo, segundo a socióloga inglesa Michèle Barrett, é um
movimento político cujas origens remontam ao feminismo de direitos iguais da tradição liberal
burguesa e ao feminismo radical não-socialista. A relação entre o feminismo marxista e os de
outras orientações teóricas apresenta, por isso, inúmeras dificuldades de síntese, residindo uma
das principais delas no conceito deFILOSOFIA
patriarcado.
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Em Women’s oppression today: problems in marxist feminist analysis, Michèle Barrett afirma que o
termo patriarcado foi tomado pelo sociólogo Max Weber para descrever uma forma particular de
organização familiar na qual o pai dominava os outros membros de uma extensa rede de
parentesco e controlava a produção econômica da família. Sua ressonância no movimento
feminista repousa, no entanto, na teoria desenvolvida pelas primeiras feministas radicais e
principalmente por Kate Millet, de que o patriarcado seria uma categoria muito mais abrangente
de dominação masculina em geral.

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A posição de Millet, segundo Barrett, implica que as divisões de classe – como aquelas
desenvolvidas pelo marxismo entre burguesia e proletariado – são relevantes apenas para os
homens. Ela nega que existam diferenças significativas entre mulheres. Seu projeto é o de
estabelecer um sistema fundamental de dominação – o patriarcado – que seja analiticamente
independente do modo de produção capitalista ou de qualquer outro.

SIGA-
A teoria de Millet se aproxima da posição de Shulamith Firestone no sentido de que concede não
apenas independência analítica à dominação masculina, mas também primazia analítica. O
objetivo de Firestone, afirma Barrett, é substituir as classes sociais pelo sexo como motor da 

história. Firestone inclusive parafraseia Engels da seguinte maneira: “toda a história... é a história 
da luta de classes. Estas classes da sociedade em conflito são sempre o produto dos modos de
organização da unidade da família biológica para a reprodução da espécie [...] A organização
sexual-reprodutiva da sociedade sempre fornece a base real, a partir da qual podemos explicar
Siga
toda a superestrutura das instituições econômicas, jurídicas e políticas, assim como das religiosas,
filosóficas e outras ideias de um determinado período histórico.” Obte
diret

End

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Barrett afirma que isso levanta um problema encontrado com frequência no uso do termo
“patriarcado” por estas primeiras feministas radicais: elas não apenas invocam uma categoria
FACEB
aparentemente universal e trans-histórica de dominação masculina, nos deixando com pouca
esperança de mudança, como também, frequentemente, baseiam esta dominação em uma suposta
lógica de reprodução biológica. Para Michèle Barrett, a posição destas primeiras feministas
radicais é reacionária. Em termos filosóficos elas são reducionistas, no sentido de que subsumem
complexos fenômenos construídos social e historicamente sob a simples categoria de diferença
biológica. Se certas formas de relações sociais são “naturalmente” dadas, há pouco que podemos
Sei
fazer para alterá-as.

Uma tentativa de articular o conceito de patriarcado de um ponto de relações sociais, e não


SOCIO
biológicas, foi realizada por Christine Delphy e outras autoras. Delphy utiliza o exemplo de uma
mulher divorciada de um homem burguês para ilustrar um sistema de exploração patriarcal que
penetra além das divisões de classes: “apesar de o casamento com um homem da classe capitalista
elevar o padrão de vida de uma mulher, este casamento não a torna um membro daquela classe.
Ela própria não detém os meios de produção. [...] Na ampla maioria dos casos, mulheres de homens
burgueses cujos casamentos terminam devem ganhar sua própria vida como mulheres
assalariadas...” Delphy argumenta que a posição de classe das mulheres deve ser entendida em
termos da instituição do casamento, o qual ela entende como um contrato de trabalho. Seu
argumento, portanto, é o de que a base material da opressão da mulher reside nas relações de
produção patriarcais, e não capitalistas. A dificuldade aqui, segundo Michèle Barrett, é que à
categoria de patriarcado é concedida uma independência analítica em face ao modo de produção
capitalista, mas ela não explica qual a relação entre ambos.

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Estude na UNIP em 2024

Um problema geral com o conceito de patriarcado, segundo Barrett, é que ele não é apenas
resistente à investigação dentro de um particular modo de produção, mas é também sugestivo de
uma opressão universal e trans-histórica. Assim, usar o conceito significa frequentemente invocar
uma dominação masculina geral sem ser capaz de especificar seus limites históricos, alterações ou
diferenças. Para uma abordagem feminista marxista, cuja análise deve se basear em análises
históricas, seu uso frequentemente apresentará problemas específicos.

Algumas tentativas contemporâneas tentam retratar, de forma geral, o próprio capitalismo como
“patriarcado”, mas estas posições apresentam dois problemas principais. O primeiro é que o
patriarcado é colocado como um sistema de dominação completamente independente da
organização das relações capitalistas, e, portanto, as análises caem em um modo universalista e
trans-histórico que pode evocar um biologismo. Quando são feitas tentativas de constituir o
patriarcado como um sistema de dominação masculina em relação ao modo de produção
capitalista, estas frequentemente naufragam na inflexibilidade e nas exigências de autonomia de
que o conceito é suscetível. Em segundo lugar, o conceito de patriarcado, como frequentemente
apresentado, revela uma confusão fundamental entre o patriarcado como o domínio do pai, e o
patriarcado como a dominação das mulheres pelos homens. Ambos os problemas podem ser
vistos em tentativas de usar o conceito de patriarcado em conjunto com uma análise marxista.

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Barrett analisa também a posição de Zillah Einsenstein, que define o patriarcado como
precedendo o capitalismo, e existindo hoje no “poder do masculino através de papéis sexuais” e
como institucionalizado na família. Para a socióloga inglesa, o que não fica claro, no entanto, é em
que medida o patriarcado, definido desta maneira, se constitui como um sistema autônomo, já que
Einsenstein se refere a ele apenas em relação às funções que ele desempenha para o capital. “O
capitalismo usa o patriarcado e o patriarcado é definido pelas necessidades do capital”. Tal
afirmação dificilmente pode coexistir com a reivindicação de que o capitalismo seja um
patriarcado. O uso que Zillah faz do termo, afirma Barrett, não resolve o problema da
independência analítica do “patriarcado” em relação ao capitalismo: a análise vacila entre a
afirmação do patriarcado como um sistema de poder masculino externo ao capitalismo e o
argumento de que a organização de relações patriarcais são funcionais para o capitalismo.

Roisin McDonough e Rachel Harrison, por sua vez, tentam utilizar o termo patriarcado em um
contexto materialista. Ambas consideram o patriarcado como requerendo uma dupla definição:
primeiro, do controle da fertilidade e da sexualidade da mulher no casamento monogâmico, e
segundo, na subordinação econômica da mulher através da divisão sexual do trabalho (e da
propriedade). Elas argumentam que a família patriarcal enquanto tal não existe mais, mas que o
patriarcado pode ser dito como existente na operação destes dois processos. Sua tese central é a
de que o patriarcado, enquanto conceito, pode ser historicizado através do argumento de que, no
capitalismo, as relações patriarcais assumem a forma ditada pelas relações capitalistas de
produção. Barrett resume esta formulação como o argumento de que a opressão das mulheres no
capitalismo apresenta diferentes contradições para as mulheres dependendo de sua classe social.
Mas a definição de classe social destas autoras é deficiente, afirma Barrett, não tendo bases nem
marxistas e nem sociológicas, pois elas afirmam que “uma mulher herda a posição de classe do seu
marido, mas não a relação equivalente aos meios de produção”. O que não fica claro para Barrett é
o que estas autoras estão querendo dizer com patriarcado, pois se as relações patriarcais
assumem a forma de relações de classes no capitalismo, mesmo assim elas não resolvem a questão
da efetividade do patriarcado como determinante da opressão da mulher neste modo de
produção.

Este apanhado histórico efetuado por Barret


FILOSOFIA  tem pelo menos doisMARXISMO
PSICANÁLISE objetivos: 1)
 mostrar
CURSO asDE FILOSOFIA

vicissitudes a que o conceito de patriarcado foi submetido por diferentes autoras de diferentes
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linhas de pensamento e 2) apontar os problemas de cada definição quando confrontadas à luz do


pensamento marxista. Estes problemas, na opinião de Barret, são sérios, o que significa dizer que
não podem ser considerados como meros caprichos conceituais sem incidência na conformação e
na organização de um movimento feminista marxista.

O conceito de patriarcado, um dos mais importantes para o feminismo, é exemplo de que não
existe uma aliança natural entre este e o marxismo. Embora o termo "patriarcado" possa
descrever bem algumas formas de sociedade nas quais o poder econômico e social é investido no
pai enquanto tal, ele não é necessariamente um conceito útil para explorar a opressão das
mulheres em sociedades capitalistas, e as dificuldades dos trabalhos feministas marxistas sobre
patriarcado e feminismo ilustram este ponto.

Para Barrett, parece admissível referir-se a ideologia patriarcal, descrevendo aspectos específicos
das relações masculino-feminino no capitalismo, mas enquanto substantivo, o termo “patriarcado”
apresenta inúmeras dificuldades para uma análise que tente relacionar a opressão da mulher às
relações de produção no capitalismo.

Referência

BARRETT, Michèle. Women's oppression today: problems in marxist feminist analysis. 5 ed. London:
Verso Books, 1986.

Tags Marxismo Sociologia

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Postado por Glauber Ataide


Mestre e bacharel em Filosofia pela UFMG e pós-graduado em Teoria Psicanalítica.
Bacharel também em Sistemas de Informação. Acho que o papel da filosofia não é
apenas interpretar o mundo, mas também transformá-lo. Me interesso por
psicanálise, música erudita, literatura clássica, idiomas e outras coisas que você pode

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encontrar em meus textos. Faixa preta e praticante de Taekwondo desde a infância. M


Nuremberg, na Alemanha.

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2 COMENTÁRIOS

Felipe 10:32 PM

Já pensou em publicar esse artigo no jornal A Verdade?

Responder

Glauber Ataide  8:23 AM

Não tinha pensado nisso...

Responder

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