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Revista de Sociologia e Política

ISSN: 0104-4478
EditoriaRSP@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná
Brasil

Cyfer, Ingrid
Liberalismo e feminismo: igualdade de gênero em Carole Pateman e Martha Nussbaum
Revista de Sociologia e Política, vol. 18, núm. 36, junio, 2010, pp. 135-146
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23816091009

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 135-146 JUN. 2010

LIBERALISMO E FEMINISMO:
IGUALDADE DE GÊNERO EM CAROLE PATEMAN E
MARTHA NUSSBAUM

Ingrid Cyfer

RESUMO

O artigo discute a relação entre liberalismo e feminismo a partir de duas autoras feministas, Carole Pateman
e Martha Nussbaum. Trata-se de uma questão importante para o feminismo, para o qual são fundamentais
problemas associados às dicotomias público-privado e cultura-natureza – herdadas do liberalismo. Nesse
sentido, discutimos as posições de Carole Pateman e Martha Nussbaum referentes a esses problemas. A
escolha das autoras deveu-se ao fato de que ambas compartilham muitas premissas e conclusões, e por suas
divergências situarem-se principalmente ao redor de problemas em que o feminismo é acrescentado ao
liberalismo político. Assim sendo, fazer uma discussão entre as suas posições minimiza o risco de que a
análise do debate não vá muito além das críticas que diversas teorias dirigem ao liberalismo, podendo
funcionar, enfim, como uma boa porta de entrada para alguns dos pontos mais controversos da teoria
feminista contemporânea. Nussbaum e Pateman parecem coincidir a respeito da concepção de igualdade
de gênero. A crítica que ambas dirigem à relação entre natureza e cultura e ao formalismo da igualdade
abstrata torna evidente que nenhuma delas pretende atribuir o poder ou a opressão da mulher a desígnios
da natureza. Em ambas está muito claro que o que consideram relevante na organização de uma sociedade
justa quanto ao gênero é a forma como uma sociedade valora as diferenças biológicas, bem como as
implicações dessa valoração na distribuição de bens sociais. Nussbaum, porém, acredita que essa equação
seja possível dentro da teoria liberal, desde que esta seja submetida a transformações que eliminem detur-
pações teóricas decorrentes do conservadorismo dos primeiros filósofos liberais.
PALAVRAS-CHAVE: feminismo; teoria feminista; liberalismo político; igualdade de gênero; natureza e
cultura; público e privado.

I. INTRODUÇÃO A maior parte dessas críticas poderia atingir


facilmente muitos alvos feministas. No entanto,
“Feminismo” é ao mesmo tempo um termo
dificilmente abalariam uma significativa gama de
maldito e impreciso. Maldito porque é na maior
movimentos e teorias que se denominam feminis-
parte dos casos associado à defesa de uma su-
tas e, se fizessem-no, isso seria devido à impreci-
posta superioridade feminina, que exprimiria o
são do termo “feminista”, que mascara as inúme-
mesmo sexismo do discurso que inferioriza as
ras nuances e divergências comportadas pelo con-
mulheres. Outra crítica comum é a de que o fe-
ceito. A conseqüência dessa imprecisão é que as
minismo seria cego às diferenças biológicas entre
discussões acerca da igualdade entre homens e
homens e mulheres devido a um inconformismo
mulheres são freqüentemente deslegitimadas por
injustificado e imponderado em relação às dife-
críticas que tomam o feminismo por um termo
renças naturais, moralmente neutras. Diz-se ain-
unívoco. Diante disso, deve-se reconhecer que a
da que o discurso feminista vitimaria a mulher na
adequação conceitual e mesmo estratégica da in-
medida em que responsabilizaria exclusivamente
sistência no termo “feminismo” deve ser questio-
o homem pela condição subalterna feminina. E,
nada.
finalmente, é bastante freqüente também associá-
lo a discursos moralistas que, em nome da igual- Com Simone de Beauvoir e Gayle Rubin, o
dade, reprimiriam a sexualidade de homens e mu- feminismo incorporou a idéia de que a identidade
lheres ao identificar a sedução e a relação sexual feminina não é uma simples decorrência da biolo-
como locus de discriminação, nos quais a mulher gia, mas sim uma condição apreendida ao longo
estaria reduzida à condição de objeto. da vida na relação com o outro. Assim, as refle-
LIBERALISMO E FEMINISMO

xões acerca da igualdade de gênero passariam a do debate não vá muito além das críticas que di-
considerar concepções de identidades construídas versas teorias dirigem ao liberalismo, podendo
culturalmente, que estão além de uma essência funcionar, enfim, como uma boa porta de entrada
inscrita na anatomia. É preciso reconhecer que para alguns dos pontos mais controversos da teo-
não é exatamente isso que se observa em uma ria feminista contemporânea.
parcela do discurso feminista, que focaliza unica-
II. FEMINISMO E LIBERALISMO
mente um dos pólos da relação de gênero (a mu-
lher), e não na própria relação da qual emergem Um dos poucos pontos consensuais entre as
as identidades masculina e feminina. teorias políticas feministas é o bordão o pessoal é
político, ou seja, a idéia de que as circunstâncias
Por outro lado, há razões para que o termo per-
pessoais são estruturadas por fatores públicos
maneça. Além de ser uma herança histórica dos
(PATEMAN, 1989). O sentido e a extensão que
movimentos e teorias pioneiros nessa discussão, é
esse bordão assume em cada uma delas, porém, é
também muitas vezes o único adjetivo que unifica
bastante variável. As teorias liberais tenderão a
as inúmeras vertentes feministas. No campo da te-
restringi-lo, uma vez que terão de combinar essa
oria política, há feminismos liberais, marxistas, pós-
idéia com a preservação do espaço privado, sob
modernos, existencialistas, e outros tantos. Identi-
pena de comprometerem sua identidade liberal. As
ficar aquilo que há em comum entre eles não é uma
teorias não-liberais, por sua vez, têm geralmente
tarefa fácil, pois cada teoria irá propor seu próprio
menos problemas em conciliá-lo com sua matriz
entendimento de discriminação de gênero, bem
teórica; mas, de outro lado, dificilmente poderão
como suas próprias fórmulas para combatê-la.
renunciar totalmente à noção liberal de autonomia
O traço comum entre essas teorias não está do sujeito, que tem sido palavra de ordem do
em princípios éticos ou em uma concepção de movimento feminista desde o século XIX.
política comum. A identidade entre elas restringe-
Disso decorre que toda teoria feminista, inde-
se a seu objeto. Boa parte das teorias políticas
pendentemente de como seja classificada, jamais
qualificadas como feministas têm por objeto o
reproduzirá fielmente a sua origem teórica. O fe-
estudo da igualdade de gênero, ou seja, são teori-
minismo apresenta tanto para teses que tendem
as que investigam em que homens e mulheres de-
para o coletivismo quanto para o individualismo,
vem ser iguais, para que uma sociedade seja justa
para o universalismo quanto para o relativismo,
quanto ao gênero.
problemas que lhes obrigam a fazer concessões
Neste artigo serão discutidas as posições de às teorias adversárias. Essas concessões, porém,
Carole Pateman e Martha Nussbaum acerca des- não serão referentes às mesmas questões nem
se tema1. A escolha das autoras deveu-se ao fato tampouco serão feitas em um mesmo grau. As
de que ambas compartilham muitas premissas e variações e combinações são inúmeras, o que ex-
conclusões; e por suas divergências situarem-se plica a impressionante ramificação das teorias
principalmente ao redor de problemas em que o políticas feministas contemporâneas
feminismo é acrescentado ao liberalismo políti- (KYMLICKA, 2006).
co2. Assim sendo, fazer uma discussão entre as
Entretanto, ainda que as ramificações sejam
suas posições minimiza o risco de que a análise
muitas, o liberalismo político tem uma relação pri-
vilegiada com o discurso feminista, que desde sua
origem incorporou muitos de seus conceitos e
1 A intenção do artigo é reconstruir e confrontar as posi- premissas. As primeiras feministas encontraram
ções de Nussbaum e Pateman. No entanto, elas não dialo- na dicotomia liberal público-privado o argumento
gam diretamente. Nussbaum, porém, menciona Pateman
como uma autora adversária em nota de rodapé, aliando-a a
Allison Jaggar, sua interlocutora direta (NUSSBAUM,
1999, p. 384). Anne Phillips, em artigo em que discute o
mente patriarcal, assume John Locke como seu principal
feminismo liberal de Nussbaum, também reconhece em
interlocutor. Nussbaum, por sua vez, ao salientar as contri-
Pateman uma tese que contesta a posição de Nussbaum
buições do liberalismo político para o feminismo inspira-
(PHILLIPS, 2001).
se no “liberalismo igualitário”, especialmente o de Amartya
2 Nussbaum e Pateman utilizam a expressão “liberalismo Sen. Essa divergência explica em grande parte a oposição
político”, mas não lhe atribuem exatamente o mesmo senti- entre as posições de Nussbaum e Pateman, conforme se
do. Pateman, ao sustentar que o liberalismo é necessaria- verá adiante.
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para salvaguardar um espaço em que a mulher A reação de boa parte dos liberais diante do
pudesse gerir sua conduta sem a interferência es- discurso romântico foi a de incorporá-lo ao seu
tatal na distribuição de papéis sociais. Reivindica- projeto. A noção de intimidade foi traduzida pelos
ções feministas típicas como o direito ao aborto, liberais como “direito à privacidade”, cuja identi-
ao trabalho, à liberdade sexual, entre outros, apa- ficação com o liberalismo tornou-se intensa a ponto
recem freqüentemente atreladas à noção de auto- de ofuscar sua origem romântica (BENN &
nomia, entendida principalmente como não-inter- GAUSS, 1999).
venção estatal na esfera da privacidade do sujeito.
As duas versões da dicotomia público-privado
No entanto, os limites do liberalismo político são problemáticas para o feminismo. A primeira,
para o feminismo tornar-se-iam evidentes já em como foi dito acima, porque assumiria que solu-
fins do século XIX. Elizabeth Cady Stanton, uma ções meramente formais, como o direito ao voto,
das principais vozes do feminismo liberal da épo- seriam medidas suficientes para emancipar as mu-
ca, foi alvo de críticas por reivindicar direitos para lheres de papéis subordinados. A segunda, por sua
as mulheres isolando-as do contexto que restrin- vez, porque resguardaria da intervenção pública as
ge seu acesso ao trabalho e à participação política relações amorosas, familiares e sexuais, que são os
(BRYSSON, 1992). Sem questionar a distribui- espaços em que a discriminação de gênero aparece
ção de tarefas e de poder na esfera doméstica, o mais intensamente. As teorias feministas, por mais
feminismo liberal do século XIX encontrava suas diversas que possam ser suas concepções de igual-
próprias limitações. dade, têm de lidar simultaneamente tanto com a
demanda pela reserva de um espaço de não-inter-
Desde aquela época, a maior parte das críticas
ferência social e estatal nas escolhas e na conduta
dirigidas ao feminismo liberal tem como alvo a
individual das mulheres, como com a demanda de
dicotomia público-privado em sua versão clássi-
intervenção estatal na esfera privada quando é pre-
ca, com fundamento em Locke. Nessa vertente,
ciso evitar ou coibir práticas sexistas de grupos
a linha divisória separa a sociedade civil do Esta-
sociais conservadores (NUSSBAUM, 1999).
do. A sociedade representa o espaço da liberdade
pessoal, a esfera em que os indivíduos experimen- As criminalizações da violência doméstica e,
tariam a “independência perfeita”, uma vez que ali em particular, do estupro marital estão entre as
estariam a salvo da coerção do Estado, restrita à discriminações de gênero que mais desafiam a
esfera pública. dicotomia público-privado, em qualquer de suas
versões. Afinal, mesmo na concepção mais res-
Além dessa, há ainda outra forma de distinguir
trita de privado do liberalismo de influência ro-
o público do privado, segundo a qual os pólos
mântica, pode ser difícil justificar a intervenção
opostos correspondem não à sociedade civil e ao
estatal em relações conjugais que pertencem à
Estado, mas ao social e ao pessoal. Na origem,
esfera de intimidade (MACKINNON, 1987). De
essa foi uma distinção proposta pelo romantismo
outro lado, a fusão do publico e do privado tam-
para se contrapor ao liberalismo, que não teria
bém apresenta problemas para o feminismo. Afi-
reservado nenhuma esfera para a intimidade. Os
nal, como defender, por exemplo, a liberdade se-
românticos afirmavam que mesmo a esfera social
xual feminina ou o direito ao aborto se não houver
não libera o indivíduo de forças coercitivas, uma
limites à interferência estatal no controle do com-
vez que as expectativas sociais constrangeriam
portamento individual?
os sujeitos a representarem papéis. O comporta-
mento do indivíduo estaria, enfim, sob constante Como se vê, os debates acerca do feminismo
vigilância e julgamento também na esfera social. convergem para a dicotomia público-privado.
Os indivíduos, porém, diziam os românticos, pre- Pateman chega a afirmar que o feminismo define-
cisam de tempo para si, precisam ter um espaço se por essa discussão (PATEMAN, 1989), uma
em que possam abandonar todos os papéis da vida vez que a posição acerca daquela dicotomia ex-
civil, em que estejam protegidos do olhar e do primiria a concepção de igualdade que fundamen-
julgamento do grupo (político e social) a que per- ta uma teoria feminista. Quanto mais abstrata e
tencem. A esse espaço chamaram de esfera pes- formalista a concepção de igualdade, mais intensa
soal ou íntima, na qual estariam incluídas apenas será a separação entre o público e o privado; ao
as relações de amizade e de amor (ROSENBLUM, passo que, quanto mais focada na igualdade ma-
1987) terial, mais essa separação terá de ser atenuada.
LIBERALISMO E FEMINISMO

As teorias de Pateman e de Nussbaum, res- ordens do chefe de família. Os indivíduos a que


pectivamente, não estão em pólos diametralmente Locke se refere não são apenas as crianças, uma
opostos em relação a essa questão. Nenhuma de- vez que ele assume que o papel dos maridos em
las defende a separação ou a fusão total entre o relação às mulheres está incluído em formas não
público e o privado. No entanto, enquanto políticas de poder. A conseqüência disso seria a
Nussbaum sustenta que é possível e necessário exclusão da mulher da esfera pública, pois aquele
flexibilizar essa dicotomia sem comprometer idéi- que é subordinado por natureza não poderia parti-
as basilares do liberalismo, como individualidade cipar do espaço que é governado por princípios
e autonomia, Pateman acredita que o liberalismo que universalizam a liberdade e a igualdade. De
não sobrevive sem que essa oposição permaneça outro lado, essa divisão implica também a exclu-
forte, pois é precisamente nesse aspecto teórico são da aplicabilidade desses princípios à única
que o liberalismo revelaria seu comprometimento esfera destinada à mulher, a doméstica (idem).
histórico e ideológico com o conservadorismo
Pateman observa ainda que a esfera domésti-
patriarcal.
ca não está incluída no conceito de público nem
III. A CRÍTICA DE PATEMAN À DICOTOMIA no conceito de privado (social) de Locke. A soci-
PÚBLICO-PRIVADO edade civil teria abstraído o ambiente doméstico,
tornando-o invisível. Sinal disso estaria nas ex-
Embora reconheça que o feminismo tenha nas-
pressões “sociedade e estado”, “economia e polí-
cido com o discurso liberal e que o ideal de liber-
tica”, “social e político” que muitas vezes são uti-
dade e igualdade abstratas tenha sido a tônica do
lizadas como equivalentes de “privado e público”,
movimento feminista por décadas, Pateman sus-
respectivamente. O espaço familiar, onde se cons-
tenta que o liberalismo e o patriarcalismo sempre
troem e reproduzem as identidades de gênero,
estiveram mutuamente implicados. Segundo ela,
permaneceria esquecido na discussão teórica li-
as teorias sobre o contrato social jamais estendeu
beral (OKIN, 1989).
sua doutrina da liberdade e da igualdade universal
às mulheres (idem). As características atribuídas Para Pateman, esse esquecimento não foi ques-
ao “ser humano universal” eram características tionado pelo feminismo liberal. As sufragistas do
masculinas. Apesar das marcantes diferenças en- século XIX teriam confrontado apenas a idéia de
tre os contratualistas clássicos, a origem do polí- que o espaço privado não seria a única esfera a
tico em todos eles é um contrato social do qual as que a mulher deveria ter acesso. Não teriam, por-
mulheres são excluídas. A racionalidade e a liber- tanto, chegado a questionar o espaço doméstico
dade não são atributos universais quanto ao gêne- como o lugar feminino por excelência (PATEMAN,
ro. Por isso, diz ela, o contrato social é também 1989). Stuart Mill poderia ser alvo dessa mesma
um contrato sexual (PATEMAN, 1993, p. 69ss.). crítica. O autor reivindicou reformas legais com
o objetivo de emancipar as mulheres do jugo de
Pateman sustenta que a sociedade civil, que
seus maridos, e contribuiu para forjar o bordão
resulta do contrato social, está ancorada no
feminista “o pessoal é político” na medida em que
patriarcalismo. É a sujeição da mulher que garan-
utiliza termos políticos quando qualifica a condi-
te as condições para a fruição da liberdade no es-
ção da mulher no espaço doméstico. Palavras como
paço público pelo homem. A “liberdade civil de-
“escravas”, “igualdade”, “liberdade” e “justiça”
pende do direito patriarcal” (idem, p. 19). Em
foram trazidas para o âmbito doméstico por Mill.
Locke, afirma Pateman, o fundamento patriarcal
No entanto, o autor sustenta que mesmo após as
da divisão entre os direito político e o patriarcal
reformas legais que equiparassem maridos e es-
aparece claramente. Ao definir a especificidade do
posas, o casamento deveria continuar represen-
poder político, Locke assumiria que o caráter hi-
tando uma carreira para a mulher (idem; MILL,
erárquico da relação entre marido e mulher não
1970).
seria político, mas natural (PATEMAN, 1989).
Isso fica claro quando ele distingue o poder polí- Com essa idéia, afirma Pateman, Mill deixa
tico do poder do “pai de família” no âmbito do- intacta a divisão de trabalho na esfera doméstica e
méstico, afirmando que na esfera política o poder revela uma concepção de igualdade de gênero
seria convencional e, por isso, passível de ser meramente formal, porque parece acreditar na
exercido sobre adultos; enquanto que o poder no suficiência da supressão de entraves legais para
âmbito doméstico subordinaria os indivíduos às garantir o acesso feminino à esfera pública. A di-
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visão do trabalho doméstico não é objeto de críti- lher no mercado de trabalho, uma vez que a gêne-
ca de Mill. Ao contrário, o autor afirma que a divi- se dessa desigualdade estaria na divisão de traba-
são tradicional é um acordo que convém tanto a lho no âmbito doméstico, que para a teoria liberal
homens quanto a mulheres, sugerindo a justifica- não é política ou socialmente relevante. P e l a
ção dessa repartição de tarefas na natureza (idem; mesma razão, o liberalismo tampouco forneceria
idem). uma resposta para o problema da precariedade dos
trabalhos das mulheres que, por necessidade, es-
A íntima relação entre o privado e o natural
tão no mercado de trabalho, como é o caso das
está, segundo Pateman, na base da interconexão
mulheres da classe trabalhadora. Estas sempre ti-
entre liberalismo e patriarcalismo, e aparece mes-
veram de trabalhar, mas a elas foram destinadas
mo em liberais considerados feministas, como
apenas tarefas mal remuneradas, desvalorizadas e
Stuart Mill. O público e o privado podem, portan-
que muitas vezes são meras reproduções das ati-
to, ser também denominados espaço da cultura e
vidades domésticas, tal como ocorre com os em-
da natureza, respectivamente, mas qualquer que
pregos de babá, faxineira, empregada doméstica
seja a nomenclatura utilizada, o espaço masculino
etc. Portanto, no que se refere à condição femini-
será o primeiro, e o feminino, o segundo.
na, a dicotomia público-privado teria a conseqü-
A identificação do feminino com a natureza teria ência de, a um só tempo, confinar a mulher ao
três conseqüências. A primeira seria a desvalori- espaço doméstico, subordiná-la economicamente
zação das atividades consideradas femininas. Isso ao homem e/ou empobrecê-la, restringir sua par-
porque teríamos herdado dos gregos o valor da ticipação política e atribuir tudo isso a razões imu-
superação da existência meramente natural. A cul- táveis de ordem metafísica (idem).
tura seria a expressão do potencial criativo dos
Em síntese, a conclusão de Pateman é a de
seres humanos, que os singulariza e distingue dos
que o liberalismo está estruturalmente ligado ao
animais (PATEMAN, 1989). A segunda conseqü-
patriarcalismo e, por isso, a dicotomia público-
ência, por sua vez, consiste em considerar essa
privado seria uma armadilha para o movimento
dicotomia inquestionável e imutável. Se for a na-
feminista. Armadilha porque à primeira vista ser-
tureza que distribuiu as tarefas referentes à cria-
ve-lhe aos propósitos da emancipação, mas logo
ção dos filhos, por exemplo, os seres humanos
se revela um modelo de perpetuação da rigorosa
não teriam muito a fazer a não ser adaptar à vida
divisão sexual dos papéis sociais. O sujeito libe-
em sociedade a distinção entre tarefas (e identida-
ral, ou seja, o indivíduo autônomo, singular e ca-
des) femininas e masculinas. Finalmente, a ter-
paz de possuir propriedades em nome próprio não
ceira conseqüência diz respeito à abstração histó-
seria, portanto, um sujeito universal (do ponto de
rica implícita na dicotomia público-privado. Ao
vista do gênero), pois o argumento conservador e
considerá-la uma imposição da natureza, além de
patriarcal a respeito da natureza da mulher teria
imutável e amoral, a divisão entre o público e o
sido incorporado pelo liberalismo em um de seus
privado será assumida também como
elementos mais estruturais, a separação entre as
descontextualizada. Assim, fundamentada na na-
esferas pública e doméstica. Por isso, um femi-
tureza, a dicotomia obscureceria a relação entre
nismo liberal padeceria de inconsistências
liberalismo e patriarcalismo, e a relação de ambos
incontornáveis, uma vez que, aceitando a dicotomia
com o capitalismo. Este último teria incorporado
público-privado, não poderia evitar seu caráter
a dicotomia público-privado à medida que se de-
patriarcal e, aceitando o bordão feminista “o pes-
senvolvia, concentrando tanto a teoria quanto a
soal é político”, não poderia conciliá-lo com o li-
prática políticas na esfera pública e civil, margi-
beralismo (OKIN, 1992).
nalizando a esfera doméstica. O capitalismo não
teria, portanto, definido apenas uma divisão de A identificação entre liberalismo e patriarcalismo
classes, mas também uma divisão sexual com a que Pateman sustenta pode ser atestada em Locke
qual se relaciona a primeira. e na maior parte dos autores liberais clássicos, até
mesmo em Stuart Mill. No entanto, isso não é
A divisão sexual do trabalho afastaria as mu-
uma particularidade do liberalismo político. Os
lheres do mercado ou inseri-las-ia ali em condi-
autores clássicos no melhor dos casos calaram-
ções desvantajosas, mas o liberalismo seria inca-
se e no pior deles opuseram-se abertamente à idéia
paz de diagnosticar como desigualdade de gênero
da igualdade de gênero. A teoria política feminista
a desigualdade nas condições de inserção da mu-
não é uma construção dos filósofos clássicos, mas
LIBERALISMO E FEMINISMO

uma interpretação de suas teorias para tomá-las para ruir a sustentação e a consistência do femi-
como fundamento da igualdade de gênero (idem). nismo liberal. Segundo ela, o liberalismo precisa
ser modificado pela crítica feminista, mas essas
Pateman tem razão quando denuncia as impli-
mudanças não o descaracterizariam. Ao contrá-
cações do liberalismo clássico na discriminação
rio, elas torná-lo-iam mais consistente com seus
de gênero. No entanto, isso ainda não é razão su-
próprios fundamentos. Para justificar essa posi-
ficiente para afastar o liberalismo da fundamenta-
ção, Nussbaum primeiramente define os contor-
ção da igualdade de gênero. Sem avançar para além
nos do liberalismo em que apóia sua concepção
de Locke, ou mesmo de Mill, dificilmente o libe-
de igualdade de gênero, para então formular sua
ralismo serviria à fundamentação de qualquer re-
defesa do liberalismo como fundamento da igual-
lação de igualdade. O formalismo liberal já foi há
dade de gênero (NUSSBAUM, 1999).
muito denunciado e, dentro do liberalismo con-
temporâneo, foram propostas fórmulas para a sua Da teoria liberal (em particular a kantiana), a
superação. autora extrai duas idéias centrais. A primeira é a
da igual dignidade entre os seres humanos e a se-
O feminismo liberal percorreu esse mesmo
gunda, o poder de escolha moral do indivíduo
caminho, de modo que a maior parte dessas teori-
entendido como habilidade de planejar uma vida
as está atualmente bem além de Locke. Para des-
de acordo com sua própria avaliação de fins. Des-
cartar o liberalismo como fundamento da igualda-
sas idéias decorreriam compromissos políticos que
de de gênero é preciso, portanto, analisar se o que
a autora julga serem indispensáveis a uma teoria
essas teorias contemporâneas acrescentam à sua
feminista. O primeiro é o de não tornar diferenças
matriz teórica é suficiente para desfigurá-la por
moralmente irrelevantes fontes sistemáticas de
completo ou não.
hierarquia social. Assim, o liberalismo seria ne-
O argumento de Pateman de que o feminismo cessariamente crítico da discriminação racial, de
não se compatibiliza com a separação estanque classe, de gênero, ao sistema de castas etc. Além
entre o público e o privado é corroborado pela disso, o liberalismo opor-se-ia também a formas
maior parte das teorias feministas liberais contem- de política cooperativas ou organicamente orga-
porâneas. Entretanto, enquanto as feministas li- nizadas. A finalidade da política liberal seria o bem-
berais flexibilizam a relação entre o público e o comum, universal, sem privilegiar determinados
privado, Pateman sustenta que o liberalismo não grupos em detrimento de outros. Esse bem-co-
sobrevive sem essa oposição fortemente marcada, mum, porém, jamais poderia perder de vista que
tanto por razões teóricas quanto ideológicas. Isso o fim último da política é o bem-estar dos indiví-
não significa, porém, que Pateman defenda a fu- duos. Por fim, a política liberal estaria compro-
são do público e do privado. Sua idéia é a de que metida com a tolerância e com a diversidade, no
a crítica feminista adote uma perspectiva dialética sentido de que não poderia se voltar a uma forma
da vida social, de modo a evitar tanto a separação particular de bem, fosse ela religiosa ou laica
estanque entre o público e o privado, quanto o (idem).
risco de o bordão “o pessoal é político” confundir
Nesse arcabouço, a autora identifica aquilo que
público e privado a ponto de não restar nenhuma
considera o conceito liberal mais valioso para o
dimensão da vida humana preservada da exposi-
feminismo: a autonomia do indivíduo. Tomando o
ção pública. A autora não sugere outra teoria polí-
indivíduo como unidade básica do pensamento
tica em substituição ao liberalismo. Sua conclu-
político, a teoria liberal opor-se-ia à idéia de que o
são é a de que “o feminismo ainda aguarda a sua
indivíduo funde-se à coletividade, seja ela a co-
filosofia” (PATEMAN, 1989).
munidade política, seu grupo social ou mesmo a
IV. A DICOTOMIA PÚBLICO-PRIVADO NO família.
FEMINISMO LIBERAL DE MARTHA
O liberalismo político, porém, tem sido objeto
NUSSBAUM
de inúmeras críticas de teorias feministas influen-
Nussbaum reconhece que as críticas de tes, como a de Pateman. As críticas de Pateman
Pateman sejam válidas para alguns autores libe- comentadas no item anterior referem-se a duas
rais, e que algumas delas deveriam ser incorpora- questões centrais: a relação entre natureza e cul-
das ao liberalismo político feminista. No entanto, tura e o caráter abstrato da igualdade liberal. A
sua posição é a de que elas não seriam suficientes primeira questão seria tratada pelo liberalismo de
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forma a justificar em bases amorais e apolíticas a período pós-parto pode gerar emoções confusas
distribuição de papéis no âmbito privado e público e conflitantes, que incluem a depressão, o ódio, a
e, dessa forma, torná-la imutável; enquanto que a agressividade e também a ternura e o amor.
segunda cavaria um fosso entre a igualdade for-
Embora o discurso tradicional e o feminismo
mal e as hierarquias e desigualdades sociais, de
essencialista sustentem-se na mesma fundamen-
modo a afastá-las do campo de visão e ação das
tação biológica dos comportamentos humanos, a
políticas liberais.
conseqüência política de ambos é distinta. O pri-
As posições de Pateman e Nussbaum são muito meiro conduz à marcada dicotomia entre público
semelhantes no que se refere ao questionamento e privado com todas as implicações éticas e polí-
da origem natural da distribuição de papéis. Em ticas apontadas por Pateman. Já o segundo justi-
ambas as autoras encontram-se críticas tanto ao fica discursos que consideram que a igualdade de
discurso conservador tradicional (antifeminista), gênero depende de que as diferenças naturais se-
quanto a teorias feministas essencialistas, que de- jam eliminadas. Firestone, uma das feministas ra-
fendem uma espécie de “direito à identidade femi- dicais mais influentes, chega a sustentar que a
nina”. A valoração dos atributos femininos “natu- igualdade de gênero requer que a reprodução na-
rais” é a característica mais central do chamado tural seja substituída pela artificial, de modo a abo-
feminismo essencialista. Esses atributos são lir a gravidez e, com isso, as desigualdades de
freqüentemente relacionados à maternidade, en- gênero que dela decorreriam.
tendida como a experiência que define o femini-
As críticas de Pateman e Nussbaum acerca da
no. Os hormônios são também assumidos como
fundamentação natural das identidades do femini-
fatores determinantes do comportamento da mu-
no e do masculino convergem para os mesmos
lher. A carência de testosterona diminuiria sua
pontos. Ambas sustentam que o feminismo
agressividade e tornaria seu desejo sexual mais
essencialista reproduz a idéia tradicional de que a
domesticável; ao passo que o estrogênio torná-la-
subordinação da mulher é decretada pela nature-
ia propensa a assumir cuidados com crianças, a
za. Ambas as autoras estão de acordo com a idéia
ser mais emotiva e naturalmente inclinada ao pa-
de que a tradução da dicotomia público-privado
cifismo (NUSSBAUM, 1997).
em cultural-natural revela um traço sexista do li-
A idéia de que os hormônios determinam o beralismo político tradicional e também de algu-
comportamento maternal (que aqui equivale a fe- mas vertentes do feminismo. No entanto, tanto
minino) baseia-se no aumento das taxas de Nussbaum quanto Pateman rejeitam também a idéia
estrogênio no período pós-parto, que a prepararia de que as características biológicas sejam
para assumir os cuidados de seu filho. Assim, as irrelevantes na definição das identidades sexuais.
quantidades maiores de estrogênio nas mulheres Em ambas, está expressamente presente a idéia
(ao longo da vida) moldariam o comportamento de que biologia, embora não determine comporta-
feminino, dotando-o dos atributos necessários para mentos, cumpre um papel na delimitação do fe-
a maternidade, ou seja, tornando-o mais terno do minino e do masculino, colocando limites na de-
que agressivo (idem). signação do que seria característico de cada um
dessas representações.
Em relação a essa questão, Nussbaum obser-
va que as implicações do efetivo aumento das ta- Portanto, a identidade de gênero nessas auto-
xas de estrogênio no período pós-parto são inter- ras seria resultante da interação entre as dimen-
pretadas por essas teorias com um viés simplista sões biológica e cultural do ser humano. Disso
e ideológico. Afinal, o comportamento maternal decorre que o feminismo em Pateman e Nussbaum
também inclui a agressividade, que ora é dirigida não fará reivindicações de reconhecimento de iden-
a possíveis agressores de seus filhos, ora é dirigida tidades nem tampouco de desconstrução do fe-
a seus próprios filhos3. Há muito já foi reconheci- minino ou do masculino (NUSSBAUM, 1997;
do, tanto científica quanto juridicamente, que o PATEMAN, 1989). Em ambas o conceito de igual-
dade de gênero aplica-se à valoração dessas iden-
tidades e às implicações dessa valoração na distri-
3 O Direito brasileiro, por exemplo, considera o estado buição de oportunidades entre homens e mulhe-
puerperal como um atenuante no crime em que a mãe mata res. Essas oportunidades incluem a realização pes-
seu filho (infanticídio). soal, a possibilidade de planejar a própria vida, a
LIBERALISMO E FEMINISMO

participação política e o acesso ao trabalho sem a individualidade. A questão central desse debate,
custos adicionados em razão da identidade de gê- portanto, diz respeito à possibilidade de ir-se além
nero. No entanto, Pateman sustenta que o da dicotomia liberal e ainda assim preservar a au-
formalismo da igualdade liberal compromete-o com tonomia e a individualidade.
políticas indiferentes às desigualdades sociais,
A concepção de individualismo que Nussbaum
especialmente àquelas que decorrem da distribui-
tem em mente sugere que a dicotomia público-
ção de poder no espaço doméstico.
privado seja traduzida como esfera pública e es-
Nussbaum também parece estar de acordo com fera da intimidade. Isso porque Nussbaum de-
Pateman neste ponto. Ela admite que é necessário fende a substituição da idéia da dicotomia pela da
ir além da igualdade abstrata para garantir a igual- interdependência, o que suporia uma esfera pri-
dade de gênero. Os estatutos antidiscriminação e vada mais reduzida do que a esfera social de Locke.
as decisões judiciais neles baseados teriam se A idéia de interdependência difere da dicotomia
mostrado insuficientes para evitar e combater a exatamente na definição da divisória entre o públi-
restrição de oportunidades das mulheres em di- co e o privado. Ambas exigem a preservação de
versos setores da vida. Embora tenham efetiva- uma esfera de não intervenção estatal, mas a no-
mente promovido o acesso da mulher a esferas ção de interdependência traz para o debate públi-
que lhe eram proibidas, não teriam levado em conta co as desigualdades no interior de associações ci-
que a facilidade desse acesso vê-se afetada pela vis que em Locke estariam a salvo da ingerência
interconexão entre a distribuição de tarefas no pública.
espaço doméstico e público. Se no campo do tra-
Os pontos comuns entre Nussbaum e Pateman
balho, por exemplo, determinadas funções impu-
revelam que a primeira corrobora as críticas de
serem exigências que são mais facilmente ade-
Pateman à dicotomia liberal concebida por Locke.
quadas a pessoas que não são as principais res-
Portanto, para analisar a divergência entre ambas
ponsáveis pelos cuidados de crianças em idade
acerca da relação entre a dicotomia público-pri-
pré-escolar, a divisão sexual de tarefas no âmbito
vado e o feminismo, deve-se, avaliar se as críti-
doméstico será determinante na competição pela
cas de Pateman estender-se-iam também à ver-
vaga de trabalho, ainda que formalmente não seja
são da dicotomia público-privado de influência
imposta nenhuma restrição quanto ao sexo
romântica, ou seja, se a separação entre intimida-
(NUSSBAUM, 1999; MACKINNON, 1987).
de e social também tornaria invisíveis as
Entretanto, sua visão crítica da igualdade abs- assimetrias de poder no domínio doméstico.
trata não se estende ao liberalismo em todas as
O conceito de intimidade ou privacidade, como
suas versões. Nussbaum não estabelece uma re-
foi dito, amplia a esfera de intervenção do Estado.
lação automática ou necessária entre ambos, e cita
Todas as associações formais com outras pesso-
concepções de igualdade de liberais igualitários
as, ao invés de serem localizadas na “esfera da
como Amartya Sen e Rawls, nas quais está pre-
liberdade”, como em Locke, são consideradas
sente a idéia de que a igualdade de oportunidades
públicas. A esfera da intimidade, porém, imporia
exige pré-requisitos materiais, e que esses pré-
uma barreira à regulação e ao controle da conduta
requisitos materiais devem variar conforme a po-
do indivíduo. Nesse arranjo seria, enfim, evitada
sição real dos sujeitos na sociedade.
a fusão entre o público e o privado ao mesmo
Em síntese, Nussbaum e Pateman estão de tempo em que se validaria a submissão das asso-
acordo quanto às implicações sexistas da dicotomia ciações civis à regulação pública.
público-privado na qual estão implícitas tanto a
Entretanto, como foi dito anteriormente, mes-
fundamentação biológica da identidade sexual,
mo essa versão da dicotomia público-privado
quanto a igualdade abstrata. No entanto, elas di-
apresenta problemas para o feminismo. Se as re-
vergem no que se refere à possibilidade de esse
lações amorosas e de amizade forem totalmente
problema ser superado dentro do liberalismo. En-
impermeáveis à intervenção estatal, o estupro
quanto Pateman considera que o feminismo não é
marital e a violência doméstica não poderiam ser
compatível com a dicotomia público-privado, e,
criminalizados, pois isso poderia ser entendido
portanto, com o liberalismo, Nussbaum conside-
como uma violação da privacidade. Kymlicka re-
ra que o feminismo não pode prescindir de con-
lata que o “direito à privacidade” na Suprema Corte
ceitos - chave liberais chave como a autonomia e
dos Estados Unidos foi inicialmente celebrado pelo
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 135-146 JUN. 2010

feminismo, mas que, posteriormente, o próprio feminista teria de ser ainda mais liberal do que o
movimento feminista denunciaria esse direito como liberalismo clássico, que teria servido ao
uma justificativa para a negligência do Estado na patriarcalismo por razões unicamente ideológicas
proteção dos direitos das mulheres (KYMLICKA, e não por limitações teóricas (NUSSBAUM, 1999).
2006).
Em síntese, a idéia fundamental de Nussbaum
A primeira decisão embasada no direito à pri- é a de que o feminismo deve aprofundar a noção
vacidade é de 1965 (caso Griswold contra de autonomia e de individualismo, e deve fazê-lo
Connecticut). Neste caso, discutiu-se uma lei que com as ferramentas teóricas que o liberalismo
negava o acesso de mulheres casadas a meios fornece. Contra essa idéia levantam-se inúmeras
anticoncepcionais. O tribunal decidiu que essa lei teses. Uma das críticas mais contundentes refe-
seria nula por ferir o direito à privacidade, pois a re-se justamente à idéia de que a autonomia indi-
decisão de ter filhos ou não seria exclusiva do vidual como bem-social fundamental traz implici-
casal. Em decisões posteriores, tornou-se evidente, tamente dois problemas para as teorias que se pre-
porém, que a proteção “das decisões do casal” da tendem igualitárias: o egoísmo psicológico e o
intervenção estatal aprofundou a divisão entre o solipsismo político.
público e o privado, despolitizando as desigualda-
O egoísmo psicológico consiste na caracteri-
des existentes nas relações intrafamiliares
zação do sujeito como alguém que age motivado
(MACKINNON, 1987). O direito à privacidade
somente pelo auto-interesse. Esse sujeito não se-
terminou, enfim, sendo uma barreira que protege
ria capaz de ocupar-se do interesse dos demais
as famílias do “teste da justiça pública”
membros do grupo. Não existiria entre os seres
(KYMLICKA, 2006).
humanos qualquer empatia ou sentido de solidari-
A interpretação do direito à privacidade como edade (JAGGAR, 1983). Nussbaum concorda que
privacidade conjugal tem por base uma concep- isso poderia ser dito das teses de Hobbes e
ção coletivista da família. A família substitui o in- Bentham, mas afirma que não funciona para inú-
divíduo como unidade básica do pensamento po- meras outras teorias liberais que costumam ser
lítico. O sujeito do direito à privacidade, portanto, objeto dessa mesma crítica. Segundo ela, Amartya
foi o casal, e não o indivíduo; a autonomia famili- Sen e Rawls teriam de ser excluídos desse grupo,
ar substituiu a autonomia individual. Segundo já que em ambos está explicitamente presente a
Kymlicka, a concepção coletivista (familiar) de idéia de vinculação entre indivíduos. Em Sen isso
privacidade não encontra fundamento na teoria li- fica claro quando critica o utilitarismo por subes-
beral, mas sim em idéias pré-liberais a respeito da timar a importância da empatia e do compromis-
naturalidade da família tradicional. A proteção da so como motivos da ação, enquanto que em Rawls
família em nome do direito à privacidade teria sido essa mesma idéia fica clara com a caracterização
conseqüência da adoção da linguagem liberal da dos sujeitos na posição original, que devem assu-
privacidade pelos “protetores da domesticidade” mir a perspectiva de todos4 (NUSSBAUM, 1999).
(idem). Assim, a medida adequada para combater
Mesmo o utilitarismo e o kantismo, mais fre-
desigualdades de gênero no âmbito familiar não
qüente e facilmente associados a essa crítica, não
estaria em abandonar o discurso liberal. Ao con-
poderiam ser acusados de egoísmo psicológico.
trário, seria preciso aprofundá-lo até finalmente
Em defesa do utilitarismo, Nussbaum salienta que
dissociar o direito à privacidade da “autonomia
a maximização da utilidade de todos requer gran-
familiar”, retomando o indivíduo como o núcleo
des sacrifícios individuais e, em favor de Kant, a
fundamental.
autora sustenta o fato de que a imperfeição dos
Nussbaum parece entender a dicotomia priva- deveres de benevolência é decorrente do fato de
do-público (de influência romântica) de forma os sujeitos tenderem a privilegiar as pessoas mais
muito semelhante à de Kymlicka, vendo ali um próximas e queridas, em prejuízo de um
potencial para justificar a politização das relações
familiares. Isso fica claro quando a autora afirma
que os liberais clássicos teriam se revelado pouco 4 Nussbaum cita como exemplo o budismo que, mesmo
liberais quando conceberam o espaço doméstico sem considerar o sujeito como uma unidade destacada dos
como uma esfera em que a mulher desaparece demais, considera o indivíduo auto-suficiente a ponto de
como unidade. Por isso, diz Nussbaum, a teoria poder ser indiferente a fatos (NUSSBAUM, 1999).
LIBERALISMO E FEMINISMO

universalismo humanista, que somente a razão Para o liberalismo a capacidade de fazer esco-
poderia fundamentar. lhas é central. Por isso, a junção entre o feminis-
mo e o liberalismo pode conduzir à idéia de que o
O solipsismo político, por sua vez, relaciona-
gênero é também uma escolha. A tentativa de
se à suposição de que os indivíduos seriam auto-
Nussbaum de desnaturalizar a identidade femini-
suficientes. Nussbaum, porém, observa que essa
na e a masculina sugere que o gênero é contin-
idéia não é necessariamente vinculada ao indivi-
gente porque podemos escolhê-lo. Mas essa idéia,
dualismo. Além disso, ela acrescenta que mesmo
conforme salienta Phillips, negligencia as limita-
que a psicologia do liberalismo considerasse o in-
ções que nossa condição social impõe à nossa
divíduo auto-suficiente, essa seria uma aposta
possibilidade de escolher nossas posições e pa-
normativa e não uma descrição da realidade.
péis na sociedade em que vivemos (PHILLIPS,
O significado do individualismo no liberalismo, 2001, p. 256). Grande parte da crítica feminista
enfim, seria o de que a pessoa não se funde à coleti- ao liberalismo ataca justamente esse ponto. Ainda
vidade ainda que faça parte dela. Nussbaum salienta, que o feminismo mais recente tenha insistido na
porém, que isso não implicaria numa concepção idéia de que o corpo não determina o gênero, isso
“atomista” de sujeito, que desconsideraria os laços não significa dizer que o corpo não importa. Ao
que unem as pessoas, mas apenas que a distribuição contrário, para o feminismo o corpo é um con-
justa de recursos e oportunidades deve levar em conta texto e esse contexto cumpre um papel decisivo
a condição de cada pessoa individualmente. na definição de quem somos. Nosso corpo não é
um invólucro do núcleo de nosso self. Ele tam-
Entendido dessa forma, Nussbaum conclui que
bém é parte constitutiva dele. Além do mais, mes-
o individualismo liberal representa um importante
mo que pudéssemos distanciar-nos de nosso cor-
instrumento do feminismo, uma vez que a
po, não poderíamos evitar que os “outros” conti-
individuação do sujeito confronta a idéia de que a
nuassem associando-nos a ele Nosso corpo é um
mulher confunda-se com a unidade familiar e que,
importante aspecto do contexto em que a identi-
por isso, seu valor estaria condicionado apenas à
dade de gênero é formada. Esse contexto, por sua
sua contribuição enquanto reprodutoras e
vez, não é nossa propriedade. Nossa identidade
“cuidadoras” (caregivers), ou seja, condicionado
social não é uma invenção ou uma escolha total-
à representação das personagens com a qual a
mente nossa. O gênero, enfim, não está em nos-
família tradicional define-a.
sas mãos para dispormos dele ou a respeito dele
Apesar de a individualidade entendida como como quisermos. Confiar nisso, diz Phillips, não
separação (separateness) funcionar para contes- é apenas ingênuo, é perigoso. Afinal, a centralidade
tar a identificação do espaço privado com o lugar da autonomia na teoria de Nussbaum minimiza as
feminino por excelência, ela apresenta também li- pressões sociais que limitam nossas escolhas. Essa
mitações significativas para o feminismo. Confor- minimização, por sua vez, sugere que qualquer
me observa Anne Phillips, a individualidade em condição que não seja fruto de uma livre-escolha
Nussbaum é pensada isoladamente do contexto é um fracasso e, ainda mais grave, sugere tam-
social da qual ela emerge. A separação de cada bém que nos casos em que haveria essa livre-es-
indivíduo, diz Phillips, é algo mais complexo do colha, nós somos totalmente responsáveis pelo que
que reconhecer que temos mentes e corpos indi- vier a ocorrer. Enfim, a força da autonomia na
viduais (PHILLIPS, 2001, p. 254). teoria de Nussbaum, apesar de suas tentativas de
A ênfase na separação (“separateness”) refor- afastar-se do racionalismo moderno, traz nova-
ça a idéia que Pateman insistentemente contesta: a mente à tona a ficção do agente abstrato e racio-
interpretação da autonomia como liberdade de es- nal, um agente que a própria Nussbaum admite
colha. Referindo-se a Locke, Pateman afirma que ser concebido a partir de valores identificados com
essa liberdade está diretamente ligada à idéia de o masculino (idem; NUSSBAUM, 1999, p. 71).
propriedade, mais precisamente a ser “proprietá- Confiar em nossa capacidade de assumir o con-
rio de si mesmo”. Isso significa que ser livre é ser trole total sobre nossa vida é uma ilusão que pode
o único a ter direitos sobre si, é ser livre para ser perigosa. Para Phillips, Nussbaum falha ao
fazer e definir seu modo e seu plano de vida. É, colocar a autonomia como a questão central da
enfim, ser livre para fazer escolhas (PATEMAN, igualdade de gênero porque isso minimiza as pres-
1993, p. 88; PHILLIPS, 2001, p. 254). sões sociais que limitam nossas escolhas. A auto-
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 135-146 JUN. 2010

nomia está diretamente ligada à responsabilidade. conservadorismo dos primeiros filósofos liberais.
Por isso, não levar devidamente em conta a força A autora sustenta, ainda, que insistir no liberalis-
dessas pressões sugere que qualquer situação que mo (modificado pela crítica feminista) é indispen-
não resulte de uma livre-escolha é um sinal de sável para o feminismo, pois este não sobrevive
fracasso pelo qual somos responsáveis (PHILLIPS, sem a concepção de autonomia e individualidade
2001, p. 257). liberais. Pateman, por sua vez, embora não acre-
dite que a consistência da teoria liberal sobreviva
V. CONCLUSÕES
às modificações exigidas pelo feminismo,
O liberalismo abarca diversas posições políti- tampouco parece abrir mão da idéia de autonomia
cas que muitas vezes fundamentam regimes pro- do indivíduo.
fundamente distintos entre si. Essa pluralidade,
As divergências entre Nussbaum e Pateman
como já foi salientado anteriormente, é também
desaguam, enfim, não tanto no potencial do libe-
característica das teorias feministas, num grau
ralismo para o feminismo já que, quando criticam
ainda maior. Assim, para pensar o potencial do
ou defendem o liberalismo, elas referem-se a uma
liberalismo na fundamentação do feminismo, é
tradição filosófica muito ampla privilegiando au-
preciso identificar tanto o núcleo do liberalismo
tores distintos como interlocutores. O ponto cen-
quanto o da concepção de igualdade que se toma
tral aqui parece estar, sim, no modo em que cada
como ponto de partida em uma teoria política fe-
uma delas entende a interdependência entre o pú-
minista.
blico e o privado. Mas essa concepção de
Nussbaum e Pateman parecem coincidir a res- interdependência não é devidamente explicitada por
peito da concepção de igualdade de gênero. A crí- nenhuma delas.
tica que ambas dirigem à relação entre natureza e
Nesse aspecto, a contribuição de Hannah
cultura e ao formalismo da igualdade abstrata tor-
Pitikin pode sugerir algumas combinações impor-
na evidente que nenhuma delas pretende atribuir o
tantes entre os argumentos e preocupações de
poder ou a opressão da mulher a desígnios da
Nussbaum e Pateman. Pitikin sustenta que o pú-
natureza. Em ambas está muito claro que o que
blico e o privado relacionam-se porque as ques-
consideram relevante na organização de uma so-
tões que atingem a esfera pública somente o fa-
ciedade justa quanto ao gênero é a forma como
zem porque afetam os indivíduos em suas vidas
uma sociedade valora as diferenças biológicas, bem
cotidianas na esfera privada. As demandas e insa-
como as implicações dessa valoração na distribui-
tisfações da dona de casa, por exemplo, são vivi-
ção de bens sociais. Quanto à igualdade abstrata,
das como uma experiência individual e excepcio-
os argumentos também são os mesmos. Apesar
nal somente até que cada dona de casa perceba
de definir-se como liberal, Nussbaum está de acor-
que sua situação é compartilhada por outras mu-
do com Pateman acerca do curto alcance da igual-
lheres. Nesse momento, as questões individuais,
dade abstrata no combate a desigualdades soci-
sentidas na concretude da vida privada, tomam
ais.
uma forma coletiva e podem aspirar ao status de
Dessa base comum, resultam concepções se- questão de interesse público (PITKIN, 1981, p.
melhantes sobre a relação entre público e privado. 348).
A idéia de Nussbaum de que uma teoria feminista
Os argumentos de Nussbaum e Pateman su-
deva considerá-los interdependentes (e não opos-
gerem que elas subscreveriam essa relação entre
tos) em muito se assemelha à relação entre o pú-
o público e o privado. Isso indica que, apesar dos
blico e o privado defendida por Pateman. Em ou-
contrastes de suas respectivas posições acerca do
tras palavras: tanto Pateman quanto Nussbaum
liberalismo e da autonomia, suas concepções de
entendem que o feminismo precisa tornar a esfe-
política estão bem mais próximas. Por isso, o ca-
ra privada permeável à intervenção pública sem
minho para o livre-trânsito das mulheres do espa-
sacrificar a individualidade e a intimidade.
ço privado para o público em condições de igual-
Nussbaum, porém, acredita que essa equação dade com os homens parece estar antes numa
seja possível dentro da teoria liberal, desde que reflexão acerca da concepção de política do que
esta seja submetida a transformações que elimi- da de autonomia. E para isso, Pateman parece ser
nem deturpações teóricas decorrentes do um melhor guia do que Nussbaum.
LIBERALISMO E FEMINISMO

Ingrid Cyfer (ingridcy@gmail.com) é Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, USP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 295-300 JUN. 2010

FEMINISTS AND THE DIVERSITY OF REPUBLICAN ALTERNATIVES


Carla Cecília Rodrigues Almeida and José Antônio Martins
This article analyzes the critical move of certain feminists toward republicanism and explores the
hypothesis that such a move represents important points of contact with a current of popular
republicanism. Based on classical authors and adopting specific criteria for looking at the constitutive
diversity of republicanism, we seek a way to define this current and as well as the aristocratic one
which serves as its counterpoint. Our hypothesis is based, on the one hand, on analysis of feminist
critiques of certain current formulations which, to a greater or lesser extent, share the republican
ideal that contemporary society must endow public life with renewed meaning. On the other hand, it
draws from particular proposals that have been elaborated in order to appropriate this ideal. Our
analysis then makes it possible to suggest that the concerns that characterize the popular republican
current offer more promising sources for combining the ideal of a renewed public sphere with
demands for justice. Through this focus, we emphasize feminist contributions to democratic theory.
KEYWORDS: feminist theory; popular republicanism; aristocratic republicanism; democratic theory.
* * *
LIBERALISM AND FEMINISM: GENDER EQUALITY IN CAROLE PATEMAN AND
MARTHA NUSSBAUM
Ingrid Cyfer
This article discusses the relationship between liberalism and feminism through the work of two
feminist scholars, Carole Pateman and Martha Nussbaum. This is an important issue for feminism,
and one in which the problems associated with public-private and nature-culture dichotomies, inherited
from liberalism, are fundamental. In this regard, we will discuss Carole Pateman and Martha
Nussbaum’s positions on the matter. Our choice of authors is due to the fact that both share many of
same premises and conclusions, and because their divergences are located primarily around problems
in which feminism is “added on” to political liberalism. Thus, in carrying out a discussion through both
positions, we minimize the risk that the analysis of the debate move little beyond the critique that
numerous theories have directed toward liberalism, and offer what can be a fruitful entry into one of
the most controversial points in contemporary feminist theory. Nussbaum and Pateman seem to
coincide regarding their conception of gender equality. In the criticism that both of them direct
toward the nature-culture relationship and to the formalism of abstract equality, it becomes evident
that neither seeks to attribute either power or the oppression of women to nature’s designs. In both
authors, it is very clear that what they consider relevant for the organization of a just society in terms
of gender is the way in which a society places value on biological differences and what implications
this has for the distribution of social goods. Nussbaum, however, believes that this equation can be
dealt with within liberal theory, as long as it is subjected to changes which free it from theoretical
problems linked to the conservative stance of the first liberal philosophers.
KEYWORDS: feminism; feminist theory; political liberalism; gender equality; nature and culture;
public and private.
* * *
DIPLOMACY AND DOMESTIC POLITICS: THE LOGIC OF THE TWO-LEVEL GAMES
Robert Putnam
Domestic politics and international relations are often inextricably entangled, but existing theories
(particularly state-centric theories) do not adequately account for these linkages. When national
leaders must win ratification (formal or informal) from their constituents for an international agreement,
their negotiating behavior reflects the simultaneous imperatives of both a domestic political game
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 303-309 JUN. 2010

corps par rapport à leur propre sexualité et capacité de reproduction, soit dans les situations qui font
réference à la liberté pour consentir la prostitution, location de l’utérus, etc.
MOTS-CLES: John Locke; liberté; propriété; libéralisme; théorie féministe.
* * *
LES FÉMINISTES ET LA DIVERSITÉ DES ALTERNATIVES RÉPUBLICAINES
Carla Cecília Rodrigues Almeida et José Antônio Martins
L’article analyse l’approche critique de quelques féministes au républicanisme et explore l’hypothèse
de que tel approche exprime des points de contact importants avec la branche républicaine populaire.
En se basant sur des auteurs classiques et en adoptant un critère spécifique pour approcher la
diversité constitutive du républicanisme, nous définissons les contours de la branche et de celle qui lui
sert de contrepoint : la branche aristocratique. Notre hypothèse s’est basée d’un côté, sur l’analyse
des critiques féministes à quelques formulations courantes qui, en certaine mesure, partagent l’idéal
républicain de que la société contemporaine a besoin de créer un nouveau sens pour la vie publique.
De l’autre côté, elle est basée sur les propositions qu’elles mêmes élaborent pour s’approprier de
l’idéal. Cette analyse nous permet de suggérer que les préocupations qui caractérisent la branche
républicaine populaire, offrent des sources plus prometeuses pour qu’on puisse combiner l’idéal de
revitalisation de l’esphère publique avec les éxigences de justice. A partir de là, nous mettons en
évidence les contributions que les féministes ont apporté à la théorie démocratique.
MOTS-CLES: théorie féministe; républicanisme populaire; républicanisme aristocratique; théorie
démocratique.
* * *
LIBÉRALISME ET FÉMINISME: ÉGALITÉ DE GENRE EN CAROLE PATEMAN ET
MARTHA NUSSBAUM
Ingrid Cyfer
L’article discute la relation entre le libéralisme et le féminisme à partir de deux auteurs féministes,
Carole Pateman et Martha Nussbaum. Il s’agit d’une question importante pour le féminisme, pour
lequel ce sont des problèmes fondamentaux associés aux dichotomies publiques et privés, culture et
nature – héritées du libéralisme. Dans ce sens, nous discutons les positions de Carole Pateman et
Martha Nussbaum qui font réference à ces problèmes. Le choix des auteurs est due au fait que
toutes les deux partagent beaucoup d’hypothèses et des conclusions, et aussi car leurs différences
se situent principalement autour de problèmes où le féminisme est ajouté au libéralisme politique.
Ainsi, faire une discussion entre leurs positions, minimise le risque de que l’analyse du débat n’aille
pas plus loin que les critiques lesquelles plusieurs théories dirigent au libéralisme, pouvant fonctionner,
enfin, comme une bonne porte d’entrée pour quelques uns des points les plus controversés de la
théorie féministe contemporaine. Nussbaum et Pateman semblent coïncider par rapport à la conception
de l’égalité de genre. La critique que toutes les deux dirigent à la relation entre la nature et la culture
et au formalisme de l’égalité abstraite, rend évident que aucune des deux a l’intention d’attribuer le
pouvoir ou l’oppression de la femme aux objectifs de la nature. Chez toutes les deux, il est très clair
que ce que c’est consideré pertinent dans l’organization d’une société juste par rapport au genre,
c’est la forme dont une société valorise les différences biologiques, tout comme les implications de
cette valorisation dans la distribution de biens sociaux. Mais, Nussbaum, croit que cette équation est
possible dans la théorie libérale, tandis que celle-ci doit être soumise à des transformations qui
éliminent des déformations théoriques qui suivent le conservatisme des premiers philosophes libéraux.
MOTS-CLES: féminisme, théorie féministe; libéralisme politique; égalité de genre; nature et culture;
publique; privé.
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