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Um escritor do cotidiano
Nascido em 1870, em Vargem Grande, distrito de Juiz de Fora (MG), Belmiro Braga
ingressou na vida literária na virada do século XIX para o XX. Passando apenas um ano pela
escola, sua inserção no mundo letrado se deu de maneira autodidata, contribuindo para isso as
redes de sociabilidade intelectual que “alinhavou” ao longo da vida, em diferentes experiências
sociais e profissionais. A exemplo de vários outros intelectuais de seu tempo, foi um escritor
que não conseguiu sobreviver exclusivamente através das letras, vivenciando múltiplas
experiências profissionais instáveis: ajudante de balcão, comerciante, tabelião, vendedor de
seguros, inspetor escolar, etc.
Foi em seu estabelecimento comercial, situado na estação ferroviária de Cotegipe (outro
distrito de Juiz de Fora) que o aspirante a poeta conheceu o escritor cearense Antonio Sales
(1868-1940), de passagem pela região, sendo este considerado uma espécie de “divisor de
águas” em sua vida. Já bastante conhecido nos círculos de sociabilidade literária do Rio de
1
Doutorando em História, Cultura e Poder, pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFJF. Orientadora:
Dra. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi. Bolsista Capes. Pesquisa vinculada ao Laboratório de História Política e
Social do PPGHIS-UFJF. E-mail: savhist@yahoo.com.br.
Janeiro, então capital da República, Sales impulsionou a divulgação de seu trabalho na imprensa
– sobretudo na imprensa carioca. Foi também o poeta cearense o responsável por apresentá-lo
ao famoso grupo intelectual da Garnier, que constituía importante espaço de sociabilidade
literária da Belle Époque.
Apesar de se fazer mais conhecido no verso do que na prosa, também se destacou como
autor de peças teatrais de gênero ligeiro, que tinham como objeto o humor voltado para o
cotidiano e os costumes. Segundo ele mesmo declara em carta endereçada ao amigo Sales, com
quem veio a se corresponder assiduamente, durante 30 anos de sua vida, esse interesse em se
tornar comediógrafo teria se concretizado em 1910. (Carta de Belmiro Braga para Antonio
Sales, Juiz de Fora, 18/04/1910 - Fundo Antonio Sales, FCRB - RJ)
A esta altura, Belmiro também já havia encontrado influências de outros conhecidos
intelectuais no campo teatral, como Arthur Azevedo, por exemplo, que já passara por sua terra
natal. Vale destacar que, nesse início de século, Juiz de Fora era conhecida como “Atenas
Mineira”. Tal epíteto era justificado pelos contemporâneos por várias razões: a proximidade do
município com o Rio de Janeiro, considerado o polo irradiador de culturas provenientes das
mais diversas regiões do Brasil e do mundo, facilitava o protagonismo econômico, político e
cultural de Juiz de Fora para toda a região da zona da mata mineira. Não por acaso, Juiz de
Fora disputou, no final da década de 1890, o posto de capital de Minas Gerais. A essa altura, o
município já contava com a existência de importantes veículos de comunicação – como o jornal
O Pharol, por exemplo. O Teatro Juiz de Fora fazia parte do dinamismo cultural do município,
contando com uma boa infraestrutura e atraindo diversas companhias de teatro, atores,
escritores e personalidades das artes e da política (ESTEVES, 1910). Além disso, os juizforanos
já contavam com uma agremiação literária, a Academia Mineira de Letras, inaugurada em 1909,
constituindo importante referência para todo o estado, inclusive para a sua capital, que não a
abrigou nos primeiros anos de seu funcionamento, contrariando a lógica de outros estados da
federação (BROCA, 2004:101-102).
Belmiro Braga era um dos sócios responsáveis pela idealização dessa agremiação e
comemorava sua fundação como uma importante conquista para a vida cultural do município,
não obstante o fato de torná-la alvo constante de deboches e ironias, tornando-a uma espécie de
paródia da ABL. Essa tensão existente entre a seriedade de um projeto de institucionalização
das letras e o deboche com que se referia às academias literárias refletia a ambígua relação dos
intelectuais da Primeira República com o academicismo. Ao mesmo tempo criticada pelos
formalismos e encastelamentos característicos daquilo que se rotulava como o “lado doutor” e
“bacharelesco” de nossa cultura, a ABL – inspiração para várias outras que se fundavam pelos
estados - era o “reduto de estabilidade dos intelectuais brasileiros” (SEVCENKO, 2003:128),
num contexto em que sobreviver exclusivamente através da literatura era algo utópico. Esse é,
certamente, um dos dilemas do escritor moderno, que vive e ao mesmo tempo questiona a
própria modernidade, com todas as suas contradições e ambivalências.
Através do caráter cronístico de sua obra, aspecto que perpassa as múltiplas produções
de um escritor familiarizado com os costumes interioranos mineiros e os tipos sociais existentes
nessas regiões, Belmiro transitou entre o rural e o urbano, o erudito e o popular, explorando
costumes e fenômenos sociais que corroboravam e ao mesmo tempo se chocavam com o ideal
de modernidade estampado nas páginas das revistas ilustradas. Vestido como um elegante
homem da belle époque, autorrepresentava-se nos jornais e revistas desse contexto como um
escritor de roça e de formação rudimentar. Desse contraste nascia o sucesso de seu humor junto
a um público amplo, para o qual os periódicos da época miravam seus holofotes, buscando
expandir o mercado editorial no país.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Maria Marta. Com quantos tolos se faz uma República? Padre Correia de Almeida
e sua sátira ao Brasil oitocentista. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Fundo: Delegacia Auxiliar de Polícia, 2ª: inventário dos
documentos textuais, seção Censura Prévia. 2. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2017.
BRAGA, Belmiro. Na roça (comédia em 1 ato – representada com extraordinário sucesso pela
Companhia Leite & Pinho nos principais teatros do Brasil). São Paulo: Livraria Teixeira, 1961.
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil 1900. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida, et alii (orgs.). História em cousas miúdas: capítulos
de história social da crônica no Brasil. Campinas: Unicamp, 2005.
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.