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Análise das Obras Indicadas aos Vestibulares

Prof. Marco Antonio Mendonça


A Capital Federal (Arthur de Azevedo)

Realismo
O Realismo é uma Escola artística que surge no século XIX em reação ao Romantismo e se desenvolve baseada na observação da
realidade, na razão e na ciência. Surgiu na França, e suas influências se estenderam a numerosos países. Esta corrente aparece no
momento em que ocorrem as primeiras lutas sociais, sendo também objeto de ação contra o capitalismo, progressivamente mais
dominador. Das influências intelectuais que mais ajudaram no sucesso do Realismo denota-se a reação contra as excentricidades
românticas e contra as suas falsas idealizações da paixão amorosa, bem como um crescente respeito pelo fato empiricamente
averiguado, pelas ciências exatas e experimentais e pelo progresso técnico. A passagem do Romantismo para o Realismo, corresponde
uma mudança do belo e ideal para o real e objetivo.
Motivados pelas teorias científicas e filosóficas da época, os escritores
realistas desejavam retratar o homem e a sociedade em sua totalidade. Não
bastava mostrar a face sonhadora e idealizada da vida como fizeram os
românticos; era preciso mostrar a face nunca antes revelada: a do cotidiano
massacrante, do amor adúltero, da falsidade e do egoísmo humano, da
impotência do homem comum diante dos poderosos.
Uma característica comum ao Realismo é o seu forte poder de crítica,
porém sem subjetividade. Grandes escritores realistas descrevem o que está
errado de forma natural. Por exemplo, se um autor deseja criticar a postura
da Igreja católica, não escreverá um soneto anti-cristão como no
Romantismo, porém escreverá histórias que envolvam a Igreja Católica de
forma a inserir nessas histórias o que eles julgam ser a Igreja Católica e como as pessoas reagem a ela. Em lugar do egocentrismo
romântico, verifica-se um enorme interesse de descrever, analisar e até em criticar a realidade. A visão subjetiva e parcial da realidade
é substituída pela visão que procura ser objetiva, fiel, sem distorções. Em lugar de fugir à realidade, os realistas procuram apontar
falhas como forma de estimular a mudança das instituições e dos comportamentos humanos. Em lugar de heróis, surgem pessoas
comuns, cheias de problemas e limitações. Na Europa, o realismo teve início com a publicação do romance realista Madame Bovary
(1857) de Gustave Flaubert.

O Autor
Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (São Luís, 7 de julho de 1855 — Rio de Janeiro, 22 de outubro
de 1908) foi um dramaturgo, poeta, contista e jornalista brasileiro.
Em 1871 escreveu uma série de poemas satíricos sobre as pessoas de São Luís, perdendo o emprego de
amanuense (copista de textos à mão).
Seguiu para o Rio (1873), onde foi tradutor de folhetins e revisor de ―A Reforma‖, tornando-se
conhecido por seus versos humorísticos. Escrevendo para o teatro , alcançou enorme sucesso com as
peças ―Véspera de Reis‖ e ―A Capital Federal‖. Fundou a revista ―Vida Moderna‖, onde suas crônicas
eram muito populares.
Artur de Azevedo, prosseguindo a obra de Martins Pena, consolidou a comédia de costumes brasileira,
sendo no país o principal autor do Teatro de revista, em sua primeira fase. Sua atividade jornalística foi
intensa, devendo-se a ele a publicação de uma série de revistas, especializadas, além da fundação de
alguns jornais cariocas.
“Quando eu morrer, não deixarei meu pobre nome ligado a nenhum livro, ninguém citará um verso meu, uma frase que me saísse do
cérebro; mas com certeza hão de dizer: "Ele amava o teatro", e este epitáfio moral é bastante, creiam, para a minha bem-
aventurança eterna.” (Arthur Azevedo – 1903)

Bibliografia
Escreveu cerca de duzentas peças para teatro e tentou fazer surgir o teatro nacional, incentivando a encenação de obras brasileiras.
Como diretor do Teatro João Caetano, no Rio, encenou quinze originais brasileiros em menos de três meses. Escreveu ainda:
―Sonetos‖ (1876);
―Contos Possíveis‖ (1908) e
―Rimas‖ (1909)
Para o teatro escreveu, entre outras
O Rio de Janeiro de 1877 (1878) O Badejo (1898)
O Bilontra (1885) Confidências (1898)
A Almanjarra (1888) O Jagunço (1898)
O Dote (1888) Comeu! (1902)
O Teatro
Muitas posições foram colocadas quanto à situação da cena teatral brasileira nos últimos decênios do século XIX. De um lado,
escritores e intelectuais criticam intensamente os rumos que o teatro segue: ausência de literatura dramática suprimida pela excessiva
preocupação com a concepção plástica do espetáculo, afastando assim a possibilidade do chamado teatro sério. De outro, empresários
e artistas tentam viabilizar financeiramente a produção teatral, incorporando modelos de forte apelo popular. De origem européia, a
comédia realista, que se apresentava na dramaturgia de Alexandre Dumas Filho (―A Dama das Camélias‖, ―O Mundo Equívoco‖) e
Théodore Barière (―Os Parienses‖) - entre outros, chega ao Brasil com a criação do Teatro Ginásio Dramático, em 1855 - uma
companhia fixa, e desperta o interesse de uma platéia selecionada a qual não agrada mais os melodramas românticos.
Paralelo a esse teatro com preocupações literárias, que só conseguia êxito com montagens estrangeiras, surgia no Rio de Janeiro a
casa de espetáculos Alcazar, onde formas de teatro popular integravam um conteúdo que combinava o cômico e o erótico.
Combatidos pela elite cultural, esses espetáculos, geralmente operetas francesas e comédias populares, que utilizavam recursos de
textos baseados na malícia e seus derivados, foram considerados como a causa da decadência do teatro brasileiro. Machado de Assis,
José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, como vários outros intelectuais, colocam-se contrários e lamentam o grande sucesso
que esses gêneros teatrais obtinham e o malogro do teatro ―sério‖, que já tivera expressão na dramaturgia de Alencar, Quintino
Bocaiúva, Pinheiro Guimarães e alguns outros. E Machado, incomodado com a ausência de peças nacionais e a invasão do teatro
cômico e musicado nos palcos, apresenta a sua decepção (in Idéias Teatrais: O Século XIX no Brasil, 154):
―Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com
vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a
mágica aparatosa, tudo o que fala os sentimentos e instintos inferiores?”
E é o Alcazar, o reduto dos gêneros teatrais considerados vulgares e de mau gosto, e que é acusado como o responsável pela
decadência do teatro literário, que prepara a cena brasileira para o espetáculo como entretenimento e deleite do público médio.
Em meio a este ambiente cultural está o jornalista, poeta humorístico e comediógrafo Arthur Azevedo, que em 1873, aos 18 anos,
transferiu-se de São Luís do Maranhão, onde nascera, para o Rio de Janeiro, onde consegue que sejam levadas à cena suas primeiras
comédias: ―Amor por Anexins‖ (1872?) e ―Horas de Humor‖ (1876). Depois de algumas tentativas de escrever ―teatro sério‖ que não
tiveram aceitação do público, Azevedo mostra muito empenho e consegue a adesão do público com montagens de gêneros chamados
―ligeiros‖, que, de matrizes francesas, adapta para o momento político e social brasileiro.
Na revista do ano O Tribofe, apresentado em 1892, sobre os acontecimentos do ano anterior, o comediógrafo já definia
basicamente o que viria a ser uma de suas obras mais reconhecidas: a burlesca “A Capital Federal”, que estréia em 1897 no Rio de
Janeiro, apresentando um painel de tipos humanos, a partir de uma observação baseada nos extratos sociais e nas possibilidades de
representação que contextualizam e fazem esses tipos interagirem.
Para isso, Azevedo lança mão dos mais diversos recursos de gêneros teatrais que atraiam grandes platéias: a ópera cômica, a
revista, a mágica aparatosa e o ‗vaudeville‘ -, que pediam, na sua concepção de espetáculo, o exagero como regra, criando assim
muitas condições para a expressão visual e cômica. Ou seja: grandes, e por vezes, luxuosos cenários onde personagens típicos se
movimentam, entre encontros e desencontros, envolvidas em busca a determinados objetivos, construindo uma ‗mise en scène‘
característica a esse modelo de empreendimento teatral.

A Capital Federal
Sempre envolvido em questões nacionais, seja no teatro, como no jornalismo
e na vida pública, Azevedo registra com “A Capital Federal” sua visão crítica
do crescimento urbano e suas contradições através de personagens tipos. E
apoiado nesses estereótipos de alguns segmentos sociais, que seguem uma
seqüência de quadros que representam uma panorâmica da cidade, o texto
mostra eficiência no seu objetivo de apresentar com humor os costumes urbanos
do final do século XIX. Seguindo regras de conduta moral, que sublinha a visão
do autor da realidade, como também na busca do efeito hilário, que subverte
essa mesma visão, “A Capital Federal”, enquanto literatura teatral, propõe
leituras que, em princípio, parecem contraditórias. Se concessões são feitas à moralidade vigente, como a punição das personagens
que violam as regras do convívio social e com um desfecho que apela para o sentimentalismo, por outro lado o texto explora uma
renovação da linguagem teatral, que combina os modelos da cena burlesca com uma composição das personagens, que enquanto tipos,
supõe-se baseados na realidade.

Ambiente
A peça transcorre na cidade do Rio de Janeiro, que naquele momento estava se
afirmando como a capital do governo republicano. Ainda há referências ao
Grande Hotel, ao Largo da Carioca, aos Arcos da Lapa, ao Largo do São
Francisco, à casa de Lola, a um salão de baile, ao Belódromo Nacional, à Rua do
Ouvidor e a um sótão, fazendo às vezes de moradia.
Personagens
São enfocados personagens tipos, mostrados de forma caricatural: uma família do interior de Minas Gerais que chega ao Rio, uma
cortesã interesseira (Lola), um aposentado fescenino, jogadores, comerciantes, cocotes, literatos decadentistas, serviçais e velocistas.

Enredo
A família de Eusébio chega à Capital Federal à procura de um rapaz (Gouveia) que
prometera casamento à filha e nunca mais apareceu. O tal rapaz está envolvido com
Lola, a espanhola que tudo faz para lucrar com os homens. E um desses homens será
Eusébio, o pai e fazendeiro de Minas, fazendo o percurso do ingênuo mundo rural para o
imoral, corrompido e interesseiro mundo urbano.
Quanto às personagens, podemos notar o recurso de oposição, como por exemplo o
que ocorre entre a cocote espanhola Lola e o fazendeiro Eusébio, e também o
deslocamento de algumas personagens do ambiente rural para o urbano, como no caso
da família que chega do interior de Minas, em especial como se pode observar com a
mulata Benvinda,- na qual é operada uma transformação, tornando o desajuste entre a
sua origem de escrava e a nova posição de cocote, uma seqüência em que o humor está
presente na impossibilidade da sua mobilidade social.
O primeiro quadro, ambientado no Grande Hotel da Capital Federal, cantado nas ‗coplas‘ da abertura como excepcional pelo
gerente, criados e hóspedes, em meio a uma marcação de movimentos ágeis, é também o lugar que serve de ponto de partida dos
personagens, onde apresentam suas características e intenções.

“Ato I - Quadro I (Suntuoso vestíbulo do Grande Hotel da Capital O Gerente


Federal. Escadaria ao fundo. Ao levantar o pano, a cena está cheia Um poucochinho de paciência!
de hóspedes de ambos os sexos, com malas nas mãos, e criados e Servidos todos vão ser, enfim!
criadas que vão e vêm. O gerente do hotel anda daqui para ali na Eu quando falo, fala a gerência!
sua faina.) Fiem-se em mim!
Cena I - Um Gerente, um Inglês, uma Senhora, um Fazendeiro e um Coro
Hóspede Pois paciência,
Coro e Coplas Uma vez que assim quer a gerência!

Os Hóspedes Coplas
De esperar estamos fartos I
Nós queremos descansar! O Gerente
Sem demora aos nossos quartos Este hotel está na berra!
Faz favor de nos mandar! Coisa é muito natural!
Jamais houve nesta terra
Os Criados Um hotel assim mais tal!
De esperar estamos fartos! Toda a gente, meus senhores,
Precisamos descansar! Toda a gente, ao vê-lo, diz:
Um hotel com tantos quartos Que os não há superiores
O topete faz suar! Na cidade de Paris!
Um Hóspede - Um banho quero! Que belo hotel excepcional
Um Inglês - Aoh! Mim quer come! O Grande Hotel da Capital
Uma Senhora - Um quarto espero! Federal!
Um Fazendeiro - Eu estou com fome! Coro
Que belo hotel excepcional, etc...”

Revelado isso, as personagens partem em busca dos seus objetivos: para Lola é encontrar Gouveia, um jogador que, em função de
ser seu amante, exige que a presenteie com bens materiais. Encontrar o jogador quer também Eusébio, o fazendeiro, para cobrar uma
promessa de casamento que fez à filha Quinota, quando passou por São João do Sabará como um caixeiro viajante. E ‗correndo por
fora‘ está Figueiredo, aposentado que aprecia mulatas e se empenha em lançá-las ‗na
vida‘, interessando-se, portanto por Benvinda, a empregada da família interiorana.
Dada a partida, os tipos já intensamente caracterizados, e assim compondo a
encenação com base no estereótipo, atravessam a representação cenográfica de
lugares que representam a Capital Federal, recorrendo a meios para conquistar seus
objetivos que denotam, em alguns casos, total ausência ética e moral. Nesse campo
fértil, Azevedo, já experiente na expressão cômica, tanto no teatro como em sua
produção literária, combina gêneros de teatro popular, e assim expressa, entre buscas
e fugas desabaladas, através de questão relevantes da época, como os vícios, a
corrupção e os amores venais.
As personagens femininas

Lola, a inescrupulosa cortesã, metaforizada a partir de suas relações econômicas, em que o seu valor de
troca é a própria sexualidade, manipulando os desejos masculinos para o seu proveito material, atinge o
mais alto grau de mordacidade da peça e assim oferece ao público uma inversão de valores, trazendo
ótimos resultados cômicos. Suas investidas são sempre voluptuosas, como podemos notar nas suas
aparições, primeiro em busca por Gouveia, no Grande Hotel e em lugares públicos, depois na festa à
fantasia, que traz uma referência clara a um tipo de espetáculo comum da época nos quais prepondera o
apelo erótico, e por fim no Belódromo, o quadro onde todas as personagens se reencontram.

“Valsa Eu sem dó aplico-lhe


Eu tenho uma grande virtude: Rijo pontapé!
Sou franca, não posso mentir! Eu tenho uma linha traçada,
Comigo somente se ilude E juro que não me dou mal...
Quem mesmo se queira iludir! Desfruto uma vida folgada
Porque quando apanho um sujeito E evito morrer no hospital.
Ingênuo, simplório, babão, Descuidosa,
Necessariamente aproveito, Venturosa,
Fingindo por ele paixão! Com folias
Engolindo a pílula, Sem amar,
Logo esse imbecil! Passo os dias
Põe-se a fazer dívidas A folgar!
E loucuras mil! Só conheço as alegrias,
Quando enfim, o mísero Sem tristezas procurar!
Já nada mais é, Eu tenho uma grande virtude, etc...
Mas vamos, faça o favor de indicar-me o quarto do Gouveia.”

Integrando os tipos femininos está a mulata Benvinda, ou como diz o aposentado Figueiredo:
“trigueira, por ser menos rebarbativo” , - em um jargão que anuncia suas intenções , que de serviçal é
promovida à cortesã, mas nas entrelinhas revela o papel de cortesã. A personagem, em suas novas atitudes
e vestimentas quando muda de classe social,- sempre inadequadas ao contexto, estiliza a gafe como efeito
cômico a partir das possibilidades de contraste entre a raça negra e o estilo europeu,- que seriam um
figurino com exagero de cores e formas, e também sua inabilidade com os termos em francês, exibindo
uma seqüência de disparidades. Vale lembrar que o grande sucesso que esse tipo teve fez proliferar nos
palcos brasileiros, nos primeiros decênios do século XX, o estereótipo da mulata faceira e sensual.

Fortunata, a mãe de família rural, avessa às veleidades da vida urbana, busca a reintegração do
seu lar, seja pelo casamento da filha com Gouveia ou na busca pelo marido, que abandona a família
para se envolver com Lola. Reagindo com estranhamento às relações instituídas pelos vícios da
cidade, que dela tiraram o noivo da filha Quinota, a agregada Benvinda e o marido Eusébio,
mantém no desenrolar do espetáculo uma certeza moral, mesmo expressa de forma rude, e consegue a
façanha de ser a grande redentora final. Mas essa vitória se deve mais ao insucesso dos planos das
outras personagens que as suas atitudes, norteadas pela vontade de retorno à vida rural. Prejudicada
por toda espécie de exploração, seja quanto à moradia, que a leva a viver em uma espelunca, quanto à
estrutura familiar, com a ausência do pai provedor, envolvido com a sedutora espanhola, sua
participação toma importância no final. É quando, em um desfecho inverossímil, recolhe as ―ovelhas
desgarradas do seu rebanho‖, para junto a ela retornar ao seu meio, que sendo rural, representa na
peça virtudes perdidas com a degenerescência da ordem urbana.

Os personagens masculinos

Dos personagens masculinos, podemos dizer que geralmente são acometidos pelo ―micróbio da pândega‖,
expressão da época para definir a susceptibilidade dos homens aos amores ilícitos e ao jogo, e assim
desestruturando a família. E é nessa área de conflito, entre a tradição moral e a licenciosidade, que os
homens transitam, deflagrando toda uma série de movimentos, por vezes por serem procurados, outras por
estarem à procura. Essa dualidade é nítida nas palavras de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe",
posfácio, 274):
“...A malícia de "A Capital Federal", peculiar ao teatro da passagem do século, nasce precisamente dessa
ambigüidade, desta luta meio escondida, meio declarada, entre a força do sexo e a percepção aguda das
convenções sociais, entre o que o indivíduo quer e o que a sociedade solicita
dele em termos de compostura moral”.
Dentro dessa perspectiva moral temos Eusébio, o fazendeiro, em princípio
defensor da tradicional família (mineira) ―descendo ao inferno‖ para buscar o
já corrompido noivo fujão Gouveia. (Eusébio, personagem do ator Brandão,
que fizera tanto sucesso em ―O Tribofe‖, e que o teria feito a insistir para que
Azevedo criasse um novo texto, que viria a ser ―A Capital Federal‖, é quem
em suas peripécias faz que extratos sociais apresentem suas intenções, nem
sempre as melhores.). O seu envolvimento com Lola, que viria depois a ser
desmascarada como falsa espanhola, sua incursão no mundo das regras sociais,
rendendo muita comicidade, que atinge o ponto alto da peça na festa à fantasia
e, por fim, o seu retorno (arrependido) à tradição familiar, confere ao
personagem uma posição de destaque em relação aos outros. Suas decisões e atitudes refletem no movimento cênico, sempre
desencadeando outras ações: a chegada à capital federal com a missão de procurar o noivo da filha, que por sua vez irá possibilitar a
relação de Benvinda e Figueiredo e a dele próprio com Lola, que o faz abandonar a família.
Figueiredo, logo no início apresentado pelo gerente do hotel como “o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito”, e que
justifica sua especialidade em lançar mulatas pelo fato de ser “solteiro, aposentado e independente”, assedia insistentemente a mulata
Benvinda, para depois encarregar-se da sua transformação de serviçal roceira em uma cortesã. Suas tentativas de ensinar a mulata,
como na passagem em que se encontram no Largo de São Francisco, em que o próprio Figueiredo caminha como uma dama como
demonstração, alcançam proporções hilariantes.
A entrada dos dois personagens na festa à fantasia na casa de Lola, vestidos de Radamés e Aída, e a sucessão de gafes cometidas
por Benvinda, rebatizada D. Fredegonda, deixando Figueiredo apreensivo, resultam em diálogos carregados de humor. Este, aliás,
que tem como único objetivo lançar mulatas, mesmo sendo um dos personagens principais, não interfere diretamente no enredo.

“Quadro VII Figueiredo


(Rico salão de baile profusamente iluminado)
Cena II II
Os mesmos, Figueiredo e Benvinda Diz tolices,
(Entra Figueiredo, vestido de Radamés, trazendo pela mão Parvoíces,
Benvinda, vestida de Aída.) Se abre a boca pra falar,
Figueiredo Se se cala
I Se não fala,
Eis Aída, Pode as pedras encantar!
Conduzida Eu a lanço
Pela mão de Radamés Sem descanso!
Vem chibante, Na pontíssima estará
Coruscante, A trigueira
Da cabeça até os pés!... Mais faceira
Que lindeza! De São João do Sabará!
Que beleza! Coro
Meus senhores aqui está A trigueira, etc...”
A trigueira
Mais faceira
De São João do Sabará!
Coro
A trigueira, etc...

Sempre esquivo às investidas de outras personagens, principalmente de Lola, cheio de exigências quantos às regras, o que o torna
irritadiço, e com apartes sarcásticos, Figueiredo atravessa toda a ação paralelamente; interagindo com todos os outros personagens
formalmente, que se altera nas suas cenas com Benvinda, revelando toda a sua ironia. Além disso, sua presença serve para ‗costurar‘
as cenas da trama principal e algumas vezes chegando a concluí-la, quando na
passagem que encontra e lê a carta do cocheiro Lourenço para a patroa Lola,
avisando que tinha roubado todas as jóias e dinheiro da falsa espanhola.
Gouveia, o galã enrascado, sendo procurado por todos os lados, tanto pela família
mineira, como por Lola, e dividido entre a compulsão ao jogo e o amor romântico de
Quinota, entra em um processo de decadência decorrente do vício. As passagens
que aparece pontua a sua descida à completa miséria, que logo será percebida por
Lola, que o expulsa de casa, no começo do quadro da festa à fantasia,
adequadamente vestido de ‗Mefistófeles‘.
Daí, aparece redimido com Quinota e Fortunada no quadro do Belódromo, para
depois, completamente falido, novamente sumir. E o seu retorno deve-se ao
encontro com o arrenpedido Eusébio, que juntos resolvem voltar ao convívio da família. E nos momentos finais, em uma solução
arbitrada pelo fazendeiro,- que o faz sócio na fazenda e se case com Quinota, que Gouveia se livra definitivamente do tal ―micróbio
da pândega‖.
Completando o painel social, temos vários personagens secundários, sendo os mais expressivos: Quinota, a mocinha romântica,
Lourenço, o serviçal cúmplice e amante da cortesã, Duquinha, o pretenso poeta decadentista, Rodrigues, o agiota e pai de família
falso-moralista e Juquinha, a criança mimada e irrequieta. E também a exigência constante de um grande número de figurantes na
maioria das cenas, como por exemplo os hóspedes e criados do hotel, cocotes, transeuntes, velocistas, apostadores e convidados do
baile à fantasia.

O Cenário
A cenografia representava, no teatro popular brasileiro do final do século XIX, um recurso indispensável para a realização de
gêneros que necessitavam de efeitos espetaculares e grandiosos cenários, e assim criando momentos apoteóticos, para delírio da
platéia. Com o crescente interesse do público pelos efeitos cenográficos e todas as novidades que eles podiam proporcionar, toma
importância, em alguns casos mais que o autor e o diretor do espetáculo, a figura do cenógrafo, que podemos citar como os mais
importantes os italianos radicados no Brasil: Gaetano Carrancini e Oreste Oliva. Acerca dessa forte tendência plástica do teatro, vale
registrar a avaliação de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe", 266):

“... mais que a maestria do autor e dos intérpretes, o talento criador e os conhecimentos técnicos do cenógrafo, a sua
engenhosidade em tirar proveito daquelas complicadas máquinas que no século dezenove cercavam o palco, escondendo-se por trás
dos bastidores, acima das gambiarras e por baixo do tablado. A função delas era produzir uma espécie de realismo ingênuo,
material, que o realismo fotográfico do cinema, muito mais convincente, logo tornaria obsoleto, dando outros rumos ao teatro”.

Azevedo, mesmo preocupado com a importância do texto que a cenografia tornava menor, conta com a colaboração desses
profissionais para a montagem de suas revistas e operetas cômicas. Em ―A Capital Federal‖, que tinha Carrancini como cenógrafo,
encarregado de criar uma panorâmica sobre a cidade do Rio de Janeiro, com mutações constantes que desencadeia uma ação ágil,
encurtando as falas e assim não permitindo um aprofundamento das personagens, e, nesse aspecto, aproximando-se do espírito do
teatro de revista. O final confirma essa vocação com a ausência total de atores, em uma ‗apoteose à vida rural‘, na qual a música e os
efeitos cênicos suprimem o texto. Quanto a essa questão das ―modalidades de teatro musicado ter presidido a elaboração da ‗A Capital
Federal‘‖, acrescenta muito a transcrição de Prado (O Tribofe, 277) das palavras de Olavo Bilac, cronista e crítico, sobre o espetáculo
de estréia:
“E há uma pancada seca no bombo e nos timbales da orquestra, e abre-se o fundo da cena, e, por uma tarde batida de sol,
aparecem os arcos da Carioca, e, sobre eles, o bonde elétrico voando - numa esplêndida cenografia de Carrancini... E o pano cai, ao
reboar dos aplausos.”
Bilac refere-se, é claro, ao final do primeiro ato, no último quadro que têm apenas uma cena e uma única fala de Eusébio ( “- Oh! A
Capitá Federá! A Capitá Federá!...”), em um momento que a maquinaria teatral, exibindo sua exuberância com finalidade apoteótica,
minimiza a importância do texto, equiparando-se à mágica, que se utilizava desses recursos cênicos nas suas temáticas sobrenaturais.

Figurino e adereços
Ao propor a composição de tipos, e por isso basear-se na observação dos
costumes, a burleta de Arthur Azevedo recorre aos mais diversos padrões de
vestuário, de acordo com as personagens e as situações que se encontram. Em
princípio uniformizadas em suas funções sociais, como caipiras, cocotes,
burgueses, serviçais, para depois falsear a representação da realidade, no caso da
transformação de Benvinda, e, mais longamente, envolvendo várias personagens,
na festa à fantasia, com pretexto de criar a ilusão, revela verdades subjacentes, que
surge na inadequação dos tipos rurais às suas fantasias, em contraponto ao glamour
oferecido pelos representantes do meio urbano. Eusébio, vestido de pricês, se
embebedando com ponche flamejante, e Benvinda, como Aída, sendo conduzida e
"lançada" por Radamés ( Figueiredo), em meio à cocotes e convidados fantasiados,
possibilitam tonalidades berrantes, que, juntamente com a música e a dança, confirmando semelhança com a opereta.
E no quadro do Belódromo, quando a todo momento uma personagem sente a aproximação da chuva, anunciando uma apoteose
onde guarda-chuvas abertos, agitados por perseguições e fugas, mais do que acessórios de cena, servem para compor plasticamente o
espetáculo. Recurso, aliás, que estará sempre presente conforme as situações apresentadas: como as malas dos hóspedes do hotel na
abertura, a bagagem da família caipira chegando à capital (malas, trouxas e embrulhos), as lunetas (face-en-main) de Figueiredo e
Benvinda, a bicicleta de Juquinha, os indispensáveis chapéus, muitas jóias e, mesmo sem indicação no texto, um leque para completar
o disfarce de espanhola de Lola.

A música e a fala
No final do século XIX, as influências lingüísticas na sociedade brasileira lutavam com a imposição da língua padrão. Nesse
aspecto, Azevedo, mesmo sendo um erudito, registra em sua obra uma forma de falar próxima da realidade da personagem, como
recurso de caracterização. Em ―A Capital Federal‖, a fala das personagens, cristalizadas em seus próprios erros, no caso das
personagens rurais, ou nos estrangeirismos, nas urbanas, conferem aos diálogos o maior recurso de efeito cômico. O exemplo de
Benvinda, alçada a uma nova condição social, sendo ensinada por Figueiredo a mudar da rudimentar fala rural para o modo de falar
da capital, cheio de galicismos, é um dos pontos altos da peça, entre outros, que usam desse recurso.
Essencial à realização do espetáculo, a música, em ―A Capital Federal‖, que se encontrava entre o erudito e o popular e sem
correspondente aos padrões atuais, foi composta por quem possuía formação profissional apurada. Rejeitando as formas de música
popular, cantado nos circos, por seresteiros e trovadores de rua e que só eram aproveitadas, vez ou outra nas revistas, para caracterizar
a origem humilde da personagem, a música de teatro da época adaptava ao limite artístico nacional o modelo europeu para revistas e
operetas. E inspirada na opereta de Offenbach: La Vie Pariense, compara Prado (in ―O Tribofe‖, 278), “a opereta ganhava
intensidade em um momento de alegria furiosa” quando “no instante em que os fios do enredo, tendo atingido o auge do
entrelaçamento, começam a caminhar para a tranqüilidade do desenlace”, e apropriadamente colocado no centro da peça, como
nesta cena:

Lola:
Dancem! Dancem! Tudo dance E em La Vie Pariense, a cena correspondente:
Ninguém canse Tous, reprenant:
No cancã Fez partout!
Pois quem se acha aqui presente Lâchez tout!
Tudo é gente Qu'on s'élance,
Folgazã! Que l'on danse! etc. etc.
(cancã desenfreado em torno à mesa)

E Azevedo, explicando a criação de uma opereta cômica a partir de ―O Tribofe‖, uma revista do ano, e suas opções musicais,
conclui com essas palavras, conforme transcrição de Prado (in "O Tribofe", 271):
“..., resolvi escrever uma peça espetaculosa, que deparasse aos nossos
cenógrafos, como deparou, mais uma ocasião de fazer boa figura, e recorri
também ao indispensável condimento da música ligeira, sem contudo, descer
até o gênero conhecido pela característica denominação de maxixe.
Foram conservados alguns bonitos números da partitura do Tribofe, escrita
pelo inspirado Assis Pacheco, e introduzida uma linda valsa, composta por
Luís Moreira. Da composição de todos os demais números, que não são
poucos, em boa hora se encarregou o jovem Nicolino Milano, talento musical
de primeira ordem, a quem está reservado um grande futuro na arte
brasileira.”
Mais uma vez, o autor maranhense, ao louvar os seus colaboradores, revela a receita da sua grande popularidade, ao se aliar, sem
preconceitos, aos meios de expressão artística ora definidos como comerciais. Sempre defensivo quanto ao estigma de agente da
decadência do teatro brasileiro em suas respostas à crítica que o condenava, Azevedo conseguiu, em sua enérgica trajetória de homem
de teatro, transpor os limites que os gêneros populares impunham, e registrar, em ―A Capital Federal‖, um padrão para o humor
nacional e uma valiosa descrição dos costumes de uma época decisiva na formação da sociedade urbana brasileira. Hábil na caricatura
de personagens, e com isso manipulando-os para alcançar o seu maior objetivo: comunicar-se com grandes platéias, o autor constrói
tipos anedóticos, antecipando um conceito de humor que tanto proliferou no teatro popular brasileiro, calou-se no getulismo e voltou
licencioso no pós-guerra, rebatizado de ―Teatro de Revista‖. A mulata faceira e sensual, o caipira ingênuo, a cortesã estrangeira, o
corrupto e tantos outros, são tipos que habitam o imaginário popular e até hoje encontram espaço no cenário do humor nacional. Em
meio a todas as inovações tecnológicas, Arthur Azevedo mantém-se firme no seu maior desejo: fazer o povo rir.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AZEVEDO, Arthur. A Capital Federal. Rio de Janeiro, Ed. Letras e Artes, 1965.
_____. O Tribofe, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira/Fund. Casa de Rui Barbosa, 1986.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 2 ed. São Paulo, Ed. Cultrix, 1977.
FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil, São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001.
MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1962.
PRADO, Décio de Almeida. Posfácio: Do Tribofe à Capital Federal. (em O Tribofe), Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1986.

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