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TextodoArtigo 89894 1 10 202401151
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RESUMO
Este artigo busca compreender como se dá o movimento de discentes na denúncia das colonialidades e no anúncio de uma
Sociabilidade Outra a partir da Associação dos Discentes Quilombolas de uma universidade pública, configurando-se em um
espaço pedagógico decolonial da militância. Analisamos as características dos processos educativos e como se desenvolve
nesta Associação uma Educação Outra. Com base na etnografia decolonial, o corpus da pesquisa foi construído a partir de
observação participante e entrevistas dialógicas. Os resultados revelam processos educativos ligados ao que chamamos de
Pedagogias decoloniais da militância.
Palavras-chave: Pedagogias decoloniais; Militância quilombola; Universidade.
ABSTRACT
This article seeks to understand how the movement of students takes place in the denunciation of colonialities and in the
announcement of an Other Sociability from the Association of Quilombola Students of a public university, configuring itself in
a decolonial pedagogical space of militancy. We analyze the characteristics of the educational processes and how an Other
Education is developed in this Association. Based on decolonial ethnography, the research corpus was constructed from
participant observation and dialogic interviews. The results reveal educational processes linked to what we call decolonial
pedagogies of militancy.
Keywords: Decolonial pedagogies; Quilombola militance; University.
RESUMEN
Este artículo busca comprender cómo se produce el movimiento estudiantil en la denuncia de las colonialidades y en el
anuncio de una Otra Sociabilidad desde la Asociación de Estudiantes Quilombolas de una universidad pública,
configurándose en un espacio pedagógico descolonial de la militancia. Analizamos las características de los procesos
educativos y cómo se desarrolla una Otra Educación en esta Asociación. Con base en la etnografía decolonial, el corpus de
investigación se construyó a partir de la observación participante y entrevistas dialógicas. Los resultados revelan procesos
educativos vinculados a lo que llamamos Pedagogías decoloniales de la militancia.
Palabras clave: Pedagogías decoloniales; Militancia Quilombola; Universidad.
1
Universidade Federal do Pará – UFPA – Pará – Brasil.
2
Universidade do Estado do Pará – UEPA – Pará – Brasil.
INTRODUÇÃO
A busca por igualdade de direitos à educação, ao trabalho, à saúde e ao território é uma luta
que tem feito parte da vivência das populações quilombolas no Brasil. O quilombo, quando de sua
criação, não era um espaço simplesmente de “negros fugidos”, mas um espaço de sociabilidade
Outra, e hoje, os sujeitos quilombolas buscam lutar pelo que lhes foi roubado, sua humanização e
dignidade à vida em sociedade. Neste sentido, a universidade tem sido um espaço estratégico de
fazerem o “caminho de volta”3 em busca de seus direitos.
Assim, como uma bandeira de luta dos/as quilombolas, o acesso e a permanência na
universidade têm levado estes sujeitos a ocuparem o espaço universitário, tornando esse território
do saber também um espaço de resistência e de reexistência quilombola.
Nas denúncias dos/as discentes quilombolas vemos seus enfrentamentos na universidade
diante da negação de seus saberes e de suas racionalidades em face de currículos acadêmicos
eurocêntricos. Porém, a partir das experiências de militância e como sujeitos pedagógicos, no
movimento de luta criam pedagogias Outras, projetos Outros de sociabilidade e de universidade.
Miguel Arroyo (2014) nos chama atenção com o questionamento: “Mas o que aprender dos
movimentos sociais no campo da pedagogia?” E nos leva à reflexão de que: “[...] se reconhecem
sujeitos de conhecimento, de valores, culturas, sujeitos de processos de
humanização/emancipação. Sujeitos pedagógicos produzindo Outras Pedagogias”. Neste sentido,
podemos perceber que, para além do paradigma de educação dominante e das pedagogias
tradicionais, as Outras Pedagogias confrontam tais paradigmas e nos levam a pensarmos em
processos educacionais democráticos, dialógico, humanizados e decoloniais.
A partir da relação de Otredad e Mismidad, buscamos Corazonar4 com a Associação dos
Discentes Quilombolas da Universidade Federal do Pará (ADQ/UFPA) e assim fomos ao encontro
de suas lutas, feridas, mas também de suas pedagogias e horizontes Outros de poder, ser, sentir e
viver.
Visto isto, organizamos este artigo, primeiramente, refletindo o caminho teórico-
metodológico assumido, no qual Corazonamos a pesquisa em encontros dialógicos. Em seguida
debatemos sobre a inter-relação das colonialidades e o reinventar das populações quilombolas
diante da escravidão e do colonialismo no Brasil. E por fim, sobre as pedagogias decoloniais da
militância na ADQ/UFPA, suas características e sua configuração como uma educação Outra na
universidade.
3
A noção “caminho de volta” surgiu das entrevistas dialógicas. Mais adiante, na análise dos dados, a categoria
será explicada.
4
Segundo Arias (2010) CORAZONAR é romper com a fragmentação da condição humana. É um sentir-pensar, em
que a razão não se sobrepõe ao afeto, mas busca integrar a afetividade e a razão como uma dimensão integral
do ser humano.
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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Segundo Arias (2010) a “Antropologia comprometida com a vida” é uma perspectiva que ao desenvolver um
estudo do ser humano, busca entender a diversidade e a diferença cultural da humanidade. É a possibilidade de
ir ao encontro do/a Outro/a, além disso, ir ao encontro dos descobrimentos de nós mesmos/as.
6
Segundo Arias (2010) é um movimento de ir de si ao encontro do/a Outro/a (Otredad) em sua diferença, para
poder regressar ao encontro de si mesmo/a (Mismidad), como um movimento dialógico com os/as
interlocutores/as.
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Noção baseada no conceito de Paulo Freire (2013), para quem os temas geradores emergem do context
histórico e existencial dos sujeitos e se desdobram em outras temáticas para problematização da realidade.
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Paulo Freire (2019), com base no conceito criado por Mário D´Olne Campos, traz a ideia de “sulear” para
chamar atenção sobre a ideologia eurocêntrica presente no vocábulo “nortear”.
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‘Misturar para melhor controlar’ fora a fórmula seguinte, encaminhada pelos traficantes já
nos porões dos navios negreiros e nos leilões de escravos em solo americano, mas sobretudo
pelos administradores coloniais nos engenhos de açúcar, minas de ouro e prata, fazendas de
café (BARROS, 2014, p. 114).
9
Enrique Dussel (1994), com esta noção, empreende crítica contundente ao eurocentrismo que, ao constituir as
culturas, saberes e pessoas não europeias como objetos, faz um movimento de encobrimento, silenciamento e
opressão.
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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pensante que detém o saber legítimo e a “[...] capacidade de apresentar sua própria narrativa
histórica como conhecimento objetivo, científico e universal e sua visão da sociedade moderna
como a forma mais avançada” (LANDER, 2005, p. 8), tendo, por isso, sua humanidade reconhecida
e legitimada.
Diante disto, no sistema colonial no Brasil, a negação dos saberes e filosofias ligadas às
religiosidades, sabedorias e ancestralidade africanas reforçou a negação da humanidade dos/as
negros/as, o que serviu como uma justificativa racista para a objetificação da população negra no
sistema escravista e colonial brasileiro, reproduzindo, portanto, a colonialidade do poder.
As relações de trabalho sob o controle econômico (colonial e capitalista) estabelecem no
Brasil uma relação econômica e de trabalho que se dá por meio da classificação racial da
população e estabelecimento de hierarquias a partir das interseções de classe, raça, gênero e
sexualidade, de modo interseccionado. Assim, podemos perceber a inter-relação entre as
colonialidades do ser, saber e poder, visto a partir da construção de um imaginário racializado e
estereotipado sobre o povo negro, e que se aprofunda com as mulheres negras, vítimas da
colonialidade de gênero.
Para Lugones (2014), a colonialidade de gênero encontra-se em um debate que está além
da redução do corpo da mulher a “objeto sexual”, que levou e continua a levar as mulheres negras
a sofreram todo tipo de violência. Mas está também na marginalização e criminalização das
práticas e saberes medicinais, do cosmos e de cultivo destas mulheres, vistas como “seres não
pensantes” e até “bestiais”, negando ontologicamente a possibilidade de existência humana das
mulheres negras, indígenas e de outros povos.
Considerando a condição (não) humana dos/as negros/as, suas relações sociais, seus
sentimentos, culturas, saberes e como sujeitos históricos, marcada pelo racismo, pelo capitalismo,
pelo colonialismo e pelo patriarcado, emergem, em reação, resistências e reexistências decoloniais
quilombolas, nos mais diferentes espaços que ocupam, inclusive o ambiente universitário. Reações
contrárias ao sistema escravista foram vivenciadas de diferentes formas, “fugas individuais ou em
massa, agressões contra senhores, resistência cotidiana fizeram parte das relações entre senhores
e escravos, desde os primeiros tempos” (FAUSTO, 1995, p.52).
Dentre as diferentes formas de reações, é importante destacar as criações dos quilombos
como representação de luta e resistência dos/as negros/as de maneira territorial, política, cultural
e econômica, um “processo tradicional da busca pela liberdade consistiu invariavelmente na fuga
para os matos, onde os negros se reuniam, solidários entre si, e formavam os quilombos” (SALLES,
1971, p. 203).
Diante de um sistema colonial, criar quilombos foi uma das formas de combate dos/as
negros/as escravizados/as que não aceitavam sua condição de inferioridade. Porém, mesmo
sendo, fundamentalmente, um espaço para se refugiarem, o “quilombo não significou apenas um
lugar de refúgio de negros fugidos, mas a organização de uma sociedade livre” (SILVA, 2009, p. 2).
Assim, os quilombos se constituem espaços de organização social, econômica, política e de
saberes fundamentados na ancestralidade, nas sabedorias e filosofias africanas e afro-brasileiras,
estabelecendo, também, um processo de educação própria.
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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Vale ressaltar que na pesquisa com os/as quilombolas da ADQ/UFPA foi possível ir ao
encontro de suas histórias, saberes e lutas, o que nos levou à reflexão de que quando falamos “da
história dos/as quilombolas”, não podemos nos dirigir no singular, mas entender que estamos
falando de histórias no plural que, na contramão da história oficial, têm muito a nos ensinar quando
incorpora, além da história “molar”, também, as micro-histórias, os agentes “moleculares”, que
trazem a resistência do povo negro em sua diversidade, riqueza e complexidade. Um dos
interlocutores da pesquisa, Abacatal (2021), para além da narrativa histórica já consolidada sobre a
origem dos quilombolas, diz que seu quilombo não foi um espaço ocupado por negros/as
fugidos/as, mas uma conquista territorial, na qual o senhores saíram das terras e seus/suas
ancestrais, resistentes na luta, ficaram no território, hoje titulado como remanescente de quilombo.
Visto isto, chamamos atenção para a importância de reconhecer as micro-histórias dos
quilombos brasileiros, identificando suas diferentes estratégias de resistência e reexistência na
reinvenção da situação colonial em projetos Outros de sociabilidade nos quilombos, pautados em
sabedorias éticas voltadas à solidariedade, liberdade, igualdade e a uma relação com a terra que
não se pauta na lógica do capital, mas em uma relação do bem-viver10.
Também, podemos falar das sabedorias políticas forjadas nas lutas e resistências pelos
direitos às suas humanidades, que foram violentamente atacadas pelo projeto colonizador e as
sabedorias ontológicas na compreensão de quem são, no individual e em coletivo, e na
compreensão de suas origens.
Mediante a isto, podemos dizer que os territórios quilombolas, desde suas criações, são
constituídos de um conhecimento carregado de ancestralidade, inscritos em um horizonte Outro de
existência, que nega se subjugar ao projeto moderno/capitalista/patriarcal/colonial. Logo, tais
sabedorias, em reinvenção, se fazem pilares de resistência diante da estrutura colonial. Sendo
assim, do ponto de vista das práticas epistêmicas e de luta dos povos, entende-se “[...] a aplicação
dos saberes ancestrais, não como algo ligado a uma localidade e temporalidade do passado, mas
como conhecimentos que têm contemporaneidade para criticamente ler o mundo [...] e atuar no
presente” (WALSH, 2009, p. 5).
Deste modo, embebidos/as de sua memória de luta ancestral, povos negros e quilombolas
estão na busca permanente e aguerrida pelo reconhecimento e validação dos seus direitos. Sobre
as diferentes facetas do racismo que incide sobre essas populações, estas têm sido pautas para as
lutas tanto dentro das comunidades remanescentes de quilombo como fora delas, como nas
universidades, combatendo as marcas do projeto moderno-colonial. É neste sentido que afirmamos
que os quilombolas têm feito o caminho de volta em busca de seus direitos e de suas
humanizações roubadas, termo que foi utilizado por Genipaúba (2021) em sua entrevista.
Segundo Genipaúba (2021), no período escravocrata, muitos/as negros/as se refugiaram
nos quilombos como resistência ao regime colonial que os/as desumanizava e violentava, em seu
10
O Bem Viver é um nome usado para corresponder a um modo outro de se organizar em coletivo. Assim, abarca
as relações e cosmopercepções das populações tradicionais, das florestas e rios que não seguem a lógica do
capital em seus projetos de sociabilidades, e buscam, em contrapartida, reciprocidade, solidariedade e relação
equilibrada com Pachamama. Alberto Acosta (2016), um dos estudiosos do conceito, também nos chama
atenção para a correspondência do termo com a filosofia africana do Ubuntu.
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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modo de ser, pensar, agir e sentir. Hoje ao voltarem para a “cidade grande”, fazem esse caminho de
volta em busca de direitos que lhes foram negados, como o direito à educação.
Importante bandeira de luta dos/as quilombolas, o acesso e a permanência na universidade
os/as levam a ocupar o espaço universitário, historicamente elitista, racista e colonial,
reconhecendo que o “território do saber” é um importante espaço de resistência e de reexistência,
pois, ao adentrarem na universidade, trazem consigo suas comunidades, e levam para aos/às
seus/suas irmãos/ãs de luta todo o conhecimento construído em suas trajetórias pessoais,
coletivas e acadêmicas.
É neste sentindo que buscamos entender a militância quilombola como uma expressão das
pedagogias decoloniais.
Diante do contexto de políticas de ação afirmativa, desde 2013 os/as discentes quilombolas
começaram a ter acesso, ainda lenta e insuficiente, aos variados cursos de graduação da UFPA, por
meio de Processo Seletivo Especial (PSE). Assim, com Arroyo (2014), percebemos que os Outros
Sujeitos, como os/as quilombolas, ao chegarem à universidade e terem suas culturas, identidades,
experiências, saberes e demandas sociais inferiorizadas por paradigmas hegemônicos que
configuram a mesma, têm resistido e afirmado suas presenças, “[...] sujeitos de Outras Pedagogias
e de outros saberes e [que] façam desse território tão cercado um campo de disputa política”
(ARROYO, 2014, p. 33). Diante disto, se organizam em coletividade na luta pelos seus direitos
neste espaço de vivência, acolhimento e produção intelectual e cultural, que é a ADQ/UFPA.
Ao chegarem na UFPA e se depararem com a ausência de políticas e assistências para as
populações quilombolas, os/as estudantes viram a importância de se organizarem construindo um
espaço de representação do povo quilombola. É assim que surge, no ano de 2016, a Associação dos
Discentes Quilombolas (ADQ/UFPA), estruturada em nove coordenações: Administrativa;
Financeira; Secretaria; Projetos; Articulação; Diversidade e Gênero; Cultura, Esporte e Lazer;
Formação; e Comunicação Social.
Assim, vemos que “um dos espaços negados e porque lutam são as instituições do
conhecimento, escolas, universidades, centros de pesquisa e de produção do conhecimento”
(ARROYO, 2014, p. 213), espaços esses que são reinventados em Outras experiências culturais,
sociais, políticas e pedagógicas e nesse movimento de reinvenção, o paradigma hegemônico
acadêmico tem sido combatido, insurgindo na luta as pedagogias decoloniais da militância.
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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Assim, em cada luta e conquista, os/as discentes quilombolas aprendem e ensinam que no
assistencialismo não se promove o pensamento crítico social e a transformação necessária, mas a
manutenção das desigualdades sociais.
Em vivência de luta coletiva e solidária, nos deparamos na ADQ/UFPA com a “Pedagogia do
respeito”. Diante das relações hierárquicas estabelecidas na estrutura social, na associação as
relações estabelecidas nos direcionam à humildade ao se compreender que não se pode lutar por
humanização, por liberdade e justiça social em detrimento do/a Outro/a.
Visto isto, com a “Pedagogia do respeito” questionam-se as pedagogias tradicionais: “Como
posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros,
meros ‘isto’, em quem não reconheço outros eu?” (FREIRE, 2013, p. 111). Deste modo, a partir das
relações e lutas, com a ADQ/UFPA nos deparamos com experiências que também são formativas e
que nos fazem pensar em processos pedagógicos respeitosos, permanentes e inconclusos.
Por fim, foi possível identificar na ADQ/UFPA o que chamamos de “Pedagogia da
perseverança”. A partir de seus históricos de luta e resistência, nos deparamos como a reexistência
do coletivo e de seu povo como um todo. Como diz a interlocutora Magueiras (2021): “é muito
triste pensar que os meus foram retirados de seus lugares a força, de suas famílias para chegar até
aqui e servirem como escravos. Porém, quanto mais ferem nossa existência, nós somos
resistência”.
Aprendemos com a perseverança do coletivo na luta diante do racismo, das opressões,
violências e marginalizações em defesa de seus saberes, memórias, culturas, histórias, imaginários,
no “Quilombinho” (como é chamada a ADQ/UFPA), que estes/as se movem em um esperançar em
busca de uma universidade Outra, que seja dialógica, democrática e antirracista.
como já aconteceu de um de nós ser discriminado, ou ter algum problema, a ADQ se levantar,
outros se levantavam e ir em busca do direito, então se levantava e fazia a defesa. [...] Isso
não é um fato de que a gente começa aprender ali, não. Isso a gente leva das nossas
realidades, então precisamos fazer com que esse coletivo fortaleça. Demonstre que nós
somos um povo diferente, e precisamos ser respeitados com a nossa cultura, com as nossas
demandas e com os nossos saberes (ABUÍ, 2021).
Aprendemos com suas constantes buscas pelos direitos negados, que a educação é um ato
político e esperançoso, que se faz em um movimento de descontentamento diante do racismo,
exclusão, injustiça social, logo, diante da desumanização. Em contrapartida, a partir das
experiências vividas no “Quilombinho”, foi possível compreender que suas pedagogias são feitas
em dimensões ontológicas, éticas, estéticas e políticas trazidas de suas ancestralidades para a
“ação-reflexão-ação” da militância na universidade. Assim, podemos perceber que os/as discentes
quilombolas são ontologicamente em coletivo, solidários, respeitosos e perseverantes, o que se
evidencia na “existencialidade” de seu povo, em suas relações nas comunidades e na própria
ADQ/UFPA, por isso:
Quando a gente diz que ali é um espaço, é um quilombo que tá ocupando um espaço dentro
da universidade, é porque a gente já traz esses adjetivos né... a gente leva isso pra lá [...]
então quando a gente demostra essa solidariedade por exemplo, a gente não tá fazendo pelo
fato de que a gente viu aquela necessidade, isso é um cotidiano que já se leva da
comunidade, quando chega lá pra gente é normal isso, é normal um contribuir com o outro”
(GENIPAÚBA, 2021).
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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Visto isto, podemos compreender falas recorrentes dos/as discentes quilombolas que
reconhecem que seu ingresso não foi uma conquista individual, mas coletiva, por compreenderem
que é uma conquista de toda a população quilombola. Logo, nota-se na ADQ/UFPA que nas suas
pedagogias decoloniais da militância a insurgência destas se faz a partir de como ontologicamente
os/as quilombolas se fazem como sujeitos individuais e coletivos.
Assim podemos também identificar a dimensão ética destas Pedagogias, na construção de
uma educação Outra na educação superior, que seja justa, antirracista, democrática, dialógica e
amorosa no sentido de assumir o compromisso ético-político com as demandas sociais dos
contextos educacionais que se fazem presente na universidade. Também nos deparamos com a
dimensão estética das Pedagogias decoloniais da militância, visto que, na construção de uma
educação Outra, busca-se confrontar a feiura do paradigma vigente rumo a sua boniteza (FREIRE,
2011).
Neste sentindo, quando falamos em feiura e boniteza, partimos do pensamento freireano da
denúncia da desumanização (das colonialidades) presente na estrutura social e no paradigma
educacional em direção a experiências humanizadoras (decoloniais), o que nos leva à dimensão
política das pedagogias decoloniais da militância na ADQ/UFPA, pois são feitas na indignação, no
descontentamento, na problematização da feiura presente na estrutura universitária, nas relações
formativas e interpessoais, em busca de sua superação.
Deste modo, podemos destacar que na ADQ/UFPA as pedagogias decoloniais da militância
se configuram no projeto de uma educação Outra, que confronta as pedagogias tradicionais. “Essa
tem sido ao longo da história de resistências às pedagogias colonizadoras uma das funções dos
movimentos sociais: desestabilizar a pedagogia hegemônica nas bases de sua autoidentidade [...]”
(ARROYO, 2014, p. 30). Portanto, em “marchas decoloniais”, a ADQ/UFPA vem construindo um
projeto de educação que seja transgressor, insurgente, crítico, dialógico e decolonial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, buscamos empreender um olhar crítico sobre a realidade social e educacional
brasileira a partir de movimentos de luta do Sul global e, em particular, dos movimentos
quilombolas que lutam pela democratização da educação superior e a superação das colonialidades
presentes nas universidades ocidentalizadas.
A intelectual Zélia Amador de Deus nos leva a questionarmos: “será que estamos pensando
as teorias apenas a partir dos/as intelectuais já conhecidos/as pela academia?” Como as “Zélias”
têm repensado Fanon, Freire e demais teóricos nas vivências nos territórios quilombolas, nas
universidades? Quais pensamentos políticos e pedagógicos os “ Outros Sujeitos” (quilombolas)
trazem para a centralidade dos debates acadêmicos a partir de seus horizontes de existência? O
que aprender com suas Pedagogias decoloniais da militância?
Tais interrogações nos levam à reflexão de que precisamos avançar em nossos debates,
reconhecendo e compreendendo os pensamentos pedagógicos presentes no exercício de repensar
teóricos e teorias a partir dos povos da Amazônia, dos/as pesquisadores/as e intelectuais
Reflexão e Ação [ISSN 1982-9949]. Santa Cruz do Sul, v. 31, n. 2, p. 137-151, mai./ago. 2023.
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