A tradição zoológica que atravessa a literatura ocidental é extensa e
cheia de matizes. De Esopo (620-560 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) e Plínio, o Velho (23-79 d.C.), passando por Isidoro de Sevilha (560-636 d.C.) e os bestiários medievais, até os relatos de viajantes do século 16 e os inúmeros bestiários modernos e contemporâneos de distintas nacionalidades, os animais nunca deixaram de se inscrever de maneira incisiva no imaginário poético do Ocidente.
Esopo, com suas fábulas moralizantes, levou os animais (convertidos
em metáforas do humano) para o campo exclusivo da ficção, inaugurando uma vertente zooliterária que atravessará os séculos com seu tom sentencioso e proverbial.
Surgida no Oriente, a fábula foi da Índia à China e à Pérsia, chegando à
Grécia, no século 4 a.C., graças a Esopo, que reinventou o gênero. Definida por La Fontaine como uma “pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade”, e dotada, segundo Fedro, da dupla finalidade de divertir e de aconselhar, ela atravessou os séculos com suas estórias protagonizadas por animais e seu tom sentencioso, tendendo ora ao proverbial, ora ao satírico. A história dos animais, de Aristóteles: o primeiro grande compêndio científico-literário sobre o reino zoológico, no qual os animais foram tratados como animais, a partir de uma abordagem minuciosa que conjuga pesquisa, esforço taxonômico e imaginação criadora.
Resultado de uma minuciosa investigação bibliográfica, conjugada a
observações empíricas, informações recolhidas de outras pessoas, referências mitológicas, lendas e conjeturas do próprio autor, a enciclopédia aristotélica esquadrinha o mundo animal por vias distintas, tangenciando inclusive o fantasioso.
Essa mistura de ciência, erudição e imaginação é também uma marca
explícita da História natural de Plínio, o Velho, das Etimologias, de Santo Isidoro (que inclui a análise etimológica dos nomes dos animais, por vias eruditas e não menos inventivas), e do famoso Physiologus, livro de autoria incerta, provavelmente escrito no século 2, na Alexandria, o qual se transformou no modelo por excelência dos bestiários medievais, por representar, através da reconstituição alegórica do mundo natural segundo o viés cristão, todos os saberes acumulados pelos naturalistas do mundo antigo O bestiário: afirma-se nos séculos 12 e 13. É composto de pequenas narrativas que descrevem várias espécies animais, reais e imaginários, com propósitos morais e didáticos. Neste sentido, cada uma dessas narrativas é composta por duas partes distintas: uma parte descritiva de sentido literal (a descrição, proprietas ou naturas) e a sua moralização e interpretação teológica de sentido simbólico-alegórico (também designada como moralização, moralitas ou figuras).
Desdobra-se em modalidades diversas, que vão do texto moralizante ao
erótico, do religioso ao satírico.
“O bestiário constitui um dos tópicos alegóricos fundamentais da Idade
Média, e a partir de sua leitura é possível reconstruir as relações que o homem medieval mantinha com a natureza, e ao mesmo tempo, nos permite localizar sua posição no esquema geral das coisas criadas. Junto a esta zoologia simbólica, deve ser colocada também aquela medicina imaginária, cuja base de sua credibilidade e ampla aceitação surgia, assim como nos bestiários, da combinação de algumas observações empíricas com propósitos morais e religiosos, totalmente dentro de uma profusa e abundante ‘imagería’”. (Virginia Naughton) Criação dos animais terrestres Criação das aves e dos peixes Adão dá nome aos animais – Aberdeen Bestiary A raposa finge-se de morta – Physiologus, versão Y Bestiário telúrico (Manuscrito Asmole 1511 do Bestiário de Oxford da Biblioteca Bodleian, c. 1180-1220, fol. 11r.) O leão tentar ressuscitar sua cria Manticora Pelicanus Lebre Dragon The British Library Harley 4751 f. 7v- Grifo Mantícora Basilisco Bonacon-bestia parecida a un toro usando su estiercol como arma Do Bestiário de Aberdeen Dragão apocalíptico Centauro Capitel de Moradillo de Sedano (Burgos) A preguiça, segundo André Thevet O tucano, segundo André Thevet A pesca da baleia, segundo André Thevet